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A Era dos Festivais – Segunda parte Prof.

Pedro Ramos

3- II Festival da TV Excelsior, 1966

Porta Estandarte (Geraldo Vandré)

“A partir do I Festival da Excelsior, programa musical na televisão

brasileira seria outra coisa. Uma coisa única no mundo. E ainda mais: pela

primeira vez na história da televisão brasileira, o público tinha um contato direto

com o que acabava de sair do forno, a nova usina de produção da música

popular, a privilegiada geração dos anos 60.” (Zuza Homem de Melo, A Era dos

Festivais, uma parábola)

O Golpe Militar de 1964

No final de 1965 a situação da TV Excelsior era diferente de sua

avassaladora expansão até 1963. A partir de 1964 a cena mudou. Em 31 de março

desse ano é efetuado o golpe militar no Brasil com o propósito declarado de livrar

o Brasil do comunismo, que estaria sendo supostamente implementado através

das atitudes e reformas efetuadas até então pelo então presidente João Goulart.

Era a escalada da Guerra Fria (EUA x União Soviética) na América do Sul. Nessa

época os EUA estavam por trás, através de financiamento, dos golpes militares

na América do Sul como na Argentina, Chile, Uruguai, Bolivia e Brasil. Os novos

donos do poder promulgaram decretos conhecidos como Atos Institucionais, os


“AI” (entre 1964 e 69), que tinham como um de seus objetivos reduzir o poder

do congresso, embora este continuasse funcionando.

Os principais AI’s:

- AI-1: permitiu a eleição indireta do general Castelo Branco

- AI-2: extinguiu os partidos politicos e forçou o bipartidarismo, composto

por Arena (situação) e MDB (oposição).

- AI-3: Castelo Branco decreta que os governadores e vices seriam eleitos

indiretamente pelo colegio eleitoral, formado pelos deputados estaduais e

que os prefeitos fossem indicados pelos governadores

- AI-4: Convoca o Congresso Nacional para o estabelecimento de uma nova

carta constitucional, a Contituição de 1967, que revogaria da forma

definitiva a Constituição de 1946.

- AI-5: Foi o ato institucional mais autoritário de todos. Em apenas 12

artigos, concedia ao Presidente da República, dentre outros, os poderes de

cassar mandatos, intervir em estados e municípios, suspender direitos

politicos de qualquer pessoa, decretar recesso do Congresso (e assumir

suas funções legislativas) e suspendeu habeas corpus para crimes politicos.

Com o AI-5 tudo que era considerado “subversivo” começou a ser

perseguido e censurado.

Foram um total de 17 atos institucionais.


É neste cenário que a TV Excelsior começa sua derrocada. Diante

da ditadura militar, as posições assumidas por Mario Wallace Simonsen,

dono do grupo Simonsen (Panair, Comal, Excelsior, etc), a favor de João

Goulart antes da ascenção dos militares ao poder, apoiando inclusive um

plebiscito, iriam determinar o início do fim de seu poderoso império.

Simonsen morre em Paris em 1965, dias depois de ter seus bens

sequestrados pelo governo militar. Esse baque, somado com ações de

despejo, atraso de salários, controle das acões da TV Excelsior Rio pelo

Estado, cassação, mudança da diretoria, etc iriam conduzir a emissora ao

desligamento definitivo de suas câmeras em abril de 1970.

Entretanto, toda a situação política parecia não interferir na

transbordante música de São Paulo dos anos 1965 e 1966. Enquanto o Rio

de Janeiro sofria com uma crise na vida noturna da cidade com o

fechamento de varios bares e boates, em São Paulo os bares com música

ao vivo continuavam lotados. A cidade se firmava como a meca dos artistas

da música popular brasileira. Era da capita paulista que emanavam os

principais shows da televisão com a presença de público.

O II Festival Nacional da Música Popular Brasileira da TV Excelsior

Em seu novo formato, o II Festival da TV Excelsior teria suas

eliminatórias em cidades diferentes pelo Brasil: Guarujá, Porto Alegre,

Recife, Ouro Preto e Rio de Janeiro. Seriam 50 músicas selecionadas, 10


para cada eliminatória. Cada eliminatória forneceria 3 músicas para a final,

que ocorreria em São Paulo. Apesar da TV Excelsior ter a liderança de

audiência, quase todos os nomes que surgiram na música em 1965 e 1966

estavam contratados com exclusividade pela Record: Elis Regina, Jair

Rodrigues, Edu Lobo, Chico Buarque, Wilson Simonal, Roberto Carlos,

entre outros. Os artistas chamados pela Excelsior para defender as músicas

do festival tiveram então de ser os menos conhecidos do público, como

Sérgio Augusto, Yvete, Antônio Borba, Djalma Dias e outros nomes mais

conhecidos como Silvinha, Doroty e a jovem Clara Nunes que se tornaria

famosa nos anos 1970. Outros cantores eram totalmente desconhecidos,

mas que mais tarde se consagrariam na MPB.

A primeira eliminatória no Guarujá não foi transmitida ao vivo, um

erro capital da direção da TV. O júri tinha nomes de peso como os maestros

Eduardo Guarnieri, Guerra Peixe e Radamés Gnattali.

A segunda eliminatória em Porto Alegre, realizada no Teatro da

Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul teve o privilégio

de apresentar um novo cantor nascido no Rio e mineiro por adoção, Milton

Nascimento. Cantou a música “Cidade Vazia” (que ele nunca gravaria) de

Baden Powell e Lula Freire. Outra cantora que despontou nessa

eliminatória foi Maria das Graças, que depois mudou seu nome artístico

para Claudia e que mais tarde ficou conhecida como Gal Costa. A segunda

eliminatória também não foi transmitida ao vivo.


A terceira eliminatória ocorreu em Recife no auditório da TV Jornal

do Comércio e a quarta eliminatória na praça Tiradentes em Ouro Preto. A

futura música ganhadora “Porta Estandarte”, de Geraldo Vandré foi

apresentada nesta etapa e cantada por Tuca e Airto Moreira. Airto Moreira

tentava sua carreira como cantor, mas ficou frustrado com a falta de

oportunidades, mesmo após ter ganhado o festival. Foi embora para os

EUA em 1967 e em 1969 foi convidado para tocar com Miles Davis. Daí

em diante foi o percussionista artisticamente mais bem sucedido da

história, inaugurando o prêmio de melhor percussionista pela Down Beat

Magazine. Até então o reconhecimento para percussionistas não existia.

A última eliminatória no Rio em 2 de junho de 1966 teve como

jurados Dorival Caymmi, Eumir Deodato, Lúcio Rangel e Paulo Tapajós.

E foi televisionada ao vivo do auditório da TV Excelcior em Ipanema.

A classificação geral ficou com “Boa Palavra”, de Caetano Veloso,

em quinto, “Cidade Vazia”, de Baden Powell e Lula Freire em quarto,

“Chora Céu”, de Adilson Godoy e Luiz Roberto em terceiro, “Inaê”, de

Vera Brasil e Maricene Costa em segundo e “Porta Estandarte”, de Geraldo

Vandré e Fernando Lona, em primeiro: Tuca e Airto Moreira nos vocais

acompanhado por Theo de Barros e Heraldo Dumonte nos violões.

Com a vitória de “Porta Estandarte”, Geraldo Vandré passou a

encarnar, por um período, o compositor dos festivais, para se tornar, anos

depois, um dos grandes mitos de sua geração na música popular brasileira.


Porta Estandarte em gravação de 1966 por Tuca e Geraldo Vandré

https://www.youtube.com/watch?v=CSaXxblfQ5k
4- II Festival da TV Record, 1966

“A Banda” (Chico Buarque) e “Disparada” (Geraldo

Vandré e Theo de Barros)

A TV Record

Inaugurada em setembro de 1953 em São Paulo, a TV Record foi

mais um empreendimento do conglomerado de comunicação de Paulo

Machado de Carvalho (sua primeira aquisição é a Radio Record comprada

em 1929). Quem de fato passa a administrar a TV Record é seu filho, Paulo

Machado de Carvalho Filho, que cuidava especialmente da parte artística

da TV e era também diretor da Radio Record. Paulinho Machado de

Carvalho tinha a firme convicção que a melhor maneira de aproximar o

artista e o público era o palco. Nessa época Paulinho trouxe ao Brasil com

êxito nas temporadas vários artistas internacionais como: Bill Halley e

Seus Cometas, Luis Armstrong, orquestra de Woody Herman, Nat King

Cole, entre outros.

Em 1959 é inaugurado o Teatro Record (onde hoje é a loja de lustres

Yamamura) e , sob a direção de Paulinho Machado de Carvalho, o teatro

passa a receber diversas atrações nacionais e internacionais. É nesse

momento que se concretiza a idéia da emissora para ter um teatro para seus

programas com presença de público. À medida que os programas com


público presente da TV Record passaram a ser transmitidos do Teatro

Record, a emissora é levada a uma situação de liderança nunca atingida até

então.

O Teatro Record tinha total autonomia em relação à Televisão, com

sua própria equipe técnica completa. Do ponto de vista comercisal a TV

Record prosperou muito quando conseguiu atrair verbas de publicidade,

antes destinadas quase que exclusivamente à imprensa escrita e à radio. Na

metade dos anos 1960, sua audiência atinge 58%, contra 25% da Tupi e

8% da Excelsior, inaugurada em 1960. Um dos destaques da TV Record

eram os shows internaicionais transmitidos do Teatro Record. Entre 1959

e meados 1962 a Record contratou artistas como: Ella Fritzgerald, Sarah

Vaughn, Sammy Davis Jr., Dizzy Gillespie, Buddy Rich, Benny Goodman,

Pepino Di Capri, Charles Aznavour, Rita Pavone, Tony Bennett, Marlene

Dietrich, entre outros.

Segundo Zuza Homem de Melo em “A Era dos Festivais”, Paulinho

Machado de Carvalho, diretor do Teatro Record, “transformou-se no mais

poderoso empresário do show business brasileiro de todos os tempos”.


O furacão Elis Regina e os programas musicais:

Fino da Bossa, Bossaudade e Jovem Guarda

Com a alta do dólar a partir de 1962, os shows internacionais foram

rareando e entre 1963 e 1964 a TV Excelsior foi gradativamente

conquistando mais e mais audiência com seus programas musicais

nacionais. Após Elis Regina ganhar o I Festival de Música Popular

Brasileira com “Arrastão”, Paulinho Machado de Carvalho viu ali uma

mina de ouro e pra onde deveria direcionar o TV Record: programas

musicais e festivais de música popular. Com seu faro infalível para novos

talentos, imediatamente trabalhou para contratar Elis Regina e todos os

demais artistas de destaque da época: Jair Rodrigues, Edu Lobo, Chico

Buarque, Wilson Simonal, Roberto Carlos, Alaíde Costa, Caludete Soares,

Orlando Silva, Baden Powell, Peri Ribeiro, Lennie Dale, Rosinha de

Valença, Agnaldo Rayol, Trio Tamba, Os Cariocas, Paulinho Nogueira,

Jorge Ben, entre outros. Elis teria o maior salário de cantores da TV até

então: U$15.000 mensais, uma fábula na época.

A idéia de aproveitar Elis e Jair Rodrigues na televisão seria em um

programa onde formavam uma dupla de apresentadores populares e

carismáticos, ambos cantando e apresentando convidados. A dupla era

acompanhada por um trio muito íntimo de Elis, o Zimbo Trio, formado por

Luís Chaves no baixo, Rubinho Antunes na bateria e o pianista Amilton


Godoy. Essa fórmula seria a coluna vertebral do programa O Fino da

Bossa. O programa fez um sucesso fulminante. Era gravado às segundas-

feiras e transmitido às quartas às 22hrs. O histórico primeiro programa

tinha como convidados Nara Leão, Baden Powell, Edu Lobo, Cyro

Monteiro, Manfredo Fest Trio e Maria Odete.

Antes do programa O Fino da Bossa, a Record teve o programa

musical Primeira Audição,produzido por João Leão, que esteve no ar entre

de 1964 a 1965 e apresentou jovens músicos e cantores ainda

desconhecidos como Chico Buarque, Taiguara, Toquinho, Tuca, entre

outros.

O sucesso de O Fino da Bossa estimulou a criação de outro

programa para abrigar os veteranos, já que a nata da música popular

brasileira do passado estava quase toda viva, como Vicente Celestino,

Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Aurora Miranda, Elizaeth Cardoso, etc.

O programa inicialmente seria chamado de Gente Bamba e depois batizado

de Bossaudade (nome péssimo, mas continha a palavra da moda, bossa).

O programa era apresentado por Cyro Monteiro e Elizeth Cardoso. O

primeiro programa Bossaudade foi gravado no Teatro Record em 14 de

julho de 1965 e teve os convidados veteranos Aracy de Almeida, Dalva de

Oliveira, Orlando Silva, João Dias e Jacob do Bandolim. Era transmitido

também às quartas feiras às 22hrs e o Fino da Bossa passou para às 19hrs.


A Record perdera direito de transmitir os jogos de futebol aos

domingos por decisão da Federação Paulista de Futebol. Para preencher as

tardes de domingo, foi ao ar em 22 de agosto de 1965 pela TV Record o

primeiro programa da série Jovem Guarda. Era um programa destinado a

outra faixa etária: a juventude do iê-iê-iê. O Jovem Guarda era comandado

por Roberto Carlos, já então um dos cantores mais populares do Brasil.

Neste primeiro programa estavam com ele Tony Campelo, Roni Cord,

Rosemary, os grupos Jet Blacks, The Rebels, Os Incríveis e seus dois

companheiros na apresentação, o parceiro de composições Erasmo Carlos,

o “Tremendão” e a “Ternurinha”Wanderléa.

Esses três programas atendiam praticamente todas as tendências da

música popular brasileira, genericamente rotuladas como bossa-nova,

velha guarda e jovem guarda.

Em junho de 1966 a TV Record contrata a estrela em ascenção da

TV Tupi Wilson Simonal e cria o programa Show em Si... monal. Com

proposta musical sofisticada e jazzística deste grande cantor acompanhada

do grupo Som Três, liderado por César Camargo Mariano. O programa

levaria Simonal ao topo da carreira. Naquele verão de 1966, enquanto Elis

estava em turnê pela Europa, a audiência do Fino da Bossa caía e a do

programa Jovem Guarda crescia. O iê-iê-iê começava a dominar a bossa.

Programa Jovem Guarda

https://www.youtube.com/watch?v=0Lkya7P9ag4
https://www.youtube.com/watch?v=J4JusbDBlkA

O II Festival de MPB da Record

Em janeiro de 1966 a TV Record anunciou que promoveria o seu II

Festival da Música Popular Brasileira, na esteira do II Festival de MPB da

TV Excelsior. Embora naquele momento pouca gente se lembrasse que a

Record havia produzido seu primeiro festival em 1960 no Guarujá, aquele

seria o segundo também em referência ao II Festival da rival TV Excelsior

naquele mesmo ano. O mesmo produtor do I Festival da TV Excelsior seria

o mesmo que iria produzir o festival da Record, o experiente produtor

Solano Ribeiro, que saíra da Excelsior e fora direto para a Record.

Neste momento, com a ditadura do governo militar endurecendo a

censura e perseguição política, a música caminhava cada vez mais para ser

o meio de expressão da juventude.

A primeira eliminatória do festival ocorreu em 27 de setembro, onde

“Disparada” foi apresentada por Jair Rodrigues e a mais aplaudida. Foram

36 músicas selecionadas entre 2.635 divididas em 12 músicas por

eliminatória. Em função dos musicais de televisão, São Paulo era o centro

para o qual convergiam os maiores nomes da música popular brasileira.


Até Jacob do Bandolim, quando organizou seu evento “Noite dos

Choristas” em 1955 e 1956, veio fazê-lo em São Paulo, na própria TV

Record, inclusive. No dia seguinte, 28 de setembro ocorreu a segunda

eliminatória, onde foi apresentada “A Banda” por Nara Leão. Embora a

voz de Nara ter sido encoberta pelo arranjo da banda de coreto, foi bem

aceita pelo público. No sábado, 1 de outubro, aconteceu a terceira

eliminatória, considerada a mais fraca das 3 noites.

Na finalíssima as duas músicas que acabram empatadas foram “A

Banda” de Chico Buarque, cantada por Nara Leão e “Disparada” de

Geraldo Vandré e Theo de Barros, cantada por Jair Rodrigues. Na verdade,

“A Banda” havia ganho por 7 votos a 5 do juri. Mas Chico Buarque, ao

saber do resultado se recusou a levar prêmio sozinho e exigiu que as duas

músicas dividissem o primeiro lugar. Segundo Zuza Homem de Melo

“Nunca o Brasil vivera uma discussão cultural tão empolgante como

aquela. “A Banda”contra “Disparada”era como Palmeiras x

Corinthians, como Vasco x Flamengo em decisão de campeonato”.

O segundo lugar foi para “De Amor ou Paz” de Adauto Santos e

Luis Carlos Paraná, cantada por Elza Soares. O terceiro lugar para “Canção

para Maria” de Paulinho da Viola e Capinan, cantado também por Jair

Rodrigues. Quarto lugar para “Canção de não cantar” de Sergio

Bittencourt (filho de Jacob do Bandolim), cantada pelo MPB4 e quinto

lugar “Ensaio Geral”de Gilberto Gil, cantada por Elis Regina.


Disparada no festival de 1966 por Jair Rodrigues após a final

https://www.youtube.com/watch?v=QonDtLlh1bI

A Banda por Chico e Nara após a premiação

https://www.youtube.com/watch?v=ZFf623HWhJ4

Programa retrospectiva do Teatro Record

https://www.youtube.com/watch?v=Cx2avCH0h1Q

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