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DOCUMENTO

BASE
Coletivo Cem Flores
Documento Base – Brasil, 2023. 202 p.

Imagem da Capa: Levantando a bandeira (parte central do


tríptico Os comunistas), 1959-1960, de Geliy Mikhailovich
Korzhev-Chuvelyov (1925–2012). Wikimedia Commons.
Coletivo Cem Flores

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BASE

2023

www.cemflores.org
À classe operária, ao campesinato e aos/às trabalhadores/as
da cidade e do campo!
Em respeito, homenagem e reconhecimento à sua resistência
cotidiana, às suas lutas contra os patrões, seu estado e seu siste-
ma capitalista, como são gloriosos exemplos as Grandes Greves
Operárias de 1917, da década de 1940, de 1953, de 1968, de
1978-80, de 1995 e 2013; as Lutas e Ocupações Camponesas da
década de 1950 em Trombas e Formoso, na década de 1960 com
as Ligas Camponesas, as ocupações de terra pela reforma agrária
nos anos 1990.
Às massas dominadas de pobres e remediados; de mulheres e
homens; de negros, indígenas, brancos e imigrantes; de todas
as crenças e orientações sexuais; massas exploradas e oprimi-
das que sempre lutaram e resistiram, que lutam e resistem,
que lutarão e vencerão!

Aos/às militantes e dirigentes comunistas, nesses mais de cem


anos de lutas!
Aos fundadores do Partido Comunista – Seção Brasileira da
Internacional Comunista: Abílio de Nequete, Astrojildo Pereira,
Cristiano Cordeiro, Hermogênio Fernandes, João Pimenta,
Joaquim Barbosa, José Elias da Silva, Luís Peres e Manuel
Cendón; e à primeira geração de comunistas do país, Minervino
de Oliveira e Octávio Brandão.

Aos/às revolucionários/as de 1935, chefiados por Luiz Carlos


Prestes, com a participação internacionalista de Olga Benário
e Arthur Ewert, e dos jovens revolucionários Gregório Bezerra,
Agildo Barata e Preto Chaves. Aos que lutaram de armas na mão
contra o nazifascismo, como Apolônio de Carvalho e Dinarco Reis.
Aos/às intelectuais e artistas comunistas, exemplificados por
Alberto Passos Guimarães, Caio Prado Júnior, Clóvis Moura,
Nelson Werneck Sodré, Nise da Silveira, Cândido Portinari,
Carlos Drummond de Andrade, Dalcídio Jurandir, Eneida de
Moraes, Ferreira Gullar, Graciliano Ramos, Jorge Amado.

Aos heróis e às heroínas do proletariado e do povo e aos/às mártires


revolucionários da resistência à ditadura militar, representados
por Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, Virgílio Gomes
da Silva, Zilda Xavier Pereira; Pedro Pomar, Maurício Grabois,
Ângelo Arroyo, Dinalva Teixeira, Helenira Resende, João Batista
Drummond, Osvaldão; Mário Alves, Jacob Gorender; Carlos
Lamarca, Iara Iavelberg, Marilena Villas Boas, Stuart Angel;
Manuel Lisboa, Amaro Luís de Carvalho; Carlos Eduardo de
Freitas, Soledad Barret e Ernesto Martins; Manoel Fiel Filho e
Santo Dias.

Aos que tombaram nas lutas do nosso povo desde o final da última
ditadura do capital no país, entre eles Gabriel Pimenta, João
Canuto, Expedito Ribeiro, Paulo Fonteles e João Batista.
Aos que mantêm firme e erguida a bandeira vermelha da
revolução proletária!

Para Carlos Sampaio


SUMÁRIO
Apresentação.....................................................................11

1. Capitalismo e Revolução...............................................13
1.1. Capitalismo, classes e luta de classes.............................. 14
1.2. Crises do capitalismo..................................................... 16
1.3. Reprodução da exploração capitalista............................. 19
1.4. Luta de classes do proletariado....................................... 22
1.5. Teoria científica do proletariado..................................... 23
1.6. Revolução, Socialismo e Comunismo............................ 25
1.7. Nossas tarefas ............................................................... 25
2. Movimento Comunista Internacional...........................29
2.1. O século das Revoluções .............................................. 30
2.2. A Grande Revolução Socialista Russa........................... 30
2.3. A Internacional Comunista.......................................... 32
2.4. A Grande Revolução Chinesa....................................... 34
2.5. Os processos revolucionários do século 20.................... 36
2.6. O início das primeiras experiências de transição ao
Socialismo................................................................................ 38
2.7. Desenvolvimentos do marxismo no século 20 ............. 43
2.8. As derrotas das primeiras experiências revolucionárias de
transição ao Socialismo e restauração capitalista.................... 45
2.9. O refluxo do movimento comunista ............................ 50
2.10. Situação atual............................................................. 52
2.11. Nossas tarefas ............................................................ 55
3. Movimento Comunista Nacional..................................59
3.1. A formação do Partido Comunista – Seção Brasileira da
Internacional Comunista (1922-1934)................................. 63
3.2. A Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a tentativa de
Insurreição Comunista de 1935............................................ 70
3.3. Comunistas entre posições revolucionárias e reformistas
(1937-1964)......................................................................... 75
3.4. Comunistas na resistência à ditadura militar (1964-1985).... 87
3.5. Ausência de posições comunistas, revolucionárias, com
força de massas, e a hegemonia do reformismo e oportunismo
burguês do PT (1980 até hoje)............................................. 99
3.6. Nossas tarefas.............................................................. 110
4. O Sistema Imperialista Mundial no
Começo do Século 21.................................................... 113
4.1. Capital monopolista transnacional e exportação de
capitais............................................................................... 115
4.2. Capital financeiro e capital fictício............................... 118
4.3. Contradições do sistema imperialista........................... 120
4.4. Países dominantes (imperialistas), países dominados e a
divisão internacional do trabalho........................................ 124
4.5. Crise e dinâmica do sistema imperialista mundial e seu
atual estado depressivo ....................................................... 128
4.6. Fascismo como ideologia do imperialismo e tendência a
guerras imperialistas........................................................... 132
4.7. EUA, potência imperialista dominante, porém em
declínio relativo.................................................................. 135
4.8. China, potência imperialista ascendente...................... 138
4.9. Europa, velho imperialismo estagnado e decadente...... 142
4.10. Demais países imperialistas: Japão e Rússia................ 143
4.11. Países dominados: América Latina, Ásia e África........ 144
4.12. Nossas tarefas............................................................ 146
5. O Capitalismo Brasileiro Hoje....................................151
5.1. Nossa herança histórica: colonização, escravidão e
latifúndio........................................................................... 152
5.2. O caráter dominado do Brasil na economia mundial........ 153
5.3. Dinamismo interno de uma formação econômico-social
dominada nos ajustes à economia mundial......................... 155
5.4. Brasil: país dominado no começo do século 21............ 159
5.5. Regressão a uma situação colonial de novo tipo........... 159
5.6. Desindustrialização...................................................... 162
5.7. Reprimarização............................................................ 164
5.8. Uma década de crise econômica.................................. 167
5.9. ... e de crise política..................................................... 170
5.10. A luta do proletariado e das massas na luta de classes
contra a burguesia e seus atuais limites............................... 175
5.11. As classes no capitalismo brasileiro atual.................... 178
5.12. Nossas tarefas ........................................................... 186
6. Linha de Massas..........................................................189
6.1. Princípios de linha de massas....................................... 196
Coletivo Cem Flores

Apresentação
Camaradas,
Há duas décadas o Cem Flores se firma enquanto uma
posição comunista na luta de classes do Brasil. Com indepen-
dência de classe e resgatando o marxismo-leninismo, o Cem
Flores acumulou experiências e avanços concretos, mesmo em
contexto tão adverso, de ofensiva da burguesia e crise do mo-
vimento comunista. Continuaremos nas trincheiras do prole-
tariado e das massas exploradas, erguendo a bandeira do fim da
escravidão assalariada, a bandeira vermelha da Revolução!
Sabemos que será preciso trilhar um longo caminho. A re-
tomada da teoria e da prática comunistas implica expurgar todo
o entulho reformista, revisionista e oportunista que se acumula-
ram ao longo de muitas décadas na luta de classes. Significa tam-
bém aplicar o marxismo-leninismo, a partir dos ensinamentos
da derrocada das primeiras experiências de construção socialista,
às condições atuais de crise do imperialismo. E reconstruir o
único caminho possível para os/as comunistas e o proletariado,
junto com as massas trabalhadoras, saírem dessa vida de explo-
ração e opressão: o caminho revolucionário.
Para contribuir com a luta revolucionária, para se somar
aos esforços de reconstrução do Partido Comunista no Brasil,
é fundamental que nossos/as militantes tenham vivos em sua
prática nossos princípios e nossas formulações políticas centrais.
Sem esse domínio, que requer constante estudo e debate, críti-
ca, autocrítica e retificações, nosso Coletivo se fragiliza, nossos
objetivos ficam mais distantes.
O Documento Base é o resultado de um esforço coletivo para
sistematizar as posições políticas e teóricas desenvolvidas pelo Cem
Flores desde seu surgimento. Serve para fortalecer nossa unidade e
nosso compromisso militante e melhorar o trabalho de aproxima-
ção e debate de nossas ideias. Tarefa que se soma ao nosso trabalho
por ampliar e reforçar nosso Coletivo enquanto uma organização
que auxilie e impulsione a luta proletária no país.

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Documento Base

Neste documento os/as camaradas encontrarão proposições


marxistas-leninistas, portanto, proposições em movimento, em luta
contínua. Isso significa que estão sempre abertas a retificações, a
partir do nosso estudo coletivo e das críticas provindas das experi-
ências da luta de classes, das mudanças na conjuntura e do avanço
científico marxista-leninista. São instrumentos de luta que já nas-
cem com o desafio de serem reforçados e superados pelos nossos
esforços futuros, através do debate e da atuação comunistas. Tal
tarefa coletiva, nos dediquemos a cumprir.
Retomar o marxismo-leninismo!
Aprofundar nossas ligações com as massas proletárias!
Reconstruir o Partido Comunista!

Proletários de todos os países, uni-vos!, China (1968).

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Coletivo Cem Flores

1. Capitalismo e Revolução
O capitalismo é a atual forma de exploração, dominação
e repressão da absoluta maioria do povo, que trabalha e produz,
por uma pequena minoria de parasitas, de vampiros que sugam
o trabalho alheio, que vivem na riqueza e no luxo, sem trabalhar.
Para essa maioria que trabalha e tudo produz, na maior parte das
vezes recebendo um salário de fome, e também para um grande
número que não consegue nem trabalho nem sustento, o capi-
talismo não é nada mais do que uma nova forma de escravidão,
a escravidão assalariada.
Assim como o sistema escravista acabou, a vez do capi-
talismo também vai chegar. No século passado, a exploração
capitalista foi derrubada em vários países por meio de grandes
Revoluções que marcaram a nossa história, que é a história da
classe operária, das massas dominadas e dos/as comunistas.
Mesmo que os patrões tenham recuperado o poder e derrotado
essas Revoluções, o exemplo de que o capitalismo já foi, e pode
ser novamente, derrubado pela luta revolucionária é a maior
lição das Revoluções do século 20 para os trabalhadores e as
trabalhadoras de todos os países.
Essa Revolução visa libertar verdadeiramente todos/as aque-
les/as que trabalham e produzem e são explorados/as pelo capital.
Para isso é preciso, em primeiro lugar, e mais uma vez, derrotar
os patrões, seus aliados e seu estado por meio de uma Revolução.
Acabar com a propriedade privada dos capitalistas e transformá-la
em propriedade coletiva, comum. Que os/as operários/as contro-
lem as fábricas em que trabalham. Que a terra seja de quem nela
trabalha, de forma coletiva, acabando com o latifúndio. Que se aca-
be com a pobreza, a miséria e a fome. A partir daí, e pela sua própria
luta cotidiana, ininterrupta e sem tréguas, garantir uma vida cada
vez melhor para todas as classes trabalhadoras. Construir um mun-
do melhor que possa realizar o anseio dessa grande massa por pão,
terra, liberdade, justiça, igualdade e paz.

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Documento Base

Enquanto o presente é de uma dura luta contra a explora-


ção patronal e a repressão do seu estado capitalista, a Revolução,
o Socialismo e o Comunismo são o nosso futuro.

1.1. Capitalismo, classes e luta de classes

O marxismo-leninismo nos ensina que a luta de classes


é universal a todas as formações econômico-sociais cujos mo-
dos de produção são constituídos pela existência de diferentes
classes, divididos fundamentalmente entre as classes proprie-
tárias dos meios de produção (exploradoras) e as despossuídas
(exploradas). Assim, não existe a possibilidade de se estar fora
da luta de classes, concepção idealista, derivada da ideologia das
classes dominantes. O antagonismo entre classes dominantes e
dominadas é inconciliável. Dominantes e dominados são clas-
ses inimigas, pois a divisão da sociedade em classes significa,
imediatamente, exploração de classes, não sendo possível, em
nenhum momento, qualquer neutralidade. Ou se está ao lado
das classes dominantes, ou se está ao lado das classes dominadas
– as tentativas de conciliação de classes são, na realidade, formas
de subordinação das classes dominadas às classes dominantes.
O capitalismo – em sua fase imperialista, sob o domínio
dos grandes monopólios transnacionais e do capital financeiro
– é o modo de produção absolutamente dominante em todo o
mundo neste século 21, constituindo um sistema econômico
mundial, o sistema imperialista. O capitalismo é baseado na
exploração da força de trabalho da classe operária e das demais
classes dominadas (que não podem sobreviver senão vendendo
essa força de trabalho), que gera os lucros da burguesia, dos pa-
trões, detentores da propriedade privada dos meios de produção.
O capitalismo se caracteriza, fundamentalmente, pela luta de
classes entre burguesia e proletariado, que tende a arrastar atrás
de si as demais classes trabalhadoras – luta incessante e inconci-
liável entre essas classes antagônicas. Do objetivo da burguesia

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Coletivo Cem Flores

de sempre explorar ao máximo a classe operária e demais classes


dominadas para maximizar seus lucros decorre o fato de que os
patrões concentram riquezas cada vez maiores (sem trabalhar) e
os/as trabalhadores/as sofrem uma exploração crescente, sempre
ameaçados/as pelo desemprego, pela miséria e pela fome. O pro-
letariado, portanto, nada pode esperar da burguesia, nem pode
confiar nela, ao contrário do que prometem oportunistas, refor-
mistas e pelegos, traidores da nossa classe. Toda manifestação
concreta na luta de classes termina por se alinhar aos interesses
das classes exploradas ou das classes exploradoras.
Os/as comunistas têm o dever de assumir integralmente
os interesses do proletariado, defendendo-os intransigentemen-
te na sua luta de classes contra a burguesia. A condição impres-
cindível para isso é a nossa presença no cotidiano da vida e das
lutas da classe operária e das massas dominadas. Apenas isso nos
permitirá complementar a posição ideológica de indignação e
revolta contra os patrões e de solidariedade entre nós, com a se-
renidade, a perseverança, a humildade e a paciência revolucioná-
rias. Dessa forma poderemos, também, participar da construção
e do desenvolvimento dos instrumentos de luta e de organização
próprios das classes dominadas, que sintetizem e sistematizem o
nível mais avançado dessa luta.
Também cabe aos/às comunistas a tarefa de, dialetica-
mente, aprender com as massas exploradas (principal) e ensiná-
-las. Ou seja, a luta de classes dos/as comunistas exige prática e
estudo, luta e tomada de partido, demarcando a linha divisória
entre os interesses de classes. Estuda-se porque se luta. Não se
estuda para depois lutar. Não se interpreta o mundo para depois
transformá-lo (Marx). A interpretação do mundo está na luta.
Lutar é, também, necessariamente, estudar.
Somente assim – ao lado do proletariado e das massas
nas suas lutas cotidianas, aprendendo com eles/as e estudando
a teoria científica da classe operária – é que poderemos agir da
forma justa, de acordo com o marxismo-leninismo, ou seja, a

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serviço da luta de classes proletária, na “análise concreta da re-


alidade concreta” (Lênin). Ao mesmo tempo, sob o domínio
dessa prática, afirmar, reforçar e reproduzir a ideologia baseada
nos interesses do proletariado em luta. A participação na luta de
classes junto ao proletariado, a partir do marxismo-leninismo,
significa um ato de demarcação de campo, de definição de inte-
resses, de forma de agir e de pensar. Trata-se de buscar constituir
uma linha de atuação, uma estratégia e seus movimentos táticos.

A emancipação da classe operária deve ser conquistada


pela própria classe operária.

Associação Internacional dos Trabalhadores. Estatutos Provisórios (1864).

Em resumo, a classe operária e as demais classes domi-


nadas – com os/as comunistas ao seu lado, lutando ombro a
ombro – só podem contar com suas próprias forças, devem bus-
car seus próprios caminhos, de forma independente das classes
dominantes. Apenas de suas lutas e por suas mãos apenas é que
virão sua emancipação e a libertação da escravidão assalariada
sob o capitalismo, construindo o Socialismo e o Comunismo.

1.2. Crises do capitalismo

A maldita sede de lucros da burguesia, sua volúpia in-


controlável pela acumulação/exploração sempre crescentes, a
permanente concorrência entre os capitais e a anarquia dos
mercados capitalistas, a especulação desenfreada nos merca-
dos financeiros e de capital fictício, todos esses fatores levam a
produção capitalista a crises periódicas. A busca por taxas de
exploração cada vez maiores tenta contrariar a tendência de

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Coletivo Cem Flores

queda das taxas de lucro e, contraditoriamente, mina a pró-


pria capacidade de realização das mercadorias produzidas. Os
patrões ordenando a produção de costas para o mercado, uns
contra os outros, tendem à superprodução de mercadorias e à
superacumulação de capitais (em relação à demanda existen-
te), tendências agravadas pela centralização e monopolização
de capitais. Os mercados financeiros passam de alavancas de
acumulação capitalista para esquemas de “pirâmide”, cuja fra-
gilidade é exposta de tempos em tempos, com a explosão de
bolhas especulativas e a detonação das crises financeiras.
As crises do capital, portanto, não decorrem de contingên-
cias, “falhas de mercado” ou erros de política econômica (embo-
ra todos esses fatores existam). Essas crises decorrem do próprio
funcionamento, contraditório, do capitalismo, da chamada lei
geral de acumulação capitalista, da acumulação crescente de
riquezas do lado dos patrões e de pobreza, miséria, fome e tor-
mentos do lado das massas exploradas. Se, por um lado, as crises
capitalistas não podem ser “resolvidas” por “vontade política” ou
por “políticas públicas”, por outro, esse “caráter antagônico da
acumulação capitalista” (Marx) impulsiona a própria resistência
das massas trabalhadoras contra a exploração e a opressão, em
uma luta de classes incessante, revelando mais uma vez que o ca-
pitalismo se assenta na contradição inconciliável de classes entre
a burguesia e o proletariado.
As crises do capital também são “soluções”, sempre par-
ciais, precárias e provisórias, para as próprias contradições do
capitalismo. Na ausência de Partidos Comunistas e de movi-
mentos revolucionários de massas capazes de transformar crise
em Revolução, a própria crise capitalista, ao desvalorizar o ca-
pital, rebaixar os salários e ampliar as condições de exploração,
procura abrir caminhos para a retomada das taxas de lucros e o
retorno da acumulação ampliada do capital. Essa “função” da
crise mostra, uma vez mais, o caráter antagônico do capitalis-
mo. Para os patrões, a crise permite reforçar sua dominação de

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Documento Base

classe, buscar aumentar seus lucros e ampliar a repressão. Para


os/as operários/as e as massas, significa o contrário, o aprofun-
damento da miséria e da fome – a barbárie sem fim.
Na fase imperialista, as contradições do capital se agra-
vam e as crises tornam-se mais frequentes, a ponto de chegar a
uma tendência permanente de superprodução e superacumu-
lação e a crises prolongadas, como a iniciada em meados dos
anos 1970 e a grande crise financeira de 2007/08, ainda longe
de terminar. O mercado mundial, um dos fatores contrarres-
tantes das crises internas a cada país, torna-se, no imperialis-
mo, um sistema globalmente integrado, com cadeias de pro-
dução e de comercialização e circuitos financeiros englobando
todos os países. No sistema imperialista, portanto, o “mercado
mundial” acaba se tornando um fator de propagação da crise,
agravando-a e tendendo a transformá-la em crise global do
conjunto da produção capitalista em escala mundial.
No imperialismo as crises se tornam cada vez mais fre-
quentes e suas “soluções”, incompletas, permitindo que os efei-
tos permanentes da crise anterior se somem e agravem a crise
atual, gerando um estado depressivo na economia mundial. Isso
não significa ausência de dinamismo no sistema imperialista,
muito menos que o proletariado, as massas e os/as comunistas
devam passivamente ficar esperando pela crise “final”. As con-
tradições capitalistas e seu agravamento nas crises causam pro-
fundas mudanças e mesmo reconfiguram a dinâmica do sistema
imperialista mundial. Trata-se, por exemplo, do fortalecimento
relativo de certos monopólios transnacionais e frações de capital
na concorrência frente aos demais. Trata-se, também, de altera-
ções na relação de forças entre as principais potências imperialis-
tas, com seus diferentes ritmos de acumulação de capital e níveis
de taxa de lucro, sua busca por manter, consolidar e/ou ampliar
zonas de influência.
Por fim, as crises, expressões agudas das contradições do
capitalismo, são também luta de classes – tanto em relação às

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Coletivo Cem Flores

suas causas, quanto por modificar as condições em que ocorrem


essas lutas. Ou seja, as crises no capitalismo também são causa-
das pela (são expressões da) luta de classes. As crises modificam
as condições existentes da luta de classes, fortalecendo uma ou
outra das classes antagônicas. Por um lado, as crises podem re-
forçar a resistência e a solidariedade das classes exploradas, sua
organização política e seu sentimento de classe, avançando a luta
de classes proletária em direção à tomada revolucionária do po-
der. Por outro lado – caso atual – a burguesia pode aproveitar a
crise como momento de sua ofensiva na luta de classes, com os
patrões aproveitando para atacar as conquistas dos/as trabalha-
dores/as em prol da retomada dos seus lucros.

1.3. Reprodução da exploração capitalista

O capitalismo, baseado na exploração do proletariado


pela burguesia, precisa reproduzir constantemente essas clas-
ses, suas formas de exploração e dominação como condições
necessárias de sua própria tentativa de perpetuação. Como
o capitalismo representa exploração, dominação e repressão,
além de miséria e fome, para as massas dominadas, é necessário
para a burguesia justificar esse estado de coisas e, em última
instância, mantê-lo pela violência. O estado capitalista, que
funciona fundamentalmente para garantir o regime burguês
de dominação, é o responsável principal pela repressão do pro-
letariado e das massas como forma de sustentação do capitalis-
mo. Essa repressão é feita pelas forças armadas, pelas polícias,
pelo poder judiciário, pelo sistema prisional e também pelas
milícias, jagunços e pistoleiros a serviço dos patrões, na cidade
e no campo.
Além da repressão, a tentativa de perpetuação do capi-
talismo também é dada pela ideologia dominante, a ideologia
burguesa. Em cada país, com suas características específicas, essa
ideologia se apresenta como a “ordem natural das coisas”. Ela

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Documento Base

justifica a riqueza da burguesia pela defesa e naturalização da


propriedade privada, ao considerar o lucro como o “justo” re-
sultado da aplicação do capital e recompensa pelo seu “risco” e
atribuir à burguesia o papel de “dar” emprego e salário aos “seus/
suas” trabalhadores/as. Continuando com as falsidades e menti-
ras da ideologia burguesa, ela culpa o próprio proletariado pela
sua pobreza e más condições de vida, seja chamando de “pregui-
çoso” e acusando de “não querer” trabalhar, seja definindo como
de uma “raça” inferior (racismo e xenofobia), ou ainda invocan-
do uma vontade divina. A ideologia burguesa também engana
com a possibilidade de o/a proletário/a virar burguês (“ascensão
social” pela meritocracia e empreendedorismo).
Ou seja, a ideologia dominante, a ideologia burguesa,
sempre justifica e defende a subordinação do proletariado à
burguesia. As ideologias reformistas e oportunistas, ideologias
burguesas específicas, compartilham essa defesa da domina-
ção da classe operária pelos patrões, ao reforçarem a ilusão de
que é possível a mudança na condição de dominados sem a
Revolução, sem a destruição do capitalismo e sem a constru-
ção do Socialismo e do Comunismo.
A luta de classes da classe operária e das demais classes
dominadas, ao mesmo tempo em que busca melhorar as con-
dições concretas de vida das massas, também precisa combater
essas ideologias burguesas e reformistas, fortalecendo sua visão
própria de mundo, sem exploração. Nessa mesma luta, o pro-
letariado vai criando suas próprias organizações e formas de
luta para resistir à dominação capitalista e acabar com ela.

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Coletivo Cem Flores

O patrão precisa de ti. Tu não precisas dele, França (1968).

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Documento Base

1.4. Luta de classes do proletariado

A luta de classes da classe operária acompanha toda a his-


tória do capitalismo. Da destruição das máquinas no começo do
século 19, passando pela constante luta por melhores salários e
condições de trabalho e de vida, pela criação dos seus instrumen-
tos próprios para essas lutas (diversas formas de associações, orga-
nizações, movimentos e sindicatos), à luta política independente
com o partido próprio do proletariado, o Partido Comunista, até
chegar à luta revolucionária e à tomada do poder das mãos da bur-
guesia para dar início às tentativas de construção do Socialismo.
Essa luta de classes proletária se dá, em seus diversos ní-
veis, contra os patrões, contra o oportunismo dos pelegos a ser-
viço dos patrões, contra o reformismo dos que querem conciliar
os interesses das classes dominantes e dominadas, contra a ideo-
logia burguesa, contra o estado capitalista e seus representantes,
políticos ou repressivos. São aliadas da classe operária nessa luta,
em geral, todas as demais classes e frações de classe exploradas e
oprimidas pela burguesia.
A luta de classes da classe operária, portanto, não é feita
apenas dos grandes confrontos, diretamente políticos, contra as
classes dominantes e seu estado. Essa luta contra a dominação
capitalista se funda na própria exploração da força de trabalho
proletária e, portanto, é uma luta cotidiana, fazendo parte da
própria condição operária. A classe operária e as demais classes
dominadas lutam continuamente por sua sobrevivência, por
melhores condições de vida e contra a exploração dos patrões.
É a partir desse confronto diário, do sentir na própria pele a
exploração, a opressão, a miséria e a fome, que o proletariado se
organiza para lutar mais e melhor. São formas mais específicas,
econômicas, dessas lutas as paralisações e greves por empresa ou
por categoria; as ocupações de terra, de moradia, de fábricas ou
de escolas; os mutirões comunitários; e as inúmeras formas de
manifestações e protestos.

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Coletivo Cem Flores

A luta mais geral, enquanto classe, parte dessas próprias


formas específicas e as generalizam em protestos mais amplos,
nacionais ou mesmo internacionais, contra o conjunto da clas-
se burguesa e seu estado, como nas greves gerais, em manifes-
tações unificadas, jornadas de lutas, revoltas populares, entre
outros. A essas lutas se soma o combate político e revolucio-
nário do proletariado e das demais classes dominadas, com seu
instrumento político próprio, o Partido Comunista, contra o
capitalismo e a classe burguesa, com o objetivo de derrubá-los
para dar início à construção socialista.
Cabe aos/às comunistas participar e estimular todas essas
lutas, lado a lado com a classe operária e as massas trabalhado-
ras, defendendo seus interesses imediatos e visando construir
as condições para a luta política, a tomada de poder e a trans-
formação revolucionária da sociedade.

1.5. Teoria científica do proletariado

O desdobramento da luta de classes da classe operária


em luta revolucionária possibilitou o surgimento da teoria
científica dessa luta proletária, o materialismo histórico, o
marxismo-leninismo. Por sua vez, o desenvolvimento do mar-
xismo-leninismo permitiu o avanço dessa luta revolucionária.
O marxismo desvendou o segredo da produção/exploração
capitalista, a expropriação pela burguesia do valor produzido
pelos/as operários/as e não pago a eles/elas. Essa mais-valia
constitui o lucro dos patrões, o objetivo final da produção ca-
pitalista, e a miséria das massas dominadas. O materialismo
histórico também demonstrou que as classes fundamentais no
capitalismo, burguesia e proletariado, são antagônicas, estão
em luta constante e inconciliável entre si, e que essa luta de
classes tende à Revolução, à tomada do poder pela classe ope-
rária (ditadura do proletariado) e à construção do Socialismo
– ou então a que pereçamos sob a barbárie capitalista.

23
Documento Base

Aqueles/as que verdadeiramente constroem todas as


riquezas do mundo encontraram no marxismo-leninismo a
base teórica e científica para a sua luta revolucionária, para
acabar com a exploração e a opressão de classe, pelo cami-
nho da derrubada do capitalismo, construção do Socialismo e
transição ao Comunismo.
Em função da luta de classes, o marxismo-leninismo
sempre esteve sobre constantes ataques, tanto “de fora”, pela
burguesia, com suas ideologias econômicas e políticas de jus-
tificação do capitalismo e de negação da luta de classes e da
exploração, quanto “de dentro”, pelos revisionistas e reformis-
tas, que usam a própria teoria marxista-leninista, deturpan-
do-a para extirpar seu caráter revolucionário. O revisionismo
busca “domesticar” o marxismo-leninismo, extirpando o seu
caráter de classe, de teoria do proletariado revolucionário. O
reformismo também busca limitar a “análise crítica” do capi-
talismo à identificação de suas “falhas” para buscar corrigi-las
por meio de “reformas” que mantenham e reforcem o sistema
capitalista. Nada mais alheio ao marxismo-leninismo do que
essas duas deturpações à direita, posições burguesas que bus-
cam atuar no seio da classe operária. Os/as comunistas devem
combater de forma implacável o revisionismo e o reformismo,
assim como o oportunismo.
Também o marxismo-leninismo é atacado por posições
“esquerdistas”, sectárias, que buscam se apresentar como “ul-
trarradicais”, fragmentando a classe operária e bloqueando sua
unidade, assim como isolando-a de seus aliados de classe. Esse
“radicalismo” “esquerdista”, em geral com origem na pequena-
-burguesia radical, também tem que ser criticado e retificado
pelos/as comunistas.
O longo predomínio do revisionismo, do reformismo e
do “marxismo acadêmico” exige dos/as comunistas o esforço
de estudar o marxismo-leninismo, criticando implacavelmente
suas deturpações revisionistas e reformistas. Além disso, é in-

24
Coletivo Cem Flores

dispensável desenvolver o marxismo-leninismo, tarefa indisso-


ciável de sua prática e de sua aplicação na análise concreta das
condições concretas nas quais se dá a luta de classes.

1.6. Revolução, Socialismo e Comunismo

Os objetivos finais da luta de classes da classe operária


e dos/as comunistas são a Revolução, o Poder Proletário, a
construção do Socialismo e o fim da exploração de classes em
uma sociedade comunista.
Esta é a diferença fundamental entre os/as comunistas
e os demais partidos, organizações, intelectuais e militantes
de “esquerda”, “democráticos”, “progressistas”, nacionalistas,
“desenvolvimentistas”. Os/as comunistas são revolucionários,
enquanto todos os demais são reformistas e partilham em
diversos níveis das ideologias, políticas e governos burgueses.
Para os/as comunistas, a Revolução sempre foi, e continua a
ser, a única saída para acabar com a exploração, a dominação
e a repressão, a miséria e a fome da classe operária e das de-
mais classes dominadas no capitalismo.

O objetivo final da Internacional Comunista é


substituir a economia capitalista pelo sistema
comunista mundial

Internacional Comunista. Programa (1929).

1.7. Nossas tarefas

A retomada do movimento comunista e do processo revo-


lucionário deve ter como pressuposto a retomada da iniciativa

25
Documento Base

proletária na luta de classes. Isso significa, em primeiro lugar,


que os/as comunistas devem participar da vida cotidiana das
massas operárias e trabalhadoras, compartilhar suas dificuldades
concretas e lutar a seu lado. Somente dessa maneira, as/os co-
munistas poderão ganhar a confiança da classe operária para se
organizar no seu meio e estimular novas e maiores lutas.
Enquanto comunistas, a retomada da iniciativa proletá-
ria na luta de classes também significa combater sem tréguas
as diversas posições reformistas e oportunistas no seio da classe
operária e de suas organizações. Esse combate também é diri-
gido contra suas políticas de subordinação do proletariado à
burguesia, de limitação da luta proletária aos marcos do capi-
talismo. Devemos criticar radicalmente suas práticas de sabotar
as iniciativas independentes de luta da classe e sua permanente
busca de compromissos e alianças com a burguesia e seu estado.
Retomar a iniciativa proletária na luta de classes significa
recolocar no horizonte da classe operária e das suas lutas a ques-
tão do poder, da derrubada do regime de escravidão assalariada
do capitalismo e da construção do Socialismo. Significa vincu-
lar de forma permanente e indissolúvel esse objetivo estratégico
com as lutas cotidianas da classe, as greves, as paralisações, as
ocupações, as manifestações, os protestos, suas vitórias parciais e
suas derrotas. Significa estimular a luta e a organização indepen-
dentes dos/as operários/as e das demais classes dominadas para
seus objetivos próprios, de classe, opostos e irreconciliáveis aos
objetivos da burguesia, dos patrões, dos exploradores e de seus
agentes no movimento operário, os pelegos.
Seguindo a conhecida máxima de Lênin, de que sem teoria
revolucionária não há movimento revolucionário, uma tarefa in-
dispensável dos/das comunistas é a retomada e o desenvolvimen-
to da teoria marxista-leninista, a teoria científica e revolucionária
do proletariado. Enquanto comunistas, isso significa combater
implacavelmente todas as deturpações revisionistas e reformistas
do marxismo-leninismo, retomando seu caráter científico, críti-

26
Coletivo Cem Flores

co e revolucionário. Isso significa, também, um longo processo


de educação e formação das massas proletárias e demais classes
dominadas para o marxismo-leninismo, mostrando que seu co-
nhecimento prático e cotidiano das contradições, da exploração e
da injustiça do capitalismo, pode ser generalizado em uma teoria
científica e revolucionária das próprias massas, abrindo caminho
para o fim da exploração e da injustiça. Por fim, a retomada da
teoria marxista-leninista não pode se dar sem seu desenvolvimen-
to, sem incorporar as novas perspectivas da luta de classes nos
campos econômico, político e ideológico das últimas décadas.
Enquanto comunistas, a retomada da iniciativa proletária
na luta de classes e a retomada e o desenvolvimento da teoria
marxista-leninista, exigem a reconstrução do instrumento de
combate do proletariado e das classes dominadas em sua luta
revolucionária contra o capital: o Partido Comunista.

27
Coletivo Cem Flores

2. Movimento Comunista Internacional

Nós, os/as comunistas deste primeiro quartel do século


21, somos herdeiros/as de dois séculos de lutas operárias e de
massas em todos os países do mundo. Somos herdeiros/as de
um século e meio de tentativas de tomada de poder pelo prole-
tariado, das primeiras tentativas de construção do Socialismo.
Considerando tanto os avanços quanto os recuos dessas lutas,
somos herdeiros/as das mais belas e mais heroicas páginas já es-
critas pelas lutas das classes dominadas na história mundial.
A história do movimento comunista é a história das lutas
operárias e das massas trabalhadoras, dos seus acertos e dos seus
erros, das suas vitórias e das suas derrotas. Sob a liderança da po-
sição proletária revolucionária, as massas, carregando a bandeira
vermelha do Comunismo, travaram os mais difíceis e violen-
tos combates, reescrevendo a história da luta de classes. Com o
Comunismo, pela primeira vez trabalhadores e trabalhadoras dos
mais diversos países reconheceram-se enquanto classe, indepen-
dentemente de suas pátrias, fazendo tremer as classes dominantes.
Nosso papel de comunistas, portanto, é o de aprender
com as lições de todas essas experiências, suas vitórias e derrotas,
seus acertos e erros, e levar adiante essas lutas revolucionárias
na conjuntura concreta atual. Ou seja, na difícil conjuntura de
refluxo do movimento comunista internacional, de restauração
burguesa das experiências de construção do Socialismo, de do-
mínio completo do capitalismo e do imperialismo no mundo,
nessa conjuntura de ofensiva burguesa em todas as frentes, re-
sistir junto com a classe operária e as demais classes dominadas
para podermos retomar a iniciativa nas lutas de classe, a posição
proletária independente, o combate ao reformismo, ao revisio-
nismo e ao oportunismo, a teoria marxista-leninista, e recons-
truir o Partido Comunista no Brasil. Estas são as nossas tarefas.

29
Documento Base

2.1. O século das Revoluções


O século 20 foi marcado pelo imperialismo, com as
suas guerras mundiais e o seu colonialismo – os auges da bar-
bárie imperialista (até agora). Como reação a essa barbárie,
o século 20 também foi marcado pelas Grandes Revoluções
Socialistas, anticoloniais e anti-imperialistas. A partir de 1917,
com a Grande Revolução de Outubro na Rússia, liderada pelo
Partido Bolchevique chefiado por Lênin, iniciou-se a época
histórica das Revoluções Proletárias e das experiências de cons-
trução do Socialismo.
Nesse mesmo século 20, vimos as tentativas de constru-
ção do Socialismo serem derrotadas pelos ataques desesperados,
ferozes e violentos das burguesias dos países imperialistas, pela
reação interna da burguesia derrotada e seus aliados pequeno
burgueses, e pelos erros dos/as comunistas e da vanguarda re-
volucionária do proletariado nessas iniciativas historicamente
inéditas de construção socialista nos cenários os mais adversos
possíveis. Como consequência, essas experiências foram derro-
tadas e cederam lugar a restaurações capitalistas.
Nesse processo, também o marxismo-leninismo foi cor-
roído por dentro pelo revisionismo, buscando eliminar seu
caráter revolucionário, e a maioria dos partidos comunistas
no mundo todo tornou-se reformista, socialdemocrata, aban-
donando a luta proletária e de massas e substituindo-a por
acordos, negociações e conchavos, tornando-se partidos elei-
toreiros, institucionais e legalistas.

2.2. A Grande Revolução Socialista Russa

A Grande Revolução de Outubro de 1917 foi a tomada


do poder político pelo proletariado e pelo campesinato russos,
liderados pelo seu Partido Comunista, o Partido Bolchevique;
foi a derrubada da burguesia e de seus aliados do poder econô-
mico e de estado; e o início da primeira experiência socialista, de

30
Coletivo Cem Flores

ditadura do proletariado, do século 20, com a criação da União


das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A Revolução Russa
foi o início da implantação do programa revolucionário bolche-
vique, de independência do proletariado, de não subordinação
da classe operária à burguesia e de construção do Socialismo. A
Revolução Russa também inspirou e impulsionou o movimento
comunista internacional, que passou a um nível mais avançado
em todo o mundo.
As primeiras décadas da experiência de construção do
Socialismo na URSS viram a expropriação dos expropriadores:
burgueses, latifundiários e nobres tiveram suas terras e empresas
socializadas pelo poder proletário e camponês. Terra, pão, paz,
liberdade e trabalho para os antigos explorados. Os bolcheviques
coletivizaram a propriedade da terra e promoveram a urbaniza-
ção e a industrialização nas cidades da atrasada Rússia. O poder
proletário e camponês combateu a opressão às mulheres, tanto
na busca por modificar a base material dessa opressão (median-
te a socialização do trabalho doméstico com creches e cozinhas
coletivas, por exemplo), quanto na luta política e ideológica. A
questão nacional e da opressão às diferentes raças e etnias tam-
bém foi tratada pelos revolucionários russos. A Revolução deu
ainda caráter central à educação, combatendo o analfabetismo e
levando jovens proletários às escolas e universidades, e estimu-
lou o desenvolvimento da cultura e das artes.
A reação das antigas classes dominantes russas e de seus
aliados imperialistas à Revolução foi violenta e feroz, jogando
a Rússia numa guerra civil ao mesmo tempo em que o país era
invadido por mais de uma dezena de potências imperialistas. A
um custo elevado de mortes de trabalhadores/as, soldados e co-
munistas e destruição econômica e produtiva, o Poder Vermelho
e seu Exército Vermelho esmagaram a burguesia interna e ex-
terna e consolidaram o poder da aliança operário-camponesa.
Duas décadas mais tarde, sob a liderança de Stálin e ao custo de
mais de 26 milhões de vidas soviéticas e de uma brutal destrui-

31
Documento Base

ção de sua estrutura econômica, a URSS e o Exército Vermelho


derrotaram os invasores nazistas, libertaram os países do Leste
Europeu e venceram a Segunda Guerra Mundial.
Como sabiam Lênin e os bolcheviques, não apenas o
trabalho revolucionário para a tomada do poder e o triunfo da
Revolução ocorre sobre intensa e constante repressão da burguesia
e do seu aparelho repressivo. Derrotada a burguesia, sua reação
torna-se muito mais violenta e feroz, posto que desesperada. A
ditadura do proletariado e a experiência de construção socialista
constituem um período histórico de aprofundamento da luta de
classes, de derrubada da burguesia, de destruição das bases eco-
nômicas do poder de classe burguês, de combate longo e inces-
sante contra a permanência de sua ideologia e contra os elemen-
tos burgueses e pequeno burgueses que se instalam no Partido
Comunista, nos órgãos do poder socialista e em suas influências
junto às massas, o período da necessária e efetiva transformação
nas relações de produção e de avanço no poder proletário.
Esse período de construção socialista também foi de con-
quistas para a classe operária e as demais classes anteriormente
dominadas, de melhorias concretas nas suas condições de vida,
de ampliação das suas conquistas, de avanço na democracia e na
liberdade para as massas, e de controle e participação operária
crescente nas decisões sobre a produção, a política e as demais
esferas da vida. Os embriões da nova sociedade comunista se
faziam presentes nas comunas e nos sovietes, nas frentes de
trabalho voluntário e comunitário, na ampliação do acesso à
cultura, na firme solidariedade internacionalista, no combate às
opressões e preconceitos milenares.

2.3. A Internacional Comunista

Em 1919, em plena guerra civil contra o exército bran-


co e os invasores imperialistas, o Partido Bolchevique, che-
fiado por Lênin, e Partidos Comunistas de diversos países

32
Coletivo Cem Flores

criaram a 3ª Internacional, a Internacional Comunista. A


Internacional Comunista buscou unificar em uma só luta os
Partidos Comunistas, os sindicatos e os demais instrumentos
de combate do proletariado para o novo momento histórico
que se iniciava: de combate ao imperialismo, das Revoluções
Proletárias, anticoloniais e anti-imperialistas e das experiências
de construção do Socialismo.
A Internacional Comunista contribuiu para fortalecer
o movimento comunista mundial e para a criação de Partidos
Comunistas ao redor do mundo: na China, em Portugal, na
Grécia, no Brasil, e em vários outros países, todos considera-
dos seções nacionais da Internacional Comunista, o partido
mundial da Revolução proletária. A Internacional Comunista
também buscava a unificação e a articulação de organizações de
luta proletária, sindicatos, cooperativas e outras; camponesas, de
juventude, de mulheres, de solidariedade e socorro, de povos e
raças oprimidas; e o intercâmbio de experiências e informações
do movimento revolucionário em todo o mundo, em imprensa,
eventos e congressos. A Internacional Comunista estimulou e
participou diretamente da luta proletária em inúmeros países,
de levantes anticoloniais e anti-imperialistas, e dos principais
processos revolucionários das décadas seguintes.
As duas décadas e meia de atuação da Internacional
Comunista também geraram erros. Como único poder prole-
tário do mundo na época, a URSS tinha ampla hegemonia na
Internacional Comunista e defender a União Soviética represen-
tava defender concretamente a Revolução e o Socialismo. No en-
tanto, por vezes a orientação da Internacional Comunista subor-
dinava os interesses da Revolução em outros países aos da URSS.
Contribuíam para isso, também, a relativa fraqueza (tanto teórica
quanto prática, incluindo baixa inserção nas massas trabalhadoras)
de muitos jovens Partidos Comunistas. Nem sempre com infor-
mações precisas sobre cada formação social e sobre os detalhes de
seus processos revolucionários, a Internacional Comunista muitas

33
Documento Base

vezes acabou dando uma direção revolucionária uniforme para


realidades distintas. Esses fatores levaram ao recurso a decisões
burocráticas e impositivas. Esses erros contribuíram para a frus-
tração de ações revolucionárias em diversos países, especialmente
após a adoção da política de frente ampla com a socialdemocracia
(partidos reformistas burgueses) após o 7º Congresso, em 1935.

Façamos nós por nossas mãos / tudo o que a nós nos


diz respeito!

Eugène Pottier. A Internacional (1871).

Mesmo com esses limites, a Internacional Comunista


contribuiu no avanço das formulações marxistas-leninistas em
diversos temas, tais como: Partido Comunista; democracia bur-
guesa e ditadura do proletariado; sindicatos, comitês de fábrica e
cooperativas; questões agrária, nacional e colonial; luta revolucio-
nária das mulheres, dos/as negros/as e da juventude; frente única
da classe operária e dos/as trabalhadores/as; guerra imperialista e
crise mundial do capital; tática e estratégia do processo revolucio-
nário mundial. Os discursos, os documentos e as resoluções dos
Congressos da Internacional Comunista, além de sua experiência
prática, constituem um patrimônio dos/as comunistas e do prole-
tariado de todos os países, devendo ser analisados criticamente em
seus ensinamentos sobre a ação comunista e revolucionária ainda
hoje, buscando desenvolvê-los para as condições concretas atuais.

2.4. A Grande Revolução Chinesa

Em 1949, pouco mais de três décadas após a Grande


Revolução Russa e alguns anos após a vitória soviética na Segunda

34
Coletivo Cem Flores

Guerra Mundial, triunfou a Grande Revolução Chinesa, liderada


pelo Partido Comunista da China e seu Exército de Libertação
Popular, chefiados por Mao Tsé-Tung. O triunfo da Grande
Revolução Chinesa culminou um longo processo revolucionário
e de guerra popular que durou décadas, combatendo os senhores
feudais e a grande burguesia chineses, o imperialismo, principal-
mente inglês, e a invasão japonesa em um processo revolucionário
anti-feudal, anti-imperialista e anticolonial.
A Grande Revolução Chinesa trouxe desenvolvimentos
em relação à Grande Revolução de Outubro na Rússia, decor-
rentes das diferentes situações históricas, das distintas caracte-
rísticas das formações sociais e das consequentes novas táticas
e estratégia dos/as comunistas chineses. O processo revolucio-
nário, ainda que tendo no proletariado a sua classe dirigente,
baseou-se fundamentalmente no campesinato, que representava
mais de dois terços da população chinesa da época, e em especial
nos/as camponeses/as pobres. Dessa forma, a luta revolucionária
ganhou mais força no campo, criando as chamadas zonas econô-
mica e politicamente liberadas, cujo crescimento fortalecia as fi-
leiras revolucionárias e preparou a tomada das cidades. Durante
essas décadas de luta revolucionária, o Partido Comunista da
China foi modificando sua linha política, sua tática e sua es-
tratégia, na medida em que as condições concretas da luta de
classes se alteravam, como foi o caso com a invasão japonesa.
A Grande Revolução Chinesa deu origem a um processo de
três décadas de avanços na tentativa de construção do Socialismo,
trazendo lições novas em relação à experiência soviética, que abran-
gem os campos econômico, político e ideológico. A partir do final
dos anos 1950, os/as comunistas chineses, do ponto de vista mar-
xista-leninista, denunciam abertamente o revisionismo soviético e
reafirmam seu compromisso com a construção socialista, rumo ao
Comunismo, e com o desenvolvimento da teoria marxista-leni-
nista. Na segunda metade da década de 1960 tem início a Grande
Revolução Cultural Proletária, defendendo as corretas teses de

35
Documento Base

que a luta de classes continua durante o período de transição ao


Socialismo; de que elementos de ideologia burguesa (revisionistas,
reformistas e oportunistas) sobrevivem e se infiltram no Partido
Comunista e mesmo entre seus dirigentes, contra o que se deve ter
vigilância ideológica reforçada; e de que o poder deve estar na mão
das massas. O fim da Revolução Cultural tornou-se o próprio fim
da experiência de construção do Socialismo na China e o início da
retomada do caminho capitalista.
O processo revolucionário chinês de mais de meio século,
da fundação do Partido Comunista até o fim da tentativa de
construção socialista, é um imenso repertório de lições para os/
as comunistas de todos os países, com suas experiências e retifi-
cações, seus acertos e erros.

2.5. Os processos revolucionários do século 20

O século 20 também foi marcado por outras experiências


revolucionárias, tanto as bem-sucedidas ao efetivamente derruba-
rem a burguesia e tomarem o poder, quanto por tentativas revolu-
cionárias efêmeras ou frustradas. Logo após a Grande Revolução
de Outubro na Rússia, os/as comunistas da Liga Espartaquista,
chefiados por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, foram derro-
tados/as em sua tentativa de insurreição na Alemanha, em 1919.
Também em 1919 os/as comunistas húngaros, chefiados por Béla
Kun, tomaram o poder e fundaram uma república soviética que
durou alguns meses.
No Vietnã, o processo revolucionário durou mais de três
décadas, com os/as comunistas chefiados por Ho Chi Minh com-
batendo, vencendo e expulsando sucessivamente as forças inva-
soras dos imperialismos de Japão (1945), França (1954) e EUA
(1975). As lições imortais do “Tio Ho” se baseiam na aplicação
do marxismo-leninismo às condições da luta de classes em um
país majoritariamente agrícola, com baixo desenvolvimento ca-
pitalista, e longa trajetória de ocupação colonialista; na profunda

36
Coletivo Cem Flores

ligação com as massas dominadas, vivendo a sua vida simples e


dedicando todas as suas forças ao duro trabalho revolucionário
com essas massas; e na organização dos instrumentos desse pro-
cesso revolucionário, o Partido Comunista e as frentes anti-im-
perialista e anticolonialista, liderada pelos/as comunistas, o Viet
Minh e o Viet Cong, com seus braços político e militar. O Vietnã,
atualmente, embora governado pelo partido comunista, adota o
“socialismo de mercado” (sic!) e constitui, economicamente, um
polo de exploração de força de trabalho barata dentro da área de
influência do imperialismo chinês.
Em Cuba, o processo revolucionário contra o governo di-
tatorial e títere do imperialismo dos EUA se estendeu pela década
de 1950. A Revolução Cubana, chefiada por Fidel Castro e Che
Guevara, combinou uma direção guerrilheira no interior do país (a
Sierra Maestra) com a ação política nas cidades, culminando com
a tomada do poder no começo de 1959. Tão logo declarado seu
“caráter socialista”, a Revolução Cubana passou a estar sob o ataque
cerrado do imperialismo dos EUA, tanto mediante uma invasão
militar direta (como na batalha de Girón, em 1961) e um cerco na-
val (na crise dos mísseis, em 1962), quanto sob um cruel bloqueio
econômico de mais de meio século e intenso ataque ideológico. A
Revolução Cubana desempenhou importante papel internaciona-
lista de estímulo aos processos revolucionários na América Latina
e na África durante as décadas de 1960 a 1980. Em função tanto
da existência do chamado “campo socialista” e seu apoio concreto
à Revolução Cubana, quanto dos incessantes ataques, sabotagens
e chantagens do imperialismo dos EUA, os dirigentes revolucio-
nários cubanos terminaram por se integrar ao revisionismo domi-
nante na União Soviética e nos países do Leste Europeu. Dessa
maneira, a dissolução formal da URSS, em 1991, teve enorme im-
pacto na economia cubana e aprofundou a adoção de mecanismos
de mercado capitalista, incluindo a ampliação de investimentos
capitalistas estrangeiros e da propriedade privada, que passaram a
fortalecer uma oposição burguesa e a ideologia burguesa.

37
Documento Base

Além dos processos já mencionados, o século 20 tam-


bém testemunhou diversas outras experiências revolucionárias.
Ao final da 2ª Guerra Mundial, a libertação dos países do Leste
Europeu da dominação nazista, com o Exército Vermelho se so-
mando à resistência comunista, gerou as chamadas “democracias
populares”. Na Grécia, a resistência guerrilheira ao invasor nazi-
fascista se transformou em guerra civil revolucionária após o fim
da ocupação, com o Partido Comunista da Grécia (KKE) sendo
derrotado em 1949, pelas forças somadas da burguesia grega e
do imperialismo dos EUA e da Inglaterra. No começo dos anos
1950, a Revolução triunfou na Coreia, também aproveitando
a luta guerrilheira anterior e confrontando o imperialismo dos
EUA. Nos anos 1960 e 1970, a luta revolucionária anticolonial se
espalhou na África, com uma vitória efêmera no Congo, contra
o colonialismo belga; a independência da Argélia, contra o co-
lonialismo francês; e a independência de Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau e Cabo Verde contra o colonialismo português.
Na América Latina, nas décadas de 1960 a 1980, vários
países experimentaram lutas revolucionárias de guerrilhas, der-
rotadas pela repressão militar de suas burguesias e seus aliados
imperialistas ianques. A exceção foi a Revolução Sandinista na
Nicarágua, vitoriosa em 1979 e derrotada em 1990.
A grande lição que todas essas primeiras experiências
revolucionárias deixaram é a de que é possível e necessário der-
rubar o capitalismo.

2.6. O início das primeiras experiências de transição ao


Socialismo

Os vitoriosos processos revolucionários do século 20 tam-


bém significaram o início das primeiras experiências de constru-
ção do Socialismo, de transição do capitalismo para o Socialismo.
Essas experiências práticas e teóricas ocorreram (e sempre ocorre-
rão) sob um contínuo e cerrado fogo do inimigo de classe, sob a

38
Coletivo Cem Flores

mais feroz reação e fúria desesperada da burguesia, decuplicadas


após a tomada do poder pela classe operária e demais classes do-
minadas. A burguesia e as demais classes dominantes derrotadas
nacionalmente, bem como o imperialismo e todo o poder burguês
das demais nações capitalistas mobilizaram (e mobilizarão) contra
o poder revolucionário guerras civis, destruição do aparelho pro-
dutivo, ataques e invasões imperialistas, bloqueios econômicos e
financeiros, ofensivas ideológicas, chantagens, subornos e toda a
espécie de ataques. Dessa maneira, essas primeiras experiências
de transição ao Socialismo devem ser analisadas no seu momento
histórico, na sua conjuntura concreta da luta de classes no mundo
e em cada país onde a Revolução triunfou.
A partir das formulações de Marx e Engels, considerando
a experiência da Comuna de Paris de 1871, e das experiências
dos distintos processos revolucionários do século 20, pode-se
afirmar que a transição do capitalismo ao Socialismo – com os
avanços e recuos de cada experiência concreta, causados pelas
condições objetivas e subjetivas da luta de classes – ocupa um
longo período histórico e tem um sentido geral bem definido.
Ou seja, seus objetivos são a superação definitiva do capitalis-
mo com a construção de uma sociedade socialista, sociedade de
transição para o Comunismo, para uma sociedade sem classes e
sem exploração.
Diante da continuidade da luta de classes entre a burgue-
sia e seus lacaios e o proletariado e as antigas classes dominadas,
mesmo após a tomada do poder pela classe operária e a derruba-
da da classe burguesa e durante todo o período de transição ao
Socialismo, o primeiro aspecto fundamental do poder revolucio-
nário é a manutenção e a consolidação de sua própria existência.
Isso compreende duas tarefas fundamentais. Por um lado, a neces-
sidade de derrotar militarmente os inimigos de classe, de destruir
as bases econômicas e políticas do seu antigo poder, utilizando
todo o poder do estado proletário para isso, e de manter a ofensiva
em todas as frentes contra as antigas classes dominantes.

39
Documento Base

Barricada na Comuna de Paris, França (1968).

Conselho de Operários e Operárias na fábrica Putilov, Rússia (1920).

40
Coletivo Cem Flores

Por outro lado, é tarefa não menos fundamental afir-


mar-se cada vez mais entre o proletariado e as classes aliadas da
Revolução, trazendo-os crescentemente para os órgãos dirigen-
tes e constitutivos da Revolução, firmando seus interesses e seu
poder. Trata-se da criação, do fortalecimento e da reprodução de
ações coletivas de poder das massas, organizadas em torno e sob
a direção da classe operária, na produção, desde os locais de tra-
balho e de moradia, e na gestão dos assuntos estatais, que é, de
forma geral, o exercício da ditadura do proletariado. Nesse pro-
cesso, construir ou reforçar as novas formas de poder proletário
que paulatinamente destruam o aparelho de estado herdado do
capitalismo pela Revolução.
A sociedade de transição, que acaba de derrotar o poder bur-
guês, ainda carrega todas as mazelas do capitalismo (exploração,
repressão, miséria e fome para as massas). A necessidade imperativa
da manutenção e consolidação do poder revolucionário inclui a
garantia da reprodução das condições materiais de vida das massas
e, portanto, da produção. Todas as experiências de construção do
Socialismo expropriaram a grande propriedade e o grande capital,
nacional e estrangeiro, inclusive diante da sabotagem burguesa, em
direção à propriedade coletiva das massas trabalhadoras. A transi-
ção também buscou encontrar suas formas próprias de organização
socialista do trabalho, mediante a participação da classe operária e
das massas revolucionárias na direção e no planejamento da pro-
dução. Em todos os seus avanços e recuos, o processo de transição
do capitalismo ao Socialismo significa a ampliação da propriedade
coletiva contra a propriedade privada, e não o reforço desta, da
produção de mercadorias e do mercado capitalista.
Da mesma forma, a direção da transição ao Socialismo é a
da ampliação da participação da classe operária e das demais clas-
ses revolucionárias no novo poder e na nova produção, buscando
avançar na transformação proletária das relações de produção no
próprio processo de produção – e não a manutenção do despotis-
mo de fábrica e da subordinação dos produtores diretos a classes

41
Documento Base

ou camadas dirigentes, ainda que com aumentos de salários. Essa


direção da construção do Socialismo também vai no sentido da
gradual superação das divisões entre trabalho intelectual e manu-
al, entre cidade e campo, e demais desigualdades que estruturam
a divisão do trabalho capitalista.
Esse processo revolucionário de transformação da socieda-
de engloba todas as instâncias: econômica, política, ideológica,
artes, cultura, costumes etc. Além das transformações socialistas
na organização do trabalho, da produção e da reprodução, a tran-
sição também necessita de uma Revolução Cultural (no sentido
mais amplo do termo), sob o comando do proletariado e das
massas. Essa Revolução Cultural deve dar atenção e combate, na
luta de classes, aos aspectos ideológicos burgueses dominantes e
resistentes, herdados dos milenares modos de produção anteriores
baseados na exploração de classes, para combater as heranças da
sociedade capitalista, assim como as novas formas políticas e ideo-
lógicas das antigas classes dominantes que podem ressurgir.
A transição ao Socialismo tem o objetivo central de mudar
as relações de produção, de acabar com as relações capitalistas de
exploração da força de trabalho, de impedir o ressurgimento dessa
exploração sob outras formas, por meio do aprofundamento cada
vez maior do controle da classe operária nos processos produtivos.
O exercício do poder político pela classe operária, dirigindo essa
transformação das relações de produção, é condição imprescindí-
vel para melhorar as condições de vida das massas e para a supe-
ração objetiva e subjetiva da opressão à mulher, do racismo e de
todas as distinções de classe.
O período de transição ao Socialismo, portanto, constitui
um longo processo de transformação concreta nas formas e re-
lações de produção, na capacidade de organização e de direção
que a classe operária consiga dar aos processos iniciados com a
Revolução. A transição, portanto, configura uma revolucionari-
zação das relações de produção, da estrutura de classes e de toda a
superestrutura, em direção ao Comunismo.

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Coletivo Cem Flores

2.7. Desenvolvimentos do marxismo no século 20

No campo da teoria revolucionária, o marxismo-leninismo,


os processos revolucionários do século 20, vitoriosos ou fracassa-
dos, e os avanços e recuos da Revolução, além das próprias trans-
formações do capitalismo, das forças produtivas, das inovações
tecnológicas e da ciência, e do estado e da repressão burgueses,
também trouxeram lições que possibilitaram novos desenvolvi-
mentos teóricos. Esses desenvolvimentos do marxismo-leninismo
foram frutos, portanto, das novas realidades concretas e das condi-
ções mais avançadas em que se travava a luta de classes do proleta-
riado. Os desenvolvimentos do marxismo-leninismo confirmam
seu caráter científico, de análise concreta da realidade concreta e
de instrumento de luta do proletariado contra a burguesia.

Para nós não pode tratar-se da transformação da


propriedade privada, mas apenas do seu aniquilamento,
não pode tratar-se de encobrir oposições de classes, mas
de suprimir as classes, nem de aperfeiçoar a sociedade
existente, mas de fundar uma nova.
Marx e Engels. Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas (1850).

O marxismo-leninismo resulta da incorporação das con-


tribuições de Lênin ao marxismo, a teoria científica fundada por
Marx e Engels. Dentre esses aportes de Lênin destacam-se o com-
bate implacável ao reformismo, ao revisionismo e ao oportunis-
mo, como inseparáveis do combate ao capitalismo, e a concepção
de Partido Comunista e de centralismo democrático. Igualmente,
sua análise sobre o sistema capitalista mundial e o conceito de im-
perialismo. Sua profunda compreensão da evolução das relações
de produção na Rússia está na base da elaboração da estratégia e

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Documento Base

da tática revolucionárias, incluindo a aliança operário-campone-


sa. A vitória da Revolução também possibilitou aprofundamentos
na questão da construção do Socialismo.
Da mesma forma, o longo processo revolucionário chinês,
da criação do Partido Comunista da China em 1921 até a derrota
da experiência de construção do Socialismo e o início da restau-
ração capitalista em 1978, também possibilitou novos aportes ao
marxismo-leninismo em processo no qual se destaca a liderança
de Mao Tse-Tung. Dentre esses desenvolvimentos estão a estraté-
gia revolucionária como a de uma guerra popular prolongada; o
desenvolvimento da linha de massas na atuação dos/as comunis-
tas; a formação das comunas populares; a continuidade da luta
de classes no período de transição ao Socialismo e a necessidade
de uma Revolução Cultural; concepções que incluem a crítica ao
revisionismo soviético a partir do final dos anos 1950.
Ainda, em diversas partes do mundo, os movimentos pro-
letários e das massas, os/as militantes e dirigentes comunistas
aplicaram o marxismo-leninismo às suas condições concretas de
luta e aos novos desenvolvimentos da conjuntura mundial e na-
cional obtendo importantes lições, nas vitórias ou nas derrotas,
para o campo revolucionário. Dentre esses se incluem as formu-
lações sobre linha de massas e guerra popular, no Vietnã; as teses
de Mariátegui sobre a América espanhola e as especificidades de
suas formações sociais; o debate internacional sobre a transição
ao Socialismo, no começo dos anos 1960, a partir da experiência
revolucionária cubana; as formulações críticas ao revisionismo so-
viético e de resgate do leninismo, como as de Francisco Martins
Rodrigues; a construção de uma linha de massas e as generaliza-
ções teóricas a esse respeito, do Partido dos Panteras Negras, nos
EUA; as críticas ao dogmatismo soviético e as formulações mar-
xistas-leninistas na França nas décadas de 1960-70; a experiência
e as teses sobre guerra popular nos países asiáticos, entre outros.
Mais que apenas afirmar as lideranças desses/as camaradas e
suas abnegações, seus desprendimentos, suas coragens e inteligên-

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Coletivo Cem Flores

cias, que nos servem de inspiração, devemos buscar, em honra a


essas memórias, retificar seus desvios e afirmar, com base nas suas
experiências, sem anacronismo, sob o rigor científico do marxis-
mo-leninismo, os pontos altos das suas contribuições teóricas e prá-
ticas para buscar moldá-las à nossa realidade atual e desenvolvê-las.

2.8. As derrotas das primeiras experiências revolucionárias


de transição ao Socialismo e restauração capitalista

As experiências de construção do Socialismo no século


20 terminaram derrotadas, cedendo terreno para restaurações
capitalistas, para o fortalecimento de uma nova burguesia e o
retorno da exploração capitalista da classe operária e das massas
trabalhadoras nos antigos “países socialistas”. De uma maneira
geral, as posições burguesas tornaram-se vitoriosas na luta de
classes durante os processos de construção socialista, levando à
interrupção dessas construções revolucionárias e, gradualmente,
à restauração do capitalismo. Essas derrotas da posição revolu-
cionária, proletária e comunista, têm várias razões, tanto mais
gerais quanto específicas a cada experiência concreta. Em geral,
podemos dizer que uma dessas causas foi a limitada presença da
classe operária nos órgãos dirigentes dos Partidos Comunistas,
do estado e da produção. Isso levou tanto à diferenciação da
camada dirigente em relação ao conjunto do proletariado e das
demais classes revolucionárias, reforçando assim uma divisão
de classes, quanto ao progressivo afastamento dessas classes em
relação a ativas posições revolucionárias e à adoção de posições
mais passivas. Essa causa está relacionada a uma incompreensão
e ao posterior abandono pelos Partidos Comunistas da posição
proletária na luta de classes nas novas condições de transição
ao Socialismo e a desvios em relação aos objetivos gerais dessas
experiências. Esses fatores refletem o progressivo abandono das
posições e dos princípios revolucionários comunistas e expressam
os limites encontrados na luta política e ideológica e na vigilância

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Documento Base

revolucionária contra os elementos oportunistas, revisionistas e


mesmo abertamente capitalistas. Soma-se ainda o papel desem-
penhado pelas dificílimas condições concretas em que esses pro-
cessos revolucionários ocorreram, que exigiram o sacrifício de
significativa parcela de comunistas, do proletariado e das massas
trabalhadoras, especialmente dos integrantes de sua vanguarda.
A limitada capacidade dessas experiências revolucioná-
rias em avançar na superação das relações de produção herda-
das do modo de produção capitalista manteve e reproduziu as
diferenças de classe. Essa é, em geral, a base material da derrota
dos processos revolucionários, da manutenção e do reforço da
existência de classes distintas e da restauração capitalista diri-
gida por uma “nova” burguesia, pelo estado e pelos próprios
partidos “comunistas”.
Na União Soviética, por exemplo, nas condições concre-
tas posteriores à guerra civil e ao comunismo de guerra, Lênin
propôs um recuo tático com a Nova Política Econômica (NEP)
e a expansão de relações mercantis (produção de mercadorias
e lucro) e de uma classe burguesa (nepmen). Mesmo a coleti-
vização e a industrialização a partir dos anos 1930, sob Stálin,
não superaram inteiramente esse “recuo tático”, que assim man-
teve-se como elemento constitutivo da sociedade soviética e
posteriormente se fortaleceu. Há, também, diversos indícios da
permanência de elementos burgueses e de sua ideologia, tanto
no Partido quanto na sociedade soviética, por exemplo, o refor-
ço do aparelho de estado separado da classe operária e das mas-
sas proletárias. Esse processo, que incluiu declarações sobre a
completa liquidação do capitalismo e o fim da luta de classes na
União Soviética, levou à diminuição da vigilância revolucionária
e da ofensiva proletária na luta de classes (principalmente políti-
ca e ideológica) e sua substituição pela repressão. Também ocor-
reu um crescente distanciamento entre os quadros dirigentes
do Partido e das empresas estatais em relação à classe operária,
possibilitando o surgimento de um embrião de uma nova classe.

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Coletivo Cem Flores

Por fim, é preciso mencionar o abandono da teoria revolucioná-


ria marxista-leninista, substituída por formulações reformistas
sobre o “estado de todo o povo”, a “coexistência pacífica” [com
o imperialismo] e a “via pacífica para o socialismo”.
A subestimação da luta de classes entre burguesia e prole-
tariado e de seu corolário, o combate implacável ao reformismo
e ao oportunismo – posições burguesas no seio da classe operária
– também levou o movimento comunista internacional a ficar
desarmado política e ideologicamente em relação às suas posições
revolucionárias, de princípio. Nas condições concretas da prepa-
ração para a 2ª Guerra Mundial, do combate ao nazifascismo e
dos ataques aos/às comunistas, a Internacional Comunista, em
seu 7º Congresso, em 1935, adotou a política de frente única com
a socialdemocracia – repita-se, os representantes da burguesia
no movimento operário. Essa foi uma mudança importante em
relação à política dos congressos anteriores da Internacional, de
Frente Única Operária, ou seja, de buscar atuar com o conjunto
da classe, construindo essa posição de classe por baixo, pela base,
em ações concretas; e de Classe contra Classe. A nova política,
no mínimo em termos práticos, estimulava acordos com as dire-
ções socialdemocratas. Mesmo se essa posição puder ser explicada
como um “recuo tático” naquela conjuntura específica, o fato é
que ela se tornou a posição dominante no movimento comunista
internacional, implicando uma forte tendência para posições re-
formistas, de conciliação de classes.
A virada da posição política do Partido Comunista da
União Soviética, a partir do seu 20º Congresso, em 1956,
assumindo posições cada vez mais abertamente reformistas
e pró-capitalistas, gerou reações e cisões no movimento co-
munista internacional. A partir da década de 1960, o Partido
Comunista da China, liderado por Mao Tsé-Tung, passou a se
constituir o principal polo de crítica ao revisionismo soviéti-
co a partir do resgate de posições revolucionárias, marxistas-
-leninistas. Nessa década e na seguinte ocorreram sucessivas

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Documento Base

cisões no movimento comunista internacional e nos Partidos


Comunistas em cada país. A maioria desses Partidos perma-
neceu alinhada às posições do revisionismo soviético, aban-
donando cada vez mais as posições revolucionárias e o mar-
xismo-leninismo. A minoria do movimento comunista, que
buscava manter-se no campo revolucionário e desenvolver o
marxismo-leninismo, não conseguiu tornar-se a tendência ma-
joritária junto às massas proletárias e, com poucas exceções, ou
manteve-se restrita a pequenos partidos e círculos comunistas,
ou se desorganizou ou ainda abraçou igualmente o reformismo
e o oportunismo.
Na China, a própria estratégia revolucionária da Nova
Democracia considerava como uma das classes revolucionárias
a burguesia ou, ao menos, amplas camadas burguesas. Isso pos-
sibilitou a manutenção, em alguma medida, da propriedade
privada capitalista após a tomada do poder e o início da expe-
riência de construção socialista. Essa dualidade de considerar,
ao mesmo tempo, partes da burguesia como inimigas e outras
como aliadas, pode ter contribuído, potencialmente, para uma
insuficiência no combate revolucionário à burguesia, às ideias
burguesas e sua influência no Partido Comunista.
Por outro lado, foi na China que a teoria marxista-le-
ninista sobre a continuidade da luta de classes na transição
ao Socialismo mais avançou, explicitando essas contradições
e chamando o Partido, o proletariado e as massas para a luta
pela construção do Socialismo e destruição da velha sociedade.
A Grande Revolução Cultural Proletária iniciou-se em 1966 e
durou uma década, embora suas principais conquistas e avan-
ços tenham ocorrido nos seus primeiros anos. A derrota da
Revolução Cultural foi o passo definitivo para a reincorpora-
ção ao Partido dos elementos pró-capitalistas que haviam sido
expulsos. Esses elementos, ao final de 1978, já eram maioria
na direção do Partido e aprovaram o início das reformas eco-
nômicas pró-capitalistas, com o estímulo ao lucro, à proprie-

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Coletivo Cem Flores

dade privada camponesa, aos mecanismos de mercado e ao


investimento estrangeiro capitalista. Nos mais de quarenta
anos seguintes, a restauração capitalista na China vem sendo
ampliada de forma crescente, sendo esse o sentido claro, per-
manente e inegável de todas as sucessivas direções chinesas a
partir de então.

Esses representantes da burguesia que se infiltraram


no partido, no governo, no exército e em vários
círculos culturais são um bando de revisionistas
contrarrevolucionários. Quando as condições
estiverem maduras, eles tomarão o poder político e
transformarão a ditadura do proletariado em uma
ditadura da burguesia.
Partido Comunista da China. Circular do Comitê Central sobre a Grande
Revolução Cultural Proletária (1966).

No final do século 20, portanto, as experiências revolucio-


nárias de tentativas de construção do Socialismo já haviam sido
derrotadas. Este fato tem enorme importância nas condições
objetivas e subjetivas da luta de classes, no mundo e em cada
país, por exemplo, por seus reflexos negativos no movimento
comunista internacional e no refluxo da linha revolucionária,
comunista. Além disso, a derrota das primeiras experiências de
transição ao Socialismo também cedeu espaço para a ofensiva
da burguesia – que também é uma das causas dessa derrota –
na sua luta de classes contra o proletariado em todas as frentes
(econômica, política, ideológica, militar etc.). Por fim, a rein-
corporação dos antigos “países socialistas” à economia capitalista
também permitiu a abertura de novos espaços de acumulação
e lucro ao capital e impactou a própria redefinição da divisão
internacional do trabalho no sistema imperialista.

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Documento Base

2.9. O refluxo do movimento comunista

As derrotas das primeiras experiências revolucionárias


de construção do Socialismo no século 20 têm impactos tanto
práticos quanto teóricos. O movimento comunista internacio-
nal é praticamente inexistente atualmente. Com os partidos
comunistas na maior parte dos países amplamente dominados
por posições reformistas e oportunistas, apenas pequenas e
fragmentadas iniciativas revolucionárias permanecem, em geral
com pouca influência na luta de classes. Em cada país tende a
prevalecer um prolongado recuo na luta operária, camponesa e
das massas trabalhadoras, que lutam com dificuldades contra
a crescente ofensiva capitalista que busca aumentar sua explo-
ração e jogá-las cada vez mais na miséria e na fome. Esse pro-
longado refluxo praticamente eliminou do horizonte concreto
dessas lutas a perspectiva revolucionária, de tomada do poder
pela classe operária e seus aliados. Dessa forma, a luta das classes
dominadas basicamente restringe-se, atualmente, com poucas
exceções, a mobilizações defensivas mais imediatas, de natureza
fundamentalmente econômica, tentando minorar as condições
da escravidão capitalista.
No campo teórico, essas derrotas expressam a perda de
influência do marxismo-leninismo como guia para ação nas
lutas operárias. Isso implicou sua “substituição” por teorias
burguesas, de “esquerda”, presas nos limites do capitalismo,
como guias para a ação de partidos, sindicatos e movimen-
tos que se intitulam em defesa das classes dominadas. Presos
ao reformismo e ao oportunismo, tanto em termos teóricos
quanto práticos, passam a defender posturas meramente
institucionais e eleitorais, justificar a conciliação de classes
e limitar a luta da classe operária à tentativa de aumento das
migalhas servidas pelos patrões. Nesse longo processo, abas-
tardado pelos desvios revisionistas, reformistas, que o detur-
param, ao extirpar o seu caráter revolucionário, a crise do

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Coletivo Cem Flores

marxismo é um dos obstáculos práticos da ação das massas a


caminho do Socialismo, do desenvolvimento político e ideo-
lógico de uma posição revolucionária, proletária.
Essas posições de classe burguesas nos campos teórico
e ideológico da luta de classes do proletariado estão em con-
tradição explícita com teses fundamentais do marxismo-leni-
nismo. Em primeiro lugar, negam o caráter universal da luta
de classes (enquanto houver classes) e do primado dessa luta
sobre as próprias classes. Entre outras limitações, isso leva a
uma noção ideológica de “democracia universal” (sic!), sem
considerar qual classe a domina, qual forma de dominação de
classe para manter e ampliar o seu poder.
Segundo, a negação da tese de que, sob o domínio do
capitalismo, a democracia é burguesa, outra face da ditadura
da burguesia, portanto, um instrumento de dominação/ex-
ploração sobre a classe operária e as massas trabalhadoras no
modo de produção capitalista e que é tarefa do proletariado
fazer a Revolução e caminhar no sentido da construção da
ditadura do proletariado, do Socialismo.
Terceiro, levam à adoção de diversos modelos “desen-
volvimentistas”, baseados no desenvolvimento das forças
produtivas, independentes de quais relações de produção elas
expressam e reforçam, trazendo explícito o estímulo e a adora-
ção da acumulação capitalista (chamada de “desenvolvimento
econômico”). Ou seja, exploração da classe capitalista sobre
todas demais classes, limitando as aspirações proletárias à es-
perança de receber uma ínfima migalha de tudo o que a classe
operária produziu e os capitalistas expropriaram.
De forma mais geral, o revisionismo e o reformismo são
o abandono da posição e da independência do proletariado na
luta de classes, defendem diversas formas de subordinação à
burguesia, desarmam (teórica, política, organizativa e ideologi-
camente) a classe operária, inventando seja uma burguesia anti-
-imperialista, seja uma ampla frente de classes, setores e frações

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Documento Base

“democráticas”, “progressistas”, etc. à quais o proletariado deve


aliar-se desde que se submeta aos interesses das classes dominan-
tes e limite suas bandeiras às posições burguesas.

O maior perigo […] são as pessoas que não querem


compreender que a luta contra o imperialismo é uma
frase oca e falsa se não for indissoluvelmente ligada à
luta contra o oportunismo.

Lênin. Imperialismo, Estágio Superior do Capitalismo (1916).

Nessas condições da luta de classes dos/as comunistas e


do proletariado, constitui uma tarefa fundamental o resgate do
marxismo-leninismo em toda a sua potência revolucionária,
tarefa intrinsecamente ligada à crítica radical e implacável de
todas as formas de revisionismo, reformismo e oportunismo.

2.10. Situação atual

Nessas primeiras décadas do século 21, as contradições do


sistema imperialista mundial e do capitalismo em cada país se
agravaram de maneira significativa, assim como a luta de classes
entre burguesia e proletariado, marcada pela ofensiva da classe
burguesa. A economia mundial atravessou três crises do capital
nessas duas décadas, sendo que ainda não se havia recuperado
da grande crise do imperialismo iniciada em 2007/08 quando
foi atingida pela crise aguda de 2020. Essas crises e seus distin-
tos impactos em cada potência imperialista – baixa produtivi-
dade e perda de dinamismo nos EUA, desaceleração na China
e estagnação na Europa e no Japão – têm provocado mudanças
significativas na dinâmica do sistema imperialista mundial. As
contradições interimperialistas se agravam, incluindo disputas

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Coletivo Cem Flores

comerciais, tecnológicas, políticas e ideológicas e demonstrações


de força e de capacidade de dissuasão militar. A perspectiva de
novos conflitos militares localizados é uma realidade.
A burguesia encontra-se em plena ofensiva na sua luta de
classes contra o proletariado, buscando aumentar sua explora-
ção e reverter a tendência de queda de suas taxas de lucro. As
jornadas de trabalho aumentam, bem como sua intensidade; as
conquistas trabalhistas são derrotadas, reduzindo salários indi-
retos e o custo da força de trabalho; novas e mais rebaixadas
relações de trabalho são criadas e ganham espaço em diversos
países; “reformas” trabalhistas são aprovadas para estabelecer o
novo marco legal da exploração da massa trabalhadora. A ampla
hegemonia do reformismo e do oportunismo na “esquerda” e no
movimento operário e popular contribui para limitar a reação
da classe operária e justificar sua aceitação a essa nova realidade.
Como consequência da crise do capital e da ofensiva burguesa,
crescem a desigualdade de riqueza e de rendimentos (forma apa-
rente do aumento da exploração). Também como consequência
da crise do capital, da ofensiva burguesa e da necessidade de
maior repressão sobre as classes exploradas, em diversos países
têm crescido movimentos de extrema-direita, autoritários e fas-
cistas, inclusive vencendo eleições, como no Brasil, e buscando
se perpetuar no poder rompendo os limites da democracia bur-
guesa, como é o caso de Hungria, Polônia (e também do Brasil).
Somados às crescentes perspectivas de colapso ambien-
tal do capitalismo e aos impactos devastadores da hecatombe
sanitária com a pandemia de Covid-19 (forte aumento do de-
semprego, da desigualdade, da miséria e da fome em todo o
mundo), todos esses fatores clamam pela retomada da luta de
classes revolucionária do proletariado, pela retomada do marxis-
mo-leninismo, pela retomada do movimento comunista.
Essas contradições têm gerado explosões de enorme va-
riedade ao redor do mundo, de greves (por empresas, catego-
rias e gerais) a manifestações de revolta e massivos protestos

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Documento Base

políticos contra governos. Na China ocorreu um crescente de


greves operárias em meados da década de 2010. Na Grécia e na
Índia, greves gerais convocadas por movimentos sindicais lide-
rados por comunistas. Na França houve seguidas explosões nas
favelas de Paris, o movimento dos coletes amarelos em várias
cidades durante muitos meses e as gigantescas manifestações
contra a reforma da previdência. Na Europa, diversos movi-
mentos de imigrantes e contra a extrema-direita, a xenofobia e
o racismo. Nos EUA, as grandes mobilizações do movimento
negro contra a violência policial do estado capitalista e o racis-
mo, além de greves e luta pela organização de trabalhadores/as
nos monopólios varejistas. Ao redor do mundo, vários protes-
tos e manifestações de mulheres. Na Rússia e em Hong Kong
foram realizados grandes protestos contra seus respectivos
governos. Na Catalunha, enormes mobilizações separatistas.
Nos países árabes do norte da África, a chamada primavera
árabe derrubou diversos governos com milhões de manifestan-
tes nas praças de todos esses países por várias semanas. Mais
recentemente, o mesmo aconteceu no Líbano. Na América
Latina, países como Equador, Chile, Bolívia, Haiti, Honduras
e Argentina, tiveram grandes manifestações de massa contra as
“reformas” econômicas e seus governos.
Muito embora em vários desses exemplos uma parcela dos
manifestantes já identifique no capitalismo a causa fundamental
da sua miséria e opressão e se disponha a lutar contra o regime
burguês, essa parcela ainda é bastante minoritária. A maior parte
desses protestos se caracteriza por movimentos espontâneos da
massa ou com organização ainda muito frágil. Também devido
a essa característica, em geral não há pautas nem ideologias bem
definidas nas manifestações, assim como seu caráter de classe
é mais amplo, em geral com predomínio de posições pequeno
burguesas. Igualmente, na maior parte dos casos, esses protestos
não parecem gerar acúmulos mais permanentes para a luta de
classes das classes dominadas.

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Coletivo Cem Flores

No entanto, o movimento concreto, o movimento real-


mente existente, é o ponto de partida para a retomada do mo-
vimento comunista internacional e em cada país. Assim como
a avaliação crítica e autocrítica das experiências revolucionárias
do século 20 e da nossa própria experiência e da concomitante
necessidade de retomar e desenvolver o marxismo-leninismo em
seu nível mais avançado.

2.11. Nossas tarefas

As nossas tarefas fundamentais, enquanto um coletivo


comunista, são as de reforçar nossas ligações com a vida e as
lutas cotidianas das massas proletárias e trabalhadoras, buscando
ganhar sua confiança para melhor organizar e avançar suas lutas.
Nesse processo, mostrar que a causa principal das dificuldades
das vidas das massas é o próprio capitalismo, sua exploração
e repressão. Assim, apenas com a derrubada desse sistema e a
construção do Socialismo – objetivo estratégico ao qual devem
ser vinculadas todas as lutas proletárias – as massas trabalha-
doras poderão conquistar sua verdadeira libertação. Uma tarefa
importante dos/as comunistas junto às massas é mostrar que
isso já foi feito em diversos países ao longo da história, e que,
portanto, poderá ser feito novamente aqui no Brasil.
Somente com uma atuação desse tipo se pode contribuir
com a construção de uma luta operária que tenha organização
e objetivos próprios, de classe – opostos e inconciliáveis aos
objetivos dos patrões e dos pelegos. O combate ao reformismo
e ao oportunismo desses pelegos, combate às suas posições no
seio da classe operária, combate às posições de subordinação/
aliança da classe operária aos patrões, também é um combate
fundamental e sem trégua. O estudo da história do movimen-
to comunista internacional nos permite tanto aprender com os
exemplos de aplicações concretas justas desses princípios, com
os avanços da luta revolucionária ao redor do mundo, quanto

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Documento Base

aprender com os erros e as derrotas que foram causadas pelo


seu abandono, com os tristes períodos de conciliação do mo-
vimento comunista internacional com as burguesias de seus
respectivos países.

Erguendo a bandeira vermelha sobre o Reichstag, Alemanha (1945).

Para realmente conseguir avançar nessas tarefas fundamen-


tais também é imprescindível estudar o marxismo-leninismo e
as lições do movimento comunista internacional, vinculando-os
estreitamente à experiência própria das massas de exploração/
resistência aos patrões e seu estado. Assim poderemos melhor
contribuir para a retomada da iniciativa proletária na luta de
classes e para o processo de reconstrução do instrumento de
combate do proletariado e das classes dominadas em sua luta
revolucionária contra o capital: o Partido Comunista.
Em resumo, em relação ao movimento comunista inter-
nacional, nossas tarefas são:
• Estudar a experiência histórica de quase dois séculos de
luta proletária em todo o mundo, especialmente ao lon-
go do século 20, a partir da Grande Revolução Russa, da
Internacional Comunista, da Grande Revolução Chinesa e

56
Coletivo Cem Flores

das demais experiências revolucionárias, seus acertos e er-


ros, seus avanços e derrotas.
• Analisar a China como o principal caso atual de derrota
da experiência de construção do Socialismo e de restaura-
ção capitalista, combatendo os reformistas e oportunistas
defensores do “socialismo chinês”.
• Acompanhar e debater o movimento comunista inter-
nacional atual, com suas diversas organizações e partidos,
buscando aprender criticamente com suas experiências e
participar de sua reorganização.
• Buscar crescentemente nos posicionar diante das prin-
cipais questões do movimento comunista internacional,
a partir da nossa própria experiência concreta e do nosso
acúmulo teórico e político.
• Prestar, no limite das nossas condições e possibilidades,
a necessária solidariedade internacionalista proletária.

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Coletivo Cem Flores

3. Movimento Comunista Nacional


O primeiro século de lutas do Movimento Comunista no
Brasil foi marcado por avanços e recuos na luta de classes da
classe operária, do campesinato e das massas exploradas; pela
consolidação do capitalismo e da burguesia à condição atual de
dominantes em todos os aspectos da vida nacional; pela alter-
nância entre longas ditaduras e períodos de maior liberdade da
democracia burguesa; e pelas permanentes e acentuadas explora-
ção, repressão e opressão sofridas pelas classes dominadas.
Nesse nosso século, os/as comunistas brasileiros/as osci-
laram entre acertos e erros – alguns muito graves – teóricos,
políticos, estratégicos, táticos e organizacionais. A linha polí-
tica de atuação dos/as comunistas no Brasil alternou formula-
ções e ações revolucionárias com longos períodos reformistas
e oportunistas. Esses períodos se caracterizaram por alianças
com a burguesia, pela conciliação e subordinação às classes do-
minantes, aos seus representantes políticos e aos seus governos,
que se refletiram na atuação nos movimentos de massas. Essas
posições acabaram levando à virtual ausência, nas últimas qua-
tro décadas, de uma posição comunista, revolucionária, com
atuação, organização e força expressiva no proletariado e nas
massas e de um Partido Comunista solidamente enraizado na
classe operária e demais classes trabalhadoras, estimulando
suas lutas, desenvolvendo sua teoria marxista-leninista e cons-
truindo seu caminho revolucionário.
O primeiro século comunista, apesar das tergiversações
reformistas e oportunistas, foi especialmente caracterizado pela
resistência e pela luta, pelo exemplo e pela dedicação, pela fir-
meza e pelo sacrifício heroico de inúmeros/as operários/as, cam-
poneses/as, trabalhadores/as e comunistas.
Além das suas lutas no século comunista, o proletariado,
o campesinato e as massas trabalhadoras que compõem as atu-
ais classes dominadas no país são os/as legítimos/as herdeiros/

59
Documento Base

as de todas as lutas de classes dos quatro séculos anteriores. As


classes dominadas de hoje carregam a história de resistência dos
povos indígenas, perseguidos desde a ocupação europeia; dos/as
negros/as africanos/as escravizados/as, majoritários entre a massa
trabalhadora e pobre; dos imigrantes proletários e camponeses
portugueses, italianos, japoneses e de outros povos. Esses nossos
ancestrais lutaram e resistiram à sanha das classes dominantes.
Nós, comunistas, seus/suas descendentes, temos a tarefa de dar
continuidade àquelas lutas, nas fábricas, nas periferias, no cam-
po, e onde for necessário, tendo sempre em mente que, acima de
todas as diferenças de nacionalidade, de cor/etnia, religiosas, de
gênero e de orientação sexual, nos une o fato de sermos irmãos e
irmãs trabalhadores/as, na mesma luta de classes comum contra
os patrões, os seus aliados, o seu estado e o seu sistema capitalista.
A América Portuguesa surgiu no processo de expansão
internacional do mercantilismo europeu, na sua busca por
acumulação e mercados e pela conquista de povos e territórios.
A chegada dos colonizadores provocou, simultaneamente, a
resistência e a luta por parte dos povos que aqui habitavam
há séculos. Toda nossa história, até hoje, é marcada por uma
contínua e violenta luta de classes – que as classes dominantes,
seus ideólogos e os reformistas a seu serviço buscam constan-
temente esconder sob os mitos do Brasil como um “país pací-
fico” e de um “povo ordeiro”.
Essa luta dos/as oprimidos/as e explorados/as foi a resis-
tência dos povos indígenas contra o colonizador, resistindo à
escravização, queimando engenhos e organizando verdadeiras
guerras que, no entanto, não impediram o genocídio inaugu-
ral do país. Foi a resistência dos/as africanos/as escravizados/
as e de seus descendentes, desde os atos individuais contra
os “senhores”, a destruição dos instrumentos da opressão e
as fugas, até a organização de quilombos por toda a colônia
escravista – como o de Palmares, que resistiu durante quase

60
Coletivo Cem Flores

todo o século 17 – como zonas liberadas e autônomas, orga-


nizadas pelos próprios negros e negras em liberdade. A resis-
tência negra seguiu nas diversas revoltas dos séculos 18 e 19,
como a dos Malês, na Bahia, e no movimento abolicionista,
contra a maior e mais longa escravatura da era moderna, de
quase quatro séculos – cuja herança ainda marca profunda-
mente as classes trabalhadoras e a luta de classes neste começo
de século 21.
Essa resistência e essa luta também foram os movi-
mentos republicanos e pela independência do país, como as
Conjurações Mineira (planejada pelas classes dominantes lo-
cais) e Baiana (das camadas médias e das classes dominadas,
colocando em questão o regime escravista), ambas no século
18. Foram os movimentos populares de resistência ao poder
imperial, como a Confederação do Equador, em Pernambuco;
a Cabanagem, no Pará; e a Balaiada, no Maranhão; e também
a Revolução Farroupilha, dirigida pelas classes dominantes lo-
cais no Rio Grande do Sul.
No começo do século 20, os marinheiros – o proletaria-
do fardado – lutaram contra o regime semi-escravocrata dos
oficiais na Revolta da Chibata, liderados por João Cândido, e
souberam para onde dirigir os canhões dos navios conquista-
dos: contra o palácio presidencial. A luta da classe operária e
das demais classes dominadas hoje, contra a burguesia e seus
asseclas, é uma continuidade direta dessas e de tantas outras
lutas e resistências, nas novas condições da escravidão capita-
lista no Brasil atual.
Nós, comunistas, também somos herdeiros/as des-
sas lutas, dessa longa tradição de combate do povo brasilei-
ro, ao levantarmos a bandeira proletária, da Revolução, do
Comunismo. Os/as comunistas brasileiros/as temos um século
de lutas, com incontáveis exemplos de heroísmo. Estivemos
presentes em inúmeras greves, ocupações, mobilizações e le-
vantes, na organização das massas exploradas, na defesa revo-

61
Documento Base

lucionária de seus interesses. Por décadas, enfrentamos a clan-


destinidade e a brutal repressão das classes dominantes e de
seu estado, seja em períodos “democráticos” (como no governo
Dutra na década de 1940), seja nos abertamente fascistas e
ditatoriais (o estado de sítio de quando o Partido foi funda-
do, em 1922; a ditadura Vargas nos anos 1930-40, a ditadura
militar, de 1964 a 1985). Nossa história também apresentou
profundos limites e deficiências, teóricos e práticos, incisivos
ataques internos (revisionismo, reformismo, oportunismo)
e externos (repressão) do inimigo de classe, que implicaram
sucessivas derrotas das lutas revolucionárias até o virtual desa-
parecimento do proletariado e do Comunismo na luta política
brasileira como força própria, independente, com influência
de massas. Resgatar as lições desse século de lutas, seus acertos
e erros, é uma tarefa primordial para a necessária reconstrução
de nosso movimento e de seu principal instrumento, o Partido
Comunista, para fazer avançar a luta proletária e construir a
Revolução no Brasil.

Revolta da Chibata, Rio de Janeiro (1910).

62
Coletivo Cem Flores

3.1. A formação do Partido Comunista – Seção Brasileira


da Internacional Comunista (1922-1934)

O Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacional


Comunista (PC-SBIC) foi fundado em 25 de março de 1922
com a unificação de diversos grupos comunistas de uma deze-
na de cidades, criados a partir das lutas do nosso então nascen-
te proletariado. Um Partido fundado por gente simples, das
classes operária e trabalhadoras: alfaiates, barbeiros, sapateiros,
vassoureiros, gráficos, ferroviários, contadores e jornalistas.
Influenciados pela Grande Revolução de Outubro, na Rússia,
e pela Internacional Comunista; com forte herança do movi-
mento anarquista, então dominante nas lutas operárias do país
– nas quais se destaca a Greve Geral de 1917, principalmente
em São Paulo –; e com pouca formação marxista-leninista; o
Partido baseou sua atuação, nessa primeira fase, nas orienta-
ções recebidas da Internacional Comunista (muitas vezes apli-
cadas mecanicamente), no seu sentimento de classe proletário
e, consequente, no antagonismo contra as classes dominantes
– incluindo a burguesia nacional. Esses aspectos marcaram,
em geral, uma linha política e uma atuação prática revolu-
cionárias nesse primeiro período, caracterizadas pela agitação
e propaganda da Revolução, pelo esforço de crescimento e
organização comunista entre a classe operária dos principais
centros urbanos, e pela luta sindical e grevista. Não houve or-
ganização partidária relevante no campo, entre as massas rurais
majoritárias no país naquela época.

Conjuntura internacional: fortalecimento do Socialismo...

O primeiro período da história do Partido, que vai


da sua fundação até 1934 (antes da tentativa de Insurreição
Comunista), foi de grandes transformações na conjuntura in-
ternacional. A mais importante foi a consolidação do poder

63
Documento Base

bolchevique, seguida da fundação da União Soviética e do for-


talecimento da Internacional Comunista, o partido mundial
da Revolução, que adota sucessivamente a política de Frente
Única dos Trabalhadores e a de Classe Contra Classe – em
ambos os casos demarcando radicalmente o campo entre os/as
revolucionários/as comunistas e os reformistas e oportunistas,
traidores no seio da classe operária que defendem a concilia-
ção de classes e a subordinação à burguesia. “Ir às Massas” era
o chamado da Internacional para a construção da unidade,
através da base e das lutas concretas, no seio das massas traba-
lhadoras ao redor do mundo.

Temos confiança no proletariado e trabalhamos


encarniçadamente para conquistar e merecer a
confiança do proletariado.
Partido Comunista do Brasil. 3º Congresso (1929).

... e ascensão do nazi-fascismo

Nesse período, o capitalismo foi marcado pela ascensão


do nazi-fascismo e pela Grande Depressão, a primeira de sua
etapa imperialista, que começou com o colapso da bolsa de va-
lores de Nova Iorque em 1929, se espalhou por todo o sistema
imperialista mundial e só foi superada com a preparação para
a 2ª Guerra Mundial. Os fascistas tomaram o poder na Itália
em 1922 e os nazistas, na Alemanha, em 1933. Movimentos
fascistas e ditaduras se estabeleceram por toda a Europa, mas
também no continente americano, incluindo a ação integra-
lista brasileira (AIB), criada em 1932. A AIB cresceu com a
participação, o apoio e o financiamento das classes dominan-
tes, do governo Vargas e das forças armadas e policiais. Ainda
assim, em 1934, comunistas e militantes antifascistas impedi-

64
Coletivo Cem Flores

ram na marra uma manifestação integralista em São Paulo, na


histórica Batalha da Sé.
O fascismo é a ideologia do capitalismo apodrecido, do
imperialismo. É a ofensiva repressiva da grande burguesia, da
extrema-direita do capital, sobre os/as comunistas e as massas
trabalhadoras, visando quebrar, pela violência e repressão, suas
organizações e lutas, rebaixando seus salários, eliminando suas
conquistas e deteriorando suas condições de vida. O fascismo
é a ditadura do grande capital em busca de aumentar suas taxas
de lucro. Uma vez no poder, o nazismo iniciou imediatamente
a preparação para a guerra imperialista, visando ampliar seu
espaço econômico e atacar a União Soviética.

O Brasil das décadas de 1920 e 1930

O Brasil de então tinha apenas muito recentemente


abolido a escravidão – em 1888, último país das Américas a
fazê-lo, após quase quatro longos séculos em que se tornou
o maior regime escravocrata do mundo – e se tornado uma
república – em 1889, com um golpe militar que manteve o
poder das oligarquias e dos latifundiários. A economia nacio-
nal era fundamentalmente agrário-exportadora, tal como nos
quatro séculos anteriores, agora baseada no café e em pleno
avanço do trabalho assalariado. A isso se somava o crescimento
da urbanização e da industrialização, originando as primeiras e
pequenas concentrações operárias e de trabalhadores urbanos
nos setores de comércio, serviços e administração, principal-
mente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

65
Documento Base

Na primeira foto, manifestação durante a Revolução Russa. Na segunda, du-


rante a Greve Geral em São Paulo. Ambas, em 1917. Em ambas, as mesmas
bandeiras vermelhas da classe operária e do Socialismo

66
Coletivo Cem Flores

No campo, uma enorme massa explorada vivia na mais


precária subsistência, reflexo da transição pós-escravidão,
da decadência das grandes fazendas de cana de açúcar no
Nordeste, e do baixíssimo desenvolvimento do Norte e do
Centro-Oeste. Os investimentos estrangeiros, principalmente
do imperialismo inglês, eram hegemônicos em diversos seto-
res, como serviços urbanos, comércio internacional e explora-
ção de riquezas minerais, mediante concessões. O controle da
economia brasileira pelo capital estrangeiro também era feito
via endividamento externo.
Essa “república velha” foi combatida por movimentos
revolucionários armados da pequena-burguesia, especialmen-
te a baixa oficialidade do exército, nas revoltas tenentistas
de 1922 e de 1924 e, principalmente, pela histórica Coluna
Prestes (1925-27). As oligarquias e os latifundiários foram
derrubados do governo federal em 1930, em um movimento
das classes dominantes regionais, com apoio da burguesia as-
cendente, dos tenentes e de parcela das massas populares, que
levou Getúlio Vargas ao poder. Em 1932, a oligarquia paulista
tentou uma reação armada, que foi derrotada militarmente
pelo novo poder central. O governo Vargas, que duraria de
1930 até 1954 (com exceção do período 1945-50), repre-
sentou a consolidação da burguesia como classe dominante
e do capitalismo como o modo de produção fundamental no
Brasil. A industrialização capitalista do país foi feita em alian-
ça com o capital imperialista, principalmente o dos EUA,
mantendo a burguesia brasileira como classe aliada às burgue-
sias imperialistas e o Brasil como país dominado na divisão
internacional do trabalho do sistema imperialista mundial.

A primeira década do Partido


O Partido enfrentou enormes dificuldades para se conso-
lidar nas décadas de 1920-30, permanecendo pequeno, orga-
nicamente frágil, com atuação limitada regionalmente, alguma

67
Documento Base

inserção operária nos principais centros urbanos do país, mas


praticamente sem organização no campo. Essa debilidade tam-
bém era devida à forte, violenta e permanente repressão das
classes dominantes, que impuseram ao Partido uma existência
clandestina por décadas, com poucos períodos de legalidade
– e mesmo nesses casos, quase sempre sob violentos ataques.
Nesse período o Partido não conseguiu se constituir, de
fato, como uma vanguarda proletária capaz de conduzir um
processo revolucionário, concentrando-se nas lutas sindicais e
nas organizações de base dos/as trabalhadores/as, fundamen-
tais para a manutenção do caráter proletário do Partido e sua
ligação com a classe operária. O Partido impulsionou diversas
greves, realizou um Congresso Operário Nacional e fundou
a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (1929),
organizou uma grande Marcha da Fome (janeiro de 1931),
duramente reprimida, além de comícios de 1º de maio (1931 e
1932). O Partido também criou uma proposta de frente única
de massas, o Bloco Operário e Camponês (1927-28), que con-
tava com elementos da pequena burguesia e disputou eleições.

Primeiras formulações sobre o processo revolucionário brasileiro


Nos anos 1920 e no início dos anos 1930, o Partido
foi capaz de elaborar – sob forte influência das teses da
Internacional Comunista – posições sobre a formação eco-
nômico-social do país e sobre a Revolução brasileira (e for-
mulações voluntaristas e subjetivistas sobre uma crise revolu-
cionária) que, no fundamental, permaneceriam majoritárias
por décadas entre os/as comunistas. O Brasil era definido
como um país dominado pelo imperialismo, em aliança com
os latifundiários, a classe dominante doméstica; com uma
estrutura produtiva predominantemente agrária. Esse duplo
caráter – dominação imperialista e economia agrária baseada
no latifúndio – levou o Partido a caracterizar o Brasil como
país semicolonial e semifeudal, a partir das orientações da

68
Coletivo Cem Flores

Internacional. Nessa análise, a dominação imperialista consti-


tuiria o principal entrave ao desenvolvimento do capitalismo
e da indústria no país. Assim, o processo revolucionário seria
democrático-burguês e anti-imperialista, para libertar o país
do capital estrangeiro, eliminar os vestígios semifeudais, con-
fiscar a terra dos latifundiários e distribuí-la aos camponeses.
Depois de 1930, o Partido eventualmente passou a se referir
a um regime feudal-burguês e à revolução como agrária ou
mesmo operária e camponesa, porém sempre mantendo suas
reivindicações anteriores.
Essa avaliação da existência de etapas sucessivas e ne-
cessárias a serem superadas pelo processo revolucionário, da
necessidade de o proletariado e seus aliados revolucionários
(definidos como o campesinato e a pequeno burguesia, es-
pecialmente suas camadas mais empobrecidas) cumprirem
tarefas democráticas e burguesas (no lugar da própria bur-
guesia), como etapa histórica prévia e necessária à Revolução
Socialista, também se manteve hegemônica entre os/as comu-
nistas no Brasil por mais de meio século.
Um aspecto fundamental das primeiras formulações te-
óricas e políticas desse jovem Partido Comunista, com pouca
formação marxista-leninista, porém com firme sentimento
de classe proletário, foi a qualificação da burguesia nacional
como classe reacionária, inimiga do proletariado e da massa
trabalhadora, aliada do imperialismo e do latifúndio. Essa
posição prevaleceu apenas até 1934, sendo posteriormente
substituída pela linha reformista e oportunista que atribuía
à burguesia nacional um (pseudo) caráter revolucionário e
anti-imperialista, “justificando” assim sua política de conci-
liação/submissão de classe. Essa linha de aliança com a bur-
guesia predominou no movimento comunista nacional pelo
menos até nossa histórica derrota diante do golpe militar de
1964. Um dos mais graves erros comunistas foi “esquecer”
dessa lição marxista-leninista fundamental, já defendida por

69
Documento Base

nossos/as camaradas quase um século atrás: burguesia e prole-


tariado são classes antagônicas, entre as quais existe uma luta
de classes inconciliável.

3.2. A Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a tentativa


de Insurreição Comunista de 1935

No final de novembro de 1935, militares revolucioná-


rios ligados ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e à Aliança
Nacional Libertadora (ANL) se insurgiram em armas contra o
governo Vargas, formaram um efêmero governo revolucioná-
rio provisório em Natal, tomaram quarteis e realizaram ações
revolucionárias em Recife e no Rio de Janeiro. Essa primeira
tentativa comunista de tomada do poder no Brasil foi derrota-
da em poucos dias, seguindo-se um longo período de repres-
são (acentuado com a ditadura do “estado novo” varguista, de
1937-45), que eliminou a ANL e praticamente desorganizou
o PCB. Essa derrota se deveu à avaliação incorreta da existên-
cia de uma situação revolucionária no país, que se traduziu
em uma ação exclusivamente militar e de vanguarda, sem par-
ticipação efetiva do proletariado e das massas trabalhadoras.
Essa derrota também contribuiu para uma posterior virada
política do PCB, com o abandono de posições revolucioná-
rias, substituídas pelo reformismo e oportunismo de apoio a
governos burgueses e alianças (subordinação) com a burgue-
sia. A tentativa de Insurreição Comunista de 1935 também
reforçou nas classes dominantes, em parcela significativa das
camadas médias e nas forças armadas um permanente senti-
mento anticomunista.

O 7º Congresso da Internacional Comunista


O movimento comunista internacional realizou, em
agosto de 1935, o 7º congresso da Internacional Comunista,
que consolidou uma importante mudança de política. Foi

70
Coletivo Cem Flores

abandonada e criticada a política do 6º Congresso, de 1928,


de Classe contra Classe, de demarcação de campo e oposi-
ção radical entre burguesia e proletariado, substituída pela
política de frente ampla entre as classes revolucionárias (pro-
letariado e campesinato) e a burguesia, incluindo a socialde-
mocracia. Tal linha política revisionista aproveitou o momen-
to de combate ao nazi-fascismo para realizar uma guinada
à direita no movimento comunista internacional. A partir
das orientações desse congresso, diversos partidos abandona-
ram a posição revolucionária de transformar a guerra contra
o nazi-fascismo em guerra pela ditadura do proletariado; de
hegemonia do proletariado nas frentes e alianças; de combate
ao oportunismo e ao reformismo; de defesa dos princípios
do marxismo-leninismo. Em seu lugar, adotaram políticas
de subordinação de classe à burguesia, o que incluiu sufocar
suas lutas e reivindicações próprias para não “afastar” os no-
vos “aliados”, rebaixando cada vez mais as reivindicações do
proletariado e dos/as comunistas e apagando do seu horizonte
a Revolução Socialista.

Os primeiros anos do governo Vargas


No cenário político doméstico, o governo Vargas, que
havia fechado o congresso nacional e os parlamentos estaduais,
destituído os governadores e os substituídos por interventores
federais, permitiu uma maior abertura com as eleições parla-
mentares de 1933. Uma nova constituição foi promulgada em
1934 e Vargas foi “legalizado” na presidência por uma eleição
indireta. Já em abril de 1935, a nova constituição passou a
conviver com uma lei de segurança nacional.

71
Documento Base

Militantes da ANL presos no presídio de Ilha Grande, (1937)

Trabalhadores expulsam do palanque as autoridades ditatoriais e pelegos,


Praça da Sé (1º de maio de 1968)

72
Coletivo Cem Flores

A ANL e a tentativa de Insurreição Comunista


Nesse contexto de abertura política um pouco maior foi
fundada a ANL, no início de 1935, como uma frente revolucio-
nária, de massas, estruturada pelo PCB e contando com o apoio
e a adesão de socialistas, anarquistas e liberais, de uma porção
minoritária dos tenentistas e de correntes operárias. A atuação
institucional marcou a leitura do seu primeiro manifesto, em
plena câmara federal. Seu lançamento oficial, no Rio de Janeiro,
contou com a participação de milhares de militantes e apoiadores.
Luiz Carlos Prestes – ainda no exílio soviético iniciado em 1931,
recém ingressado na Internacional Comunista e no PCB – foi
aclamado seu presidente de honra. A ANL rapidamente passou a
contar com centenas de milhares de filiados e a organizar comí-
cios e mobilizações de massas. Em meados de 1935, aproveitando
a recém-editada lei de segurança nacional, Vargas decretou o fe-
chamento e a ilegalidade da ANL, ao que se seguiram inúmeras
prisões, fechamento de seus jornais e intervenções em sindicatos.
No segundo semestre de 1935, a ANL, com o apoio
da Internacional Comunista, preparou a Insurreição. Em 23
de novembro ocorreu o levante militar em Natal, que durou
alguns poucos dias e chegou a proclamar um governo revolu-
cionário, seguido de tentativas insurrecionais em Recife e no
Rio de Janeiro. A preparação envolveu quase que exclusivamente
militares revolucionários, sem praticamente nenhum trabalho de
massas, baseou-se em uma avaliação equivocada das condições
concretas da luta de classes para a realização da Insurreição e, as-
sim, apesar do heroísmo de muitos/as camaradas, foi rapidamente
derrotada. Seguiu-se uma violenta repressão, com prisões de mi-
lhares de pessoas, torturas e assassinatos, reforço da lei de seguran-
ça nacional e do tribunal de segurança nacional e decretação de
estado de sítio. As forças da repressão também iniciaram uma ver-
dadeira caçada contra Prestes, que se concluiu com sua prisão, em
março de 1936, juntamente com sua companheira Olga Benário,

73
Documento Base

comunista alemã destacada pela Internacional Comunista para


acompanhar Prestes ao Brasil. Enquanto Prestes cumpriria 9 anos
de prisão, apenas sendo solto com a anistia de 1945, Olga foi ex-
traditada grávida pelo governo Vargas, com a aprovação do STF,
para a Alemanha nazista, onde foi presa, torturada e executada no
campo de concentração de Ravensbrück, em 1942.

Organizai o vosso ódio contra os dominadores


transformando-o na força irresistível e invencível da
Revolução brasileira!

Aliança Nacional Libertadora. Manifesto (1935).

A frente revolucionária da ANL objetivava a implanta-


ção de um governo popular revolucionário, que realizaria uma
Revolução nacional, anti-imperialista e antifascista. A linha po-
lítica da ANL era baseada na do PCB, definindo o Brasil como
um país semicolonial e semifeudal, dominado pelo imperialismo.
A ANL radicalizou a avaliação da característica fundamental do
processo revolucionário como anti-imperialista e de libertação
nacional e, a partir daí, promoveu uma importante modificação
na definição do conjunto das classes revolucionárias. Ao defender
uma revolução nacional e patriótica e adotar a política de frente
única antifascista, opondo “libertadores” e “traidores” do Brasil, a
ANL acabou por priorizar a questão nacional (anti-imperialismo),
redefinindo o antagonismo de classes como opondo os aliados
do imperialismo, principalmente o latifúndio, a todas as demais
classes e, com isso, passando a considerar a burguesia nacional
como classe interessada na Revolução. Muito embora a ANL te-
nha mantido uma política revolucionária, a subordinação do an-
tagonismo inconciliável entre burguesia e proletariado à questão
nacional logo levaria o PCB a posições reformistas e oportunistas

74
Coletivo Cem Flores

de aliança de classe (subordinação) com a burguesia e de apoio aos


seus governos, que predominaria entre os/as comunistas por três
décadas, com uma interrupção temporária na década de 1950.

3.3. Comunistas entre posições revolucionárias e


reformistas (1937-1964)

A reorganização do PCB – após os violentos golpes da repres-


são que se seguiu à derrota da tentativa de Insurreição Comunista
de 1935 e à implantação da ditadura fascista do “estado novo” por
Vargas, em 1937 – foi um processo longo e heroico, fruto do esforço
abnegado de camaradas em todo o país, que teve como marco a 2ª
Conferência Nacional do Partido, a Conferência da Mantiqueira,
em 1943. No período de ascensão mundial do nazi-fascismo, nos
seis anos da 2ª Guerra Mundial e no imediato pós-guerra, sob a
política de frente ampla da Internacional Comunista, o PCB lutou
pela participação efetiva do Brasil na guerra ao lado dos aliados
e passou a adotar uma política reformista de união nacional, in-
cluindo o apoio incondicional ao governo Vargas.
A vitória da União Soviética e dos aliados, em 1945, e
seus reflexos internos, possibilitaram o reforço da luta de massas
do Partido, por democracia (burguesa), anistia aos presos po-
líticos e legalização do PCB. Conquistadas essas vitórias, os/as
comunistas viveram seu período de maior crescimento orgânico,
aumentaram sua influência no proletariado e nas massas tra-
balhadoras urbanas, dirigindo sindicatos e organizando greves,
além de ampliarem seu trabalho no campo; obtiveram seu me-
lhor resultado eleitoral, nas eleições de 1946; dirigiam diversos
jornais e revistas e viram crescer enormemente sua influência
política, intelectual, artística e cultural. A reação burguesa pegou
o Partido, dominado pelo reformismo, desprevenido, cassou sua
legalidade e seus mandatos parlamentares, fechou sua imprensa
e os sindicatos que dirigia. O PCB respondeu, a partir de 1948,
com a tentativa de retomada de uma posição revolucionária, que

75
Documento Base

teve curta duração, menos de uma década, porém impulsionou


lutas operárias e camponesas importantes.
Em 1958, a política reformista e oportunista se consolidou
definitivamente no PCB, na forma de aliança (subordinação)
com a burguesia, defesa de governos burgueses e de um processo
pacífico de transformação política. Com essa política, o PCB
foi novamente pego desarmado, dessa vez pelo golpe militar de
1964. Nesse período surgiram outras organizações comunistas
no país, como o PCdoB, a partir da primeira cisão do PCB, e a
Política Operária (Polop).

A 2ª Guerra Mundial
Na segunda metade dos anos 1930 a Europa caminhava
aceleradamente para a guerra, em uma corrida armamentista e
imperialista. Regimes ditatoriais e fascistas prevaleciam em vá-
rios países do leste europeu, em Portugal e na Espanha – após
a vitória, na Guerra Civil, dos fascistas sobre as forças republi-
canas que contavam com tropas internacionalistas e o apoio
da União Soviética. No final de 1936, Alemanha e Japão as-
sinaram o pacto anti-Comintern, de ataque à União Soviética
a leste e oeste. A Itália se juntaria a esse tratado em 1937.
Enquanto isso, os imperialismos inglês e francês autorizavam
Hitler a ampliar seu “espaço vital” e os EUA aprovavam uma
lei de neutralidade. Todas as grandes potências imperialistas
eram solidárias ao objetivo nazifascista de atacar e derrotar a
União Soviética, o país do Socialismo.
Com o início da 2ª Guerra Mundial, os exércitos nazistas
conquistaram a Europa ocidental, iniciaram intensos bombardeios
contra a Inglaterra e foram reforçados pela adesão de Hungria,
Romênia e Bulgária. Em junho de 1941, todos esses exércitos na-
zifascistas invadiram a União Soviética, chegando a Leningrado e
Stalingrado e até às portas de Moscou – e foram vencidos nessas
três batalhas, das mais épicas, heroicas, e históricas de todos os
tempos. Daí em diante, o Exército Vermelho empurrou de volta

76
Coletivo Cem Flores

os nazistas, de maneira invencível, libertando toda a Europa oci-


dental junto com as forças nacionais da resistência antifascista, até
que a bandeira vermelha, com a foice e o martelo, tremulasse em
Berlim, no alto do Reichstag, em 2 de maio de 1945.
O pós-guerra rapidamente destruiu as ilusões reformistas
de aliança ou convivência pacífica com o imperialismo. Os EUA
se consolidaram como a potência imperialista dominante em to-
dos os terrenos (econômico, financeiro, militar, ideológico etc.),
financiaram a reconstrução da Europa e do Japão e criaram os
aparelhos internacionais da sua dominação imperialista, tanto
econômico-financeiros (FMI e Banco Mundial), quanto milita-
res (OTAN). Após a inédita destruição de capital na 2ª Guerra
Mundial, o sistema imperialista internacional atravessou três dé-
cadas de crescimento (não sem crises), que ainda hoje alimentam,
na “esquerda” reformista e desenvolvimentista, as ilusões de um
“capitalismo utópico”. Iniciou-se a chamada “guerra fria”, com
hostilidades crescentes contra os países socialistas e o aumento
da dominação, exploração e repressão sobre os países dominados.

Avanços e retrocessos do Movimento Comunista Internacional no


pós-2ª Guerra Mundial
Nesse período ocorreu a transformação da vitoriosa guerra
de resistência contra o Japão em guerra civil revolucionária, que
triunfou com a Grande Revolução Chinesa, em 1949. A ofensiva
revolucionária continuou com a Revolução Coreana, seguida da
vitória dos/as comunistas e do povo vietnamita sobre o imperia-
lismo francês, na histórica batalha de Dien Bien Phu, em 1954.
Em 1º de janeiro de 1959, dois anos de guerra revolucionária em
Cuba culminaram com a vitória da Revolução Cubana, declarada
socialista em 1961. A Revolução Cubana foi o exemplo que in-
cendiou toda a América Latina nas décadas seguintes. Na Argélia,
a vitória da revolução ocorreu em 1962. Esse período também
encontrou o movimento comunista internacional sem a orien-
tação da Internacional Comunista, encerrada em 1943, e com

77
Documento Base

o bloco socialista europeu consolidado, porém sem expandir-se


após a derrota da resistência comunista e antifascista na Itália e na
Grécia e a consolidação do capitalismo nesses países.
Em 1956, com o 20º Congresso do Partido Comunista
da União Soviética (PCUS), a posição reformista, revisionista e
oportunista dos representantes da restauração capitalista no par-
tido e no estado, de convivência pacífica com o imperialismo,
tornou-se hegemônica e derrotou, definitivamente, as posições
marxistas-leninistas na União Soviética. Essa política passou a
dirigir os países socialistas e a absoluta maioria dos partidos co-
munistas e, três décadas e meia depois, levou à derrubada da
União Soviética e à completa restauração capitalista naquele país
e em todos os países “socialistas” do leste europeu. Ainda no fi-
nal da década de 1950, o Partido Comunista da China (PCCh)
passou a denunciar abertamente aquela posição reformista, revi-
sionista e oportunista, a partir do marxismo-leninismo, abrindo
uma divergência no movimento comunista internacional, para
a qual conseguiu a adesão apenas de parcelas minoritárias dos
partidos comunistas ao redor do mundo.

No Brasil, a alternância entre ditadura e democracia burguesas


No Brasil, em 1937, o governo Vargas se tornou uma di-
tadura fascista aberta (“estado novo”), apoiada pelo movimento
integralista. Acelerou-se o desenvolvimento capitalista, com a in-
dustrialização aliada ao imperialismo e a repressão aos movimen-
tos de trabalhadores/as do campo e da cidade. Com o governo
e as forças armadas recheados de fascistas, o Brasil permaneceu
“neutro” diante da 2ª Guerra Mundial até 1942 e só enviou tro-
pas para combater o nazi-fascismo na Itália em 1944. A mudança
de posição de Vargas se deveu tanto ao forte movimento popular
pela participação efetiva do país na guerra ao lado dos aliados
– no qual os/as comunistas tiveram participação destacada –
quanto à pressão do imperialismo dos EUA. Com a vitória dos
aliados, fortaleceu-se no país a luta por mais liberdade e demo-

78
Coletivo Cem Flores

cracia (burguesa) e o governo Vargas foi derrubado por um golpe


militar em 1945. Houve anistia e libertação de presos políticos,
um breve período de legalização do PCB, eleições presidenciais e
uma assembleia constituinte, mas essa democracia burguesa logo
explicitou seus limites. O PCB foi colocado na ilegalidade, seus
parlamentares foram cassados, e os movimentos sindicais e popu-
lares sofreram contínua e dura repressão.
Em 1950, Vargas foi eleito presidente e promoveu uma
limitada abertura democrática. O movimento trabalhista dis-
putava espaço com os/as comunistas nas organizações sindicais
e na mobilização das classes trabalhadoras. A direita, organizada
em torno da UDN e com forte apoio militar, defendeu aberta e
explicitamente mais um golpe militar – que acabou sendo evita-
do com o suicídio de Vargas, em 1954. De 1956 a 1960, o go-
verno Juscelino Kubitschek representou avanços na democracia
burguesa e na internacionalização da economia brasileira, prin-
cipalmente o estreitamento dos laços com o imperialismo dos
EUA. As tentativas de levantes militares golpistas começaram
no mês seguinte às eleições, em novembro de 1955; seguiram no
começo do governo, em fevereiro de 1956; e depois novamente
em novembro de 1959. O golpismo se manifestaria, novamen-
te, no veto militar à posse de João Goulart, em 1961, após a
renúncia de Jânio Quadros. Jango só teria poderes presidenciais
plenos a partir de janeiro de 1963, tendo liderado um governo
reformista burguês com apoio de trabalhistas e comunistas e das
massas populares. As décadas de 1950 e 1960 foram um perí-
odo ascendente de lutas e greves, com avanços na organização
das classes trabalhadoras no campo e na cidade e importantes
conquistas. Ao mesmo tempo, também cresceu a organização da
direita, com amplo apoio nas classes dominantes, nas camadas
médias, no clero e nas forças armadas. Em abril de 1964, Jango
foi derrubado por um golpe militar, sem qualquer resistência do
governo, dos trabalhistas, dos movimentos sindicais e populares
e nem mesmo dos/as comunistas.

79
Documento Base

Reorganização e fortalecimento do PCB sob posições reformistas


Com a violenta repressão que se seguiu à tentativa de
Insurreição Comunista de 1935 e com o “estado novo” fascista
de Vargas, foi desmantelada a direção nacional do Partido e suas
principais lideranças, presas. O PCB se reduziu a pouco mais de
uma centena de militantes. Sua reorganização foi feita sob rigorosa
clandestinidade, a partir de núcleos regionais, com destaque para
Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Esse processo culminou com
a Conferência da Mantiqueira, em agosto de 1943, que elegeu a
Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP). A linha
política da CNOP era de união nacional, democrática e antifas-
cista, “em torno do governo” – com evidente inspiração no 7º
Congresso da Internacional Comunista; pelo envio de tropas bra-
sileiras para lutar ao lado dos países aliados contra o nazi-fascismo;
de apoio “irrestrito” e “incondicional” ao governo Vargas, “pacifi-
cação da família brasileira”, anistia política, liberdades democráti-
cas e combate às tendências liquidacionistas. Essa linha política se
somou à estratégia da etapa democrático-burguesa da revolução no
Brasil, anti-feudal e anti-imperialista, reforçando a tese de aliança
com a burguesia nacional e de transformações democráticas pacífi-
cas – retirando do horizonte qualquer perspectiva socialista.
O PCB participou ativamente das grandes manifestações
de trabalhadores/as e populares que exigiam a declaração de guer-
ra ao nazi-fascismo, a criação da força expedicionária e a partici-
pação efetiva no campo de batalha. A vitória da União Soviética
e dos aliados trouxe um incomparável prestígio internacional ao
Socialismo e aos/às comunistas, heróis e heroínas da guerra e os/
as principais e verdadeiros/as combatentes antifascistas. Esse ce-
nário internacional, somado à conjuntura doméstica do fim da
ditadura do “estado novo”, marcou o início de um impressionante
crescimento organizacional e de influência política do PCB, que
chegou a 200 mil militantes; multiplicou suas células na classe
operária e nas massas trabalhadoras, principalmente nos grandes

80
Coletivo Cem Flores

centros urbanos (bem menos no campo); realizou comícios para


dezenas de milhares em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Recife;
dirigia diversos sindicatos, jornais, revistas e editoras; obteve 10%
dos votos na eleição presidencial e elegeu uma bancada de 14 de-
putados federais e um senador, além de numerosas bancadas es-
taduais e municipais nas eleições seguintes. O PCB se consolidou
como um partido de âmbito verdadeiramente nacional.
A linha política do PCB sofreu uma inclinação ainda mais à
direita, tornando-se ainda mais reformista. Não apenas se manti-
veram as políticas de união nacional, de apoio ao governo (Vargas
e Dutra) e de aliança com a burguesia, como o PCB passou a se
ver como o “esteio máximo da ordem e da lei”. Além de defender
um processo pacífico, o Partido chegou a orientar a classe operária
a “ajudar o governo e os patrões” e chegou a agir para impedir
a realização de greves. Essa posição reformista deixou o partido
completamente desarmado, política e ideologicamente, para
confrontar a reação da burguesia, do governo e do seu aparelho
repressivo que viria a seguir.

Nova clandestinidade e a tentativa de retomada de uma posição


revolucionária
Em maio de 1947 o registro eleitoral do PCB foi can-
celado e em janeiro de 1948 seus parlamentares tiveram seus
mandatos cassados. O Partido reagiu a essa ofensiva repressiva
burguesa com uma brusca inflexão de sua linha política. No
próprio mês de janeiro, o PCB divulgou um Manifesto com
duras autocríticas às ilusões direitistas e reformistas, à atuação
nos estritos limites da legalidade e da institucionalidade, à
conciliação de classes com a burguesia e à contenção da luta
das massas. O histórico Manifesto de Agosto de 1950 rati-
ficou e desenvolveu essa nova linha política revolucionária.
Propôs a derrubada do governo burguês e sua substituição
por um governo democrático e popular, revolucionário, fru-
to de uma revolução anti-imperialista e anti-feudal; a criação

81
Documento Base

de um exército popular revolucionário; o confisco e a nacio-


nalização dos capitais imperialistas e das classes dominantes
a eles associadas; o fim do latifúndio e a reforma agrária; a
imediata melhoria nas condições de vida das massas; e liber-
dades democráticas avançadas. O 4º Congresso do PCB, em
1954, confirmou a linha revolucionária e aprovou o primeiro
Programa da história do Partido.
Apesar da radical mudança na linha política, permaneceu
a visão estratégica de etapa democrático-burguesa, de apoio à
burguesia nacional, dada sua pretensa posição anti-imperialis-
ta, e de estímulo ao desenvolvimento do capitalismo – ao lado
de propostas concretas para melhoria das condições de vida e
de organização das massas da cidade e do campo. A implemen-
tação da nova linha política, revolucionária, não ocorreu sem
equívocos, tanto na atuação sindical, que isolaria os/as comu-
nistas das principais organizações proletárias existentes, e que
foram posteriormente corrigidos; quanto na avaliação con-
creta da conjuntura nacional, o que levou a manifestações de
massa contra a imprensa do Partido após o suicídio de Vargas.
Também ocorreram posições oportunistas, em frontal contra-
dição com o Programa aprovado no 4º Congresso, de novem-
bro de 1954, como o apoio eleitoral a Juscelino Kubitschek
(JK) nas eleições presidenciais de outubro de 1955.

Lutas operárias e camponesas e campanha nacionalista do petróleo


nos anos 1950
Nesse período ocorreram lutas históricas do proletariado
e do campesinato, como a Greve Geral dos 300 mil, em 1953, e
a guerrilha de Trombas e Formoso, de 1954-56. O país vivia um
crescente de greves operárias desde 1951, com carestia e baixos
salários. No começo de março de 1953 foram realizadas assem-
bleias e manifestações de operários/as têxteis de São Paulo. No
dia 18 ocorreu a Marcha da Panela Vazia, com 60 mil partici-
pantes, violentamente reprimida e com centenas de prisões. No

82
Coletivo Cem Flores

dia 26 começou a Greve Geral, que duraria um mês, envolvendo


300 mil trabalhadores/as de diversos setores (metalúrgico, ma-
deireiro, gráfico, vidreiro etc.). A greve resultou em importan-
tes conquistas econômicas e políticas. Na sequência ocorreriam
outras grandes e vitoriosas greves gerais no estado, como a dos
400 mil, em 1957, e a dos 700 mil, em 1963 – mostrando o
crescimento da luta operária.
No norte de Goiás, migrantes ocuparam terras públicas
devolutas desde os anos 1940. A perspectiva de valorização
dessas terras com a construção de rodovias e de Brasília levou
latifundiários e grileiros, com a proteção de jagunços e da po-
lícia, tanto a buscar cobrar arrendo de 30% ou mais sobre a
produção camponesa, quanto a tentar expulsar os camponeses
e tomar suas terras. De início espontaneamente e depois com a
participação do PCB, o campesinato da região passou à defesa
armada de suas terras, adotando táticas próximas às guerrilhei-
ras, expulsando sucessivos ataques das classes dominantes e do
seu estado. A luta armada camponesa durou de 1954, com a
chamada “Batalha de Tataíra”, até 1956, quando o governo reti-
rou a polícia da região. Essa resistência camponesa de Trombas e
Formoso gerou avanços políticos e organizacionais.
Também nesse período ocorreu a campanha nacionalis-
ta “O Petróleo É Nosso” – que contou com a participação de
setores da burguesia e de militares, das camadas médias e das
massas trabalhadoras, e foi ativamente apoiada pelo PCB – que
culminou com a criação da Petrobrás, em agosto de 1953.

Adoção definitiva de uma posição reformista pelo PCB


No governo JK, por um lado, aumentaram as liberdades
democráticas e se ampliou a atuação semilegal do PCB (ainda for-
malmente clandestino) – o que possibilitou o crescimento orgâ-
nico do Partido e de sua influência política, ideológica e cultural
–, mas por outro, o Partido abandonou inteiramente a linha do
Manifesto de Agosto de 1950 e do 4º Congresso, substituindo-a

83
Documento Base

por uma linha reformista de apoio ao governo e de colaboração


(subordinação) de classe com a burguesia.
A virada definitiva do PCB para posições reformistas se
consolidou com a “declaração sobre a política do PCB”, de março
de 1958, escrita por uma comissão escolhida pessoalmente por
Prestes, à revelia do Comitê Central e da Executiva (expurgada)
do Partido, posição ratificada no 5º Congresso, em 1960. A linha
reformista, de 1958 em diante, passou a ver na burguesia, no go-
verno, no parlamento, no estado e nas forças armadas, dualidades
e disputas entre posições progressistas/nacionalistas e conservado-
ras/entreguistas (semelhanças com posições atuais da “esquerda”
não são coincidências). Assim, aos/às comunistas caberia reforçar
as primeiras contra as segundas – abandonando sua independên-
cia de classe e seu programa próprio. Para isso propunha-se refor-
çar o movimento nacionalista e a frente parlamentar nacionalista,
partindo de uma pseudo-contradição principal entre nação e
imperialismo, que seriam a frente ampla (sob direção burguesa),
que estimularia o desenvolvimento capitalista do país em um
processo pacífico, formulação vinculada às teses de coexistência
pacífica entre capitalismo e Socialismo, então capitaneadas pelo
revisionismo soviético de Kruschov. Concretamente, os reformis-
tas defendiam uma aliança entre proletariado e burguesia, que
teriam objetivos comuns, na qual não só não se deveria “isolar a
burguesia nem romper a aliança com ela”, como, pelo contrário,
os/as comunistas deveriam ir “ganhando a própria burguesia”. O
revisionismo anti-marxista-leninista dessas posições é evidente. O
reformismo também defendia que o “processo de democratização
é uma tendência permanente” – absurdo oportunista que custou
muito caro aos/às comunistas, à classe operária e às demais classes
exploradas depois do golpe militar de 1964.

Lutas na cidade e no campo nos anos 1960 e o golpe militar de 1964


A primeira metade da década de 1960 foi marcada por
um grande crescimento nas lutas das massas trabalhadoras. No

84
Coletivo Cem Flores

campo se fortaleceram as Ligas Camponesas e seu lema de “re-


forma agrária na lei ou na marra”, além da criação de muitas
centenas de sindicatos rurais e da Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Agricultura (Contag). Nos grandes centros
urbanos a classe operária realizou as Greves Gerais de julho e
setembro de 1962 e quase duas centenas de greves em 1963.
Além das lutas econômicas houve o impulsiono às Reformas
de Base (agrária, urbana, educacional, eleitoral), propostas
pelo governo João Goulart e apoiadas firmemente pelo PCB.
O auge desse processo foi o Comício da Central do Brasil,
no Rio de Janeiro em 13 de março de 1964, organizado pelo
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), com público esti-
mado entre 150 e 200 mil pessoas. A resposta da direita nas
ruas veio na semana seguinte, com a marcha da família com
deus pela liberdade, em São Paulo, que reuniu quase o dobro
de participantes.
Nesse cenário de notória preparação golpista militar,
com amplo apoio do imperialismo dos EUA, das classes
dominantes e de parcela majoritárias das camadas médias,
o PCB permanecia política, ideológica e organizativamente
despreparado, e com uma análise da conjuntura totalmente
equivocada, a ponto de Prestes afirmar, em 27 e 29 de março,
que não havia condições para um golpe e que se fosse tentado,
“os golpistas teriam as cabeças cortadas”. As forças armadas
derrubaram o governo João Goulart em 1º de abril de 1964,
iniciando uma longa ditadura que duraria 21 anos, sem qual-
quer reação por parte de comunistas, nacionalistas e das mas-
sas, desorganizadas e despreparadas para esse enfrentamento
devido ao reformismo do PCB.

Surgimento do PCdoB e da Polop


No começo dos anos 1960 também ocorreria a primeira
cisão comunista no país. Em 1962, um conjunto de dirigen-
tes históricos, encabeçado por Maurício Grabois, Pedro Pomar,

85
Documento Base

Diógenes Arruda e João Amazonas, acompanhados por algumas


centenas de militantes, constitui o PCdoB. Essa “reorganização”
culminou cinco anos de divergências crescentes com a direção
majoritária do PCB. O grupo fundador do PCdoB foi contrário
à virada reformista de março de 1958, perdendo vários de seus
cargos na direção do Partido; criticou o referendo dessa polí-
tica pelo 5º Congresso, em 1960; e denunciou a modificação
dos estatutos e do nome do Partido, em 1961, com a “Carta
dos 100”; até formalizar sua ruptura e criação do PCdoB em
uma Conferência Nacional Extraordinária, com a divulgação do
seu Manifesto-Programa, em fevereiro de 1962. O Manifesto-
Programa procura formular uma linha revolucionária para o
PCdoB, bastante similar à do período 1948-54, defendendo um
governo popular revolucionário e mostrando a impossibilidade
do caminho pacífico. O PCdoB permaneceu compartilhando a
mesma visão estratégica comunista das décadas anteriores, que
fundamentou tanto posições revolucionárias quanto reformis-
tas: a percepção que o desenvolvimento (capitalista) das forças
produtivas nacionais era deformado/entravado pelo imperialis-
mo e pelo latifúndio, daí o caráter nacionalista do processo re-
volucionário; que essa revolução democrático-burguesa deveria
incentivar a indústria (apoiando, objetivamente, a burguesia
nacional) e remover os entraves ao desenvolvimento do capita-
lismo no Brasil, como etapa prévia e necessária ao Socialismo.
Em 1960 foi fundada a Organização Revolucionária
Marxista – Política Operária (ORM-Polop), originada de peque-
nas organizações não oriundas do PCB. A partir dessa origem
e de uma posição teórica distintas, os pontos centrais da linha
política da ORM-Polop em sua fundação eram a condenação da
política de colaboração de classes, a defesa da necessidade de cria-
ção de um partido político independente da classe operária, em
oposição aos partidos reformistas, e da organização de uma frente
de trabalhadores/as da cidade e do campo, dirigida pela classe
operária, e a defesa do caráter socialista da Revolução no Brasil.

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Coletivo Cem Flores

3.4. Comunistas na resistência à ditadura militar (1964-1985)

O golpe militar de 1º de abril de 1964 foi uma vitória


da burguesia brasileira em seu conjunto (industrial, agrária,
financeira etc.), fortemente apoiada pelo imperialismo – em
primeiro lugar, dos EUA –, e de seus aliados de direita e de
extrema-direita nas camadas médias, nas forças armadas e no
clero, que instituíram uma ditadura militar que durou até
1985. O golpe e a ditadura foram derrotas para o conjunto das
classes trabalhadoras, com o aumento da exploração capitalis-
ta e da desigualdade, maior repressão contra suas entidades de
classe e contra sua organização e mobilização independentes,
perseguições, violência, prisões, torturas e assassinatos. Para
os/as comunistas, o golpe de 1964 constituiu uma derrota
histórica, na qual fomos vencidos sem manifestar qualquer
resistência, devido principalmente à linha reformista de con-
ciliação (subordinação) de classes e de apoio à burguesia e
seus governos, o que desarmou política, ideológica e organiza-
tivamente o PCB e as massas trabalhadoras. Uma lição neces-
sária dessa derrota deve ser a crítica radical contra quaisquer
posições reformistas, revisionistas e oportunistas entre os/as
comunistas, posto que anti-proletárias, antirrevolucionárias e
anti-marxistas-leninistas.
Nos anos seguintes ao golpe ocorreram importantes gre-
ves operárias e manifestações populares e estudantis contra a
ditadura, com participação ativa de comunistas, que atingiram
seu auge em 1968. Após o AI-5 e o fechamento completo do
regime, em dezembro de 1968, uma parcela expressiva dos/as
comunistas e revolucionários/as partiram para a resistência ar-
mada contra a ditadura, criando diversas organizações e reali-
zando ações de guerrilha urbana e rural. Essa era a justa posição
comunista naquela conjuntura: resistir à ditadura militar da
burguesia. No entanto, não obstante o heroísmo revolucionário
que caracterizou essa luta, com o sacrifício da própria vida em

87
Documento Base

inúmeros casos, esse segundo momento de luta armada comu-


nista, revolucionária, no Brasil foi derrotado pelo inimigo de
classe e se caracterizou por erros estratégicos e táticos, sobretudo
por desvios militaristas, vanguardistas e foquistas, com quase to-
tal ausência de participação proletária e de massas na resistência
armada e no apoio a ela. Ainda em meados dos anos 1970 os/
as comunistas começaram a realizar autocrítica desse período
e se engajar no crescimento das lutas de massas que geraram
as Grandes Greves Operárias de 1978-80, a reconstrução das
entidades sindicais, populares e estudantis, e os movimentos
pela anistia, por eleições diretas e pelo fim da ditadura militar.
Também marcaram esse período final da ditadura militar diver-
sas tentativas de reorganização comunista, a partir de posições
revolucionárias, que não se mostraram duradouras.

Avanços e retrocessos do Movimento Comunista Internacional nas


décadas de 1960-70
Os anos 1960-70 foram marcados pelo recrudescimento
da chamada “guerra fria”, com o imperialismo, especialmente
dos EUA, se tornando cada vez mais agressivo – mas também
por importantes avanços nos processos revolucionários e nas
lutas de massas. Os EUA substituíram o imperialismo francês e
ampliaram a barbárie na guerra do Vietnã e também agravaram
o bloqueio à Cuba revolucionária. Após décadas de resistência
armada, a Revolução Vietnamita, dirigida pelos/as comunistas,
triunfou contra o maior imperialismo do planeta, em 1975.
Décadas de luta armada contra o colonialismo português foram
vencidas pelos Movimentos de Libertação Nacional em Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Em 1979 triunfou na
Nicarágua a Revolução Sandinista e se iniciou a luta guerrilheira
em El Salvador. Cuba, resistindo ao bloqueio do imperialismo
ianque, ampliou sua ativa solidariedade internacionalista na África
e na América Latina. Esse conjunto de ofensivas revolucionárias
parecia apontar aos/às revolucionários/as brasileiros/as que diante

88
Coletivo Cem Flores

do golpe, da ditadura militar e do AI-5, o único caminho possível


era o da resistência armada.
Em 1968 eclodiram grandes movimentos de massas na
Europa ocidental – especialmente o chamado “Maio de 1968”,
na França –, nos EUA, com fortes protestos contra a agressão
imperialista no Vietnã e contra o racismo, também no Brasil e
em outros países, inclusive no leste europeu. Em abril de 1974,
em Portugal, ocorreu a derrubada do regime fascista e o início
do Processo Revolucionário em Curso (PREC), que duraria até
1975, sendo derrotado pela burguesia e seus aliados reformistas.
No movimento comunista internacional, os anos 1960
consolidaram a ruptura da China revolucionária com a União
Soviética revisionista, cisão que provocou a criação de partidos de
orientação maoísta ao redor do mundo, inclusive no Brasil, que
permaneceriam, como regra geral, amplamente minoritários. A
maioria dos Partidos Comunistas permaneceram seguindo a linha
revisionista do PCUS. De 1966 a 1976, a Revolução Chinesa
atravessou o período da Grande Revolução Cultural Proletária,
que trouxe importantes avanços teóricos, ideológicos, políticos e
práticos para a transição ao Socialismo. Na França, nos anos 1960-
70, coletivos de intelectuais e militantes comunistas também
aportaram significativas contribuições para o desenvolvimento do
marxismo-leninismo. A derrota da Revolução Cultural na China
comunista representou a vitória da ala revisionista no PCCh,
adepta da via capitalista, que se consolidou a partir da adoção
das “reformas econômicas” pró-capitalistas a partir de 1978, se
fortalecendo continuamente desde então. Nos EUA, a experiên-
cia do Partido dos Panteras Negras em termos de organização e
autodefesa, mas principalmente em sua linha de massas, também
tem ensinamentos para a luta comunista nos países capitalistas.
A burguesia reforçou suas ditaduras de classe na região...
Na América do Sul, uma sequência de golpes e ditaduras
militares – explicitamente apoiados e financiados pelo imperia-

89
Documento Base

lismo dos EUA – atingiu todos os países do cone sul: Brasil


(1964-85), Argentina (1966-73 e 1976-83), Uruguai (1973-
85), Chile (1973-90) e Paraguai (1954-89).

... e sua ofensiva mundial contra a massa trabalhadora


Em relação ao sistema imperialista mundial, em meados
da década de 1970 chegou ao fim o período de expansão global
do capitalismo posterior à 2ª Guerra Mundial, com as chamadas
duas “crises do petróleo”, em 1974 e 1979. Essas crises iniciaram
uma prolongada crise do imperialismo, que implicou também
importantes mudanças na divisão internacional do trabalho. A
burguesia respondeu à essa crise do capital com uma forte ofen-
siva internacional de classe, liderada pelos governos Thatcher
(1979-90), no Reino Unido, e Reagan (1981-89), nos EUA,
e que se generalizaram pelos demais países capitalistas, domi-
nantes e dominados, com sucessivas ondas de “desregulamenta-
ção” financeira e dos mercados de trabalho, visando a retomada
de suas taxas de lucro. Em 1980-81, os EUA promoveram um
choque monetário sem precedentes, com suas taxas de juros
chegando a quase 20%, fator importante por trás da crise da
dívida externa dos países da América Latina na primeira metade
daquela década – que, no Brasil, seria importante fator objetivo
no fim da ditadura militar.
A ditadura militar burguesa no Brasil
O golpe militar de 1º de abril de 1964 ocorreu em meio
a uma grave crise econômica. A violenta repressão a todo o
tipo de organização e mobilização das classes trabalhadoras foi
somada a um conjunto de “reformas econômicas” burguesas
nos primeiros anos da ditadura militar, em movimento con-
junto para o aumento da exploração dos/as trabalhadores/as e
a retomada das taxas de lucro. Até o final dos anos 1970 houve
ampliação da industrialização, com a participação do capital
imperialista, da burguesia brasileira e de empresas estatais (em

90
Coletivo Cem Flores

especial no 2º plano nacional de desenvolvimento, de Geisel,


que o faz atualmente ser elogiado pela “esquerda” reformista e
desenvolvimentista), e um amplo movimento de êxodo rural/
urbanização, que contribuíram para o elevado crescimento de
quase uma década. Ou seja, o período de maior repressão mi-
litar-policial coincidiu com o chamado “milagre econômico”,
que, juntos, consolidaram a ditadura militar e a ofensiva bur-
guesa, e mantiveram o apoio da burguesia e de boa parte das
camadas médias à ditadura.
A severa crise econômica do começo da década de 1980,
ligada à prolongada crise do imperialismo, juntamente com os
fortes movimentos de massas iniciados no final dos anos 1970,
corroeram o apoio das camadas médias e mesmo de algumas
frações da burguesia à ditadura. Esses mesmos setores lidera-
riam o amplo movimento que derrotou a ditadura militar, em
1985, definiriam seu caráter de classe burguês e seus limites
– aos quais se submeteram os/as comunistas, em parte por sua
debilidade orgânica, mas ainda majoritariamente adotando
posições estratégicas que incluíam a burguesia em um pseudo
processo revolucionário.
As lutas operárias e de massas contra a ditadura militar da burguesia
Com a violenta repressão desde o início da ditadura mi-
litar, houve refluxo dos movimentos operário, estudantil e de
massas. Mesmo nesse ambiente, a partir de 1966-67 foram re-
criados sindicatos e organizações de massa – incluindo comissões
de fábrica, legais ou clandestinas – e os/as comunistas consegui-
ram retomar algum nível de organização. Isso contribuiu para
um crescimento das manifestações, que atingiriam seu auge em
1968 – quando ficariam claramente demonstrados os limites da
luta institucional e legal sob a ditadura militar burguesa aberta.
A partir de 1967, ocorreram greves proletárias contra o
forte arrocho salarial da ditadura. Em 16 de abril de 1968, mais
de mil operários/as da Belgo-Mineira, em Contagem, Minas

91
Documento Base

Gerais, iniciaram uma greve, que duraria 10 dias, e ocuparam


a fábrica, movimento seguido por mais de 4 mil operários/as
da Mannesman, ganhando adesão da classe, paralisando mais
de uma dezena de fábricas na cidade e em Belo Horizonte.
Organizações revolucionárias participam ativamente da greve ao
lado da classe operária. No total, a greve atingiu entre 15 e 20
mil operários/as, que passaram a enfrentar forte repressão, ocu-
pação da cidade por militares, ameaças em cadeia nacional de
rádio e televisão, fechamento do sindicato e prisões. Os/as ope-
rários/as conquistam aumento, que em seguida seria ampliado
pelo governo a todo o país. Pouco depois do fim da greve, traba-
lhadores/as de São Paulo e região invadiram a “comemoração”
oficial da ditadura e da pelegagem pelo 1º de maio, na Praça da
Sé, e puseram o governador e os pelegos para correr debaixo de
pedras e ovos podres, incendiaram o palanque e realizaram uma
passeata até a Praça da República.
Em 26 de junho, no Rio de Janeiro, uma manifestação
estudantil contra a ditadura militar, com ampla participação
das camadas médias, ficou conhecida como a Passeata dos 100
Mil – culminando um crescente de manifestações da juventude
pelo menos desde março, após o assassinato do estudante Edson
Luís. Para conter outras passeatas, a repressão prendeu por volta
de mil estudantes.
Em 16 de julho, outra greve operária se iniciou, des-
sa vez em Osasco, São Paulo, com por volta de 3 mil tra-
balhadores/as paralisando a produção e ocupando a fábrica
da Cobrasma. A repressão foi imediata com fechamento do
sindicato, prisões e torturas – o que acabou estimulando a so-
lidariedade proletária, com adesão de operários/as de diversas
outras fábricas da cidade. Também houve importante partici-
pação dos grupos revolucionários. A greve durou uma sema-
na, mas foi vencida pela repressão, com estimados 800 presos.
Ainda ocorreriam outras greves menores nos meses seguintes
em São Paulo e Minas Gerais.

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Coletivo Cem Flores

Em 12 de outubro, a polícia prendeu por volta de mil


estudantes na cidade paulista de Ibiúna, que se preparavam para
realizar o 30º Congresso, clandestino, da União Nacional dos
Estudantes (UNE) – com evidentes e graves falhas de organi-
zação e de segurança – entidade da juventude universitária cuja
sede nacional no Rio de Janeiro fora destruída e queimada no
próprio dia do golpe militar pela extrema-direita. Em 13 de de-
zembro, a ditadura militar se tornou ainda mais feroz, repressi-
va, violenta e assassina, com a decretação do AI-5, após diversas
ações terroristas da linha dura militar.
O segundo momento de luta armada comunista, revolucionária,
no Brasil
Uma parte expressiva dos/as comunistas considerou, cor-
retamente, que se encerraram todas as possibilidades de luta
pacífica e de massas após o AI-5 e ocorreu uma incursão geral
na luta armada, reforçando ações armadas que vinham do ano
anterior. Esse segundo momento de luta armada comunista no
Brasil se caracterizou por posições militaristas, vanguardistas e
foquistas, com quase nenhuma participação de massa. A luta
armada do final dos anos 1960 e primeira metade dos anos 1970
realizou ações de guerrilha urbana (propaganda revolucionária,
expropriações de capital de bancos e empresas e de armamen-
tos de quartéis, sequestro de embaixadores – EUA, Alemanha,
Suíça e Japão – para libertação de presos políticos, justiçamentos
etc.) e tentativas de preparação de guerrilha rural, sendo a mais
relevante a Guerrilha do Araguaia, organizada pelo PCdoB. Os/
as comunistas se fragmentaram em dezenas de organizações re-
volucionárias clandestinas de luta armada, das quais as mais im-
portantes foram a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Partido
Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e o Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR8), todos oriundos do
PCB; o próprio PCdoB e seus rachas, o Partido Comunista
Revolucionário (PCR) e o PCdoB-Ala Vermelha; e a Vanguarda

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Documento Base

Popular Revolucionária (VPR), o Partido Operário Comunista


(POC), o Comando de Libertação Nacional (Colina) e a
Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares),
surgidos a partir da Polop.

Para forjar sua fisionomia proletária, o Partido deve,


na luta ideológica, livrar-se dos oportunistas. A
ausência de luta ideológica é uma manifestação da
conciliação de classes dentro do Partido.

Partido Comunista do Brasil. Cinquenta Anos de Luta (1972).

Todas essas organizações revolucionárias de guerrilha


urbana adotaram, na prática, as mesmas formas de luta, re-
alizando inúmeras ações conjuntas; boa parte compartilhava
a mesma visão estratégica de um processo revolucionário de
caráter democrático, nacional e anti-imperialista (e não socia-
lista), que era a posição hegemônica entre os/as comunistas no
país há décadas.
A repressão policial-militar, mediante prisões, torturas e
assassinatos, conseguiu derrotar inteiramente a resistência arma-
da em meados dos anos 1970. Nesse momento, os/as comunis-
tas iniciaram um processo de autocrítica da luta armada – MR8,
PCBR, Polop, PCdoB – e buscaram se reorganizar na clandes-
tinidade para criar as condições de retomada da luta de massas
contra a ditadura militar.
Não obstante os equívocos cometidos, estratégicos e táti-
cos, teóricos e organizacionais, os/as comunistas que resistiram
de armas na mão contra a ditadura militar das classes domi-
nantes brasileiras, fortemente apoiada pelo imperialismo, são
exemplos imortais de heroísmo, de dedicação e sacrifício à causa
do proletariado, das demais classes dominadas e do Socialismo

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Coletivo Cem Flores

no Brasil e no mundo. É nosso dever comunista aprender com


seus acertos e erros e levar adiante suas lutas, carregando bem
alto a bandeira vermelha com a foice e o martelo da Revolução
proletária e socialista.
A retomada das lutas operárias e populares a partir do final dos
anos 1970
Na segunda metade dos anos 1970 se conjugaram crise
econômica, derrota da resistência armada comunista, dissidên-
cias no apoio da burguesia e das camadas médias à ditadura mi-
litar e vitórias da oposição legal burguesa nas eleições de 1974 e
1978. Nas disputas internas da ditadura militar, prevaleceram os
defensores da “abertura” ante os “linha dura” – sem que isso sig-
nificasse o fim da repressão, dos atentados a bomba, das prisões,
das torturas e dos assassinatos, como são exemplos a Chacina da
Lapa, em 1976, contra o Comitê Central do PCdoB, o assassina-
to de militantes do PCB, entre outros. Nessa nova conjuntura, e
com ativa participação comunista, cresceu o movimento operá-
rio e de massas contra a ditadura militar e contra a exploração,
a miséria e a fome. Se organizaram diversos movimentos popu-
lares, de bairros e de mulheres, contra a carestia; o movimen-
to estudantil se reconstruiu, a partir de 1977, levando ao 31º
Congresso da UNE, em maio de 1979, em Salvador; e foi orga-
nizado um amplo movimento pela anistia dos presos políticos
e exilados, ocorrida em agosto de 1979. As manifestações mais
importantes desse período foram as Grandes Greves Operárias,
principalmente na região do ABC paulista, de 1978-80.
O ano de 1978 marcou o ressurgimento de um forte mo-
vimento operário no Brasil, dez anos após as greves de Contagem
e Osasco e da brutal repressão que se seguiu. Após algumas pe-
quenas paralisações, em 12 de maio mais de 1.500 operários/as
entram em greve e ocupam a fábrica da Scania, em São Bernardo
do Campo, São Paulo. Em seguida o movimento grevista contra
o arrocho salarial se generalizou nas fábricas em todo o ABC

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Documento Base

paulista, em Osasco e na capital, com 150 mil trabalhadores/as


em greve, logo declarada ilegal pela justiça burguesa da ditadura.
E a greve continuou por quatro semanas, obtendo uma vitória
econômica parcial. Até o final daquele ano seriam mais de 300
outras greves, atingindo meio milhão de trabalhadores/as. Isso
em meio à violenta reação patronal, com centenas de demissões
e entrega de listas de grevistas para a repressão policial-militar.
O maior ganho da greve foi o exemplo de luta, a disposição e a
firmeza dos operários/as, organizados em comissões de fábrica.
A luta proletária se fortaleceu e, no dia 13 de março de
1979, 200 mil trabalhadores/as iniciaram a primeira Greve
Geral Operária no país desde 1968 – que alcançaria mais de 3
milhões de trabalhadores/as em greve em todo o estado de São
Paulo. Em dois dias, a greve foi declarada ilegal e se iniciaram
ações de solidariedade nos bairros operários e nas comunida-
des eclesiais de base, além da criação de um fundo de greve.
Seguiram-se diversas assembleias com dezenas de milhares de
operários/as, em meio à ocupação das cidades pela polícia. A
ditadura interveio no sindicato dos metalúrgicos e destituiu sua
diretoria – e a greve continuou. Com duas semanas de greve, a
diretoria do sindicato, encabeçada por Lula, acertou um acordo
provisório de 45 dias com os patrões e suspendeu a greve. Esse
acordo, no momento de auge do movimento operário grevista,
feito no conchavo dos escritórios patronais, ilustra bem o em-
brião do que seria o PT – um partido socialdemocrata, depois
inteiramente burguês, com um programa de conciliação de clas-
ses, de subordinação do proletariado à burguesia.
Um ano depois, em março de 1980, um novo movimento
grevista eclodiria na classe operária do ABC paulista contra o
arrocho salarial. Após um mês inteiro de negociações e assem-
bleias, a greve teve início em 1º de abril, atingindo por volta de
200 mil operários/as. Seguiram-se as mesmas ações patronais e
do estado burguês: decretação de ilegalidade, intervenção nos
sindicatos, prisões das lideranças, repressão militar e retaliação

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Coletivo Cem Flores

patronal. Sem conquista econômica, a greve de 1980 terminou


com um saldo de por volta de 4 mil demissões e forte repressão.
Ainda assim, constituiu mais um momento histórico da luta
proletária em nosso país, contra os patrões e seu governo, cujas
lições devem ser aprendidas criticamente pela classe operária, o
conjunto das classes trabalhadoras e os/as e comunistas.
As Grandes Greves Operárias de 1978-80 deram forte im-
pulso à reorganização do movimento sindical no país, no ocaso
da ditadura militar. Após conferências estaduais e encontros de
oposições sindicais, foi realizada a Conferência Nacional das
Classes Trabalhadoras (Conclat), em agosto de 1981, reunin-
do mais de 5 mil delegados representando mais de mil sindi-
catos de todo o país, um terço dos quais rurais. As resoluções
da Conclat defendiam estabilidade no emprego, jornada de 40
horas semanais sem redução de salário, salário mínimo nacio-
nal unificado, congelamento de preços para bens de primeira
necessidade, reforma agrária, congelamento da dívida externa,
liberdade e autonomia sindicais, fim das intervenções nos sin-
dicatos, liberdades democráticas, assembleia constituinte, entre
outros pontos. Sua principal decisão foi pela criação de uma
central sindical unificada, elegendo uma comissão nacional para
isso. A disputa pela hegemonia do movimento sindical entre o
PT, de um lado, e PCB, PCdoB, MR8 e o velho sindicalismo
pelego, de outro, acabou gerando dois congressos em 1983. Em
agosto daquele ano foi criada a CUT, hegemonizada pelo PT, e,
em novembro, foi realizado o congresso que levaria à criação da
CGT, envolvendo os demais grupos reformistas.
As mobilizações populares ao final da ditadura assumiram a
forma de uma ampla campanha, as Diretas Já, a partir de dezem-
bro de 1983 até a derrota da emenda constitucional que restaura-
ria as eleições presidenciais diretas, em abril de 1984. Não obstan-
te as imensas manifestações e os comícios populares, as Diretas Já
foram hegemonizadas por posições burguesas, que pregavam uma
saída da ditadura negociada com os militares e sob o controle das

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Documento Base

posições burguesas e conservadoras. Mesmo com todos esses limi-


tes, a posição dos/as comunistas, em geral, foi a de se incorporar
nesse movimento popular, estimulando-o porém sem questionar
sua hegemonia burguesa, mais uma vez subordinando as posições
proletárias em uma aliança com o inimigo de classe.
As tentativas de reorganização comunista no período final da ditadura
De meados dos anos 1970 até o começo da década de
1980 ocorreram diversas tentativas de reorganização dos parti-
dos e das organizações comunistas após o período de repressão
mais violenta da ditadura militar. No período 1972-75 ocorreu
o processo de incorporação da Ação Popular Marxista-Leninista
(APML) ao PCdoB, que chegou a ter quase metade de seu
Comitê Central composto por militantes oriundos da APML.
Com a “abertura”, o PCdoB passou a atuar dentro do MDB,
partido burguês de oposição legal à ditadura. No começo da dé-
cada de 1980, o PCdoB sofreu uma cisão de membros dos seus
comitês de São Paulo e da Bahia, parte dos quais se organizaria
num chamado Partido Revolucionário Comunista (PRC), que
se incorporou ao PT, assumiu posições reformistas e oportunis-
tas de direita e se dissolveu em meados da década de 1980. O
PCdoB abandonou suas posições revolucionárias nesse mesmo
período, tornando-se um partido auxiliar do PT, com posições
cada vez mais reformistas e oportunistas.
O MR8 realizou, em outubro de 1979, o congresso de uni-
ficação com a Organização Comunista do Sul e a Fração Operária
Comunista, no qual defendeu uma frente popular para derrotar a
ditadura – frente essa que seria o próprio MDB burguês – como
um passo rumo a um governo popular em direção ao Socialismo.
Em julho de 1981 ocorreu a unificação do MR8 com o PCR.
Em agosto de 1982, o MR8 realizou seu 3º Congresso, no qual
retomou as posições reformistas da declaração de março de 1958
(contradição principal entre nação e imperialismo, defesa do
desenvolvimento capitalista, abandono da perspectiva socialista,

98
Coletivo Cem Flores

aliança de classes com a burguesia nacional etc.) e sofreu uma


cisão. A partir de então, o MR8 se afundaria cada vez mais no
oportunismo e no reboquismo à burguesia.
O PCB reconstituiu sua direção após a anistia de 1979 e
nunca abandonou as posições reformistas, cada vez mais direitistas
e oportunistas, criticadas por Prestes em sua Carta aos Comunistas
de março de 1980, na qual rompeu com o PCB. Outras organiza-
ções, como a Polop e o PCBR, acabaram se reorganizando apenas
para se incorporarem e se dissolverem no PT. O começo dos anos
1980, portanto, marcou o virtual desaparecimento de partidos,
organizações e posições comunistas, revolucionárias, marxistas-le-
ninistas, no Brasil com força de massas.

3.5. Ausência de posições comunistas, revolucionárias,


com força de massas, e a hegemonia do reformismo e
oportunismo burguês do PT (1980 até hoje)

Desde o fracasso das tentativas de reorganização no começo


da década de 1980, o Brasil não tem um Partido Comunista, com
forte penetração na classe operária e nas demais classes dominadas
e com força de massas, com uma posição revolucionária, e guiado
pela teoria científica do proletariado, o marxismo-leninismo. Além
dos nossos próprios erros e limites, contribuem para isso a longa
crise do marxismo e do movimento comunista internacional, a
violenta repressão durante a ditadura militar que praticamente di-
zimou as organizações revolucionárias, e a hegemonia na “esquer-
da” de posições burguesas, lideradas por partidos burgueses como
o PT e reformistas e oportunistas, como PCdoB e PSol; o pele-
guismo hegemônico no movimento sindical (CUT, Força, UGT,
CTB etc.); e o predomínio do reformismo no movimento popular
(MST, MTST, Frente Brasil Sem Medo, Frente Brasil Popular).
Ainda assim, numa quadra adversa para a organização
e a luta independentes da classe operária e das massas traba-
lhadoras e para a reorganização do seu Partido Comunista,

99
Documento Base

novas tentativas de reorganização comunista têm surgido desde


meados dos anos 1990. Atualmente, pequenos grupos comu-
nistas e operários buscam se organizar e se fortalecer, com as
tarefas centrais de se enraizar na classe operária e nas massas
trabalhadoras e participar de suas lutas, buscando fortalecer a
independência de classe; combater o reformismo e o oportu-
nismo, criticando radicalmente essas posições e esses desvios;
apropriar-se do marxismo-leninismo para analisar a conjuntura
em que lutamos e buscar formular o caminho da Revolução no
país. Em vários casos, esses grupos e organizações estabeleceram
contatos entre si, divulgaram manifestos e/ou realizaram ações
conjuntas, e avançaram no debate entre camaradas sobre nossas
divergências e nossos pontos em comum. Cabe a todos/as nós,
comunistas, trabalhar para a construção desse processo visando
a reorganização do Partido Comunista em nosso país, instru-
mento indispensável para a nossa Revolução e a libertação das
massas trabalhadoras da escravidão capitalista.
Crise do imperialismo, ofensiva burguesa e tendência à fascistização
O cenário internacional das últimas mais de quatro décadas
se caracteriza, por um lado, por uma prolongada crise do imperia-
lismo e pela ofensiva de classe da burguesia, incluindo a tendência
à fascistização, e, por outro, pela igualmente longa crise do mar-
xismo e do movimento comunista internacional. Após a crise do
imperialismo, iniciada em meados dos anos 1970, aumentaram a
frequência e a intensidade das crises do capitalismo mundial, até
a nova grande crise do imperialismo, inaugurada em 2007-08 e
ainda não encerrada, agravada pela crise iniciada com a pandemia
de Covid-19. Essas crises estimularam a ofensiva mundial da bur-
guesia contra as massas trabalhadoras, aumentando sua explora-
ção na busca de retomar suas taxas de lucro.
Nesse mesmo período, a vitória da via capitalista na China,
a partir do final dos anos 1970, a derrocada dos países “socialistas”
do Leste Europeu, após a queda do Muro de Berlim (1989), e o

100
Coletivo Cem Flores

fim da União Soviética (1991) possibilitaram a criação de novos


mercados produtores/consumidores para o capitalismo, amplian-
do a acumulação de capital e seus lucros. O fortalecimento do
capitalismo chinês ocorreu com a intensificação das suas interli-
gações comerciais, econômicas, financeiras e empresariais com os
EUA. Neste século, a evolução da China à condição de potência
imperialista ascendente acentuou rearranjos no sistema imperia-
lista mundial e na divisão internacional do trabalho, ao mesmo
tempo que agravou as contradições interimperialistas, especial-
mente com os EUA, potência imperialista dominante, porém em
declínio relativo. A competição entre os monopólios capitalistas
dos EUA e da China se acentua na disputa por mercados e zonas
de influência ao redor do mundo, nos campos econômico, finan-
ceiro, tecnológico, político e militar.
O agravamento das contradições na crise do imperialismo
também exacerbou a tendência a guerras imperialistas (Afeganistão,
Iraque, Síria, Palestina, Ucrânia etc.) e à fascistização e a regimes/
governos/partidos de extrema-direita – Trump, supremacistas bran-
cos e a ala mais reacionária do partido republicano (EUA), o neo-
nazista Alternativa pela Alemanha (AfD), Le Pen (França), os fas-
cistas Meloni e Salvini (Itália), Orbán (Hungria), Duda (Polônia),
Erdogan (Turquia), Modi (Índia), Bolsonaro, entre outros.
Resistência popular à ofensiva burguesa
A ofensiva de classe da burguesia tem ocasionado movi-
mentos de resistência, rebeliões e revoltas ao redor do mundo,
como o movimento antiglobalização nos anos 1990, com des-
taque para a Batalha de Seattle (1999); as manifestações contra
a crise do imperialismo, tais como as greves gerais na Grécia
(2012) e as ocupações do parque Zuccotti, em Nova Iorque,
e da Praça do Sol, em Madri (2011), entre outros; a chamada
Primavera Árabe, principalmente na Argélia, Egito e Tunísia
(2010-12); a sequência de explosões sociais na América Latina
(Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Peru) e

101
Documento Base

a onda de greves operárias na China, na década passada; até as


atuais revoltas europeias (França, Alemanha) contra as sucessi-
vas “reformas” capitalistas (previdenciária, trabalhista) atacando
as conquistas de trabalhadores e trabalhadoras. Refletindo a cri-
se do movimento comunista internacional, todos esses movi-
mentos compartilham o caráter de explosões espontâneas e/ou a
influência de posições pequeno-burguesas e reformistas, além da
ausência da posição proletária, revolucionária, e da direção ou
influência mais significativa de Partidos Comunistas.
Ausência de um movimento comunista internacional
Nos últimos quarenta anos ocorreu o virtual desapareci-
mento do movimento comunista internacional. A vitória da via
capitalista na China derrotou a corrente maoísta revolucionária
no país. Na sequência do fim da União Soviética, os partidos que
seguiam sua linha revisionista se dissolveram no liquidacionismo
ou afundaram ainda mais na lama do reformismo e da subordina-
ção de classe à burguesia. Pequenas correntes dogmáticas, autoin-
tituladas “maoístas” ou “stalinistas”, mantêm alguma organização
internacional, com pequena e decrescente relevância nas massas
trabalhadoras. Nesse período ocorreram algumas tentativas de
reorganização do movimento comunista internacional que, em
geral, optaram pelo ecletismo, por uma falsa “unidade”, ao invés
de fazer a necessária e radical demarcação entre posições revolucio-
nárias e reformistas. A própria experiência do movimento comu-
nista internacional mostra que a falta dessa demarcação de campo
é um grave erro, por dificultar o desenvolvimento das posições
revolucionárias, que se fortalecem precisamente no combate sem
tréguas ao revisionismo e ao oportunismo.
O mais longo período de democracia burguesa no país e a ofensiva
do capital
De 1985 até hoje, o Brasil atravessa seu mais prolongado
período de democracia burguesa, ampliada em relação às experi-

102
Coletivo Cem Flores

ências anteriores, mas mantendo elevados níveis de exploração,


repressão e violência contra as classes dominadas. A partir dos
anos 1980-90, o país ajustou ativamente sua estrutura produtiva
às novas condições da divisão internacional do trabalho do siste-
ma imperialista mundial, processo que o Cem Flores conceitua
como “regressão a uma situação colonial de novo tipo”. Esse
período é marcado por mais de quatro décadas de estagnação
econômica, alternando curtos períodos de crescimento um pou-
co maior com profundas e prolongadas crises.

A questão mais importante, a fundamental, é a questão


do poder. Os revolucionários no Brasil não podem
propor a uma outra coisa senão a tomada do poder,
juntamente com as massas.
Carlos Marighella. Carta à Comissão Executiva do Partido
Comunista Brasileiro (1966).

A severa crise do capital no Brasil nos anos 1980 (“crise


da dívida externa”, provocando a primeira “década perdida”)
foi um desdobramento da crise do imperialismo, levou o país
à beira da hiperinflação na virada da década e colocou a pá de
cal na ditadura militar, que se encerraria em 1985. Não obstan-
te importantes manifestações populares, como as Diretas Já, a
transição da ditadura militar para a democracia burguesa foi um
acordo entre as classes dominantes, os militares e os políticos
burgueses – que contou com o apoio explícito das organizações
comunistas, que mantinham a posição de aliança/subordinação
de classe com a burguesia nacional e de uma etapa democrática
e nacional na revolução brasileira. Esse pacto burguês se con-
substanciou na eleição indireta de um presidente conservador
(Tancredo Neves), tendo como vice o ex-presidente nacional do
partido de apoio à ditadura (José Sarney), ambos pelo PMDB,

103
Documento Base

partido da oposição institucional à ditadura e que abrigava al-


gumas organizações comunistas, e foi ratificado na constituição
de 1988. A nova constituição ampliou as “liberdades democrá-
ticas”, reforçando as ilusões ideológicas burguesas, não elimi-
nou a tutela militar e deu mais estabilidade institucional para
a dominação capitalista – ao mesmo tempo que por uma série
de lacunas, dispositivos não regulamentados e atuação do apa-
relho repressivo (judiciário, forças armadas, polícias) manteve
a repressão às massas, pela extrema violência, tortura e assassi-
natos nas periferias de todo o país; limitou na prática o “direito
à greve”, com decretações de ilegalidade, multas abusivas etc. e
deu continuidade a uma estrutura sindical vinculada ao estado
burguês; congelou a estrutura latifundiária do país; entre diver-
sas outras garantias à ordem burguesa.
A década de 1990 foi marcada pelas “reformas” burguesas,
de Collor a FHC, incluindo privatizações, abertura e desregu-
lamentação da economia e o plano real. Essas “reformas” e a
política econômica burguesas foram mantidas e se consolida-
ram durante os governos do PT (2002-16), que distribuíram
uma mínima fração dos fundos públicos destinados à burguesia
sob a forma de transferências ao eleitorado mais pobre, aprovei-
tando-se dos anos em que a divisão internacional do trabalho
beneficiou a posição (cada vez mais) dominada do Brasil. Os
governos do PT também aprofundaram a desindustrialização e
a reprimarização do país, e passaram das taxas de lucro recordes
(2007-11) para uma crise econômica histórica, de dimensão
ainda maior que a dos anos 1980 (provocando, nos anos 2010,
a segunda “década perdida”), um dos fatores que levaram ao im-
peachment de Dilma. O afastamento do PT do governo central
foi marcado pelo desgaste político com a recessão de 2014-16,
pela incapacidade de reação política da “esquerda” e por grandes
manifestações de rua da direita (2015-16), as primeiras desde
1964 – o que se repetiria na campanha de 2018 e durante o
governo do fascista Bolsonaro (2019-22). A ofensiva burguesa

104
Coletivo Cem Flores

se reforçou no governo Temer e se radicalizou com Bolsonaro,


com as “reformas” trabalhista, sindical e da previdência, novas
privatizações, ataques generalizados à organização e à luta da
massa trabalhadora, além da estruturação de um movimento de
extrema-direita, fascista. O novo governo Lula-Alckmin, aliado
à direita e a serviço das classes dominantes, tendo todo o campo
reformista a seu reboque, busca, mais uma vez, consolidar os
avanços da burguesia em sua luta de classes contra a classe ope-
rária e as demais classes exploradas.
O PT, de socialdemocrata a partido burguês, um partido da
ordem capitalista
Em fevereiro de 1980 foi fundado o PT, concluindo pro-
cesso iniciado no ano anterior, em congressos operários. O PT
surgiu como um partido hegemonicamente socialdemocrata,
reformista, composto por lideranças sindicais que participaram
das Grandes Greves Operárias de 1978-80, por setores da igreja
católica, militantes de organizações comunistas e da luta armada
e pelo reformismo, intelectuais, egressos do MDB e trotskistas.
Ao longo dos anos 1980-90, o PT conquistou a hegemonia nas
organizações sindicais (por intermédio da CUT e seus sindica-
tos filiados) e populares, assim como na “esquerda” institucional
e parlamentar, se consolidando como o principal representante
do reformismo e oportunismo, ideologias burguesas no seio da
classe operária – sobrepujando as organizações revisionistas e
reformistas que ainda se reivindicavam comunistas e que não
haviam aderido ao PT, mas que acabariam se tornando seus
verdadeiros partidos-satélites, em especial sob o aspecto eleito-
reiro. Essa incorporação ao campo petista, formal ou na prática,
concluiu um processo que substituiu a posição proletária por
variantes de posições burguesas, a luta de classes por alianças
com as classes dominantes, a hegemonia do proletariado pela
conciliação de classes que na realidade subordinam as classes do-
minadas à burguesia, a luta de massas pela mera disputa eleito-

105
Documento Base

reira, pela ocupação de cargos no estado capitalista, o Socialismo


pela democracia burguesa e pelo desenvolvimentismo capitalista
e as posições revolucionárias pelo legalismo e institucionalismo,
pelo revisionismo, reformismo e oportunismo.
A partir de meados dos anos 1990, o PT se conforma
enquanto um partido burguês, a ala “esquerda” da burguesia,
reforçando sua política de alianças com os demais partidos
burgueses e buscando apoio nas classes dominantes. A vitória
nas eleições presidenciais de 2002, os seguidos mandatos petis-
tas e seus governadores, prefeitos e parlamentares, concluem a
transformação do PT no “partido da ordem”, aliado e executor
das políticas do capital financeiro, do capital internacional, da
burguesia industrial e comercial, e do agronegócio. Seus papeis
fundamentais são a implementação de políticas burguesas para
atender às necessidades da acumulação de capital e de elevação
das taxas de lucro, e o controle, cooptação e institucionalização
dos movimentos das massas dominadas, por meio de centrais e
sindicatos pelegos, dos movimentos populares governistas, e de
recursos e cargos no aparelho de estado.
As últimas décadas foram de um longo declínio das lutas operá-
rias e populares...
As Grandes Greves Operárias de 1978-80 também im-
pulsionaram um forte movimento operário grevista durante
toda a década de 1980, com crescimento no número de pa-
ralisações e de trabalhadores/as em greve. Esse crescente de
mobilizações também ocorreu no campo, gerando tanto um
aumento de ocupações, quanto da reação assassina do latifún-
dio. A década de 1990 consolidou a hegemonia do reformismo
da CUT sobre o movimento sindical do país. No campo, o
domínio passou a ser do MST – que se tornaria, na década
seguinte, com os governos do PT, cada vez mais uma correia de
transmissão dos interesses daquele partido burguês. Em 1992,
a combinação de crise econômica e política levou a grandes

106
Coletivo Cem Flores

manifestações estudantis e populares pelo impeachment de


Collor. Mais uma vez, o movimento popular foi dominado por
posições reformistas, institucionais, que terminaram lideradas
por políticos burgueses, apoiando uma “união nacional” em
torno do governo Itamar. Na década de 2000 iniciou-se um
longo declínio das mobilizações operárias, estudantis e popu-
lares, com mudanças no mercado de trabalho, diminuição da
sindicalização e da organização de trabalhadores/as, e o pre-
domínio do peleguismo sindical atrelado aos governos do PT.
... porém as contradições de classe continuam presentes!
O ano de 2013 marcou tanto o início de um significa-
tivo ciclo de greves que duraria até 2016 – no qual ocorre-
ram greves radicais, como as de Belo Monte e Jirau, contra
as direções sindicais e contra uma exploração quase escravista
– quanto a explosão das Jornadas de Junho, as maiores mani-
festações de rua da nossa história recente. Essas manifestações
rapidamente se ampliaram e se generalizaram por todo o país
contra a repressão policial e o consórcio governista PT/PSDB,
expressando a insatisfação latente de uma parte das massas e
das camadas médias. Essa crítica também se explicitou con-
tra partidos, centrais e movimentos da “esquerda” da ordem
(institucionais, eleitoreiros e oportunistas), cujo objetivo fun-
damental era o de defender o governo petista e conter/institu-
cionalizar as manifestações.
A partir de 2017 houve uma importante redução nas
greves, que chegaram ao mínimo durante a pandemia. Mesmo
assim, ocorreram importantes greves, ainda que com efeitos
econômicos limitados, como de metalúrgicos (Renault, 2020;
GM, 2021; Mercedes e CSN, 2022), garis no Rio de Janeiro,
trabalhadores/as de aplicativos, da educação e dos correios;
além de mobilizações populares como as do #EleNão!, anti-
fascistas e as do mutualismo e das associações comunitárias
durante a pandemia.

107
Documento Base

Novas tentativas de reorganização comunista


Depois das frustradas tentativas de reorganização no
final dos anos 1970 e começo da década de 1980, o “movi-
mento comunista” no país se afundou na lama do reformismo
e do oportunismo, cada vez mais afastado das massas traba-
lhadoras e aferrado a posições de conciliação de classes e de
subordinação a frações da burguesia, desenvolvimentistas e
dependentes do aparelho de estado capitalista. Esses foram os
fatores subjetivos fundamentais por trás dos imensos recuos
políticos, teóricos e organizativos dos/as comunistas nas déca-
das de 1980 em diante.
No entanto, já nos anos 1990 ocorreram novas tentativas
de reorganização comunista. Em 1992 chegou ao fim o longo
processo de mais de três décadas de degeneração revisionista
e oportunista do PCB, com sua parcela majoritária optando
pelo liquidacionismo com a criação do PPS. A fração minori-
tária reivindicou a sigla histórica e se reorganizou, enfatizando
seu registro legal-eleitoral, limitando a autocrítica ao período
mais recente e à direção liquidacionista. O PCB atual enfren-
ta, na conjuntura presente, contradições entre uma estratégia
formalmente socialista e uma tática eleitoreira de propor al-
ternativas para a gestão do capitalismo brasileiro, entre a de-
fesa de um discurso revolucionário e as alianças com partidos
reformistas, entre uma ala que propõe uma crítica de fundo
ao governo burguês de Lula-Alckmin e outra que defende um
apoio “crítico”. Isso revela um PCB com uma estrutura orga-
nizacional deficiente e uma crítica insuficiente do reformismo
e oportunismo eleitoreiro “de esquerda”.
Em 1995, mais da metade dos militantes do MR8 ra-
chou com o direitismo escancarado que dominava a organiza-
ção havia mais de uma década e tentou se reorganizar enquan-
to PCR. Esse movimento se desfez alguns anos depois, após
sucessivos rachas. Um desses grupos remanescentes manteve-

108
Coletivo Cem Flores

-se organizado sob o nome de PCR, adotando uma posição


política errática, definindo-se como stalinista, ingressando no
PT como uma tendência, rompendo posteriormente com o
PT e participando da criação da Unidade Popular (UP) como
um partido legal. PCB e UP atuaram conjuntamente algumas
vezes em períodos eleitorais, seja no lançamento de candidatu-
ras unificadas, seja no apoio a candidaturas do PT ou de outros
partidos de “esquerda”.

Hoje, na conjuntura concreta em que se trava a luta


de classes no Brasil, o dever de cada revolucionário
é o de reconstruir o partido revolucionário do
proletariado no fogo da luta de classes.
Tudo o mais é tergiversação.
Cem Flores. Convocatória para a Reconstrução do Partido Revolucionário
do Proletariado (2002).

O fortalecimento da posição comunista é fundamental no Brasil


de hoje!
Nessas duas primeiras décadas do século 21, surgiram novas
organizações comunistas, buscando retomar o marxismo-leninis-
mo, as posições revolucionárias e a atuação junto à classe operária
e às massas trabalhadoras, trabalhando pela reconstrução teórica,
política e organizativa do movimento comunista no Brasil. No
processo atual, perdeu peso a posição estratégica que hegemoni-
zou o movimento comunista no Brasil por muitas décadas – a
visão etapista da revolução brasileira, de uma etapa democrá-
tica, nacional e burguesa ou popular, prévia à “etapa” socialista;
de alianças com a burguesia, em seu pretenso caráter nacional e
anti-imperialista. Atualmente, a maioria dos grupos e organiza-

109
Documento Base

ções comunistas afirmam o caráter principal da contradição en-


tre burguesia e proletariado e o caráter Socialista da Revolução.
Se essa concepção constitui um importante avanço teórico e es-
tratégico, ainda é necessário definir suas táticas justas (de nada
adianta autoproclamar-se a favor da Revolução Socialista e apoiar
partidos burgueses como o PT nas eleições), construir o Partido
Comunista para concretizar essa posição e tirar dessa definição to-
das as suas consequências teóricas, práticas e organizacionais para
a luta revolucionária do proletariado e das massas trabalhadoras.
Essas organizações, em geral, permanecem pequenas e iso-
ladas, com muito pouca influência de massas. O Cem Flores faz
parte desse processo, de uma nova tentativa de reorganização do
movimento comunista no país, desde sua constituição, em 2002,
marcada pela divulgação do documento Convocatória para a
Reconstrução do Partido Revolucionário do Proletariado.

3.6. Nossas tarefas

As nossas tarefas fundamentais, enquanto um coletivo co-


munista, são as de reforçar nossas ligações com a vida e as lutas
cotidianas das massas proletárias e trabalhadoras, buscando ga-
nhar sua confiança para melhor organizar e avançar essas lutas.
Nesse processo, mostrar que a causa principal das dificuldades das
vidas das massas é o próprio capitalismo, sua exploração e repres-
são. Assim, apenas com a derrubada desse sistema e a construção
do Socialismo – objetivo estratégico ao qual devem ser vincula-
das todas as lutas proletárias – as massas trabalhadoras poderão
conquistar sua verdadeira libertação. Uma tarefa importante dos/
as comunistas junto às massas é mostrar que isso já foi feito em
diversos países ao longo da história, e que, portanto, poderá ser
feito novamente, aqui no Brasil.
Somente com uma atuação desse tipo se pode contribuir com
a construção de uma luta operária que tenha organização e objeti-
vos próprios, de classe – opostos e inconciliáveis aos objetivos dos

110
Coletivo Cem Flores

patrões e dos pelegos. O combate ao reformismo e ao oportunismo


desses pelegos, combate às suas posições no seio da classe operária,
combate às posições de subordinação/aliança da classe operária aos
patrões, também é um combate fundamental e sem trégua.
O estudo da história dos primeiros cem anos do movimen-
to comunista no Brasil nos permite aprender com os inúmeros
exemplos de luta da classe operária e das demais classes exploradas
e com a dedicação e o sacrifício de gerações de militantes prole-
tários/as, camponeses/as e comunistas. Nos permite também ava-
liar criticamente as tentativas de formulação de uma estratégia, de
uma tática e de uma prática justas e revolucionárias, assim como
seus limites em cada conjuntura concreta; e de fazer a necessária
crítica marxista-leninista, dura e radical, dos longos períodos de
hegemonia reformista e de alianças de classe com a burguesia,
subordinando as lutas proletárias e comunistas aos horizontes do
desenvolvimento capitalista e da manutenção do seu regime de
exploração, repressão e opressão.
Para realmente conseguir avançar nessas tarefas fundamen-
tais também é imprescindível estudar o marxismo-leninismo e as
lições do movimento comunista nacional, vinculando-os estreita-
mente à experiência própria das massas de exploração/resistência
aos patrões e seu estado. Assim poderemos melhor contribuir
para a retomada da iniciativa proletária na luta de classes e para o
processo de reconstrução do instrumento de combate do proleta-
riado e das classes dominadas em sua luta revolucionária contra o
capital: o Partido Comunista.
Em resumo, na análise e no debate em relação ao movi-
mento comunista nacional, nossas tarefas são:
• Estudar a experiência histórica desse primeiro século de
luta proletária e comunista no Brasil, seus acertos e erros,
nos campos teórico e político, estratégico e tático, de cons-
trução do Partido e de atuação com as massas, assim como
suas experiências revolucionárias.

111
Documento Base

• Combater e denunciar de maneira radical, e permanente-


mente, o reformismo, o revisionismo e o oportunismo no
movimento comunista, sob as formas de defesa de alianças
de classe com a burguesia e seus representantes, de neces-
sidade de estímulo ao desenvolvimento do capitalismo, de
formas de gestão do estado burguês, entre outras.
• Estabelecer e aprofundar contatos com outras organi-
zações comunistas, que estejam no mesmo campo mar-
xista-leninista, revolucionário, buscando fortalecer as
tendências de reorganização do movimento comunista
nacional e de reorganização do Partido Comunista, me-
diante debate de posições e de avaliação da conjuntura,
elaboração de documentos comuns, realização de ações
militantes conjuntas, fortalecimento da presença dos/as
comunistas na classe operária e nas classes dominadas e
outras atividades neste sentido.

112
Coletivo Cem Flores

4. O Sistema Imperialista Mundial no


Começo do Século 21
O ponto de partida de nossa análise da conjuntura da luta
de classes deve ser o mercado mundial (Marx), a economia mun-
dial capitalista e suas contradições, ou seja, tanto o seu dinamismo
quanto as suas crises. Isso significa, atualmente, partir do conceito
de imperialismo (Lênin), como a continuação direta das análises
de Marx e Engels sobre o sistema capitalista e o resultado da evo-
lução concreta de suas tendências e contradições principais.
No início do século 20, o capitalismo passou à sua fase impe-
rialista – de domínio dos monopólios e do capital financeiro, espe-
cialmente os transnacionais. Com isso, a economia global se recon-
figurou em um sistema imperialista mundial, estruturado de forma
hierarquizada entre países/capitais dominantes (imperialistas) e paí-
ses dominados e seus capitais e evoluindo conforme o agravamento
de suas contradições e o surgimento de novos antagonismos.
O sistema imperialista mundial agrava a exploração da clas-
se operária e das demais classes dominadas em todos os países,
com a mesma contradição fundamental entre burguesia e proleta-
riado atuando nas condições específicas de países imperialistas e de
países dominados, e de maneira distinta em cada país a depender
da luta de classes. O imperialismo também é um brutal sistema
de poder e de dominação (política, ideológica, militar) que visa
garantir e reforçar os interesses dos monopólios e dos países do-
minantes uns contra os outros e sobre todos os demais. A guerra é
parte necessária e essencial do imperialismo.
O imperialismo constitui conceito teórico fundamental,
imprescindível para a análise da conjuntura da luta de classes
pela sua plena validade no presente, que confirmou e radicalizou
todos os seus traços fundamentais. As tendências capitalistas de
acumulação ampliada e de concentração e centralização de ca-
pitais obrigaram o capital a superar os limites nacionais de cada
formação econômico-social. A partir da atuação dos monopólios,

113
Documento Base

da exportação de capitais e dos estados imperialistas disputando


zonas de influência constituiu-se, de fato, um sistema internacio-
nal, integrado e contraditório, de produção/exploração, circula-
ção, realização e reprodução; e também de poder e opressão. Neste
começo de século 21, o modo de produção capitalista, em sua fase
imperialista, é dominante em todo o planeta e em cada país.
O caráter contraditório do sistema imperialista mundial de-
corre tanto da contradição fundamental do capitalismo, a contra-
dição inconciliável entre burguesia e proletariado, quanto das con-
tradições internas às classes dominantes. Dentre essas, destacam-se
as contradições interimperialistas, das quais a mais importante na
atualidade é a que opõe os EUA, potência imperialista dominante,
porém em declínio relativo, à China, potência imperialista ascen-
dente, e seus respectivos capitais monopolistas.
Essas contradições do imperialismo levam tanto a crises glo-
bais de superprodução de mercadorias e de superacumulação de
capitais, quanto a mudanças na dinâmica do sistema imperialista
mundial e dos seus países e capitais. Nas duas primeiras décadas do
século 21, sucessivas crises do capital marcaram a economia mun-
dial, em especial a histórica crise iniciada em 2007-08. Essa situa-
ção de “praticamente uma crise sem fim” (Engels), esses desdobra-
mentos de uma longa crise do imperialismo, caracterizam o atual
estado depressivo do conjunto do sistema imperialista mundial.
O caráter destrutivo do imperialismo, além da brutalida-
de das crises econômicas sobre as condições de vida das massas,
também se manifesta nas guerras imperialistas (uma dezena nessas
duas primeiras décadas do século 21, do Afeganistão à Ucrânia),
na devastação ambiental global, na concentração de uma riqueza
incalculável nas mãos de uma burguesia cada vez mais reduzida e
poderosa e na ampliação da pobreza, da miséria e da exploração
para a absoluta maioria.
O imperialismo é o apodrecimento e a degeneração do ca-
pitalismo, cuja ideologia mais própria é o fascismo. O oposto do
imperialismo é o Socialismo.

114
Coletivo Cem Flores

4.1. Capital monopolista transnacional e exportação de capitais

“O imperialismo é a fase monopolista do capitalismo”


(Lênin), na qual as tendências do capital à concentração e à
centralização criaram os monopólios – a essência econômica do
imperialismo. Os monopólios e suas associações internacionais,
formais ou informais, dominam a produção capitalista, dividem
os mercados globais e buscam garantir superlucros monopolis-
tas, tentativa de contrarrestar a tendência de queda da taxa de
lucro. “Grande capital” e “grande burguesia”, portanto, devem
referir-se, atualmente, ao capital monopolista.

Não devemos confiar no imperialismo nem um


tantinho assim, nada!

Che Guevara. Discurso na 19ª Assembleia Geral da ONU (1964).

Nestas primeiras décadas do século 21, a presença dos


monopólios, cada vez maiores, está generalizada em pratica-
mente todos os setores econômicos e em quase todos os países.
Os monopólios não são mais característicos apenas da estrutura
econômica dos países imperialistas, mas também da dos países
dominados, quer sejam monopólios de capital nacional, quer de
capital estrangeiro. Esses monopólios só acham sua correta me-
dida na comparação com outros monopólios. Ou seja, travam
uma concorrência agravada com os monopólios concorrentes,
na qual acordos e alianças são sempre provisórios e instáveis,
rompidos sempre que estiver em causa uma redivisão dos merca-
dos ou conquista de novos. Essa concorrência inter-monopolista
agravada se espalha pelos diversos ramos de produção e mer-
cados transformando-se, muitas vezes, em disputas entre seus
próprios estados imperialistas.

115
Documento Base

A relação dos monopólios com o capital não-monopo-


lista assume as formas de tendência à centralização – com as
diversas formas de concorrência levando o capital não-mono-
polista a vender sua propriedade ao monopólio ou a falir – ou
de complementaridade/subordinação. Neste último caso, dada
a capacidade do monopólio de incorporar esses capitais não-
-monopolistas ao seu próprio processo produtivo (como for-
necedores de matérias-primas e/ou de demais insumos, ou res-
ponsáveis por parte da produção, distribuição ou realização),
definindo e impondo as condições para essa atuação. Também
pode ser definida como de caráter complementar, a acumula-
ção do capital não-monopolista em mercadorias, segmentos
ou regiões em que não se fazem presentes os monopólios, por
isso mesmo de menores escala e lucratividade. Assim, o capi-
tal monopolista domina os demais capitais não-monopolistas,
tornando a concorrência entre eles (que não desaparece) de
caráter secundário.
Os monopólios há muito também já ultrapassaram o es-
paço de acumulação de capital de seus países (sem abandoná-
-los), estabelecendo intrincadas redes de empresas ao redor do
mundo, via exportação de capitais, e constituindo-se em efeti-
vos monopólios transnacionais. Em sua atuação transnacional,
esses monopólios dividem os mercados nacionais do mundo
todo dentro do próprio grupo monopolista e conformam uma
ampla cadeia de fornecedores e de produtores “terceirizados”
para suas mercadorias, distribuídas para os diversos mercados.
Conformam-se, assim, processos de produção verdadeiramen-
te globais, em cadeias transnacionais de fornecimento, produ-
ção/exploração e distribuição, também chamadas de cadeias
globais de valor (ou de produção). Essas cadeias, sob o con-
trole estrito do monopólio transnacional, em uma verdadeira
“subsunção real”, não apenas do proletariado em relação ao ca-
pital, mas também dos demais capitais subordinados pelo ca-
pital monopolista transnacional. A maioria absoluta dos fluxos

116
Coletivo Cem Flores

de mercadorias e de capitais no mercado mundial é constituída


de operações internas aos próprios monopólios transnacionais.
Com isso, os grandes monopólios transnacionais são de-
cisivos para organizar e reorganizar o sistema imperialista mun-
dial e sua divisão internacional do trabalho. A exportação de
capitais, além dos investimentos produtivos para criação da rede
de subsidiárias no exterior, também assume a forma de endivi-
damento externo dos demais capitais e países e ainda a dos ca-
pitais especulativos (fictícios), cuja ameaça permanente de uma
repentina “fuga” exerce a pressão do capital mundial, mediante
constante chantagem, sobre os demais capitais e países. A ge-
ografia da atuação dos monopólios transnacionais no sistema
imperialista é dada a partir dessa rede de exportação de capital,
absolutamente vinculada com a partilha do mundo entre as po-
tências imperialistas.
Considerados todos esses aspectos, essa partilha também
implica forte tendência de definição (e constante redefinição),
pelos monopólios transnacionais, dos espaços disponíveis para
acumulação nas diferentes formações econômico-sociais, espe-
cialmente as dominadas. Essa divisão internacional do trabalho
configurada pela atuação dos monopólios transnacionais, tam-
bém considera aspectos geográficos (recursos naturais), tecnoló-
gicos (inovações, produtividade), políticos, militares e a luta de
classes (exploração/resistência) e está sob constante pressão por
nova reconfiguração em função das contradições, principalmen-
te as interimperialistas.
Os monopólios transnacionais também controlam efeti-
vamente (não sem contradições) os estados burgueses, que atu-
am para garantir e ampliar sua acumulação e seu lucros, seja
mediante a repressão doméstica ao proletariado e às demais
classes exploradas, seja pela partilha do mundo entre os países
imperialistas e seus capitais monopolistas. A atuação desses ca-
pitais e dos seus estados ocorre conjuntamente, pois tanto as
relações de dominação político-econômica entre países abrem

117
Documento Base

espaços para a expansão internacional dos monopólios, quanto


vice-versa. A consequência necessária desse processo é o agrava-
mento das contradições com os demais capitais/estados. Cada
contestação dessa partilha – como a atual disputa entre a as-
cendente China imperialista e os EUA – cria/acirra conflitos e
contradições interimperialistas que, no limite, só se “resolvem”,
sempre provisoriamente, mediante guerras imperialistas.
O caráter transnacional da atuação desses monopólios
também implica tendência global ao rebaixamento do valor da
força de trabalho e ao aumento e à intensificação da jornada
de trabalho, ampliando a exploração a que estão submetidas
a classe operária e as massas trabalhadoras. A mobilidade in-
ternacional do capital possibilita uma permanente busca das
melhores condições de acumulação e lucratividade, entre elas
o menor capital variável possível. Como qualquer capitalista, o
objetivo fundamental dos monopólios transnacionais também
é o de maximizar seus lucros, aproveitando-se de sua posição
monopolista para buscar extrair superlucros. Mesmo tendendo
a obter uma taxa de lucro maior que a dos demais capitais, os
monopólios não invalidam a lei da tendência de queda das taxas
de lucro, nem eliminam as crises do capital – contraditoriamen-
te, agravam ambas tendências do capitalismo.

4.2. Capital financeiro e capital fictício

De maneira similar a da superação das fronteiras dos seus


países, os monopólios, especialmente os transnacionais, também
transbordam dos seus setores de origem, expandem sua atuação
para outros ramos, sempre em busca de novas formas de acu-
mulação e de maximização das taxas de lucro. Esse processo gera
o “capital financeiro” (Lênin), a partir da interpenetração dos
monopólios de diversos setores não-financeiros (industrial, agrí-
cola, comercial) e bancários (bancos, fundos). Sob a forma de
capital financeiro, os monopólios ampliam seu escopo de atu-

118
Coletivo Cem Flores

ação, o montante de capital sob seu controle e a capacidade de


domínio sobre outros capitais e sobre a produção, circulação e
realização capitalistas como um todo. Também se tornam ainda
mais decisivos na orientação da atuação dos estados, doméstica
e internacionalmente, a partir das definições sobre as políticas
econômicas, cambiais, comerciais, financeiras.
O capital financeiro monopolista transnacional também é
parte fundamental da exportação de capitais, da dominação so-
bre os demais capitais e sobre os países dominados, e da divisão
internacional do trabalho no sistema imperialista mundial. Essa
atuação ocorre tanto no financiamento de sua atuação global
e da constituição das cadeias produtivas transnacionais, como
nos circuitos de capital de empréstimos e de capital fictício. O
movimento do próprio capital em direção a uma acumulação
diretamente financeira, especulativa, tem no monopólio trans-
nacional o seu ator por excelência, devido à magnitude dos ca-
pitais que transitam pelos circuitos internos de cada monopólio,
que cada monopólio consegue colocar sob seu comando. O
capital financeiro é o agente principal desses fluxos de capitais
financeiros-especulativos.
Somando-se a essas características o cenário de superacu-
mulação de capitais e de queda nas taxas de lucro, o imperialismo
atual se caracteriza pela geração de quantidades praticamente in-
comensuráveis de capital fictício (nas formas de dívida pública,
ações, derivativos e diversos outros “instrumentos financeiros”).
Essa geração de capital fictício busca superar limites aos capitais
“excedentes”, cujas perspectivas de produção/acumulação ocor-
reriam a taxas de lucro abaixo das esperadas. Ou seja, o capital
fictício é instrumento adicional na tentativa de contrarrestar a
tendência de queda da taxa de lucro.
Nas crises, os aparelhos de estado capitalistas, tanto na-
cionais (tesouros nacionais, mediante a ampliação da dívida
pública, e bancos centrais, com a criação de moeda) quanto
internacionais (FMI, Banco Mundial etc.), atuam, entre outras

119
Documento Base

formas, na criação trilionária de capital fictício. Essas medidas


financiam injeções de capital (ou empréstimos) em empresas e
bancos, evitando ou reduzindo as falências (destruição de capi-
tal), e também favorecendo o avanço da centralização do capi-
tal, contribuindo para o financiamento de operações de fusões e
aquisições. Contribuem igualmente para a redução das taxas de
juros, que chegaram mesmo a ser negativas nessa última crise;
ampliam os fluxos globais de capital; financiam bolhas de ativos
em níveis recordes; multiplicando várias vezes, por si mesmos,
o capital fictício inicialmente criado. Os maiores beneficiários
desse capital fictício são os principais monopólios transnacionais
de capital financeiro, que multiplicam seu “valor de mercado”,
e seus donos, que veem seus patrimônios bilionários dispara-
rem. As medidas adotadas durante e após a grande crise iniciada
em 2007-08 elevaram o patamar de atuação desses aparelhos a
níveis inéditos, apenas para que, na maioria dos países, fossem
superados pelas medidas diante da crise de 2020.
Essa crescente e virtualmente ilimitada acumulação de ca-
pital fictício infla “bolhas” especulativas (a mais recente a partir
das chamadas “criptomoedas”), que são antecedentes de novas cri-
ses financeiras. O início da queima desses capitais (ou o estouro
da “bolha”) marca a eclosão das crises financeiras que caracterizam
as crises do capital deste começo do século 21 (mas não apenas
atualmente). Não à toa, a circulação puramente fictícia do capital
e o rentismo dos seus proprietários caracterizam o capitalismo pa-
rasitário, outra definição de imperialismo.

4.3. Contradições do sistema imperialista

O sistema imperialista mundial configura a economia


global como um todo contraditório, no qual se identifica um
conjunto de contradições que operam em todos os seus níveis.
Dentre as principais contradições que caracterizam o imperialis-
mo estão a contradição entre burguesia e proletariado, as con-

120
Coletivo Cem Flores

tradições interimperialistas, entre capital monopolista e capital


não monopolista, aquelas entre países dominantes e dominados
e as entre países dominados.
A contradição antagônica entre burguesia e proletariado
é a contradição fundamental do modo de produção capitalis-
ta, também em sua fase imperialista. Sua tendência é de maior
acirramento. Do lado do capital, é necessária uma ainda maior
exploração das massas trabalhadoras para tentar compensar a
tendência de queda das taxas de lucro, maior exploração que
necessita de níveis crescentes de repressão e dominação. Do lado
da classe operária, o nascimento do imperialismo praticamente
coincidiu com a primeira Revolução Socialista do século 20 –
abrindo um período histórico de confronto direto entre bur-
guesia e proletariado, junto com as demais classes dominadas,
pela superação revolucionária do capitalismo e a construção do
Socialismo e do Comunismo.
As contradições interimperialistas têm como base o fato
de o imperialismo constituir a etapa do capitalismo em que se
conclui a partilha territorial do mundo entre os grandes mono-
pólios transnacionais e os países imperialistas, ao mesmo tempo
em que as tendências expansionistas da acumulação de capital
obrigatoriamente colocam essa divisão em questão e exigem, a
cada momento, sua redivisão. Os monopólios transnacionais dos
países imperialistas, e os seus próprios estados nacionais (impe-
rialistas), em defesa dos seus capitais, estão em permanente dis-
puta entre si. Por um lado, buscam manter sua posição relativa
e, por outro, tentam ampliar sua posição diante dos demais,
sobrepujando-os. Essa necessidade imperiosa de buscar ampliar
constantemente seu poder e sua esfera de influência econômica,
é claro, inclui a manutenção/ampliação da dominação política,
econômica e militar dos países dominados.
Essa contradição leva a disputas crescentes, econômicas,
financeiras, tecnológicas, políticas, ideológicas e militares, no
limite, às guerras imperialistas que têm caracterizado o mundo

121
Documento Base

desde o início do século 20. Trata-se de guerras de conquista e/


ou de manutenção das zonas de influência (ou mesmo de des-
truição da influência dos concorrentes), do estabelecimento de
alianças político-econômico-militares para definir aliados e iso-
lar concorrentes. Diplomacia, ameaças e chantagens, e ações de
dissuasão também desempenham papel similar, em menor esca-
la. O aparato político e diplomático desses estados imperialistas
e dos organismos internacionais do capital que eles influenciam/
disputam também são instrumentos de expansão imperialista.

Para sair desta confusão sangrenta, este abismo


sem fim, não há ajuda, fuga, salvação para além
do socialismo. Apenas a revolução do proletariado
mundial pode trazer ordem a este caos, pode trazer
trabalho e pão para todos, pode acabar com o massacre
recíproco dos povos, pode restaurar a paz, a liberdade,
a verdadeira cultura a esta martirizada humanidade.

Liga Espartaquista. O Que Quer a Liga Espartaquista? (1918).

As contradições interimperialistas desempenham papel


fundamental na dinâmica do sistema imperialista mundial. Na
presente conjuntura, a principal dessas contradições é a que opõe
as duas maiores potências imperialistas da atualidade: os EUA,
potência imperialista dominante, porém em declínio relativo, e
China, potência imperialista ascendente. Uma importante carac-
terística dessa principal contradição interimperialista atual é a for-
te integração econômica entre essas duas potências imperialistas
rivais. Há uma enorme interpenetração dos monopólios transna-
cionais desses dois países (participações acionárias e investimentos
recíprocos), principalmente os monopólios dos EUA produzindo
na China. Os fluxos comerciais entre China e EUA também re-

122
Coletivo Cem Flores

fletem essa interpenetração e a divisão internacional do trabalho


que ela gerou. Nos fluxos financeiros destacam-se tanto os inves-
timentos diretos quanto o trilhão de dólares que a China investe
em títulos públicos do governo dos EUA.
Essa integração indica a existência de interesses comuns
entre os monopólios das duas potências imperialistas principais,
tornando mais complexas suas contradições, mas não alterando
a tendência principal ao conflito – que tem se agravado signi-
ficativamente e deve continuar se agravando. Essas contradi-
ções têm se espalhado por todas as áreas: produtiva, comercial
(guerra comercial e retaliações recíprocas), financeira (busca
por ampliação do papel da moeda chinesa), tecnológica (5G e
sanções), diplomática (posições distintas na guerra da Ucrânia)
e militar (corrida armamentista, definição da China como ini-
migo principal dos EUA). Busca-se manter/redefinir a potência
imperialista dominante, refazer a partilha do mundo em zonas
de influência (iniciativa da Nova Rota da Seda) e, com isso, de-
finir os próprios rumos do sistema imperialista mundial. A crise
do capital e o estado depressivo da economia mundial agravam
ainda mais essas contradições.
Além das contradições entre capital monopolista e não
monopolista, há também as contradições entre países domi-
nantes (imperialistas) e dominados. Em geral, a tendência
predominante é de compromissos entre a burguesia dos pa-
íses dominados e a burguesia dos países dominantes, com o
predomínio dessas últimas. Essa subordinação ocorre através
do alinhamento político entre seus países (acordos, alianças e
pactos diplomáticos, militares, de financiamento, transferên-
cia de tecnologia) e pela busca dos capitais dos países domina-
dos por atuar de maneira complementar, nos espaços deixados
pelo capital imperialista – na impossibilidade da concorrência.
Mesmo essa tendência não exclui a concorrência e a disputa
entre esses capitais. Além disso, as burguesias dos países impe-
rialistas e dominados estão inteiramente unidas na exploração

123
Documento Base

e dominação das respectivas classes operárias. Ou seja, tanto a


burguesia dos países imperialistas quanto a burguesia domésti-
ca dos países dominados são inimigas de classe do proletariado
e das massas trabalhadoras.
Por fim, também há, no sistema imperialista mundial,
contradições entre os próprios países dominados e seus capi-
tais, uns em relação aos outros. Em geral, trata-se de disputa/
concorrência para melhor se ajustar aos espaços deixados pelo
imperialismo, para receber mais investimentos estrangeiros e
melhor se integrar, de forma subordinada, nas cadeias globais
de produção, ainda que, algumas vezes, se montem acordos
(quase sempre precários) para fortalecer a posição relativa de
capitais/países dominados diante dos imperialistas. Nesses ca-
sos, quase sempre, o objetivo é tentar negociar em melhores
condições a sua subordinação, mediante obtenção de melhores
acordos e contrapartidas.

4.4. Países dominantes (imperialistas), países dominados e


a divisão internacional do trabalho

O imperialismo se conforma como um sistema econô-


mico mundial, contraditório e hierarquizado, no qual se desta-
cam os diferentes papéis dos países dominantes (imperialistas)
e dominados. Essa distinção entre dominantes e dominados se
origina, em primeiro lugar, da atuação dos monopólios trans-
nacionais de cada país, mas também considera a história de
cada formação econômico-social, tanto internamente quanto
na economia mundial; a existência de zonas de influência, sua
posição política e diplomática, seu poderio militar, além da
luta de classes.
Os países imperialistas são as sedes dos mais relevantes
monopólios transnacionais; expandem sua influência econô-
mica-ideológica-política-militar em sua vizinhança próxima,
em determinadas regiões ou mesmo sob todo o planeta; exer-

124
Coletivo Cem Flores

cem poder político e/ou diplomático sobre outros países; pos-


suem poderio militar de ataque e dissuasão para além de suas
fronteiras. Em resumo, são os países mais poderosos do mun-
do em termos econômicos, financeiros, políticos, militares. Ao
final das duas primeiras décadas do século 21, os principais
países imperialistas são os EUA, potência imperialista domi-
nante, porém em declínio relativo, e China, potência impe-
rialista ascendente. Bastante atrás do poderio global de EUA
e China, seguem como países imperialistas Alemanha – que
exerce o domínio econômico e financeiro na Europa conti-
nental, Japão, Inglaterra, França e Rússia. Além desses, são
imperialistas os demais países do G7 (Itália e Canadá) e alguns
outros países europeus.
Dentre os países dominados, a variedade dos graus de
desenvolvimento econômico, político e militar e do grau de
dominação imperialista a que estão submetidos, é ainda maior,
posto que sob essa designação estão reunidos centenas de pa-
íses. Em termos gerais, são países de menor poder econômico
(mas em largo espectro que vai do Nepal à Índia), subordinados
na divisão internacional do trabalho (embora podendo estar
em posições-chave, como a Arábia Saudita), especializados na
produção de matérias-primas e insumos para os países impe-
rialistas (como Brasil e México). Os países dominados também
englobam tanto ex-metrópoles quanto ex-colônias (Portugal e
Moçambique), além dos países do outrora chamado “campo
socialista” (Leste Europeu).
O sistema imperialista mundial, com sua divisão entre
capitais/países dominantes e dominados, conforma uma di-
visão internacional do trabalho entre esses mesmos capitais/
países. De maneira simplificada, divisão internacional do tra-
balho é a atribuição de um “lugar”, de um “papel” (ou mais
de um), para cada conjunto de capitais e para cada formação
econômico-social, cada um em relação aos demais, no sistema
imperialista mundial. Tão importante quanto reconhecer a

125
Documento Base

existência dessa divisão internacional do trabalho e identificar


os locais/papéis reservados a cada capital/país, é considerar que
ela é contraditória e instável, estando sob constante disputa
por sua alteração, seja para ratificar ou aprofundar a divisão
existente, seja para modificá-la – em ambos os casos sempre
enfrentando resistências. O exemplo mais recente de mudan-
ças que pressionam por alterações na divisão internacional do
trabalho é a ascensão da China enquanto potência imperialista
e seu crescente conflito interimperialista com os EUA.
Na divisão internacional do trabalho do sistema im-
perialista mundial, a definição do “lugar” de cada conjunto
de capitais e de cada país é feito a partir das possibilidades
existentes na configuração concreta do imperialismo, dos es-
paços deixados pelos principais capitais monopolistas trans-
nacionais e pelos países dominantes. No entanto, dizer que
esses lugares são possibilidades e espaços existentes ainda é
muito geral. Os determinantes da “ocupação” desses lugares
são, concretamente, as condições de produção e de luta de
classes em cada país, e incluem também a evolução históri-
ca e os aspectos geográficos, as riquezas naturais, o nível de
produtividade e o valor da força de trabalho, a estabilidade
político-institucional, etc. Por exemplo, a ascensão da China
imperialista abriu novas e diferentes possibilidades para os
capitais e para os países dominados. Esse processo reforçou
tanto as tendências a uma maior industrialização dos seus
vizinhos no Sudoeste da Ásia, quanto a uma desindustrializa-
ção e reprimarização no Brasil e em alguns países da América
Latina. É importante, portanto, compreender que a ocupação
desse “lugar” determinado no sistema imperialista mundial,
na divisão internacional do trabalho, do ponto de vista dos
capitais/países dominados é um processo ativo de disputas,
tanto interno quanto externo, por parte das classes dominan-
tes, seja contra as classes dominadas de seu próprio país, seja
contra as classes dominantes dos países “concorrentes”.

126
Coletivo Cem Flores

As massas revolucionárias em armas. Cuba (início dos anos 1960).

127
Documento Base

Outro exemplo de pressões por modificações na divisão


internacional do trabalho, a partir das contradições interim-
perialistas, pode ser visto nas cadeias globais de produção. O
acirramento dessas contradições tem levado ao reforço da im-
portância de aspectos geopolíticos e de soberania nacional, e às
consequentes ações por internalizar partes consideradas estra-
tégicas dessas cadeias (“renacionalização”), como os chips, re-
duzindo a dependência de cada país imperialista em relação à
produção global e, principalmente, entre os blocos imperialistas
adversários, especialmente a China.

4.5. Crise e dinâmica do sistema imperialista mundial e seu


atual estado depressivo

Neste começo do século 21, agravou-se a tendência a crises


do sistema imperialista mundial, com crises mais frequentes e mais
profundas. Além disso, as crises do capital não têm mais sido, em
geral, “apenas” suas tradicionais crises cíclicas, entendidas como
momentos de reposição das condições de acumulação, nas quais,
após uma ruptura temporária na atividade econômica e em função
disso, a acumulação capitalista retoma sua trajetória anterior.

As crises do mercado mundial têm de ser concebidas


como a convergência real e o ajuste à força de todas as
contradições da economia burguesa.

Marx. Teorias da Mais-Valia (1861-63).

A tendência de superacumulação de capitais e superpro-


dução de mercadorias “crônicas” ou “permanentes” a partir dos
monopólios transnacionais, a expansão exacerbada e global do
capital fictício, as ações dos estados capitalistas e dos seus apa-

128
Coletivo Cem Flores

relhos internacionais para “salvar” os capitais (minimizando a


desvalorização de capitais na crise), a base miserável da vida das
massas trabalhadoras, todos esses fatores ajudam a explicar a re-
corrência e a gravidade das crises no sistema imperialista mun-
dial contemporâneo, reforçando seu caráter mundial. Desde a
grande crise do imperialismo de 2007/08 – até hoje ainda não
integralmente superada –, cada nova crise tem reduzido a tra-
jetória de crescimento da economia mundial ou do país mais
diretamente afetado, produzindo efeitos permanentes. Essa in-
capacidade de retomar a trajetória de crescimento anterior ou
até mesmo, em muitos casos, de recuperar o nível de produção
pré-crise, é o que chamamos de estado depressivo do sistema
imperialista mundial nesses últimos quinze anos.
Cada monopólio, considerado individualmente, cons-
titui uma parcela do capital em geral e tem como objetivo
fundamental a maximização das suas taxas de lucro, incluídos
os superlucros monopolistas. O crescimento de sua escala de
produção e de acumulação, de sua produtividade (nível de
extração de mais-valia relativa da sua força de trabalho) e da
composição orgânica do seu capital; a feroz disputa entre os
monopólios; todos esses fatores contribuem para uma tendên-
cia de superprodução de mercadorias e de superacumulação
de capitais. Isso significa que os monopólios, o imperialismo,
não revogam a tendência de queda da taxa de lucro. Pelo con-
trário, toda a evidência disponível sobre as crises do final do
século passado e do começo deste século nos mostra, de forma
unânime, uma tendência bem caracterizada de queda das taxas
de lucro. As crises são antecedidas por movimentos de signi-
ficativa redução da lucratividade e as retomadas, parciais e in-
completas, em geral, não têm permitido que as taxas de lucro
se recuperem aos níveis do pré-crise. A ação dos monopólios
no sistema imperialista mundial transforma-se no oposto do
seu objetivo inicial ao agravar a tendência de queda da taxa de
lucro do conjunto dos capitais existentes.

129
Documento Base

A crise do imperialismo e sua eventual superação (que


ainda não está à vista), assim como a própria dinâmica da
economia mundial, também são reflexos da luta de clas-
ses, da contradição antagônica fundamental do capitalismo,
que opõe de forma inconciliável burguesia e proletariado.
Simplificadamente, expressando os termos atuais dessa con-
tradição, trata-se das condições para a burguesia impor sua
ofensiva de classe e das condições do proletariado e demais
classes dominadas de resistir a essa ofensiva. Ao mesmo tem-
po, o estado atual da crise do imperialismo, a partir da luta
de classes, também condiciona os próprios desenvolvimentos
futuros dessa luta. O estado depressivo do sistema imperialista
mundial, alternando recessões, estagnações e crescimento de-
clinante, leva ao aumento do desemprego, aumento da super-
população relativa, daquela parcela da massa trabalhadora que
é supérflua para a valorização do capital e jogada na miséria.
A tendência de queda das taxas de lucro leva os patrões
a acionarem o principal fator contrarrestante, a redução dos
salários e o aumento da exploração da força de trabalho de to-
das as formas e em todos os níveis. A exploração capitalista das
inovações tecnológicas também contribui para a generalização
de relações de trabalho cada vez mais “flexíveis” – eufemismo
para a eliminação de conquistas trabalhistas em prol dos lu-
cros dos patrões. As chamadas “reformas trabalhistas” ao redor
do mundo nada mais são do que a formalização na legislação
dos resultados obtidos pela burguesia em sua ofensiva: rebai-
xamento dos salários e das condições de vida, novos obstáculos
à organização e à luta das massas trabalhadoras.
No aspecto político, crise do imperialismo, agravamento
das contradições interimperialistas, queda das taxas de lucro,
ofensiva burguesa na luta de classes e maior exploração das
massas trabalhadoras passam a exigir um maior nível estrutural
de repressão às massas, que encontra sua expressão política no
renascimento do fascismo, no fortalecimento dos movimentos

130
Coletivo Cem Flores

burgueses e pequeno-burgueses de extrema-direita, gerando


uma tendência à fascistização. A burguesia e o imperialismo
nada têm a oferecer aos dominados de todos os países a não ser
a eternização dos seus grilhões.
O século 21 começou com uma recessão capitalista já
no começo de 2001. A grande crise do imperialismo, iniciada
em 2007/08 (e ainda não integralmente superada), afetou se-
veramente o conjunto do sistema imperialista mundial e cada
região e país individualmente, em uma espécie de “efeito cas-
cata”. Essa crise gerou uma perda permanente de crescimento
e um novo padrão de atuação dos estados capitalistas e seus
aparelhos internacionais para salvarem seus capitais. Além do
impacto imediato sobre EUA e China (que acionou o maior
programa de “salvamento” da época), a crise se aprofundou na
Europa a partir de 2011 e no Brasil, em 2014, por exemplo.
Sem nunca ter recuperado o ritmo de crescimento an-
terior – e em países como o Brasil sem nem sequer voltar ao
nível de atividade pré-crise – o sistema imperialista mundial
já se encaminhava para uma nova recessão quando eclodiu,
no começo de 2020, a “crise da pandemia”. Embora detona-
da pela pandemia de coronavírus, essa é mais uma crise do
capital, com novos impactos permanentes de desaceleração/
estagnação em cada país e na economia mundial. A atual guer-
ra entre Rússia e Ucrânia, e seus impactos geopolíticos, econô-
micos e financeiros, deve gerar impactos muito mais perenes
que o próprio conflito militar, sobre a estrutura e a dinâmica
imperialista mundial, agravando suas contradições. No limite,
as contradições do capitalismo levam à catástrofe, como uma
nova guerra mundial e/ou um colapso ambiental global.
As tendências econômicas atuais do imperialismo apon-
tam para um sistema mundial em estado depressivo, com
redução das trajetórias de crescimento (desaceleração ou es-
tagnação) somada a frequentes crises. Isso não significa, de
nenhuma forma, que o sistema imperialista mundial esteja em

131
Documento Base

crise terminal, nem que os/as comunistas possam adotar uma


posição passiva a esse respeito. Os impactos e as consequên-
cias das crises do imperialismo são diferentes, não apenas a
cada crise, mas também entre os capitais e os países afetados.
Há importantes diferenças entre China (maior dinamismo,
porém em desaceleração e acumulando contradições capita-
listas), EUA (crescimento muito inferior ao chinês, mas com
certo dinamismo e capacidade de inovação), Europa e Japão
(estagnação) e os países dominados (melhor desempenho na
Índia e Sudeste Asiático e pior na América Latina). Ou seja,
a desaceleração/estagnação não representa outra coisa senão
distintos países, setores, monopólios acumulando a diferentes
ritmos, sob o peso de suas contradições internas e das disputas
entre eles, além das distintas capacidades dos estados nacionais
reagirem à crise com seus “pacotes” de estímulo monetários e
fiscais (criação de capital fictício).

4.6. Fascismo como ideologia do imperialismo e tendência


a guerras imperialistas

Neste começo do século 21 – juntamente com a sequên-


cia de crises imperialistas, com o estado depressivo da econo-
mia mundial, e a tendência de queda das taxas de lucros –, a
burguesia vem reforçando sua ofensiva contra a classe operária
e as demais classes dominadas. Politicamente, essa ofensiva
burguesa toma a forma de uma ampliação das suas tendências
autoritárias e repressivas. Esse maior autoritarismo e violên-
cia da burguesia e do seu aparelho repressivo (forças armadas,
polícias, milícias, jagunços e pistoleiros, judiciário, sistema
penitenciário etc.) é necessário às classes dominantes precisa-
mente para impedir ou reprimir a justa revolta e resistência
das massas trabalhadoras. Ideologicamente, autoritarismo e re-
pressão são justificados pela burguesia com as velhas bandeiras

132
Coletivo Cem Flores

reacionárias do aanticomunismo, contra qualquer coisa que,


mesmo vagamente, lembre luta das massas; do nacionalismo
e do chauvinismo, do racismo e da xenofobia, principalmente
contra as populações negra e imigrante; do conservadorismo
religioso e de costumes, em defesa da família patriarcal e da
opressão da mulher, contra o feminismo e a população LGBT.
A radicalização dessa ofensiva burguesa tem levado, cada vez
mais explicitamente, a uma tendência fascista.

A luta contra o colonialismo e o fascismo português


não é diferente na sua essência da luta contra o
fascismo e o nazismo que teve lugar na Europa. Os
povos europeus que ofereceram milhões de mortos
em holocausto aos sonhos de dominação das raças
“Superiores”, compreendem perfeitamente a nossa luta
contra este cancro na nossa terra. [...] Este combate é
do Povo Moçambicano e de todos os Povos.
Samora Machel. A Solidariedade É uma Ajuda Mútua Entre as Forças que
Combatem pelo Mesmo Objetivo (1973).

O fascismo é uma ideologia característica da era impe-


rialista do capitalismo, do “capitalismo parasitário e em de-
composição” (Lênin). O fascismo é ferozmente anticomunis-
ta, em função do seu papel de reprimir e, se possível, destruir
a resistência de massas à ofensiva burguesa radicalizada que o
fascismo representa. Também faz parte dessa repressão/des-
truição o fascismo ir minando as liberdades conquistadas sob
a democracia burguesa. O fascismo é uma ideologia cuja base
de classe é o setor mais reacionário da pequena burguesia, mas

133
Documento Base

que em tudo serve aos interesses do grande capital monopo-


lista. O fascismo, no entanto, também tem uma base popular
entre a massa trabalhadora (além do lumpem-proletariado)
assolada pelo desemprego e pela miséria do capitalismo em
crise, sem ver alternativas revolucionárias a partir da atuação
dos/as comunistas entre ela. O verdadeiro inimigo do fascis-
mo, o único consequente até o fim, é o Comunismo e a luta
proletária e comunista.
No mundo atual, governos de extrema-direita e/ou com
tendências claramente fascistas estão (ou estiveram) no poder
em diversos países como Hungria, Polônia, Brasil, Turquia,
Filipinas, Índia, EUA e Itália; ou têm possibilidade de as-
sumir o governo, como na França e na Argentina. Diversos
outros países contam com milícias fascistas (como é o caso
da Ucrânia) ou partidos/movimentos fascistas (Alemanha,
Grécia). Por toda a Europa, o racismo e a xenofobia estão
presentes nas políticas anti-imigração. Nos EUA, a política
de discriminação racial é constitutiva do seu capitalismo, se
perpetuando através de suas mudanças de forma desde a es-
cravidão até o apartheid, primeiro legal e agora informal. O
nacionalismo e o chauvinismo, constitutivos do fascismo, que
já vinham crescendo, devem aumentar ainda mais em função
da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Nessas condições de crise do sistema imperialista
mundial e agravamento das contradições interimperialistas,
de ofensiva burguesa e tendência ao fascismo, a guerra sur-
ge como consequência inevitável das disputas das grandes
potências imperialistas por zonas de influência ao redor do
mundo – sujeitas a constante contestação e pressão por re-
divisão. Assim, as guerras do século 21, em geral, envolvem
uma potência imperialista (EUA na absoluta maioria; França
e Inglaterra, como aliadas dos EUA; Rússia) ou um firme alia-
do (Israel) contra um país dominado cuja zona de influência
ou o controle sobre sua produção de matérias-primas está em

134
Coletivo Cem Flores

disputa (Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, Ucrânia), além de


um sem número de guerras ou conflitos regionais (Palestina,
Líbano, Iêmen). O conflito principal que está se agravando,
no entanto, é entre as duas principais potências imperialistas,
EUA e China, cujos atritos tendem a crescer e, possivelmente,
passar das esferas comercial, tecnológica, financeira, político-
-diplomática e ideológica para a esfera militar – o que já pode
ser sentido na corrida armamentista que se acelera.

4.7. EUA, potência imperialista dominante, porém em


declínio relativo

No início desta terceira década do século 21, o sistema


imperialista mundial vem passando do domínio unilateral do
imperialismo dos EUA, que caracterizou o final do século 20
e o começo do 21, para, cada vez mais, um conflito entre as
duas principais potências imperialistas, EUA e China. Nossa
tese de que os EUA são uma potência imperialista declinan-
te, em termos relativos, significa, fundamentalmente, que sua
hegemonia imperialista está sendo crescentemente contestada
pela ascensão do imperialismo chinês. Esse período, portanto,
caracteriza-se por contradições interimperialistas crescentes
e que devem agravar-se ainda mais. Ou seja, a perspectiva é
de acirramento de conflitos e disputas, sanções e retaliações,
e guerras – nada mais distante que o róseo cenário de “multi-
lateralismo” desenhado pelo reformismo e pelo oportunismo.
Atualmente, os EUA permanecem como a principal po-
tência imperialista em todos os aspectos: econômico, financei-
ro, ideológico, tecnológico, militar. No entanto, a China se
fortalece crescentemente para competir em todos e cada um
desses campos. No terreno econômico, a condição dos EUA
como maior economia do mundo está prestes (possivelmen-
te ainda nesta década) a ser desbancada pelos capitais chine-
ses, cuja acumulação é várias vezes superior à dos EUA. Nos

135
Documento Base

campos financeiro, especulativo e fictício, a supremacia dos


monopólios dos EUA ainda permanece bastante mais sólida,
até mesmo para servir como o epicentro da última grande crise
financeira mundial. O dólar segue desempenhando a função de
dinheiro mundial sem concorrentes à vista, com o euro em dis-
tante segundo lugar e o crescimento do renminbi chinês ainda
em estágio muito inicial.. Os “mercados financeiros” dos EUA
permanecem de longe os dominantes do sistema imperialista
mundial, seja considerando a “capitalização” de suas bolsas de
valores, o papel de sua dívida pública, a condição de seu banco
central influenciar decisivamente as taxas de juros e a liquidez
mundial, seja na criação de capital fictício na especulação finan-
ceira. Mesmo assim, também nesse aspecto se observam notáveis
crescimento chineses, ainda que a China continue representan-
do apenas uma fração do poder dos EUA nesses mercados.
Também em termos tecnológicos pode-se dizer que os
EUA, em geral, permanecem definindo as fronteiras mundiais
por meio dos seus monopólios transnacionais de tecnologia,
seus centros de pesquisa (empresariais/acadêmicos), ou nos
gastos em pesquisa e desenvolvimento. Só que nesse caso, a
contestação é não apenas crescente como os EUA já foram
superados em diversas áreas. Por exemplo, a manufatura de
ponta alemã, a tecnologia espacial europeia e chinesa, os mís-
seis hipersônicos russos e chineses e a tecnologia 5G chinesa.
Os gastos com pesquisa e desenvolvimento na China perma-
necem abaixo dos EUA, porém crescem ao dobro do ritmo do
PIB chinês. A disputa tecnológica crescentemente transforma-
-se em conflitos políticos e diplomáticos, incluindo a atuação
dos organismos internacionais, sob forte hegemonia dos EUA.
Também nesse aspecto há disputa crescente, inclusive com a
China criando seus próprios aparelhos internacionais de atua-
ção sob países dominados em sua crescente área de influência.
O predomínio dos EUA também se dá na difusão ideológica,
pela sua máquina de propaganda, o chamado soft power.

136
Coletivo Cem Flores

Guerrilheiros em luta contra o imperialismo norte-americano. Vietnã (anos 1960).

Destacamento Feminino da Frente de Libertação de Moçambique (anos 1960).

137
Documento Base

Por fim, e fundamental para a manutenção do seu caráter


de potência imperialista dominante, está sua primazia em termos
militares e sua capacidade de atuação e dissuasão global a partir
da presença militar ao redor do planeta. O orçamento militar dos
EUA não apenas é o maior do mundo como é o triplo do chinês.
E, ainda assim, os EUA têm sua supremacia militar contestada,
não apenas pela China, mas também pela Rússia, herdeira do
arsenal atômico da União Soviética. Tecnologicamente, esses
países são capazes de destruir satélites em órbita, dispõem de
mísseis hipersônicos, aumentam seu orçamento militar e sua ca-
pacidade nuclear (China). Os EUA já reconhecem formalmen-
te, em sua estratégia de segurança nacional, a China (e a Rússia)
como desafiantes ao poder, influência e interesses dos EUA no
mundo, contra os quais os EUA devem articular estratégia de
contenção. Nos conflitos militares recentes, os EUA recuaram
no Afeganistão, não foram capazes de dissuadir a intervenção
russa na Síria ou derrubar o governo do país, nem de garantir
seus interesses na guerra da Ucrânia. Essa guerra, atualmente
em curso, deve gerar nova corrida armamentista, o que também
deve acentuar as contradições interimperialistas.
O caráter dos EUA enquanto potência imperialista domi-
nante, porém em declínio relativo, no entanto, não indica previsão
de transição de supremacia imperialista, muito menos “pacífica”.
Pelo contrário, a tendência principal é de agravamento das contra-
dições interimperialistas em função dessa contestação crescente.
Papel importante na situação dos EUA podem desempenhar as
lutas de classes naquele país, devido ao aumento da desigualdade e
da pobreza, além dos conflitos raciais, que podem levar as massas
trabalhadoras a crescentemente ligarem sua exploração e opressão
não a “falhas” do sistema nos EUA, mas ao próprio capitalismo.

4.8. China, potência imperialista ascendente


Nas duas primeiras décadas do século 2021, usando como
marco o ingresso do país na Organização Mundial do Comércio

138
Coletivo Cem Flores

(OMC), a China acelerou fortemente seu desenvolvimento ca-


pitalista, que vem da derrota da experiência de construção so-
cialista e das “reformas” capitalistas desde o final dos anos 1970.
Tornando-se a segunda maior economia do planeta (em breve,
possivelmente, a primeira); com seus monopólios, vários deles
com atuação transnacional, dominando a atividade econômica
e atuando igualmente nos setores produtivo e bancário; com
maciços investimentos diretos no exterior e desembolsos de em-
préstimos externos (exportação de capitais); e tendo reorgani-
zado a economia dos países vizinhos do sudeste asiático como
sua própria zona de produção transnacional e expandindo sua
esfera de influência a todo o planeta; a China é hoje uma potên-
cia imperialista ascendente, a segunda maior do planeta, apenas
após os EUA – a quem desafia crescentemente pela supremacia
no sistema imperialista mundial. Como todo crescimento ca-
pitalista, agravam-se na China uma série de contradições que
já causam desaceleração no seu ritmo de crescimento e devem
levar a crescentes crises do capital em futuro não muito distante.
O desenvolvimento capitalista na China foi capaz de atingir
uma taxa de crescimento anual de por volta de 10% por mais de
três décadas, tomando como base a propriedade privada no cam-
po (na prática), a migração campo-cidade, as brutais condições
de exploração desse novo proletariado industrial (baixos salários,
longas e intensas jornadas, disciplina fabril-militar), os ingressos
de capitais dos monopólios transnacionais, principalmente dos
EUA. Desde os anos 1980 e até hoje, mesmo em desaceleração, a
China é uma das economias capitalistas mais dinâmicas do mun-
do (senão a mais) e com uma das maiores taxas de lucro.
Como resultado, a China é hoje o maior polo manufaturei-
ro mundial, com sua produção industrial sendo quase o dobro da
dos EUA. O país é também o maior produtor de automóveis do
mundo, sendo que a produção chinesa é maior que a dos EUA,
Japão e Alemanha somados. A China é, igualmente, o maior ex-
portador mundial, quase 50% acima do segundo colocado, os

139
Documento Base

EUA. O enorme superávit comercial da China com os EUA é


evidência adicional da competitividade das mercadorias chine-
sas nos próprios EUA. Até mesmo em número de monopólios
transnacionais dentre os maiores do mundo, a quantidade chinesa
passou a superar a dos EUA.
A China também detém as maiores reservas internacio-
nais do mundo, acima de US$ 3 trilhões, valor que corresponde
a dois terços dos seus mais de US$ 5 trilhões de exportações de
capital. Essa exportação de capitais pavimenta a ampliação da
esfera de influência do imperialismo chinês ao redor do mundo
– com destaque para a chamada “nova rota da seda” (mais de
200 acordos com mais de 170 países) –, especialmente Ásia e
África, mas também chegando à América Latina – mais uma
fonte de contradições interimperialistas com os EUA e as de-
mais potências imperialistas.
O maior dinamismo do imperialismo chinês e de seus mo-
nopólios em relação aos EUA (e demais potências imperialistas) é
fator de crescente antagonismo e conflito aberto nas relações eco-
nômicas entre essas duas potências imperialistas. Por outro lado,
há importantes complementariedades e interpenetrações entre os
capitais de EUA e China. Parte da chamada “desindustrialização”
dos EUA é devida a migração de fábricas dos monopólios trans-
nacionais daquele país para a China, aproveitando melhores con-
dições de produção e de lucros. Essa mesma produção dos EUA
na China resulta, em parte, em exportações de mercadorias mais
baratas para os próprios EUA. Eis um importante limite para a
“guerra comercial” contra a China: não prejudicar a própria atua-
ção transnacional dos monopólios dos EUA.
As próprias reservas internacionais chinesas são, em boa
parte, compostas de dólares obtidos a partir dos superávits co-
merciais com os EUA e de fluxos de capitais dos monopólios
daquele país, que resultam em mais de US$ 1 trilhão aplicados
em títulos da dívida pública do governo dos EUA – vinculando
parcela considerável da “riqueza financeira” chinesa ao mercado

140
Coletivo Cem Flores

financeiro dos EUA. Ao mesmo tempo em que fortalecem a


posição financeira internacional do estado chinês, essas reservas
também reforçam o papel de dinheiro mundial do dólar e fun-
cionam como mecanismos de estabilização do sistema financei-
ro mundial imperialista.
O discurso ideológico do imperialismo chinês é bastante
diferente do belicoso discurso dos EUA e prega, na aparência,
harmonia e cooperação entre países em um sistema mundial or-
ganizado de acordo com as regras da globalização definidas pelos
organismos internacionais imperialistas (ONU, OMC). Por trás
disso, o discurso ideológico do imperialismo chinês combina
nacionalismo crescente com defesa da necessidade de um maior
papel da China no mundo. Esse discurso ideológico visa, por-
tanto, reforçar o poder do imperialismo chinês e sua importân-
cia mundial. Ele tem por base material o enorme crescimento
capitalista chinês e a importância atual da China no sistema im-
perialista mundial, sendo do seu interesse reforçar o “livre mer-
cado” e a abertura econômica global (a globalização capitalista)
que lhe abre os mercados do mundo inteiro (tal como foram, a
cada época, o discurso do capital inglês e estadunidense).
Em termos políticos e diplomáticos, o discurso ideológi-
co do imperialismo chinês critica o “unilateralismo” e a “hege-
monia” (dos EUA), como forma de defender a necessidade de
maior poder à China no cenário internacional. Militarmente, a
alegação de que a China não busca uma corrida armamentista
é não só inteiramente desmentida pelos fatos como imprescin-
dível para seus interesses estratégicos e ampliação de sua ação
global. Na realidade concreta, esse discurso ideológico justifica
a potência imperialista ascendente acirrar as contradições inte-
rimperialistas com seus adversários imperialistas, em especial
os EUA. Não se pode descartar, ainda mais após a guerra entre
Rússia e Ucrânia, que o aspecto militar passe a ter importância
crescente nas contradições interimperialistas que opõem EUA
e China e seus respectivos aliados.

141
Documento Base

O crescimento capitalista da China não ocorreu sem o


agravamento das contradições internas do país, sendo a prin-
cipal delas a contradição antagônica de qualquer capitalismo,
entre burguesia e proletariado. Toda a política seguida nos úl-
timos mais de 40 anos buscou fortalecer a burguesia – gerando
uma enorme quantidade de monopólios e de bilionários – e,
consequentemente, tornar cada vez mais explorados o prole-
tariado e as demais classes dominadas chinesas. Mesmo a for-
te repressão estatal não foi capaz de impedir um importante
ciclo de greves e manifestações operárias na década passada,
que aparentemente refluiu. Somam-se a essas contradições o
sobreinvestimento, que afeta negativamente a lucratividade do
capital, o problema fiscal das províncias, o elevado endivida-
mento das empresas, e as dramáticas questões ambientais. As
contradições do capitalismo chinês aproximam a chegada de
uma inevitável crise do capital.

4.9. Europa, velho imperialismo estagnado e decadente

A Europa apresenta desempenho econômico significa-


tivamente inferior ao dos EUA e da China e, com isso, re-
dução de sua participação no sistema imperialista mundial.
No começo deste século, a criação de uma moeda única (ex-
cluindo principalmente Inglaterra e Suíça) teve o objetivo de
fortalecer a região nas disputas imperialistas e, objetivamente,
reforçou o papel econômico, financeiro, político e ideológico
da Alemanha como principal potência imperialista europeia.
Essa liderança alemã não conseguiu impedir uma longa estag-
nação europeia a partir dos impactos da crise do imperialismo,
iniciada em 2007/08, que terminou por reforçar a domina-
ção alemã, especialmente sobre os países dominados euro-
peus mais fortemente atingidos (Grécia, Portugal, Espanha).
Embora fundamentalmente aliada aos EUA, a expansão dos
monopólios europeus sobre os países do leste europeu e as re-

142
Coletivo Cem Flores

lações comerciais e financeiras com a Rússia, geram um nível


de contradição/ concorrência entre os interesses imperialistas
dos EUA e os das principais potências imperialistas europeias.
A guerra Rússia-Ucrânia comprovou que o polo principal da
relação entre os capitais dos EUA e europeus era a aliança,
com os EUA ocupando o papel principal.
Na condição de potências imperialistas em declínio,
Alemanha, França, Inglaterra e Itália se defrontam, além das
crises econômicas e da tendência à estagnação, com disputas
regionais, como foi o caso da saída da Inglaterra da União
Europeia. Além disso, conflitos em torno da migração de paí-
ses africanos (principalmente ex-colônias), do Oriente Médio
e da Turquia – que, ao mesmo tempo, expõem o racismo e a
xenofobia desses países imperialistas e as necessidades de seus
capitais por mão de obra farta e barata. Também se aprofun-
dam as desigualdades e a exclusão de contingente crescente
das massas proletarizadas, sem documentos e sem “direitos”,
cada vez mais deslocadas para as periferias das grandes cida-
des. Com isso, aparecem tanto manifestações de extrema-
-direita, como na Alemanha, como protestos e explosões de
massa, como os coletes amarelos e negros e manifestações nas
periferias na França.
A guerra entre Rússia e Ucrânia está tendo impactos
econômicos (comerciais e financeiros), políticos e militares
muito significativos na Europa – os maiores fora dos países
diretamente envolvidos. O alinhamento quase integral com
as posições dos EUA, especialmente via OTAN, parece indi-
car que continuarão como potências imperialistas de segundo
escalão e forças auxiliares dos EUA.

4.10. Demais países imperialistas: Japão e Rússia

De maneira algo similar com as potências imperialistas


europeias, o Japão – potência industrial, exportadora e finan-

143
Documento Base

ceira, tal qual a Alemanha – constitui outro país imperialista


estagnado e em declínio. No caso japonês, a explosão das suas
contradições capitalistas, no começo dos anos 1990, interrom-
peu décadas de acelerado crescimento econômico (partindo da
destruição na 2ª Guerra Mundial) e gerou uma longa estagnação
desde então, agravada pela questão demográfica. O enorme cres-
cimento chinês, sua condição de segunda economia do mundo e
de principal potência comercial (exportação e importação), gera
uma gradual absorção das relações comerciais japonesas à esfera
de influência econômica chinesa.
A Rússia é um caso atípico de potência imperialista, devido
à relativamente pequena base econômica do país e sua signifi-
cativa dependência da produção e exportação de commodities
energéticas e agrícolas. No entanto, os monopólios e o estado
russos possuem zonas de influência (parte das ex-repúblicas so-
viéticas) que buscam manter e, preferencialmente, reforçar sua
dominação. A partir de sua condição de potência militar e nu-
clear, também tem expandido sua atuação bélica nos últimos 15
anos, seja na guerra civil na Síria, seja em relação à Geórgia e à
Ucrânia, tanto na anexação da Criméia, quanto na atual guerra.
Os/as comunistas desempenham papel pouco relevante nas lutas
de massas no país que, de resto, enfrentam forte repressão. A me-
mória das conquistas de qualidade de vida das massas no período
soviético ainda se faz presente, porém o governo tenta atribuir-lhe
o caráter nacional e chauvinista, grão-russo, como predominante.

4.11. Países dominados: América Latina, Ásia e África

A absoluta maioria dos povos (proletariado, campesinato e


demais classes dominadas) do mundo está nos países dominados
no sistema imperialista mundial. Para esses povos, isso representa
sofrer uma dupla exploração: primeiro a capitalista, da burguesia e
das demais classes dominantes dos seus próprios países, e segundo,
a exploração imperialista. Isso significa que a burguesia dos países

144
Coletivo Cem Flores

dominados, assim como a parte superior das camadas médias, não


é explorada pelo imperialismo. Isso também significa, é óbvio,
que essas classes não são aliadas de classe do proletariado e das
massas trabalhadoras – como uma visão reformista, nacionalista,
quer fazer crer em sua tentativa de subordinar a classe operária à
burguesia. Ou seja, a classe operária e as demais classes exploradas
nos países dominados têm como seus inimigos de classe, em con-
tradição antagônica e inconciliável, tanto as suas próprias classes
dominantes, quanto o imperialismo.
Atualmente, a maior parte dos países dominados também
compartilha, em diversos níveis, o estado depressivo que carac-
teriza a economia mundial, com grandes e frequentes reces-
sões seguidas de “recuperações” incompletas ou estagnações. A
Índia parece ser a principal exceção a esse cenário. Os ciclos de
expansão e crise tendem a ser mais extremos nos países domi-
nados, principalmente a magnitude das recessões, dado o peso
da produção de matérias-primas e insumos para exportação
nas suas estruturas econômicas. Assim, o efeito-China puxou
o crescimento de boa parte dos países dominados na primeira
década do século 21, tanto pelo aumento das quantidades de
commodities exportadas, função da demanda chinesa, quan-
to pelo impacto dessa demanda nos preços internacionais,
que atingiram recordes históricos. A crise do imperialismo
de 2007/08 derrubou em mais da metade esses preços, que
tiveram recuperação até meados de 2011, apenas para apre-
sentar tendência de queda até o início da crise da pandemia.
O outro lado do efeito-China é uma maior especialização das
economias dos países dominados, seja a complementariedade
na produção industrial pelos seus vizinhos do sudeste asiático,
com crescimento da proletarização da população, seja a espe-
cialização na produção de commodities agrícolas, minerais e
energéticas nos países da África e da América Latina.
Os países dominados – principalmente após a crise do
imperialismo de 2007/08 e a estagnação que se seguiu, agra-

145
Documento Base

vada pelos efeitos permanentes da crise da pandemia – têm


apresentado, em geral, acirramento de suas contradições capi-
talistas, decorrentes do aumento da exploração das massas tra-
balhadoras. O aumento da desigualdade, do desemprego, da
pobreza, da miséria e da fome têm caracterizado a maior parte
desses países ao redor do mundo. Em não poucos casos, essa
deterioração da condição de vida das massas é acompanhada
de repressão crescente e golpes de estado. Por outro lado, essas
mesmas massas têm sido capazes de algum nível de resistência,
ainda que pontual, em manifestações significativas no Chile,
na Argentina, na Bolívia e em outros países da América Latina;
bem como na greve geral na Índia, que conta com alguma
presença comunista entre as massas.

4.12. Nossas tarefas

Diante da crise do imperialismo, da ofensiva burguesa


contra as massas trabalhadoras em todo o mundo e da dete-
rioração crescente das suas condições de vida, o proletariado
e as massas exploradas ao redor do planeta tentam resistir co-
letivamente como podem para sobreviver e manter minima-
mente suas condições de vida. Mas suas lutas, manifestações,
protestos e greves se encontram fragilizadas diante de seu baixo
nível organizacional e político e do predomínio das correntes
reformistas e oportunistas no movimento operário e de massas
na maioria dos países. Isso impõe aos/às comunistas a retoma-
da do duro e cotidiano trabalho junto às massas, comparti-
lhando suas dificuldades, nutrindo suas esperanças e ganhando
sua confiança. Quanto mais difícil a conjuntura de trabalho e
de vida para as massas, mais imprescindível é sua resistência,
sua organização e sua luta. Quanto mais opressor o sistema
capitalista, mais deve ficar claro que as massas só podem contar
consigo mesmas, com sua solidariedade e sua ação coletiva –
nada podem esperar dos pelegos, dos patrões e do seu estado.

146
Coletivo Cem Flores

Guardas Vermelhos na Revolução Cultural, China (1966).

Na atual ofensiva burguesa, é cada vez mais necessária


a reação proletária e comunista. Deve ficar cada vez mais cla-
ro para a classe operária e para as demais classes dominadas
que não há solução para elas no capitalismo – e é papel dos/
as comunistas contribuir para levar as massas à essa conclusão,
a partir da nossa participação efetiva nas suas lutas cotidianas.
O único caminho possível diante da barbárie capitalista é o
da unidade da classe operária e de todas as massas dominadas,
agindo de forma independente, com os objetivos de defender
suas condições de vida e de trabalho, resistir e barrar a ofensiva
da burguesia. Nessa luta sem tréguas nem quarteis pelas suas
demandas concretas, pelas suas necessidades objetivas, confiar
cada vez mais nos seus próprios esforços e na solidariedade de
classe, para construir na luta a consciência da sua união e da sua
classe. Essa ação unitária, massiva e consciente do proletariado
e das massas é nossa mais potente arma contra a burguesia.
Cabe aos/às comunistas dedicar todos os seus esforços, incansa-
velmente, para concretizar esse objetivo.

147
Documento Base

Além disso, somente a partir das contradições reais, das


condições concretas de vida e das lutas realmente existentes das
massas, e da participação comunista nesse dia a dia, é que será
possível construir os órgãos próprios das massas para elevar as
suas lutas e, também, reconstruir o instrumento mais avança-
do do proletariado em sua luta de classes contra a burguesia: o
Partido Comunista.

Lutar toda a vida pelo Partido e pela Revolução.


Esse é o ponto fundamental.

Ho Chi Minh. Da Moralidade Revolucionária (1958).

Em resumo, em relação ao sistema imperialista mundial e


à conjuntura internacional da luta de classes, nossas tarefas são:
• Estudar e buscar aprofundar o conceito marxista-leninista
de imperialismo e a análise da conjuntura das contradições
imperialistas, especialmente a que opõe EUA e China, e
da crise do imperialismo – aspecto primordial para uma
correta análise da formação econômico-social brasileira e de
seu “lugar” na divisão internacional do trabalho do sistema
imperialista mundial.
• Denunciar implacavelmente o imperialismo, expondo
seu sistema de exploração e mostrando como suas contra-
dições aumentam a exploração e pioram a vida das massas.
• Denunciar as guerras imperialistas como o sacrifício de
vidas proletárias em benefício das diferentes burguesias
em disputa.
• Denunciar concretamente a atuação do reformismo e do
oportunismo como aliados dos imperialistas e da burguesia
de cada país na subordinação das massas trabalhadoras.

148
Coletivo Cem Flores

• Analisar, estudar e combater o crescimento da extrema-


-direita e do fascismo como expressões do imperialismo em
crise, buscando identificar as características específicas com
que se apresenta na conjuntura atual.
• Debater e divulgar as lutas da classe operária, das massas
trabalhadoras e dos/as comunistas ao redor do mundo, na
resistência contra a exploração do capital e a ofensiva bur-
guesa, e as novas formas que as massas vão criando nessas
lutas – estimulando o internacionalismo proletário e a de-
fesa das lutas dos nossos irmãos e das nossas irmãs de classe
em todos os países, não importando a cor de sua pele, a
língua que falem, a religião que professem.
• Prestar, no limite das nossas condições e possibilidades, a
necessária solidariedade internacionalista proletária.

149
Documento Base

150
Coletivo Cem Flores

5. O Capitalismo Brasileiro Hoje


O Brasil é um país dominado na divisão internacional
do trabalho do sistema imperialista mundial. Mesmo com to-
das as suas transformações dos últimos mais de 500 anos, o
país nunca abandonou essa posição subordinada. Neste come-
ço do século 21, o Brasil é um país completamente capitalista
e a superação dessa dominação só é possível com a superação
do próprio capitalismo, com a Revolução proletária.
Como país capitalista, a contradição de classes funda-
mental no Brasil é a que opõe burguesia e proletariado em
campos absolutamente antagônicos e inconciliáveis. Mesmo
como país plenamente capitalista, nossa herança colonial e
escravista ainda hoje influencia a brutal dominação burguesa
e de seu estado, expressando as violentas condições de explora-
ção, dominação e repressão a que as massas trabalhadoras são
submetidas no Brasil. Dessa maneira, o racismo é parte consti-
tutiva, essencial e indissociável da luta de classes da burguesia
contra as classes dominadas no país.
Inserido no fogo dessa intensa, constante e violenta
luta de classes, a difícil e principal tarefa dos/as comunistas
no Brasil atual é a de reconstruir o Partido Comunista, ins-
trumento de luta da classe operária e das classes exploradas,
tendo como inimigos de classe tanto a burguesia brasileira e
seus aliados, quanto o capital estrangeiro e o imperialismo.
A compreensão dessa tarefa central nos permite assumir
uma posição de classe que não se confunde com a dos refor-
mistas, oportunistas e pelegos que defendem a posição dos
patrões. Para essa tarefa é que devemos orientar nossa atuação
e construção, principalmente na classe operária e nas amplas
massas trabalhadoras.

151
Documento Base

5.1. Nossa herança histórica: colonização, escravidão e


latifúndio

A colonização da América Portuguesa começou como


uma feitoria, com a instalação de meros entrepostos comer-
ciais para o saque das riquezas naturais dos novos territórios
em benefício das classes dominantes da metrópole. O coloni-
zador, as classes dominantes que exploram a colônia, não tem
com ela nenhuma relação, vivem na metrópole, de costas para
sua fonte de riquezas. Posteriormente, as classes dominantes
locais sempre tenderam a compartilhar essa visão de coloni-
zador e buscar praticar a mais absoluta exploração sobre as
classes dominadas. O saque como forma de exploração das
riquezas existentes permanecerá uma característica central da
burguesia no Brasil.
Além da colonização, essa característica também é dada
pela nossa herança histórica e formação escravocrata. Por um
lado, o genocídio inaugural de milhões com o extermínio de
nações indígenas inteiras, para a conquista do território e a
escravização da população originária. Por outro, o negócio
do comércio atlântico de africanos/as escravizados/as (mais
de 4 milhões de sequestrados/as), que foi o verdadeiro ciclo
econômico durante mais de três séculos, sustentando a cana
de açúcar, o ouro e o café. A ideologia da escravidão, da su-
bordinação absoluta das classes dominadas, do racismo como
“justificativa” para a dominação de classes, sobrevive de diver-
sas formas, das mais brutais (assassinatos, torturas policiais,
violência) às mais “cotidianas” (discriminação, exclusão) no
Brasil atual.
O latifúndio também permanece como a estrutura
fundiária secular, intocável, no campo brasileiro. Das capi-
tanias hereditárias ao “moderno” agronegócio de exportação,
passando pelos grandes engenhos de cana de açúcar e pelas
grandes fazendas de café, a produção extensiva, praticamente

152
Coletivo Cem Flores

monocultora, para exportação, sempre caracterizou o campo


no país. Ao lado da enorme exploração da força de trabalho
rural, escravizada ou “livre”, e do total abandono à miséria
e à fome do pequeno produtor, do camponês, muitas vezes
relegados às condições de mínima subsistência.
A permanência do latifúndio foi capaz de se articular
com mudanças fundamentais nas relações de produção (da
escravatura ao capitalismo), nas classes proprietárias (dos se-
nhores de engenho para a burguesia do agronegócio, brasileira
e estrangeira), nas mercadorias produzidas (do açúcar e do
café à soja) e na tecnologia aplicada. O latifúndio permaneceu
predominante na expansão do agronegócio no Centro-Oeste
e na Amazônia. A burguesia do agronegócio constitui parcela
importante das frações dominantes do capital no país.
Na condição de colônia e, depois, de país dominado,
o capital estrangeiro também exerceu dominação permanen-
te sobre o Brasil. Primeiramente pela metrópole portuguesa,
posteriormente pelo capital inglês no século 19 e, a partir do
século 20, pelo imperialismo dos EUA – que atualmente tem
sua posição no país desafiada pelo imperialismo chinês. Pelo
menos desde a independência, o capital externo sempre esteve
solidamente aliado às classes dominantes locais, que também
sempre aceitaram sua posição de sócio menor. Assim, cons-
titui uma ilusão reformista e oportunista ver qualquer papel
“anti-imperialista” na burguesia brasileira e tratá-la como alia-
da do proletariado e das massas trabalhadoras. Isso não passa
de uma ideologia burguesa para defender a subordinação da
classe operária e manter a escravidão capitalista.

5.2. O caráter dominado do Brasil na economia mundial

Na divisão internacional do trabalho do sistema im-


perialista mundial, os países dominados contribuem para a
reprodução ampliada do capital nos dominantes (imperialis-

153
Documento Base

tas), além de realizarem sua própria acumulação – nos dois


casos mediante a exploração de suas classes dominadas. Em
geral, os dominados produzem as matérias-primas e os in-
sumos necessários aos monopólios dos países dominantes e,
mais recentemente, integram-se de forma subordinada às ca-
deias globais de produção estruturadas por esses monopólios
transnacionais. Além disso, são locais de realização dos lucros
dos capitais imperialistas, tanto mediante suas exportações de
mercadorias e de capitais, quanto pela instalação de subsidiá-
rias desses monopólios nos países dominados.
Dessa forma, o desenvolvimento do capitalismo nos pa-
íses dominados não reproduz de forma “atrasada” aquele dos
países imperialistas. Pelo contrário, nos países dominados se
conforma uma estrutura econômica a partir de “ajustes” (sem-
pre ativos) aos espaços definidos pela evolução da economia
mundial, determinada pelos países dominantes.
A posição de país dominado – seja como colônia du-
rante a expansão do capital mercantil e a conformação do
capitalismo, seja como país independente na constituição
do sistema imperialista mundial – é a constante de toda a
história da América Portuguesa e da formação econômico-
-social brasileira. O caráter dominado mantém-se não obs-
tante a mudança dos “ciclos econômicos” (açúcar, ouro, café,
industrialização, regressão), das relações sociais de produção
(escravidão, trabalho assalariado) e das estruturas econômicas
(rural x urbanização, industrialização x desindustrialização,
expansão do agronegócio).
A razão da permanência histórica desse caráter dominado
secular do Brasil em relação à economia mundial, ao sistema im-
perialista, está em que todas essas transformações nas relações de
produção, nas forças produtivas, na estrutura econômica, sem-
pre se deram de acordo e nos marcos dos espaços estabelecidos
para os países dominados na divisão internacional do trabalho
como, de resto, é o caso comum de toda a América Latina.

154
Coletivo Cem Flores

No entanto, não obstante essa permanente associação


e os acordos e compromissos entre a burguesia imperialista e
brasileira, nossa história é pródiga em exemplos de ideologias
burguesas penetrando nos partidos e nas organizações comu-
nistas para justificar ideologicamente políticas de aliança/su-
bordinação da classe operária e demais classes dominadas a
uma suposta burguesia “nacional” de tendências anti-imperia-
listas. Inevitavelmente, tais políticas terminaram em comple-
tos fracassos, desarmando a classe operária em termos políti-
cos, ideológicos e organizativos, reduzindo sua capacidade de
resistência e abrindo espaço para a ampliação da exploração
e da dominação burguesas no país a partir de diversas formas
de alianças entre a burguesia brasileira e o capital estrangeiro.
A única possibilidade de romper com o caráter domi-
nado da posição do país na economia mundial é derrubar o
capitalismo e construir o Socialismo no Brasil.

5.3. Dinamismo interno de uma formação econômico-


social dominada nos ajustes à economia mundial

O caráter concreto da dominação e a estrutura concre-


ta de uma formação econômico-social dominada, em termos
gerais, são dados por três conjuntos de fatores. O primeiro é
constituído pelos fatores naturais pré-existentes (localização
geográfica, clima, riquezas naturais etc.) e posteriormente de-
senvolvidos. O segundo é dado pela divisão internacional do
trabalho do sistema imperialista mundial e os espaços que ela
abre aos países dominados. O terceiro é definido pelas con-
tradições internas dessa formação e sua luta de classes. Esse
terceiro fator é o determinante principal.

155
Documento Base

Manuel Vítor. A Guerra dos Palmares (1955).

Tarsila do Amaral. Operários (1933).

156
Coletivo Cem Flores

A sucessão de ciclos econômicos e as mudanças na es-


trutura produtiva do Brasil foram estimuladas pelas condi-
ções, pelas possibilidades e pelos espaços concretos abertos
pela economia mundial a cada conjuntura histórica. A eco-
nomia mundial, o sistema imperialista, configura uma divisão
internacional do trabalho, como que definindo os locais pos-
síveis para cada formação econômico-social dominada. Esses
locais estão em constante transformação, posto que a divisão
internacional do trabalho é uma expressão da luta de classes e
das múltiplas contradições existentes no sistema imperialista
(classes dominantes e dominadas em cada país, entre as classes
dominantes dos países imperialistas, entre essas e as classes
dominantes dos países dominados).
Isso significa que o Brasil, inserido de forma dominada
nesse sistema, nunca teve ciclos econômicos fundamental-
mente autônomos. Portanto, o reformismo das posições “de-
senvolvimentistas”, da defesa da “soberania” de um capitalis-
mo nacional “autônomo”, nos seus diversos matizes, constitui
o que chamamos de “capitalismo utópico”, ideologias burgue-
sas que buscam apoiar ora uma, ora outra fração do capital.
Igualmente, as mencionadas mudanças no sistema imperialis-
ta mundial não permitem a um país dominado tornar-se do-
minante, como igualmente defende certa “esquerda” burgue-
sa, “nacional-desenvolvimentista”. De resto, mesmo que essa
ilusão fosse possível, em nada interessaria à classe operária e às
demais classes dominadas no Brasil. Essas mudanças possibi-
litam apenas redefinir sua posição como dominado, estabele-
cendo os marcos de uma regressão, manutenção ou aceleração
de seu dinamismo econômico interno, se necessário mediante
a modificação de sua estrutura econômica.
Apesar desse estímulo externo às formas concretas de in-
serção dominada no sistema imperialista mundial, os determi-
nantes desse processo são os condicionantes, as contradições e as
possibilidades internas da formação econômico-social brasileira.

157
Documento Base

As formas com que, nos limites dessas determinações internas, a


economia brasileira se articula às possibilidades que surgem na
economia mundial vai definindo a maneira concreta com que se
dá essa integração subordinada. É como se a economia interna-
cional abrisse ou fechasse espaços ou possibilidades à acumula-
ção de capital no Brasil que podem (ou não) ser aproveitados a
partir das condições e contradições internas.
Do ponto de vista de cada país dominado, e especificamen-
te da formação econômico-social brasileira, o processo de “ajuste”
às novas condições da economia mundial é um processo dinâmi-
co, ativo (e não passivo), no qual os espaços da economia mundial
permanecem como potencialidades até serem (ou não) efetiva-
mente ocupados. As transformações da estrutura econômica in-
terna, necessárias para inserir-se nos espaços abertos na economia
mundial, são determinadas fundamentalmente pelas condições
econômicas e sociais internas de cada país, por sua luta de classes.
Em outras palavras, contradições próprias de cada formação, na
situação concreta de uma dada divisão internacional do trabalho.
Não há determinismo nesse processo, nem direção ou sentido ne-
cessário, nem trajetória linear ascendente ou descendente.
O principal condicionante interno no Brasil é a contradi-
ção entre as classes dominantes (exploradoras) e as classes domi-
nadas (exploradas), atualmente a contradição entre a burguesia
e o proletariado. Essa contradição principal constitui o condi-
cionante interno central ao desenvolvimento do capitalismo no
país, o que pode ser visto na busca por lucro crescente, na neces-
sidade burguesa de ampliação da exploração capitalista, na ob-
jetiva e sempre presente resistência proletária, na concorrência
entre capitais, etc. Outros condicionantes internos importantes
são o nível de desenvolvimento das forças produtivas, a dimen-
são da população do país (principalmente da força de trabalho),
os aspectos culturais e ideológicos, os níveis de investimentos,
produtividade, inovação, etc. Todos esses também resultantes e
condicionados pela luta de classes.

158
Coletivo Cem Flores

5.4. Brasil: país dominado no começo do século 21

Na economia brasileira, o século 21 foi inaugurado com


recessão (2001 e 2003), a que se seguiu um miniciclo de ex-
pansão (2005-10), a histórica crise de 2014-16, a posterior
estagnação (2017-19), a crise da pandemia (2020) e sua re-
cuperação (2021-23), que não fez senão retomar à tendência
de estagnação. Esse longo período depressivo parece longe de
terminar. Essa tem sido a característica brasileira nos últimos
mais de 40 anos, desde a crise dos anos 1980, em consonância
com a longa crise mundial do imperialismo. A crise da déca-
da de 1980 e as transformações na divisão internacional do
trabalho levaram a um “ajustamento” da economia brasileira.
Por coincidência histórica, esse período dos últimos 40
anos também é o mesmo no qual se desfizeram as últimas
tentativas de reestruturação de partidos e organizações comu-
nistas, revolucionárias, no país. Período no qual, igualmente,
sindicatos, centrais, movimentos populares foram crescente-
mente controlados por posições reformistas e oportunistas,
cada vez mais explicitamente defendendo posições burguesas,
restringindo-se aos mais estreitos marcos institucionais-par-
lamentares de luta, e atacando as tentativas de organização
combativa e independente das próprias massas. O recuo da
luta de classes do proletariado e das massas exploradas e a
ofensiva da burguesia também marcam esse longo período
histórico no país.

5.5. Regressão a uma situação colonial de novo tipo

Desde o final da década de 1970, o sistema imperialista


e sua divisão internacional do trabalho passaram por diversas
modificações, em função da crise do imperialismo, visando reto-
mar a taxa de lucro dos monopólios transnacionais. Para países
dominados como o Brasil, isso significou que alguns espaços de

159
Documento Base

acumulação e mercados foram reduzidos ou encerrados (certos


setores industriais, por exemplo), ao mesmo tempo em que ou-
tros foram abertos ou reforçados, a partir da crescente demanda
internacional por bens primários (commodities) e produtos de
baixa intensidade tecnológica. Tal rearranjo da economia mun-
dial estimulou tendências para a reconfiguração da formação
econômico-social brasileira, a fim de ajustar, de forma integrada
e dominada (porém ativa), os capitais aqui aplicados à nova con-
formação do sistema imperialista mundial.
Conceituamos essa alteração na formação econômi-
co-social brasileira de “regressão a uma situação colonial de
novo tipo”. Avaliamos que, respondendo às mudanças do sis-
tema imperialista mundial, a partir de meados dos anos 1980,
e de maneira crescente desde então, ocorreu uma inflexão no
sentido do desenvolvimento capitalista brasileiro do meio
século anterior (1930-80), que foi o da industrialização – e
esse é o significado de regressão. A situação colonial refere-se
ao fato de que o país permanece dominado na divisão in-
ternacional do trabalho, condição inalterada desde a colônia,
porém com mudanças concretas relevantes, ou seja, de novo
tipo. Essa especificidade concreta é o que nos cabe analisar
profundamente e detalhar para compreender a luta de classes
atual, a ofensiva burguesa, a resistência proletária e de massas,
e os caminhos para a reconstrução do Partido Comunista e da
Revolução no nosso país.
Esse conceito busca captar a particularidade das modifi-
cações ativamente implementadas na economia brasileira e as
contradições que a estruturam nessa sua nova forma concreta
de inserção dominada na economia mundial. Esse processo
paulatinamente desarticulou cadeias industriais instaladas
no Brasil e reforçou, principalmente, a característica (sempre
presente) de país fornecedor de insumos primários (commo-
dities) com baixo valor agregado. Essa produção de commo-
dities, no entanto, ocorre com elevada e crescente produtivi-

160
Coletivo Cem Flores

dade e com tecnologia de ponta, de forma a ser competitiva


no mercado internacional. Ou seja, o conceito de regressão a
uma situação colonial de novo tipo expressa a atual forma de
inserção do Brasil no sistema imperialista mundial.

A única solução viável e progressista dos problemas


brasileiros – a solução revolucionária – que pode e há
de ser realizada pela ação unida do próprio povo com a
classe operária à frente.

Partido Comunista do Brasil. Manifesto de Agosto (1950).

Essa reorganização das forças produtivas no Brasil, sob a


determinação do capital financeiro, tem como um de seus tra-
ços marcantes o crescimento da participação do agronegócio,
da indústria extrativa mineral e das plataformas de exporta-
ção montadas pelo capital imperialista (reprimarização), ten-
do como contrapartida a queda da participação da produção
industrial, especialmente da indústria de transformação, no
conjunto da economia (desindustrialização). O deslocamento
de fábricas dos monopólios transnacionais para a Ásia, sobre-
tudo para a China, gerou uma enorme demanda por produtos
básicos, especialmente alimentos, petróleo, minerais e outros
metais que norteou a especialização do Brasil na produção e
exportação dessas commodities. A burguesia brasileira – em
seu conjunto e cada fração isoladamente – se ajustou ativa-
mente a essa nova conformação da divisão internacional do
trabalho, migrando seu capital de setores menos competiti-
vos/rentáveis para aqueles mais lucrativos. Esse ajuste signi-
ficou aumento da exploração da classe operária e das classes
dominadas no Brasil e reforçou a inserção dominada do país
no sistema imperialista mundial.

161
Documento Base

5.6. Desindustrialização

A desindustrialização é um elemento constitutivo da


regressão a uma situação colonial de novo tipo. Expressa o
fato de que a indústria de transformação brasileira sofreu
um processo de ajuste em que perdeu densidade tecnológica,
setores industriais relevantes e elos de cadeias produtivas de
segmentos industriais importantes, cedendo cada vez mais o
papel de setor dinâmico interno (para o setor produtor de
commodities para exportação). Esse processo também é fruto
do aumento das importações de mercadorias industriais fi-
nais, partes e peças e insumos para a transformação industrial
antes produzidos internamente. A indústria de transformação
segue perdendo participação no PIB, o que significa que o
setor não “puxa” mais o crescimento do país, ao contrário,
contribui para sua estagnação. A participação da produção
industrial na economia é decrescente desde meados dos anos
1980 e atualmente está em nível inferior ao do início da série
histórica, em 1947.
O impulso externo a essa transformação da estrutura
produtiva do país veio das mudanças na divisão internacio-
nal do trabalho, consequência da tentativa de superar a crise
global dos anos 1970 e retomar as taxas de lucro. É preciso
mencionar especialmente a restauração capitalista na China e
sua acelerada expansão econômica, baseada em investimen-
tos e na indústria de exportação, fortemente interligada com
os monopólios transnacionais. Uma nova forma de atuação
desses monopólios transnacionais provocou uma alteração na
organização da produção mundial gerando cadeias globais de
produção, com suas diversas etapas passando a ser realizadas
em países distintos, alterando o esquema anterior de interna-
lização de todas as etapas do processo produtivo. Isso também
acirra a concorrência entre os capitais, aumenta a exploração
das classes trabalhadoras e deteriora suas condições de vida.

162
Coletivo Cem Flores

A indústria de transformação do país não tem conseguido


concorrer com essas mercadorias importadas nem participar das
novas cadeias industriais globais. Dentre as razões estão as con-
dições internas de produção com baixa e estagnada produtivida-
de há décadas, o custo unitário do trabalho, os custos indiretos,
a carga tributária etc., em comparação com os novos centros
mundiais de produção industrial. Esse quadro reforça a pressão
constante da burguesia industrial para aprofundar a exploração
capitalista da classe operária, para obter cada vez mais subsídios
do governo, para aumentar o protecionismo, tudo isso na tenta-
tiva de competir em melhores condições com a produção exter-
na e nos mercados externos, especialmente na América Latina.
Além desses movimentos, os patrões respondem a esse cenário
encerrando sua atividade industrial e migrando para o rentismo,
migrando seus capitais para setores mais rentáveis ou ainda esta-
belecendo alianças com o capital monopolista externo.
Em geral, todos esses movimentos, em maior ou menor
grau, significam diminuição do valor agregado industrial no
país, que cada vez mais tem sua indústria de transformação es-
pecializada em montagem ou mesmo na mera distribuição de
mercadorias industriais importadas. Assim, a indústria brasileira
se caracteriza, cada vez mais, pela produção de mercadorias de
baixa intensidade tecnológica, de acordo com a evolução de seu
“lugar” específico como país dominado no sistema imperialis-
ta mundial. Em relação à classe operária, além do aumento da
exploração, a desindustrialização provoca redução do emprego
industrial, piora da qualidade das vagas e salários mais baixos.
Dentre as frações burguesas, a desindustrialização gera
perda de importância relativa da burguesia industrial no con-
junto das frações dominantes no país. Com isso, muda tam-
bém o programa da burguesia industrial, que crescentemente
abandona os antigos paradigmas “desenvolvimentistas” (bandei-
ra que passa para as mãos da “esquerda” reformista burguesa),
cada vez mais substituído pela defesa de uma “especialização”

163
Documento Base

industrial, a partir e integrada às cadeias globais de produção


– expressão da produção cada vez mais internacionalizada dos
grandes monopólios transnacionais que repartem o mundo
entre si. Em alguns poucos casos (carnes, cerveja, siderurgia;
soja e minério de ferro, se tivessem cadeia significativa; talvez
petróleo), a burguesia industrial brasileira ainda pode almejar
algum protagonismo global. Aos outros segmentos industriais
parece que caberá, se tanto, participar da montagem final das
mercadorias (quando não houver a importação de bens finais)
para o mercado doméstico ou dos vizinhos, participar de algum
elo intermediário dessa produção transnacional ou restringir-se
às mercadorias de baixo valor agregado.
Fica ainda mais evidente o caráter de ideias fora do lugar
da “esquerda” reformista burguesa ao propor para a burguesia
industrial brasileira uma utópica reindustrialização do país, um
“desenvolvimento nacional soberano”, “autocentrado”, com
“responsabilidade social e ambiental”, como fazem PT, PSOL,
PCdoB, PDT e outros. Buscam ensinar o que fazer e como ga-
nhar dinheiro para uma fração burguesa que já se ajustou aos
novos espaços da divisão internacional do trabalho do sistema
imperialista mundial – deixando ainda mais claro seu caráter
subserviente à burguesia (além do seu anacronismo). Fica evi-
dente tratar-se do velho e conhecido discurso burguês, socialde-
mocrata, que serve para confundir e iludir as classes dominadas
como se fosse possível uma gestão do capitalismo que também
atendesse aos interesses do proletariado.

5.7. Reprimarização

Outra característica central da regressão a uma situação


colonial de novo tipo da formação econômico-social brasilei-
ra é a reprimarização da economia. Isso significa que seu polo
dinâmico passou a ser, crescentemente, o da produção de com-
modities, produtos de origem agropecuária (soja, milho, carnes,

164
Coletivo Cem Flores

açúcar, celulose, café etc.) ou extrativa, principalmente mine-


ral (petróleo bruto, minério de ferro, ouro, entre outros) que,
mesmo quando sujeitos à transformação industrial, apresentam
baixo valor agregado, homogeneidade, destinam-se principal-
mente à exportação e têm seus preços definidos na negociação
de produto padronizado nos mercados financeiros internacio-
nais. Os avanços do agronegócio, da agroindústria e da indústria
extrativa mineral para exportação, fornecendo as mercadorias
demandadas mundialmente pela nova divisão internacional do
trabalho, expressam esse processo que ajustou a economia bra-
sileira. A reprimarização é a expressão dessa especialização na
produção e exportação de commodities.
Os fatores externos que impulsionaram a reprimarização
são similares aos que estimularam a desindustrialização. A ace-
lerada expansão capitalista na China gerou, principalmente a
partir da década de 2000, uma gigantesca demanda mundial
por commodities agrícolas, para alimentação humana e ração
animal, e minerais, tanto como insumos à produção industrial e
aos investimentos quanto para energia. Depois de duas décadas,
quase três quartos das exportações brasileiras são commodities –
de pouco mais de um terço no começo do século. Os complexos
soja, petróleo, minérios e carnes respondem por mais da metade
das exportações brasileiras. Somados a milho, açúcar, café, celu-
lose, ouro e algodão temos aproximadamente 70% desse total.
O destino principal das exportações brasileiras é a China, pouco
menos de 30%, quase o equivalente à soma de EUA e todos os
países da Europa – e compra praticamente apenas aqueles qua-
tro primeiros conjuntos de mercadorias. Já as importações bra-
sileiras de origem chinesa, mais de 20% do total, se concentram
em produtos manufaturados e insumos à produção no país.
Essa ampliação da demanda por commodities na econo-
mia mundial gerou enormes pressão/oportunidades aos capitais
que se valorizam no Brasil. As condições de produção inter-
nas (existência de reservas minerais, disponibilidade de terras,

165
Documento Base

condições climáticas, capacidade de investimento, tecnologia,


infraestrutura etc.), as contradições e os rearranjos entre as fra-
ções burguesas e sua luta contra as classes dominadas, em franca
defensiva, possibilitaram um ativo processo de reestruturação
produtiva. O Brasil pôde, graças ao estágio rebaixado da luta de
classes proletária, à ação ativa da burguesia brasileira e às suas
condições naturais específicas, realizar um profundo processo de
reestruturação produtiva, alterando a forma de sua inserção do-
minada no sistema imperialista mundial, ofertando as commo-
dities demandadas globalmente, processo que guarda semelhan-
ças com a função das colônias em relação às suas metrópoles.
Essa reestruturação produtiva tem se caracterizado pela
ampliação das safras, principalmente de grãos para exportação
(enquanto se reduz a área plantada para o mercado interno), da
pecuária e da indústria extrativa, assim como da produtividade
e dos investimentos de capital dos monopólios transnacionais.
O maior dinamismo do agronegócio é importante para explicar
diversas mudanças na estrutura econômica do país, da composi-
ção das exportações (e também das importações) até uma nova
geografia da produção e da renda, mais descentralizada, com o
crescimento relativo de novos polos no interior do país. Com
isso o país também passou a ter uma maior volatilidade na eco-
nomia, devido tanto a questões climáticas quanto à sua maior
dependência dos oscilantes preços e demais condições dos mer-
cados internacionais – característica das economias dependentes
de produtos básicos.
A reprimarização também impactou a luta de classes e
as disputas das frações das classes dominantes. A burguesia do
agronegócio vem ocupando crescentemente espaços políticos e
econômicos, buscando impor a sua própria agenda: liberalização
comercial, acordos internacionais preferenciais com “parceiros”
selecionados e disputas comerciais na OMC; crédito agrícola sub-
sidiado pelo orçamento público e com juros menores dos bancos
públicos, baixo pagamento de impostos e redução dos seus custos

166
Coletivo Cem Flores

trabalhistas; defesa do direito irrestrito de propriedade, fortalecido


com o virtual fim da reforma agrária (desde os governos anteriores
do PT), facilitação de regularização de terras griladas e liberação
do porte de armas (governo Bolsonaro); liberação indiscriminada
de agrotóxicos, redução das obrigações de conservação ambiental,
liberação tácita de queimadas e desmatamento etc.

5.8. Uma década de crise econômica...

A crise do capital no Brasil integra a crise do imperialis-


mo, que tem como marco fundamental a grave crise mundial
de 2008, ainda não recuperada em diversos aspectos e agravada
pela pandemia. As movimentações e queimas de capitais causa-
das por essa crise, as redefinições na divisão internacional do tra-
balho e os impactos no comércio global e nos fluxos de capital
têm sido importantes determinantes para a crise no Brasil, dada
sua posição dominada.
A expressão dessa crise no Brasil, no entanto, apresenta
uma dinâmica própria, cujas especificidades devem ser conside-
radas. O país apresenta fraco crescimento econômico desde os
anos 1980, quando se conforma a regressão a uma situação co-
lonial de novo tipo. Após um miniciclo de expansão capitalista
(2005-10), o país viu agravar suas contradições de acumulação
de capital, o que, aliado aos impactos da crise de 2008, desen-
cadeou a histórica recessão de 2014-16. Desde então, o país se
encontra em um quadro depressivo, com perdas permanentes
de produto, rebaixamento de sua tendência de crescimento e
constantes resultados abaixo da economia mundial. Em suma,
estagnação econômica, aliada a uma prolongada crise política.
Tanto no Brasil, quanto no mundo, a crise do capital deve
ser entendida não só como um abalo na acumulação capitalista,
mas também, contraditoriamente, como uma tentativa forçada
de recolocar as condições propícias para a acumulação ampliada
e a retomada da lucratividade do capital, com o aumento da

167
Documento Base

exploração e da violência sobre o proletariado e demais classes


dominadas. Nesse sentido a crise também abre oportunidades
para o capital impor uma ofensiva da classe em todas as frentes
de luta contra a massa trabalhadora.
A tentativa de saída burguesa para a crise econômica do
capitalismo no Brasil se baseia no aumento da exploração do
proletariado e das demais classes trabalhadoras e na imposi-
ção de novas condições de acumulação, mediante a aplicação
de um programa hegemônico das várias frações da burguesia,
implementado por seus sucessivos governos, pelo menos desde
2015, com Dilma. Esse programa hegemônico é composto por
medidas para tentar retomar a taxa de lucro e superar a crise,
tais como: piora das condições de trabalho e salário (aumen-
to e intensificação da jornada, reversão das conquistas traba-
lhistas); ampliação dos espaços de acumulação (privatizações,
concessões), inclusive fictícia; centralização do capital; reforço
da subordinação ao capital internacional (fluxos de capital, in-
vestimentos diretos); aumento da repressão e da ofensiva ide-
ológica burguesa. Várias dessas medidas são consolidadas em
alterações na legislação do país, as ditas “reformas” (trabalhista,
previdenciária, tributária etc.) e, apesar do forte consenso entre
a burguesia e seus governos, tais medidas sofrem intercorrências
provindas de crises políticas, retardando sua aprovação, e outras
ações emergenciais para o capital, como as que foram necessárias
durante a pandemia.
A mais recente “década perdida” do capitalismo no Brasil
se inicia com o esgotamento do miniciclo de crescimento
(2005-10), baseado na acelerada expansão capitalista da China
e sua demanda por matérias-primas e produtos básicos agrícolas
e minerais, na bolha de preços internacionais de commodities
que esse processo causou, no crescimento dos fluxos de capitais
e na bolha de capital fictício, e nas políticas internas de estímulo
ao consumo. As contradições acumuladas nesse miniciclo – que
se expressaram na queda dos investimentos e das taxas de lucro,

168
Coletivo Cem Flores

entre outros – levaram à desaceleração da economia a partir de


2011 e à grande recessão de 2014-16.
A grande recessão de 2014-16 foi uma das maiores da
história econômica do Brasil. Os efeitos dessa crise no PIB, na
produção industrial, nos investimentos, nas importações e no
mercado de trabalho, entre outros, permanecem até hoje. O
setor mais afetado pela crise do capital no Brasil – constituin-
do o centro da crise – é a indústria. Trata-se da continuidade e
agravamento do processo de regressão a uma situação colonial
de novo tipo. Nos anos seguintes, o capital apresentou dificul-
dades em retomar sua acumulação, pela estagnação econômica
e pela permanência do elevado desemprego, marcando também
uma das piores “recuperações” de nossa história. Embora tenha
havido uma importante recuperação das taxas de lucro, de 2017
a 2022, possivelmente chegando a recordes neste século, com a
ofensiva burguesa
Com a economia já desacelerando ao final de 2019 e pre-
nunciando uma nova crise em 2020, as contradições do capitalis-
mo brasileiro foram agravadas ainda mais pela pandemia do novo
coronavírus e seus impactos econômicos e sociais. A pandemia
e seus efeitos foram as causas diretas e imediatas, deram a forma
específica e agravaram a crise do capital que já estava em prepara-
ção. Mesmo com uma intensa interferência estatal trilionária para
salvar o capital, houve a eclosão de mais uma recessão histórica,
em 2020, com enorme impacto no mercado de trabalho.
A retomada econômica de 2021-23 não tirou o Brasil de
sua verdadeira depressão capitalista, reconhecida até mesmo pe-
los economistas burgueses. As atuais tendências e perspectivas
econômicas apontam para a continuidade da estagnação, a que
se somou um forte quadro inflacionário em 2021-22. Esse re-
torno à estagnação ocorre com duas importantes características
para o capital: maior centralização e maior lucratividade – con-
trapartida da maior exploração da força de trabalho provinda da
ofensiva de classe burguesa em meio à crise.

169
Documento Base

O quadro geral de crise e ofensiva do capital no Brasil


tem gerado efeitos contraditórios na acumulação capitalista. A
estagnação também se manifesta nas taxas de crescimento anual
da produtividade, sobretudo na indústria e nos serviços. Com a
produtividade baixa e estagnada (com exceções para agropecu-
ária e indústria extrativa mineral), o capital industrial brasileiro
fica cada vez mais distante do nível de produtividade do capital
dos demais países, reforçando os diferenciais de competitivida-
de e lucratividade. Quanto à centralização do capital, esta tem
se acentuado em praticamente todos os setores, também com
aumento da internacionalização do capital no país. Por fim,
quanto à lucratividade, há fortes evidências de uma importante
recuperação, ao menos para o grande capital – o que demonstra
a efetividade da ofensiva burguesa até o presente momento.
A crise no Brasil ampliou enormemente o exército indus-
trial de reserva e a população supérflua ao capital, com amplia-
ção do desemprego, do desalento e da subocupação. Esse efeito
está na base da deterioração das condições de vida e de trabalho
das classes trabalhadoras, em prol da recuperação econômica do
capital. A crise e a ofensiva burguesa subsequente têm empurra-
do milhões de trabalhadores/as para a miséria extrema, intensi-
ficado a exploração e arrochado os salários, impondo às classes
dominadas um novo e pior patamar de exploração e opressão,
cuja resistência ainda se encontra frágil e desarticulada.

5.9. ... e de crise política

Crise política é uma situação na qual o domínio das clas-


ses dominantes e de suas frações sobre a superestrutura política
e de estado não é capaz de permitir que essas funcionem de
maneira estável e eficiente, de forma a implementar o programa
político-econômico dessas classes. A crise política se expressa na
erosão da aceitação dos representantes das classes dominantes
junto às camadas médias e às classes dominadas e na maior difi-

170
Coletivo Cem Flores

culdade de coesão política das classes dominantes. A profunda e


prolongada crise econômica é o pano de fundo da crise política
iniciada em 2013, crise que avançou com a ascensão da extre-
ma-direita, fascista, ao poder central do país.
A crise política no Brasil tem como marcos as manifesta-
ções de Junho e o ciclo de greves de 2013, que detonaram uma
profunda queda na legitimidade do sistema político burguês.
A partir daquele período, os conflitos políticos e institucionais
das frações burguesas se intensificaram e os governos tiveram
dificuldades de manter os níveis anteriores de coesão e popula-
ridade, necessários à aplicação das medidas burguesas de com-
bate à crise econômica. Eventos fundamentais desse processo
de agravamento da crise política foram a operação Lava-Jato (a
partir de 2014), as manifestações pelo afastamento de Dilma
(2015-16), a expulsão do PT do governo central do país pelo
impeachment (2016), a rápida deterioração do governo Temer
(a partir de 2017) e a eleição de Jair Bolsonaro (2018), a alterna-
tiva fascista, de extrema-direita, que elevou a crise política a um
novo patamar durante seu governo (2019-22).
Bolsonaro foi o representante do programa hegemônico
burguês em sua versão mais reacionária e violenta – e isso con-
tribuiu para a burguesia alcançar taxas de lucros recordes. Desde
a campanha eleitoral de 2018 e durante os quatro anos seguin-
tes, Bolsonaro contou com o apoio amplamente majoritário do
conjunto das classes dominantes, tanto em termos econômicos,
quanto políticos (incluindo amplo financiamento) e ideológicos.
O objetivo político de seu governo e de seu movimento de massas
foi a constituição de um regime autoritário baseado nos aparatos
repressivos burgueses. Seu governo também foi caracterizado por
uma política genocida durante a pandemia, por seguidas ofensivas
golpistas e fascistas (durante todo o seu governo e incluindo o 8
de janeiro de 2023), e por choques políticos crescentes com outros
setores do estado capitalista, como os poderes legislativo e, prin-
cipalmente, o judiciário, sempre contando com o apoio explícito

171
Documento Base

e militante de seu movimento em todos esses casos. O acirramen-


to da crise política foi a forma própria de condução do governo
Bolsonaro, na continuidade da crise econômica e da pandemia.
Enquanto à extrema-direita, fascista, chefiada por
Bolsonaro, mantinha sua ofensiva burguesa, tanto no campo
institucional quanto nas ruas, a “esquerda” reformista e insti-
tucional-eleitoreira permaneceu inteiramente na defensiva. Seu
caminho praticamente exclusivo de oposição foi o meramen-
te institucional, seja no parlamento (como durante a CPI da
Covid), seja no poder judiciário. Mais que isso, essa “esquerda”
e seus aliados pelegos nos movimentos sindical e popular expli-
citamente sabotaram a organização e as manifestações de massa,
como no caso das chamadas frentes antifascistas, ou buscaram
cooptar as demais resistências e protestos dos dominados para
restringi-los a seus limites institucionais e eleitoreiros. Exemplo
disso foi a tentativa de organização de “frentes amplas” sob a in-
conteste hegemonia burguesa durante 2021, que terminou em
absoluto fracasso, e na campanha presidencial de 2022.
Essa “esquerda” institucional e reformista se coloca volun-
tariamente como subordinada às classes dominantes e seus repre-
sentantes políticos. Mais que isso, busca atrair para essa sua pos-
tura subserviente o proletariado e as demais classes dominadas,
para que abandonem ou não construam suas lutas e sua posição
política independente na sua luta de classes contra a burguesia. A
todo o tempo, apelam para a participação da burguesia, do centro
e da direita, dos conservadores e dos liberais, das instituições do
estado capitalista, como precondição de seu “sucesso”. O último
exemplo eleitoral foi a campanha presidencial de 2022.
Diante da condução da pandemia por Bolsonaro e da
continuidade das crises econômica e política, algumas fissuras
no apoio das classes dominantes começaram a aparecer ao final
do mandato. A proximidade das eleições presidenciais de 2022
fez as frações burguesas buscarem alternativas à Bolsonaro para
a continuidade e o aprofundamento da aplicação do programa
hegemônico e superação da crise política. A única alternativa que

172
Coletivo Cem Flores

se mostrou eleitoralmente viável à Bolsonaro foi o retorno do


PT ao governo federal, para “gerir os negócios comuns de toda a
classe burguesa” (Marx e Engels), através da candidatura de Lula
(e Alckmin). Importantes representantes da burguesia apoiaram
sua candidatura, construída com amplas alianças com a direita, a
começar pelo seu vice – como de costume nos governos petistas.

Se serve aos patrões, não serve à massa trabalhadora.


Para servir à massa trabalhadora, não pode servir
aos patrões. Não há a possibilidade de aliança,
conciliação ou “acordão” entre essas classes, assim
como não há o cenário em que “todos ganham”.
Propor ao proletariado e às demais classes exploradas
uma política de subordinação à burguesia representa
prolongar sua dominação e exploração.

Cem Flores. Quem São os Nossos Inimigos? Quem São os Nossos Amigos? A
Conjuntura Econômica e Política Brasileira e a Posição Comunista (2022).

O caráter anti-institucional do movimento de extrema-di-


reita, fascista, se revelou mais uma vez no “capitólio bolsonarista”,
a invasão das sedes dos três poderes em 8 de janeiro de 2023.
Após dois meses acampados em várias cidades do país em frente
a quarteis pedindo intervenção militar, sobrevivendo do amplo
financiamento dos patrões, os bolsonaristas, escoltados pela po-
lícia militar do distrito federal, invadiram e depredaram as sedes
dos três poderes com a intencional omissão das forças armadas.
Planos de decretação de estado de sítio, intervenção no judiciá-
rio, operação de garantia da lei e da ordem e cancelamento das
eleições seriam os próximos passos. Debelada a tentativa golpista,
a posição do recém empossado governo Lula-Alckmin foi a de
botar panos quentes, com ações as mínimas possíveis, deixando o
tema na esfera institucional a cargo do legislativo e do judiciário.

173
Documento Base

Essa pode ser uma caracterização dos primeiros seis meses


desse governo burguês de “reconstrução” e “pacificação” nacio-
nais, como se auto intitula: o esforço pela total desmobilização
das massas, quando não pela sabotagem dos seus movimentos
reivindicatórios (como aconteceu com a mobilização do/as tra-
balhadores/as de aplicativos em janeiro ou com a declaração de
Lula para que o MST cesse as ocupações e espere as ações do go-
verno), a aposta exclusiva no caminho institucional-eleitoreiro, os
consequentes acordões e conchavos com a direita etc. Além disso,
no entanto, esse governo burguês representa a consolidação dos
avanços conquistados pela burguesia em sua ofensiva de classes.
Fazem parte dessa consolidação o novo teto de gastos, a reforma
tributária e as concessões ao capital privado, todas propostas de
Lula-Alckmin. Mas também representam essa consolidação as
ausências de propostas de revisão das “reformas” trabalhista e pre-
videnciária, das privatizações, entre diversos outros aspectos do
programa hegemônico da burguesia.
A resistência das classes dominadas e de setores das cama-
das médias também é relevante nesse contexto de crise política.
Ela é impulsionada pela deterioração das condições de vida e de
trabalho, agravadas pela crise econômica; pela rejeição, mesmo
que difusa, aos representantes políticos das classes dominantes;
e pela ofensiva burguesa geral. Suas formas são diversas, desde
as mais latentes, como o difuso ódio ao estado brasileiro e seus
representantes, até as mais diretas e organizadas, como nas greves,
paralisações e ocupações, ou nas manifestações de rua.
Essas resistências, no entanto, encontram hoje muitos li-
mites e barreiras. As classes dominadas se encontram com baixo
nível de organização e o proletariado, sem seus instrumentos in-
dependentes de classe, dentre os quais o Partido Comunista. A
influência do reformismo, do oportunismo, do peleguismo é do-
minante nas entidades de classe (centrais, sindicatos, movimen-
tos populares). Uma reação mais incisiva das classes dominadas
precisa enfrentar não só um aparelho repressivo do capital, cada

174
Coletivo Cem Flores

vez mais violento, como também combater as ilusões eleitorais


vendidas por esse oportunismo ou pela extrema-direita.
A continuidade da crise econômica, a permanência da ex-
trema direita enquanto movimento político organizado no país,
mesmo não estando mais no governo federal (porém mantendo
importantes posições nos governos dos principais estados e no
congresso nacional), as restrições econômicas ao novo governo de
conciliação de classe são fatores que apontam para a continuação
da crise política no Brasil. Assim como a permanência do progra-
ma hegemônico da burguesia, instrumento da ofensiva burguesa,
cujo recuo só poderá ser concretizado com a elevação do enfren-
tamento das massas exploradas no terreno da luta de classes.

5.10. A luta do proletariado e das massas na luta de classes


contra a burguesia e seus atuais limites

Após a derrota das experiências revolucionárias socialistas


do século 20, que se somaram às crises do marxismo e do movi-
mento comunista internacional, e diante da violenta crise que o
capital atravessa, o proletariado e as demais classes trabalhado-
ras em todos o mundo sofreram muitas derrotas e recuaram de
forma intensa no terreno da luta de classes. Suas teoria e orga-
nizações revolucionárias foram em grande parte abandonadas,
desorganizadas ou derrotadas. Sua unidade e suas lutas apresen-
tam enormes dificuldades para se firmarem e serem vitoriosas
contra seus inimigos de classe. Concomitantemente, a burguesia
passou à ofensiva em várias frentes, retomando e conquistando
posições, avançando sobre as grandes massas para impor ainda
mais exploração e opressão.
A luta do proletariado e das massas no Brasil é parte desse
cenário geral. As lutas concretas dos explorados e oprimidos, que
brotam da piora das suas condições de vida, encontram diversos e
significativos limites políticos, ideológicos e organizacionais, que
barram e impedem uma ação mais incisiva e efetiva contra o inimi-

175
Documento Base

go burguês e seus aliados. Um dos maiores desafios dos/as comu-


nistas nesta conjuntura é transformar a crise e a ofensiva burguesa
em oportunidades de avanço da luta e organização proletária.
De forma mais concreta, são vários os fatores que limitam e
emperram a luta do proletariado atualmente no Brasil. O desem-
prego elevado e a deterioração do mercado de trabalho, um dos
principais efeitos da crise, criam um ambiente desfavorável para a
luta sindical por melhores condições de trabalho, salários e bene-
fícios, seja pelo aumento de concorrência entre trabalhadores/as
empregados/as (formais e informais) e os/as que compõem o exér-
cito de reserva, seja pelo avanço do poder patronal. O reforço da
repressão, desde a vigilância à repressão sanguinária, coloca aos/às
explorados/as a exigência de um patamar mais elevado de organi-
zação. A prolongada ausência da posição revolucionária abre es-
paço para a influência crônica do reformismo e do oportunismo,
que desorganizam e corroem os instrumentos de luta das massas,
tornando-se verdadeiras armas do inimigo, sendo o exemplo claro
a grande maioria dos sindicatos hoje.
Mesmo diante desses limites, as lutas concretas das massas
trabalhadoras são uma realidade na atual conjuntura brasilei-
ra. Elas surgem na maior parte das vezes de forma espontânea.
Durante os anos de 2012-16 ocorreu um importante ciclo de
greves, em um cenário de menor desemprego e levante de bases
de trabalhadores/as além das e por vezes contra suas direções
sindicais. Esse ciclo de greves se combinou com grandes ma-
nifestações de rua, como as de Junho de 2013 e as ocupações
estudantis, de 2016. Nos anos mais recentes, importantes greves
e manifestações continuaram a acontecer, apesar de menores e
bem mais defensivas. Exemplos disso são os protestos contra o
governo, as greves operárias em grandes empresas e a mobiliza-
ção dos trabalhadores de aplicativo.
O aumento da miséria nas periferias das grandes cidades,
sobretudo na pandemia, impulsionou a ajuda mútua e os mo-

176
Coletivo Cem Flores

vimentos de solidariedade nas comunidades. O reforço da auto-


-organização popular, elemento necessário para sobreviver nessas
regiões em período de crise, se fez sentir nos mutirões, nas co-
zinhas e creches comunitárias e nas campanhas de arrecadação.
Tais sementes de poder proletário, no entanto, foram e são coti-
dianamente sufocadas seja pela cooptação e desmobilização das
ditas “políticas sociais”, ou das ONGs empresariais, igrejas etc.,
ou ainda pela ação repressiva das polícias, do tráfico e das milícias.
No presente, a influência dos/as comunistas nessas lutas é
quase nula, reflexo da nossa própria pequenez e fraca capacidade
organizacional e teórica. As lutas do proletariado e das massas
surgem em grande parte sem uma direção política e ideológica,
marcadas por forte espontaneidade. As forças políticas burgue-
sas, o reformismo e o oportunismo, buscam constantemente di-
rigir ou aplacar a rebeldia e as organizações que surgem na massa
trabalhadora, conduzindo suas lutas para o terreno institucional
e para o reforço de seus próprios grupos políticos.

Jamais reduziremos nossas tarefas ao apoio às


palavras de ordem da burguesia reformista mais
em voga. Perseguimos uma política independente e
apresentamos apenas as reformas que são, sem dúvida,
favoráveis aos interesses da luta revolucionária, que
sem dúvida aumentam a independência, a consciência
de classe e a eficiência de luta do proletariado.
Lênin. Mais uma vez sobre o Ministério da Duma (1906).

Os saldos da luta comunista são quase imperceptíveis


atualmente e a posição proletária se encontra soterrada ideo-
lógica e politicamente, exigindo dos/as comunistas um esforço

177
Documento Base

maior e crescente de organização e combate para conquistar


a direção dessas lutas e acumular para uma alteração da atual
correlação de forças.
As perspectivas de dificuldades para a vida proletária e
das massas dominadas no Brasil atual são condições materiais,
objetivas, para a eclosão de manifestações das massas. Dentre
essas se incluem as manifestações de trabalhadores/as por fora
da estrutura sindical oficial e pelega. Se incluem também o
reforço do mutualismo, com seu duplo papel: “defensivo”
diante da perda de renda e da carestia e de reforço da soli-
dariedade e da ação autônoma de classe. Em suma, diversas
reações proletárias e populares – autônomas, independentes,
espontâneas – podem surgir nos próximos períodos, mesmo
diante das barreiras e dos limites atuais. O papel dos/as comu-
nistas é se juntar a essas reações, lutar lado a lado com nossos
irmãos e nossas irmãs de classe, divulgá-las, aprender com elas
e contribuir na sua organização e direção.

5.11. As classes no capitalismo brasileiro atual

A análise da luta de classes e das classes em luta é um


aspecto fundamental tanto da estratégia quanto da tática das/
os comunistas. Sua análise deve ser feita em conjunto com a da
formação econômico-social brasileira e considerar tanto aspec-
tos objetivos (as relações de produção existentes e o papel de
cada classe na produção e reprodução, os níveis de rendimen-
tos e as condições de vida) quanto subjetivos (a ideologia do-
minante, uma incipiente ideologia dos dominados, o papel das
posições revolucionárias ou reformistas) e ainda o componente
histórico, seja da formação econômico-social, seja das lutas.
Ainda nos falta avançar muito nessa análise de classes,
da qual conseguimos fazer apenas um esboço, inicial e super-
ficial. No entanto, um ponto fundamental é demarcar campo
com todo reformismo, oportunismo e peleguismo mediante

178
Coletivo Cem Flores

a correta caracterização da burguesia, de seu estado e de seus


aliados como inimigos de classe do proletariado e das demais
classes exploradas – sem qualquer espaço para subordinação
do proletariado e para compromissos com a burguesia, como
quer que os pelegos a definam (“nacional”, “progressista”, “de-
senvolvimentista” e/ou “democrática”).
Neste começo de século 21, o Brasil é um país capitalis-
ta – ou seja, as relações de produção capitalistas são largamen-
te dominantes – que ocupa uma posição dominada na divisão
internacional do trabalho do sistema imperialista mundial.
Isso significa que essas relações de produção fundamentais
no Brasil atual opõem, de forma antagônica e inconciliável,
capital e trabalho assalariado. Dentre as diversas classes e
frações de classe que constituem esses dois polos (também
considerando a posição intermediária da pequena burguesia),
a contradição de classe principal é aquela que opõe, de ma-
neira antagônica e inconciliável, burguesia e proletariado. Os
inimigos de classe principais a serem derrotados na luta de
classes do proletariado e de seus aliados são os patrões, isto é,
o conjunto da classe burguesa (de capital nacional ou estran-
geiro), os seus aliados internos (o latifúndio) e externos (o
imperialismo, principalmente dos EUA).
No Brasil atual, a classe operária é constituída por aque-
la parcela de trabalhadores/as assalariados/as, na cidade e no
campo, que trabalham nas atividades produtivas, ou seja, pro-
dutoras de mais-valia para os patrões, constituídas pelas ativi-
dades industriais, pela construção civil, pela indústria extrativa
e pelo conjunto do agronegócio. Ao lado da classe operária há
um amplo conjunto de demais trabalhadores/as assalariados/
as, empregados/as do comércio, do setor de serviços (enfermei-
ras/os na saúde, professoras/es na educação, domésticas, garis
na limpeza, e demais assalariados/as em alimentação, turismo
etc.), dos transportes (motoristas e cobradores/as de ônibus,
metrô, trens, balsas, por exemplo), funcionários/as adminis-

179
Documento Base

trativos/as, servidores/as públicos/as. Também compõem a


gama de assalariados/as os/as trabalhadores/as terceirizados/as,
seja nas atividades “finalísticas” das empresas, seja no setor de
serviços (manutenção, limpeza, segurança, atendimento).
Ao lado desses/as assalariados/as, um grande contingen-
te das classes dominadas no Brasil é composto pelos chamados
“por conta própria”, trabalhadores/as informais que se viram
como podem na produção e venda de alimentos, no comércio
de mercadorias de pequeno valor, na prestação de serviços di-
versos (“bicos”). Dentro desse grupo têm se destacado recen-
temente os/as trabalhadores/as de aplicativo, como motoristas
de Uber e outras plataformas e entregadores/as de IFood e si-
milares. Trabalhadores/as autônomos/as também integram as
classes trabalhadoras, ainda que possam ter a propriedade dos
seus meios de trabalho (taxi, caminhão).
Além dessas classes e camadas exploradas, interligadas
e imbrincadas com elas, existe uma enorme massa popular
nas periferias, principalmente das grandes metrópoles, mas
também nas médias e pequenas cidades, composta por desem-
pregados/as, impossibilitados de trabalhar, vivendo na mera
subsistência ou dos escassos programas estatais.
No campo brasileiro, além do proletariado rural e demais
trabalhadores/as assalariados/as agrícolas, explorados pelos mo-
nopólios do agronegócio e pela produção capitalista majoritária,
sobrevive uma classe camponesa, caracterizada por relações de
trabalho não assalariadas e pela ausência da posse da terra e, por-
tanto, por lavrar a terra alheia em troca de uma pequena parte
da sua produção. Uma parte desses/as camponeses/as conseguiu,
de várias formas, alguma posse de terra na qual exercem cultivo
ou criação de baixa produtividade, em geral indo muito pouco
além da própria subsistência. Ao lado desses camponeses pobres,
existem aqueles/as que se dedicam à agricultura familiar, isola-
damente ou em cooperativas, que em geral têm rendimentos e
condições de vida um pouco melhores.

180
Coletivo Cem Flores

A simples enumeração dessas classes, camadas e seto-


res dominados no Brasil, ainda que mero esboço, já mostra
a complexidade das classes dominadas e de suas relações com
os patrões. Entre a massa dominada, portanto, existem vários
aspectos de diferenciação, que possibilitam separá-la em gru-
pos, categorias, dificultando sua unidade na luta – algo que
é bastante explorado pelo inimigo de classe, seja a burguesia,
seja os pelegos reformistas e oportunistas.
O principal aspecto dessa diferenciação entre as classes
dominadas é o nível de rendimentos e de condições de vida, que
aqueles/as com salários mais elevados buscam manter, em alguns
casos tentando aproximar-se da pequena burguesia. Além dessa
diferenciação de renda, embora associado a ela, existem diver-
sas conquistas obtidas por categorias profissionais, que também
funcionam como diferenciação dentre as classes dominadas: car-
teira assinada e outras conquistas trabalhistas, plano de saúde,
estabilidade (servidores públicos), sindicalização etc.
A luta comunista tem como tarefa imprescindível mostrar
os aspectos comuns que unem as lutas das classes dominadas – a
exploração capitalista, a repressão do seu estado – em busca de sua
ação unida, enquanto classe, contra os patrões e seus governos.
Nessa grande maioria da população brasileira, nesse am-
plo leque da massa trabalhadora – cujas condições, em con-
junto, se deterioram com a longa crise do capital e a ofensiva
burguesa – a classe operária deve ocupar o papel de dirigente,
com a tarefa de organizar em torno de si uma ampla frente de
explorados/as da cidade e do campo, englobando camponeses/
as, demais trabalhadores/as assalariados/as, a massa popular e o
exército industrial de reserva. Aos/às comunistas cabe trabalhar
incansavelmente na organização e no estímulo às lutas concretas
da classe que permitirão esses avanços.

181
Documento Base

Greve operária na Renault, Brasil (2020).

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Brasil (1996).

182
Coletivo Cem Flores

Do lado das classes dominantes, dentre a burguesia bra-


sileira, seu principal componente é o grande capital, ou seja, o
capital monopolista-financeiro. Esse grande capital se constituiu
a partir de um longo processo de centralização, tanto horizontal
(expropriação de capitais de seus concorrentes diretos), quanto
vertical (expropriação ao longo de sua cadeia produtiva, fornece-
dores, distribuidores), e de expansão para demais setores – pro-
cesso que engloba diversas formas concretas de interpenetração/
fusão entre capital industrial, agrário, comercial e bancário.
Esse capital monopolista brasileiro também tem diversos
níveis de relação com os monopólios transnacionais. Por um
lado, ambos são concorrentes, seja entre as empresas instaladas
no país ou entre elas e as mercadorias importadas, seja nos mer-
cados internacionais, com as subsidiárias brasileiras no exterior
ou as exportações nos mercados externos. Mas há também di-
versas relações de complementariedade, desde parceria entre seus
capitais (“joint-ventures”) à integração em uma mesma cadeia
produtiva. Ou seja, não há antagonismo entre monopólios bra-
sileiros e monopólios transnacionais, mas relações de concorrên-
cia e complementariedade. Em suma, essa “grande burguesia” (o
capital monopolista) domina praticamente todos os setores da
atividade econômica do país, submetendo inclusive as demais
frações burguesas (não-monopolistas) e dirigindo o estado.
Mais concretamente, o capital monopolista-financeiro
no Brasil reúne as principais frações da burguesia brasileira, as
suas frações dominantes, compostas por capitais que acumulam
prioritariamente tanto na esfera bancária e comercial, quanto
na industrial e no agronegócio de exportação. Os bancos no
Brasil compõem um setor monopolizado, formado por poucos
bancos de capital nacional (Itaú, Bradesco, Safra) ou estrangeiro
(Santander), resultantes de décadas de centralização de capitais
– e ainda três grandes bancos estatais. Além dos bancos, os mer-
cados financeiros brasileiros são compostos por empresas não
bancárias que crescentemente se aproximam da magnitude dos

183
Documento Base

principais monopólios bancários (XP, Nubank, C6), além dos


fundos de pensão (incluindo os estatais) e o capital estrangeiro
investido na dívida pública e na bolsa de valores.
Os monopólios industriais expandiram-se para o setor
bancário (Votorantim, por exemplo), além de controlarem os
mais importantes setores industriais, como automotivo (inteira-
mente dominado pelos monopólios transnacionais), siderúrgico
(CSN, Usiminas), químico (Braskem), de alimentos e bebidas
(JBS, Ambev), mantendo a expressiva concentração nas regiões
sudeste e sul. A indústria extrativa mineral (Vale e Petrobrás,
essa com seu capital majoritariamente em mãos privadas, nacio-
nais e estrangeiras) destina-se fundamentalmente à exportação,
cresce acima dos demais setores industriais e ilustra à perfeição a
relação de concorrência e complementariedade com os capitais
estrangeiros, não apenas na participação no seu próprio capital
como também nos contratos de longo prazo com os monopólios
importadores, especialmente chineses.
O setor do agronegócio de exportação também se carac-
teriza pela forte presença de monopólios transnacionais (Bunge,
Cargill) ao lado dos monopólios brasileiros (Raízen, Cosan) e
vem ganhando importância entre as frações dominantes, dado
seu constante e mais elevado ritmo de acumulação e lucrativida-
de, principalmente na região centro-oeste, além do sudeste e sul.
Por fim, há diversos monopólios mais recentes nos setores
de comércio e serviços (Magazine Luiza, Matheus, Havan), in-
cluindo transnacionais (Amazon), que expandem sua atuação em
escala nacional, constituindo redes em todas as regiões do país.
Ainda que existam importantes diferenças entre essas
frações monopolistas, essa grande burguesia tem sido capaz de
uma ação conjunta na formulação do programa hegemônico da
ofensiva burguesa (“reformas” trabalhista, sindical, previdenci-
ária; privatizações e concessões) contra as classes trabalhadoras.
Sua disputa se dá sobre aspectos particulares desse programa, na
defesa dos seus mercados e na disputa pelos fundos públicos.

184
Coletivo Cem Flores

Os capitais não-monopolistas, quaisquer que sejam os seus


setores, tendem a funcionar, na prática, como subordinados/
complementares ao grande capital monopolista-financeiro, não
possuindo entre si nenhum tipo de contradição antagônica. Os
capitais não-monopolistas buscam atuar em setores, produtos,
mercados ou locais em que não há atuação do capital monopo-
lista. Outra forma de complementariedade é se integrar à cadeia
de produção do capital monopolista (produção de insumos, rea-
lização de parte da transformação industrial, distribuição). A in-
capacidade de concorrer com os monopólios e a tendência a uma
menor lucratividade caracterizam o capital não-monopolista.
Politicamente, também são inimigos de classe do proletariado e
das demais classes dominadas ao necessitar constantemente apro-
fundar a exploração para manter os seus lucros.
Entre esses dois conjuntos de classes, dominantes e domi-
nadas, está a pequena burguesia, as camadas médias, composta
por pequenos proprietários na cidade e no campo, por profissio-
nais (“liberais”, assalariados, servidores públicos, militares) e por
intelectuais, cujos rendimentos e condições de vida situam-se
bem acima da massa trabalhadora. Há importantes diferenças
nesses níveis de rendimentos, em especial na crise prolongada
do capitalismo brasileiro. A parte inferior da pequena burguesia
está constantemente “ameaçada” de proletarização, o que pode
tanto fazê-la aliar-se às classes dominadas contra o capitalismo,
quanto aliar-se em desespero à burguesia e à direita (incluindo a
extrema-direita, fascista) em busca de manter seu antigo padrão
diferenciado. A pequena burguesia sempre foi a base da represen-
tação política, dos aparelhos ideológicos e do aparelho repressivo
capitalista. Ao mesmo tempo, forneceu importantes quadros para
a luta revolucionária. Diante dessas ambiguidades das camadas
médias, a atuação dos/as comunistas em seu meio pode conseguir
aliados importantes para o campo da Revolução – sempre toman-
do cuidado absoluto para que seu caráter vacilante não contamine
a prática, a organização e a ideologia dos/as comunistas.

185
Documento Base

5.12. Nossas tarefas

O capitalismo no Brasil segue sua violenta história de ex-


trema exploração e repressão para as massas trabalhadoras. Os
impactos da crise do capital no país e de sua regressão a uma
situação colonial de novo tipo têm deteriorado profundamente
as condições de vida e trabalho do proletariado e demais classes
dominadas. Os governos burgueses na atual conjuntura intensi-
ficam a ofensiva burguesa e impõem sucessivas derrotas às con-
quistas e às lutas dos dominados.

Greve nacional dos entregadores de aplicativo, Brasil (2020).

Nessa difícil conjuntura, aos/às comunistas cabe mergu-


lhar de cabeça e se incorporar integralmente, de corpo e alma,
nos processos de resistência e organização operária e de massas
que emergem, na medida de nossas forças. Nessas lutas junto
com as massas, estimular sua compreensão (e também a nossa)
da ligação entre as lutas concretas e as lutas mais gerais contra os
patrões, seus governos, seu estado, e os reformistas e oportunistas
que os defendem. Em suma, contra o capitalismo. Esse é o ca-
minho da reconstrução da posição de classe, de sua ideologia, de

186
Coletivo Cem Flores

seu instrumento e de sua teoria. O caminho para tornar a crise


e a ofensiva burguesa em oportunidade para retomar a inciativa
proletária na luta de classes, contra todas as ilusões institucionais.

O nosso dever, se queremos permanecer socialistas,


é ir mais baixo e mais fundo, para as verdadeiras
massas: nisto consiste toda a importância da luta
contra o oportunismo e todo o conteúdo desta luta.
Desmascarando que os oportunistas [...] traem e vendem
de fato os interesses da massa, [...] que eles propagam
as ideias e a influência burguesa, que eles são de fato
aliados e agentes da burguesia — ensinamos deste modo
as massas a identificar os seus reais interesses políticos, a
lutar pelo Socialismo e pela Revolução.

Lênin. O Imperialismo e a Cisão do Socialismo (1916).

Nossa posição é a do proletariado, a defesa de seus interes-


ses contra a exploração capitalista, participando concretamente
de suas lutas. Nosso combate é contra a burguesia e seus represen-
tantes, governos e aliados, tanto contra suas alas mais reacionárias
e abertamente fascistas, como aqueles que se dizem cinicamente
em nome dos/as trabalhadores/as. Nesse combate, é preciso fazer
crescer o poder e a independência do proletariado e das massas
trabalhadoras e reconstruir a organização dos/as comunistas.
Em resumo, em relação ao capitalismo no Brasil e à con-
juntura da luta de classes em nosso país, nossas tarefas são:
• Combater junto com a classe operária e as massas traba-
lhadoras na sua resistência contra a exploração do capital
e a ofensiva burguesa, identificar e desenvolver as novas
formas que as massas vão criando nessas lutas e buscar ligar
todas essas lutas ao combate ao capitalismo.

187
Documento Base

• Estudar e aprofundar nosso conhecimento sobre a forma-


ção econômico-social brasileira e suas transformações, que
sempre mantiveram (e ainda mantém) a posição dominada
do país na divisão internacional do trabalho do sistema im-
perialista mundial.
• Aprofundar e retificar a análise da luta de classes e das
classes em luta da sociedade brasileira atual.
• Denunciar concretamente a atuação do reformismo e do
oportunismo como aliados dos patrões na política de su-
bordinação das massas trabalhadoras.
• Criticar os limites das lutas exclusivamente institucionais
e eleitoreiras, criticar a ilusão reformista com o estado bur-
guês, defender a atuação própria e independente das mas-
sas – aplicar essas críticas no debate sobre o atual governo
burguês de Lula-Alckmin.
• Analisar, identificar e combater o crescimento da extrema-
-direita e do fascismo, expressões políticas e ideológicas da
ofensiva burguesa na conjuntura atual da crise capitalista.

188
Coletivo Cem Flores

6. Linha de Massas
O abandono das lutas concretas pelos/as comunistas, da
observação e da tomada de partido pelos interesses proletários,
da forma proletária de atuação prática na organização das lutas
da classe operária e das massas exploradas expressa a ausência de
uma linha de atuação comunista. Portanto, expressa uma crise
teórica, demonstrada pelo recuo/refluxo prático.
São expressões visíveis desse abandono da linha de mas-
sas proletária a crescente ausência nas concentrações operárias e
populares e a ausência nas lutas a partir dos locais de trabalho
e moradia. Também expressa esse abandono da linha de massas
proletária a crença que essa participação/luta nesses locais seja
simplesmente uma etapa a ser substituída pela presença nas en-
tidades representativas (sindicatos, associações, etc.). Na nossa
conjuntura concreta, essas entidades em sua grande maioria,
estão totalmente afastadas do controle efetivo de suas bases, re-
produzem a política e a ideologia burguesas, tentando paralisar a
luta das massas com a promessa de pequenas, limitadas, parciais
e provisórias conquistas econômicas.
Tudo isso é reflexo do abandono da concepção científica
marxista-leninista da “luta de classes como motor da história”,
abandono da perspectiva revolucionária, da luta pelo poder da
classe operária e da compreensão de que a luta de classes proletária
levará, necessariamente, à ditadura do proletariado, ao Socialismo
e ao Comunismo. Abandono que esteriliza o marxismo-leninismo
como instrumento científico da classe operária, substituído por
uma filosofia para interpretar o mundo e não o transformar ou
pelo desvio economicista da defesa do desenvolvimento das forças
produtivas, do mero desenvolvimento econômico, ou seja, o
desenvolvimento do capitalismo.
A Revolução tem como protagonistas as massas exploradas
dirigidas pelo proletariado tendo como objetivo a destruição do
capitalismo. A direção comunista deve ser uma direção das

189
massas e para as massas. Constrói-se no trabalho concreto e
na atenção contínua às necessidades delas. Nesse sentido, de-
vemos crescer entre e para a classe operária e as massas explo-
radas, dentro e organicamente às suas formas de vida e de luta,
tendo como base a atenção central aos inúmeros problemas
e demandas concretas passíveis de mobilização e organização.
O sentido da ação dos/as comunistas, com todos os
instrumentos políticos que possuímos, deve reforçar o caráter
coletivo, independente e autônomo das iniciativas da classe
operária e das massas exploradas, combatendo a tentativa de
cooptação dessas iniciativas por soluções que retirem da mão
dos/as trabalhadores/as a direção desses processos. Enquanto
comunistas, devemos resgatar, divulgar e estimular um princí-
pio fundamental da luta proletária: a atuação coletiva e inde-
pendente no enfrentamento de seus problemas (“Façamos nós
por nossas mãos, tudo o que a nós nos diz respeito”).
Todo ciclo de lutas concretas objetiva, como luta de clas-
ses contra o inimigo dentro e fora de nossas fileiras, reforçar
o avanço proletário na luta de classes política e ideológica. Na
luta de classes política, reforçando a construção de instrumen-
tos coletivos de massas pelos quais as classes exploradas co-
mecem a exercitar, desenvolver e ampliar seu poder. Na luta
de classes ideológica, estimulando a solidariedade de classes,
o espírito coletivo nas ações e decisões, a confiança em suas
iniciativas independentes e autônomas.
Em cada luta travada, com vitórias ou derrotas, cabe
aos/às comunistas destacar as lições aprendidas, reforçar os
avanços obtidos, ressaltar os aspectos políticos e ideológicos
desenvolvidos na luta concreta, permitindo à massa avançar
em sua compreensão da luta de classes e do combate aos nos-
sos inimigos. A cada luta devemos consolidar os avanços con-
quistados, principalmente o saldo político e ideológico que a
experiência nos apresenta. O saldo mais importante da luta é
que as massas saiam dela mais organizadas, mais conscientes,
Coletivo Cem Flores

mais experientes, aprendendo por sua própria experiência, nos


seus acertos e erros.
Nossa luta é fundamentalmente contra o nosso inimigo
de classe, contra as classes dominantes/exploradoras, contra a
burguesia e seus aliados. Atenção máxima à luta de classes den-
tro do nosso campo, no combate às influências da ideologia
burguesa em nosso campo. O inimigo também age interna-
mente às nossas fileiras e devemos contrapor às suas posições
os nossos objetivos de classe, a nossa forma de luta, a nossa
prática concreta, os nossos princípios revolucionários. O cen-
tro deve ser, sempre, reforçar os aspectos concretos mais avan-
çados existentes em nosso campo, contrapondo-os às posições
mais atrasadas, fruto da influência das ideias dominantes junto
à nossa classe. A luta de classes no combate às posições do
inimigo se trava dentro e fora de nossas fileiras.
O reformismo e o oportunismo, posições burguesas no
seio da classe operária e das classes exploradas, busca canalizar
a energia crescente e a ação coletiva e independente das massas
para as utópicas e desgastadas soluções via aparelhos do estado
burguês, que servem aos interesses dos próprios reformistas,
pelegos, de ascensão na máquina estatal. Condicionam sua
atuação à disputa eleitoral, à dependência das massas em re-
lação aos aparelhos estatais e às ações dentro da mais estrita
legalidade e da institucionalidade. O reformismo é a tentativa
de ilusão das massas com uma utópica gestão do capitalismo
em benefício das classes trabalhadoras, com a promessa de
conquistas limitadas e parciais a serem “garantidas” quando
alçarem seus postos parlamentares e representantes nas en-
tidades que o estado burguês sanciona e controla, trocando,
quando muito, essas pequenas, parciais e limitadas conquistas
econômicas pela desorganização e desmobilização crescente da
luta de classes proletária e de massas.

191
Documento Base

Manifestação dos metalúrgicos em greve, São Bernardo do Campo (1979).

Escola de Libertação dos Panteras Negras, EUA (1969).

192
Coletivo Cem Flores

O reformismo e o oportunismo são determinantes no


aprofundamento dos desvios do marxismo, bloqueando o justo
desenvolvimento da organização das lutas de massas. Por exem-
plo, a ilusão com a possibilidade de uma gestão capitalista que
atenda aos interesses proletários, a defesa do desenvolvimento
econômico capitalista, o abandono da concepção revolucionária
da tomada de poder pelo proletariado e da destruição do apa-
relho de estado burguês são obstáculos políticos e ideológicos
claros para que uma posição proletária possa se desenvolver e
expressar uma linha de massas revolucionária.
A crença na possibilidade de alteração do estado capitalis-
ta “por dentro”, o peso e a prioridade à participação nas eleições
burguesas ou a presença nos aparelhos de gestão do estado bur-
guês e a subordinação de todas as lutas das massas às soluções
derivadas do estado são expressões políticas, teóricas e ideológi-
cas das posições reformistas. São expressões de uma linha bur-
guesa que defende a substituição da organização independente
da classe operária e das massas exploradas pela presença de “re-
presentantes” na gestão da máquina do estado e nos aparelhos
sindicais sancionados e controlados por ele.

Para ligar-se às massas importa agir de acordo com as


necessidades e aspirações das massas. Todo o trabalho
para as massas deve partir das necessidades destas, e
não do desejo deste ou daquele indivíduo, ainda que
bem-intencionado.

Mao Tsé-Tung. A Frente Única no Trabalho Cultural (1944).

O esquerdismo, com pouca expressão nas massas, também


concorre, junto com outras posições pequeno-burguesas, para
evitar a unidade das massas em torno da classe operária, de seus

193
Documento Base

interesses e dificultar a organização e o aprofundamento de suas


lutas. Por trás de uma verborragia pseudo de esquerda, com pe-
quenos grupos isolados mais exaltados, passam a agir contra o
conjunto das massas com pautas que estão fora de suas necessi-
dades reais e concretas. Negam-se a aprender com a prática das
massas, exaltam até mesmo as suas diferenças para que não sejam
confundidos com o povo, que é tratado com arrogância e desdém.
Tanto as posições reformistas quanto as esquerdistas colo-
cam os interesses da classe operária e das massas exploradas a re-
boque de posições burguesas ou pequeno-burguesas. Além disso,
estão unidas na prática, umas mais e outras menos, no anticomu-
nismo, na desorganização, desmobilização e subjugação da classe
operária e das massas ao estado burguês. Essas concepções e suas
práticas devem ser, sempre com os abundantes exemplos concre-
tos existentes, denunciadas e combatidas firmemente no meio
da massa para que possam ser reconhecidas e rejeitadas por elas.
Dentre essas posições burguesas presentes nas massas, te-
mos as formas coletivas de coexistência e de sobrevivência das
novas expressões do fundamentalismo religioso. São posições
ideológicas baseadas em preceitos morais burgueses, na luta
ilusória da superação da exploração e da miséria pelo esforço
pessoal dentro do sistema capitalista, na resignação e negação da
luta de classes. Concretamente, fazem corpo com novas formas
de ideologias fascistas, baseadas em uma pauta ideológica e polí-
tica reacionária, preconceituosa, misógina, chauvinista etc. que
agem mais diretamente na luta contra a organização e mobili-
zação das massas por seus interesses, substituindo-os por pautas
morais e éticas burguesas, pelo enfrentamento a falsos inimigos
ou no apoio a facções burguesas na luta pela gestão do capital.
Essas posições estão no geral muito mais presentes hoje no
cotidiano da vida das massas exploradas, com várias ações concretas
no enfrentamento dos problemas e com um suporte moral e ma-
terial que age nas dificuldades que o povo vive. O enfrentamento a
essas posições deve resgatar a vida e a solução coletiva e autônoma

194
Coletivo Cem Flores

aos problemas concretos, vinculando-os ao regime dos patrões,


apontando a superação do sistema de exploração em que vivemos,
criticando na prática a ilusória solução individualista que ideologi-
camente defendem (o empreendedorismo, a teologia da prosperi-
dade, as referências na riqueza material como expressão de sucesso).
Nós, comunistas, devemos avançar na presença real e ati-
va junto à classe operária e às massas exploradas, participando
das ações concretas de enfrentamento dos problemas objetivos
e imediatos: o emprego, o salário, as condições de trabalho, a
fome, a sobrevivência, o enfrentamento às questões de saúde,
os mutirões para atender as necessidades do povo, as ações de
saneamento necessárias, o cuidado com as crianças, a formação
dos jovens e adolescentes, o combate às drogas, ao alcoolismo,
à prostituição, a atenção com os idosos, as atividades culturais,
esportivas etc. Nesse processo concreto, estimular as ações cole-
tivas e autônomas e ir aproximando da atividade revolucionária
os membros da massa que se destacam nas ações, as lideranças
reais, honestas e dispostas no processo de organização da luta, os
mais solidários, atentos, práticos e ativos.
Esse reforço da ação coletiva na classe operária e nas mas-
sas exploradas gera também entre os/as comunistas e as massas
um contraponto à ideologia individualista pequeno-burguesa,
que existe na consciência das massas, principalmente entre aque-
les que resistem a se inserir nas formas coletivas de resistência.
Entre as massas proletárias, a ideologia burguesa dominante age
constantemente para dividi-las e estimular seu descolamento da
vida coletiva, de diversas formas.
O estímulo que devemos dar à luta coletiva entre a classe
operária e as massas exploradas vai aos poucos apresentando
(ou permitindo apresentar) a solução concreta aos problemas
existentes. Já são elementos embrionários de uma nova for-
ma de poder e de transformação desse modo de produção, da
destruição do capitalismo e sua substituição pelo Socialismo/
Comunismo, lições centrais para o caminho da Revolução.

195
Documento Base

A luta de classes possui três aspectos que os/as comunistas


devem sempre estar atentos: o econômico, sua base, e os aspec-
tos políticos e ideológicos. Toda pequena conquista econômica
material, objetiva, concreta, deve se voltar para desenvolver,
nesses processos de luta, os aspectos políticos e ideológicos das
massas. Se combate por conquistas materiais e, além disso, por
mais autonomia, mais solidariedade e espírito coletivo, que ex-
pressam e validam novas formas de poder e de ver o mundo,
embriões da ditadura do proletariado.

Todas as questões práticas da vida quotidiana das


massas devem constituir objeto da nossa atenção.
Mao Tsé-Tung. Maior Preocupação com a Vida das Massas e Maior
Atenção aos Métodos de Trabalho (1934).

6.1. Princípios de linha de massas

Os princípios de nossa linha de massas podem assim ser


sintetizados em:

Aprender com a classe operária e com as massas exploradas.


Aprender para poder ensinar, para poder levar a luta de
classes a um novo patamar mais avançado. Isso significa res-
peitar, ouvir, ver e viver os problemas das massas pelo tempo
necessário para, inserido na sua luta e na sua vida, conseguir
sistematizar e sintetizar suas experiências e, de dentro dos seus
processos de luta, encontrar as soluções concretas junto com as
massas. Nossa força está na condição de estar presente dentro
das massas, de falar e lutar através delas.

196
Coletivo Cem Flores

Participar e estimular as lutas realmente existentes, objetivas


e concretas.
Trata-se das lutas que são vistas e desejadas objetivamente
pelas massas no seu momento histórico. O que vale é o que está
ajustado à consciência e à ação das massas, aquilo que elas acei-
tam ou pelo que já estão se movendo, para que possamos gene-
ralizá-las, ampliá-las e aprofundá-las através das e com as massas.
Se uma ideia não se incorpora às massas, não tem força material.

Estimular as ações autônomas e independentes da classe ope-


rária e das massas exploradas.
Entender que na relação entre massa e vanguarda existe o
primado das massas. São elas que, por suas próprias mãos, por
suas experiências práticas, constroem seu próprio poder. É o pro-
letariado organizado e mobilizado em torno de seus interesses de
classe que exercerá sua ditadura e sua democracia, seu poder, e
não seus representantes. Para isso, precisa aprender com sua pró-
pria experiência, no tempo necessário, na luta, a ser esse poder.

Confiar e se apoiar nas massas.


Esse princípio é válido mesmo quando as massas não ca-
minham totalmente com sua posição própria de classe, com a
posição revolucionária. Nelas existem disputas e, com humilda-
de, respeito e transparência, devemos expor as nossas e as suas
posições, fazer a crítica e a autocrítica, sem espírito de soberba,
humilhações, arrogâncias, colocando as massas sempre no posto
de comando das decisões. Essa é a única forma de mantê-las
unidas e ganharmos sua confiança. Decidir, agir, refletir e corri-
gir as ações com as massas e através delas, sempre.

197
Documento Base

Disputar posições na luta concreta das massas com a burguesia.


Não idealizar as massas. Pelo contrário, reconhecer a in-
fluência da ideologia burguesa, dominante, nas massas. Essa ide-
ologia disputa a massa na sua própria luta nas formas burguesas
de ação, por meio do reformismo, do esquerdismo e dos apare-
lhos de estado burgueses Para isso é necessário fazer a crítica às
questões relevantes e concretas para as massas, no sentido que
elas sejam ganhas para posições avançadas de forma paciente e
perseverante, avançando passo a passo, optando por posições
dentro da disputa de práticas e ideias existentes ou observáveis
pelas massas na luta.

Combater as velhas ideias, os velhos preconceitos, as velhas


opressões no seio das massas.
A influência burguesa, o peso do patriarcado, do racismo,
do chauvinismo, dos preconceitos de gênero, deve ser combatido
de forma paciente e perseverante nas massas, estimulando a au-
to-organização e a autodefesa dos setores oprimidos, bem como,
a solidariedade militante de todos/as os/as comunistas nas suas
lutas. Não há caminho para o Socialismo sem combater nessas
trincheiras e nem avanço dentro do Socialismo sem a vitória nes-
sas lutas. Compreender que as opressões estão sobredetermina-
das pela luta de classes, que existe disputa de linhas nesse campo.
Portanto, não se trata de uma “ascensão social” de uma ínfima
minoria de oprimidos na sociedade burguesa, tal como defendido
por ideologias pequeno-burguesas e mesmo burguesas. A bandei-
ra dos/as comunistas é a da solidariedade recíproca e da unidade
entre o combate à exploração e a todo tipo de opressão.

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Coletivo Cem Flores

Defender nas lutas concretas o Socialismo/Comunismo, a


derrubada do regime burguês.
A palavra Socialismo/Comunismo não é um mero selo a se
pôr em panfletos. Em cada luta concreta, devemos reforçar, através
da solidariedade, da denúncia das condições de vida e do espírito
coletivo, o contrapoder independente, autônomo e chamá-lo por
seu nome: poder proletário. Identifica-lo, na medida do possível,
com as experiências passadas da luta de classes, criando grupos de
formação sobre a história dessas lutas e de formação teórica para
os grupos mais avançados de líderes das massas.

199
Documento Base

Mas, para tanto é indispensável saber viver e atuar


entre as massas, as massas em geral, especialmente as
massas não comunistas. Ao contrário do que geralmente
acontece, precisam os comunistas saber confundir-se
com a massa no local de trabalho ou nos bairros de
suas residências, saber descer ao nível da massa, usar
sua linguagem, interessar-se por aquilo que a interessa,
penetrar e participar de suas organizações, porque só
assim conseguirá conhecer suas reivindicações mais
sentidas e imediatas, a fim de formulá-las com precisão
e ser capaz de organizar a luta por elas, porque só assim
será igualmente capaz de organizar e dirigir movimentos
de solidariedade, de mostrar na prática sua dedicação
à massa, sua capacidade de levá-la à vitória, de fazer-se
enfim o dirigente, o líder de massa que tem obrigação
de ser cada militante de nosso Partido. Esse trabalho
de ligação com a massa é dever de todo comunista,
mas deve e precisa ser orientado, deve ser um trabalho
organizado e metódico, dirigido para as maiores e mais
importantes concentrações de massa dentro de cada
circunscrição territorial em que atua nosso Partido.

Partido Comunista do Brasil. Manifesto de Janeiro (1948).

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Coletivo Cem Flores

Greve dos Garis, Rio de Janeiro (2014).

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Documento Base

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