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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

Departamento de História

BERNARDO FARIAS LIMA

DEMOCRACIA EM CUBA, GOVERNO REVOLUCIONÁRIO E PODER POPULAR:


UMA ANÁLISE DAS ESTRUTURAS POLÍTICAS DO PAÍS CARIBENHO NO
PERÍODO REVOLUCIONÁRIO (1959- 1965). Título: “estruturas políticas partidárias
(?)”

MANAUS
2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

Departamento de História

Democracia em cuba, governo revolucionário e poder popular: uma análise das


estruturas políticas do país caribenho no período revolucionário (1959- 1965)

Monografia apresentada ao Departamento de


História da Universidade Federal do Amazonas
como um dos pré-requisitos necessários para
obtenção do título de licenciatura em História

Orientadora: Prof.ª Dra. Kátia Cilene do Couto.

Manaus
2023
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a meus pais, Adriana e Sancler pela dedicação ao longo dos anos na
minha formação social e cultural que me forneceram conhecimento necessário para
compreender o mundo, bem como pelo suporte necessário para que pudesse alcançar a
educação necessária.

A todos os amigos que fiz durante os anos de graduação e que me foram importantes na
formação.

A todos os professores ao longo da graduação, mas sobretudo, à professora Kátia Cilene que
me foi importante em diversos momentos, mas principalmente na construção do presente
trabalho.

RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo a elucidação das estruturas políticas partidárias que
formavam Cuba logo após o triunfo dos revolucionários da Sierra Maestra entre 1959 e 1965,
do triunfo revolucionário bem como da organização de um partido de vanguarda aos moldes
leninistas. De igual modo buscamos compreender as particularidades do processo do
socialismo cubano, bem como suas implicações de caráter política sobre a população e de que
modo se deu a inserção das massas no processo de defesa da Revolução, buscando, sobretudo,
rebater algumas ideias há muito propagadas acerca do processo revolucionário no que
concerne à democracia exercida pela população.

Palavras-chaves: Democracia; Revolução Cubana; Partido Comunista Cubano; Massas;


Socialismo; Comitês de Defesa da Revolução.

ABSTRACT
The present work aims at elucidating the political structures that formed Cuba after the
triumph of the revolutionaries in the Sierra Maestra between 1959 and 1965, the revolutionary
triumph as well as the organization of a vanguard party along Leninist lines. In the same way,
we seek to understand the particularities of the Cuban socialist process, as well as its political
implications on the population, and how the masses were included in the process of defense.

Keywords: Democracy; Cuban Revolution; Cuban Communisty Party; Mass; Socialism;


Committees for the Defense of the Revolution.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CDR – Comitês de Defesa da Revolução


EUA – Estados Unidos da América
M-26-7 – Movimento 26 de Julho
PSP – Partido Socialista Cubano
PCC – Partido Comunista Cubano
ORI – Organizações Revolucionárias Integradas
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................5
2. DEMOCRACIA COMO CONCEITO
HISTÓRICO ...................................................12
3. SERIA A DEMOCRACIA BURGUESA A FORMA PERFEITA DE
GOVERNO...................................................................................................................14
4. GUERRA FRIA, REVOLUÇÃO E “TOTALITARISMO” COMO
IDEOLOGIA.................................................................................................................16
5. O TRIUNFO DOS
GUERRILHEIROS ........................................................................21
BREVES ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO
CUBANA .............................................................................................................
..............22
REFORMISMO OU REVOLUÇÃO?..............................................................24
APROFUNDAMENTO DA REVOLUÇÃO – O SEGUNDO GOVERNO
REVOLUCIONÁRIO.......................................................................................27
O PARTIDO COMUNISTA CUBANO...........................................................30
OS COMITÊS DE DEFESA DA REVOLUÇÃO............................................30
A ORGANIZAÇÃO DOS CDRs......................................................................33
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................33
7. REFERÊNCIAS............................................................................................................36
Introdução

Decerto as previsões marxistas que explicaram que os primeiros movimentos revolucionários


eclodiriam naqueles países(quais países?) cujo desenvolvimento capitalista estaria tão elevado
que a oposição entre as classes desembocaria em uma sociedade socialista se não falharam,
encontraram diversas contradições em seu caminho. O que se viu, porém, foram sociedades
cujo desenvolvimento se encontrava tão limitado que as tensões entre as classes aliadas à uma
classe política despojada de representação popular fizesse possível com que a revolta popular
desembocasse em verdadeiras revoluções. O parágrafo parece indefinido, para o leitor não
fica claro de que contexto você está falando se do cubano ou do contexto do leste europeu.
Mesmo citando Marx é preciso especificar o contexto a que ele se refere.

Se em outubro de 1917 a revolução ocorrera na Rússia czarista, onde o que se via era país de
estrutura arcaica e de exploração de vidas dos homens em prol de uma guerra que só havia
sentido para os capitalistas, após a Segunda Guerra Mundial o mundo passa a existir sob
novas relações e novas dinâmicas, o dito “terceiro mundo” já não era tido mais como vítima
passiva do sistema de exploração capitalista em seu nível mais elevado, imperialista. A reação
em cadeia desses países refletia o descontentamento com diversas políticas voltadas às
questões nacionais, sobretudo no campo econômico cuja exploração se dava por agentes
externos, dos EUA ou da Europa.

Se os países do leste europeu entraram na orbita comunista através, sobretudo, dos


movimentos antifascistas, os países subdesenvolvidos enxergavam nesse contexto a
oportunidade de libertação nacional da situação senão colonial, da semicolonial imposta por
países imperialistas já no contexto capitalista pós-independência. Ainda que nem todos
significassem a aproximação a uma revolução socialista, diversos movimentos de
independência traziam consigo o significado muito presente da questão nacional como forma
de enfrentar a dominação estrangeira capitalista. Diversos movimentos burgueses
nacionalistas surgiram nos países de terceiro mundo com a finalidade de estabelecer uma
sociedade mais justa e administrada por seus cidadãos sem que interesses externos se fizessem
presentes.
Contudo boa parte desses países tiveram suas revoluções nacionalistas esmagadas pelo terror
branco patrocinado pelos EUA às forças reacionárias, principalmente lideradas por militares
dos exércitos locais. Exemplos muito conhecidos como o do guatemalteco Jacobo Arbenz e o
pouco abordado historicamente como do indonésio Sukarno foram suprimidos, ainda que não
fossem comunistas, e esmagados por forças reacionárias que assassinaram cerca de 200.000 e
de 500.000 à 1.000.000,00 de pessoas respectivamente, no lastro anticomunista deixado pelos
regimes ditatoriais.

Assim a condição material imposta pelos países capitalistas do primeiro mundo aos países em
subdesenvolvimento impedia qualquer alcance a nível de desenvolvimento econômico dos
centros capitalistas, fazendo com que a “periferia” fosse dependente não só economicamente,
mas através do uso da violência política perpetrado principalmente pelo exército, vale
ressaltar que sem anuência da burguesia o uso de tal força seria impensável.

Na evolução do processo de expansão capitalista nos países subdesenvolvidos tal burguesia


foi fundamental ou em desenvolver a indústria nacional ou em se encontrar em uma situação
de contradição e cooperação com as potências capitalistas, nesse sentido a burguesia permite
livremente a exploração econômica e de mão de obra em troca de vantagens monetárias. Em
geral, tais burguesias eram exportadoras de produtos primários usados na indústria mundial 1,
como no caso brasileiro e o do presente estudo, Cuba, cuja economia era dependente da
monocultura do açúcar.

Historicamente, Cuba se desvencilhou das amarras da colonização espanhola em 1898 com


um legado heroico de luta anticolonial deixado pelos líderes da independência, sobretudo,
José Marti cujas ideias permaneceram vívidas na consciência nacional dos cubanos até o
presente.

Marti, com propriedade previu o que estava ou quem estava ao norte e suas ações, se a luta
anticolonial foi ativa contra a Espanha, outro ator esteve presente e “contribuiu” na
independência da ilha que ao conquista-la sentiu certo amargor. Os EUA que cooperaram na
conquista da independência de Cuba, na verdade se autoproclamou “tutor” e na prática
recolonizou o país através de políticas militares, mas sobretudo no campo da economia, onde
industrias norte-americanas como a Hershey’s e a United Fruits Company 2que dominaram a
economia açucareira do país, tal qual fizeram o mesmo com a indústria do cobre chileno e a

2
própria economia açucareira de interesse da United Fruit na Guatemala, que culminou no
golpe sobre Arbenz.

Com a aprovação da Emenda Platt em 1902 essa tutela passou a ser lei, cuja imposição se deu
de um país o outro, os EUA que no discurso objetivava agir em defesa de Cuba de possíveis
invasões práticas impôs à ilha uma situação de protetorado, onde sua economia, seu exército e
seus políticos eram na prática subordinados a um país que podiam intervir quando bem
entendessem, trocando em miúdos, Cuba virou neocolônia dos EUA, assim como outros
países da América Central e do Caribe, e através dessa política externa os EUA defendia
militarmente não somente seu país, mas construía uma economia cuja exploração sobre países
vizinhos foi fundamental no seu processo de afirmação hegemônica.

É de fundamental importância a compreensão dessa política intervencionista dos


estadunidenses nos países próximos, sobretudo Cuba para o presente trabalho. Se a
democracia deve ser o que se deseja alcançar em uma sociedade igualitária o primeiro de tudo
é entender que a imposição dos desejos de um país dominante, nesse contexto, imperialista,
sob seus vizinhos cujo desenvolvimento se deu tardiamente impõe a renúncia de qualquer
caráter democrático do país subordinado, afinal qualquer anseio soberano da população que se
opusesse aos desejos do país colonizador era sufocado sem levar em conta pormenores dos
cidadãos locais, apenas interesses privados do empresariado estadunidense.

Enquanto após a Primeira Guerra Mundial, os EUA defendiam a abertura de países


dominados por potências mundiais e discursava em defesa da democracia de países da Europa
e da Ásia, que na prática significava abertura econômica para sua exploração, ainda
assegurava que os países latinos continuassem em seu poderio econômico, militar e político
com intervenções periódicas conforme qualquer agitação representasse uma ameaça mínima à
sua hegemonia na região. 3

Entrementes, Cuba viu-se até 1959 em uma situação de relações políticas totalmente
estremecidas, sobretudo desde o governo de Gerardo Machado quando diversas manifestações
irromperam a ilha levando à sua derrubada. Posteriormente, Céspedes e San Martin
assumiram provisoriamente a presidência, o primeiro posto no poder pelos próprios
estadunidenses e o segundo pelo Diretório Estudantil Universitário, o qual obviamente não
fora reconhecido pelo governo americano. Desse modo San Martin não durou muito no cargo,
Fulgêncio Batista que nesse momento se tornara chefe do estado-maior pôs no poder alguns
presidentes títeres que na prática pouca diferença fazia já que era ele quem comandava o país.
3
BANDEIRA, Moniz. De Martí a Fidel. P.104
A emenda Platt em 1933 deixa de existir, ao menos na condição jurídica, já que na prática os
EUA continuavam a intervir na política cubana e sobretudo na economia já que a dependência
de Cuba da exportação do seu açúcar pelo vizinho do norte era sua base e o sufocamento ou
não da mesma era questão de “boa vontade” dos americanos.

Desde então diversos partidos que herdaram o passado revolucionário de Martí se envolveram
no lamaçal político cuja corrupção era dominante, o próprio Partido Comunista Cubano se
envolveu no primeiro governo Batista, atraído pela suposta abertura política conduzida pelo
general e com isso desgastou-se diante da população.

Nesse ínterim, contudo, é importante reconhecer determinados avanços sobretudo na


consciência nacional da população, o movimento trabalhista cresceu e se espalhou pelo país e
graças às pressões foi possível determinadas conquistas, nesse contexto também fundou-se o
Partido Revolucionário Cubano que mantinha vivo o legado revolucionário de José Martí. O
anti-imperialismo, a criação de uma identidade nacional, bem como o antiamericanismo de
igual modo cresceu.

Já a partir de 1952 na condição de ditador, Fulgêncio Batista tornou-se, assim como a maioria
dos então presidentes, um fantoche do governo e do empresariado dos EUA, suas estreitas
relações com esses empresários não nos deixam mentir. Ainda que, como dito anteriormente,
a Emenda Platt não existisse no plano jurídico, as políticas norte-americanas com relação a
Cuba continuavam existindo de maneira intima.

Desse modo diferente de boa parte do restante da América Latina que contou com o
bonapartismo no seu projeto de desenvolvimento nacional e um líder que centralizasse através
do nacionalismo a política do país. Cuba, apesar de contar com um líder que controlasse o
poder, a questão nacional não foi um dos pontos fundamentais de Batista, já que como se
sabe, suas estreitas relações o fizeram como ditador mantenedor da relação de exploração
entre EUA e Cuba.

Compreender, portanto, as características do desenvolvimento da política em Cuba, mesmo


que de forma breve, é passo essencial no entendimento do que culminou na Revolução
liderada por Fidel em 1959. Primeiro por que a ilha caribenha desde sua independência sequer
pôde controlar seu destino já que ao fim do período colonial, o país caribenho viveu sob
controle direto de outra nação e mesmo quando, em teoria, já podia decidir o rumo de sua
política, na prática o país já estava tão submerso na dependência econômica que para a
burguesia cubana o que interessava e restava era se valer das relações com o empresariado
norte-americano para seus ganhos privados. A democracia que até 1952 viveu de aparências,
foi destituída de qualquer representação mínima com o golpe de Batista, que perseguiu e
assassinou opositores, fato que nunca foi de grande preocupação para os EUA, desde que seus
privilégios se mantivessem.

Diante do contexto internacional de opostos ideológicos se digladiando, sobretudo, no campo


econômico Cuba viu-se em um cenário de agitação política onde o materialismo histórico não
deixou de se sentir presente já que o cenário era obra de um passado que seguia em
construção, mas não totalmente em mãos dos próprios cubanos.

O desembocar da história cubana em uma revolução ou revolta era questão de tempo, há


muito não se sentiam representados pela democracia liberal, comum a maioria dos países
ditos democráticos, em nenhum momento do século XX viram-se de fatos representados por
políticos eleitos, mas que na verdade fazia parte das limitações impostas não somente pela sua
democracia, mas pelos anseios norte-americanos.

Seria impossível, por exemplo, a chegada ao poder pela via democrática liberal de um
presidente aos moldes do que acontecera no Chile em 1970 com o discurso adotado pelo
socialista Salvador Allende, de nacionalizações. Não só por que o mercado e a economia
impediam qualquer ação nesse sentido, mas por que a política em Cuba estava muito mais
amarrada aos EUA do que a maioria dos países da América Latina. Assim a democracia na
ilha era de fachada e nunca teve representação de fato popular, a história de Revolução
Cubana é uma história de um legado revolucionário desde a luta pelo fim da colonização se
antes lutava-se pela libertação da colonização, no século XX a luta foi em prol da democracia
e da soberania do povo cubano.

Assim o que aconteceu em Cuba, não foi um simples levante popular por conta dos
desmandos de governantes “democraticamente” ao longo de sua história, o que ocorreu numa
ilha até então em certo nível insignificante pro resto do mundo, senão para os EUA que via
nela apenas um espaço de exploração, foi a elevação ao extremo das contradições entre
classes não só no plano nacional, mas global, cujo legado revolucionário deixado por Martí
bem explicitava ao advertir sobre os EUA:

“Nossa América está correndo outro risco que não vêm de dentro, mas surge da
diferença em origens, métodos e interesses entre as duas metades do continente (...).
O desprezo do nosso terrível vizinho que nos desconhece, é o maior perigo para a
nossa América (...). Por sua ignorância ele pode nos cobiçar”4
4
Assim, é evidente que as relações entre Cuba e EUA, se encontrava no plano também da luta
de classes, afinal as empresas empregadas pelo capital norte-americano apropriaram-se do uso
de mão de obra cubana, a questão agrária, ponto fundamental da Revolução Cubana também
encontra nesse caráter dialético as relações e os embates entre as classes. Outrossim, tais
questões servem como base para compreender que democracia em Cuba ultrapassava os
limites da simples representação política aos moldes liberais e desembocava na participação
popular, democratização de terras, dentre outros temas essenciais para compreender o que
representou historicamente no campo democrático a Revolução Cubana.

Centrar o presente trabalho nos debates acerca da democracia em Cuba significa entrar em um
campo pantanoso, onde as paixões e o ódio reverberam de igual modo, é fato que o discurso
hegemônico tende a criminalizar a revolução em Cuba como uma simples ditadura,
consequentemente um regime autoritário, deve-se tal discurso ao lastro anticomunista gestado
nas últimas décadas por regimes verdadeiramente autoritários que, tinham como base a
eliminação dos militantes socialistas e comunistas.

Pretendemos, portanto, compreender como se constituiu a política revolucionária da ilha no


engatinhar do socialismo cubano, antes mesmo de sê-lo, perpassando não somente pelas
estruturas da política tradicional ou burocrática, para além de uma visão de cima para baixo,
buscando os atores que estavam presentes na atuação política das massas. Antes, porém,
buscaremos a compreensão de alguns conceitos fundamentais no debate proposto, sendo eles
o de democracia, para além de seu conceito liberal que permanece hegemônico na sociedade
burguesa como ideário de “sistema político perfeito” o que soa, e é, puro discurso ideológico
longe de ser realidade.

Outro conceito fundamentalmente propagado e que nesse trabalho apresentamos como


conceito ideológico e não puramente cientifico, é o de “totalitarismo” que empobreceu o
debate nas últimas décadas acerca dos regimes socialistas através de vis simplificações
através de um discurso ideológico apropriado, sobretudo, pelos EUA.

Para tal objetivo buscamos a utilização de fontes historiográficas largamente utilizada na


bibliografia acerca dos temas que compõem o trabalho a fim de que propuséssemos um debate
com distintas áreas das ciências humanas, desde ciência política à breves comentários acerca
da economia política que não podem ser dissociados do tema proposto visto que economia e
política andam juntos, sobretudo quando se aborda a ideia de democracia, conceito tão
presente na sociedade contemporânea.
“Democracia” como conceito histórico

Historicamente a democracia precede a era moderna, desde a Grécia Antiga e das ideias
aristotélicas diversas formas distintas de democracia são debatidas. Obviamente conceitos
antigos observados por Aristóteles em sua “politia” e presentes na democracia (que para
Aristóteles equivalia à deformação de seu conceito) ateniense sofreram modificações assim
como conceitos básicos permanecem presentes.

Se naqueles tempos o conceito de democracia tinha significação em conceitos filosóficos hoje


essas questões estão ligadas propriamente às condições mais concretas da realidade material.
Não nos deteremos nas razões do porquê para Aristóteles o que ele denominava de “politia”
era a melhor ou por que este era melhor do que outros modos de governança, o que nos
interessa é compreender, acima de tudo, quais os princípios básicos aristotélicos da politia e
quais elementos são tidos como essenciais ainda hoje, sobretudo no campo da democracia
liberal.

Em princípio Aristóteles enxergava que a politia seria um governo de maioria visando o bem
comum e, portanto, seria justo enquanto sua deformação, a democracia, seria um governo dos
pobres, ainda assim de todas as seis formas de governo descritas pelo filósofo grego a que
menos se afasta da sua ideia original, segue sendo a democracia. A alternância seria saudável
para princípios de liberdade bem como a participação da multidão nas tomadas de decisão, de
modo diferente do que percebe Platão que vê como modelo exemplar um sistema
tecnocrático, ou seja, apenas pessoas capacitadas estariam preparadas para assumir o governo
sobre todos.

O que nos interessa é também sublinhar uma questão fundamental na compreensão


aristotélica de “politia”, se enquanto há de ter um equilíbrio entre as distintas “classes” para
que possa existir a forma de governo de interesse comum é impossível que possa existir um
governo para pobres (democracia) ou somente para ricos (oligarquia), o que se torna
necessário é um equilíbrio entre as forças, ou seja, em termos anacrônicos e puramente
marxistas o que é necessário para o equilíbrio entre essa correlação de forças é a “conciliação
de classes”.

Não devemos nos ater à conceituação de classe aristotélica, é claro que para nosso ponto de
partida é fundamental compreender brevemente esse conceito em sua gênese. Ao longo da
história tivemos, é claro, uma diversidade de sistemas políticos desde a democracia
aristotélica até a democracia moderna, é claro que dentre esses distintos modelos há
geralmente épocas até certo ponto definidos, o período monárquico que perdura desde os
tempos medievais e em certo nível é presente na sociedade contemporânea via no estado uma
entidade abstrata que deveria através de seus “eleitos” por Deus impor limites às sedições dos
pecadores, ou seja, sua conotação era negativa. 5

Assim o Estado era também vinculado não só à realidade material, mas a questões
fundamentalmente religiosas, nesse contexto há uma divisão se não entre, necessariamente,
classes, mas entre castas “designadas” por Deus, onde aqueles que estavam acima do Estado
eram destinados a dirigirem a sociedade enquanto o grupo subalterno, ou em termos mais
apropriados, servos, eram o grupo a ser controlado.

Com Maquiavel, a divisão entre três distintos modelos de governo que pensara Aristóteles se
transforma em apenas dois: principados e repúblicas, ou seja, reinos e democracia ou
aristocracia, de modo que obviamente os reinos se submetem ao poder de um único individuo
enquanto as republicas, em suas diversas variações, estão sob tutela de um determinado
número de membros. Toda e qualquer forma de governo que fuja a essas duas classificações
é, para Maquiavel, uma deformação fadada ao fracasso.

Outro ponto fundamental do pensamento de Maquiavel é a compreensão de dois fatores


essenciais no que concerne aos novos principados, aqueles reinos que fogem à sucessão.
Primeiro é preciso que exista a “virtu”, ou seja, a capacidade para reinar, bem como é preciso
que exista a “fortuna”, em palavras simples, a sorte. 6

Não iremos nos alongar no debate histórico acerca do conceito de democracia pré-burguesas,
tampouco nas teorias da forma de governo, pois ao longo da mesma essa sofreu diversas
alterações conceituais, que, como bem se sabe se adequou a diversos contextos e momentos
políticos distintos. O fato é que a democracia burguesa representou um salto diante dos
antigos modelos políticos e é, portanto, de nosso interesse compreender fundamentalmente o
espaço tomado pela democracia burguesa, sobretudo, no século XX.

Seria a democracia burguesa a forma perfeita de governo?

É inegável que com o surgimento da democracia burguesa houve um salto qualitativo e


quantitativo no que diz respeito ao conceito de democracia. Se na condição de escravos ou
meros servos em um modo de produção baseado no uso desmedido da violência na coação, as
democracias estavam além da possibilidade de participação desses indivíduos. Com as

6
revoluções burguesas esse quadro se altera e o indivíduo do modo produção capitalista pode
inserir-se no corpo de funcionários do Estado.

Juridicamente, as sociedades burguesas, sobretudo, os EUA analisado por Tocqueville


fundava sua democracia baseada no conceito de “igualdade”, o qual inexistia em sociedades
anteriores que previam através de suas leis que apenas determinados membros da sociedade
possuíam direitos enquanto outros eram apenas membros passivos sem qualquer poder de
decisão ou participação política mínima.

Certamente, a Revolução Francesa representou a quebra fundamental com um passado cujo


poder delimitava-se a poucos membros da aristocracia do ancien régime, com o surgimento
do Estado burguês a democracia ganhou novos “ares”, a democracia que existia nos antigos
ressurgiu em novos moldes, através do parlamento e dos eleitos pelo povo, criou-se
juridicamente um conjunto de leis reguladas pelo Estado burguês que definiam as regras do
poder democrático. Por exemplo,

a primeira constituição escrita dos estados da América do Norte, a da Virginia


(1776), diz: Todo poder repousa do povo e, em consequência, dele deriva; os
magistrados são seus fiduciários e servidores, e durante, todo o tempo responsáveis
perante a ele” e o artigo 3º da Declaração de 1789 repete: “O princípio de toda
soberania reside essencialmente na nação. Nenhum corpo nenhum indivíduo pode
exercer uma autoridade que não emane expressamente da nação” 7

Desse modo a democracia dos antigos que tinha participação mais direta, ressurge sob novos
princípios e com participação popular indireta, com as revoluções burguesas o princípio
democrático estava em escolher seus representantes a fim de que esse possibilitasse a
realização de anseios do povo.

A constituição do estado burguês foi fundamentalmente ligada às questões econômicas


impostas pelo modo de produção que se sobressaia, o trabalhador assalariado responde a uma
nova relação entre patrão e trabalhador, não mais imposta pela violência através da força. A
violência é também ressignificada através de métodos menos explícitos, mas ainda assim por
uma violência ainda contra a classe “subalterna”, no caso capitalista, os assalariados. Agora a
coação centrava-se entre trabalhar para sobreviver ou morrer de fome, não houve meio termo
na história do capitalismo.

Ainda seguindo abordagem sobre a violência, é essencial estabelecer aqui uma concepção
acerca do que essa representou ao longo das Revoluções Burguesas. Primeiramente, apesar do
avanço em termos de direitos gerais conquistado através das revoluções, elas não seriam

7
BOBBIO, Noberto. Liberalismo e Democracia. P. 34.
possíveis sem o uso direcionado da violência, era necessário para que a quebra com o antigo
regime de fato ocorresse e não somente simples medidas reformistas, contudo essa violência
só pôde ser assumida, por exemplo, na França revolucionária, pelas classes mais baixas com
anuência da burguesia, fato é que após o alcance do terreno da nova sociedade essa violência
assumida pelo povo cessou e seguiu apenas na mão da burguesia. Segundo a burguesia
compreendia plenamente a capacidade exercida pela violência em seu processo de conquistar
por isso ao constituir seu ordenamento jurídico, conforme cedeu direitos na contramão impôs
limites estritos. Sobre tal questão Florestan Fernandes esclarece de forma clara

“o que nos interessa é a conquista dos direitos civis. Eles constituem uma faca de
dois gumes. Armam as classes trabalhadoras da capacidade de transcender ao seu
status de afirmar-se dentro da sociedade capitalista em nome de uma pretensão
legítima (não importa quão formal ela poderia ser, em dadas condições) de liberdade
e de igualdade (primeiro, perante a “ordem jurídica”, mais tarde dentro da ordem
política). Ao mesmo tempo, essa mesma condição histórica articula as classes
trabalhadoras à ordenação e aos processos de mudança da sociedade capitalista. Em
suma ao afirmar sua liberdade e sua igualdade dentro da ordem e nos limites da
classe dominante, a classe oprimida se escraviza à hegemonia burguesa. Não só a
ideologia burguesa; também aos interesses da classe burguesa e ao seu aparelho de
Estado, ou seja, à sua dominação de classe e ao seu poder político”8

Contudo as Revoluções burguesas limitaram-se a propor “liberdade, fraternidade e igualdade”


apenas aos burgueses, exemplo disso é a própria Revolução Francesa levada à cabo pela
burguesia nacional, e quanto aos princípios de tal revolução, por que eles não chegaram à sua
colônia em São Domingos?

A resposta, não é necessariamente complexa, a burguesia em seu projeto de dominação em


prol da “liberdade” se utilizou da violência, coação e de uma base econômica fundada na
exploração de classes e racial, sobretudo no terceiro do mundo onde o Estado estava fundado
sob bases coloniais, de exploração e dependência econômica. Em termos raciais os negros
escravizados não entravam no grupo de humanos a quem se propunha liberdade, eram tidos
pelos pensadores do período iluminista ainda como sub-humanos cuja capacidade de
desenvolvimento era restrita.

Os destaques que fazemos sobre determinados temas interessantes e importantes ao presente


trabalho, se assenta no debate acerca da realidade material do objeto a que se propõe o debate,
em outras palavras, o que se propõe é compreender a Revolução em Cuba bem como seus
desdobramentos políticos não de forma isolada e sem a compreensão de realidade histórica, o
que propomos é o entendimento desde o passado já que o materialismo histórico não nega
“que os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob

8
FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a “teoria do autoritarismo”. p.124-125.
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado” 9

Guerra Fria, Revolução e “Totalitarismo” como ideologia.

Antes de seguirmos adiante com a abordagem do tema que propomos é necessário fazermos
pontuações necessárias que sempre estiveram presentes nas discussões acerca de revoluções
socialistas e seus governos, assombrados sobretudo pelas experiências do socialismo real, que
foram tidas como experiências ditas “totalitárias” que sempre desembocavam em ditaduras
que se exprimiam em forma de terror. Isso decorre, sobretudo, principalmente após a Segunda
Guerra Mundial e seu rastro que legou ao mundo a dita “Guerra Fria”.

Antes de nos atermos ao caso cubano, precisamos entender o que significou a Revolução de
Outubro, principalmente após 1945 em escala mundial, principalmente no Ocidente, onde
quem dominava o discurso ideológico era os EUA.

A Revolução liderada por Lênin que culminou na derrubada do czarismo ecoou em diversas
nações do globo, em um contexto do fortalecimento do capitalismo industrial bem como de
fortalecimento do imperialismo, tema esse supracitado em diversas obras do líder
bolchevique. Num país fronteiriço a nações da Europa, diferente da maioria dos demais, a
Rússia não se encontrava um estágio de desenvolvimento industrial, sua indústria era pouco
desenvolvida de tal modo que eram industrias estrangeiras que eram presentes no país até
então czarista.

Caso muito semelhante aos países do dito terceiro mundo, excetuando-se as condições raciais
impostas a esses países. Era de se esperar que uma revolução que derrubasse a classe
dominante não só fosse admirada pela classe proletária de todo o mundo, mas que se
repetissem sob condições internas em diversos países que se viam em condições similares.

Quando do fim da Segunda Guerra, diversos países do terceiro mundo viam diante de si a
oportunidade ideal de avançar rumo à sociedade que desejavam, principalmente, pelo fato de
surgirem questões pós-guerra que questionavam o imperialismo da Europa e dos EUA, esses
países e, sobretudo, o governo estadunidense, se indispuseram a “permitir” que os países
subdesenvolvidos seguissem um caminho soberano com direito à livre escolha de ideologia,
cultura, política e econômica.

9
Para além do campo militar, político e econômico que já foi exaustivamente debatido pelas
mais diversas matizes de historiadores e cientistas políticos, há necessidade de debatermos,
para prosseguimento do presente trabalho, acerca da ideologia, não de forma vulgar como é
tido para algumas pessoas quando abordamos o assunto mas travestido de discursos que
compôs o debate político da segunda metade do século XX onde se acirravam o debate entre
capitalismo e socialismo principalmente quando não se têm claro, ou que se diz “cientifico” e
aceito pela comunidade acadêmica como conceito fixo.

A partir do fim da Segunda Guerra, o novo cenário dominado pela contraposição ideológica
entre EUA e URSS permeou não só o debate político ou das relações internacionais, o campo
científico e acadêmico foi ideologizado nos diversos debates que passaram a existir, mesmo
dentro do campo marxista o debate contrapôs distintas visões. Primeiramente, por ideologia
devemos compreender todo aquele pensamento que perpassa a abstração e encontra-se
presente na realidade do ser social, nas relações entre os membros de determinada sociedade,
bem como é determinada pelo seu modo de produção, ou seja, corresponde a uma forma de
consciência social de um determinado período. Bem, é fato que a ideologia corresponde uma
forma de reprodução da consciência, mas essa reprodução não ocorre de forma espontânea,
tampouco pode ser produzida sem a intervenção de terceiros, como dito ela é produto de
determinada sociedade ou época, recorrendo ao pensamento marxiano:

“As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias da classe dominante,
isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade, é ao mesmo tempo
sua força espiritual. A classe que tem à sua disposição os meios de produção
material dispõe também dos meios de produção espiritual, de modo que a ela estão
submetidos aproximadamente – e ao mesmo tempo – os pensamentos daqueles aos
quais faltam os meios da produção espiritual. As ideias dominantes não são nada
mais do que a expressão ideal das relações sociais dominantes, são a expressão das
relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua
dominação” 10

Não pode ser mais claro o pensamento marxiano, a ideologia é nesse sentido uma arma na
manutenção da hegemonia burguesa, que não tem seu fim somente na condição material, mas
da consciência e do ser, é o que transforma a práxis em ação consciente e não arbitrária. Não é
o objetivo desse trabalho debater o que é ideologia, tampouco estabelecer conceitos há tempos
difusos em trabalhos de diversos autores, o que nos interessa é compreender como a ideologia
permeou o embate socialismo versus capitalismo no ocidente, onde concentra-se o objeto de
nosso estudo, Cuba.

10
Após a Segunda Guerra, o enfoque que se deu à Alemanha hitlerista passou a ter novo
protagonista como inimigo a ser combatido, sobretudo no Ocidente. Dessa vez lutava-se
contra os bolcheviques, não tardou que surgissem obras e autores que equiparassem Nazismo
e Comunismo como irmãos gêmeos e um conceito difundiu-se e perdura até hoje em diversos
debates, sobretudo, políticos, o conceito de “Totalitarismo”.

Deve-se à Hannah Arendt os créditos por tamanha propagação, a autora de “As Origens do
Totalitarismo” (ano da obra) contribuiu marcadamente tanto no meio cultural quanto no meio
academicista para a fixação do termo ao conceituar que forma de governo representava a
Alemanha nazista bem como a URSS.

Como dito, não vamos nos aprofundar nesse debate, mas é de fundamental importância
compreender como essa ideia intercedeu no debate acerca da experiência cubana no sentido
de perpetuar contra Cuba a ideia de um regime autoritário e com supressão de todas as
liberdades.

Não estamos nesse trabalho negando as contradições que há nas experiências socialistas ao
longo do século XX, desde as experiências revolucionárias até as de combate ao fascismo do
leste europeu, o que propomos é compreender suas contradições bem como o contexto em que
estavam inseridas, assim rebatendo afirmações que se pautam em simples ideologia, como é o
caso Arendtiano.

Assim sendo, é importante destacarmos esse fator, sobretudo pelo fato de constante
propaganda realizada pelos EUA ao longo mundo contra o socialismo soviético, é de pouco
conhecimento, por exemplo, que obras de Orwell foram difundidas em diversos países como
propaganda anticomunista, como no caso indonésio. 11

Arendt buscou em sua obra não apenas conceituar a ideia de totalitarismo, mas aproximar os
distintos polos Nazismo e Comunismo, que são inimigos naturais, como sendo intimamente
ligados, no que viria ser denominado de “Teoria da Ferradura”. Em “As Origens do
Totalitarismo” há a divisão entre três conteúdos que descreveriam um estado Totalitário, o
antissemitismo, imperialismo e o totalitarismo em si.

Antes de tudo, as duas primeiras bases de um estado totalitário não se inserem no caso da
experiência soviética, não podemos classificar a URSS como um Estado antissemita
tampouco imperialista. Afinal, quais foram as atuações dos soviéticos em intervenções à
países para explorar sua economia? Quantas empresas soviéticas dominavam industrias em
11
países dependentes economicamente? O próprio Lênin denunciou o imperialismo em
“Imperialismo, fase superior do capitalismo”, pois era evidente que a Rússia Czarista era
dominada pelo capital estrangeiro.

Obviamente a autora alemã repatriada nos EUA, não dedica nesses dois capítulos críticas tão
contundentes como as realizada no último que aborda, de fato, o totalitarismo. Para começar,
devemos nos ater ao fato de que ao início do terceiro capítulo a primeira parte inicia-se com o
título “uma sociedade sem classes”. Bom na Alemanha nazista as classes não se alteraram elas
permaneceram e se reforçaram sobretudo em relação aos capitalistas das indústrias pesadas
em vantagem devido ao contexto da guerra. Obviamente esse título recorre em negativar as
ideias socialistas.

Algumas das descrições feitas por Arendt para definir um estado totalitário concentram-se no
fim do multipartidarismo, na existência de um partido único, bem como o fim do ser enquanto
indivíduo que possa exprimir qualquer sensação12. Essa segunda está diretamente relacionada
ao apontamento que fazemos em relação ao título abordado no parágrafo acima, Arendt
relaciona o fim da sociedade sem classe com o fim do indivíduo, assim sendo que a forma
única de não haver totalitarismo, segundo Hortmann, é que a divisão entre classes não seja
abolida13. Não precisamos ir a fundo para concluir que essa ideia de Arendt é descabida, o fim
da sociedade de classes não significa o fim do indivíduo.

O que nós objetivamos é expor uma visão, no mínimo contraditória da autora alemã que
apesar de expor em seus dois primeiros capítulos a questão antissemita (racial, por assim
dizer) bem como o imperialismo, ignora na terceira etapa da análise, as duas primeiras partes
em prol de uma análise artificial que aproximem distintos modelos políticos como se a
emancipação classe trabalhadora e o nazismo fossem de fato semelhantes.

Arendt também apela ao discurso racionalista para classificar a sociedade totalitária em


aversão à sociedade racionalista (ocidental-liberal), diz Hortmann:

“É que Mészaros descreveu como ‘prosaico discurso da racionalidade versus


irracionalidade’ dentro da sociedade liberal-capitalista. Sinteticamente, para a
teórica, a sociedade totalitária era irracional, logo uma sociedade não totalitária tinha
de ser (negativamente) racional. Isso significa que o ocidente liberal-capitalista é
racional e, portanto, uma sociedade não-totalitária. Ela não apresenta quais são as
determinações concretas da irracionalidade e, detém-se a repetir que as sociedades
totalitárias são atomizadas (ou amorfas) porque não têm classes sociais (falsa
premissa) por que não têm classes sociais (falsa premissa). Esse modelo de
argumentação circular manifesta-se noutros momentos”. 14
12
ARENDT, 358
13

14
Não iremos alongar tal discussão o que nos interessa aqui é expor como o debate foi tomado
nas últimas décadas, sobretudo após o acirramento entre as distintas potências, de forma
ideológica. Não estamos aqui negando a ideologia, tampouco impondo a ciência a um
processo de neutralidade que inexiste. Mas como a ideologia se sobrepujou a qualquer aspecto
analítico dentro da história, filosofia ou ciência política. A história em sua materialidade foi
negada e a autora de modo intencional ou não, se sobressaiu na abordagem do tema e
dominou os espaços de discussões ao longo das décadas. Isso refletiu na conceituação de
diversos países senão como totalitários, como autoritários, como o caso cubano que seguiu o
caminho marxista-leninista, tal qual os soviéticos, claro adaptando-o às suas particularidades.

Não foi só Arendt que esteve presente no esteio argumentativo da teoria do totalitarismo bem
como suas congêneres chegando ao ponto de haver a defesa de ditaduras de caráter fascistas,
através de Carl J. Friedrich e Zbingiew K. Brzezinski, como de Franco e Salazar, “como
“ditaduras técnicas” e instrumentais para a defesa da democracia”. 15

Tal qual as ditaduras latino-americanas que justificavam o impedimento de uma suposta


revolução comunista era perfeitamente compreensível diante do ponto de vista de alguns
desses autores a argumentação de que “os fins justificam os meios”, nesse caso era legítimo
romper a democracia em nome da manutenção do poder e do estado burguês.

Mas afinal, o onde queremos chegar com a presente exposição? De forma simples,
primeiramente expor a condução do debate realizado ao longo da segunda metade do século
XX e que permeia ainda as discussões quando se trata das experiências socialistas desse
período e segundo, demonstrar que a posição assumida pelos autores e, sobretudo, por
Hannah Arendt, não são meros estudos científicos embasados em extensas pesquisas, não
negamos a contribuição da filosofa alemã aos estudos sobre totalitarismo tampouco sobre o
nazismo alemão, mas é possível compreender que sua obra perpassa por diversas questões
invisíveis aos olhos de quem lê, sobretudo de caráter ideológico, o que não quer dizer que sua
obra seja um panfleto ideológico intencionalmente mas assume tal caráter e foi apropriado
pelos liberais, conservadores e neoliberais no contexto de disputas ideológicos e hoje é tido
como teoria fixa acerca do tema.

Ora, era plenamente aceitável o assassinato de latino-americanos, asiáticos e mulçumanos em


nome da democracia liberal nas ditaduras anticomunistas que se expandiram pelo mundo
patrocinados pelo governo norte-americano em nome dos preceitos “liberais”? É possível que

15
o “Fim da História” anunciado pelo hoje, arrependido, Fukuyama seja de igual modo visto
pela Alemã, já que esta via nas democracias burguesas do ocidente um modelo ideal.

O primeiro governo revolucionário

Antes de tudo temos que compreender que diante da realidade histórica da então sociedade
cubana, muito se questionara o sistema político cubano, que de forma sistemática estava
envolvida em uma estrutura política subserviente e corrupta. Obviamente as representações
moldadas pela política burguesa pouco se identificava com os anseios da população cubana e
passavam mesmo que de maneira indireta pelo crivo do governo estadunidense.

Não vamos nos ocupar inteiramente da abordagem feita na introdução, senão de forma breve,
a respeito da perspectiva histórica anterior à revolução, o que nos interessa é compreender o
desenvolvimento embrionário da política socialista da revolução e a inserção da população à
política cubana.

É importante, antes de tudo, rebater algumas teses propiciadas por estatísticas analíticas das
quais se prendem os adversários da Revolução Cubana para condenar o socialismo cubano
como um retrocesso político-social da ilha, essas ideias se prendem sobretudo a um
economicismo do qual os liberais e neoliberais utilizam como argumentação de um possível
progresso capitalista da ilha, ideia essa infundada.

Há uma percepção por parte destes de que o desenvolvimento da ilha em termos sociais e
econômicos caminhava a passos largos se comparado com a região da América Latina, essas
percepções baseiam-se, sobretudo, em analises estatísticas de renda per-capita, de consumo de
bens e de alimentos dentre outras coisas. Se analisado sem profundidade esses dados de fato,
correspondem a uma evolução em termos sociais, porém, segundo Luiz Bernardo Pericás, por
trás desses dados a situação demonstrava-se muito mais complexa:

“O desemprego era um problema crônico para a saúde econômica nacional. Cerca de


25% da força de trabalho encontrava-se desocupada no começo de 1950, enquanto
75% dos obreiros tinham emprego em base anual. Isso demonstra que uma
significativa parcela da população dependia de um período de três a quatro meses
durante o ano. [...] Em 1958, numa força de trabalho de 2,204 milhões de
trabalhadores, 549 mil, em média encontravam-se desocupados”. 16

Quanto a renda per capita, o autor prossegue: “A renda per capita média anual dos
trabalhadores cubanos entre 1950 e 1954, de acordo com números apresentados por Leo
Huberman e Paul Sweezy, era de aproximadamente US$ 312, o equivalente a US$ 6 por

16
semana.”17 Quanto a economia, Cuba estava entre os países que menos cresciam nesse sentido
com um índice de 1,5% ao ano.18

No campo educacional é possível ter uma dimensão da realidade cubana, ainda segundo
Pericás, havia cerca de 1 milhão de pessoas analfabetas, no campo essa realidade se acentuava
com quase cerca de 42% da população sendo iletrada em 1953, com metade das crianças em
idade escolar fora do ensino básico, além disso aqueles que se formavam no ensino básico não
avançavam em níveis pré-universitários, segundo o censo de 1953 somente 3,5% chegavam a
esse nível, enquanto apenas 1% estavam no ensino superior.19

Quando se fala em democracia não estamos abordando apenas aspectos de caráter


burocráticos e políticos, mas sociais, democratizar não significa somente possibilitar a eleição
de representantes do povo, mas significa possibilitar a participação do indivíduo como
membro de uma sociedade de iguais, isso não quer dizer que essa participação ocorra sem
contradições.

Certamente um dos fundamentos da revolução cubana baseou-se no caráter econômico, a


economia da ilha era baseada na monocultura do açúcar, era fortemente agrária, pouco
desenvolveu-se a indústria cubana e em larga medida as industrias eram multinacionais norte-
americanas. Aliado a isso grande parte das propriedades rurais estavam em mãos de poucos
proprietários, além disso haviam cerca de 100 mil pessoas que eram arrendatários,
subarrendatários e precaristas. Objetivando dar cabo ao latifúndio, através dos “Títulos de
reforma Agrária”, o governo revolucionário redistribuiu 67% das terras para os pequenos
agricultores. “Também isentou os camponeses de pagar aluguel, assim como acabou com a
exploração de intermediários e usurários. Possibilitou a ampliação de um mercado interno a
partir de uma redistribuição de renda mais equitativa e ajudou a diminuir no curto prazo o
desemprego crônico no campo”.20

Porém não foi somente no campo que a revolução buscou democratizar o acesso à população,
nas cidades os aluguéis tiveram cortes pela metade, as taxas de energia também sofreram
reduções.

Essas políticas inicias fundamentais para a população bem como a planificação econômica
não seria possível sem avanços no campo político, era necessário assim criar uma nova ordem

17

18

19

20
política pondo fim à “democracia” burguesa existente após ao fim do colonialismo na ilha, há
quem possa crer que o fim da democracia liberal-burguesa pudesse significar o fim da
democracia em si, mas até então quais vantagens a democracia liberal pudera trazer ao país
senão vícios e corrupção que privilegiavam uma elite nacional bem como estrangeiros em
busca de lucros econômicos?

Bom, o que de fato se procedia após o sucesso dos revolucionários de Sierra Maestra é que as
instituições básicas do Estado preexistentes teriam de ser destruídas. “Qualquer que seja a
posição teórica tomada diante da questão do Estado, uma coisa é óbvia: o Estado democrático
burguês precisar ser destruído”21

É fato que no interim entre o triunfo da revolução e o aprofundamento da planificação, bem


como a transição ao socialismo, muitas contradições tornaram-se patentes. Inicialmente Fidel
não fora tido como líder máximo político, claro, ele permanecia como líder máximo da
revolução, mas o choque entre ideias ficou muito claro. Como é de conhecimento comum,
Fidel, líder fundamental não era socialista, tampouco comunista, era antes de tudo um
nacionalista que via na libertação nacional o progresso essencial para Cuba, pensamento esse
legado por José Martí. Com isso a ilha não se tornou de imediato socialista e passou por ara
um processo de renovação política sob determinadas delimitações. De forma óbvia há um
interregno entre o campo socialista e o nacionalista, enquanto o socialismo tem uma ideologia
clara e definida, claro com diversos experimentos o nacionalista carece de ideologia clara,
mas prega acima de tudo a independência de um país diante da condição dependente a qual é
exposta.

De forma clara a revolução buscará romper com as antigas estruturas, porém em seu princípio
não seguia uma linha teórica e política clara, seus anseios baseavam-se no anseio geral da
população: reforma agrária, educação, saúde e demais demandas básicas. Assim a Revolução
deixou a Sierra Maestra

Desde las ultimas reuniones en la Sierra, en las que participaron los dirigentes
civiles y militares de la Dirección Nacional del Movimiento 26 de Julio y el ya
designado presidente provisional por el Conjuto de Instituiciones Cívicas, Manuel
Urrutía, Fidel Castro, estableció que el rol de los comandantes revolucionários en la
nueva República no sería político o administrativo. Los jefes revolucionários decian
haber derrocado una dictadura para devolver al pueblo la soberania nacional. El
nuevo Gobierno tenía el encargo de restablecer el orden constitucional, decretar el
conjunto leyes revolucionarias anunciadas en el programa de Monacada y convocar
elecciones legislativas y presidenciales. Ése era el mandato que habia recebido del
Conjunto de Instituiciones Cívicas, del Frete Cívico-Revolucionario y de los propios
jefes militares de la Sierra Maestre, el juez Urrutia. 22
21

22
Logo, a princípio o que se desenvolvia era uma política dentro do campo de democracia
burguesa, sem necessariamente possuir qualquer viés marxista, haviam claro, comunistas em
torno do novo governo e, sobretudo, de Castro. De forma evidente algumas políticas iniciais
propostas desde a gênese da revolução estabeleciam e questionavam princípios fundamentais
do capitalismo e liberalismo, e o que certamente causou um grande estranhamento e
desconfiança aos EUA (que desde o princípio lutou contra a guerrilha através de Batista), mas
que na verdade evidenciavam o caráter democrático da revolução.

O governo indicado para assumir a direção da revolução em Cuba era inicialmente integrada
sobretudo, por civis e integrantes do Movimiento 26 de Julio. Urrutia era presidente, José
Miró Cardona primeiro-ministro, dentre os principais nomes há Roberto Agramonte, ministro
de Estado, Rufo López Fresquet, ministro da fazenda, Elena Mederos, de bem-estar social,
que eram, por exemplo, ou integrantes do autenticismo e da ortodoxia ou eram respaldados
por ambos, Fidel acabara nomeado Comandante-em-chefe das Forças Armadas.

De forma clara esse governo inicial foi montado sobre uma base ideológica moderada, sem
grandes alterações no curso da política cubana era baseada

“en los principales documentos programáticos de la Revolución: el Programa del


Moncada (1953), La historia me absolverá (1954), los manifiestos del 26 de Julio y
de la Sierra, el programa Nuestra Razón y el Pacto de Caracas. Una ideologia
nacionalista democrática, no comunista, que aspiraba a la restauración del orden
constitucional de 1940 y a la implementácion de una serie de reformas económicas y
sociales que rearfimarían la soberania y la igualdad de la nación”.23

O documento “Manifiesto de la Sierra” tinha como principio estratégico unir forças desde a
Serra em torno da Revolução a fim de que depusessem Batista e que se propusesse a volta da
democracia e de eleições livres, liderado por um governo transitório e neutro 24. Tal
documento demarcou as alianças de Fidel, ao menos no estágio inicial da revolução, com a
burguesa, as tarefas do governo provisório eram claras:
a) Liberdade imediata para todos os presos políticos, civis e militares; b) Garantia
absoluta de liberdade de informação à imprensa de rádio e escrita, de todos os
direitos individuais e políticos garantidos pela Constituição; c) Designação de
prefeitos provisórios em todos os municípios, mediante consultas prévias às
instituições cívicas locais; d) Supressão do peculato em todas as suas formas e
adoção de medidas que tendam a incrementar a eficiência de todos os organismos do
estado; e) Estabelecimento da carreira administrativa; f) Democratização da política
sindical promovendo-se eleições livres em todos os sindicatos e federações de
indústrias; g) Início imediato de uma intensa campanha contra o analfabetismo e de
educação cívica, exaltando os deveres e direitos que tem o cidadão para com a
sociedade e a pátria; h) Fixação das bases para uma reforma agrária que tenda à
distribuição das terras improdutivas e a converter em proprietários todos os colonos,
parceiros, arrendatários e posseiros que possuam pequenas parcelas de terra, quer

23

24
Martha Harnecker
sejam propriedade do estado ou de particulares, mediante indenização aos antigos
proprietários; i) Adoção de uma política financeira sadia que resguarde a
estabilidade de nossa moeda e tenda a utilizar o crédito da nação em obras
reprodutivas; j) Aceleração do processo de industrialização e criação de novos
empregos. (...)25

De forma obvia esse programa não comporta a teoria socialista, era estritamente ligado à
forma política liberal-burguesa e não abria de forma mais explicita à participação popular para
além da forma tradicional de eleição de representantes, claro proporcionar direitos básicos dos
trabalhadores, como a livre eleição sindical, reforma agrária (que se tornou mais radical com
Fidel no poder), dentre outras propostas básicas que perpassavam, sobretudo, pela ideologia
dos guerrilheiros.

O Pacto de Caracas, assinado em 20 de julho de 1958, também representava um pacto com a


burguesia na busca de uma frente ampla que opusesse Batista, Fidel foi pragmático, sabia as
proporções que assumiria uma frente ampla e acima de tudo tinha consciência de que o
momento requeria tal aliança, mas que a força popular seguia junto dos revolucionários.
Assim, ao contrário das revoluções burguesas que se utilizam das forças populares, Fidel em
plena consciência da importância do poder da burguesia em aglutinar forças políticas, pôde
criar uma aliança pragmática.

Já em 1959, Fidel assume como primeiro-ministro no lugar de Miró, podendo dirigir as


políticas do governo, Raul Castro assume seu lugar como chefe das forças armadas e Camilo
Cienfuegos assume a Chefia do Estado Maior do Exército a fim de dissolver a estrutura
repressiva da ditadura de Batista, nessa época também começam os fuzilamentos contra os
membros do exército do antigo ditador. Também foi a partir desse momento que políticas
pensadas pelos revolucionários começaram a ser aplicadas, como o corte dos alugueis.

Nesse momento de reformas mais profundas é que passam a ser explícitos as contradições,
sobretudo entre Urrutia e Fidel. No que se refere à reforma agrária Urrutia era da opinião de
que era necessário haver indenização pelas expropriações, “las declaraciones de Urutia
coincidieron con la nota diplomática del Departamento de Estado de Estados Unidos”.26

A partir de então a relação entre os dois torna-se cada vez mais complexa, Urrutia dava
declarações públicas de infiltração comunista no governo revolucionário e, por outro lado,
Urrutia não parecia querer avançar em políticas que, no mínimo, reformistas para avanço da
sociedade cubana.

25

26
Em 16 de Julho, Fidel Castro, inusitadamente renuncio ao cargo de primeiro ministro,
contudo, gozando de enorme popularidade, a população não pôde deixar de se opor à tal
renuncia e com isso quem acaba renunciando é Urrutia, para no fim Fidel voltar ao cargo.

O aprofundamento da Revolução
É a partir do segundo governo revolucionário que muitas das reformas e das políticas se
aprofundam no sentido de romper com as estruturas do antigo regime. Apesar de já gozar de
enorme popularidade, é nesse período que os revolucionários que tomam a vanguarda do
poder em Cuba. O problema, contudo, surge, na falta de uma organização política que
direciona as tomadas de decisão.
“A ausência de um partido revolucionário que educasse e organizasse politicamente
essa massa, dava origem a muitos problemas graves. O castrismo ficava preso em
um plano, a compromissos unitários de uma oposição relativamente amorfa (se se
excetuam o próprio Movimento 26 de Julho, o Diretório Revolucionário ou o
Partido Social Popular). E, no outro ganhava uma grande liberdade, pois não se
prendia ao dogmatismo de uma “linha revolucionária de partido”, embora tivesse de
acompanhar as propensões revolucionárias mais ou menos espontâneas” 27

A guerrilha deixara o campo e assumira o poder, consequentemente, apesar de ter poder de


mobilização das massas e engajamento da população nas ações revolucionárias, nesse
momento era necessário a estruturação e formação política tanto dos quadros do governo
quanto da população. A burguesia, que padecera com Urrutia, não tinha capacidade de
mobilização da qual gozava Fidel e passara a se contrapor ao novo governo. A verdade é que
a burguesia jamais teria a capacidade que tiveram os revolucionários de mobilizar as massas,
se não objetivasse destruir as antigas estruturas e sem se contrapor ao capitalismo
estadunidense (o que Urrutia não faria). Romper com o passado político era necessário
mesmo no sentido de identificação com a população cubana, apesar dos inúmeros partidos
que reivindicavam um passado de lutas políticas, mesmo o comunista, nenhum deles tinha
solidez suficiente para assumir uma vanguarda política.

Diferentemente do que ocorrera revolução de outubro, onde Lênin tinha sua teoria
revolucionária bem estruturada em princípios também práticos, a Revolução em Cuba adequa-
se à ideologia socialista conforme evolui seu sentido político e luta contra um inimigo maior
que o segrega politicamente na região.

A falta de organização política que direcionasse os três grupos integrantes da revolução


conseguiu maior unidade apenas quando a ala direitista do M-26-7 consegue ser destituída de
qualquer força política.

27
Desse modo segundo Florestan,

“era preciso extrair da “crista política” desta situação uma solução política
adaptativa, que fosse suficientemente elástica para integrar exclusiva e para eliminar
riscos de dispersão, de oportunismo ou de consolidação reformista. A solução
natural (e, por conseguinte a mais fácil) consistia em unificar as várias organizações
revolucionárias provadas na luta contra Batista e propensas a defender o caráter
socialista de revolução. Assim se constituíram as Organizações Revolucionárias
Integradas (ORI), compostas pelo Movimento 26 de Julho, Partido Social Popular
(antigo Partido Comunista de Cuba) e Diretório Revolucionário (ex-Diretório
Estudantil Revolucionário). Ao que parece Fidel falou pela primeira vez dessas
organizações (em 26 de julho de 1961) depois que elas se achavam em plena
atividade. Sua constituição só foi divulgada em 8 de março de 1962; sua direção
nacional era composta de 13 membros do 26 de Julho, 10 do PSP e 2 do DR. [...]
Em termos estratégicos, a solução visava a dois objetivos (claramente delineados por
Fidel Castro). Primeiro, produzir forças políticas da revolução, Já que era
impraticável acelerar a história “por baixo”, por falta de liames institucionais entre a
classe revolucionária no poder, cumpria avançar depressa na articulação das forças
revolucionárias que podiam agir, construtivamente, através do governo e das ORI,
de cima para baixo. Segundo, abrir caminho, com apoio nas ORI, para a constituição
do Partido Unido da Revolução Socialista (PURS), o partido da revolução. 28

O responsável pela organização das ORI era Ernesto ‘Che’ Guevara, que buscava uma
organização centralizada em que seus quadros eram estritamente selecionados, mas acima de
tudo ligado às massas. Buscava-se, sobretudo, deixar as táticas de guerrilha na Sierra e aplicar
políticas centralizadas sem improvisos políticos próprios do período da guerrilha. Esse
período não existe, claro, sem contradições e é justamente nos membros do PSP que se
encontram os problemas. Havia no PSP uma tradição marxista anterior à revolução, isso
significava que seu quadro político era longevo e muitos marxistas históricos faziam parte de
sua composição, com isso era esperado, visto que Fidel ainda não havia assumido o caráter
socialista da revolução, é de se supor que muitos dos marxistas do PSP viam-se como
verdadeiros representantes do socialismo cubano, com isso o sectarismo começou a tornar-se
evidente. Segundo Harnecker,

“Anibal Escalante, dirigente do Partido Socialista Popular e secretário da


organização das ORI, cai em desvios sectários, tratando de controlar o nascente
organismo unitário. [...] Ao pôr em marcha todo um dogmatismo e sectarismo em
que... até desertores do PSP foram preferidos a combatentes da Serra, apenas por
terem sido militantes do mesmo”. [...] O sectarismo manifestava-se em crer que os
únicos quadros revolucionários, os que deviam estar em todos os postos e em todas
as funções eram os “velhos dirigentes marxistas”, o que em Cuba, não queria era
dizer outra coisa que ser militante do PSP, o único partido marxista antes da
Revolução”29

O objetivo da ORI, era acima de tudo integrar as massas às políticas revolucionarias que
estavam surgindo no seio da sociedade cubana a partir de cima, não seria possível uma
democracia proletária sem a participação de membros que tivessem de fato representação

28
FERNANDES, Floresta. Da guerrilha ao socialismo.
29
política diante das massas, o PSP, apesar de fundamental no processo de amadurecimento
político nunca gozou do amplo reconhecimento que tinha o Movimiento 26 de Julio, se assim
fosse antes da revolução o PSP estaria na vanguarda da revolução. O fato é que Fidel e seus
companheiros não se deixaram levar por um socialismo pré-concebido, tampouco totalmente
baseado no exemplo soviético. A formação política da Revolução levou em conta seus fatores
exclusivos do processo interno de amadurecimento político, baseou-se é claro no marxismo
no processo de centralização.

No intento de direcionar corretamente as ações políticas a ORI dá lugar ao PURS em 1962,


que, sobretudo após a invasão à Playa Giron, busca fortalecer o socialismo cubano,
aprofundando seu nível histórico e o significado político da revolução. 30
O problema é que a
partir do PURS a seleção dos membros do partido se torna demasiado excludente, segundo
Harnecker, a “organização não cresce, depura-se. Dos 4 mil funcionários da fábrica de têxteis
Ariguanabo, a maior fábrica do país, por exemplo, apenas são eleitos trabalhadores
exemplares 197 operários”.31

Apesar disso a escolha para a representação do povo passava, sobretudo, pela aprovação das
massas, os membros do escalão mais alto do governo revolucionário. A lógica mecanicista de
escolha de representantes foi alterada, como o próprio Che, assinala

“o marxista deve ser o melhor, mais capaz, o mais completo dos seres humanos,
mas, sempre, acima de todas as coisas, um ser humano; um militante de um Partido
que vive e vibra em contato com as massas; um orientador que materializa em
diretivas concretas os desejos às vezes obscuros das massas; um trabalhador
incansável que entrega tudo ao seu povo.”32

Alguns conflitos se resolvem somente quando da criação do Partido Comunista Cubano, em 3


de outubro de 1965, onde enfim se aprofunda no marxismo-leninismo torna-se ideologia
oficial da Revolução, claro com suas ressalvas às exclusividades cubanas, obviamente assim
como os outros organismos anteriores, o PCC respondia à necessidade de ligação com as
massas e do centralismo democrático, bem como avançar ainda mais rumo ao socialismo,
aprofundar e combater os idealismos e sectarismos do antigo PSP. A fundação do PCC marca
um avanço histórico rumo ao socialismo e rumo à nova sociedade que se criava em Cuba,
superando desvios do passado, mas isso não quer dizer que ao longo do processo, não tenham
surgido contradições bem como erros e acertos.

30

31
Pg. 17
32
O PC Cubano foi essencial ao unir forças de forma centralizada aos moldes marxista-
leninistas, modelo seguido pelos revolucionários, no qual o centralismo democrático de fato
se propunha através de um partido de vanguarda que direcionava a revolução, o Partido
Comunista Cubano, tornava-se assim, o partido oficial da Revolução Cubana.

Os comitês de defesa da revolução

Embora existam muitas pesquisas no campo historiográfico a respeito da Revolução Cubana,


a necessidade de analisar e compreender o funcionamento da participação democrática para
além dos campos estritamente burocráticos, que por vezes correspondem o significado de
democracia para aqueles que veem de fora a experiência cubana é inerente no processo de
assimilação da experiência cubana, desde seu inicio o socialismo cubano propôs uma
participação popular muito mais inclusiva, visto que diante das relações dialéticas do passado
da sociedade cubana era indispensável a acepção de uma política excludente.

Apesar de nosso recorte histórico não nos levar a uma compreensão mais longeva do processo
revolucionário em Cuba senão no pequeno espaço que compreende a afirmação do caráter
socialista do então processo em marcha na ilha, algumas perguntas sempre foram pertinentes
não só em torno da ilha, mas naqueles que demonstram o mínimo interesse no passado
histórico do socialismo cubano, tanto aqueles que manifestam apoio quanto aqueles que se
opõe raivosamente: por que o socialismo cubano não cai?

Essa pergunta requer, acima de tudo, uma resposta que não pode ser explicada tampouco
resumida, mas ao menos iremos destrinchar um dos fatores que fora base inicial da que leva à
sustentação da Revolução Cubana, ao menos no seu ciclo inicial: a participação das massas.

Obviamente, em um contexto onde as condições materiais demonstram dificuldades, em


termos de sustentação política não poderiam ter senão sob suas bases um amplo apoio
popular, em que mesmo em momentos de maior dificuldade, apesar das contradições o apoio
das massas não cessasse. Não estamos aqui abordando a institucionalização de uma política
que veio realmente existir apenas na década de 1970, mas de um arranjo orgânico que foi
fundamental na afirmação do socialismo em Cuba.

Antes de prosseguir, é preciso ter a clara compreensão de que a revolução em marcha em


Cuba tentou evitar ao máximo dogmatismos, presos a ideias fixas mesmo prosseguindo rumo
ao marxismo-leninismo e ao centralismo democrático, assim como a Revolução em si
concebeu ideias que se adequassem ao seu processo histórico. Se o marxismo-leninismo foi
forjado bem antes através das teorizações de Lênin e aplicadas ao exemplo russo o mesmo
não se pode aludir em relação aos Comitês de Defesa da Revolução que são próprios à
experiência cubana, por certo, era de se esperar que se cometessem erros, bem como acertos.
O fato é, que havia desde o começo diversas organizações civis desde o triunfo
revolucionário, que correspondem a diversos setores da sociedade e grupos políticos que
sentiam necessidade legítima de representação que antes não tinham,

El núcleo duro de la nueva institucionalidad civil le correspondió a las


Organizaciones de Masas (oomm), un tipo de asociación voluntaria de sectores de la
población a los fines de representar intereses propios y de participar en la realización
de las tareas de la Revolución o en las así definidas por la Dirección política. No
debe olvidarse que las oomm se integraban a partir de movimientos sociales previos
o surgidos en los primeros meses de la Revolución. Éstas se asentaban en una red
nacional de organismos de base creados previamente o después de constituidas; a
estos organismos les correspondían funciones y tareas que se fueron ampliando con
el paso del tiempo. Eran el marco de una sociabilidad inédita en el país. La casi
totalidad de las actuales organizaciones de masas se crearon o modificaron en este
periodo, a saber: a) las históricas reformadas en 1959, como la Central de
Trabajadores de Cuba (ctc) y la Federación Estudiantil Universitaria (feu); y b) las
de nueva creación a partir de la reunificación de asociaciones locales o sectoriales,
como las Milicias Nacionales Revolucionaria (mnr) en 1960, los Comités de
Defensa de la Revolución (cdr) en 1960, la Federación de Mujeres Cubanas (fmc) en
1960, la Asociación Nacional de Agricultores Pequeños (anap) en 1961, la Unión de
Pioneros Rebeldes (upr) en 1961, y la Unión de Estudiantes Secundarios (ues) en
1962. Todas estas oomm tuvieron en el periodo además de sus diferencias de origen,
una particular evolución posterior a su creación que merece ser estudiada por
separado. 33

É, contudo, no contexto de intensas atividades contrarrevolucionárias que surgem os CDRs.


Em discurso no dia 28 de setembro de 1960, Fidel anuncia que contaria com a ajuda da
população no objetivo de impedir quaisquer atividades que visassem a ruína da revolução no
país, contudo a mobilização popular surge bem antes, na verdade ao mesmo tempo do triunfo
revolucionário, já que havia plena consciência dos intentos de uma contraofensiva burguesa
tanto interna quanto externa.

Era preciso, em ainda um imaturo processo transicional ao socialismo, acima de tudo defender
a revolução das forças que a buscavam a derrotar, a quinta-coluna espreitava Cuba
constantemente, era nesse sentido necessário também reprimir qualquer sabotagem e atos
golpistas.

Recorrendo à obra de José Antonio Gell Noa, “Cronologia para la História de los CDR”, que
ressaltemos, foi um dos fundadores do comitê bem como é militante do PCC, ou seja, torna a
fonte “oficial” do governo cubano, podemos compreender alguns aspectos importantes da
necessidade do surgimento dos CDR na sustentação da Revolução. Segundo Noa, o discurso
de Fidel definia três questões importantes:

33
1. El objetivo fundamental de los Comités de Defensa de la Revolución (CDR) en
aquellos momentos: unir y organizar al pueblo en torno a la dirección revolucionaria
para la defensa de la Revolución. 2. La tarea principal de esa fase histórica: la
vigilância revolucionaria. 3. La estructura territorial de la naciente organización. A
partir de aquel momento, se comenzaron a crear en todo el país los Comités de
Vigilancia o Comités de Defensa de la Revolución, como se denominaron
posteriormente.34

Desta maneira, além de abarcar a participação das massas na defesa da Revolução, os


Comitês, objetivavam demarcar territórios ao longo da ilha, evitando assim um vácuo onde
pudessem ser criados focos contrarrevolucionários. Os CDR assumem um caráter repressivo,
no sentido, lutar contra qualquer atividade conspiratória.

Isso pode criar uma questão de via dupla. Primeiro, representa, é claro, a inserção das massas
ativamente nas atividades políticas e de sustentáculo do novo governo através de um
organismo vivo e participativo do aprofundamento do socialismo cubano, entretanto, em
segundo lugar, isso corresponde a possíveis supressões de manifestações contrárias à
revolução, tidas como objeções contrarrevolucionárias. É importante ressaltar, porém que
diante de um contexto de profunda instabilidade em uma sociedade ‘embrionária” onde
objetiva-se a destruição das antigas estruturas coloniais, a diferença se dá na alteração da
dinâmica da repressão, antes ela era organizada burocraticamente visando impor o
pensamento burguês às massas. Na nova dinâmica, na democracia socialista ou ditadura
proletária, objetivava-se a vanguarda proletária, onde a violência exercida se estabelecesse
contra às antigas elites que mantinham as estruturas arcaicas e a dependência ao capitalismo
estadunidense.

Voltando às atividades exercidas pelos Comitês, é no contexto de invasão à Playa Girón que
se leva ao extremo a prova de que a base do governo castrista são as massas, através da
organização dos cederistas, que contavam com cerca de 8.000 membros. 35 Por volta de 1500
contrarrevolucionários foram derrotados em menos de 72 horas, a ação dos membros da
organização civil foi fundamental no sentido de impedir que os planos de irradiação de ações
golpistas por toda ilha pudessem se alastrar além de auxiliar o exército revolucionário antes,
durante e depois da derrota dos conspiracionistas.

Não é de difícil compreensão o fracasso da ação apoiado pelo governo estadunidense, Santos
esclarece que

A condição essencial para o sucesso da invasão passava pelo surgimento de uma


revolta generalizada contra Castro. Nessa perspectiva, é possível identificar certa
iminência do fracasso, na medida em que as bases sociais para uma contrarrevolução
34

35
interna já haviam sido destruídas e graças ao grande apoio que o governo
revolucionário recebia da população. Neste sentido, a criação dos CDR foi
fundamental para que existisse um amplo e organizado aparelho de vigilância,
impedindo a formação de uma possível “quinta coluna” que servisse de base para a
derrubada de Castro e desarticulando a oposição interna já existente.36

Importante ressaltar que a base de apoio à revolução se ampliava largamente nos Comitês de
Defesa da Revolução pois perpassava as estruturas burocráticas do PCC e dos organismos a
ele ligados, o que se altera conforme se reafirma suas atividades e se torna base fundamental
de apoio ao Partido, apesar de abarcar militares e militantes, os cederistas eram, acima de
tudo, civis, cidadãos comuns, donas de casa, era a classe proletária, não era necessário ser
militante, era preciso, acima de tudo, ser defensor da Revolução e da soberania de Cuba.

As estruturas dos comitês eram bem delineadas, segundo Harnecker, os CDR eram
representados por um presidente eleito pelo povo, também possuíam secretário de
organização, que estabelecia o funcionamento dos trabalhos a serem realizados. “A estrutura
organizativa corresponde à divisão territorial, política e administrativa do Estado e do Partido,
embora conte com dois níveis mais: a zona e o quarteirão”. 37 A nível nacional conta ainda
com um “Coordenador, um Organizador e um responsável de Prevenção social e de Serviços
de Relações Externas”38

Os cederistas não prestavam apoio somente no sentido repressivo, suas atividades na verdade
se tornaram cada vez mais extensa graças à sua rede que conseguiu se alargar por toda a ilha.
Devido à escassez de produtos de primeira necessidade em determinados períodos, sobretudo
após a radicalização da revolução, quando os EUA começaram a aplicar os embargos
econômicos sobre a ilha, as ações da organização foram fundamentais no combate à
especulação e ao mercado negro de alimentos.

Os comitês também foram fundamentais na política de alfabetização implementada pelos


revolucionários após a chegada ao poder, com mobilizações de grupos cederistas no apoio à
campanha de alfabetização

Erradicar en un solo año el terrible mal del analfabetismo era, por su magnitud,
profundidad e importancia incuestionable para el desarrollo futuro de la Revolución,
una tarea que solo podía hacerse realidad si en ella participaba en forma activa y
masiva todo el pueblo. Los CDR cumplieron con la responsabilidad que se les
encomendó de colaborar en esta campaña, aportando miles de alfabetizadores,
quienes enseñaron a leer y a escribir a más de un millón de compatriotas.39

36

37

38

39
CRONOLOGIA, PG 66
Indo além os CDR foram fundamentais nas campanhas de saúde (vacinações, doações de
sangue), de caráter cultural, desportivo, socioeconômico e até mesmo jurídicos através da
instituição de juízes populares 40. Os CDR tornaram-se parte fundamental da revolução, apesar
de inicialmente não se constituírem parte burocrática do governo, aos poucos foram inserindo-
se e serviram como uma das bases de sustentação do PCC.

Considerações Finais

Compreender o que representa a revolução para além das simplificações ideológicas,


representa se aprofundar não só no presente, mas no passado histórico e colonial da ilha,
dissociar o materialismo histórico dialético que erigiu a sociedade cubana bem como suas
implicações políticas, econômicas e sociais da Cuba do século XX, representa forjar uma
visão simplista da história bem como mutar o sentido da Revolução. A forma colonial não
cessou mesmo após o fim do colonialismo espanhol ela apenas mudou e se reformulou aos
moldes do capitalismo monopolista desse período.

Quando Marx afirma em “O 18 de Brumário de Luis Bonaparte” que os homens não fazem
sua história por livre espontânea vontade, mas sim pelo legado transmitido através das
gerações, o que se propõe dentro do materialismo histórico é compreender que a sociedade
atual é um produto de um passado histórico e é nesse contexto que Cuba exerce sua
Revolução, a ruptura com o passado e com as estruturas arcaicas do Estado era inevitável se a
sociedade cubana quisesse, de fato, avançar em termos econômicos, democráticos e sociais.

Acompanhado da ruptura da sociedade burguesa era necessário a criação da nova sociedade,


contudo as implicações da Revolução em Cuba foram complexas sob as massas, gerando
contradições. Cuba não era socialista em seu começo, aliada à ideologia e, sobretudo, dada as
relações com seu vizinho de quem era dependente economicamente não faltou resiliência ao
longo dos anos na ilha.

Dito isso, foi fundamental compreender a reformulação que se fizer no aparato político-
ideológico do governo revolucionário, a compreensão desse período apesar de não cessar as
contradições que persistiram, compreende o amadurecimento em termos de organização
proletária. O socialismo cubano nunca foi fixo, preso a uma ideia enrijecida, apesar de seguir
o marxismo-leninismo, ou seja, o modelo soviético, os líderes cubanos sempre tiveram
consciência de que Cuba representava um caso diferente e que sua revolução estaria em
constante evolução. A criação de um partido de vanguarda (proposta do leninismo) foi o

40
primeiro passo no objetivo da organização política e de unificação das facções que se tinha no
primeiro governo revolucionário.

Essa parte representava a política de cima para baixo da revolução que, inevitavelmente,
deveria ocorrer. Entretanto, essa formulação não solapou o poder e ação das massas que se
organizaram, apesar do incentivo de Fidel, de forma orgânica na defesa da revolução.

Os Comitês de Defesa da Revolução têm significado histórico dentro do socialismo cubano,


seu legado não teria tamanha importância sem a efetiva participação popular, o que refuta
qualquer percepção de que a simples opressão imperava na Revolução Cubana, o que não
quer dizer que ela não tinha seus problemas.

Portanto, o que legitimou o estado cubano diante da eminente ameaça de invasão e destruição
da democracia proletária não foi um partido que endurecesse suas políticas a quem os
contrariasse, mas a participação das massas no processo, ainda que não em sua totalidade,
pois perpassavam por estruturas superiores que em tese, são superadas apenas no comunismo.

É comum afirmar-se, baseado sobretudo na tese arendtiana, que Cuba seria de tipo totalitário-
autoritário, pois é a norma quando se trata de sociedades socialistas, pois estas carecem de
democracia, bem como possuem uma estrutura política de partido único, ora, há alguma
sociedade capitalista que permita que sua configuração burguesa se torne de tipo socialista?
Não, a sociedade burguesa sempre defendeu, ainda que de forma subjetiva, sua ideologia,
através das mais diversas formas, cientifica, cultural, mas, sobretudo política. Quando um
político que evita o economicismo, propõe salutar problemas sociais básicos, os mercados
reagem de forma a boicotar suas proposições, isso não é agir de forma ideológica?

A diferença fundamental é que o socialismo cubano, não foi imposto somente de forma
vertical, mas teve contribuições em sua construção através das massas, a Revolução poderia
perecer com tantas outras, até mesmo como o socialismo soviético, sobretudo por estar na
esfera de influência do vizinho do Norte.

A existência de um Partido de vanguarda não significa que não existam discussões e embates
ideológicos entre seus membros, pelo contrário, há constantes debates, avanços e recuos em
políticas a fim de avançar com o socialismo na ilha, a existência de um partido único, é
sobretudo, fundamental na defesa da revolução que apesar dos problemas econômicos segue
firme na defesa do socialismo.

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