Você está na página 1de 14

Interdependência entre países com diferentes níveis de desenvolvimento

1. Diferentes tipos de obstáculos ao desenvolvimento

São inúmeros os obstáculos que explicam o isolamento, a pobreza e o fraco


desenvolvimento em que se encontram muitos países. O fraco desenvolvimento
económico, sem o qual não é possível satisfazer as necessidades de uma
população, deve-se, muitas vezes, à dificuldade de pôr em prática os Direitos
Humanos; à incapacidade de travar os sucessivos endividamentos e os
consequentes pagamentos de dívida externa; à incapacidade de ter uma
população com acesso à educação, saúde, habitação ou emprego; à incapacidade
de intervir em caso de desastres naturais ou conflitos armados; assim como a
incapacidade de controlar a natalidade ou a corrupção.
Estes obstáculos, relacionados com problemas internos ou com problemas externos, que que
ajudam a explicar o atraso no processo de desenvolvimento, resultam de fatores naturais,
históricos, políticos, sociais e económicos, situações em que pesa, muitas vezes, uma
herança colonial forte.

Obstáculos naturais:

Grande parte dos países menos desenvolvidos encontram-se localizados em áreas


onde os solos são pouco férteis (como as zonas montanhosas ou as áreas desérticas)
e nas regiões tropicais. Desta forma, a produção agrícola está muito dependente das
condições naturais. Também em situações de catástrofe (secas, inundações, pragas),
a destruição de culturas reduz a disponibilidade de alimentos, originando, muitas
vezes, situações de subnutrição e fome. Por outro lado, a intensa desflorestação em
algumas destas áreas, com o consequente desgaste, empobrecimento dos solos e a
progressiva desertificação, potenciam uma maior dificuldade em produzir bens
alimentares que satisfaçam a necessidade da população.

Uma população subnutrida e doente não consegue contribuir para o desenvolvimento


do país.

A população dos Países Em Desenvolvimento (PED) também está mais vulnerável às


catástrofes naturais pelo facto de não existirem meios técnicos de prevenção e/ou
salvamento eficazes. Os efeitos prolongados das catástrofes naturais (terramotos,
tsunamis, furacões, inundações) e a difícil reconstrução, associada a carências
financeiras, podem levar à proliferação de epidemias.

Devastação provocada pela passagem do furacão Irma em agosto de 2017, classificado com a categoria V. São Martinho, Caraíbas.

Principais consequências dos obstáculos naturais:

 danos materiais, nomeadamente a destruição de infraestruturas e de vias de


comunicação (habitações, escolas, hospitais, estradas, …);

 vítimas mortais e desalojados;

 comprometimento da salubridade e da segurança alimentar;

 maior exposição das populações a doenças e proliferação de epidemias;

 aumento das desigualdades sociais e aumento da vulnerabilidade dos Países


Em Desenvolvimento.

Obstáculos históricos:

O processo de descolonização resultou na independência política dos países africanos


e asiáticos. Esta situação desencadeou-se, principalmente, devido à condenação
moral da prática do colonialismo pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelas
nações africanas e asiáticas reunidas na Conferência de Bandung. Este processo não
ocorreu de igual forma em todos os países (embora tenha ocorrido maioritariamente
de forma pacífica) nem ao mesmo ritmo. Numa primeira fase, logo após o final da
Segunda Guerra Mundial, tornaram-se independentes a maior parte dos países
asiáticos. Numa segunda fase, ocorreu a descolonização da maior parte dos países
africanos, desencadeada pela independência da Líbia em 1951. No caso das antigas
colónias portuguesas, a independência apenas foi alcançada após 1974.
Potências colonizadoras e data de independência dos países africanos

Durante a colonização, os países colonizados foram fornecedores de matérias-primas


para a metrópole (potência colonizadora); a sua governação estava a cargo dos
colonizadores; foram alvo de exclusão, marginalização e violação dos direitos
humanos (escravatura); ou vivenciaram a perda da sua identidade cultural devido à
imposição dos valores das suas metrópoles.
O processo de descolonização facilitou a implementação de ditaduras, a instabilidade
política e social; desencadearam guerras civis entre as diferentes etnias que
destruíram infraestruturas e culturas agrícolas tornando estes países mais pobres;
aumentaram o seu endividamento e a incapacidade de saldar as suas dívidas
externas; ou mesmo politicamente independentes continuaram economicamente
dependentes das antigas metrópoles, que continuaram a controlar os meios de
produção.
Assim, se a independência política foi alcançada, a dependência económica face aos
Países Desenvolvidos (PD) (as suas antigas metrópoles ou os países mais
industrializados) manteve-se, pois, as matérias-primas que exportavam não eram
suficientes para suprir, ou seja ultrapassar, as necessidades de produtos industriais,
daí terem que os importar. O constante endividamento e a incapacidade de saldar
(pagar) as dívidas contraídas daí resultantes, dificultaram o seu desenvolvimento.

Principais consequências dos obstáculos históricos:

 economias mantiveram uma forte dependência externa e ficaram


destruturadas;

 sociedades desarticuladas (grupos étnicos separados) e perda de identidade


das populações;

 os países enfrentaram uma forte instabilidade política (guerras civis, golpes de


estado e ditaduras militares);
 elevado crescimento demográfico e agravamento das condições de vida, dado
o fraco crescimento económico e o insuficiente desenvolvimento das atividades
económicas.

Obstáculos políticos:

A existência de regimes políticos ditatoriais, o desigual acesso a serviços, o desvio de


capitais ou a existência de conflitos armados, são dos maiores obstáculos ao
desenvolvimento.
Os regimes ditatoriais não são propícios ao desenvolvimento pois não há gozo de
plenos direitos, como a liberdade de voto e de expressão ou ainda a violação dos
Direitos Humanos. Estes governos são muito vulneráveis à corrupção (desvio de
capitais), situação que se deve aos interesses dos grupos que estão no poder, uma
vez que muitos utilizam o Estado em proveito próprio. Desta forma, também muitos
investidores estrangeiros não se sentem motivados para investir nestes países,
contribuindo assim, ainda mais, para o desemprego e pobreza, levando ao desigual
acesso a serviços.

As crianças são muitas vezes mobilizadas e ativamente envolvidas em guerras e outros conflitos armados, como esta "criança soldado". Quénia.

As guerras, para além do elevado número de feridos e vítimas mortais civis e militares,
destroem infraestruturas e causam grandes fluxos (movimentos) de refugiados. Os países que
vivem em estado de guerra, muitas vezes sustentada pelos próprios governos, canalizam parte
da sua riqueza para a compra de armas, não investindo no desenvolvimento das atividades
económicas, nem em áreas como a saúde ou educação das populações, pondo em risco gerações
que poderiam contribuir para a recuperação do país. Por vezes, coexiste ainda o recrutamento de
crianças para as forças armadas, as crianças-soldado.

Exemplos de leis contra a liberdade em alguns países do mundo.


Obstáculos sociais:
Os PED são os principais responsáveis pela explosão demográfica na atualidade. A
elevada Taxa de Crescimento Natural (que resultam das elevadas taxas de
fecundidade e natalidade e a diminuição das taxas de mortalidade e mortalidade
infantil) tem provocado um forte crescimento demográfico. Os fracos níveis de
escolaridade, sobretudo das mulheres, o fraco acesso a cuidados de saúde, incluindo
a saúde sexual, os casamentos precoces ou a ausência de planeamento familiar, são
também fatores responsáveis pelos níveis elevados de fecundidade. Contudo, os
recursos não crescem na mesma proporção, levando a desequilíbrios e à
impossibilidade de muitos Estados conseguirem satisfazer as necessidades das
populações, conduzindo a situações graves de fome e de subnutrição.

O acentuado crescimento demográfico, aliado à baixa capacidade de investimento na educação


e na saúde revela-se um obstáculo devido à impossibilidade de formar uma sociedade com
competências para promover o desenvolvimento. Como se pode ver no gráfico seguinte, são as
regiões menos desenvolvidas que mais contribuem para o elevado crescimento populacional
contrariamente ao que acontece nas regiões mais desenvolvidas, onde, em alguns casos, o
crescimento é negativo.

As doenças, as fracas condições de higiene e a fome implicam, também, importantes


consequências (Figura 5). Os adultos que contraem doenças ou que apresentam má nutrição
veem-se obrigados a abandonar o seu trabalho e, consequentemente, perdem os rendimentos
para sustentar as suas famílias, o que leva a que os filhos abandonem a escola precocemente
para trabalhar e sustentar a família, tornando-se um ciclo vicioso, já que não tendo
formação/educação também não conseguirão auferir melhores salários e acabam por
comprometer também o seu próprio futuro.

Número de enfermeiros e de camas hospitalares por cada 10 mil habitantes, por regiões do mundo, 2014
Alguns números sobre o trabalho infantil no mundo, 2013.

Por outro lado, a população mais qualificada dos PED tende a emigrar para os PD,
privando o seu país de mão de obra qualificada, essencial ao seu desenvolvimento.

Países com a menor despesa em educação em percentagem do PIB, 2014

Nos PED, milhões de pessoas vivem ainda em habitações precárias sem o mínimo de
condições ou na qual faltam infraestruturas básicas como água potável canalizada,
eletricidade ou instalações sanitárias. Os níveis de desemprego ou os baixos
rendimentos contribuem para que as famílias não tenham capacidade para construir,
arrendar ou comprar uma habitação condigna, levando ao crescimento de bairros
degradados. Muitas famílias constroem as suas habitações com recurso a materiais de
baixo custo (terra, adobes, madeira, chapas metálicas) tornando-se estas por sua vez
mais vulneráveis às catástrofes naturais e às epidemias.
Percentagem da população com acesso a uma fonte de água melhorada, a saneamento básico e a eletricidade na habitação,

por região do mundo, 2014

Principais consequências dos obstáculos sociais:

o as populações vivem sem meios de subsistência, com fome, ausência de


hábitos de higiene e uma elevada vulnerabilidade a inúmeras doenças;

o os níveis de instrução das populações são reduzidos (elevadas taxas de


analfabetismo da população, sobretudo feminina) conduzindo a uma inaptidão
para incorporar processos produtivos inovadores e de base tecnológica,
condicionando a capacidade produtiva dos meios de produção;

o a reduzida produtividade e as baixas remunerações condicionam o acesso das


famílias à satisfação das necessidades básicas, contribuindo para que
aumente o trabalho infantil e o abandono escolar.

Obstáculos económicos:

O fraco dinamismo das atividades económicas e a elevada dependência


externa constituem também fortes entraves ao desenvolvimento. Nos PED,
predominam atividades económicas tradicionais (setor primário, nomeadamente a
agricultura ou as pescas) com fraco rendimento e fraca produtividade que não
garantem a superação das necessidades da população.
Também a concentração das exportações num pequeno número de produtos deixa o
país vulnerável às variações dos preços nos mercados internacionais. Quando ocorre
uma catástrofe natural ou uma guerra que destrua ou impossibilite a sua
produção/exploração, ou ainda quando ocorre uma diminuição da procura desses
produtos nos mercados internacionais, agravam-se os problemas económicos.

Alguns países cujas exportações dependem, principalmente, de um produto

Por outro lado, os setores secundário e terciário têm um peso reduzido na economia
destes países, devido a uma fraca industrialização e um comércio interno fracos, por
falta de investimento, desfasamento tecnológico e baixo poder de compra. Assim,
dado que as exportações consistem, sobretudo, em produtos alimentares, recursos
energéticos e matérias-primas menos valorizados do que os produtos transformados
dos países desenvolvidos, gera-se um grande desequilíbrio nas trocas comerciais,
aumentando a dívida externa.

Trocas comerciais entre os Países Desenvolvidos e os Países Em Desenvolvimento.

O pagamento de elevadas dívidas externas, resultantes dos empréstimos concedidos


por outros países e/ou organizações internacionais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) ou o Banco Mundial, acrescidas de elevados juros, impossibilitam o
investimento de capitais na economia, no desenvolvimento ou investimento de áreas
como a saúde ou educação.

Principais consequências dos obstáculos económicos:

 Populações e recursos explorados por interesses de uma economia


especulativa;

 o pagamento de dívidas e juros não permite o investimento na modernização


da estrutura económica e na melhoria das condições de vida das populações
(saúde, educação, …);

 as exportações estão centradas num número reduzido de produtos,


provenientes do setor primário (agricultura, exploração dos recursos naturais,
…), o que dificulta a fragilidade económica face aos mercados internacionais.

2. A influência do comércio mundial no desenvolvimento:

O comércio mundial refere-se ao conjunto de trocas comerciais entre os países, que


gera, entre eles, um circuito económico de importações e exportações. Assim, o
comércio pode ser interno, quando é realizado dentro de determinado país, pelos seus
agentes económicos; ou externo, quando é realizado por agentes económicos que
pertencem a países distintos. A diferença entre as importações e exportações, cujo
valor determina, em cada país, a sua Balança comercial, pode apresentar três
situações: positiva, nula/equilibrada ou negativa.

Balança comercial
A relação entre o valor dos bens exportados e o valor dos bens importados
corresponde aos Termos de Troca. Quando o valor das exportações é superior ao das
importações verifica-se uma valorização dos termos de troca que se tornam favoráveis
ao país em causa. Quando a situação é inversa verifica-se uma
deterioração/degradação dos termos de troca, que se torna desfavorável a esse país.
Para esta degradação contribui um conjunto variado de fatores.

Principais causas da degradação dos termos de troca

Atualmente, o comércio mundial caracteriza-se de três formas:

A) As relações Norte-Sul: estabelecem-se fluxos comerciais entre Países


Desenvolvidos e os Países Em Desenvolvimento;

B) As relações Norte-Norte: decorrem entre Países Desenvolvidos;

C) As relações Sul-Sul: entre Países Em Desenvolvimento e países menos


desenvolvidos.

Os termos de troca têm sido mais desfavoráveis para os PED, principalmente os


menos desenvolvidos pois estes exportam essencialmente produtos com menor valor
acrescentado (ex. produtos agrícolas) ou produtos pouco transformados e importam
produtos transformados com maior valor acrescentado (ex. maquinaria, tecnologia).
Desta forma, os PED têm de exportar cada vez mais produtos para adquirirem, no
mercado internacional, a mesma quantidade de bens. Esta situação contribui para um
maior empobrecimento destes países e um maior benefício dos países desenvolvidos.
Exemplo da degradação dos termos de troca

3. O comércio justo e o comércio internacional:

O Comércio Justo trata-se de um movimento social e uma modalidade de comércio


internacional que procura o estabelecimento de preços justos, bem como de padrões
sociais e ambientais equilibrados nas cadeias produtivas, promovendo o encontro de
produtores responsáveis com consumidores éticos. A ideia de um comércio justo
surgiu na década de 1960, quando foi criada, na Holanda, a Fair Trade Organisatie. O
primeiro produto a seguir este padrão de certificação foi o café em 1988. Todavia, este
movimento rapidamente se espalhou pela Europa e hoje conta já com mais de 300
organizações em sessenta países na atual International Fair Trade Association.

O fundamento do Comércio justo é construir princípios e práticas comerciais


equitativos e coerentes e garantir os direitos dos produtores e trabalhadores,
especialmente dos países menos desenvolvidos. Em poucas palavras, é o comércio
onde o produtor recebe remuneração justa pelo seu trabalho. Os seus principais
princípios são:

 A sustentabilidade integral, em todas as dimensões (social, económica e


ambiental), com um foco de responsabilidade compartilhada entre todos os
atores envolvidos nas cadeias comerciais;
 As relações comerciais justas, solidárias e transparentes, a longo prazo que
dignifique o trabalho dos seres humanos, que respeite as diversidades
culturais, étnicas e de género e que fomente a sustentabilidade ambiental e
entre gerações;
 A promoção e o respeito pelos Direitos Humanos, fomentando um justo
reconhecimento do trabalho de trabalhadores agrícolas e artesanais.

Logótipo do comércio justo.

Consequências da globalização no comércio mundial:

O comércio mundial é uma consequência do desenvolvimento dos transportes e das


telecomunicações que contribuíram para que o mundo “encurtasse” distâncias e
fossem possíveis rápidas (e com menores custos) trocas comerciais. Este processo de
globalização permitiu a abolição de algumas fronteiras nas relações comerciais,
possibilitando o surgimento das empresas multinacionais/transnacionais.
Estas expandem-se por todos os continentes sendo difícil definir a sua nacionalidade
assim como a origem dos seus produtos, que são adquiridos em qualquer parte do
mundo. As multinacionais são cada vez em maior número e geram capitais
elevadíssimos, muitas vezes superiores ao PIB de muitos países, sobretudo dos PED.

Empresas mais valiosas do mundo segundo a Kantar BrandZ em 2020


A globalização do comércio apresenta aspetos positivos e negativos, tanto para os
países mais desenvolvidos como para os menos desenvolvidos.

Quadro 1: Aspetos positivos e negativos da globalização do comércio mundial.

4) Retrato síntese dos obstáculos económicos em Portugal:

Em Portugal, a criação de riqueza no país é muito reduzida e, consequentemente


dificulta também o desenvolvimento humano. Isto deve-se, entre outros fatores, ao
fraco dinamismo económico, à dificuldade das empresas portuguesas competirem com
outras empresas a nível mundial, à falta de capitais, à reduzida escolaridade e
formação dos portugueses ou aos salários baixos.

Em 2020, o PIB per capita contraiu 7,6% fixando-se nos 19 660 euros. As importações
fixaram-se nos 67 909 milhões de euros e as exportações nos 53 786 milhões de
euros, totalizando um saldo da balança comercial negativo de -14 123 milhões de
euros. Face ao ano anterior as exportações de bens diminuíram 10,2% (-6 117
milhões de euros) em termos nominais. As importações de bens também decresceram
15,1% (-12 069 milhões de euros). Esta situação ficou a dever-se certamente pela
crise provocada pela pandemia do Covid-19.

As relações comerciais de Portugal são preferencialmente com países da União


Europeia (UE), sobretudo com a Espanha, a França, a Alemanha e o Reino Unido,
fruto da inserção de grandes comunidades portuguesas nestes países mas também
pela sua proximidade geográfica. As exportações para os países Intra-UE centraram-
se nos 38 687 milhões de euros e as importações nos 50 898 milhões de euros. No
espaço Extra-UE as exportações fixaram-se nos 15 099 e as importações nos 17 010
milhões de euros, respetivamente.

Em relação aos produtos transacionados em 2020, os combustíveis e lubrificantes, as


máquinas industriais, os produtos eletrónicos, os automóveis e os produtos
alimentares são o grupo de produtos mais importados.

Você também pode gostar