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Departamento de História

Georges Bernanos: A França no Brasil (1938 - 1945)

Aluno: Michel Albuquerque


Orientador: Maurício Barreto Alvarez Parada

Introdução
O presente estudo é um recorte da pesquisa de Maurício Parada que busca mapear
os intelectuais que, fugindo das adversidades da década de 1930, especialmente da
ascensão dos movimentos fascistas, saíram da Europa buscando refúgio no Brasil.
Nessa perspectiva, a personalidade a ser estudada é Georges Bernanos, escritor e
jornalista francês que participou ativamente da vida política francesa. Desde 1908 ele
atuava na Ação Francesa, movimento monarquista e católico, que tinha como dirigente
Charles Maurras. O princípio da partida de Bernanos da Europa e o início de um
auto-exílio se deveu ao propósito utópico de começar uma “Nova França” que,
inicialmente, seria fundada no Paraguai. Temos que considerar também que o
desentendimento com Maurras em 1932 foi o estopim para que começasse a seguir seu
objetivo. Desapontado com as condições encontradas na capital paraguaia, Bernanos se
dirigiu primeiramente a Buenos Aires, mas fixou-se em definitivo no Brasil,
permanecendo em solo brasileiro de 1938 a 1945, sempre se estabelecendo em cidades
pequenas como Itaipava, Juiz de Fora e Vassouras até chegar na fazenda Cruz das
Almas em Barbacena.
Na primeira fase da pesquisa foi feito um levantamento biográfico da passagem de
Bernanos pelo Brasil. Prefiro aqui usar o termo “passagem” ao invés de “estadia” ou
semelhantes, já que o escritor francês depois de sete anos retorna para seu país natal e
enquanto permaneceu em terras brasileiras jamais ficou em um único lugar, mantendo
uma constante errância pelas cidades de interior do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essa
é apenas uma das características que tornam o estudo do exílio desse intelectual algo
peculiar.
Depois, os esforços foram direcionados aos 156 artigos que o mencionam, a
maioria de sua autoria, de 1940 à 1945. Esses artigos foram publicados n’O Jornal,
órgão dos Diários Associados que pertenciam a Assis Chateaubriand. Depois de uma
pesquisa em obras sobre Bernanos publicados na França, constatou-se que esses artigos
foram muito pouco explorados, especialmente os publicados em 1940. Neles, Bernanos
faz constantemente uma crítica ao governo de Vichy, estabelecido no território francês
ao se render à Alemanha nazista. Ele lamenta a derrota do seu país natal e também não
economiza nas críticas a Hitler e aqueles considerados traidores. Também contempla os
mesmos, ou pelo menos alguns deles, o perdão, pensando em uma dimensão católica.
Ao explorar mais a fundo os artigos e percebeu-se que quase todos eles são sobre
o conflito na Europa, acreditamos que Bernanos tenha sido convidado a escrever para os
Diários Associados justamente para falar sobre o mesmo. Inicialmente, antes de uma
análise geral do vasto material, acreditávamos que o francês era como uma espécie de
correspondente, mas percebeu-se que em nenhum momento ele menciona o Brasil ou
seus amigos feitos no país, ele escreve como se estivesse em pleno conflito, e mais
importante, sentido a dor e a vergonha da derrota de sua terra natal.
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Bernanos ganhou uma certa fama com a publicação de seus romances ao longo da
vida. Analisar essa sua produção não poderia ficar de fora de uma pesquisa sobre o
intelectual francês. A tradução de sua obra é um movimento recente e as escritas
enquanto esteve no Brasil seguem sem ser contempladas até o momento. Sendo assim,
resolvi por estudar um dos livros que evidenciam algumas de suas inúmeras rupturas
ideológicas em tempos de exílio e que foi escrito enquanto se dirigia para a América: ​Os
Grandes Cemitérios sob a Lua.​

Materiais Usados

O principal objetivo dessa fase da pesquisa é ler Os Grandes Cemitérios sob a


Lua, livro que Bernanos escreveu enquanto se dirigia para a América. Na obra Bernanos
faz um testemunho sobre a Guerra Civil Espanhola, mas como ele mesmo diz na obra, é
um testemunho de fé. Fala sobre a impressão sobre a humanidade, que mudou
drasticamente ao perceber a Igreja Católica apoiando Franco em busca de facilidades
políticas. E com essa leitura e dos artigos, mencionados acima, têm-se uma das
principais características da escrita de Bernanos que é que o Brasil não existe do ponto
de vista físico, mesmo ficando bastante tempo no país, ele escreve como se estivesse em
pleno conflito, e mais importante, sentindo a dor e a vergonha da derrota de sua terra
natal e um abalo, causando uma ruptura em sua escrita, em sua fé.
Apesar de a primeira fase ter sido exclusivamente focada em uma espécie de
biografia de Bernanos, com ênfase no seu exílio, no atual momento essa dimensão não
será deixada de lado. E será complementado à luz do capítulo do livro “​Terror e exílio
em Dialogues des Carmélites, de G. Bernanos” de Fernanda Maria de Souza e Silva
intitulado “​Bernanos, exílio?​”. Sem deixar de lado é claro o que já foi observado nos já
utilizados.
O texto já se inicia com uma definição de exílio, mas é uma definição focada na
palavra em si e não em seu significado histórico como faz o historiador francês Bruno
Groppo no artigo “​Os Exílios Europeus do século XX​”. O artigo de Bruno Groppo fala
sobre os casos de exílio europeu com destaque para a França ao longo desse período em
relação à épocas anteriores. São apresentados as noções dos conceitos de “exilado”
“emigrado” e “refugiado” e, além disso, mostra que o fenômeno migratório está ligado
às conjunturas políticas e econômicas e apresenta uma reflexão sobre a evolução da
historiografia a respeito.
O trabalho de Fernanda Silva define o verbo “exilar” como uma acepção de
afastamento de algum lugar. Só que em Bernanos a noção de exílio se torna complexa
ao se encaixar em mais de uma dimensão como: “numerosas e sucessivas mudanças de
domicílio, rupturas marcantes, exílio voluntário, exílio interior, o que sugere uma forma
de nomadismo ou errância”. Ao especificar um pouco mais, e levando em consideração
toda a vida do escritor francês, pode-se perceber essa errância como a mudança
constante de casa e país. E um exílio total, que se caracteriza no tempo e no espaço, o
que a autora chama de um exílio no exílio. Ela também deixa claro sua opinião de que a
vida do escritor não tem importância em si mesma, a não ser se isso deixou marcas em
suas obras, o que é o caso de Bernanos.
Ao ler alguma biografia de Bernanos revela-se que nos constantes
deslocamentos os motivos são em geral por razões econômicas ou de saúde, com
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exceção do Brasil que se aproxima mais de uma dimensão mais ideológica. Ao estudar
um pouco mais a fundo a personalidade de Bernanos é importante perceber que ele vive
vários exílios dentro de um grande exílio, já que ele “era monarquista em pleno regime
republicano; católico, em um mundo ateu; patriota quando muitos se rendiam à
Alemanha”. Sem falar na exaltação de uma ideia de heroísmo como a presente em uma
Idade Média romantizada. Logo, Bernanos está constantemente em uma inadequação ao
tempo presente, sempre um fora do lugar que se encontra, seja ele físico (que se revela
nos seus escritos que mesmo estando no Brasil são sempre em sua língua materna) ou
nos seus ideais.
Ler a obra de Bernanos sob a ótica do exílio, seja ela qual for (artigos ou os
romances) ajuda a compreender aspectos contraditórios presentes em seus escritos, e
também a entender melhor as rupturas que o guiam quando publica seus artigos para os
jornais dos Diários Associados. Segundo Silva, a visão trágica do mundo, para
Bernanos, se caracteriza pela presença de Satã de várias formas e a ausência de Deus. E
que para vencer essa presença é preciso lutar, resistir, e se submeter à vontade divina
para superar a tentação do desespero.
A autora do texto analisado faz uma análise da visão de saudosismo que se
encontra em Bernanos em suas obras. No caso mais específico dos artigos que serão
estudados é possível perceber isso em conjunto com uma dimensão nacionalista, visto
que naquele momento estava estourando a Segunda Guerra Mundial e Bernanos se
encontra no Brasil, ou seja, longe de seu amado país. Fernanda Silva afirma ainda que
quatro dos romances de Bernanos se passa em Fressin, um paraíso de sua infância. Isso
mostra uma relação que é importante ficar atento, pois caracteriza uma dimensão
mística com lugares importantes para ele, como se fossem inatingíveis, já que ele nunca
volta a um lugar ao qual já havia passado.
Com o sucesso espantoso de seu primeiro romance “Sob o Sol de Satã”
Bernanos consegue viver, mesmo que sem luxo, só com a remuneração de seus escritos,
isso devido a crítica Léon Daudet, escritor de destaque na época, republicano, mas que
depois se associou com os ideais monarquistas entrando para a Ação Francesa. Isso
mostra que a princípio os primeiros deslocamentos de Bernanos foi por motivos
econômicos ou de saúde de sua família.
Em 1926 a Igreja reprova oficialmente os ideais da Ação Francesa. Bernanos já
não estava mais no movimento desde 1919, mas ele decide apoiar Charles Maurras,
diretor do movimento, por uma questão de honra. O escritor francês fica dividido entre
o dever católico de se submeter a Roma e seu senso pessoal de honra para com Maurras,
como uma semelhança ao sistema de vassalagem medieval. Fernanda Silva afirma em
seu texto: “A contradição reside no fato de que, desde o final da guerra, Bernanos
discordava da nova orientação política da ​Action Française​, julgando-a infiel a seus
ideais primeiros, passiva demais e jogando o jogo do poder. A essa discordância
acresce-se o fato de que Bernanos admirava Maurras, porém não era seu amigo
pessoal.”
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Em 1929 Georges Bernanos interrompe temporariamente sua vida literária para


dedicar-se somente a uma luta política em defesa da Ação Francesa, mesmo com o
constante desentendimento com o movimento e ainda houve a ruptura definitiva, em
1932, com Maurras. Ele também colaborava com o jornal ​Réaction​, também de extrema
direita, dissidente da Ação Francesa. Bernanos também participa do jornal de extrema
direita ​Le Figaro​, mas isso fica difícil de explicar já que, segundo a autora do texto, esse
jornal representa tudo o que Bernanos sempre denunciou: o poder do dinheiro, as elites
elegantes, mundanas e bem-pensantes. E a amizade com o diretor literário Robert
Vallery-Radot, por si só não explica essa relação.
O diretor do jornal, François Coty, intervinha na orientação do periódico
dando-lhe uma dimensão favorável ao fascismo. A Ação Francesa o enchia de críticas
por isso e Bernanos se sentiu no dever de defendê-lo o que foi o estopim da separação
de vez com o movimento conservador monarquista ao publicar a carta chamada ​A Dieu
Maurras​, em 1932.
A Ação Francesa inicia uma campanha de difamação de seu antigo aliado por
meio da imprensa. “Em junho de 1932, afasta-se do ​Figaro,​ por discordar da sua
orientação ideológica, retornando em outubro do mesmo ano para defender sua equipe
dos virulentos ataques de ​Action Française”.​
Esse período é marcado para Bernanos por uma série de desagrados, como
grandes perdas, no caso de amigos, dificuldades financeiras e uma série de mudanças de
domicílio. Esse acúmulo de dificuldades faz com que Bernanos leiloe seus pertences
para pagar dívidas e se instala em Palma de Maiorca, na Espanha em 1934, onde ficou
até 1937 e ainda assim mudando algumas vezes de casa.
Em terras espanholas, segundo Silva, Bernanos ficou absorvida na escrita de um
romance e por isso não prestou muita atenção aos acontecimentos políticos espanhóis.
Ao terminar sua obra se dá conta dos massacres a sua volta e ainda a cumplicidade da
Igreja com a repressão da direita espanhola. E em 1931 publica uma espécie de
biografia de Édouard Drumont, escritor e jornalista conhecido por suas ideias
anti-semitas. Essa publicação explica porque Lapaque em seu texto “Sob o Sol do
Exílio” diz que inicialmente era contra os judeus e que apoiou Franco.
Depois de toda essa saga vem o exílio de Bernanos no Paraguai com seu sonho
utópico de fundar uma colônia francesa. Depois da decepção com sua “Eldorado mítica”
volta para o Brasil, onde havia feito uma escala antes de ir para Assunção. No Brasil ele
é aclamado pela imprensa e intelectualidade do país. Isso fica evidente nas reportagens
de outras pessoas sobre o escritor francês encontrados n’O Jornal da época.
Segundo Fernanda Silva o exílio de Bernanos no Brasil recebe um forte impacto
após a invasão da França pelos nazistas e consolidação do Governo de Vichy. Ele fica
desolado, sente-se humilhado como herdeiro de uma nação grandiosa em seu
entendimento. Isso fica muito evidente onde na maioria dos artigos de sua autoria após
essa data Bernanos não economiza nas críticas aos simpatizantes e a Hitler, tudo como
uma espécie de correspondente francês. “O desânimo inicial, entretanto, foi superado e
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Bernanos parte, corajosamente, para o combate por uma França Livre, com as armas de
que dispunha: sua voz e seus artigos”.
Nesses artigos fica muito claro a enraizamento com sua terra natal, mesmo tendo
ficado sete anos no Brasil e evidentemente gostado, porque tudo o que foi produzido em
seu exílio foi escrito em Francês, tanto os livros quanto os artigos na imprensa, que
foram traduzidos para publicação. Segundo Silva, os artigos escritos na língua materna
de Bernanos reforça uma ideia de testemunho, ela argumenta que não se da para
testemunhar em língua estrangeira.
Bernanos foi em quase toda sua vida um errante, como o qualifica Silva, visto
que ele muda de residência diversas vezes e suas obras são repletas de uma ideia de
mistificação dos lugares que lhe fazem bem, como a França. Sua voz anacrônica, devido
a sua ideologia monarquista, católica e extremamente nacionalista, pode confundir uma
primeira análise de seus escritos. E lê-los por meio da perspectiva do exílio nos permite
entender suas ideias, a princípio, contraditórias.
Sob o Sol do Exílio: Georges Bernanos no Brasil (1938-1945)

A personalidade estudada na pesquisa não possui muitos registros de sua vida,


em português, muito menos de sua passagem pelo Brasil. A segunda obra usada, não em
sua integridade no momento, é um livro que narra justamente os passos de Bernanos no
Brasil. Escrito por um romancista francês, Sebastian Lapaque, o livro possui alguns
elementos literários, e portanto, é possível que se encontre algumas fantasias acerca da
vida do intelectual que ficou em terras brasileiras de 1938 à 1945.
Segundo Lapaque, Bernanos sai da França após se desentender com o diretor da
Ação Francesa Charles Maurras. O que diferencia o escritor francês dos tipos de exílios
descritos e analisados no texto anterior é o fato de ele ter se imposto esse exílio por um
desejo antigo de fundar uma colônia francesa no Paraguai. Saiu da Europa com sua
mulher e seus seis filhos. Porém, ao sair da França detém-se nas ilhas Baleares onde fica
por três anos. Tendo que sair devido ao início da guerra civil espanhola.
Na França Bernanos desde 1908 fazia parte da Ação Francesa, movimento de
extrema direita católico e monarquista, apesar disso, ele não simpatizava com os
conservadores, segundo Lapaque, e tampouco se alinhou a partidos de esquerda, ele
dedicou ensaios criticando ambos os lados. Outra ambiguidade de Bernanos era não
concordar com a propaganda antissemita de Hitler, porém antes, já havia se declarado
como opositor dos judeus.
O segundo capítulo do livro mostra-nos um pouco mais a fundo o
desentendimento com Maurras. Os membros da Ação em dado momento se sentiam
frustrados ao verem que a manobra política prometida pelo diretor não se realizava.
Ainda assim esse não foi o estopim para a saída de Bernanos do movimento, afinal, era
um monarquista de coração, seguindo os passos de seu pai Émile Bernanos, amante de
uma Idade Média idealizada, romantizada. Na casa dos vinte anos Bernanos junto com a
jovem Ação Francesa pretendiam derrubar a república burguesa juntamente com os
sindicalistas e restaurar a Paris o rei justiceiro.
Bernanos chega ao Rio de Janeiro em 1938, mas seu objetivo ainda é o Paraguai
e no dia seguinte ao que chegou no Brasil volta para o navio que o trouxe que se
encaminha para a Argentina. Ficou pouco tempo em Buenos Aires, menos de um mês.
O desejo de realizar o sonho da colônia francesa precisava ser realizado o quanto antes.
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Bernanos sentia-se como um conquistador de séculos atrás, porém, ao chegar em


Assunção se depara com calor, pobreza, comércios suspeitos, golpes de estado, e perde
essa aura de desbravador. Desiludido com a realidade paraguaia ele retorna à Buenos
Aires e de lá volta ao Brasil, país em que fixa moradia até 1945, mas ainda assim se
muda algumas vezes dentro do país. O custo de vida mais barato é um dos fatores que o
fazem escolher o Brasil ao invés de Buenos Aires.
O livro é narrado em primeira pessoa do ponto de vista do autor e ao mesmo
tempo em que ele vai contando suas descobertas e conversas com as pessoas que
encontrava em sua viagem de pesquisa de campo. A obra cita pouco a vida intelectual e
foca mais na pessoal de Bernanos mas sem deixar de evidenciar a primeira.

Metodologia
Os estudos sobre o exílio e a experiência exilar tem crescido nas últimas
décadas, especialmente na América do Sul. Assim sendo, podemos observar que
historiadores e cientistas políticos apontam suas análises para duas direções principais,
que não são excludentes, mas que de certa forma são distintas. Por um lado, há uma
ênfase no exílio como fenômeno político e, por outro lado, estudos que destacam as
dimensões culturais das experiências exilares. Podemos citar o texto seminal de Denise
Rollemberg Cruz, ​Exílio: Entre raízes e radares ou os trabalhos de Andreia Maia e
Tatiana Paiva como exemplos de estudos sobre o exílio político de brasileiros durante a
Ditadura Militar. São trabalhos que se abordam de diferentes maneiras um conjunto de
questões, compartilhados com estudiosos argentinos, chilenos, uruguaios, nos quais são
tratados os estranhamentos, desenraizamentos e lutos típicos do exílio, mas ao mesmo
tempo refletem sobre as dúvidas da militância políticas, a recomposição das redes de
solidariedade, a imprensa de resistência e as campanhas de denúncia da ditadura. Em
outro registro temos o trabalho de Isabela Kestler sobre a literatura de exílio produzida
por intelectuais alemães no Brasil, que foi publicado em português com o título de
Exílio e literatura:​ ​Escritores de fala alemã durante a época do nazismo. O ​ tema da
politica não poderia ser deixado de lado, parece óbvio, mas o trabalho se concentra na
trajetória e na produção de intelectuais, principalmente judeus, chegados ao Brasil
devido à perseguição perpetrada pelo Estado alemão nos anos de 1930. A literatura de
exílio de língua alemã tornou-se um gênero ou mesmo um patrimônio, uma vez que
conta com um arquivo próprio dedicado a registrar essa experiência, o Deutsches
Exilarchiv 1933-1945 da Deutschen Nationalbibliothek situado em Frankfurt. Essa
abordagem também encontra repercussão em toda a América tendo em vista os estudos
sobre os intelectuais republicanos espanhóis que encontraram refúgio no México e no
Chile, sobre os italianos antifascistas na Argentina ou sobre a grande comunidade
judaica que fugiu para os Estados Unidos.

Nesse sentido, uma história do exílio político e uma história dos intelectuais
exilados, indica um campo de temas comuns e relevantes para a formação do
pensamento social brasileiro e como tal deve ser objeto de reflexão. As migrações, as
diásporas e os exílios deixaram marcas profundas na cultura do século XX. Essas
experiências de deslocamento foram fontes de extraordinárias produções intelectuais,
teceram laços importantes entre linguas e literaturas, retirando-as de seus
enclausuramentos nacionais, misturando-as e lhes dando uma dimensão cosmopolita e
supranacional. Uma história do pensamento crítico no século XX não pode ignorar a
contribuição dos intelectuais exilados. Segundo Traverso, os exilados – no sentido
amplo da palavra, não apenas os que viveram o desterro político - foram os analistas
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mais agudos, por sua instabilidade e sua condição de ​outsider​s, da violência dos tempos
sombrios do último século.

O surgimento de apátridas a partir da deflagração da Primeira Guerra Mundial,


foi uma dimensão severa dos inúmeros processos de exílio ocorridos no entre guerras.
Hannah Arendt, no quinto capítulo do seu livro sobre o imperialismo, dedicou algumas
páginas ao tema dos apátridas. Ela aponta que a “produção” extraordinária de pessoas
sem direitos, fora de qualquer cobertura institucional legítima como um dos indicadores
da crise do Estado nacional contemporâneo. O “apátrida” seria um deslocado absoluto,
desprovido de direitos e a grande contradição do sistema de nacionalidades após a
Grande Guerra. As situações de exílio seriam uma parte do contexto geral em que
também se encontravam refugiados e imigrantes.

As décadas de 1920 e 1930, com suas crises políticas e econômicas e seu


corolário de perseguição racista e religiosa, contribuiu imensamente para a larga
produção de apátridas no mundo. No caso alemão, o governo nazista perseguiu grande
parte de sua população alegando que muitos não se encontravam dentro das
características germânicas desejáveis ou se apresentavam como personagens
politicamente inassimiláveis. Hartog observa que esse deslocado foi uma figura
importante na lenta construção de uma nova forma de historicidade. Atualizando
conceito de “brecha” (​gap)​ formulado por H.Arendt na obra ​Entre o passado e o futuro​,
Hartog afirma que a temporalidade vivida pelos deslocados de nosso tempo ocorre no
interior de um ​gap temporal em que o tempo histórico está suspenso, um tempo
desorientado, situado entre dois abismos: um passado que não está abolido, mas do qual
nenhuma orientação pode oferecer e um futuro do qual fazemos não fazemos ideia de
como será. Vivendo em um tempo em trânsito esse deslocado, exilado entre distintas
temporalidades será um observador agudo desse novo tempo.

Porém, Traverso chama atenção para a distância entre os acontecimentos


trágicos do século XX e a produção de uma reflexão consistente. Segundo ele, a
percepção da gravidade dos acontecimentos demorou muito para acontecer e poucos
foram aqueles que transformaram o acontecimento em crítica. ​Nesse sentido, os
exilados foram os primeiros a transformar a experiência dos horrores do século XX em
objeto de pensamento. Por isso a sua contribuição ao pensamento crítico foi, e ainda é,
tão fundamental para a escrita da história. O desenraizamento nacional, a perda do
trabalho, das ligações familiares, da língua e do contexto social e cultural, acabando por
transformar o exilado em um personagem dotado de uma condição fundamental para a
construção de uma analise crítica do mundo contemporâneo, o estranhamento ou a
distância.

A proposição de Traverso se sustenta no que ele denomina de hermenêutica da


distância. Vivenciando o estranhamento proporcionado pela distância, que lhe foi
imposta os exilados e apátridas são obrigados a observar sem nenhuma empatia o
mundo do qual foram expulsos e enfrentar eticamente o mundo para o qual se dirigiram.
Crítica e compromisso (ético) são as bases da hermenêutica, quase existencial, da qual
Traverso menciona. A potência presente no exilado desse novo tempo é ao mesmo
tempo sua tragédia, ou seja, sua impossibilidade de retorno, uma vez que o mundo
material, jurídico, cultural ou pessoal foi aniquilado, transformando a distância em
impossibilidade. Nesse caso, o lugar de exílio torna-se também espaço imaginativo.
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Frente ao novo mundo de acolhida e com um futuro às vezes imprevisível pela


frente, muitos reinventam suas identidades e trajetórias de vida. Um novo começo,
como outro nome, religião e profissão marcam as histórias desses exilados
desenraizados. Nesse caso, se assemelham àqueles que realizam jornadas próximas
como os imigrantes, por exemplo. É sempre difícil encontrar o limite entre a imigração
e o exílio, somente através de relatos, autobiografias ou diários é possível atestar a
condição de uma viagem movida pela perseguição e pela intolerância política, religiosa
ou étnica.

Uma imagem que poderia sintetizar essa diferença entre o imigrante e o exilado
pode ser encontrada em um texto do escritor Moacir Scliar, nascido em Porto Alegre no
centro da comunidade judaica local, no bairro do Bom Fim, intitulado ​Max e os felinos.​
Na pequena novela, Scliar narrou a história do jovem judeu alemão Max Schmidt que,
depois de diversos percalços em Berlim às vésperas da guerra, embarcou fugido no
porto de Hamburgo em um navio para o Brasil. Uma das viradas da trama ocorre no
momento da fuga/travessia pelo mar: o velho navio (em um ganancioso golpe do
capitão e do proprietário) é posto a pique e Max é abandonado pela tripulação. O herói
se salva em um escaler, mas fica preso no bote junto com um jaguar. O centro da
questão está na impossibilidade de retorno que sugere o afundamento do navio. Esse é o
mesmo horizonte de expectativa de todo perseguido que foge e o que o diferencia do
imigrante. Sua trajetória depende de situações que não controla, em condição de
instabilidade perpétua convive e negocia sua experiência com o outro.

Nesse sentido, essa pesquisa – nessa etapa – se apresenta muito mais com os
estudos metodologicamente informados por uma história dos intelectuais ou por uma
sociologia dos intelectuais do que por uma história intelectual.

Conclusões
Se faz necessário reconhecer que a estadia de Bernanos no Brasil, na América do
Sul através de uma perspectiva mais geral, tem por trás acontecimentos mais complexos
do que a fuga dos nacionalismos autoritários em si. Entender também que, o tipo de
refugiado no qual o escritor francês faz parte dentro da complexidade encontrada nos
exílios europeus do século XX (exilado, refugiado e emigrado) é importante para a
compreensão da construção do conceito de nacionalidade e que ele faz parte de um
acontecimento mais amplo que é a partida de intelectuais da Europa no caótico período
que se encontrava na época.
Os escritos de Bernanos são voltados para o campo de batalha na Europa e são
moldados pelo ideal da Cristandade cavalheiresca. Ter sempre isso em mente é
importante para realizar a leitura adequada dos documentos que serão analisados. Não
se pode perder de vista também que Bernanos era um homem extremamente
conservador e suas críticas ao nazismo se baseiam única e exclusivamente devido ao
prejuízo causado à sociedade francesa.
O estudo do exílio de Bernanos no Brasil, e sua obra nessa perspectiva, permite
complexificar e problematizar questões sobre percepção de tempo e espaço no período
da Segunda Guerra Mundial. Além de repensar a romantização da questão do exílio e
dos grandes deslocamentos nesse mesmo período. A obra de Bernanos vêm sendo
retomada ultimamente, porém poucos estudos foram desenvolvidos sobre momento
brasileiro.
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Através de sua narrativa identifiquei um constante não-lugar vivido por Bernanos,


que mesmo ficando sete anos no Brasil tem sua existência física ignorada. Ele se limita
a uma França rural, cristã, heróica, sempre enfatizada de forma nostálgica. E esse
espaço é sempre resgatado em uma busca de trazê-lo a tona já que seria o auge da
civilização ocidental.
Com o fracasso de seu projeto que o levou para Assunção Bernanos se volta para
o passado. Incapaz de aceitar o presente caótico de um mundo que se julgava sólido e
estável. Preso nessa brecha temporal, já que nega o presente, tendo o passado como
ideal Bernanos é incapaz de pensar num futuro que o faça agir.
Outro aspecto da narrativa de Bernanos é a escrita dramática na qual ele não
registra a própria crise. Sempre voltados para o combate de sua ideologia e de seu país
natal que jamais será como antes. Contempla alguns traidores com o perdão, mas ainda
assim narrar a derrota de seu projeto é um fardo para o escritor que se quer se coloca
como um intelectual ou escritor, pois Bernanos se sente num compromisso com a
verdade e a ideia de ser um escritor o pode levar à fantasias que podem ludibriar a
verdade que ele pretende transmitir.

Referências

1- ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.

2- BENJAMIN, Walter. O Narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov​.


In:____ ​Obras ​Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora
Brasiliense, 2008

3- CRUZ, Denise R. ​Exílio: Entre raízes e radares.​ Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999.
4 - GROPPO, Bruno. ​Os Exílios Europeus no Século XX.​ Diálogos, DHI/UEM, v. 6.
P. 69-100, 2002.
5- HARTOG, François. ​Regimes de historicidade: Presentismo e Experiências do
Tempo​. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2013.
6- KESTLER, Isabela F. ​Exílio e Literatura: escritores de fala alemã durante a
época do nazismo.​ São Paulo: EdUSP, 2003.
7 - LAPAQUE, Sébastien. ​Sob o Sol do Exílio: Georges Bernanos no Brasil
(1938-1945)​. São Paulo: É Realizações. 2014.
8 - MARTINS, Maria Cristina Amorim Parga; COELHO, Frederico Oliveira. ​Fazendo
a América - exílio e potência criativa através da escrita de ficção.​ Rio de Janeiro,
2017. 137p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Letras. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
9- MASSENA, Andreia Prestes. ​Exílio em Moçambique: as experiências vividas em
terra estrangeira durante a Ditadura Militar no Brasil.​ Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.
10- PAIVA, Tatiana Moreira Campos. ​Herdeiros do Exílio: Memórias de filhos de
exilados brasileiros da ditadura militar.​ Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006 Mestrado.
11 - PARADA, Maurício. ​Das Cinzas ao Paraíso: O Fascismo Austríaco e a
Trajetória de Otto Maria Carpeaux​. In: Mauricio Parada, Org. Fascismos: Conceitos
e Experiências. Rio de Janeiro: Mauad X. 2008.
12 - SAID, Edward. ​Reflexões do exílio e outros ensaios​. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
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13-SCLIAR, Moacir. ​Max e os felinos​. Porto Alegre: LP&M, 1981, p.38.


14 - SILVA, Fernanda Maria de Souza. ​Terror e Exílio em Dialogues des Carmélites,
de Georges Bernanos.​ Rio de Janeiro: UFRJ, Fac. de Letras, 1998. 259 fl. mimeo. Tese
de Doutorado em Língua Francesa e Literaturas de Língua Francesa.
15- TRAVESSO, Enzo. ​La historia como um campo de batalla.​ Buenos Aires: Fondo
de Cultura Economica. 2012. p237.

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