Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
O presente estudo é um recorte da pesquisa de Maurício Parada que busca mapear
os intelectuais que, fugindo das adversidades da década de 1930, especialmente da
ascensão dos movimentos fascistas, saíram da Europa buscando refúgio no Brasil.
Nessa perspectiva, a personalidade a ser estudada é Georges Bernanos, escritor e
jornalista francês que participou ativamente da vida política francesa. Desde 1908 ele
atuava na Ação Francesa, movimento monarquista e católico, que tinha como dirigente
Charles Maurras. O princípio da partida de Bernanos da Europa e o início de um
auto-exílio se deveu ao propósito utópico de começar uma “Nova França” que,
inicialmente, seria fundada no Paraguai. Temos que considerar também que o
desentendimento com Maurras em 1932 foi o estopim para que começasse a seguir seu
objetivo. Desapontado com as condições encontradas na capital paraguaia, Bernanos se
dirigiu primeiramente a Buenos Aires, mas fixou-se em definitivo no Brasil,
permanecendo em solo brasileiro de 1938 a 1945, sempre se estabelecendo em cidades
pequenas como Itaipava, Juiz de Fora e Vassouras até chegar na fazenda Cruz das
Almas em Barbacena.
Na primeira fase da pesquisa foi feito um levantamento biográfico da passagem de
Bernanos pelo Brasil. Prefiro aqui usar o termo “passagem” ao invés de “estadia” ou
semelhantes, já que o escritor francês depois de sete anos retorna para seu país natal e
enquanto permaneceu em terras brasileiras jamais ficou em um único lugar, mantendo
uma constante errância pelas cidades de interior do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essa
é apenas uma das características que tornam o estudo do exílio desse intelectual algo
peculiar.
Depois, os esforços foram direcionados aos 156 artigos que o mencionam, a
maioria de sua autoria, de 1940 à 1945. Esses artigos foram publicados n’O Jornal,
órgão dos Diários Associados que pertenciam a Assis Chateaubriand. Depois de uma
pesquisa em obras sobre Bernanos publicados na França, constatou-se que esses artigos
foram muito pouco explorados, especialmente os publicados em 1940. Neles, Bernanos
faz constantemente uma crítica ao governo de Vichy, estabelecido no território francês
ao se render à Alemanha nazista. Ele lamenta a derrota do seu país natal e também não
economiza nas críticas a Hitler e aqueles considerados traidores. Também contempla os
mesmos, ou pelo menos alguns deles, o perdão, pensando em uma dimensão católica.
Ao explorar mais a fundo os artigos e percebeu-se que quase todos eles são sobre
o conflito na Europa, acreditamos que Bernanos tenha sido convidado a escrever para os
Diários Associados justamente para falar sobre o mesmo. Inicialmente, antes de uma
análise geral do vasto material, acreditávamos que o francês era como uma espécie de
correspondente, mas percebeu-se que em nenhum momento ele menciona o Brasil ou
seus amigos feitos no país, ele escreve como se estivesse em pleno conflito, e mais
importante, sentido a dor e a vergonha da derrota de sua terra natal.
Departamento de História
Bernanos ganhou uma certa fama com a publicação de seus romances ao longo da
vida. Analisar essa sua produção não poderia ficar de fora de uma pesquisa sobre o
intelectual francês. A tradução de sua obra é um movimento recente e as escritas
enquanto esteve no Brasil seguem sem ser contempladas até o momento. Sendo assim,
resolvi por estudar um dos livros que evidenciam algumas de suas inúmeras rupturas
ideológicas em tempos de exílio e que foi escrito enquanto se dirigia para a América: Os
Grandes Cemitérios sob a Lua.
Materiais Usados
exceção do Brasil que se aproxima mais de uma dimensão mais ideológica. Ao estudar
um pouco mais a fundo a personalidade de Bernanos é importante perceber que ele vive
vários exílios dentro de um grande exílio, já que ele “era monarquista em pleno regime
republicano; católico, em um mundo ateu; patriota quando muitos se rendiam à
Alemanha”. Sem falar na exaltação de uma ideia de heroísmo como a presente em uma
Idade Média romantizada. Logo, Bernanos está constantemente em uma inadequação ao
tempo presente, sempre um fora do lugar que se encontra, seja ele físico (que se revela
nos seus escritos que mesmo estando no Brasil são sempre em sua língua materna) ou
nos seus ideais.
Ler a obra de Bernanos sob a ótica do exílio, seja ela qual for (artigos ou os
romances) ajuda a compreender aspectos contraditórios presentes em seus escritos, e
também a entender melhor as rupturas que o guiam quando publica seus artigos para os
jornais dos Diários Associados. Segundo Silva, a visão trágica do mundo, para
Bernanos, se caracteriza pela presença de Satã de várias formas e a ausência de Deus. E
que para vencer essa presença é preciso lutar, resistir, e se submeter à vontade divina
para superar a tentação do desespero.
A autora do texto analisado faz uma análise da visão de saudosismo que se
encontra em Bernanos em suas obras. No caso mais específico dos artigos que serão
estudados é possível perceber isso em conjunto com uma dimensão nacionalista, visto
que naquele momento estava estourando a Segunda Guerra Mundial e Bernanos se
encontra no Brasil, ou seja, longe de seu amado país. Fernanda Silva afirma ainda que
quatro dos romances de Bernanos se passa em Fressin, um paraíso de sua infância. Isso
mostra uma relação que é importante ficar atento, pois caracteriza uma dimensão
mística com lugares importantes para ele, como se fossem inatingíveis, já que ele nunca
volta a um lugar ao qual já havia passado.
Com o sucesso espantoso de seu primeiro romance “Sob o Sol de Satã”
Bernanos consegue viver, mesmo que sem luxo, só com a remuneração de seus escritos,
isso devido a crítica Léon Daudet, escritor de destaque na época, republicano, mas que
depois se associou com os ideais monarquistas entrando para a Ação Francesa. Isso
mostra que a princípio os primeiros deslocamentos de Bernanos foi por motivos
econômicos ou de saúde de sua família.
Em 1926 a Igreja reprova oficialmente os ideais da Ação Francesa. Bernanos já
não estava mais no movimento desde 1919, mas ele decide apoiar Charles Maurras,
diretor do movimento, por uma questão de honra. O escritor francês fica dividido entre
o dever católico de se submeter a Roma e seu senso pessoal de honra para com Maurras,
como uma semelhança ao sistema de vassalagem medieval. Fernanda Silva afirma em
seu texto: “A contradição reside no fato de que, desde o final da guerra, Bernanos
discordava da nova orientação política da Action Française, julgando-a infiel a seus
ideais primeiros, passiva demais e jogando o jogo do poder. A essa discordância
acresce-se o fato de que Bernanos admirava Maurras, porém não era seu amigo
pessoal.”
Departamento de História
Bernanos parte, corajosamente, para o combate por uma França Livre, com as armas de
que dispunha: sua voz e seus artigos”.
Nesses artigos fica muito claro a enraizamento com sua terra natal, mesmo tendo
ficado sete anos no Brasil e evidentemente gostado, porque tudo o que foi produzido em
seu exílio foi escrito em Francês, tanto os livros quanto os artigos na imprensa, que
foram traduzidos para publicação. Segundo Silva, os artigos escritos na língua materna
de Bernanos reforça uma ideia de testemunho, ela argumenta que não se da para
testemunhar em língua estrangeira.
Bernanos foi em quase toda sua vida um errante, como o qualifica Silva, visto
que ele muda de residência diversas vezes e suas obras são repletas de uma ideia de
mistificação dos lugares que lhe fazem bem, como a França. Sua voz anacrônica, devido
a sua ideologia monarquista, católica e extremamente nacionalista, pode confundir uma
primeira análise de seus escritos. E lê-los por meio da perspectiva do exílio nos permite
entender suas ideias, a princípio, contraditórias.
Sob o Sol do Exílio: Georges Bernanos no Brasil (1938-1945)
Metodologia
Os estudos sobre o exílio e a experiência exilar tem crescido nas últimas
décadas, especialmente na América do Sul. Assim sendo, podemos observar que
historiadores e cientistas políticos apontam suas análises para duas direções principais,
que não são excludentes, mas que de certa forma são distintas. Por um lado, há uma
ênfase no exílio como fenômeno político e, por outro lado, estudos que destacam as
dimensões culturais das experiências exilares. Podemos citar o texto seminal de Denise
Rollemberg Cruz, Exílio: Entre raízes e radares ou os trabalhos de Andreia Maia e
Tatiana Paiva como exemplos de estudos sobre o exílio político de brasileiros durante a
Ditadura Militar. São trabalhos que se abordam de diferentes maneiras um conjunto de
questões, compartilhados com estudiosos argentinos, chilenos, uruguaios, nos quais são
tratados os estranhamentos, desenraizamentos e lutos típicos do exílio, mas ao mesmo
tempo refletem sobre as dúvidas da militância políticas, a recomposição das redes de
solidariedade, a imprensa de resistência e as campanhas de denúncia da ditadura. Em
outro registro temos o trabalho de Isabela Kestler sobre a literatura de exílio produzida
por intelectuais alemães no Brasil, que foi publicado em português com o título de
Exílio e literatura: Escritores de fala alemã durante a época do nazismo. O tema da
politica não poderia ser deixado de lado, parece óbvio, mas o trabalho se concentra na
trajetória e na produção de intelectuais, principalmente judeus, chegados ao Brasil
devido à perseguição perpetrada pelo Estado alemão nos anos de 1930. A literatura de
exílio de língua alemã tornou-se um gênero ou mesmo um patrimônio, uma vez que
conta com um arquivo próprio dedicado a registrar essa experiência, o Deutsches
Exilarchiv 1933-1945 da Deutschen Nationalbibliothek situado em Frankfurt. Essa
abordagem também encontra repercussão em toda a América tendo em vista os estudos
sobre os intelectuais republicanos espanhóis que encontraram refúgio no México e no
Chile, sobre os italianos antifascistas na Argentina ou sobre a grande comunidade
judaica que fugiu para os Estados Unidos.
Nesse sentido, uma história do exílio político e uma história dos intelectuais
exilados, indica um campo de temas comuns e relevantes para a formação do
pensamento social brasileiro e como tal deve ser objeto de reflexão. As migrações, as
diásporas e os exílios deixaram marcas profundas na cultura do século XX. Essas
experiências de deslocamento foram fontes de extraordinárias produções intelectuais,
teceram laços importantes entre linguas e literaturas, retirando-as de seus
enclausuramentos nacionais, misturando-as e lhes dando uma dimensão cosmopolita e
supranacional. Uma história do pensamento crítico no século XX não pode ignorar a
contribuição dos intelectuais exilados. Segundo Traverso, os exilados – no sentido
amplo da palavra, não apenas os que viveram o desterro político - foram os analistas
Departamento de História
mais agudos, por sua instabilidade e sua condição de outsiders, da violência dos tempos
sombrios do último século.
Uma imagem que poderia sintetizar essa diferença entre o imigrante e o exilado
pode ser encontrada em um texto do escritor Moacir Scliar, nascido em Porto Alegre no
centro da comunidade judaica local, no bairro do Bom Fim, intitulado Max e os felinos.
Na pequena novela, Scliar narrou a história do jovem judeu alemão Max Schmidt que,
depois de diversos percalços em Berlim às vésperas da guerra, embarcou fugido no
porto de Hamburgo em um navio para o Brasil. Uma das viradas da trama ocorre no
momento da fuga/travessia pelo mar: o velho navio (em um ganancioso golpe do
capitão e do proprietário) é posto a pique e Max é abandonado pela tripulação. O herói
se salva em um escaler, mas fica preso no bote junto com um jaguar. O centro da
questão está na impossibilidade de retorno que sugere o afundamento do navio. Esse é o
mesmo horizonte de expectativa de todo perseguido que foge e o que o diferencia do
imigrante. Sua trajetória depende de situações que não controla, em condição de
instabilidade perpétua convive e negocia sua experiência com o outro.
Nesse sentido, essa pesquisa – nessa etapa – se apresenta muito mais com os
estudos metodologicamente informados por uma história dos intelectuais ou por uma
sociologia dos intelectuais do que por uma história intelectual.
Conclusões
Se faz necessário reconhecer que a estadia de Bernanos no Brasil, na América do
Sul através de uma perspectiva mais geral, tem por trás acontecimentos mais complexos
do que a fuga dos nacionalismos autoritários em si. Entender também que, o tipo de
refugiado no qual o escritor francês faz parte dentro da complexidade encontrada nos
exílios europeus do século XX (exilado, refugiado e emigrado) é importante para a
compreensão da construção do conceito de nacionalidade e que ele faz parte de um
acontecimento mais amplo que é a partida de intelectuais da Europa no caótico período
que se encontrava na época.
Os escritos de Bernanos são voltados para o campo de batalha na Europa e são
moldados pelo ideal da Cristandade cavalheiresca. Ter sempre isso em mente é
importante para realizar a leitura adequada dos documentos que serão analisados. Não
se pode perder de vista também que Bernanos era um homem extremamente
conservador e suas críticas ao nazismo se baseiam única e exclusivamente devido ao
prejuízo causado à sociedade francesa.
O estudo do exílio de Bernanos no Brasil, e sua obra nessa perspectiva, permite
complexificar e problematizar questões sobre percepção de tempo e espaço no período
da Segunda Guerra Mundial. Além de repensar a romantização da questão do exílio e
dos grandes deslocamentos nesse mesmo período. A obra de Bernanos vêm sendo
retomada ultimamente, porém poucos estudos foram desenvolvidos sobre momento
brasileiro.
Departamento de História
Referências
1- ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
3- CRUZ, Denise R. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999.
4 - GROPPO, Bruno. Os Exílios Europeus no Século XX. Diálogos, DHI/UEM, v. 6.
P. 69-100, 2002.
5- HARTOG, François. Regimes de historicidade: Presentismo e Experiências do
Tempo. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2013.
6- KESTLER, Isabela F. Exílio e Literatura: escritores de fala alemã durante a
época do nazismo. São Paulo: EdUSP, 2003.
7 - LAPAQUE, Sébastien. Sob o Sol do Exílio: Georges Bernanos no Brasil
(1938-1945). São Paulo: É Realizações. 2014.
8 - MARTINS, Maria Cristina Amorim Parga; COELHO, Frederico Oliveira. Fazendo
a América - exílio e potência criativa através da escrita de ficção. Rio de Janeiro,
2017. 137p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Letras. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
9- MASSENA, Andreia Prestes. Exílio em Moçambique: as experiências vividas em
terra estrangeira durante a Ditadura Militar no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.
10- PAIVA, Tatiana Moreira Campos. Herdeiros do Exílio: Memórias de filhos de
exilados brasileiros da ditadura militar. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006 Mestrado.
11 - PARADA, Maurício. Das Cinzas ao Paraíso: O Fascismo Austríaco e a
Trajetória de Otto Maria Carpeaux. In: Mauricio Parada, Org. Fascismos: Conceitos
e Experiências. Rio de Janeiro: Mauad X. 2008.
12 - SAID, Edward. Reflexões do exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
Departamento de História