Você está na página 1de 2

Pedro Carvalho Souza, mat.

: 201810740031
Gestalt II

Análise do filme: Ilha do Medo

A priori, é importante considerar que — assim como no filme anterior, Cisne


Negro — esse filme também é narrado a partir da perspectiva de um personagem
que está enfrentando sofrimentos psicológicos. Portanto, os acontecimentos devem
ser considerados do ponto de vista fenomenológico, não julgados a partir da
“realidade”.

Adiante, é curiosa a abordagem da trama situar-se em uma “ilha”, o que


aparenta caracterizar a ilustração de uma existência significativamente distante do
mundo social, do convívio com a civilização. Além deste pressuposto, a ilha é
apresentada através de uma disposição fotográfica e teatral extremamente
“claustrofóbica”, contando com uma luminosidade muito escura, na maior parte do
tempo — até mesmo nas dependências do hospital — assim como a disposição de
cenários frequentemente caracterizados pelo abandono e isolamento, lugares
descuidados, precários e sem manutenção. Em conjunto com a premissa de que
trata-se de uma prisão psiquiátrica, para onde seriam enviados todos os detentos
considerados “inaptos” e “perigosos”, esta configuração simboliza muito bem a ideia
de uma fronteira de contato extremamente afastada e fortemente protegida, que
impede o contato com o mundo em ambos os lados.

Há, na verdade, a dúvida, sobretudo no final do filme, a respeito de que esta


ilha exista de fato. Ou, ao menos, exista da forma exata com a qual é narrada.
Considerando que, conforme é apresentado ao paciente Edward Daniels, ao final do
filme, as experiências vivenciadas por ele tratavam-se, na realidade, de uma
encenação que fazia parte do seu tratamento — cuja êxito era esperado, na
expectativa de salvar Edward do procedimento de lobotomia — e considerando,
também, as frequentes “falhas” visuais e teatrais consistentes no filme, que inclui
peças sumindo, pessoas agindo de maneira estranha, conversa com “pacientes”
aleatórios que estranhamente conheciam Andrew Laeddis, como se fosse um
assunto extremamente popular na ilha inteira, é possível indagar-nos a respeito da
sua apresentação. Arrisco dizer que, talvez, o protagonista estivesse apenas em um
hospital psiquiátrico ou prisão quaisquer, e todas essas características sejam fruto
da sua própria narrativa. Somos apresentados a uma ilha fenomenológica.

A respeito dos sintomas e das demandas de Edward, notamos consecutivas


alucinações, sonhos e percepções contraditórias e invasivas ao seu próprio Self,
que o perturbam e o confundem conforme vêm à consciência. Isto deve-se ao fato
de Edward ser, na verdade, uma segunda identidade do paciente, concebida na
tentativa de ajustamento criativo que lhe permitisse lidar com o sofrimento pelo qual
passou após o episódio que levou à morte sua esposa e filhos. A confusão entre
ambas as identidades aparenta ter-se enraizado a ponto de deturpar a narrativa
entre os personagens: Por um lado, Edward está buscando por Laeddis como um
criminoso desconhecido, por outro lado, eventualmente propõe falas como “Laeddis
era o construtor da minha casa, e também era incendiário. Ele foi o responsável
pelo incêndio que destruiu a minha família”. Os sintomas desse sofrimento
caracterizam a tentativa desesperada de um Self que busca pela integração do
personagem com a sua história, com o lado de si mesmo ao qual não quer
compreender.

Tocando no assunto da integração, por fim, o final do filme é também


marcado por muitas dúvidas. Dentre elas, a questão a respeito de que o processo
de tratamento enfrentado pelo protagonista realmente tenha surtido efeito, ou de
que ele tenha sido conduzido à lobotomia, dada a falha do método. Há dúvidas, na
realidade, a respeito do processo de lobotomia em detrimento da localização do
suposto “laboratório onde seria feito o procedimento”, uma vez que a estrutura de
um farol náutico, contido na ilha, não corresponda a um ambiente ideal para o
exercício de atividades médicas, além da ideia simbólica contida na associação da
lobotomia com um farol (lugar onde se encontra a luz que guia os navegadores
perdidos). O grande questionamento é, portanto, se o paciente realmente obteve
melhora no seu quadro clínico ou se, ao final das contas, a tentativa do seu Self de
ajustar-se frente ao contato com o problema tenha culminado na consumação
completa da sua identidade “original” em detrimento da outra, que mantém a sua
estrutura segura e protegida, na qual ele morre como Edward, um herói de guerra,
afastado de tudo e de todos, inclusive de si mesmo:

“O que poderia ser melhor? Viver como um monstro ou morrer como um


homem bom?”
Últimas palavras ditas pelo personagem, antes do fim.

Você também pode gostar