MAUPOIL, Bernard. A adivinhação na antiga Costa dos Escravos. Tradução de
Carlos Eugênio Marcondes de Moura. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2020. 792 p.
A tradução de uma obra pioneira metas desta resenha. Cabe destacar o
de etno-história africana implica trabalho sério e paciente de tradução também em fazer um trabalho de feito por Carlos Eugênio Marcondes confronto com a versão original. No de Moura, uma das autoridades mais presente caso, a segunda edição em dedicadas ao legado multifacetado da português do livro, originalmente África no Brasil. publicado em francês, é uma tradução O livro traduzido está na sua da obra La Géomancie à l´ancienne segunda edição pela EDUSP, e ainda Côte des Esclaves, do etnólogo tem a colaboração do sociólogo francês Bernard Maupoil. A primeira Reginaldo Prandi (USP) e do saudoso edição foi publicada pelo Instituto antropólogo Sérgio Ferretti (UFMA). de Etnologia de Paris, em 1943. Não é a minha intenção comentar essas A segunda, muito provavelmente, em colaborações. 1961. A terceira, segundo informa o O autor da obra, Bernard Maupoil, tradutor Carlos Eugênio Marcondes nasceu em 17 de novembro de 1906, em de Moura (p. 12), é de 1981, com um Paris, e morreu em 15 de dezembro de posfácio de Claude Rivière. Algumas 1944 num campo de concentração na fontes falam de um total de 24 edições Alemanha. Foi administrador colonial entre 1943 e 1988. O cotejo entre a na África francófona, etnólogo e obra original e sua tradução é uma das escritor. Teve influências da escola de
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Etnologia de Marcel Mauss, orientador que eram representantes do conhe- de sua tese, instigador e conselheiro cimento tradicional e ignoravam “os (p. 729); Lucien Lévy-Bruhl foi outra modos de pensar europeus”; e, por influência; também dialogou com outro lado, o informante letrado, membros do Instituto de Etnologia, “funcionário ou não, mais ou menos como Marcel Griaule, Paul Rivet, André a par de nossos costumes e gostos” Leroi-Gourhan. Residiu em países (p. 15). A pertinência metodológica da África Ocidental como o Senegal, preocupou tanto o pesquisador que ele a Guiné Francesa (Guiné Conakry) e duvidou das informações proporcio- o antigo Daomé, atual República do nadas por estes últimos, já que havia, Benim, onde produziu a presente obra. apesar de serem letrados, uma espécie Neste último país, ele teve uma estada de “vaidosa insuficiência”, “excesso administrativa entre janeiro de 1934 e de imprecisões”, e uma espécie de janeiro de 1936, e percorreu as cidades desarraigo dos costumes por parte meridionais e centrais de Porto Novo, deles. No caso dos “informantes em Allada, Uidá e Abomé. pano”, algumas questões técnicas foram O livro de Maupoil contém duas resolvidas, de modo geral, no quesito partes, precedidas por uma apresen- colaboração. Uma terceira alternativa, tação e uma introdução. É ilustrado complementar, se impõe, segundo o com desenhos, gráficos e fotos para dar autor: contar com intérpretes pessoais conta do seu caráter prático, enquanto e ocasionais, falantes do francês. manual de adivinhação. A primeira Digno de nota, outrossim, parte compreende nove capítulos; a é frisar que, após a ocupação colonial segunda, três. A “Conclusão” encerra do Daomé, o conjunto de crenças e em poucas página o livro. de sentimentos em Fá (sistema de Na introdução, o pesquisador adivinhação entre os grupos fon e adverte sobre várias dificuldades associados) passou por considerável encontradas no terreno, dificuldades evolução, alguns diriam decadência, atinentes à distinção entre os infor- caracterizada pelo desapreço, mantes “em panos” (isto é, vestidos a o desrespeito e de controle dos cultos caráter, com “panos”), traduzido por por parte dos reis. Moura como “informantes rústicos”,
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Vale ressaltar, com relação às mecanismo, aos agentes do culto convenções ortográficas, que Bernard privado da adivinhação e ao ritual de Fá” Maupoil, na edição original, apresenta (p. 421). Uma contribuição para várias uma quantidade de equivalências de áreas das humanidades ― História, signos linguísticos entre o fon e o Antropologia, Sociologia, Estudos das francês. Na tradução de Carlos Eugênio Religiões, Artes e Folclore ― precisa Marcondes de Moura, as equivalências da interlocução com seus respectivos são menores para facilitar a leitura por especialistas. lusofalantes. Optarei pela adesão à No primeiro capítulo, intitulado grafia adotada na tradução; também “Definições”, Maupoil dialoga com acompanharei a tradução em si, que uma gama de autores, como os tem algumas falhas, devido às falhas do missionários Joulord, Courdioux e autor no original. Vale a pena adiantar o etnólogo Maurice Delafosse, para que uma dessas é a falta de um glossário assentar as bases da noção de futuro que pudesse traduzir a nomenclatura inerente ao sistema divinatório do Fá autóctone de certos objetos, animais (p. 25) e ao incognoscível, à revelação e fenômenos atmosféricos. Em outras do destino da existência dos humanos palavras, há nomes de plantas e árvores (p. 35). Discute o termo Fá entre que foram mencionados no livro, mas os Fon; Ifá, entre os Iorubá; e Afan cujos termos latinos não foram apon- (às vezes escrito Afá) entre os Mina tados por Maupoil. Como também, do Togo. Existem várias definições de nomes em línguas nacionais, referentes Fá. Para Le Hérissé seria um vodum, a postos hierárquicos ou profissões, isto é, uma divindade pessoal que nomes iniciáticos, expressões votivas, nasce e desaparece com o indivíduo. rezas, objetos da natureza etc., que De qualquer modo, muitos autores serão escritos em itálicos. Os nomes das consideram Fá como um deus ou o divindades serão escritos em grafia do gênio da adivinhação, um intermediário alfabeto internacional. entre os homens e os deuses. Esta seria A primeira parte do livro, nas a definição mais completa, já que as próprias palavras do autor, diz opiniões oscilam entre considerar Fá respeito ao “funcionamento de como divindade das florestas, como Fá, se assim se pode dizer, ao seu sinônimo de Mawu (deus maior),
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de Obatalá e, inclusive, como um uma resposta ao problema que vodum diferente dos demais voduns, aflige o seu espírito […]. Fá não é metade homem, metade vodum, uma divindade, é a voz de Deus” até negar que o termo não designa (p. 38). Termina o capítulo com a nem um deus, nem um ser humano. questão da iconografia de Fá e sua É comum se afirmar também que Fá é filiação, afirmando que há diversas um sistema de adivinhação. narrativas sobre sua personalidade. O cuidado de Maupoil em escutar No entanto admite que Fá é filho uma variedade de interlocutores lhe biológico ou adotivo de Mawu, ou de permite observar que a “posse de duas mulheres. Natureza milagrosa um signo de Fá é concebida como ou afastamento da ideia do “pecado uma aliança com uma divindade não original”?, questiona o autor. só onisciente e tutelar, mas ligada É mister saber que, aos diferentes pessoalmente ao aliado mortal, por signos de Fá, chamados “du”, estão ele monopolizado” (p. 37). Permite-lhe associadas divindades importantes também concluir que existem duas como Lègba, Kennessi, Na, Gu, Agé, definições de Fá: a popular e a da Ali, Ayizan, Duwo, Kiti, Hókpa-Lisa. elite dos adivinhos. O povo acredita Posso acrescentar que os Hoxo que Fá é ao mesmo tempo um deus (gêmeos) também aparecem com e um conjunto de deuses, que são os muita frequência. Uma grande impor- signos. E que, “Dotado de onisciência tância é dada a Lègba (equivalente e ubiquidade, é além do mais infalível fon de Eṣu-Elegbara), considerado e diz somente a verdade” (p. 38). “Hundahó”, “a divindade maior” Os demais acreditam que “Fá é a (p. 22), o nome consagrado em Cuba própria mensagem do mais elevado entre os chamados arará, descendentes princípio divino, de Mawu [Mavu, de daomeanos. Nesse mesmo capítulo, na tradução, grifo meu]. É um Maupoil dialoga ― sobre correspon- modo abstrato de interpretação dências entre as práticas nas Américas ou de revelação do passado ou do ― com as obras de Fernando Ortiz, futuro, modo indireto, dedutivo, por Lydia Cabrera, Alejo Carpentier, Artur meio do qual o consulente recebe, Ramos e Nina Rodrigues. por intermédio de um especialista,
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O segundo capítulo traz infor- (olhar fixo no cliente e nas linhas de mações sobre a origem lendária e a suas mãos); e o Kpondan (observação origem histórica do sistema de adivi- dos olhos do consulente por parte do nhação. Fá tem origem certa, segundo adivinho, antes de responder); entre todos os informantes do autor: não outras formas de adivinhação. Com nasceu no Daomé e sim na cidade relação ao aparecimento de Fá na de Ifé, em país iorubá. As diferentes Costa dos Escravos (litoral do Golfo narrativas falam pouco de sua origem do Benim), estima-se que apareceu por na adivinhação muçulmana. É algo volta de 1700, se fixou em Uidá para a ser pesquisado. Ifé desempenhou depois chegar a Abomé, no reinado um papel histórico importante nas de Agadja (também grafado Agajá), instituições, nas artes e nos cultos dos levado por uma caravana de comer- fons. Há dois tipos de Ifé: terrestre, ciantes nagôs. Há uma semelhança antiga e a atual, e a Ifé mística, a do muito grande entre o Fá do Daomé e sol nascente ou a do “horizonte do o Sikidy de Madagascar, sentencia o leste”, “lugar ideal onde, no Oriente, autor (p. 72). o céu e a terra se juntaram” (pp. 54-55). No capítulo 3, intitulado O mais importante adivinho (bokono), “O panteão da Costa dos Escravos” reconhecido como Araba do Daomé, Maupoil pretende “escrever, sem espécie de “papa dos adivinhos” (p. examinar os mitos, algumas notas que 57), recorre à expressão “E yi Fé” (ele facilitarão a leitura dos capítulos que partiu para Fé), de uma origem mítica se seguem e dos contos traduzidos ou eufemismo que alude à morte de um na segunda parte deste livro” (p. 73). albino (Lisa), de uma píton-real de Uidá Sobre os voduns e suas características, (Dangbe) ou de uma personalidade aprendemos que, como resultado de eminente (p. 55). Com relação à história sincretismo, sua origem quase sempre da adivinhação antes de Fá, existiam o foi exterior ao Baixo Daomé: divin- Agbazé (esteira usada como pêndulo); dades emprestadas ou tomadas do Kentchakan (consulta por meio de inimigo; introdução por uma rainha seixos escolhidos no leito de um rio); etc… Digno de nota é saber que existe Tó (olhar fixo por parte do adivinho um laço de solidariedade e comple- numa jarra contendo búzios); Mwen mentariedade entre voduns e humanos.
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O vodum é infalível e perfeito. Nesse A partir disso, vê-se claramente aspecto, o sacrifício, sendo a comida como se estrutura o mundo entre os do vodum, também é um ato social Fon. Mawu é invisível e onipresente. caracterizado pela ideia de comunhão, Os mortos se agregam a esse universo de comensalidade. A concepção do cósmico, “ocupam um domínio universo baseia-se, segundo o bokono dificilmente determinável, acima da Gédégbe, na junção do céu e da terra Terra” (p. 84) e os melhores dentre como uma cabaça fechada denominada eles encontram-se em Ifé, junto aos odu; é sinônimo de Mawu, o criador, e voduns, afirma o autor, baseado em de Gbaadu (igba odu: “cabaça de odu” informações do grande sacerdote de em iorubá). O termo Gbaadu também Abomé. O clero também tinha sua designa alguém que conseguisse estrutura: no nível mais alto, situam-se acumular em seu espírito toda a ciência, os vodunon (os donos ou guardiões todos os conhecimentos de Fá, até o do vodum; etimologicamente, vodum, mais elevado grau. Como ninguém o “a divindade”, e non, “mãe, dono(a)”, consegue, não existe Gbaadu humano” muito provável tradução que influiu na (p. 104). etimologia brasileira de mãe-de-santo). Sobre o conceito de universo, Um sinônimo da palavra é hunbonon, a água rodeia a Terra em toda a sua de hun, a divindade, e bo, o amuleto; superfície convexa de sua meia também reforço da palavra hun ou cabaça. A Terra ocupa o restante. vodum, portanto, uma reduplicação da É no exato lugar onde o mar acaba mesma; e non, que já disse. que o céu se confunde com ele que Os reis do Daomé tiveram os dois “lábios” da cabaça se juntam. momentos de confronto com os sacer- O lugar ideal, inacessível ao homem, o dotes dos voduns, principalmente os horizonte onde se encontram o céu e o de Sakpata, a ponto de estes serem mar, chama-se Ifé. Localiza-se em Ifé vendidos em grande número aos trafi- a morada de todos os voduns. Sob as cantes de escravos pelo rei Agadja. ordens de Mawu, eles se espalham pelo Os sacerdotes de Sakpata se bene- mundo, veem o que acontece na Terra ficiaram mais tarde da intervenção e, em seguida, prestam conta disso ao colonial francesa para perpetuar seu senhor (p. 84). seus cultos. Entende-se por que, nas
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Américas, além dos cultos reais de bokó, nukantó, entre outras. Ele tem Agassu e de Zomadonu, essa religião um papel público, o de manter-se à de Estado, que se tornou popular no disposição das pessoas que as vicissi- Daomé, manteve somente os dois heróis tudes e as inquietações da vida levam do panteão popular, que são Sakpata à sua presença, e um papel privado e Xèviosso. Essas divindades, comu- – assegurar o culto de seu Fá pessoal, mente chamadas de deuses da varíola consultar para a sua família ou para si e do trovão, respectivamente, apesar de e para as muitas pessoas que o rodeiam serem voduns independentes, possuem (p. 133). O bom adivinho é considerado certas atribuições que evidenciam um pai de todo mundo. Maupoil observa parentesco mútuo. que os bokonos não estão sujeitos a Nas Américas, algumas divindades proibições corporativas. “Exercendo não tiveram a mesma importância mas, um sacerdócio individual, eles somente do outro lado do Atlântico, elas conti- possuem, com exceção das proibições nuaram o seu curso normal. Trata-se, familiares ou as de seus voduns, proi- entre muitos outros, de Gu, Azili e bições individuais, ditadas pelo du da Aguè. Quanto a Dan Ayidohwédo floresta. O sacerdote de Fá não participa ou Dan-bada-Hwédo, ele veicula de funerais e só muito raramente assiste entre o céu e a terra os projéteis de a eles” (p. 135). Da mesma forma, o Xèviosso. É o deus da prosperidade, bokono não morre, pois diz-se que “ele do ouro. Mantém a vida e participa está na terra do depois de amanhã”, dos nascimentos, é um princípio “ele partiu para Ifé”, “ele foi preparar de felicidade e de prosperidade (p. remédios, talismãs” (note-se aqui um 95). Está muito ligado a Fá, a Lègba erro de digitação (eyi bo gbe, trans- também, como mensageiro e guardião. crito erradamente como e yo bo ge.), As funções deste são tão diversas “ele foi pegar folhas” (eyi ama dagbé que não se hesita em distinguir várias traduzido erroneamente como “ele foi representações deles: Agbonuhósu, pegar a boa folha”); “ele retirou o seu ahi-Légba, To-Lègba etc. asen do chão”, “ele deixou [‘entregou’] No capítulo 4, “O bokono”, apren- a cabaça da reza”. Confiram, aqui demos sobre as diversas denominações também, algum indício de que a palavra do adivinho: babalawo, awo-non, dèka em e jo dèka, que é uma locução
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fon, mostra o total vínculo que um vidência, como foi o caso de Gèdègbe. sacerdote tem com uma cuia mágica A metagnomia faz parte do ofício no âmbito religioso, seja na iniciação, do bokono. Como se costuma dizer seja na ruptura com qualquer tipo de no Benim atual, o bokono não tem vínculo estabelecido anteriormente. piedade de ninguém, nem enrola; Em outras palavras, da mesma forma além de revelar coisas do passado, que nos candomblés brasileiros, o deká do presente e do futuro, ele diz o que sanciona uma separação, libertação ou pode ser feito e o que não pode ser despedida com a casa matriz, e no caso feito. A função pode ser exercida por do bokono a dita despedida se expressa mulheres também, argumenta o nosso através da metáfora da entrega, uma autor. Mãe Andressa da Casa das Minas espécie de ruptura de todo vínculo vital, tinha um kpoli. O que reforça a tese de pois o sacerdote se despede dos vivos. Roger Bastide de que kpoli não tinha Um aspecto de grande impor- nada a ver com Poli Bogi, provável tância no capítulo é que, no exame evolução de Toli Gboji, divindade dos dois papéis evocados anterior- da Casa das Minas de São Luís do mente, além das capacidades técnicas Maranhão.1 dos adivinhos, temos as faculdades O capítulo 5, “O Fagbasa”, discute paranormais de alguns deles. Sempre os instrumentos e acessórios da adivi- guiando os adivinhos, Fá exerce a nhação, e descreve o ambiente de função de metagnomia, que se define consulta a Fá. O Fagbasa é o espaço como conhecimento de fenômenos reservado às consultas e às cerimônias não perceptíveis ou cognoscíveis pelos de Fá na residência do bokono; sentidos normais. O caso do adivinho Gèdègbe sobre vários acontecimentos 1 Edmundo Correia Lopes, “O Kpóli de e fatos escondidos no passado ou no Mãe Andressa”, O Mundo Português, v. 9, n. 100 (1942), pp.139-144; Pierre futuro, ou que acontecem no presente Verger, “Le culte des voduns d’Abomey em outros lugares, é muito conhecido. aurait-il été apporté à Saint Louis de Maranhon par la mère du roi Ghézo” O próprio Maupoil soube bem antes, in Verger, Les Afro-Américains (Dacar: por boca do adivinho, a perda trágica IFAN, 1952), pp. 157-160; e Roger Bastide, As religiões africanas no Brasil: de um amigo. Um verdadeiro bokono contribuição a uma sociologia das inter- penetrações de civilizações, São Paulo: tem premonições, visões, telepatia e Pioneira/EDUSP, 1989.
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e parece se confundir às vezes com “sistema adivinhatório” e vi “descen- Fagbadji, espécie de antecâmara. dente, filho”, isto é, o iniciado ao Fá), O altar que se encontra no quarto de com quem mantém uma ligação muito Fá chama-se kpe. Vale a pena observar forte, protege a casa inteira e expulsa que o autor se ocupa também do as doenças (p. 190). Os fa-nu, ou seja, ambiente do sistema transplantado para o conjunto dos objetos consagrados as Américas. Encontra ali expressões a Fá, misturados com dendê, bebida semelhantes e derivadas, contextualiza alcoólica, pequenas penas, penugem, e dialoga com autores brasileiros da sangue de aves sacrificados, um pó estirpe de Artur Ramos, Nina Rodrigues branco e diversas “comidas”, formam e Renato Mendonça, sobre termos uma camada muito longe de ser consi- como kpeji. derada sujeira que recebe o nome de Todos os instrumentos e aces- tchékpé (p. 192). Os objetos que fazem sórios têm o seu lugar predileto, seus parte do material do bokono, tais como manipuladores e seu simbolismo. os caroços de Fá, as taças para caroços São objetos como o Duwo, símbolo de Fá, o fagban (receptáculo de Fá), e manifestação do culto aos falecidos o Pó yé, os Lonflen (bastões de Fá), membros da grande família dos o Agunmaga (rosário da adivinhação), bokonos. Símbolo também da tota- o Akpo (bolsa do bokono), o Vode lidade dos signos de adivinhação, de (seu conteúdo), o Lókpo (prancha dos todos os espíritos superiores que se dezesseis Du), o gugbasa (facão de beneficiam dos sacrifícios prescritos Gu), gudaglo (iorubá, a água lustral), por Fá (p. 187); o asen axrelele [grifo são considerados emblemáticos, meu, grafia diferente na tradução], repletos de significados, inclusive bastão de Fá que precede os cortejos alguns objetos, animais e atos execu- ao bosque sagrado e representa a tados têm uma sobrecarga de simbo- bengala cerimonial de todos os grandes lismo e sacralidade (pp. 192-234). Por sacerdotes de Fá já falecidos (este asen exemplo, nas cerimônias do bosque permite dar de beber, simbolicamente, com o favi, alguns caroços de dendê aos adivinhos mortos) (p. 188); final- preparados são acrescentados a folhas mente, Legba Agbanukwen, que é um litúrgicas, dendê, peixe defumado e Legba que, além do Fá do favi (de fa carne defumada dos roedores glẽzῖ
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e gbeja (espécies de ratos do mato de tradução de me e wa nu kan gbe provavelmente), os oligoryzomys e no final do primeiro parágrafo da nigripes (ou Rattus norvegicus, “rato página 235. Trata-se do consulente e castanho”). Quais são os sentidos não da consulta como diz a tradução. dados a essa preparação, segundo O incognoscível é o motivo principal alguns adivinhos? Ela “permite a Fá do consulente; ele quer entender algo, dizer sempre a verdade. O glénzin adquirir algum meio ou princípio de vive em buracos, sai à noite e voa. ação. Do outro lado, o adivinho, que Presume-se que confere poder a Fá e, será o intérprete do que Fá responde: se uma cobra o morder, quem morre pode ser um ato gerador de impureza é o réptil. Ao que se diz, come de ao qual Fá responde inculpando Lègbá, tudo, até elefante. Quanto ao gbeja, um vodum, um Kututó (um morto) ou serve para preparar remédios para a um Azetó (bruxa), o que traduz o fato fecundidade das mulheres” (p. 194). de que a pessoa é responsável pelo ato A falta dos nomes científicos das cometido. As consultas e a execução plantas, frutos do mar e sementes dos sacrifícios têm dias específicos impede uma tradução o mais fiel e também condições específicas. Há possível. outros tipos de consultas como a dos A forma retangular curvilínea do obis (cola acuminata); e a de Lègba. fatè (lit. ‘bandeja de Fá’, contração de O capítulo 7 trata das etapas da fa e atè; também do fatè, com quatro iniciação ao Fá. O autor distingue cabeças esculpidas e opostas) “evoca três etapas: a infância (Fá Kwin-we), os quatro pontos cardeais, assim como a adolescência (Fa sin-sen), e a idade a forma quadrangular das casas” madura (Fá tité). A última é conferida (p. 199). No segundo caso, “as quatro no bosque sagrado (pp. 287-292). cabeças correspondem aos quatro Algumas situações são universalmente pontos cardeais, e representam os reconhecidas como, por exemplo, quatro primeiros du: Gbe-Méji (leste), o interdito sexual na véspera de Yéku-Méji (oeste), Woli-Méji (sul) e algumas cerimônias e o sentido Di Méji (norte)” (p. 201). que tem para os envolvidos: “O ato No capítulo 6, intitulado sexual é prejudicial à boa fortuna, “A consulta”, já no início há um erro à feliz disposição de todas as coisas.
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Quando se toca numa mulher, a boa muito a atenção a declaração de um sorte se retira”, assevera Maupoil bokono: “Fá pede sangue para preser- (p. 332). A recíproca também existe: var-se da morte”, o que nos autoriza tanto o homem quanto a mulher a dizer que uma “comparação com a devem observar esse tabu sexual. Outra transfusão de sangue é admitida…”, já situação é a dos laços entre o mestre e que há transmissão. Em outras palavras, o iniciado. Como no caso das religiões o sacrifício é uma espécie de transfe- de presença africana nas Américas, rência da energia vital, principio caro à o sacerdote iniciador é considerado o existência dos seres vivos. Acrescenta: pai do iniciado. “O sangue de um cabrito sacrificado O capítulo 8, referente aos a fim de se recuperar a saúde de um sacrifícios, trata estes como mais humano é recebido sob a forma de yé situados no campo dos signos do que [a sombra, o espírito] e é como trans- no do vodum Fá, assumindo que Fá fundido para o doente, que recupera as é vodum, conforme Maupoil. Duas suas forças” (p. 349). Destaque é dado operações distintas se enquadram também à participação dos mortos. São na prática do ritual: o vó ou vósísa os asen (objetos metálicos representa- (o ebó iorubá) “tende à expulsão do mal tivos dos mortos, onde são servidas e constitui um rito de envio” (p. 347). bebidas e comidas) dos bokonos E o nu wi-wa (ação de fazer a coisa) ou falecidos, dos familiares, mas também déhuho (ação de ritmar a oração), que as divindades instaladas na casa, que “permite estabelecer, por intermédio da representam, no seu sentido mais lato, vítima, relações recíprocas entre aquele os mortos. que oferece o sacrifício e o seu deus No capítulo 9, a questão das e constitui um rito de troca” (p. 347). almas e sua relação com Fá é tratada. Aí opera-se uma espécie de translado No pensamento daomeano, revelado de poder sobrenatural, de força vital por vários colaboradores de Maupoil, da vítima a Fá e deste a quem oferece com comentários do filósofo Gèdègbé, o sacrifício. Essa lógica opera também “Cada ser vivo, cada animal, cada com o sangue sacrificial, que possui um planta, cada coisa criada por Mawu princípio imaterial, uma força mágica possui quatro almas: yé, wensagun, liberada pelo ato de degolar. Chama lindon e sé”. A diferença entre as
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almas dos homens e dos animais é A segunda parte do livro é dedicada qualitativa: são mais potentes entre aos signos. O autor faz uma série de os homens. Neste mundo tenebroso, considerações gerais e distingue os invisível e misterioso, acrescenta-se o signos principais e os secundários, suas jòtó, espécie de antepassado epônimo. características e correspondências, suas “É a propósito do jòtó que se juntam ordens e as mensagens ligadas a eles. o culto de Fá e o culto aos mortos”, Trata-se de um precioso trecho do livro: sentencia Maupoil (p. 397). Trata-se de Denomina-se signo-mãe (du uma relação exclusiva aos homens; toda nõ), signo-cabeça (du tá) ou Fá pessoa falecida deve ser substituída na duplo (Fa Mèji), todo signo cujas duas colunas são iguais. Como terra por um recém-nascido que não cada coluna é dividida em quatro tenha feito mal a ninguém. O falecido conjuntos, o número de combi- tem um status divino, portanto objeto nações possíveis de signos-mães de culto. Os eguns são exemplo disso. limita-se a dezesseis. Os dezesseis primeiros signos são Fá é consultado para saber quem foi “mães” não por serem todos femi- que ele enviou ao mundo. Esse sentido ninos, mas pela propriedade que poderia ser transposto à realidade apresentam de gerar 240 combi- nações, chamadas du-vi [signos deste lado do Atlântico quando alguns derivados, signos matriz, grifo adeptos do candomblé falam em ajuntó meu] ou du-vi-kan-do (signo-fi- ou juntó, se referindo aos voduns ou lho-levantar-pousar), isto é, signos derivados formados pela justapo- orixás secundários: orixá da cabeça, sição de dois semi-dunõ diferentes. como o principal; e o e orixá do corpo O termo “mãe” não implica a ideia como o secundário (ajuntó). No caso da de feminilidade do signo gerador (pp. 421-422). umbanda brasileira, se distingue até um terceiro orixá, que é o ancestral, e que parece denominação cujo significado O número de signos-mães é se aproxima mais daquele do jòtó. dezesseis. Os signos derivados resultam É o pai criador invisível que, junto em 16 x 15 = 240. O conjunto de signos com o Kpóli, formam duas entidades totaliza 256. Eles são lidos da direita aparentadas, esta última mais forte que para a esquerda. a primeira, embora de data posterior (p. Uma das constatações do autor 401). é que existem signos inomináveis,
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uma espécie de tabu de designação. esse gênero textual, afirmando que nem Pronunciar o nome desse tipo de signo sempre o é), muitas vezes cantado, que pode levar à infelicidade, se não se resume a lenda associada ao signo. fizer um ritual de “desculpa”. A mesma É um universo muito amplo o dos coisa se aplica aos bokono, caso os lemas e lendas. Na maioria dos casos, signos fossem descobertos no fazun a lenda diz respeito a um animal, um (de Fá “o sistema de adivinhação”, homem, uma divindade ou uma planta. e zun “a selva”), local de iniciação de Pode ser que o adivinho queira dar mais Fá, por exemplo. O sacerdote, uma duração à sessão, entoando cânticos, vez que encontra o signo durante uma e fornecer, a depender da importância consulta, fornece uma explicação ao da consulta, muitas explicações. consulente, ou interpreta a resposta de O capítulo seguinte, que aborda Fá (p. 431). Trata-se de respostas em os dezesseis grandes signos e suas parábola. Costuma-se dizer que, mesmo mensagens, ampliará o capítulo que a resposta de Fá não corresponda anterior a partir de um inventário de estritamente à consulta feita, em dez, signos, suas características, lemas, vinte ou trinta anos ela será confirmada. lendas, sacrifícios e cantigas, preces, Posso dizer que se trata de uma ambi- interditos etc. Em linhas gerais, guidade necessária, porque as respostas trata-se de signos ligados aos quatro de Fá são ambíguas, que oferecem pontos cardeais, com representação caminhos diversos, variados. Quase gráfica e representação esotérica nunca são verdades absolutas: podem respectivas. A gráfica faz-se a partir ser, inclusive, adiantadas, porque de figuras geométricas, na sua maioria nem sempre lidam com o passado e o (às vezes preenchidas ou modificadas) presente, mas também com o futuro. de representações de animais, fenô- O du comporta uma série de lendas que menos naturais, astros e espécimes da poderão ser consideradas como espécies natureza. de lemas ad hoc, porque cada caso é Retomando a questão dos pontos um caso; trata-se de uma adaptação a cardeais, Gbe Mèji, o primogênito cada caso. É como se fosse um nó a ser de sexo masculino, é o pai e chefe desatado. O lema, na realidade, é um dos dunõ, e é o oriente; a sua função provérbio (embora Maupoil relativize principal é manter a vida, comandar
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a terra, garantir as colheitas. Senhor Gbe seria o pai. Há ainda adivinhos do dia e do que acontece na terra que acham que Fu é mãe de Gbe, daí durante o dia, rege também a abóbada asseverar que Fu seria hermafrodita. celeste nas horas de claridade (p. 444). Fu representa a mãe, o princípio O signo ligado ao oeste é Yéku Méji; material; mãe de toda a criação é o contrário do símbolo de Gbe. (p. 597). Com relação ao significado de Provavelmente de sexo feminino. cada uma das expressões antes de Méji, A razão? Como Gbe e Yèku são consi- não se trata de nomes de divindades derados pais de todos os outros signos, mas, sim, de situações emanadas de há probabilidade de que Yèku seja do combinações de posições da própria sexo feminino. Aliás, Yéku é o inverso cadeia de Fá que se repetem nos do dia, o inverso da vida. Portanto, dezesseis primeiros signos. Além destes representa o ocidente, a noite e a morte. signos, existe o mensageiro Tché-Tula, A sua cor é o negro. O quarto signo, que serve de transição entre eles e os Di Méji (“as duas nádegas”), é do sexo signos menores. Não possui represen- feminino, corresponde ao norte. tação esotérica. Segundo o autor, “com Fora a representação dos quatro a designação, Tula apresenta afinidades pontos cardeais, outros doze signos com Legbá” (p. 602). aparecem. É de notar que todos Ainda vale a pena sugerir outra terminam com a palavra “Méji”, que em análise, justamente a que trata da iorubá significa dois. Os signos têm uma relação dos signos com cores, animais, representação gráfica dupla, isto é, cada elementos da natureza e divindades do metade se reproduz de maneira idêntica. panteão vodum. Existem também tabus Assim, temos: Loso Méji, Wenlé-Méji, ou proibições com relação ao consumo Abla Méji, Aklã-Méji, Guda-Méji, de alguns animais. Não cabe estudar Sa-Méji, Ka-Méji, Turukpen-Méji, Tula tudo nesta resenha; daremos alguns Méji, Lété Méji, Tché Méji e Fu-Méji exemplos sobre quão complexa é a (pp. 488-604). Um destaque importante hagiografia vodum. referente a este último é que, contraria- As aves, como a chamada mente à primeira versão que une Gbe lekeleke, o urubu (aklasu), o elefante, Méji a Yéku Méji como casal, Fu-Méji o cachorro, a árvore roko (Chlorophora é a mãe dos quatorze dunõ dos quais excelsa), as montanhas, a terra o mar;
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rios, chuva e mar, por exemplo, têm Irosun Mèji, é o vermelho. É um o signo de Gbe Méji. A sua união signo muito forte e muito temido, é com grandes divindades como sua cor favorita simboliza sangue, Mawu, Lisa, Gbaadu, Xèviosso, doença, acidente, cólera, fogo, raio, Sakpata, Gu, Dan etc. Como proi- perigo sob todas as suas formas bição, por exemplo, há iniciados no (p. 490). A cor azul, com tons bosque que não podem beber vinho variados, é associada a Abla Méji e de palma, comer acaçá embrulhado Aklan Méji. Outras cores são o preto na folha zamã, nem comer carne de e o branco (Guda Méji e Sa Méji, leopardo, de cachorro, de elefante, de por exemplo). beija-flor, do pequeno roedor agidi- Há um destaque importante: gbahun, de hipopótamo, de aves de o vodum Lègba aparece em todo o rapinha e, sobretudo, do galo (p. 459). corpus literário de Fá. A título de O quarto signo, Di Mèji, representa ilustração, o décimo terceiro signo, a mulher e diz-se que foi esse signo Tula Mèji, está unido a Lègba, mas que incentivou os humanos a copular, também a Duduwa ou Ajaguna, Hohovi mas ao mesmo tempo há uma estreita (os gêmeos), Dan, Gu, Ayiyan e Tóhósu. correspondência entre Di-Mèji e as Lègba aparece como um obstáculo para kennesis, isto é, as mulheres feiti- a resolução de problemas, atrapalha; e ceiras; mas também às princesas recebe oferendas para desatar a corda. (Nã), aos gêmeos e a Gbaadu e os É astuta, brincalhona, como demonstra tòhósus (anões reais divinizados) uma lenda protagonizada por um (pp. 479 e 481-488). Tem pontos esquilo (pp. 580-581). comuns com o sexto signo, que é O domínio do incognoscível Wenlé-Méji, e outras divindades como ou o céu é também evocado com Turukpen Méji, Ka Méji, na medida mais insistência nos últimos signos. em que estes se encontram associados Em Lètè Méji, por exemplo, na a Sakpata, aos kennesis, aos tohósus, representação esotérica, o quadrado a Gu, a Dan, a Lisa e aos gêmeos, simboliza o domínio dos nossos o que lhes confere um poder maléfico conhecimentos, que é a terra (Sakpata). considerável. No que tange à cor, No entanto, o círculo que se equipara no caso de Loso-Mèji, do iorubá com o reino do incognoscível,
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o vasto, o infinito, é chamado wéké ou ponto de vista do cliente, como um wéké-non, nome honorífico de Lisa e culto ocasional. O que nos faz entender Danbada Hwedo (pp. 583-591). também que existe uma espécie de A mesma ambiguidade atribuída dualidade bokonos/voduns x áugures/ a Lègba (atrapalha e brinca, mas dignitários religiosos (p. 726). recompensa) encontra-se em Tché Se, então, temos uma espécie de Méji, termo que evoca a ideia de estudo dos mecanismos, teremos, na arrebentar, de quebrar, de romper em segunda parte da obra, o estudo da dois, na língua nagô (p. 591). É signo ideologia, isto é, o sentido de Fá. Uma perigoso, de péssimo augúrio, mas mitologia completa substitui outra ao mesmo tempo Tché Méji promete mitologia completa; uma busca ideo- riqueza e longevidade. lógica desvenda um sincretismo; um Na conclusão Maupoil adverte sistema religioso especial cede lugar sobre o caráter transcultural da a um sistema autóctone. Papel funda- geomancia na antiga Costa dos mental desempenhado pelo bokono é a Escravos, a psicologia do adivinho sua intervenção diante das inquietações diante de sua clientela, o que pode da vida familiar e social, com espírito levar esperança a esta última já que a de equilíbrio. Como grande psicólogo, consulta é sobre o destino. A prove- intérprete e conselheiro, esse homem niência de Fá é determinada por um sabe explicar as nuanças entre o bem segmento histórico, mas um segmento e o mal. descritivo revelou-se necessário para Paulatinamente, o culto vai situá-lo em “suas relações com os entrando em decadência, palavra grandes cultos públicos, familiarizando certa que expressa uma ameaça o leitor com os mecanismos da consulta constante, mas resiste ainda; apesar e da adivinhação, com os agentes de disso, os próprios convertidos ao seu funcionamento e com o ritual de cristianismo continuam a respei- Fá, tal como se impõe ao profano e tá-lo, o que situa Fá como um ao iniciado, ao leigo e ao sacerdote” costume religioso mais resistente (p. 726). No âmbito dos reinos, Fá do que qualquer outra crença. seria considerado, do ponto de vista A consulta ao Fá implica não do bokono, como culto especial, e do se apressar para qualquer
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empreendimento, porque sempre a A colonização francesa, à qual reflexão vai ganhar sobre a ação e o autor esteve associado como seu os impulsos serão subordinados aos representante, contribuiu muito para conselhos. A própria cerimônia do o desligamento consciente das práticas fazun garante segurança, dignidade, morais e religiosas, isto é, uma sorte de respeito e responsabilidade diante laicização ou humanização da moral, do seu destino. Dessa forma, o que é deplorável, segundo o etnólogo Fá traduz um esforço inteligente no francês, que assumiu como missão sentido de emancipar o pensamento “fazer com que a pesquisa avance na (p. 727). Contradições não excluem África, na medida dos nossos recursos, resistência; vitalidade não exclui e que nos dedicamos ao estudo de civi- múltiplas proliferações, nem reação lizações que são tão dignas de serem face “ao conjunto das crenças ante- conhecidas como quaisquer outras” riores e sobre o culto aos voduns e aos (p. 729). Sem dúvida, trata-se de um mortos” (p. 728). Maupoil sugere que autor que procurou se distanciar de um novo estudo nas regiões iorubá e roteiros preestabelecidos, de entre- haussá possa discernir a origem e as vistas à moda jornalística, isto é, de causas de tantas formações adven- camisa-de-força, e de interpretações tícias (p. 728). errôneas, especulativas.