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‘Homens de ferro em navios de madeira’ – Parte 2


Por Alexandre Galante 25 de maio de 2010  2724  18

Entrevista do Comandante da Força de Minagem e Varredura (ForMinVar) ao


Poder Naval
PODER NAVAL – Gostaríamos de saber qual a sua formação, que cursos o senhor fez na área de Guerra de Minas
e como se tornou o comandante da Força. O que lhe despertou o interesse por essa especialização?

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Capitão-de-Fragata Telmo – O meu primeiro contato na área da Guerra de Minas (GM) se deu quando após
terminar o curso de aperfeiçoamento em Máquinas, no CIAW, em fevereiro de 1993, fui designado para o
Comando do Segundo Distrito Naval (Com2ºDN) e, posteriormente, no ComForMinVar, para ser Chefe-de-
Máquinas do NV Aratu. No período que passei na ForMinVar, de 1993 a 1998, exerci as funções de CHEMAQ e
Imediato de NV. Neste mesmo período realizei os cursos de Varredura e Guerra de Minas para Oficiais. Após 11
anos, fui intencionado pelo CM para comandar a ForMinVar. Creio que, além de atender aos critérios
estabelecidos pelo CM, o fato de ter servido na FMV tenha pesado na minha designação para o Comando. O que
confesso ter sido uma grande alegria e satisfação, pois era um desejo desde da época de tenente, que eu tinha.

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O interesse pelas ações de Contra Medidas de Minagem (CMM) e, mais amplamente, pela GM, surgiu no período
que passei na FMV. Assim sendo, mesmo no período que estive fora da ForMinVar procurava ler e obter outras
informações nessa área, o que tive oportunidade de fazer com mais profundidade quando fui servir no Comando
de Operações Navais, na Subchefia de Operações, quando exerci a função de Encarregado dos meios de
Superfície e cumulativamente era responsável pelos assuntos afetos a GM.

Destaco que a GM, na MB, não é reconhecida como especialização, embora já tenham sido realizados estudos
que propunham isto.

O interesse foi se desenvolvendo naturalmente, com a participação nas Operações Dragão, UANFEX,
DEPORTEX, Operação Águas Claras, pelo comprometimento de toda tripulação com a faina de CMM e pela faina
marinheira requerida. O fato de saber que somente a FMV detém a capacidade de CMM e de ser capaz de operar
em toda costa brasileira, garantindo o acesso aos portos e terminais estratégicos, também fomentou o meu
interesse.

PN – Quais as atividades desenvolvidas atualmente pela ForMinVar?


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CF Telmo – A ForMinVar está empenhada na manutenção dos meios e equipamentos para realizar CMM, na
manutenção e capacitação do seu pessoal, por meio de participação em Comissões da OTAN ou Comissões
específicas das Marinhas dos países que detêm o reconhecido conhecimento na área da GM, tais como: Bélgica,
França, Itália, Dinamarca, Espanha etc. A participação em cursos, no exterior, também tem sido fundamental na
obtenção do conhecimento, bem como o embarque em caça-minas. O embarque em caça-minas está nos
permitindo adquirir conhecimento, para no futuro, com as perspectiva da MB de adquirir novos navios-

varredores e caça-minas, a capacitação para a caça de minas. Neste campo já estamos operando com o sidescan
sonar, responsável pela obtenção da imagem do fundo do mar. Todas essas atividades estão sendo realizadas
com o apoio da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), do Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM) e do
Grupo de Avaliação e Adestramento a Guerra de Minas (GAAGueM), dentre outras OM parceiras.

PN – Existe alguma programação para difusão do conhecimento de Guerra de Minas para os alunos da Escola
Naval?

CF Telmo – Afirmativo. Em 2009, um Grupo de Trabalho constituído por representantes de várias OM do Setor
do Material e do Setor Operativo estudaram e apresentaram subsídios para o aperfeiçoamento e o futuro da GM
na MB. Dessa forma, uma das ações proposta no documento gerado foi que a GM fosse amplamente divulgada
nos cursos de Carreira e de aperfeiçoamento para Oficiais, com o nível de abordagem adequado ao respectivo
curso.

Acima à esquerda, a mina MFI, de influência acústico-magnética e à direita, a mina de fundeio de contato (MFC).
De projeto nacional, com tecnologia do IPqM (Instituto de Pesquisas da Marinha), podem ser utilizadas em

profundidades de 15 a 100m e programadas para ficarem inertes por um período de tempo, com ativação
posterior. A MFI pesa 680kg e a MFC, 770kg. Ambas levam 160kg de explosivo Trotil.

PN – A ForMinVar participou com seu conhecimento no desenvolvimento das novas minas nacionais MFC e
MFI?
CF Telmo – A ForMinVar tem uma participação restrita. Por se tratar de Força operativa ela contribui apoiando
com os seus meios e com seus equipamentos de varredura.

PN – Como o senhor vê a inserção da Guerra de Minas na nova Estratégia Nacional de Defesa?


CF Telmo – Eu vejo como uma excelente oportunidade para o crescimento de nossa indústria e para fomentar a
pesquisa e o desenvolvimento de projetos nacionais que serão muito úteis, não somente para a MB, como para o
meio civil. Como por exemplo o desenvolvimento de veículos submersíveis remotamente controlados , hoje em
desenvolvimento pela Universidade do Ceará, Projeto Siri, que poderão servir para coletarmos mais informações
sobre nossa riqueza no mar, Amazônia Azul, bem como no resgate ou reparos a serem efetuados em
profundidades que teria risco de morte ao ser humano.

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PN – Qual a sua opinião sobre o emprego de helicópteros nas operações de contra-minagem? Há algum estudo
no Brasil sobre isso?

CF Telmo – Com o histórico de proporcionar grande flexibilidade a uma Força Naval, e sempre responder bem
aos requisitos de uma variedade de missões, a capacidade das aeronaves de asa rotativa vem sendo ampliada,
contribuindo para a remoção do homem da cena de ação das operações de CMM. Os sistemas incorporados aos
helicópteros MH-60S, dos EUA, proporcionam às aeronaves potencialidades para cumprimento das mais
variadas missões, sejam elas de varredura, caça ou a neutralização de minas.

Desse modo, aproveitando-se da experiência que a MB tende a adquirir, em virtude da aquisição, junto à
marinha dos EUA, da aeronave de multi-emprego S-70B Seahawk (outra das versões do Sikorsky SH-60
Seahawk), vislumbra-se, em um horizonte temporal não muito distante, a possibilidade de fornecer aos nossos
navios da Esquadra tal capacitação orgânica de CMM, além de versatilidade, agilidade e ampla possibilidade de
realização dessas operações junto ao nosso litoral.

Em 2009, no Grupo de Trabalho criado, foi apresentado pelo GAAGueM, ao ComOpNav, um estudo técnico sobre
a viabilidade do emprego dessa ANV (SH-60) nas CMM.

PN – A adição de um sonar de varredura lateral e ROVs poderia transformar os navios-varredores da classe


“Aratu” em caça-minas?
CF Telmo – Não creio. Equipar um navio que foi criado para uma função específica, não o torna o adequado para
tal fim, uma vez que, a faina de caça-minas envolve outros equipamentos, opera com mergulhadores e requer
um sistema de posicionamento dinâmico e de navegação próprio. Entretanto, seria um grande salto na
capacitação à caça de minas.

PN – Poderia citar tecnologias para as contramedidas de minagem que considera vitais para os futuros caça-
minas brasileiros?
CF Telmo – Casco amagnético, pequenas assinaturas acústica, magnética e de pressão, um Sonar (última
geração); Sistema de posicionamento dinâmico e de navegação alternativo, cartas eletrônicas interligadas com o
Sistema Tático de bordo, ROV, AUV, sonar sidescan, capacidade de defesa anti-aérea (de ponto), câmara de
descompressão e, se possível, alguma capacidade de varredura. Destaco que o casco amagnético pode ser de
madeira ou Glass Resistent Plastic (GRP).
×

PN – Como a ForMinVar acompanha o desenvolvimento de modelos de minas estrangeiras?


CF Telmo – O ComForMinVar e o GAAGueM acompanham o desenvolvimento de minas em outras marinhas,
i d bli õ i li d d i t â bi li d fi i i i õ
por meio de publicações especializadas e dos intercâmbios, realizados por nossos oficiais, nas comissões que
envolvem exercícios de Minagem e CMM, da OTAN, EUA, Bélgica e etc.

PN – O PEAMB contempla a aquisição de novos navios-varredores e caça-minas. O senhor poderia dar algumas
especificações desejadas para esses navios?
CF Telmo – Varredores – Casco amagnético, pequenas assinaturas acústica, magnética e de pressão, Sistema de
posicionamento dinâmico e de navegação alternativo, cartas eletrônicas interligadas com o Sistema Tático de
bordo, Sistema de varredura mecânica para águas profundas, Dyads (para simulação de assinaturas magnéticas)
e um simulador mecânico de assinaturas acústicas Australian Acoustic Generator (AAG).
Tanto os Dyads, quanto o AAG, podem ser operados por outras embarcações (possibilita serem operados também
pelos caça-minas).

Caça-Minas – Idem à pergunta anterior.

PN – Como a ForMinVar ajudou nas especificações do robô submarino Siri?


CF Telmo – Em 2007 a Empresa ARMTEC Tecnologia em Robótica, em parceria com a Universidade de Fortaleza
(UNIFOR), foi contemplada em um processo de subvenção para desenvolvimento de um ROV para a PETROBRAS
(o SAMBA). Tendo acesso a esta informação, via jornais, o GAAGueM estabeleceu contato com a empresa para
verificar se tal veículo submarino poderia ser empregado na GM.

Como tal equipamento não atendia às especificações exigidas pelas atividades de CMM, estabeleceu-se uma
parceria de modo a apresentar um novo projeto à FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) do MCT. Este novo
projeto, já atendendo às especificidades da GM, foi confeccionado com a colaboração do Comando do Segundo
Distrito Naval, por meio do GAAGueM, tendo sido contemplado no Programa de Subvenção Econômica 01/2009,
na área de Defesa Nacional.

O SIRI (Submarino Integrado para Resgate e Investigação) estará capacitado a executar as seguintes funções:

Emprego na área de Guerra de Minas CMM (caça de minas – localização, identificação,


neutralização/destruição, ferramenta de lançamento de mini-torpedos, fixação de cargas explosivas ou
liberação de outros dispositivos); e

Resgate e investigação (processamento de imagem, ferramenta auxiliar em acidentes marítimos ou fluviais,


resgate de vítimas, deslocamento de mergulhadores no auxílio a sinistros e ações furtivas, onde seja arriscada
a presença do homem).

Aproveito a oportunidade de colocar a ForMinVar à disposição para os pesquisadores e instituições que queiram
ou estejam desenvolvendo projetos semelhantes, a fim criarmos uma parceria.

×
Tripulação do NV Albardão reunida, comemorando o recebimento do prêmio Echo de eficiência, no dia do
Aniversário da ForMinVar

PN – Como é feito o treinamento de praças para o trabalho nos navios-varredores? Quais são os cursos
específicos?
CF Telmo – O treinamento é feito por meio de adestramentos teóricos e práticos realizados no âmbito da
FORMINVAR. Os militares, que são designados para servir nesta Força, são inscritos no curso de varredura para
praças, quando então conhecem o material empregado para cada tipo de varredura (magnética, acústica ou
combinada), de acordo com a profundidade a varrer, e na preparação para o lançamento e recolhimento de bóias
de demarcação do canal varrido. Fora isto, a parte prática é realizada a bordo por meio de saídas tipos, com os
navios em apoio ao curso.

Oficiais da ForMinVar, da esquerda para a direita: CT Braslavski (M20), CT Cezar Batista


Cunha Santos (M16), CT Souza Vianna (M19), CT Ataíde (M17), CT Cozzi (M15), CF
Castro Loureiro (GAAGueM), CF Telmo (ComForMinVar), CC Velasquez (CEM) e CT
Marcio Oliveira (M18)

PN – E o preparo dos oficiais, como é feito? Quanto tempo um oficial permanece na Força?
CF Telmo – O preparo dos Oficiais é parcialmente semelhante ao de praças. Todos os Oficiais fazem o curso de
varredura para Oficiais e depois como imediato ou Comandante são inscritos também no curso de Guerra de
Minas. Complementando a formação, existe uma seleção interna para indicação de cursos ou embarque em
marinhas estrangeiras.

O tempo de permanência varia de acordo com a função exercida pelo Oficial. O CheMaq se for 2º tenente ficará
no máximo 2 anos, depois o Oficial desembarca para o curso de aperfeiçoamento. Caso já venha como 1º Ten
aperfeiçoado, poderá ficar até cinco anos, se for designado para Imediato. Caso seja designado para exercer a
função de Imediato do navio são dois anos e para Comandar é de um ano, podendo após o Comando passar a
compor o Estado-Maior da FORMINVAR.

A rotatividade dos Oficiais está intimamente ligada aos cursos de carreira e ao interesse do serviço em atender
ao Comando- em- Chefe- da -Esquadra.

Destaco que, pelo fato de não ser uma especialização, o compromisso é curto. No caso da Marinha Americana
× é
diferente, o Oficial se especializa e passa sua carreira servindo na área específica de sua formação.
Minas de fundeio de exercício SH-60 sendo lançadas pela corveta Caboclo

PN – Que navios da Marinha do Brasil podem executar missões de minagem? Existe algum plano de
desenvolvimento para o lançamento de minas por aeronaves?
CF Telmo – Atualmente a MB possui alguns navios distritais que podem e são preparados para isto. Em caso de
conflito, também, podemos usar navios tipo Off-shore.

Ressalta-se que qualquer plataforma improvisada, até mesmo embarcações de pequeno porte, como pesqueiros,
podem ser utilizados como navios mineiros, devido à diminuta complexidade envolvida nas minas propriamente
ditas, e em seu efetivo lançamento.

×
Mina MK 62 QuickStrike sendo lançada de um P-3C Orion

A FAB, recentemente, adquiriu um lote de aeronaves do tipo P-3AM Orion, que possuem capacidade de realizar
lançamento de todos os tipos de minas americanas. Apesar disto, não foi concluída a escolha do tipo de mina a
ser adquirida para utilização pelo 1º/7º Esquadrão de Patrulha, sediado em Salvador, que receberá as novas
aeronaves. No ano passado, foi solicitado, ao GAAGueM, pelo 1º/7º, um adestramento sobre a GM. Oportunidade
que permitiu o debate sobre o assunto.

PN – Quais os planos para o futuro da ForMinVar?


CF Telmo – As perspectivas são excelentes. Encontra-se para aprovação pelo CM, fruto do recente estudo
realizado e das perspectivas da MB para aquisição de novos meios, a curto prazo, mudanças na estrutura da GM
da MB, as principais alterações seriam:

1. A mudança do nome da Força de Minagem e Varredura para Força de Contra Medidas de Minagem (FCMM);

2. A criação do Centro de Guerra de Minas (CGM), decorrente do atual GAAGueM;

3. A partir da perspectiva de aquisição de novos navios varredores e caça-minas, a criação de esquadrões de


varredores e caça-minas, bem como de um destacamento de mergulhadores;

4. A FCMM voltaria a ser comandada por um Capitão-de-Mar-e- Guerra e, subordinada a FCMM, o CGM que
seria dirigido por um Capitão-de-Fragata. A FCMM seria responsável pelos meios propriamente dita, a parte
operativa e prática e o CGM pela doutrina e pelo conhecimento técnico.

VEJA TAMBÉM

Homens de ferro em navios de madeira – parte 1

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