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Artigo original
cidadania, com base na etnicidade, estudo. Assim, deixei aos entrevistados uma
possibilitando dessa forma a elaboração da liberdade de expressão e fluxo de ideias,
parte teórica que delimitou e sustentou a geralmente de vários minutos sem
análise desse trabalho. interrupção, ao mesmo tempo que me
permitiu parar e me deter em assuntos que
Em segundo lugar, a análise de discurso foi
tinham mais significado para este estudo.
a principal técnica de investigação desse
artigo, essencial para a análise das fontes Relativamente aos artigos de jornal é de
primárias que compõem o objeto de estudo: destacar-se a presença de poucos
entrevistas semiestruturadas a políticos, exemplares de jornais no Arquivo Histórico
académicos e escritores moçambicanos, Nacional 3, muitos dos quais se encontravam
assim como exemplares de textos em exposição fora do país, razão pela qual
jornalísticos dos jornais Notícias da Beira, a escolha dos artigos retratados vê apenas os
Notícias e Tempo. três jornais acima citados como únicos
documentos de cunho jornalístico que
A recolha dos dados acima citados foi
compõem as minhas fontes primárias e
possível através de um trabalho de campo,
restringidos ao arco temporal objeto da
enquadrado dentro de um percurso maior de
minha análise.
Doutoramento, realizado na capital
moçambicana de Maputo por um total de 15 A abordagem que foi empregada nessa
dias entre o dia 1 e dia 15 de junho de 2019, investigação é de tipo qualitativa, a que
que deu a possibilidade de recolher um possibilita a interpretação do material com
número total de 18 entrevistas e um total de o objetivo de captar a mensagem resultante
71 artigos de jornais no seio do Arquivo do cruzamento entre duas variáveis que
Histórico Nacional de Moçambique, na permitem ir além do evidente e do explícito
própria capital de Maputo. nas amostras. Essas são o contexto sócio-
Ao falar da primeira tipologia de material histórico e a componente linguística, que
que constitui a base do meu corpus, como incidem na compreensão da estrutura
anteriormente dito, trata-se de entrevistas interna e externa do texto e do seu conteúdo.
semiestruturadas. Considerando a diferente Irei assumir aqui a posição apresentada pelo
tipologia de entrevistados (sendo eles CDA (Critical Discourse Analysis) de que
representantes de partidos políticos no o discurso é visto como prática social e
poder e não, escritores e académicos), refere-se tanto ao texto quanto ao processo
foram preparados três diferentes guiões que de produção e interpretação do mesmo
serviram para alcançar as respostas às três (FAIRCLOUGH, 1992).
perguntas de investigação. Os guiões foram Um importante elemento que caracteriza as
pensados para que os entrevistados
abordagens críticas à análise do discurso é o
falassem em ordem cronológica do período
foco nas relações de poder mediadas pelo
colonial primeiro e do pós-colonial em
discurso (ROGERS, 2004). Com base nas
seguida com a finalidade de terem tanto eles
teorias sociais críticas (BOURDIEU, 1991;
quanto eu, através da análise das amostras,
FOUCAULT, 1971; HABERMAS, 1984),
uma perspepção mais clara sobre as
à linguagem é atribuída um papel central na
questões da nação, da cidadania e da construção da subjetividade dos indivíduos
etnicidade. Ao chegar a cada um desses pois é por meio dela que as formas de poder
temas, passei a fazer perguntas específicas
– económico, social, cultural e político – as
à volta das minhas três perguntas de
moldam.
investigação, sem, porém, questionar
diretamente as mesmas aos entrevistados. Outro aspeto crucial do CDA é a adoção de
Ademais, o fato de ter optado por uma abordagem reflexiva por minha parte
entrevistas semiestruturadas deixou espaço pois enquanto investigadora, e de acordo
para desvios das temáticas objeto do meu com Chouliaraki e Fairclough (1999) e
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mesma poderia explicar o uso que os jornais Para o escritor moçambicano, a nação é
fazem do termo reconstrução: são as fruto de uma criação que resulta tangível
exigências políticas do momento que ditam pela escolha do português como língua
a escolha do material a recuperar, nacional. O termo nacional acaba, assim,
reconstruindo ou reescrevendo a nação. E por ser equivocado nos termos de um
fazendo-o também, e principalmente, sentimento de uniformização cultural. O
através dos próprios mitos, como a língua. que não surpreende, já que a linguagem é
um pilar fundamental para a construção
A língua é expressão privilegiada da alma
ideológica do nacionalismo e condição
de um povo (HERDER, 1971, p. 137), mas
necessária para o exercício do poder das
é também ferramenta essencial para o
elites políticas.
exercício de poder. A língua, com sua
linguagem, está sujeita a um processo de O PROJETO POLÍTICO EM TORNO
normalização que possibilita a "estabilidade DA CIDADANIA
político-operacional e participação No entendimento do antropólogo
moderna sem a qual a integração camaronês Francis Nyamnjoh (2006) foram
sociocultural total não pode ocorrer" as hierarquias e dicotomias entre as elites e
(FISHMAN, 1994, pp. 28-29). Nessa os dirigentes – de um lado - e a classe média
lógica, os construtivistas como Anderson ou intelectuais - pelo outro – as que levaram
(1983) colocam uma importância capital na a um novo foco sobre a noção da cidadania
linguagem comum para o nacionalismo. no continente africano (agora ordenada por
Para eles, o nacionalismo é – tal como a raça, etnia, classe e gênero 15). E foi o fato
ideia de nação – construído. A linguagem dá dessas dinâmicas estarem nas mãos do
o suporte necessário para propagar essa capital dos políticos o que faz do conceito
identidade compartilhada. Sendo assim, a de cidadania - exibido nos meus resultados
linguagem em comum, tanto escrita quanto - um verdadeiro projeto político e
falada, torna-se um fator importantíssimo ideológico.
na identidade nacional e para a construção
da nação. Legível, isso, pelo testemunho do A luta de libertação de Moçambique – como
Mia Couto: a dos países vizinhos – tinha como primeiro
objetivo, não tanto a democracia 16, mas
Acho que é interessante perceber que
quando se começou a pensar na nação antes a pertença à comunidade de nações
moçambicana, se começou também a soberanas em termos de total igualdade.
pensar nesta pergunta, onde estaria a Como temos visto também nos parágrafos
língua portuguesa nessa nação anteriores, o tal quadro até agora
moçambicana. E os que pensaram
apresentado resume-se nas palavras do
nisso pela primeira vez eram os que
pensavam na nação pela primeira vez, António Hama Thay (general):
os nacionalistas, que eram vários e que Bom, o novo sentido de fato aqui, que
tinham vários movimentos. [...] E aí, nós consideramos importante, é esta
nessas discussões surgia claro que conquista da independência, de que
mesmo por uma razão prática, hoje nós somos um povo soberano,
cotidiana, eles vinham de várias podemos ter os nossos próprios órgãos
províncias, etnias, e ali quando faziam e então isso começou com a criação da
um treino político-militar eles tinham assembleia popular e depois disso os
que ter uma língua que os unificava. E processos que surgiram, as lutas
essa língua era, naturalmente, o internas que ocorreram e então, depois
português. [...] Então, acho que foi não tivemos para o ano 90 a mudança da
tanto só porque se pensou Constituição para o sistema
profundamente no assunto, mas multipartidário. Mas, para todos os
porque era uma imposição prática, efeitos, manteve-se a ideia de
uma imposição de poder. Quer dizer, integridade territorial e integridade
estava aí era preciso um país para nacional (ANTÓNIO HAMA THAY,
criar, inventar (MIA COUTO, entrevista em junho de 2019).
entrevista junho de 2019).
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África, tal como suportado por Vail (1989, acção directa do partido sobre as
p. 18). organizações democráticas de massas
e sobre este vasto movimento
Se na perspectiva de Cahen (1996, p. 23), o associativo. Actualmente, o partido dá
anti-tribalismo e o anti-racismo da prioridade ao enquadramento político
adequado de todos os grupos sociais,
FRELIMO serviram positivamente para
de maneira a que todos os
combater a prática da discriminação, as moçambicanos possam identificar‑se
mesmas serviram, igualmente, para com os princípios fundamentais da
justificar a negação da pluralidade étnica e nossa linha política, tais como a defesa
racial, pois “no idealizado Estado-Nação dos interesses do povo e a construção
duma sociedade justa e próspera para
[pós-independência] já não existe brancos,
todos os moçambicanos
mestiços. Só há moçambicanos” (Notícias (PARTIDO‑FRELIMO, 1983, p.
da Beira, 2 de fevereiro de 1975, p. 2). 106).
Vale também ressaltar o testemunho do Se bem o Mazula afirme o fato de que nesse
Brazão Mazula o qual, de uma forma subtil, Congresso de 1983 da FRELIMO se
fala em termos de expurgação – se assumiu a diversidade cultural, logo a
splicarmos a etiqueta do Domingos do existência de diversas etnias, no final
Rosário - ou negação étnico-cultural - se registra-se uma contradição ao dizer que a
empregarmos a narração proposta por ação política adoptada pelo partido no poder
Michel Cahen: visou utilizar a cultura para alcançar uma
[...] há um trabalho de Samora Machel união nacional, e por conseguinte anular a
de 82 sobre a cultura, depois do quarto mesma diversidade 19. Como a dizer que na
congresso da FRELIMO. Um discurso África, do fator étnico é preciso esquecer -
muito bonito. O Congresso é o no qual ou rejeitar - seu uso indevido para reter
a FRELIMO reconhece a diversidade
cultural. Até situa-se na linha do apenas a riqueza inerente à diversidade de
Eduardo Modlane em como a culturas, recuperando a reflexão do Gonidec
diversidade das tribos não impede a (1996, p. 13). Assim, apesar das tentativas
construção da nação. E esse discurso é de sufocá-la, a etnicidade ressurge nos
um pouco de lavagem daquilo que a partidos políticos, numa elite capaz de
FRELIMO havia condenado. Quando
o Samora faz esse discurso era para apropriar-se do projeto de Estado-nação
dizer que as tribos não são inimigas da moderno: a sulista. Mas que representava
nação. Mas a FRELIMO utilizou uma minoria 20, dentro do vasto panorama
sempre a cultura, procurou utilizar a étnico de Moçambique.
cultura para o seu objetivo de união
nacional ao ponto de convidar alguns Esse papel atribuído ao termo minoria é
artistas para fazer obras e para vincar sugerido pelas afirmações de alguns dos
a FRELIMO (BRAZÃO MAZULA, entrevistados, tal como o Domingos do
entrevista junho de 2019).
Rosário, mas também por outros que
Ao falar do Congresso de 1982 da atribuem ao termo minoria, para falar das
FRELIMO, o Brazão Mazula remete, na etnias, a acepção de grupo dominante, como
verdade, ao IV Congresso da FRELIMO, em seguida sugerido pelo Elísio Macuane:
que ocorreu em 1983 e onde o Comité [...] há muito que se possa dizer. Eu
Central da FRELIMO sublinhava que: penso que talvez tenha sido alienante
[…] pelas organizações democráticas sob o ponto de vista...quer dizer, não é
de massas, as organizações alienante no sentido excludente. É
socioprofissionais e as associações de alienante no sentido de consciência,
solidariedade, as associações em certos casos. O que eu quero dizer
artísticas, culturais, desportivas e com isso? Quero dizer que sob o ponto
outras, que cresce a influência do de vista das minorias étnicas, se for
Partido em todos os sectores e todos os reparar grupos como, por exemplo, os
aspectos da vida nacional. É macondes são uma minoria étnica.
necessário intensificar e melhorar a Talvez também houve grupos como os
pelo testemunho do Severino Ngoenha nas diversas posições que o indivíduo pode
(professor). Ele prefere usar os termos ter enquanto sujeito, os dois chegam à
moçambicanidade e utopia moçambicana conclusão de que os indivíduos podem
para descrever atos relacionados com a simultaneamente ter diferentes cidadanias,
cidadania: isto é, diferentes formas de traduzir a
Olha, eu estou a escrever neste pertença a um determinado Estado-nação.
momento uma coisa que até saiu nos Logo, diferentes identidades. Para eles isso
jornais, que eu chamo de terceira via. vem do fato da identidade ser um processo
Não a terceira via de Giddens, do que começa fora do alcance de regras e
Tony Blair. O que eu chamo a terceira
regulamentos legais.
via, devia ser uma síntese de duas vias
que Moçambique conheceu [...] Os cientistas sociais mostram que nunca há
[...] Por isso posso dizer assim: a uma identidade única. Os indivíduos, tal
cidadania da segunda República, ou como as comunidades, possuem várias
da segunda via, é uma cidadania em identidades: religiosas, profissional, étnica
que tem cidades sem cidadãos. Então
e até várias etnicidades. Segundo os
não há cidadania. Essa discussão
sobre a cidadania, hoje neste contextos, os indivíduos ou comunidades
momento, não faz sentido. Mas é sentem a necessidade social de se
exatamente o que eu estou a procura exprimirem através de uma dessa outra
na terceira via. A terceira via seria identidade (CAHEN, 2002, p. 94).
para mim recuperar os valores
positivos da primeira via, os valores Uma saída da tensão dentro da política de
positivos da segunda via para criarmos identidade é enfatizar não as categorias de
uma utopia moçambicana 23 identidade como tais, mas o processo ou
(SEVERINO NGOENHA, entrevista
em junho de 2019).
prática de luta e reivindicação de direitos,
forma de democratização cultural. Qualquer
A questão de cidadania moçambicana, para tentativa de repensar modelos de cidadania
o Ngoenha, deve ser vista tendo em conta a teria que problematizar questões de
história do país. Porém, o mesmo propõe "cultura" de maneiras que não são evidentes
uma concentração das forças na construção na formulação da cidadania inicialmente
do futuro. O futuro, a tal utopia de que ele proposta por Marshall (1964).
falou durante a entrevista que implicaria a
conciliação de, pelo menos, duas De acordo com o Nyamnjoh, há uma clara
historicidades, de duas velhas vias da necessidade de re-conceituar a cidadania de
cidadania, que estabelecem um elo com forma a criar um espaço político, cultural,
duas identidades: a étnica, plural por si social e econômico para incluir os (não)-
mesma e a colonial, singularizada pelos ex cidadãos (grifo meu) e cidadãos iguais,
colonizadores. O Ngoenha chama a atenção enquanto indivíduos de uma comunidade.
para a necessidade de os moçambicanos Esta inclusão é melhor assegurada através
apropriarem-se tanto dos valores do de uma cidadania que ele define de
passado quanto dos valores pós-coloniais ‘flexível’ e, por isso, ilimitada por raça,
para criar um sentido na e da cidadania de etnia, gênero, classe ou geografia e que é
modo a integrar Moçambique no mundo consciente e crítica das hierarquias que
moderno sem perder a sua personalidade fazem uma paródia do regime jurídico-
(NGOENHA, 1992, pp. 80-81). político da cidadania (NYAMNJOH, 2006,
p. 78).
A tal cidadania, que nesse parágrafo, eu
chamo de auspicada e que registrei nas CONCLUSÃO
afirmações desse importante testemunho Com base no material analisado, cujos
integra os trabalhos de vários estudiosos exemplares foram sendo citados ao longo
que despontam outros possíveis viés. De do artigo, e considerando os objetivos que
acordo com Isin e Wood (1999), e com base procurei atingir, o que registrei é o fato da
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nação ter sido considerada um processo de mostram que os ditos "conflitos" étnicos são
edificação – e em contínuo andamento - antes de mais conflitos políticos. Enquanto
num território onde alguns aspectos que a o Estado ainda não for capaz de promover o
compõem foram destacados e outro desenvolvimento, de reduzir os
ocultados. desequilíbrios regionais, enquanto os atores
políticos não forem capazes de irem para
A nação era e é entendida ao longo do artigo
além, o sentimento de marginalização e
enquanto repositório histórico construído e
exclusão étnica em certos grupos
individuado numa única identidade. Nesse
prevalecerá.
sentido, principalmente pelas palavras dos
diversos entrevistados aqui citados, é a ideia REFERÊNCIAS
de que existisse uma distinção, por ANDERSON, B. Imagined Communities:
categorias, de moçambicanos mais Reflections on the Origin and Spread of
autênticos do que outros. Sob esta Nationalism. London-NewYork. 1983
abordagem, o fenômeno da alteridade foi
sendo transposto - desde o período colonial Ba Ka Khosa, U. Memórias perdidas,
para o período pós-colonial - através da identidades sem cidadania. Revista Crítica
hierarquização e da diferenciação dos de Ciências Sociais, n.106, pp. 127-132.
grupos de pertença; foi sendo prolongado 2015.
no tempo através de pressupostos BHABHA, H. K. Nation and Narration.
ideológicos e políticos da modernidade; foi London: Rouledge. 1990.
sendo perpetuado através de dispositivos de
saber/poder - a língua, dentre outros, assim _____________. O local da cultura. Belo
como a ascensão da elite sulista da Horizonte: UFMG, 1998.
FRELIMO. BOURDIEU, P. Language and Symbolic
Realçando esses elementos, delineei uma Power. Cambridge: Cambridge University
imagem de nação moçambicana pós- Press. 1991.
independência que não pôde estar BRAGA, S. S., Resenha de Intelectuais e
decontextualizada da história que é a que política no Brasil. A experiência do ISEB.
tenho como suplemento para justificar a Crítica Marxista, n. 23, Rio de Janeiro,
quase 24 total correspondência da mesma 2005.
com a ausência silenciada de uma
representação dos grupos étnicos na e para CABAÇO, J. L. de O. Moçambique:
a construção da nação. identidades, colonialismo e libertação, Tese
de Doutoramento apresentada à Faculdade
Com base nisso, a 'universalidade', que de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
compõe aqui o pano de fundo da imagem do Universidade de São Paulo, Faculdade de
Estado-nação, também se reflete na Filosofia, Letras e Ciências Sociais,
determinação da noção de cidadania, vista Departamento de Antropologia, São Paulo.
enquanto conjunto de mecanismos 2007.
centralizados de controle que não só
permitiram unificar, como também ____________. Moçambique: identidade,
uniformizar uma comunidade. colonialismo e libertação. São Paulo:
Unesp, 2009.
Em suma, a homogeneidade enquanto ideia
nacional deu lugar ao reconhecimento da CAHEN, M. Check on socialism in
irredutibilidade das diferenças; tanto é Mozambique — what check? What
assim que até mesmo países conhecidos há socialism?. Review of African Political
muito pela sua falta de diversidade – como Economy, n. 57, 1993.
o Botswana – são hoje em dia palco de lutas _________. Mozambique, Histoire
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NOTAS
1
O conceito de Estado-nação refere-se à congruência das Africana de Moçambique (UNAMO), a Mozambique African
fronteiras linguísticas e culturais da nação com as fronteiras legais Nation Union (MANU) e a União Democrática Nacional de
e territoriais do Estado, isto é, a coincidência das fronteiras da Moçambique (UDENAMO) – esta grande frente tinha um caráter
nação e do Estado (MARTINS, 2016, p. 87). Agora, a diferença nacionalista amplo e contava com o apoio internacional de seus
entre Estado e nação, em termos de definição da cidadania, reside vizinhos ao norte do país (Malawi, Zâmbia, Zimbabwue e
entre pertença a um Estado, que significa cidadania legal e Tanzânia).
pertença a uma nação, ou seja, pertencer a um grupo de pessoas
que partilha uma língua, hábitos, costumes, por vezes uma religião
8
A facção conservadora pretendia centrar os esforços na
e um imaginário de ancestralidade, entre outros fatores (Ibidem, independência e, regra geral, seguia uma linha afro-nacionalista,
2016, p. 88). enquanto a facção radical estava empenhada em universalizar a
revolução social, vendo a independência apenas como um
2
Termo que, a partir da década de 1960, se tornou primeiro passo.
progressivamente crucial para designar, genericamente, o
sentimento coletivo de pertencer a um grupo cultural próprio que,
9
Para compreendermos os tipos de posições ideológicas
apesar da diversidade de fatores constituintes, do somático ao defendidas pela liderança da FRELIMO teremos de recuar à fase
simbólico, tende hoje a visitar-se com um sentido cultural e social tardia do período colonial (1930-1975). Os assimilados
positivo, ancorado à eliminação crescente da diversidade e constituíam uma elite africana emergente, em grande medida
alteridades culturais. criada pelo Estado colonial com vista a limitar o poder das velhas
elites crioulas (CAHEN, 1992; 1993). Este grupo tinha,
3
O número reduzido de exemplares de jornais no Arquivo é de se geralmente, laços muito mais fracos com as formas de poder
tomar em conta com relação apenas ao período objeto da minha "tradicionais", constituindo, durante o período colonial, uma
análise. espécie de pequena burguesia africana, que era uma reduzidíssima
minoria dentro da população indígena de Moçambique.
4
Para o seguinte artigo foram selecionados apenas n. 27 excertos.
O presente artigo é parte de um projeto de investigação maior que 10
Por antecedentes sociais entendo etnia, região, religião e nível
tem a ver com a redação da tese Doutoramento em Estudos de instrução.
Africanos no seio do ISCTE-IUL. Por essa razão é que, para as
finalidades do presente artigo, não se encontram contempladas as
11
Os líderes religiosos, os estrangeiros associados a organizações
obras literárias que, contudo, foram registradas e analisadasnos internacionais poderosas, os membros mais importantes da classe
seus ecertos, na tese de Doutoramento. mercantil indiana e os altos membros da RENAMO, antigos
rebeldes que constituem hoje o partido de oposição oficial
5
Esse parágrafo pode ser considerado como um pequeno (SUMICH, 2008, p. 332). Para um olhar mais aprofundado sobre
contributo que defenda o contrário. o assunto, veja Fernando Florêncio (2008, pp. 369-391)
Autoridades tradicionais vaNdau de Moçambique:o regresso do
6
Segundo os etnossimbolista, se o nacionalismo é um fenómeno indirect rule ou uma espécie de neo-indirect rule?
tipicamente moderno, a nação como forma de identidade coletiva
sempre existiu, apesar de ter tido formas diferentes ao longo dos 12
De fato, existem diversas facções e clivagens sociais no seu
séculos. Basicamente, para dar conta da emergência das nações, seio. Tais clivagens estão relacionadas com os diversos
os etnossimbolistas - dentre os quais o Antony Smith representa antecedentes sociais dos membros da elite e incluem a etnia.
um dos representantes mais influentes - adotam a perspectiva de
long durée enquanto instrumento capaz de explicar o moderno
13
O texto Disseminação de Bhabha (1998) é útil para entender
nacionalismo e a nação como parte de um ciclo da consciência algumas questões referentes a nação moçambicana. Este autor se
étnica: Smith introduz, portanto, o conceito da etnia para motivar contrapõe às perspectivas cunhadas no século XIX que tomam a
o sentido da história e a percepção da unicidade e da nação como uma perspectiva unitária, com uma ideia
individualidade cultural que cada povo possui. A prova de que a unidimensional da mesma. Bhabha, ao contrário, procura pensar
maioria das modernas nações é o resultado de antigas etnias é na nação a partir das suas margens: as vivências das minorias, os
fornecida pela persistência de elementos tradicionais na estrutura conflitos sociais, chocando-se com o moderno. Trata-se, em suas
social e na cultura das sociedades modernas. palavras, do questionamento da visão homogênea e horizontal
associada com a comunidade imaginada de nação.
7
A base das operações foi instalada em Dar es Salaam. A
FRELIMO foi o movimento de Libertação, liderado por Eduardo
14
O Ruvuma é o rio que traça a fronteira norte com a Tanzânia e
Mondlane e formado em 1962, na Tanzânia, através da agregação o Maputo o que delimita Moçambique a sul. A expressão entrou
de três movimentos de luta anticolonial já existentes – a União no léxico da FRELIMO para designar a unidade nacional.