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Ensaios de Sociologia

Material Teórico
O Pensamento Feminista do Século XX

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. João Elias Nery

Revisão Textual:
Prof . Ms. Selma Aparecida
a
O Pensamento Feminista do Século XX

• Introdução

• Simone de Beauvoir: Não se Nasce


Mulher, Torna-se Mulher

• Joan Scott: A Historização do Gênero

• Judith Butler: Feminismo e Identidade


de Gênero

··O tema desta Unidade é a obra das sociólogas feministas


Simone de Beauvoir, Joan Scott e Judith Butler, que têm
extensa obra em torno das questões de gênero.
··No material didático, você encontrará informações acerca dos
temas abordados pelas sociólogas, aspectos das metodologias
utilizadas e sua relação com o mundo das ideias no Brasil,
incluindo os livros aqui editados.

Nesta Unidade da Disciplina, estudaremos a vida e a obra das sociólogas Simone de Beauvoir,
Joan Scott e Judith Butler, que desenvolveram suas obras na França e nos EUA.
O trabalho destas sociólogas contribuiu para demarcar um novo campo de estudos, o
do feminismo e dos estudos de gênero, a partir dos anos 1940, enfrentando a oposição
acadêmica e política de pesquisadores que discordavam das formulações iniciadas com o
livro de Simone de Beauvoir “O segundo sexo”, a partir do qual as questões de gênero são
discutidas tendo como ponto de partida o olhar feminino.
As ideias destas autoras têm grande repercussão e atualidade, na medida em que foram
apropriadas, também, como parte da militância de movimentos sociais, como os feminismos,
dando vida aos conceitos acadêmicos desenvolvidos, que passam a fazer parte das lutas
sociais do nosso tempo.

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Unidade: O Pensamento Feminista do Século XX

Contextualização

Nesta Unidade, analisamos a obra das sociólogas Simone de Beauvoir, Joan Scott e Judith
Butler. A apresentação inclui os principais conceitos desenvolvidos, as obras publicadas
e a repercussão de seus trabalhos, tanto no âmbito propriamente acadêmico no campo da
Sociologia, quanto no que se refere ao feminismo como movimento político ao qual suas obras
se conectam.
O trabalho das autoras tem como principal foco a questão de gênero, como categoria de
análise da condição das mulheres em nossa sociedade.
A obra destas autoras é referência para a compreensão das questões de gênero ao longo do
Século XX, no qual o lugar da mulher na sociedade passou por mudanças decisivas.
Simone de Beauvoir, francesa, questionou os valores masculinos escandalizando a
sociedade com um livro que, em 1949, abriu caminho para tornar a questão de gênero um
tema acadêmico e político.
Joan Scott e Judith Butler, estadunidenses, são pesquisadoras que, a partir dos anos 1980,
vão formular novos conceitos para a compreensão do tema, inovando em suas análises.
A Sociologia destas pesquisadoras cria e amplia um campo de estudos, destacando as
questões de gênero como tema de trabalho da Sociologia a partir da segunda metade do Século
XX, interpretando aspectos relativos ao lugar das mulheres em nossa sociedade.

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Introdução

[...] apesar do progresso na redução das desigualdades de gênero, ainda


permanecem substanciais diferenças entre os sexos, agravadas pela questão
racial, fazendo com que a pobreza brasileira tenha um rosto feminino negro
(MELO, 2005, p. 9).

A célebre frase de K. Marx “tudo o que é sólido desmancha no ar”, utilizada como título de um
livro que analisa a Modernidade, pode ser aplicada ao século XX. Nele, a tradição foi substituída
pelo espírito moderno, as verdades foram sendo desconstruídas e a vida em sociedade passou
por mudanças decisivas.
As ciências humanas e sociais expandiram sua participação, abordando questões apresentadas
pela nova sociedade urbana industrial de massa que substituía a anterior, sustentada pelas
relações comunitárias do ambiente rural.
Novos temas foram inseridos na pauta de sociólogos, que buscaram, a partir dos clássicos
desta ciência, desenvolver procedimentos específicos para a análise das relações estabelecidas
no âmbito de formações sociais cada vez mais complexas e dinâmicas.
Os sociólogos do século XX dedicaram-se a estudar inúmeras questões que a complexificação
das relações trouxe para a Sociedade, em uma extensa lista que incluiria o papel dos modernos
meios de comunicação de massa, as relações de trabalho, a construção da identidade etc.
As questões de gênero foram incluídas na pauta política e social no século XX e também
ganharam espaço na área acadêmica, constituindo-se ao longo daquele século linhas de
pesquisa específicas para tratar das relações entre homens e mulheres ou, mais objetivamente,
para analisar os diferentes aspectos da vida das mulheres em uma sociedade marcada por
desigualdades, inclusive de gênero.
Como indica o texto da citação inicial, trecho de um estudo sobre gênero e pobreza no Brasil,
um século de lutas não foi suficiente para colocar fim às injustiças e desigualdades de gênero,
vez que as mulheres negras têm as piores situações sociais e econômicas.

A autora (MELO, 2005, p. 39) demonstra, a partir de dados públicos, que “A


desigualdade é uma realidade para todas as mulheres e pode-se afirmar que ser
mulher é quase sinônimo de ser pobre, sobretudo se for preta ou parda” e que (p.
40) “Ser mulher, pobre e negra define uma situação socioeconômica extremamente
vulnerável, que se exprime na alta taxa de mortalidade das mulheres negras”.

Estas condições, realidade do século XXI, expressam as desigualdades existentes quando


consideradas nas análises a questão de gênero combinada com a condição racial.
A sociedade brasileira tem uma enorme dívida social com as mulheres, especialmente com as
negras, submetidas às tarefas de menor remuneração e a condições de trabalho e vida inferiores
às de outros segmentos da sociedade.

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Unidade: O Pensamento Feminista do Século XX

Outro aspecto relevante e que também tem atraído a atenção da mídia, da sociedade e dos
órgãos do Estado, é a violência contra a mulher, naturalizada em frases popularizadas como
“não sei por que estou batendo, mas ela sabe por que está apanhando”.
A contínua violência contra a mulher levou a ações de Estado e a mudanças no pensamento
hegemônico, que passou a condenar a violência masculina, praticada, na maior parte das
vezes, na família.
Ações afirmativas têm sido praticadas como parte de um esforço mundial de reduzir os
alarmantes índices registrados em diversos países, incluindo o Brasil que, em convenções
específicas, ratificou a posição da ONU, que em 1993 reconheceu a violência contra a mulher
como violação dos direitos humanos, pois

A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder


historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação
e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço
das mulheres... (Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres,
Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, dezembro de 1993).

O posicionamento da ONU foi importante para que Estados nacionais tomassem iniciativas
no sentido de coibir a violência praticada contra as mulheres como parte de culturas tradicionais,
de sistemas discriminatórios e legislações permissivas.

No Brasil, a luta contra a violência de gênero tem inúmeras ações e a Lei número 11.340, de
7/08/2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, é um importante instrumento na luta pela
erradicação da violência contra a mulher em nossa sociedade.

Os dados apresentados indicam uma situação de vulnerabilidade da mulher, comparativamente


maior em relação ao homem. Porém, os levantamentos censitários realizados pelo IBGE há
décadas sinalizam no sentido de diminuição da diferença de gêneros em diversos aspectos.

Tais dados demonstram que o país trilhou o caminho da modernização, saindo da sociedade
tradicional agrária para a urbana de massa em menos de um século, e que a questão de gênero
é um elemento central de sua constituição, na medida em que o lugar da mulher na nova
sociedade foi sendo questionado.

De uma situação de dependência e subserviência ao homem, de ausência de participação


nas questões públicas e na política, a mulher passou a responsável por cerca de 30% das
famílias, maioria no sistema escolar, igualdade em diversos segmentos do mercado de trabalho,
participação igual à masculina na PEA – População Economicamente Ativa e participação ativa
na política, entre outros fatores.

As questões de gênero são objeto de estudo de pesquisadores de inúmeras áreas, entre elas
Direito, Serviço Social, Antropologia, Psicologia, Medicina e, com destaque, a Sociologia, cujas
representantes de maior destaque na discussão das questões feministas ou de gênero serão
apresentadas a seguir.

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Simone de Beauvoir: Não se Nasce Mulher, Torna-se Mulher
É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do
homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta.
(Simone de Beauvoir).

A filósofa, ensaísta e socióloga Simone de Beauvoir é o que se pode definir como intelectual
engajada. Em sua trajetória, confundem-se militância e vida intelectual, intervenção no espaço
acadêmico e atuação em favor ou contra as grandes questões de seu tempo.
No campo político, foi militante feminista e contra o colonialismo francês, a guerra dos EUA
contra o Vietnã, entre outras. No campo das ideias, participou do Existencialismo, movimento
filosófico de grande relevância no pós-segunda guerra mundial.
Nascida em 1908, na França, sua formação ocorreu no ambiente europeu convulsionado
pelas guerras e por revoluções, em contextos de radicalização e de crises.
Sua principal obra, uma referência para o feminismo foi publicada em 1949, no clima do
pós-Segunda Guerra Mundial. O segundo sexo aborda a questão de gênero que, à época, não
tinha relevância nos meios acadêmicos e, como indica o título, na obra a autora procura analisar
as razões para que as mulheres ocupem uma posição menos importante que o homem, que
seria o “primeiro sexo”.
Questionando determinismos biológicos e preconceitos estabelecidos como verdades, a
autora busca inicialmente identificar o que define a mulher, afirmando que “não se nasce mulher,
mas torna-se mulher”, frase utilizada como referência pelos movimentos feministas desde então,
na linha da não aceitação das verdades construídas acerca dos gêneros.
A obra teve grande repercussão nos meios acadêmicos e também em outros setores da
sociedade. A novidade do tema e a abordagem crítica e propositiva de mudanças nas relações
de gênero levaram intelectuais e jornalistas a combaterem as ideias apresentadas.
A superioridade masculina era entendida como uma evidência e questioná-la parecia um
absurdo; porém, a autora desenvolveu uma análise na qual procurou evidenciar a construção
cultural de tal superioridade.
As mulheres, demonstra ela, não são menos que os homens, mas eram criadas para serem
assim, desde a educação familiar, passando pelas relações sociais, religiosas e escolares.
Tratava-se, segundo Beauvoir, de enfrentar tais concepções enraizadas na sociedade e de
avançar no sentido de construir novas relações de gênero, o que coincide com mudanças na
sociedade, que se reorganizava em um mundo bipolarizado no qual cabeças e mentes eram
disputadas para projetos antagônicos, o capitalista, liderado pelos EUA, e o socialista, liderado
pela URSS.
Nessa sociedade urbana industrial de massa, caberia à mulher definir-se como esposa e mãe,
o que foi contestado pela autora e pelo movimento feminista desde então.
Escrevendo em um período polarizado pelas questões políticas e econômicas em nível macro,
a autora conseguiu colocar em pauta a questão de gênero e, a partir de então, o debate acerca
desse tema não cessou de crescer, fazendo parte do discurso acadêmico, de políticas públicas e
das preocupações da ONU quanto à qualidade de vida das mulheres.

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Unidade: O Pensamento Feminista do Século XX

Você Sabia ?
O movimento feminista e as questões de gênero têm Simone de Beauvoir como fonte
inicial de pesquisa e exemplo de como enfrentar o status quo com as armas das ideias e do
posicionamento militante.

Como outras mulheres fizeram cada vez mais, ela usou a educação como plataforma para
se tornar independente em relação aos homens e aos valores dominantes e para questioná-los.
Como pioneira, foi criticada e combatida; porém, suas ideias floresceram e encontraram no
feminismo espaço para permanecerem atuais.
Sua história de vida também inspira mulheres que buscam construir suas identidades sem aceitar
os valores dominantes, pois, mesmo sendo de família da burguesia francesa, trilhou caminhos
diferentes em relação ao esperado, seja por seguir carreira acadêmica, à época predominantemente
masculina, seja por desenvolver uma análise sociológica a partir de metodologias inovadoras,
aplicadas a temas que não faziam parte do trabalho de seus contemporâneos.
Sua vida e obra são indissociáveis da figura de Jean Paul Sartre, descrito por ela como
“companheiro de toda a vida”. Com ele, Beauvoir compartilhou ideias e um relacionamento
“aberto”, desde a juventude.
As experiências de ambos eram fonte de inspiração para discussões e para o desenvolvimento
de suas ideias, identificadas com o Existencialismo. Como seu companheiro, Beauvoir escreveu
romances, ensaios e utilizou as próprias experiências como ponto de partida para desenvolver
suas pesquisas.

Simone de Beauvoir: vida e obra


Apresentamos a seguir algumas informações relevantes sobre a vida e a obra de Simone
de Beauvoir:
• Nasceu em 1908, em Paris, França; estudou na Universidade de Paris. Fundou, Com J. P.
Sartre, o periódico Les Temps Modernes;
• Formação: Filosofia;
• Obras: é autora de diversos livros, incluindo ensaios, romances e autobiografia, entre
os quais, O segundo sexo, Os Mandarins, Memórias de uma moça bem comportada, A
Mulher desiludida, A força das coisas, A força da idade, Todos os homens são mortais,
A velhice.
Temas de pesquisa e ideias relevantes: condição feminina, feminilidade, aborto, existencialismo;
• Atualidade: é referência para estudos de gênero, por sua pesquisa pioneira na área;
• Polêmicas e curiosidades: viveu um relacionamento aberto com Jean Paul Sartre e suas
experiências com ele e outras pessoas faziam parte de seu processo de reflexão. Foi criticada
com veemência por escritores e intelectuais tradicionais, que não aceitavam suas análises
relativas à situação da mulher na sociedade.

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Joan Scott: A Historização do Gênero
O gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi
concebido, legitimado e criticado. Ele não apenas faz referência ao significado
da oposição homem/mulher; ele o estabelece. Para proteger o poder político, a
referência deve parecer certa e fixa, fora de toda a construção humana, parte da
ordem natural ou divina (SCOTT, 1995, p. 92).

A contribuição da historiadora Joan Scott para a questão de gênero ocorre, entre outras
razões, pela abordagem do tema a partir de uma perspectiva de sua inserção na história.
Em suas pesquisas, a feminista identificou a ação de mulheres desde a Revolução Francesa
de 1789, e procurou sempre contextualizar as questões relativas às mulheres em sociedade,
relacionando-as às demais questões da sociedade, o que inclui a política.
Esta abordagem inicia-se pela identificação dos usos da palavra gênero, que a autora
identifica, a partir da definição gramatical do termo desde o século XVIII; porém, no sentido
que hoje entendemos, é algo recente, pois:

Mais recentemente – demasiado recente para que pudesse entrar nos dicionários
ou na enciclopedya of social sciences – as feministas começaram a utilizar a
palavra “gênero” mais seriamente, no sentido mais literal, como uma maneira
de referir-se à organização social da relação entre os sexos (SCOTT, 1995, p. 72).

Esse uso recente, afirma a autora em sua análise histórica, ocorreu inicialmente entre as feministas
estadunidenses, que pretendiam desviar o foco das discussões sobre sexo com viés no determinismo
biológico e também para estabelecer uma relação entre os gêneros masculino e feminino.
Há, ainda, a incorporação pelos estudos de gênero de outras questões para além das
mulheres, com destaque para raça e classe social, categorias fundamentais para a compreensão
do lugar da mulher na sociedade.
Ao analisar o trabalho de pesquisadores e pesquisadoras que abordam a questão de gênero
sob uma perspectiva histórica, a historiadora identifica a necessidade de inserir o tema como
parte da história da humanidade, não como uma particularidade a ser estudada em si.
Ela questiona “Como é que o gênero funciona nas relações sociais humanas? Como é que o
gênero dá um sentido à organização e à percepção do conhecimento histórico”? Para ela, “As
respostas dependem do gênero como categoria de análise” (SCOTT, 1995, p. 74).
Para a autora, as abordagens ao tema gênero tendem a utilizar metodologias tradicionais,
que invariavelmente levariam a interpretações generalizadoras e simplificadoras, dificultando a
compreensão da questão como elemento das relações sociais. Para ela:

Enquanto o termo “história das mulheres” proclama sua posição política ao


afirmar (contrariamente às práticas habituais), que as mulheres são sujeitos
históricos válidos, o “gênero” inclui as mulheres sem as nomear, e parece,
assim, não constituir uma forte ameaça. Esse uso do “gênero” constitui um dos
aspectos daquilo que se poderia chamar de busca de legitimidade acadêmica
para os estudos feministas nos anos 80 (SCOTT, 1995, p. 72).

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Unidade: O Pensamento Feminista do Século XX

Nessa busca de legitimidade pelos estudos feministas, a autora identifica três correntes de
estudos relativas a gênero: a primeira estuda o patriarcado, as desigualdades de gênero e a
necessidade de dominação pelo gênero masculino; a segunda segue linha marxista e, tanto
nos EUA, quanto na Inglaterra, teriam fracassado na tentativa de compreender a questão de
gênero no quadro analítico das teorias marxistas; a terceira segue duas linhas: a Escola anglo-
americana, que utiliza as teorias de relação objeto, estudando a constituição do sujeito, e a
Escola francesa, de linha pós-estruturalista.

Para Scott, referindo-se à primeira corrente:

Essa interpretação limita o conceito de gênero à esfera da família e à experiência


doméstica e para o (a) historiador (a) ela não deixa meios de ligar esse conceito
(nem o indivíduo) com outros sistemas sociais, econômicos, políticos ou de
poder. Sem dúvida está implícito que as disposições sociais que exigem que os
pais trabalhem e as mães cuidem da maioria das tarefas de criação dos filhos,
estruturam a organização da família (SCOTT, 1995, p. 72).

O que a autora critica nessa posição teórica é o que ela entende ser uma dificuldade em
associar a questão de gênero a outros temas sociais, sem desenvolver processos nos quais o
gênero esteja conectado às experiências e sentidos construídos em sociedade.
Ao descrever o trabalho de feministas da segunda corrente, que têm o marxismo como
referência, a autora identifica importantes avanços teóricos, porém, indica a impossibilidade
de tornar a questão de gênero um tema relevante dentro do quadro do materialismo dialético
e as determinações do capitalismo sobre as questões específicas do campo dos estudos de
gênero, ficando este tema como subproduto na análise geral da sociedade, tanto nos trabalhos
desenvolvidos por pesquisadoras (es) inglesas (es), quanto estadunidenses.

Quanto à construção teórica desenvolvida pela terceira corrente, a autora entende haver
avanços para a compreensão dos gêneros e do lugar da mulher na sociedade, porém entende que:

Temos necessidade de uma rejeição do caráter fixo e permanente da oposição


binária, precisamos de uma historicização e de uma desconstrução genuínas
dos termos da diferença sexual. Devemos nos tornar mais autoconscientes da
distinção entre nosso vocabulário de análise e o material que queremos analisar.
Devemos encontrar as formas (mesmo imperfeitas) de submeter sem cessar
nossas categorias à crítica, nossas análises à autocrítica (SCOTT, 1995, p. 84).

Essa recusa à oposição binária deve ser realizada, segundo Scott, utilizando a definição
de Derridá para desconstrução, que exigiria localizar posições binárias cristalizadas pelo uso
recorrente retirando delas sua aceitação como algo dado, natural e, portanto, deslocando-a para
o cenário das construções sociais e culturais. Conclui sua crítica a estas correntes afirmando que:
A história do pensamento feminista é uma história de recusa da construção hierárquica da
relação entre masculino e feminino, em seus contextos específicos, e uma tentativa para reverter
ou deslocar suas operações. Os (as) historiadores (as) feministas estão agora bem posicionados
(as) para teorizar as suas práticas e de desenvolver o gênero como uma categoria analítica
(SCOTT, 1995, p. 84).

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A partir da apresentação e crítica a estas correntes, a autora propõe sua interpretação para
gênero, seguindo proposições pós-estruturalistas, entendendo-o como um conceito que comporta
dois sentidos conectados: o sexo como elemento das relações sociais e como relações de poder.

Joan Scott: vida e obra


Apresentamos a seguir algumas informações relevantes relativas à vida e à obra de Joan Scott:
• Nasceu em 1941, nos EUA. Estudou na Universidade de Brandeis e na Universidade
de Wincosin;
• Formação: História;
• Instituições nas quais atuou: Universidade de Princeton, Universidade de Illinois,
Universidade de Northwestern, Universidade Johns Hopkins, entre outras;
• Obra: apenas um livro da autora, Cidadã paradoxal: as feministas francesas e o direito
do homem foi publicado no Brasil. Os demais estão disponíveis em língua inglesa, como
Gender and the politics of history, Politics of the veil, Only paradoxes to offer;
• Temas de pesquisa e ideias relevantes: gênero, feminismo, sexualidade, gênero e história;
• Atualidade: sua principal contribuição e que mantém seu pensamento atual é colocar
a análise de gênero sob uma perspectiva histórica, contextualizando sua existência em
relação a outros temas relevantes para a compreensão do tema.

Judith Butler: Feminismo e Identidade de Gênero


Os estudos sociológicos acerca dos gêneros têm a obra O segundo sexo, de Simone de
Beauvoir, publicada em 1949, como principal referência para a definição de um campo de
estudos sobre a temática e a militância desta autora ao longo das décadas de 1950 e 1960,
como parte do desenvolvimento de estudos e intervenção política para o período.
A efervescência cultural e política dos anos 1960 e o desenvolvimento de medicamentos
contraceptivos possibilitaram, entre outras mudanças relevantes, que as mulheres ganhassem
maior autonomia em relação ao homem, na medida em que podiam planejar a maternidade de
acordo com suas opções e não mais como algo natural.
Em um tempo de rupturas e questionamento em relação aos valores tradicionais, o lugar
da mulher na sociedade também passou por um processo de discussão, tanto acadêmica
quanto política.
Judith Butler faz parte da terceira onda do feminismo que, a partir dos anos 1980, conquistou
espaço nas universidades e formulou novas questões para a discussão de gênero.

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Unidade: O Pensamento Feminista do Século XX

Em seu livro Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, ela aborda a questão
central de suas análises e que a coloca em linha de crítica ao feminismo que a antecedeu, ou
seja, a própria concepção de gênero e de sexo.

Considerada no espaço acadêmico como pós-estruturalista, a autora desenvolve


pesquisas desde os anos 1980 acerca das questões de gênero, da constituição do
sujeito e da performatividade de gênero, trabalhando com referências que vão de
Hegel, a partir do qual discute a constituição do sujeito, até J. L. Austin, com quem
dialoga sobre a teoria da linguagem e, particularmente, sobre a performatividade.
Como pós-estruturalista, compartilha com Foucault questões relativas à construção
de discursos acerca da sexualidade.

Seu objeto de estudo não é a mulher, tal como forjada pela cultura e assumida como
realidade, mas os diferentes, os excluídos, os que não se encaixam nos modelos estabelecidos
por quaisquer razões, sejam elas de ordem racial, de gênero, sexual.
Para ela, a mulher ou as mulheres não podem ser tomadas como algo estável e único, pois
há inúmeras variáveis que interferem na definição de gênero e definem seu lugar na sociedade.
Há mulheres brancas, negras, pobres, ricas, hetero ou homossexuais, ou ainda, com outras
orientações no campo da sexualidade e, por isso, os feminismos precisam abordar as diversas
dimensões incialmente colocadas como discussão de gênero.
Então, a luta feminista que antecede Butler, teria definido um sujeito, a mulher, e forjado seu
discurso a partir disto, o que leva ao problema da identidade de gênero, necessária para unificar
o discurso e as práticas políticas.
É nesse ponto que a obra de Butler diverge do feminismo das décadas anteriores, pois
ela discute exatamente como os discursos sobre a mulher e sobre a sexualidade definem os
percursos e interferem nas concepções sobre esses temas, jogando as lutas feministas na arena
que interessa às ideias dominantes, que tentam desvalorizar o discurso de constituição do
feminino em oposição ao masculino.

Para a autora:
A desconstrução da identidade não é a desconstrução da política; ao invés
disso, ela estabelece como políticos os próprios termos pelos quais a identidade
é articulada. Esse tipo de crítica põe em questão a estrutura fundante em que
o feminismo, como política de identidade, vem-se articulando. O paradoxo
interno desse fundacionismo é que ele presume, fixa e restringe os próprios
sujeitos que espera representar e libertar (BUTLER, 2003, p. 213).

A autora dedica-se a desconstruir valores arraigados, mesmo nos movimentos feministas, e


combate política e intelectualmente o que entende ser uma simplificação das identidades de
gênero, praticada pela sociedade como forma de exercer o controle sobre seus membros.
Para ela, a própria definição de heterossexualidade pressupõe a existência da
homossexualidade, sendo esta última proibida e, ao mesmo tempo, responsável pela identidade
aceita pela sociedade. Sociologicamente, a análise de Butler coloca como contrapontos as ideias
de estabilidade e mudança.

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Judith Butler: vida e obra
Apresentamos a seguir algumas informações relevantes sobre a vida e a obra de Judith Butler:
• Nasceu em 1956, em Ohio, EUA; estudou na Universidade de Yale (EUA);
• Formação: Filosofia;
• Instituições nas quais atuou: Universidade da Califórnia, Johns Hopkins University;
• Obra: é autora de diversos livros, entre os quais destacamos Problemas de gênero,; Vida
precária, Gênero em disputa e Linguagem, poder e identidade;
• Temas de pesquisa e ideias relevantes: Performatividade do gênero, gênero,
feminismo, sexualidade;
• Atualidade: é referência fundamental do campo de estudos de gênero, participando
de tendências do pensamento pós-estruturalista e das discussões acerca do feminismo
contemporâneo.

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Unidade: O Pensamento Feminista do Século XX

Material Complementar

Nesta Unidade, estudaremos a obra das sociólogas Simone de Beauvoir, Joan Scott e
Judith Butler.
No material desenvolvido para a Unidade, apresentamos as ideias e obras destas autoras e
evidenciamos as relações entre seu trabalho de pesquisa acadêmica no campo da Sociologia,
vinculados ao tema gênero e ao feminismo, tanto para estudo quanto para militância.
As pesquisas das autoras abordam temas relacionados à vida das mulheres em sociedade, a
primeira, a partir dos anos 1940, na França, e as demais nos EUA, a partir dos anos 1980.
Além de disponibilizarmos o material didático, você pode obter informações sobre a obra das
autoras em livros ou artigos disponíveis na internet.
Para complementar seus estudos, acesse o audiovisual “Vídeo, mentiras e videotape”,
disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iPwSxNOkpco, que apresenta de maneira
bem humorada as questões de gênero.
O audiovisual está disponível, também, em outros sites. Caso tenha dificuldade de acessar
por meio do endereço indicado, coloque o nome num site de busca e você terá indicação de
onde encontrar.

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Referências

BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

BUTLER. J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 2003.

BUTLER. J. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, G.
L. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 151-71.

SALIH, S. Judith Butler e a teoria queer. São Paulo: Autêntica, 2012.

MELO, Hildete Pereira de. Gênero e pobreza no Brasil. In: A pobreza e a política
de gêneros no Brasil. CEPAL, 2005. Disponível em: http://www.cepal.org/publicaciones/
xml/0/22230/lcl2322p.pdf. Acesso em: 12 jul. 2014.

SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &
Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul./dez. 1995, p. 71-99.

____________. História das mulheres. In. BURKE, Peter.(Org.) A Escrita da História: Novas
Perspectivas. São Paulo: Unesp. 1992.

____________. Igualdade versus diferença: os usos da teoria pós-estruturalista. In. Debate


Feminista – Cidadania e Feminismo, n.º especial, 2000. (Edição especial em português).

____________. A Cidadã Paradoxal: as feministas francesas e os direitos do homem.


Florianópolis: Mulheres, 2002.

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Unidade: O Pensamento Feminista do Século XX

Anotações

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