Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
conceito de gênero
Beauvoir, Butler and Preciado: a debate about the
concept of gender
Sanmanth do Nascimento Araújo1
Introdução
Muito debatido desde o século XIX, as questões de gênero ainda trazem dúvidas
e desinformação a muitas pessoas. Aliado erroneamente a tentativa de impor uma
supremacia feminina ou LGBT, as discussões sobre gênero são tomadas por muitos
como busca da afirmação e legitimação de um modelo obrigatório de prática subjetiva e
sexual. Apesar do fato que o termo gênero também vem sendo discutido em várias áreas
Sabendo disso, esse trabalho se propõe a uma análise sobre as principais teorias a
cerca do assunto, tendo como foco uma escritora norte-americana e duas europeias.
Sabe-se da importância de várias teóricas de diversas nacionalidades, mas faz-se
necessário um recorte dada a limitação de espaço do trabalho. Visto que a discussão
sobre gênero surge dentro dos estudos feministas, mostra-se fundamental discorrer um
pouco sobre o movimento feminista para que seja possível verificar a partir de quando a
problematização das estruturas dadas como naturais do binarismo homem/mulher
passaram a acontecer e evoluir até chegar ao emprego do termo gênero para, em
seguida, aplicar a negação do mesmo.
Sabe-se que até o Renascimento, não existia um estudo sobre o órgão sexual
feminino. Achava-se que tanto as mulheres como os homens possuíam a mesma
genitália, sendo que a feminina era tida como inverso da masculina. A partir do século
XVIII, surgiu a necessidade da verificação da veracidade dessas teorias, onde foi
possível confirmar a diferença biológica entre os sexos. Com a evolução dos estudos
anatômicos, observou-se a diferença entre os sexos como não apenas o feminino para o
interior e o masculino para o exterior. Observou-se mais uma série de diferenças que
garantiram, de acordo com o discurso dominador, a opressão das mulheres, como o fato
de que as mulheres tinham o crânio menor que o do homem, por exemplo. Assim, as
diferenças biológicas davam premissa para a justificativa necessária para as diferenças
sociais. Bourdieu (2010) mostra que a diferença biológica entre os corpos masculinos e
femininos, marcada excepcionalmente pelos órgãos sexuais, é tida como justificativa
natural para a diferença construída entre os gêneros masculinos e femininos, atuando na
divisão social do trabalho e na diferenciação de subjetividades, aparentemente,
essencializadas.
Destarte, ela tenta desconstruir a ideia de que seja da natureza da mulher ser
passiva, dedicada ao lar, mais fraca que o homem e inferior. Isso é na verdade
socialmente construído. Por conseguinte, Beauvoir é considerada por muitos como a
pioneira nessa discussão biológico/cultural. Mesmo sem utilizar o termo gênero, que
ainda não havia sido discutido anteriormente, Beauvoir mostrou que ser mulher ou ser
homem consiste em aprendizagem e não com seu sexo.
A filósofa estadunidense Judith Butler pode ser vista como uma das grandes
referências dessa terceira onda feminista, chamada também de pós-feminismo pelo seu
dialogo com o pós-modernismo. De acordo com Butler, o maior erro do feminismo foi
ter a pretensão de falar em nome da mulher. Uma mulher única, uma e que tem a mesma
instituição de dominação: o patriarcado. Assim, o movimento esquecia-se da
multiplicidade de subjetividades, classes sociais, nacionalidades, cores etc. Essa
universalidade da categoria mulher era danosa para a resolução do problema do
machismo e da subjugação da mulher, pois esquecia-se que muitos poderiam ser a causa
da opressão.
Butler afirma ainda que não é que o termo “mulher” não deva ser usado ou que a
categoria não deva existir, mas sim que o termo torne-se um lugar aberto para
resignificações. E ela ainda vai além, ela afirma que desconstruir o conceito de corpo
não é nega-lo, mas usá-los subversivamente, fora do ambiente do poder opressor.
Citando Monique Wittig e Michel Foucault, Butler assegura que para os dois a categoria
sexo impõe uma materialidade dos corpos de forma a manter a sexualidade como uma
ordem compulsória.
Em seu livro Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, Butler
problematiza essa diferenciação entre sexo e gênero, sendo o primeiro natural e o
segundo culturalmente construído. Para Butler, essa dicotomia relacional mostra uma
relação de causa e efeito entre os dois termos, fazendo com que haja uma justificativa
para que o gênero seja, inexoravelmente, ligado ao sexo.
Butler, em sua obra, critica Beauvoir, pois de acordo com sua leitura da filósofa
francesa, Beauvoir ainda está presa a uma metafísica da substância, termo vindo de
Nietzsche, para designar uma noção substancial do ser, que há um sujeito prévio a
escolha do gênero. Para a filósofa estadunidense, a dicotomia Um/Outro utilizado por
Beauvoir, onde esse Um é o que se constitui como sujeito, sendo ele homem, branco,
heterossexual vai construir a identidade do Outro, subjulgado e mulher, apresenta
limitações.
Ao citar a frase “não se nasce mulher, se torna mulher”, Butler afirma que
Beauvoir não deixa claro que esse sujeito que se tornará mulher é uma fêmea. A filósofa
existencialista passa a ideia de que esse se tornar mulher acontece por uma compulsão
cultural por fazê-lo. Butler questiona então como pode isso acontecer já que não existe a
possibilidade de recorrer a um corpo que não foi já interpretado por significados
culturais.
Para Judith Butler, existe uma chamada “heterossexualidade compulsória” que
dita os comportamentos e desejos do sujeito a partir de seu sexo, mesmo antes de
nascer. Uma mãe ao fazer um ultrassom e constatar que o feto possui um pênis, saberá
que o filho é um menino e que sentirá atração por meninas. De acordo com Butler,
(2013, p 45) “essa heterossexualidade institucional exige e produz, a um só tempo, a
univocidade de cada um dos termos marcados pelo gênero que constituem o limite das
possibilidades de gênero no interior do sistema de gênero binário oposicional”.
Gênero para a filósofa americana configura-se, então como esse conjunto de atos
repetidos dentro de uma estrutura reguladora rígida e que produz uma impressão de
substância de uma natural forma de ser. Butler defende gênero como uma categoria
flutuante.
Afirmando ainda que os órgãos sexuais não existem em si, pois eles já são
produtos discursivos de uma tecnologia que prescreve a significação dos órgãos
reprodutivos como portadores de desejo, Preciado afirma que para uma sociedade
contrassexual, deve-se considerar alguns princípios como abrir mão das categorias
masculino/feminino em relação a homem/mulher de forma institucional, cada novo
corpo terá um contranome que escape das marcas de gênero, uso de dildos por todos os
corpos ou sujeitos falantes, parodiar os efeitos associados ao orgasmo que na verdade
seria uma forma de negar as localizações legitimadas para sentir prazer, separação das
atividades sexuais das atividades de reprodução, as operações de mudança de sexo não
devem ser baseadas em uma coerência corporal masculina ou feminina, criação de
espaços contrassexuais, a prostituição seria reconhecida como uma forma legítima de
trabalho sexual etc.
O uso do dildo, tão enfatizado por Preciado, justifica-se pela ideia errônea de que
ele é um substituto do falo. Tem-se a premissa de que toda sexo hetero é fálico e todo
sexo fálico é hetero. Essa premissa valida a ideia de inveja do pênis e que o sexo lésbico
onde há o uso do dildo, não é realmente lésbico. Preciado aponta para o fato de que o
dildo não é o falo e não o representa, pois o falo não existe. O falo é uma realidade
fictícia do pênis. Assim, o dildo é mais um instrumento entre outras máquinas (mãos,
preservativos, línguas etc) e não uma réplica de um membro. “O dildo é a verdade da
heterossexualidade como paródia.” (PRECIADO, 2015, p 84)
O que Preciado busca fazer é uma desidentificação que se dá pela negação das
estruturas que definem a existência dos seres. Abalando o sistema heteronormativo, não
existe mais prática heterossexual, homossexual etc. O que existem são os corpos
falantes, como dito anteriormente. Preciado vai além de Butler ao analisar a
(hetero)sexualidade não como origem fundadora, mas como tecnologia social de
produção de corpos e práticas sexuais, já que a heterossexualidade é o que produz a
feminilidade e a masculinidade.
Conclusão
REFERENCIA BIBLIOGRAFICA
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
MONEY, John & TUKER, Patricia.Os papéis sexuais. São Paulo: Brasiliense, 1981.