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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –


PROPPEC
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS – PMGPP

UMA ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL DO ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO


ESTUPRO DE VULNERÁVEL

ANDRÉIA ANTUNES DA SILVA

ITAJAÍ (SC), 2014


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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI


PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
PROPPEC
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS – PMGPP

UMA ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL DO ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO


ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Andréia Antunes da Silva

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora no Mestrado Profissional
em Gestão de Políticas Públicas da
Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, sob a orientação do
Professor Doutor Alexandre Morais da
Rosa, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Gestão de Políticas Públicas.

ITAJAÍ (SC), 2014


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À minha eterna e amada mãe, pelo amor


real, verdadeiro e incondicional que
sempre dispensou a mim, estando
presente, enquanto pôde, em todos os
momentos da minha vida.
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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por estar comigo em todos os momentos e por não me deixar
desistir.

À minha amada mãe, que há dois anos partiu e deixou saudades eternas.

Ao meu pai querido e amado.

Aos meus irmãos, parceiros de todas as horas.

Ao meu filho, Gabriel Antunes Frankenberger, simplesmente por existir e por me dar
forças para nunca desistir.

Ao meu querido Guilherme Nazareno Flores, por ter me incentivado a iniciar esta
trajetória e me apontar os caminhos para que ela se tornasse possível.

Ao meu querido amigo Tiago Mikael Garcia, pelos gestos que teve para comigo
durante esta caminhada, que somente um amigo verdadeiro teria.

E finalmente, ao meu querido Orientador Dr. Alexandre Morais da Rosa, por ter
confiado em mim e ter dedicado parte de seu precioso tempo para me orientar com
sua sapiência, desde o início até a conclusão deste trabalho.
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale
do Itajaí, a Coordenação do Curso de Mestrado Profissionalizante em Gestão de
Políticas Públicas, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 23 de fevereiro de 2014

Andréia Antunes da Silva


Mestranda
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10

1 POLÍTICAS PÚBLICAS E ADOLESCÊNCIA ................................................... 14


1.1 História e conceito das políticas públicas: breve relato ........................... 14
1.2 Ciclo das políticas públicas ........................................................................ 18
1.3 Adolescência ................................................................................................ 21
1.4 Compreendendo a sexualidade na adolescência ...................................... 27
1.5 Políticas públicas para adolescentes ......................................................... 34

2 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE/ECA – CRIME


E CRIMES SEXUAIS ........................................................................................... 40
2.1 ECA e o princípio da dignidade da pessoa humana – breves análises ... 40
2.2 Características do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente ............ 44
2.3 Princípios norteadores do direito da criança e do adolescente .............. 46
2.4 Dignidade da pessoa humana adolescente ............................................... 50
2.5 A doutrina da proteção integral .................................................................. 52
2.6 Crime/delito: breves considerações ........................................................... 55
2.7 Ato infracional .............................................................................................. 56
2.8 Ato infracional praticado por criança ......................................................... 58
2.9 Medidas de proteção e medidas específicas de proteção ........................ 59
2.10 As medidas sócio-educativas ................................................................... 61

3 CRIME SEXUAIS, ESTUPRO DE VULNERÁVEL E A TEORIA


“EXCEÇÃO DE ROMEU E JULIETA” ............................................................... 63
3.1 Evolução dos discursos sexuais ................................................................ 63
3.2 Crimes sexuais à luz da Lei 12.015/2009 .................................................... 66
3.3 Estupro de vulnerável .................................................................................. 71
3.4 Exceção de Romeu e Julieta ....................................................................... 74
3.5 Conscientização e esclarecimentos nas redes de ensino ........................ 78

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 82

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 85
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RESUMO

Palavras-chave: adolescência - sexualidade - estupro de vulnerável

É notória e indiscutível a evolução acelerada da sociedade. Evoluindo a sociedade,


evoluem assim os seus costumes. E evoluindo os costumes, necessário se faz
também a evolução das leis, buscando-se assim evitar uma legislação atrasada que,
ao ser aplicada aos casos concretos, acaba por deixar de atingir o papel máximo do
Direito, qual seja, o de promover a justiça. O presente trabalho busca analisar a
hipótese da “flexibilização” do artigo 217-A, do Código Penal Brasileiro. Este artigo
prevê o crime de estupro de vulnerável e define como vítima, neste caso, a pessoa
menor de 14 anos, não havendo, contudo, qualquer exceção relacionada à idade do
"autor". Assim, esta pesquisa traz à tona uma teoria ainda pouco difundida no Brasil:
a "Exceção de Romeu e Julieta", teoria esta que não reconhece a presunção de
violência, em caso de suposto estupro, quando a diferença de idade entre os
protagonistas (suposto autor e suposta vítima) for igual ou menor de cinco anos. A
"Exceção de Romeu e Julieta" leva em consideração as mudanças comportamentais
pelas quais passam os adolescentes, principalmente no que se refere à descoberta
da sexualidade, tendo como objetivo não atribuir, pura e simplesmente, ao
adolescente, a prática do ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável
quando presentes alguns requisitos, tais como a diferença igual ou menor de cinco
anos entre suposta vítima e suposto autor, bem como o consentimento e o
envolvimento emocional entre os protagonistas, evitando-se desta forma a
criminalização da conduta de adolescentes e pré-adolescentes quando da sua
descoberta pela sexualidade. Este trabalho foi elaborado através de uma pesquisa
bibliográfica, sendo dividido em três capítulos, intitulados: 1) Políticas Públicas e
Adolescência; 2) Estatuto da Criança e do Adolescente e Crimes Sexuais e 3)
Estupro de Vulnerável e a teoria da "Exceção de Romeu e Julieta". Ao final, conclui
não haver políticas públicas eficazes e suficientes que abordem a educação sexual
destinada ao público adolescente e pré-adolescente, propondo assim, a implantação
de um programa capaz de sanar esta ausência.
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ABSTRACT

Keywords: adolescence – sexuality – rape of the vulnerable person

The accelerated evolution of society is well-known and indisputable. With the


evolution of society comes the evolution of its costs, and with that, a need for
evolution of the laws, seeking to prevent an outdated legislation that, when applied to
concrete cases, ends up failing to achieve the highest objective of the law, i.e.
promoting justice. This work analyzes the hypothesis of “flexibilization” of article 217-
A of the Código Penal Brasileiro [Penal Code of Brazil], article which defines the
crime of rape of vulnerable persons, defining a victim, in this case, as a person aged
under 14 years, there being no exception in relation to the age of the “perpetrator”.
This research sheds light on a theory that is still little known in Brazil: the “Romeo
and Juliet Exception”, a theory that does not recognize the presumption of violence in
cases of supposed rape when the age gap between the protagonists (supposed
perpetrator and supposed victim) is less than five years. The “Romeo and Juliet
Exception” takes into account the behavioral changes that adolescents go through,
particularly in terms of sexual discovery. Its objective is to refrain from simply
attributing to the adolescent the practice of an illegal act analogous to the crime of
rape of a vulnerable person when certain criteria are present, such as an age gap of
five years or less between the supposed victim and the supposed perpetrator, and
the consent and emotional involvement between the protagonists. This avoids
criminalization of the conduct of adolescents and preadolescents during a phase in
which they are discovering their sexuality. This work was designed using a literature
review. It is divided into three chapters: 1) Public Policies and Adolescence; 2)
Statute of the Child and Adolescent and Sexual Crimes and 3) Rape of the
Vulnerable person and theory of the “Romeo and Juliet Exception”. It is concluded
that there are no effective and sufficient public policies specifically for the adolescent
and pre-adolescent public that address sexual education, therefore the
implementation of a program is proposed that will fill this gap.
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INTRODUÇÃO

O tema “Uma abordagem jurídica e social do ato infracional análogo ao


estupro de vulnerável” tem por objetivo fazer uma sucinta e breve análise acerca de
uma situação um tanto sui generis, qual seja, o estupro de vulnerável quando o
suposto “autor” também é um vulnerável. Entenda-se aqui o vulnerável como sendo
a pessoa menor de 14 anos que não tem o necessário discernimento para a prática
ou não do ato libidinoso, bem como não é capaz de oferecer resistência diante de
uma situação forçada por terceiros. A pesquisa tenta abordar tanto o aspecto social
quanto o aspecto jurídico. No aspecto social traz à tona a questão das políticas
públicas para adolescentes. Busca-se saber da existência ou não de tais políticas,
bem como, se as que existem surtem algum efeito. No aspecto jurídico, a breve
análise fica por conta de uma reforma legal, qual seja o advento da Lei 12.015, de 7
de agosto de 2009. Esta lei inseriu no Código Penal Brasileiro o artigo 217-A
(curiosamente sem a existência do artigo 217), o qual criminaliza expressamente o
estupro de vulnerável. Antes do advento desta lei, a violência no estupro cujas
vítimas eram menores de 14 anos, era presumida. Assim, com a criação do artigo
217-A, tal violência não mais é presumida, levando-se em conta agora simples e tão
somente a idade da vítima, ou, à luz do tema desta pesquisa, a suposta vítima.
O objetivo deste trabalho não é focar tão somente “a vítima”, mas também “o
autor” do estupro de vulnerável. Uma breve análise acerca da sexualidade na
adolescência se faz necessária para que se possa entender esta situação em que
ambos os atores do estupro tipificado no artigo 217-A do Código Penal são menores
de 14 anos.
A lei 12.015 de 7 de agosto de 2009 é taxativa ao expressar que “Ter
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos” é
estupro de vulnerável. Aqui, a pesquisa se atreve a questionar esta lei, propondo ao
menos uma reflexão sobre o assunto, tendo como primeiro e justo argumento o fato
de que a prática de relações sexuais entre adolescentes é modo de vida da
população mais jovem, tendo acontecido a indevida responsabilização infracional,
confundindo-se iniciação sexual com violência. Por se tratar de adolescente, o que
seria crime para o adulto, à luz do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – o
estupro de vulnerável em que o suposto autor também é menor de 14 anos, passaria
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a ser um ato infracional análogo ao estupro de vulnerável, surgindo assim, o tema


desta pesquisa.
Assim, o presente trabalho divide-se em três capítulos. No primeiro analisa-se
a quantas andam as políticas públicas adolescentes, bem como estuda
sucintamente a sexualidade nesta fase da vida, qual seja a adolescência.
O segundo capítulo tem por objeto a compreensão da sexualidade, bem como
destaca e esclarece tal questão à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA. Encerrando este capítulo, necessário se faz uma reflexão do que é crime.
Já o terceiro capítulo apresenta o que poderia ser um programa de prevenção
ideal ou, ao menos, perto do ideal, para ser aplicado nas escolas, buscando assim
disseminar informações importantes acerca do sexo na adolescência. Este capítulo
também destaca a teoria norte-americana, conhecida aqui no Brasil como “Exceção
de Romeu e Julieta”. Vários estados americanos vêm aplicando esta teoria nos
casos dos supostos estupros de vulneráveis, nos quais a diferença de idade entre “o
menino” e “a menina” é igual ou inferior a 5 anos.
A “Exceção de Romeu e Julieta” leva em consideração as mudanças pelas
quais as pessoas passam na fase da adolescência. Esta teoria, ao ser aplicada nos
tribunais, procura tratar com naturalidade a questão do sexo entre adolescentes.
Dentre tantas mudanças que surgem com o advento da adolescência, talvez a maior
delas seja com relação à sexualidade que ambos os gêneros passam a descobrir,
ou seja, tanto o menino quanto a menina. O que ocorre é que os adolescentes, na
tentativa de entender o que ocorre com seu corpo nesta fase da vida, passam a
querer se descobrir e descobrir uns aos outros. Isso resultará em prováveis relações
sexuais, consentidas por ambos os gêneros. Assim, sob a ótica da teoria da
“Exceção de Romeu e Julieta”, quando dois adolescentes, ambos menores de
catorze e cuja diferença de idade não seja maior que cinco anos, tiverem praticado e
consentido a relação sexual, não há que se falar em crime, muito menos em estupro
de vulnerável. Há que se falar neste momento em prevenção, em educação sexual,
em programas de políticas públicas direcionadas ao público adolescente, em
programas que envolvam o treinamento dos professores das redes escolares,
programas e projetos que envolvam e atraiam a participação da família em conjunto
com a escola, bem como em várias outras hipóteses, projetos e programas, mas não
em crime.
Tratar esta situação sui generis da mesma forma como se trata um real caso
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de estupro, seja ele de vulnerável ou não, pois em ambos os casos, tal crime é de
uma hediondez absurda, chega a soar estranho aos ouvidos. A “Exceção de Romeu
e Julieta” enfoca a necessidade de se “garantir tanto o direito da vítima quanto do
acusado. Nem pela sacralização da vítima, nem pela demonização do acusado,
mas, sim, pela busca da verdade e da justiça do caso concreto.” (João Batista Costa
Saraiva).
João Batista Costa Saraiva, juiz de Direito do Juizado Regional da Infância e
da Juventude de Santo Ângelo/RS, afirma “que o entendimento de que toda relação
sexual com menor de 14 anos é crime, pode criminalizar também a conduta de
muitos adolescentes e pré-adolescentes na descoberta da sexualidade. Assim, ele
avalia que a Exceção de Romeu e Julieta, que não reconhece a presunção de
violência quando a diferença de idade entre os protagonistas seja igual ou menor de
cinco anos, deve ser considerada nas Varas da Infância e da Juventude, na
operacionalidade do art. 217-A do Código Penal.” É o que se poderia chamar, talvez,
de flexibilização do artigo 217-A do CP diante dos casos de relações sexuais entre
adolescentes, quando ambos estão, juntos, na fase de suas descobertas.
O Estado, através do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA -, garante,
em seu artigo 17 que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade
física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da
imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e
objetos pessoais”. No momento em que a lei 12.015/2009 foi criada, provavelmente
não se pensou em casos assim, que um vulnerável poderia também figurar como
agente causador, em tese, deste crime. O artigo 17 do ECA deixa bem claro o quão
é intocável a integridade em seu todo, da criança e do adolescente. Como então se
deveria proceder diante de dois adolescentes, um menino e uma menina, os quais,
pela própria natureza da fase em que se encontram, estão vivendo em meio às
descobertas, principalmente as descobertas sexuais, que resolvem conhecer juntos
sua sexualidade, mantendo então relações sexuais? Este adolescente menino que,
até o momento não é um infrator, passará a ser tratado como tal, à luz do artigo 217-
A do Código Penal. Assim, praticamente se ignora as palavras do artigo 17 do ECA,
quando da criação de uma lei que criminaliza taxativamente a conjunção carnal ou o
ato libidinoso com menor de catorze anos, quando ambos (autor e vítima) estão em
“processo de maturação” (Alexandre Morais da Rosa).
Nesse sentido, o terceiro capítulo, aborda com mais afinco a conhecida, nos
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Estados Unidos, teoria da “Exceção de Romeu e Julieta. É algo relativamente novo


no Brasil, mas que diante da realidade dos dias de hoje, necessário se faz pensar
em novas formas de abordagem quando o assunto é o estupro de vulnerável, ou,
simplesmente, o sexo entre adolescentes.
Este trabalho utiliza-se do método qualitativo, uma vez que não existe aqui,
dados estatísticos, tratando-se de um estudo exploratório feito através de uma
extensa pesquisa bibliográfica.
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1 POLÍTICAS PÚBLICAS E ADOLESCÊNCIA

1.1 História e conceito das políticas públicas: breve relato

O campo das políticas públicas se consolidou no últimos sessenta anos como


um instrumental analítico útil e um vocabulário voltado para a compreensão de
fenômenos de natureza político-administrativa. O ano de 1951 pode ser considerado
o marco de estabelecimento da área disciplinar de estudos de políticas públicas.
Embora já na década de 1930 aparecessem contribuições teóricas da análise
racional das políticas (rational policy analisys), foi em 1951 que dois livros
fundamentais da área de políticas públicas foram publicados. O livro de David B.
Truman, The governamental process (1951), foi pioneiro sobre grupos de interesses,
suas estruturas e as técnicas de influência sobre os processos de políticas públicas
no Executivo, Legislativo, Judiciário e no corpo burocrático da administração pública.
Já o livro de Daniel Lerner e Harold D. Lasswell, “The policy orientation”, no qual é
discutido o crescente interesse de pesquisadores sobre a formulação e avaliação de
impacto das políticas públicas (SECCHI, 2012).
Tal qual a medicina existe para tratar os problemas de saúde, as policy
sciences nasceram para ajudar nos problemas públicos.
Algumas disciplinas são fundamentais e norteadoras para os estudos das
políticas públicas, quais sejam: as ciências políticas, a sociologia, a economia, a
administração pública, a teoria das organizações, a engenharia, a psicologia social e
o direito (SECCHI, 2012).
Há que se dizer, no entanto, que outras áreas do conhecimento são de igual
importância para a implementação de políticas públicas, a depender da área a ser
trabalhada. Assim, se há um determinado problema no campo da saúde, todas as
áreas de conhecimento nesse sentido são de vital importância para a criação da
respectiva política pública.
Uma política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema
público. É uma orientação à atividade ou à passividade de alguém; as atividades ou
passividades decorrentes dessa orientação também fazem parte da política pública;
uma política pública possui dois elementos fundamentais: intencionalidade pública e
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resposta a um problema público. Em outras palavras, a razão para o


estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um
problema entendido como coletivamente relevante (SECCHI, 2012).
Para que se possa falar em políticas públicas para adolescentes, necessário
se faz apresentar um conceito de políticas públicas. A definição mais difundida é a
de Laswell, qual seja, “decisões e análises sobre políticas públicas implicam
responder as seguintes questões: quem ganha o quê, por que e que diferença faz”
(SOUZA, 2006, p. 24). A análise da política pública está na identificação do
problema, bem como quais os canais a serem seguidos para que se possa achar a
solução. Essa identificação, que de início seria poder e dever exclusivos do Estado,
passa a ser dividida com a sociedade, com as instituições privadas e não
governamentais. Isso ocorre porque o Estado se mostra incapaz de apresentar
soluções, sozinho, para os mais variados problemas vividos pela sociedade
atualmente. Assim, a sociedade, insatisfeita com a atuação (ou não) do Estado, e o
Estado, ciente da sua incapacidade em assegurar a execução dos direitos e
garantias fundamentais previsto na Constituição, se unem na busca conjunta das
soluções para as mais diversificadas áreas, tais como saúde, educação, segurança
pública e etc. Esta união entre Estado e sociedade não cria, a princípio, novos
direitos ou garantias, mas apenas tenta a concretização dos direitos fundamentais já
previstos na Carta Magna, mas que por deficiência estatal, não são efetivados.
A política pública em um aspecto geral e social assume uma postura
multidisciplinar, focalizando suas explanações frente à política pública e seus
segmentos. Com repercussão na economia e nas sociedades, a partir desse
aspecto, a política pública explica também as “inter-relações entre Estado, política,
economia e sociedade” (CUNHA e CUNHA, 1999).
Feita a identificação do problema que necessita ser trabalhado, parte-se para
um segundo passo que é a formulação da política pública. Para isso, é necessário
que se identifique os diversos atores da sociedade, assim como os interesses dos
mesmos em praticar ações que venham a incluir uma determinada questão na
agenda pública e posteriormente a efetivação desta como uma política pública. Os
grupos que realizaram movimentos sociais durante a década de 1980, lutando pela
redemocratização da sociedade foram de grande importância para a nova forma de
se organizar e formular uma política pública, especialmente as de cunho social. A
descentralização dos poderes e das funções do estado foram temas frequentes. Os
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atores sociais buscavam questionar a característica histórica da política social


brasileira “seletivas, fragmentadas, excludentes e setorizadas”, bem como a
participação das vontades da sociedade nas decisões políticas. A redemocratização
cria um ambiente mais dinâmico, em que a sociedade passa a participar na gestão
da “coisa pública”, uma vez que os atores sociais recebem a oportunidade de
debater e se expressar nos assuntos que afetam de alguma forma a sociedade.
Essas possibilidades tornam provável a existência de formas de controle mais
efetivas sobre a ação do governo e possibilita que o mesmo absorva e tome
conhecimento dos interesses da sociedade (DEGENNSZAJH, 2000, GOHN, 2004,
LUCHMANN, 2008).
A essência conceitual de políticas públicas é o problema público. Exatamente
por isso, o que define se uma política é ou não pública é a sua intenção de
responder a um problema público, e não se o tomador de decisão tem personalidade
jurídica estatal ou não estatal. São os contornos da definição de um problema
público que dão à política o adjetivo “pública” (SECCHI, 2012).
Mas, o que poderia ser considerado “problema” para que houvesse a
necessidade de uma mobilização conjunta entre sociedade e Estado a fim de criar
soluções para este “problema”?
Um estudo de políticas públicas não prescinde do estudo de um problema
que seja entendido como coletivamente relevante (SECCHI, 2012).
Sjöblom (1984) dá uma definição prática para “problema”: a diferença entre a
situação atual e uma situação ideal possível. Um problema existe quando o status
quo é considerado inadequado e quando existe a expectativa do alcance de uma
situação melhor.
Tomando esse entendimento, o problema público é a diferença entre a
situação atual e uma situação ideal possível para a realidade pública. Naturalmente,
a definição do que seja um “problema público” depende da interpretação normativa
de base. Para um problema ser considerado “público”, este deve ter implicações
para uma quantidade ou qualidade notável de pessoas. Em síntese, um problema só
se torna público quando os atores políticos intersubjetivamente o consideram
problema (situação inadequada) e público (relevante para a coletividade) (SECCHI,
2012).
Assim, diante de um problema público surgem as parcerias entre Estado e
sociedade que, por sua vez, criam as políticas públicas, buscando então, as
17

soluções.
Políticas públicas tomam forma de programas públicos, inovações
tecnológicas e organizacionais, subsídios governamentais, rotinas administrativas,
decisões judiciais, coordenação de ações de uma rede de atores, gasto público
direto, contratos formais e informais com stakeholders, dentre outros (SECCHI,
2012).
No entendimento de ABAD (2003):

A política pública [...] representa aquilo que o governo opta por fazer ou não
fazer, frente a uma solução. [...] é a forma de concretizar a ação do Estado,
significando, portanto, um investimento de recursos do mesmo Estado [...]
Admitindo-se delegar ao Estado a autoridade para unificar e articular a
sociedade, as políticas públicas passam a ser um instrumento privilegiado
de dominação [...] A política pública, ao mesmo tempo em que se constitui
numa decisão, supõe certa ideologia da mudança social, esteja ela explícita
ou não na sua formulação. [...] Essa decisão é o resultado do compromisso
de uma racionalidade técnica com uma racionalidade política.

Quanto às características das políticas públicas, SOUZA (2006) as identifica


da seguinte forma:

 A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e


o que, de fato, faz.
 A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja
materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a
participantes formais, já que os informais são também importantes.
 A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras.
 A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem
alcançados.
 A política pública, embora tenha impactos no curto prazo é uma política de
longo prazo.
 A política pública envolve processos subsequentes após sua decisão e
proposição, ou seja, implica também, implementação, execução e
avaliação.
18

1.2 Ciclo das políticas públicas

O processo de elaboração de políticas públicas também é conhecido como


ciclo de políticas públicas. Trata-se de um esquema de visualização e interpretação
que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e
interdependentes. Dentre as várias versões desenvolvidas para visualização desse
esquema, pode-se destacar as sete principais (SECCHI, 2012):

1. Identificação do problema: um problema nem sempre é reflexo da


deterioração de uma situação em outro contexto. O problema deve ser
percebido por muitos, não apenas por uma parcela daquela comunidade,
ou seja, o problema deve realmente causar incômodo a muitos, de modo
que este incômodo passa a mobilizar as pessoas em busca de uma
solução;
2. Formação da agenda: a agenda é um conjunto de problemas tidos como
relevantes. Os problemas entram e saem das agendas. Como destaca
SUBIRATS (1989), a limitação de recursos humanos, financeiros,
materiais, a falta de tempo, a falta de vontade política ou a falta de
pressão popular podem fazer com que alguns problemas não
permaneçam por muito tempo, ou nem consigam entrar nas agendas. As
agendas listam prioridades de atuação. COBB e ELDER (1983) destacam
três condições para a entrada de um problema na agenda política, quais
sejam: a) atenção: vários atores (cidadãos, grupos de interesse, mídia,
etc.) devem entender a situação como merecedora de intervenção; b)
resolubilidade: as possíveis ações devem ser consideradas necessárias e
factíveis; c) competência: o problema deve tocar responsabilidades
públicas;
3. Formulação de alternativas: a partir do momento que o problema entra na
agenda, todos os esforços devem se concentrar na busca da solução. A
formulação passa pelo estabelecimento de objetivos e estratégias, bem
pelo estudo das potenciais consequências de cada alternativa de solução.
Esta etapa é o momento em que são elaborados métodos, programas,
estratégias ou ações que poderão alcançar os objetivos estabelecidos. Um
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mesmo objetivo pode ser alcançado de várias formas, por diversos


caminhos;
4. Tomada de decisão: neste momento os interesses dos autores são
“equacionados” e as intenções (objetivos e métodos) de enfrentamento de
um problema público são explicitadas. SECCHI (2012) explica que há três
formas de entender a dinâmica de escolhas de alternativas de solução
para problemas públicos: a) os tomadores de decisão têm problemas e
correm atrás de soluções; b) os tomadores de decisão vão ajustando os
problemas às soluções, e as soluções aos problemas, ou seja, o
nascimento do problema, o estabelecimento de objetivos e a busca de
soluções são eventos simultâneos e ocorrem em um processo de
“comparações sucessivas limitadas” (LINDBLOM, 1959); c) os tomadores
de decisão têm soluções em mãos e correm atrás de problemas, por
exemplo: um empreendedor de política pública já tem predileção por uma
proposta de solução existente, e então luta para inflar um problema na
opinião pública e no meio político de maneira que sua proposta se
transforme em política pública;
5. Implementação: é neste momento que são produzidos os resultados
concretos da política pública. A fase de implementação é aquela em que
regras, rotinas e processos sociais são convertidos de intenções em ações
(O’TOOLE JR., 2003). A importância de se estudar esta fase de
implementação está na possibilidade de visualizar, através de
instrumentos analíticos mais estruturados, os obstáculos e as falhas que
costumam acometer essa fase do processo nas diversas áreas de política
pública (saúde, educação, habitação, saneamento, políticas de gestão
etc.). Estudar esta fase também significa visualizar erros anteriores à
tomada de decisão, a fim de detectar problemas mal formulados, objetivos
mal traçados, otimismos exagerados. É neste momento que as funções
administrativas como liderança e coordenação de ações são postas à
prova. Os atores encarregados de liderar o processo de implementação
devem ser capazes de entender elementos motivacionais dos atores
envolvidos, os obstáculos técnicos e legais presentes, as deficiências
organizativas, os conflitos potenciais, além de agir diretamente em
negociações, construção de coordenação entre implementações e
20

cooperação por parte dos destinatários. A fase de implementação é aquela


em que a administração pública reveste-se de sua função precípua, a de
transformar intenções políticas em ações concretas. Também nessa fase
entram em cena outros atores políticos não estatais: fornecedores,
prestadores de serviço, parceiros, além dos grupos de interesse e dos
destinatários da ação pública;
6. Avaliação: é o processo de julgamentos deliberados sobre a validade de
propostas para a ação pública, bem como sobre o sucesso ou a falha de
projetos que foram colocados em prática” (ANDERSON, 1979). A
avaliação é a fase do ciclo de políticas públicas em que o processo de
implementação e o desempenho da política pública são examinados com
o intuito de conhecer melhor o estado da política e o nível de redução do
problema que a gerou. É o momento-chave para a produção de feedback
sobre as fases antecedentes;
7. Extinção: o ciclo de política pública também tem um fim. As causas de
extinção de uma política pública são basicamente três: a) o problema que
originou a política é percebido como resolvido; b) os programas, as leis ou
ações que ativavam a política pública são percebidos como ineficazes; c)
o problema, embora não resolvido, perdeu progressivamente a
importância e saiu das agendas políticas e formais (GIULIANI, 2005). Não
é tão fácil extinguir uma política pública devido à relutância dos
beneficiados, à inércia institucional, ao conservadorismo, aos obstáculos
legais e aos altos custos de iniciação.
Vale dizer que nem sempre uma política pública segue a dinâmica acima,
pois geralmente as fases se misturam e a sequência se alterna. Vai depender da
região na qual será executada determinada política pública. Dependerá também dos
atores envolvidos, da vontade de todos, dos recursos, da comunidade local, dos
costumes, da cultura. São todos fatores que influenciarão, de certa forma, na política
pública, desde a sua criação até sua avaliação final.
21

1.3 Adolescência

As crianças e, especialmente, os adolescentes formam sua identidade por


meio de um processo intersubjetivo, em interação com a comunidade onde estão
inseridos. Constituem seus valores ou preferências pessoais a partir daquilo que é
importante em seu contexto, aprendendo a conviver coletivamente, ao se sentirem
parte do todo, aceitos e pertencentes. É como se a sociedade e suas instituições
fossem “espelhos”, onde a imagem dos jovens é refletida, tornando-se elemento
essencial na formação de sua identidade pessoal, em suas várias possibilidades de
expressão. Ao mesmo tempo, o resultado desse reflexo é a própria expressão da
identidade sociocultural, ou seja, aquilo que é esperado dos membros da
coletividade (COSTA, 2012).
Não se pode definir o termo “adolescência” de uma forma única e específica,
pois há diferenças culturais que impedem esta definição, tal qual, além das
diferenças culturais, as classes sociais também influenciam no conceito de
adolescência. Assim, as diferentes etapas que vão da infância à vida adulta são
variáveis. Na maioria das civilizações tradicionais, a passagem da infância à idade
adulta era marcada por uma iniciação religiosa. A menina se tornava mulher quando
era capaz de procriar, enquanto o menino se tornava adulto quando começava a
aprender o exercício de uma atividade profissional. Algumas sociedades ainda
aceitam os casamentos precoces para as meninas, levando-as a passar
bruscamente para a idade adulta, como ocorre, por exemplo, em algumas
comunidades indígenas. Nas zonas rurais e nos meios operários, o ingresso na vida
profissional, com responsabilidades adultas, se faz às vezes bem antes dos 15 anos.
Em famílias muito pobres, os filhos menores (de 7 ou 8 anos, em alguns casos)
assumem também papéis adultos, cuidando dos irmãos mais jovens e, em muitos
casos, desempenhando atividades profissionais (WEREBE, 1998).
Nos países ocidentais, mais especificamente, essa brutal transição da
infância para a adolescência, tal como se concebe atualmente, resultou de um
movimento social. Ela passou a ser uma idade intermediária durante a qual , sem
que haja acesso às responsabilidades adultas, os jovens prolongam a preparação
para assumir estas responsabilidades. Isto ocorre, particularmente, quando os
jovens têm a possibilidade de fazer estudos longos, tal qual os universitários, o que
22

é mais frequente nos países avançados, nas classes mais favorecidas, bem como
em uma sociedade que goze de uma mente mais esclarecida.
Diante de tantas variações de países, de cultura e de classes sociais, não é
fácil estabelecer os limites etários para definir a adolescência, havendo variações
entre os países.
Haffner (1995), autora americana, define duas fases principais:

 “middle adolescence” (13 – 16 anos, para as meninas e 14 – 19 para


meninos);
 “late adolescence” (16 anos e mais para moças e 17 anos e mais para os
rapazes).
No Guia de Orientação Sexual (Suplicy et al., 1994), adaptação do guia
publicado pela SIECUS (Sex Information and Education Council of United States),
nos Estados Unidos, a distribuição dos níveis de idade é a seguinte:

 Nível I: infância, de 5 a 8 anos de idade;


 Nível II: puberdade, de 9 a 12 anos de idade;
 Nível III: adolescência inicial, de 12 a 15 anos de idade;
 Nível IV: adolescência, de 15 a 18 anos de idade.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) fixa o fim da adolescência aos 19
anos.
Assim como ocorre esta variações entre os países para a fixação do limite de
idade que define o início e o fim da adolescência, há também outras variações,
como por exemplo a idade que fixa a maioridade para a obtenção dos direitos civis,
a independência dos pais, a permissão para conduzir veículos e para contrair o
matrimônio.
Além disso, as etapas do desenvolvimento humano e suas respectivas faixas
etárias não são, em todos os casos, tão precisas, considerando-se os diferentes
contextos socioculturais e as peculiaridades individuais. A ultrapassagem da etapa
da vida, compreendida como infância, para a adolescência e, desta para a fase
adulta, ocorre para cada pessoa de uma forma, em um processo gradativo e em
momentos específicos da vida (COSTA, 2012).
Ainda no sentido de conceituar “adolescência”:
23

Em sua concepção moderna deve significar viver um período, transitório e


legítimo, de menor responsabilidade (com referência à responsabilidade
adulta frente ao trabalho, à família) combinada com uma maior liberdade
(referida em parte, a menor independência da criança e, em parte,
decorrente da menor responsabilidade) e certos direitos (à experimentação,
à descoberta, o que deve incluir os âmbitos da efetividade e da sexualidade)
[...] O adolescente, [...] sentindo em seu corpo as sensações mais diversas,
se vê impulsionado sexualmente, queira ou não, tendo a maturidade
emocional ou não. Sente-se perdido e confuso dentro de si e, ao mesmo
tempo, gratificado e extasiado com essa sua nova forma, com novo
potencial (DESSER, 1993).

Freud define o humano com radicalmente dependente da cultura, da


linguagem que o caracteriza e de um discurso que o engendra. Freud passa, então,
a pensar o sujeito como efeito daquilo que é possível de ser estabelecido e
transmitido entre as gerações; por isso, afirma que a origem do homem e da cultura
coincide com a origem das proibições e das leis (BASTOS, ÂNGELO e COLNAGO,
2007).
É importante ressaltar que a adolescência não segue necessariamente um
padrão, de forma regrada para todos, apesar de a sociedade estabelecer padrões de
conduta e cobrar certos comportamentos. Em meio a tantas experiências novas, o
adolescente não necessita apenas de informações adequadas sobre métodos
contraceptivos, gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis, HIV/AIDS
ou ainda como usar uma camisinha. Sua necessidade vai além, o adolescente
necessita conhecer a sexualidade de forma plena, de que forma se manifesta, o que
vem antes de todas essas práticas e métodos. Necessita ter informações anteriores
ao ato e suas consequências para a partir de então saber fazer suas escolhas. Em
meio a tantas experiências novas, o adolescente sem esclarecimento sobre sua
sexualidade fica suscetível à “deseducação sexual” (BERNARDI, 1995).
Bastos; Ângelo e Colnago (2007) diz:

Basta um olhar atento para nos darmos conta de que a História humana é
aquela de sua miséria e de seus conflitos repletos de horror e violência. A
humanidade nasceu junto com a lei. E esta traz consigo, na origem, o
inevitável dos abusos e excessos. O homem, por sua precariedade e por
ser desprovido de uma barreira natural à sua agressividade, carece de ser
acolhido amorosamente e reconhecido por sua fala. Precisa construir limites
e valores que lhe permitam respeitar a si e ao outro, o que só acontece se
puder estabelecer um profundo laço com a geração que o antecede; pais,
professores, representantes da autoridade da lei e da política. Caso
contrário, o que se segue é o caos e a errância.
24

Dentre todos os seres, o filhote humano é aquele cuja situação de


prematuridade, impotência e insuficiência, se faz notar de maneira incontestável. Ele
nasce numa total dependência do outro que o pôs no mundo, seu semelhante, um
sujeito que não só terá que ocupar-se de suas necessidades vitais, mas, sobretudo,
será para a criança o representante do mundo da linguagem; campo no qual o
pequeno ser terá que se inserir para tornar-se humano e participar do processo
civilizatório. Porém, as condições para tanto podem estar presentes ou não
(BASTOS, ÂNGELO e COLNAGO, 2007).
Na vida dos seres humanos, existem dois momentos determinantes no seu
desdobramento biopsicossocial, o nascimento e a puberdade. Esses são momentos
com grandes e decisivas modificações, que vivenciamos em um curto espaço de
tempo. Não descartamos o envelhecimento, porém este ocorre de forma mais lenta
(TIBA, 1986).
Vale dizer que o nascimento é um momento na vida que pode ser planejado,
escolhido, pelos pais ou, apenas pela mãe. Ao passo que a puberdade é um
momento sem escolhas, sem seleções. Não bastasse isso, trata-se de um momento
de grandes e profundas transformações. A puberdade é uma etapa que está
filogeneticamente programada. Em linhas gerais, não obedece à vontade nem da
própria pessoa, nem da família, a não ser por uma interferência medicamentosa [...]
A puberdade se inicia a partir dos 13 anos de idade, sendo que para as meninas ela
ocorre um pouco antes, a partir dos 11 anos de idade (TIBA, 1986).
A puberdade é um momento anterior à adolescência, porém de grandes
mudanças, principalmente no que se refere às mudanças físicas. Para (SUGAR,
1992) a adolescência é um período de transição que se estende por uma década ou
mais, durante a qual tem lugar o processo de desenvolvimento sexual e outros.
Durante esta fase, o sistema nervoso é extremamente sensível às secreções
hormonais e os mecanismos neurais respondem prontamente à excitação que afeta
a capacidade e o comportamento social do indivíduo. A zona genital adquire uma
nova significação.
No caso do menino, há o aumento do tamanho do pênis e o poder de ereção
que existe desde a infância vai ser acompanhado de ejaculação que pode ser
considerada “prova de masculinidade”. No caso da menina, há a menstruação que
não tem caráter propriamente sexual. Das transformações físicas, é o aparecimento
do seio a mais visível e significativa, embora não tenha um caráter sexual funcional
25

imediato. A representação do corpo sexuado é diferente nos dois sexos, pelo fato de
que no homem os órgãos genitais principais são externos e visíveis, enquanto que
na mulher eles não são diretamente visíveis (por exemplo, a vagina) (WEREBE,
1998).
São fatores biológicos que criam as condições básicas para a presença e o
desenvolvimento da sexualidade na adolescência: a maturação das gônadas
constitui a condição biológica fundamental para a prática de certas atividades
sexuais. Por outro lado, as mudanças físicas e fisiológicas, na puberdade, criam
novas capacidades físicas, despertam novos interesses, desejos e provocam, ao
mesmo tempo, certa instabilidade, pois o indivíduo deve se acomodar a um corpo
em transformação. A puberdade rompe com o equilíbrio de maneira rápida e violenta
(WEREBE, 1998).
Quando a amizade e as rivalidades deixam de se fundar sobre a comunidade
ou o antagonismo das tarefas realizadas ou a realizar; quando elas buscam se
justificar pelas afinidades ou repulsões morais; quando elas parecem interessar mais
a intimidade do ser do que as colaborações ou conflitos afetivos, é o anúncio de que
a infância já foi minada pela puberdade. (WALLON, 1968).
Contudo, não são apenas as necessidades sexuais que se intensificam na
adolescência – e em geral não podem se satisfeitos na realidade – que explicam os
sonhos eróticos acordados. O meio em que vive o adolescente é cada vez mais
erotizado. Os estímulos deste meio exercem uma influência importante sobre estes
sonhos: canções românticas e seus intérpretes, estórias românticas e sexuais
apresentadas pelo cinema e televisão, estórias e heróis não apenas da literatura de
boa qualidade, como também das publicações pornográficas. Até mesmo o noticiário
de “fatos diversos” da televisão e dos jornais, relatando ocorrências ligadas ao sexo,
em geral violências e crimes, podem influir sobre as fantasias e fantasmas dos
adolescentes (WEREBE, 1998).

As competências e as necessidades no domínio da vida afetiva e sexual


vão mudando até a adolescência. A ativação das necessidades eróticas
conduz à aspiração do ser a um complemento indispensável. No decurso do
desenvolvimento, dá-se a aprendizagem da reciprocidade, o
estabelecimento de uma relação íntima com outra pessoa, fora da família. A
intimidade é a necessidade de envolvimento profundo com alguém e influi
sobre os padrões e hábitos adolescentes, relacionados com a amizade e
interesses românticos. As relações interpessoais privilegiadas – amizades –
começam muito cedo, mas é por volta do fim do terceiro ano de idade que
estas relações se tornam mais frequentes e sólidas e “onde se pode estar
26

certo de que a escolha de um parceiro é feita pela própria criança


(WEREBE, 1998).

Azambuja (2008) afirma que o homem é, em parte, resultado da educação


pela família e pela escola, pela convivência com amigos, da luta com inimigos e da
influência de estranhos. É um ser social. Grande parte, a imensa maioria de suas
ideias, sentimentos, opiniões, hábitos, vem da sociedade em que vive dos jornais
que lê, dos filmes a que assiste: vem dos outros. É o “campo psicológico-social”, que
cada um de nós tem dentro de si, que nos submerge, nos dirige sub-reptícia, mas
inflexivelmente, e do qual raros indivíduos se libertam momentaneamente.
No caso da adolescência, COSTA (2012), afirma que as experiências dessa
etapa da vida, se vivenciadas de forma precoce, são fontes de diferenciação entre
as várias adolescências contemporâneas. Se a adolescência é uma fase difícil para
aqueles que a vivenciam com estabilidade social emocional, torna-se mais penosa
ainda nos contextos de pobreza, violência e vulnerabilidade em que vivem muitas
famílias brasileiras, na medida em que certas condições facilitam ou dificultam o
processo de auto-aceitação (autoconhecimento ou auto-estima). Entre as
dificuldades, ASSIS (2004) aponta às situações de desvalorização, de rejeição, de
humilhação e de punição. Tais circunstâncias podem ser observadas nos contextos
familiares de violência, os quais, por sua vez, são potencializadores de violência
social.
Neste processo de “reconhecimento primário”, a violência no âmbito familiar é
uma experiência especialmente vinculada às dificuldades. Considerando que a
violência ocorre em maior número nas famílias ditas “mais pobres”, a adolescência é
ainda mais difícil para os meninos e meninas pertencentes à estas famílias, que
contam com problemas associados como rejeição em casa e fora de casa,
desemprego, drogadição ou alcoolismo. No entanto, a associação entre as aflições
da juventude e a pobreza não pode ser feita de forma direta, pois se corre o risco de
reproduzir preconceitos sociais, atribuindo, exclusivamente, às famílias mais pobres
a responsabilidade da problemática existencial de seus filhos. As condições
adversas em que vivem as famílias pobres fazem com que contem com menores
possibilidades de prover as oportunidades profissionais para seus filhos, como
também tenham problemas ao acessar apoio quando em dificuldades. Para os
jovens pobres, há uma quebra da fase de vivência da adolescência, pois passa-se
direto da infância para o mundo do trabalho (COSTA, 2012).
27

Assim, por falta de estrutura, de condições dignas de vida e de um modo


geral, por falta de compromisso em garantir e efetivar os direitos fundamentais de
todos, a fase da adolescência, que deveria ser tratada com excelência pelo Estado,
não é a mesma para todos, bem como tem se tornado um martírio para muitos que
nesta fase se encontram.
Tal realidade é injusta, pois todos, ainda que em realidades diferentes,
passam pelas mesmas transformações físicas, psicológicas, psíquicas, biológicas e
etc. O Estado tem o dever de prover condições dignas para que a passagem pela
adolescência possa ser tida por todos, inclusive pelos próprios adolescentes, como
algo transcendental, mágico e único, de forma que os deixem com saudade dessa
fase, querendo o mesmo para seus futuros filhos e trabalhando para isso.

1.4 Compreendendo a sexualidade na adolescência

Muitos acreditam que a sexualidade é algo “dado” pela natureza, inerente ao


ser humano. Esta concepção usualmente se ancora no corpo e na suposição de
que todos vivemos nossos corpos, universalmente, da mesma forma. No entanto,
podemos entender que a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias,
representações, símbolos, convenções... Processos profundamente culturais e
plurais. Nesse sentido, não há nada de exclusivamente “natural”, a começar pela
própria concepção de corpo, ou mesmo de natureza (LOURO, 2001).

A sexualidade – o sexo, como se dizia – parecia não ter nenhuma dimensão


social; era um assunto pessoal e particular que, eventualmente, se
confidenciava a uma amiga próxima. “Viver” plenamente a sexualidade era,
em princípio, uma prerrogativa da vida adulta, a ser partilhada com um
parceiro do sexo oposto. Mas, até chegar esse momento, o que se fazia?
Experimentava-se, de algum modo, a sexualidade? Supunha-se uma
“preparação” para vivê-la mais tarde? Em que instâncias se “aprendia”
sobre sexo? O que se sabia? Que sentimentos se associavam a tudo isso?

As repostas para tais perguntas certamente dependem de vários fatores, tais


como geração, raça, nacionalidade, religião, classe, etnia. A análise de todos estes
fatores poderiam levar a uma resposta.
28

As muitas formas de fazer-se mulher ou homem, as várias possibilidades de


viver prazeres e desejos corporais são sempre sugeridas, anunciadas,
promovidas socialmente (e hoje possivelmente de formas mais explícitas do
que antes). Elas são também, renovadamente, reguladas, condenadas ou
negadas. Na verdade, desde os anos sessenta, o debate sobre as
identidades e as práticas sexuais e de gênero vem se tornando cada vez
mais acalorado, especialmente provocado pelo movimento feminista, pelos
movimentos de gays e de lésbicas e sustentado, também, por todos
aqueles e aquelas que se sentem ameaçados por essas manifestações.
Novas identidades sociais tornaram-se visíveis, provocando, em seu
processo de afirmação e diferenciação, novas divisões sociais e o
nascimento do que passou a ser conhecido como “política de identidades”
(STUART HAL, 1997).

As transformações sociais e culturais que já nos anos 60 criavam novas


formas de relacionamento se intensificaram ainda mais nas décadas seguintes. O
que, à época era considerável imutável, atualmente passa por mudanças
propiciadas pela tecnologia reprodutiva, por exemplo. As novas tecnologias
reprodutivas, as possibilidades de transgredir categorias e fronteiras sexuais [...];
subvertem as formas de gerar, de nascer, de crescer, de amar ou de morrer
(LOURO, 2001).
Louro (2001) afirma que “a sexualidade não é apenas uma questão pessoal,
mas é social e política”. É algo também a ser aprendido ao longo da vida, pois está
também relacionada às transformações corporais.
A sexualidade é uma invenção social, uma vez que se constitui,
historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre sexo: discursos que regulam,
que normatizam, que instauram saberes, que produzem “verdades”. É então, no
âmbito a cultura e da história que se definem as identidades sociais (todas elas e
não apenas as identidades sexuais e de gênero, mas também as identidades de
raça, de nacionalidade, de classe etc.). Essas múltiplas e distintas identidades
constituem os sujeitos, na medida em que esses são interpelados a partir de
diferentes situações, instituições ou agrupamentos sociais. Reconhecer-se numa
identidade supõe, pois, responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer
um sentido de pertencimento a um grupo social de referência. Nada há de simples
ou de estável nisso tudo, pois essas múltiplas identidades podem cobrar, ao mesmo
tempo, lealdades distintas, divergentes ou até contraditórias, atraentes,
descartáveis. Assim, as identidades sexuais e de gênero (como todas as
identidades sociais) têm o caráter fragmentado, instável, histórico e plural, afirmado
pelos teóricos e teóricas culturais (LOURO, 2001).
29

O século XIX é marcado por um puritanismo exacerbado e discutir sobre sexo


se torna “indecente” e com isso, a sexualidade passa a ter um espaço delimitado. O
início do século XX, principalmente a partir da contribuição teórica de Sigmund
Freud, rompe paradigmas relacionados ao tema sexualidade, pois os
comportamentos ligados à sexualidade passam a ser considerados fundamentos da
expressão humana. A sexualidade infantil, por outro lado, passa a ser objeto de
estudos, pois a criança deixa de ser um ser assexuado, tal como era compreendido
nos séculos anteriores. Ou seja, o ser humano é, de acordo com Freud, percebido,
desde o seu nascimento, a partir de sua sexualidade (CABRAL, 1995).
A igreja católica mantinha uma posição de controle absoluto, determinando a
causa e o efeito da sexualidade, transportando qualquer manifestação contrária a
esta posição como sendo arbitrária. Tendo como forma de controle, repressão e
porque não dizer de persuasão diante dos indivíduos: o pecado, o castigo, o
“inferno”, os quais se tornavam vigentes a partir da confissão, que era um dos meios
mais expressivos de controle. O sexo foi reduzido à linguagem, transformado em
discurso, para então ser controlado pelo confessionário através de suas regras e
códigos de conduta. A partir do século XVIII o sexo deixa o espaço do
confessionário e passa por uma transformação, ou seja, o discurso do sexo é
institucionalizado na economia, pedagogia, medicina e justiça. Neste momento, a
preocupação em torno do sexo deixa de ser em um discurso contido, regrado, e
passa para um discurso diversificado em suas formas, pronto para expandir em suas
formas (CABRAL, 1995).
A pesquisa científica no campo da sexualidade humana teve início na Europa,
em particular nos países anglo-saxões e germânicos, salientando-se os trabalhos de
Krafft-Ebing (1886), de Havelock Ellis (1896-1928), de Magnus Hirschfeld (que
realizou vários estudos a partir de 1930 e fundou o Instituto de Sexologia de Berlin) e
de Freud, que tiveram uma grande repercussão internacional e deram origem a
inúmeros estudos e escolas em quase todos os países, sobretudo nos Estados
Unidos (WEREBE, 1998).
O tema ganhou, no final do século XIX, sua própria disciplina, a sexologia,
tendo como base a psicologia, a biologia e a antropologia, bem como a história e a
sociologia. Isso teve enorme influência no estabelecimento dos termos do debate
sobre o comportamento sexual. A sexualidade é, entretanto, além de uma
preocupação individual, uma questão claramente crítica e política, merecendo,
30

portanto, uma investigação e uma análise histórica e sociológica cuidadosas


(LOURO, 2001).
A partir do século XX, movimentos não lineares ocorrem em diversos
momentos, ocasionando significativas rupturas com o conservadorismo de séculos
anteriores. A década de 1920 conheceu ondas de grande liberalização
comportamental, como consequência dos traumas ocasionados pela 1ª Guerra
Mundial. Valores foram significativamente alterados. Por outro lado, no ocidente,
esse fenômeno não foi uniforme. Os comportamentos sociais na década de 1950,
por exemplo, não foram exatamente exemplos de ações liberais relacionadas aos
costumes, hábitos e, como não poderia deixar de ser, às liberdades sexuais. As
grandes mudanças ocorreram na década de 1960, com a diversidade dos
movimentos jovens reivindicando liberdades e atitudes até então não existentes.
Paradigmas foram superados diante da sexualidade e obteve-se a desmistificação
do sexo como “pecado”. A partir dessas transformações na era moderna, o ato
sexual deixa de ser algo “mecânico” para adquirir uma dimensão mais ampla, pois o
relacionamento sexual passa a contemplar outras emoções como carinho, afeto, ou
seja, um envolvimento maior entre duas pessoas (NUNES e SILVA, 2001).
O adolescente vive um constante desenvolvimento, permeado por situações
diversas. É nessa fase que, de acordo com Desser (1993), surgem as oportunidades
de colocar em prática o “ficar”, que pode parecer estranho, mas para o adolescente
o “ficar” quer dizer “não ficar”, não criar vínculos para um amanhã, não ter
compromisso definitivo com o outro. Para tanto, é através desta “prática” que os
adolescentes experimentam a troca de sensações voltadas para a sexualidade.
O ato sexual, popularmente estabelecido pela sociedade como sexo, não é
visto pelos adolescentes com preconceito: “o sexo não é conduzido às escondidas
na civilização moderna. Ao contrário, vem sendo continuamente discutido e
investigado (GIDDENS, 1993).
Além disso, e, principalmente, a formação familiar e sua estrutura são
fundamentais para a vida adulta. É no ambiente familiar que as crianças e
adolescentes buscam um referencial. A família é o primeiro núcleo transmissor de
valores individuais, valores de grupo, cultura, educação, enfim, é o primeiro grupo ao
qual o ser humano pertence e no qual começa a desenvolver sua personalidade
(MATARAZZO, 1993).
Para o autor acima, educação sexual significa muito mais do que a instrução
31

a respeito dos fenômenos da reprodução vistos como princípios biológicos ou


fisiológicos. Significa na verdade, um processo progressivo de orientação e de
exemplo, assim como de informação. Torna-se necessário conceber a educação em
relação ao sexo, como parte do processo de desenvolvimento da personalidade, que
se estende desde a infância até a maturidade ou até mesmo à terceira idade. A
educação sexual é assim, um processo social e de socialização. Tanto em seu
desenvolvimento como em seus resultados, ultrapassa os limites da pessoa física.
Devido aos efeitos na vida futura de cada indivíduo, a educação sexual é da mais
ampla importância social, pois os jovens de hoje constituirão as famílias de amanhã.
Nunes e Silva (2001) afirmam que é através da figura dos pais que a família
assume uma posição de controle sobre os filhos, que varia do comportamento às
“possibilidades de decisão” (aonde ir, amizades, horário de saída e chegada). Esses
são aspectos conflitantes entre pais e filhos, pois é na adolescência que os filhos
despertam para o conflito de estar entre os amigos e o ambiente familiar.
Importante ressaltar que a constituição de uma família, atualmente, não se
restringe aos laços consanguíneos. Nesse sentido, Werebe (1998) afirma:

[...] não existe apenas um modelo de família e muito menos uma “família
modelo”. Há variações segundo as culturas, e dentro de uma mesma
sociedade coexistem diferentes tipos de família: famílias ampliadas (como
na África, incluindo não apenas os pais, os filhos, mas outros parentes),
famílias numerosas, família nuclear restrita, uniões livres (concubinato),
famílias reconstituídas após separações, divórcios ou viuvez
(compreendendo, às vezes, filhos de cada um dos cônjuges e/ou dos dois),
famílias poligâmicas, famílias monoparentais (constituídas, em geral, por
mães viúvas, mães abandonadas, mães solteiras, mães com vários filhos
de pais diferentes, por apenas um dos cônjuges, no caso de casais
separados ou divorciados), famílias com filhos adotivos, etc.

De qualquer forma, segundo MORAIS (1986), “a família tem o mais


importante papel na educação e no ensino em razão de que ela atua em
profundidade, na chamada anteintelectual do indivíduo que vem chegando para a
vida em sociedade”. Abrangendo todos os aspectos da educação, inclusive a
educação sexual.
Para que se possa compreender a sexualidade adolescente, são
indispensáveis algumas referências à sexualidade infantil, tendo-se em conta o fato
de que o processo de desenvolvimento humano é contínuo e que há incidências das
experiências do passado sobre o desenvolvimento ulterior da personalidade
(WEREBE, 1998).
32

As condutas sexuais têm sua origem e se desenvolvem bem antes da


puberdade, desde os primeiros anos de vida da criança (WIDLOCHER, 1970). Uma
das grandes contribuições de Freud para a psicologia foi justamente a de colocar em
evidência o lugar e a significação da sexualidade infantil. Antes de Freud essa
sexualidade era negada ou mal conhecida. As suas teorias neste domínio
escandalizaram e chocaram, no tempo em que foram apresentadas, pois elas
vieram contrariar a ideia da “pureza” e da inocência da criança (segundo a qual o
sexo seria algo impuro e culposo). Aliás, ele previu, com razão, que sua teoria sobre
a sexualidade infantil encontraria resistências e oposições maiores e mais duráveis
do que as enfrentadas por sua teoria sobre o inconsciente (WEREBE, 1998).
Desde o nascimento, as relações entre a criança e os pais, em particular com
a mãe, são decisivas para o seu desenvolvimento.
No primeiro ano de vida, a boca e os lábios constituem a zona privilegiada de
prazer. Freud designou esta fase como oral. Depois da fase oral, as zonas de
excitação, que provocam prazer sexual, segundo Freud, são primeiro a zona anal e
mais tarde os órgãos genitais (fase genital). Nesta fase, a criança passa a se
interessar pela exploração de seu próprio corpo e do corpo dos outros. Ela descobre
o prazer que seus órgãos genitais lhe proporcionam quando tocados (os meninos
brincam com o pênis e as meninas com seu clitóris). Estas regiões anatômicas
possuem uma sensibilidade de natureza erótica, associada ao prazer. Por esta
razão, as crianças são vulneráveis às seduções do adulto. O trauma psicológico nos
abusos sexuais, nos casos de incesto ou de pedofilia, é provocado muitas vezes
pelos sentimentos ambivalentes da criança: sensação de um prazer culpabilizante,
de vergonha e medo (WEREBE, 1998).
Este mesmo autor afirma que as primeiras manifestações sensuais (ou
sexuais) são auto-eróticas, isto é, elas não se dirigem a um objeto externo, mas sim
ao próprio corpo. Entre o segundo e o quinto ano de vida, observa-se uma
intensificação do jogo genital, cuja participação emocional varia de acordo com a
atitude do meio, em particular dos pais. Nas culturas permissivas, conforme
demonstram os estudos antropológicos, as crianças não sofrem repressão neste
terreno. Mas quando esta repressão existe, sobretudo na família, procura-se eliminar
na criança uma conduta considerada indesejável.
Desde os dois anos e meio, a criança se interessa pela diferença entre os
sexos, observando o modo de micção das crianças dos dois sexos. A intervenção
33

do adulto nas investigações da criança pode contribuir para criar ou reforçar o


sentimento de vergonha, associado ao próprio corpo, em particular aos órgãos
genitais. A aprendizagem da diferença entre os sexos e dos papéis sexuais depende
de fatores socioculturais. Em geral, por volta dos três anos, a criança sabe a qual
sexo pertence, mas desde muito cedo já é sujeita às normas de atitude e de conduta
compatíveis com os padrões de masculinidade e de feminilidade (WEREBE, 1998).
Por volta dos três anos, a criança estabelece uma relação objetal em que a
mãe (para o menino) e o pai (para a menina) representam o objeto de seu amor.
Esta relação constitui a base do que Freud chamou “complexo de Édipo”. Com o
complexo de Édipo culmina e termina a fase infantil da vida sexual. A maneira como
ele é vivido e resolvido representa, segundo a psicanálise, um papel decisivo para a
evolução da personalidade (WIDLOCHER, 1970).
Segundo o modelo freudiano de desenvolvimento psicossexual, depois dos
cinco anos a sexualidade infantil entraria numa fase de latência: as atividades
autoeróticas diminuem ou desaparecem, mas os interesses sexuais permanecem
vivos.
Ford e Beach (1951) constataram nos seus estudos que a criança não-
reprimida aprende a responder sexualmente bem antes da puberdade.
Desde o nascimento, a criança recebe as influências afetivas do meio que a
cerca e estas influências são decisivas sobre sua evolução mental, emocional,
afetiva, sexual.
Segundo Wallon (1959), o grupo é indispensável à criança não somente para
sua aprendizagem social, mas também para o desenvolvimento de sua
personalidade e pela consciência que nele pode adquirir:

[...] a existência de um grupo não repousa somente sobre relações afetivas


dos indivíduos entre si, embora o objetivo de um grupo seja de mantê-las,
pois sua constituição impõe a seus membros obrigações definidas. O grupo
é o veículo ou iniciador de práticas sociais. Ele ultrapassa as relações
puramente subjetivas de pessoa a pessoa (WALLON, 1959).

Com a idade, os grupos vão se diferenciando e assumindo uma importância


cada vez maior. Eles desempenham papel significativo na adolescência, exercendo
uma influência geralmente muito grande sobre o comportamento, as opiniões e as
atitudes dos jovens, sob vários aspectos, particularmente no que concerne à
sexualidade, sendo que os pares constituem uma das principais fontes de
34

informação sobre os comportamentos sexuais (WEREBE, 1998).


Os adolescentes são sensíveis à pressão normativa que sofrem por parte dos
companheiros e amigos, sendo levados, muitas vezes, a imitá-los.
Embora se possa reconhecer que os grupos são uma necessidade na vida
dos adolescentes, há que se cuidar em quais grupos eles acabam se inserindo. Os
grupos variam entre si no que se refere às suas atividades, seus objetivos, suas
culturas, suas classes sociais, suas composições. Assim, necessário se faz
acompanhar em quais grupos os adolescentes estão procurando dirimir suas
dúvidas, bem como sanar sua necessidade de pertencimento, pois ao mesmo tempo
em que há grupos extremamente positivos para o desenvolvimento da adolescência,
há também aqueles que buscam corromper os atores desta fase, algo que
infelizmente tem acontecido em grande escala.

1.5 Políticas públicas para adolescentes

A criação das políticas públicas e a sua aplicabilidade no seio da sociedade


tem como premissa básica buscar a solução para um determinado problema,
problema este, com já exposto anteriormente, que deve “ser percebido” por vários
atores, ou seja, o problema tem que realmente ser grave e também estar atingindo
diversas pessoas, o que, por sua vez, mobilizará uma parte desta sociedade, bem
como o Estado, na criação de ações que possam extirpar ou, ao menos, diminuir
seus efeitos naquela comunidade.
Há que se observar também as prioridades de atendimento dos grupos ditos
“vulneráveis”, quando da criação e aplicação de uma política pública.
A Constituição Federal é clara nesse sentido, no seu art. 227:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º. O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da
criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades
não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos
seguintes preceitos:
35

I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na


assistência materno-infantil;
II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para
as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como
de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência,
mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do
acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos
arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

Assim, os adolescentes, bem como as crianças, gozam de absoluta prioridade


constitucional no atendimento às suas demandas.
Ainda nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – dispõe
no seu art. 4º:

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Parágrafo Único. A garantia da prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos e ou de relevância
pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com
a proteção à infância e à juventude.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de


1990) adotou a Teoria da Proteção Integral, que é baseada no reconhecimento de
direitos especiais e específicos de toda criança e adolescente (art. 3º). Além dos
direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, a criança e o adolescente
gozam do direito subjetivo de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, preservando-se sua liberdade e dignidade (ANDREUCCI, 2008).
O ECA foi concebido como um diploma jurídico regulador de toda a matéria
relacionada à infância e à juventude, e está conforme a “Convenção sobre os
Direitos da Criança”, de 20 de novembro de 1989.
Tal direito da criança e do adolescente situa-se na esfera do direito público,
em razão do interesse do Estado na proteção e reeducação dos futuros cidadãos
que sem encontram em situação irregular (ANDREUCCI, 2008).
O autor supracitado explica que “políticas sociais públicas” “são mecanismos
executados pelo Poder Público com a intenção de aniquilar ou reduzir drasticamente
o espectro da fome, da pobreza e da injustiça social” (ANDREUCCI, 2008).
Estas políticas são de incumbência do Poder Executivo, o qual deve
36

preservar parte do seu orçamento para a consecução desses objetivos. A omissão


deste pode ser sanada por meio de ação civil pública, a qual o Ministério Público
detém a legitimidade para propor (ANDREUCCI, 2008).
No que se refere à prevenção, Andreucci dispõe:

A prevenção à criança e ao adolescente pode ser geral ou especial. No que


concerne à prevenção geral, “é dever de todos prevenir a ocorrência de
ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente” (art. 70).
Nesse sentido, “a criança e o adolescente têm direito a informação cultura,
lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem
sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (art. 71). No que se
refere à prevenção especial, a cargo do Poder Público, temos a
regulamentação da informação, cultura, lazer, esportes, diversões e
espetáculos (art. 74).

O art. 86 do ECA dispõe que “a política de atendimento dos direitos da


criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações
governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos municípios”.
A responsabilidade pelas políticas públicas afetas à criança e ao adolescente
é das três esferas governamentais, bem como pela participação das entidades não
governamentais.
Esta ação política inclui a contratação de assistentes sociais, psicólogos,
médicos, profissionais de identificação e de assistência jurídica. A omissão das
autoridades públicas implica em responsabilidade e a obrigação de fazer pode ser
concretizada por meio de ação civil pública ou popular (ISHIDA, 2003).
Não obstante a situação normativa, clara e precisa tanto na Constituição
Federal de 1988 quanto no ECA, a realidade da adolescência brasileira tem muito a
avançar. Nesse sentido, (FLORES, 2000) afirma que as normas são instrumentais,
na medida em que prescrevem comportamentos e impõem deveres e compromissos
individuais e grupais, sempre interpretados a partir dos valores vigentes. O autor
entende que os valores são preferências sociais que se generalizam em
determinado entorno das relações, influindo no modo de acesso aos bens
necessários para viver dignamente. A realidade empírica, portanto, não pode ser
confundida com a normativa, pois o fato de se afirmar que os direitos estão
positivados não os faz existir na materialidade do contexto social.
Costa (2012) afirma que o início do século XXI tem-se caracterizado por
distribuição desigual de bens econômicos, sociais e culturais, discriminação,
37

desrespeito às diferenças, incerteza e violação de direitos. Essas manifestações não


são anomalias ou “inevitáveis”, mas integram um processo econômico em curso,
embora justificados pelos seus defensores, muitas vezes, como se fossem “desvios”,
ou consequências necessárias, tendo em vista o modelo de desenvolvimento
regulado pelo mercado. A sociedade brasileira, embora tenha características
próprias, está integrada à tendência de fragmentação mundial. O modelo econômico
e social, implantado no país, produziu seres humanos avassalados, tanto pessoal
como socialmente, com difícil perspectiva de transposição social. Assim, as políticas
sociais adotadas pelos diferentes governos, ao longo do século XX, têm em comum
o fracionamento, que reflete a tendência de enfrentar os problemas sociais como
fatos isolados. Tais políticas, em consequência, trouxeram poucos resultados na
melhoria da condição de vida da população.
Desse modo, a vulnerabilidade social contemporânea, relacionada à violação
dos Direitos Humanos e Fundamentais de significativa parcela da população, tem
origens econômicas, mas se caracteriza, também, por falta de pertencimento social,
falta de perspectivas, dificuldade de acesso à informação e perda de auto-estima.
Essa situação de fragilidade repercute na saúde das pessoas, em especial na
saúde mental, relaciona-se com o mundo do tráfico e uso abusivo de drogas,
estabelece padrões e perspectivas de emancipação social muito restritas. A
hierarquia, assim estabelecida, tem, portanto, relação direta com o modelo de
sociedade em curso e com a crença coletiva no projeto que justifica tal contexto. Os
sujeitos sociais, em decorrência, são valorados conforme a capacidade individual de
aderir e de se adaptar ao padrão de homogeneidade instituído histórica e
culturalmente. Sendo assim, a produção e reprodução de classes marginalizadas
estão relacionadas às precondições morais, culturais e políticas. A miséria não é
apenas econômica, mas emocional, existencial e política, produzindo sentimentos
individuais e coletivo de falta de pertencimento social, de inferioridade e de
responsabilidade individual pela própria condição.
É certo que a igualdade, preconizada pelo texto Constitucional, consiste em
tratar, igualmente, os iguais e, desigualmente, os desiguais, na medida em que se
desigualam. Se houvesse a possibilidade jurídica de tratar, igualmente, os desiguais
ou, desigualmente, os iguais, isso importaria em injustiça e em violação do princípio
da igualdade. A diferença de condição dos sujeitos de direito – no caso, criança e
adolescente – de certa forma, “compensa” a desigualdade; e é por isso que a
38

Constituição propõe esse ajustamento proporcional de situações desiguais, visando


à igualdade, que é baseada na relação entre o critério de diferenciação e a
finalidade pretendida pela Constituição: a isonomia. Portanto, o tratamento jurídico
diferenciado proposto pela Constituição, determinado que sejam atendidos, com
absoluta prioridade, os direitos da criança e do adolescente, não fere o princípio da
igualdade perante a lei, porque propõe uma nova condição especial (condição
peculiar de desenvolvimento) daqueles sujeitos de direitos (LIBERATI, 2003).
Ainda nesse sentido:

Quando a Constituição Federal determina o tratamento prioritário à criança


e ao adolescente, quer assegurar que sua vontade seja respeitada. Aquilo
que é identificado como vontade da Constituição deve ser honestamente
preservado, mesmo que, para isso, se tenha de renunciar a alguns
benefícios ou, até, a algumas vantagens justas. A preservação de um
princípio constitucional fortalece o respeito à Constituição e assegura um
bem jurídico indispensável à essência do Estado democrático. Ao contrário,
a sucumbência do princípio constitucional põe em risco todo a arcabouço de
conquistas até então asseguradas, com o risco de não mais serem
recuperadas (LIBERATI, 2003).

Marchesan (1998) sabiamente, afirma que “oprimir a eficácia do princípio da


prioridade absoluta é condenar seus destinatários à marginalidade, à opressão, ao
descaso [...]”.
Há que se ressaltar, no entanto, que a pretendida prioridade de atendimento à
criança e ao adolescente não é obrigação exclusiva do Estado, haja vista que “o
texto constitucional convoca a família e a sociedade, para que, em suas respectivas
atribuições, imprimam preferencial cuidado em relação às crianças e adolescentes”
(LIBERATI, 2003).
Desse modo, todos deveriam se mobilizar para que políticas públicas
destinadas aos adolescentes fossem criadas.
No que se refere à sexualidade na adolescência, após analisar todo o exposto
anteriormente, políticas públicas na área da educação sexual são as mais prováveis
de surtirem efeitos positivos, haja vista a ideia de se trabalhar de modo preventivo,
ou seja, trazer às crianças e principalmente aos adolescentes, informações
necessárias ao seu desenvolvimento relacionado à sua sexualidade. Muitos
procuram tais informações em grupos nos quais estão inseridos, ou ainda, na
família, quando esta lhes dá tal liberdade. Porém, há que se dizer que nem todos os
grupos, bem como as famílias, possuem preparação suficiente para dirimir dúvidas
39

que versem sobre a sexualidade.


Assim, políticas públicas que propõem a criação de programas e/ou projetos,
a serem aplicados, principalmente nas escolas, podem ser a solução para muitos
problemas vividos pelos adolescentes e suas famílias, problemas estes que não
existiram se houvesse prevenção educativa.
A exemplo de um programa nesse sentido, pode-se citar o “projeto Menarca”,
o qual foi desenvolvido a fim de dirimir dúvidas sobre sexualidade para os
adolescentes na cidade de Ponta Grossa – PR. Tal projeto conta com o apoio da
Cooperativa Médica UNIMED – Ponta Grossa, a qual disponibiliza um médico
ginecologista que passa as informações às adolescentes voluntárias, que por sua
vez, repassam aos demais adolescentes, em forma de debate, de maneira
descontraída.
A insuficiência diante do conhecimento dos adolescentes frente a sua
sexualidade, o aumento de casos registrados, reconhecidos pelo vírus HIV, o
acréscimo na taxa de natalidade entre adolescentes e a inadequação dos programas
educacionais para adolescentes e jovens, são condições que despertam
preocupação, devendo serem levadas em consideração (ALENCAR, 2008).
As ações voltadas para a saúde, pautadas na prevenção, praticadas de forma
coesa e atingindo cada comunidade conforme a sua realidade, bem como
desenvolvendo o pensamento crítico, são medidas apropriadas capazes de reprimir
as situações expostas no parágrafo anterior.
40

2 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE/ECA – CRIME E CRIMES


SEXUAIS

2.1 ECA e o princípio da dignidade da pessoa humana – breves análises

Desde meados do século passado até os dias de hoje tem-se observado nos
ordenamentos jurídicos uma tendência a acolher o ser humano como centro e o fim
do direito. Esta inclinação encontra-se reforçada pela adoção do princípio da
dignidade da pessoa humana, em nível constitucional, como valor do Estado
Democrático de Direito, tal qual ocorreu na Constituição brasileira de 1988
(MARTINS, 2003).
Curiosamente, foi a constituição da Alemanha, de 24 de maio de 1949, que
primeiro acolheu a dignidade da pessoa humana, estabelecendo expressamente em
seu art. 1º, nº 1, que: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é
obrigação de todos os Poderes estatais”.
No Brasil, este princípio foi inserido expressamente no art. 1º, inciso III, da
Constituição Federal.
No entanto, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional,
mas um dado preexistente a toda experiência especulativa que, em face de sua
relevância e conteúdo filosófico, foi constitucionalizado como fundamento da
República Federativa do Brasil. Na verdade, a Constituição brasileira transformou a
dignidade da pessoa humana em valor supremo do Estado brasileiro e, em especial,
do sistema jurídico-constitucional.
Bobbio (2004) afirma que os direitos do homem, democracia e paz são três
momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem
reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as
condições mínimas para a solução pacífica de conflitos. O autor diz ainda que “o
problema fundamental dos direitos do homem não é tanto o de justificá-los, mas o de
protegê-los”. Em outras palavras, uma coisa é falar deles e justificá-los, e outra é
garantir-lhes efetiva proteção. O mesmo raciocínio se aplica em relação à dignidade
da pessoa humana (MARTINS, 2003).
O princípio da dignidade da pessoa humana constitui a base, o alicerce, o
41

fundamento da República e do Estado Democrático de Direito por ela instituído.


Assim, a Constituição brasileira transformou a dignidade da pessoa humana em
valor supremo da ordem jurídica-política por ela instituída. Em outros termos, dizer
que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo, um valor fundante da
República, implica admiti-la não somente como um princípio da ordem jurídica, mas
também da ordem política, social e econômica (MARTINS, 2003).
Nesse sentido, há uma inversão na prioridade política, social, econômica e
jurídica, até então existente no Estado brasileiro. A partir desse momento, passa-se
a ter consciência constitucional de que a prioridade do Estado deve ser o homem,
em todas as suas dimensões. Não o ser humano abstrato do Direito, mas sim o ser
humano concreto, da vida real. Significa admitir que o Estado brasileiro se constrói
a partir da pessoa humana, e para servi-la (MARTINS, 2003).

Basta um breve olha sobre o nosso extenso catálogo de direitos


fundamentais para que tenhamos dúvidas fundadas a respeito da alegação
de que todas as posições jurídicas ali reconhecidas possuem
necessariamente um conteúdo diretamente fundado no valor maior da
dignidade da pessoa humana (SARLET, 2007).

A Constituição brasileira de 1988 avançou significativamente rumo à


normatividade do princípio da dignidade da pessoa humana em valor supremo da
ordem jurídica, declarando-a, em seu art. 1º, inciso III, como um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil, a qual se constitui em Estado Democrático de Direito
(MARTINS, 2003); in ver bis:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Martins (2003) leciona que o constituinte não se preocupou apenas com a


positivação deste princípio oriundo do pensamento ocidental, buscou acima de tudo
estruturar a dignidade da pessoa humana de forma a lhe atribuir plena
normatividade, projetando-a por todo o sistema político, jurídico e social instituído.
42

Não por acaso atribuiu ao princípio a função de base, alicerce, fundamento da


República e do Estado Democrático de Direito em que ela se constitui: um princípio
fundamental.
Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei nº
8.069 de 13 de julho de 1990, dispõe ao tratar dos direitos da criança e do
adolescente, dispõe em seu art. 3º:

Art. 3º: A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais


inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Nota-se que o ECA tem por base o princípio da dignidade da pessoa humana,
ao dispor expressamente que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana.
O texto da lei 8.069/90 – o ECA – está de acordo com as estipulações da
Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembléia Geral da
Organização das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989, assinada pelo
governo brasileiro em 20 de janeiro de 1990, tendo se transformado em norma de
direito positivo interno, desde que, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 28/1990, do
Congresso Nacional.
Anterior ao ECA, o que consolidava as leis de proteção aos menores era o
Código de Menores do Brasil, o qual foi concluído e aprovado em 12 de outubro de
1927, através do Decreto nº 17.943-A, conhecido também como Código Mello
Mattos. O Código Mello Mattos estabeleceu duas classes de protegidos: o
abandonado e o delinquente, ambos menores de 18 anos.
Já nesta época “surge a compreensão de que a recuperação do menor não
passa pela repressão e punição, mas pela assistência e reeducação da
comportamento, devendo ser utilizada através de uma pedagogia corretiva”
(KAMINSKI, 2002).
Em outubro de 1979, através da Lei nº 6.697 foi instituído o novo Código de
Menores. Da mesma forma que o código substituído, o código de 1979 não foi uma
lei de proteção genérica, isto é, dirigida a todos os adolescentes e crianças
brasileiros. Somando uma categoria às antes existentes, o novo código foi dirigido
somente a três classes de menores: a) abandonados – material, intelectual e
43

jurídico; b) vítimas – de maus-tratos, em perigo moral, desassistidos e explorados; c)


infratores ou inadaptados (KAMINSKI, 2002).
Com o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu a necessidade de se
regulamentar, dentre outros, o art. 227, que versa sobre os direitos da criança e do
adolescente. Assim nasceu o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, através
da Lei nº 8.069/90.
O ECA, conforme já exposto anteriormente, foi baseado na Convenção sobre
os Direitos da Criança. Traz em seu bojo as aspirações da comunidade internacional
no que se refere a uma realidade detentora de instrumentos capazes de não apenas
promover, mas principalmente garantir os direitos da criança e do adolescente,
consagrando-se assim a Doutrina da Proteção Integral.
O ECA, ao contrário dos códigos anteriores, alcança a todas as crianças e a
todos os adolescentes, independente de estarem ou não em situação de risco,
serem ou não menores abandonados ou menores infratores.

A criança [...] passa a ser vista com absoluta prioridade, como sujeito
portador de direitos e pessoa em estágio privilegiado de formação e
desenvolvimento. Até a chegada do Estatuto, suas questões nunca haviam
sido consideradas ou tratadas como prioridade nacional, sobretudo com a
afirmação de garantias de primazia de proteção e socorro, de preferência de
atendimento, de preferência nas políticas sociais, e de destinação
privilegiada de recursos públicos (KAMINSKI, 2002).

Adotando a política da Proteção Integral, o ECA significou em especial, para o


Direito infanto-juvenil, uma revolução.

O marco diferencial que consagrou o Estatuto da Criança e do Adolescente


foi a mudança de paradigma: antes, considerava-se a criança como “objeto
de medidas judiciais e assistenciais”; agora, a criança e o adolescente são
considerados “sujeitos de direitos”, devem ser respeitados na sua condição
peculiar de pessoas em desenvolvimento e gozam de prioridade absoluta
no atendimento. [...] O Estatuto da Criança e do Adolescente ajudou a
inaugurar, entre nós, uma nova forma de exercício da cidadania: a
participação da comunidade em atos até então privados dos dirigentes
políticos. [...] com a intervenção dos tratados e convenções internacionais
sobre o direito da criança, principalmente aqueles capitaneados pela
Organização das Nações Unidas, que preconizava, há muito, a implantação
de um direito especial para crianças e adolescentes (LIBERATI, 2003).

Paula (2002) expõe que neste processo, as crianças e os adolescentes


passam a ser identificados como sujeitos de direitos e juridicamente protegidos,
sendo reconhecida a existência de relações subordinadas entre a família, a
44

sociedade e o Estado, de um lado e, crianças e adolescentes do outro, fundada no


disposto na Carta Constituinte de 1988, objetivando destacar a proteção através da
prescrição de suas respectivas órbitas de incidência, buscando a concretude de
suas formas.
Assim, segundo LIBERATI (2003), as crianças e os adolescentes são
considerados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
uma nova categoria de sujeitos de direitos, cuja característica reside na sua
condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.

2.2 Características do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

No que se refere à natureza jurídica, o Direito da Criança e do Adolescente se


encontra no ramo do Direito Público, quer quanto à relação jurídica, quer quanto ao
conteúdo do direito. Como relação jurídica, referente à subordinação, o Estado
apresenta-se como potentior persona. Quanto ao conteúdo do direito, é reconhecido
o valor superior do interesse da coletividade ou do Estado na proteção desse
interesse (FIRMO, 1999).
Firmo (1999) observa:

Considera-se fonte imediata do Direito da Criança e do Adolescente ,


também, o Direito Internacional Público, através da recepção, pelo Direito
Interno, das disposições estabelecidas em tratados e convenções. Nesse
sentido, merecem especial relevo os Congressos da Organização das
Nações Unidas – ONU, na parte relativa ao tratamento do menor e
prevenção da delinquência juvenil, bem como a Convenção sobre
Prestação de Alimentos no Estrangeiro (1956), promulgada pelo Brasil
através do Dec. nº 56.826/65; a Convenção sobre Consentimento, idade
mínima para casamento (1962), promulgada pelo Dec. nº 66.605/70;
Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1969), promulgada pelo
Dec. nº 678, de 06.11.92; Convenção de Restituição de Menores da OEA
(1989), promulgada através do Dec. nº 1.212, de 03.08.94; Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança – ONU (1989), promulgada pelo
Dec. nº 99.710, de 1990; Convenção Internacional sobre Tráfico
Internacional de Menores – México (1994), aprovada pelo Congresso
Nacional pelo Dec. Legislativo nº 105, de 31.10.96.

Quanto às disciplinas jurídicas, o Direito da Criança e do Adolescente


relaciona-se com o Direito Constitucional. Da Constituição fluem os direitos
fundamentais da criança e do adolescente, os princípios constitucionais do processo
45

do menor e outras normas atualizam o pátrio poder ou publicizam o Direito da


Família. O Direito do Menor relaciona-se também com o Direito Administrativo, uma
vez que os serviços de observação e reeducação são disciplinados por normas do
Direito Administrativo. O Direito da Criança e do Adolescente também está ligado às
Ciências Humanas, dentre as quais pode-se citar: a Criminologia Geral, a
Criminologia Clínica, a Psicologia, a Psicanálise, a Psiquiatria e a Sociologia. A
Criminologia Geral, por sua vez, considera a delinquência juvenil como fenômeno de
massa; a infração, sob o aspecto biopsicossociológico; e a personalidade do menor
sob os ângulos da genética, biotipologia, endocrinologia e psicologia. Já a
Criminologia Clínica tem por objetivo o estudo psicossocial da personalidade do
menor. A Psicologia e a Psicanálise estudam a inteligência, a vida afetiva e o caráter
do menor, as motivações, os mecanismos utilizados para a prática do crime e, ainda,
a formação da personalidade do menor dissocial e antissocial. A Psiquiatria
considera as hipóteses da patologia mental do menor e contribui na proposição de
métodos terapêuticos e medidas preventivas. Finalmente, a Sociologia estuda os
fatores sociais da delinquência, a socialização do menor, o bando juvenil, dando a
sua contribuição no tratamento tutelar, terapêutica de grupo e terapêutica de massa
(ALBERGARIA, 1995).
Segundo Firmo (1999):

O Direito da Criança e do Adolescente goza de autonomia legislativa,


didática, jurídica ou científica. Os princípios da nova disciplina não se
encontram nas disciplinas-fonte, porque não satisfazem às normas e
instituições do Direito Tutelar. Em torno desses princípios, que informam a
autonomia jurídica do novo Direito, é que se agrupam e se reúnem as
normas que procedem do Direito Penal, do Direito Judiciário, do Direito
Administrativo, do Direito Constitucional, do Direito Civil e do Direito do
Trabalho, etc., para formar o autônomo Direito da Criança e do Adolescente.
Da autonomia do Direito da Criança e do Adolescente, que provém das
peculiaridades de seus sujeitos, decorre a consequente autonomia didática
dessa nova disciplina jurídica.

Embora o Direito da Criança e do Adolescente esteja ligado à maioria das


disciplinas do ramo do Direito, os artigos 227 e 288 da CF, especificamente, é que
tratam da proteção especial das crianças e adolescentes. Além disso, o texto
constitucional chama a atenção para o tratamento prioritário que deve receber as
crianças e os adolescentes, como estratégia na efetivação de outra realidade social
para essa parcela da população. A CF reconhece direitos aos adolescentes. Tais
direitos correspondem aos valores estabelecidos a partir do modelo de Estado
46

Democrático Social. São Direitos Fundamentais, os quais podem ser observados em


vários momentos do texto constitucional, tal como nos capítulos que versam sobre
os direitos sociais, sobre a educação, a saúde, a assistência social, dentre outros
(COSTA, 2012).
Assim, regulamentando a doutrina da Proteção Integral, recepcionada pelo
art. 227 da Carta Magna, o ECA apresenta-se como diploma legal inovador, sendo
um verdadeiro instrumento da democracia participativa, que retirou crianças e
adolescentes da condição de mero objeto de medidas policiais e judiciais,
conferindo-lhes a posição de sujeitos de direitos fundamentais (MACIEL, 2013).
Maciel (2013) ressalta:

Entre os principais recursos introduzidos pelo ECA, capazes de transformar


a lei em realidade e operar a mudança social pretendida pelo legislador,
destacam-se os Conselhos Tutelares, os Conselhos de Direitos e seus
respectivos Fundos, bem como a nova feição conferida ao Ministério
Público, alçado a guardião dos direitos infanto-juvenis e expressamente
legitimado para a propositura de todas as medidas extrajudiciais e judiciais
cabíveis para a defesa de direitos difusos, coletivos, individuais
homogêneos e individuais heterogêneos protegidos pelo citado diploma, de
que crianças e adolescentes são titulares. Algumas normas introduzidas
pela Lei nº 8.069/90 eram tão inovadoras e avançadas em relação à época
em que foi promulgada que, até hoje, muitas delas ainda geram dúvidas e
causam perplexidade nos operadores do direito, enquanto outras são
fielmente copiadas por diferentes diplomas legais, como é o caso do
Estatuto do Idoso, bem como do Código de Processo Civil, que, em suas
muitas alterações, incluiu em seu texto vários dispositivos que já existiam no
ECA.

2.3 Princípios norteadores do direito da criança e do adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente é um sistema aberto de regras e


princípios. Enquanto as regras fornecem a segurança necessária para se delimitar a
conduta, os princípios expressam valores relevantes e fundamentam as regras
(AMIM, 2013).
A distinção entre normas e princípios é dada por Canotilho (1998):
Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma “optimização”,
compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos
“fácticos” e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma
47

exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida; a convivência


dos princípios é conflitual, a convivência de regras antinômica; os princípios
coexistem, as regras antinômicas excluem-se. Consequentemente, os princípios, ao
constituírem “exigência de optimização”, permitem o balanceamento de valores e
interesses (não obedecem, como as regras, à lógica do “tudo ou nada”), consoante
seu “peso” e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes.
Eis as principais diferenças entre princípios e regras na visão de Canotilho
(1998):

PRINCÍPIOS REGRAS
GRAU DE Elevado grau de abstração Abstração
ABSTRAÇÃO relativamente reduzida
GRAU DE Por serem vagos, carecem de São suscetíveis de
DETERMINABILIDADE mediação do juiz ou legislador aplicação direta.
que os concretizem. Prescrevem uma
Prescrevem comandos de exigência (impõem,
otimização. permitem ou proíbem).
PROXIMIDADE DA São standarts das ideias de Normas vinculativas
IDEIA DO DIREITO justiça e direito com conteúdo
meramente funcional.
NATUREZA Os princípios têm natureza
normogenética, pois são os
fundamentos das regras.
APLICAÇÃO DE Coexistem princípios As regras colidentes
INTERPRETAÇÃO colidentes. Ponderação. excluem-se.
Subsunção.
Fonte: (CANOTILHO, 1998)

Segundo Amim (2013), no campo do direito infanto-juvenil, tanto os princípios


quanto as normas concretizam a doutrina da proteção integral, sendo considerada o
espelho da dignidade da pessoa humana para crianças e adolescentes.
A autora leciona que são três os princípios gerais e orientadores de todo o
ECA, quais sejam: 1) princípio da prioridade absoluta; 2) princípio do melhor
interesse; 3) princípio da municipalização.

1. Princípio da prioridade absoluta: é o princípio constitucional estabelecido


na CF, no art. 227 e com previsão no art. 4º e no art. 100, parágrafo único,
II, do ECA. Este princípio, segundo AMIM (2013) estabelece primazia em
favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesse.
48

Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o


interesse infanto-juvenil deve preponderar. Não comporta indagações ou
ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a
escolha foi realizada pela nação por meio do legislador constituinte. Assim,
se o administrador precisar decidir entre a construção de uma creche e de
um abrigo para idosos, pois ambos são necessários, obrigatoriamente terá
de optar pela primeira. Isso porque o princípio da prioridade para idosos é
infraconstitucional, estabelecido no art. 3º da Lei nº 10.741/2003, enquanto
a prioridade em favor de crianças é constitucionalmente assegurada,
integrante da doutrina da proteção integral. À primeira vista, pode parecer
injusto, mas aqui se tratou de ponderar interesses. Ainda que todos os
cidadãos sejam iguais, sem desmerecer adultos e idosos, quais são
aqueles cuja tutela de interesses mostra-se mais relevante para o
progresso da nossa sociedade, da nossa nação? Se pensarmos que o
Brasil é “o país do futuro” – frase de efeito ouvida desde a década de 1970
– e que este depende de nossas crianças e jovens, torna-se razoável e até
acertada a opção do legislador constituinte. Ressalte-se que a prioridade
tem um objetivo bem claro: realizar a proteção integra, assegurando
primazia que facilitará a concretização dos direitos fundamentais
enumerados no art. 227, caput, da Constituição da República e
renumerados no caput do art. 4º do ECA. Mais. Leva em conta a condição
de pessoa em desenvolvimento, pois a criança e o adolescente possuem
uma fragilidade peculiar de pessoa em formação, correndo mais riscos
que um adulto, por exemplo. A prioridade deve ser assegurada por todos:
família, comunidade, sociedade em geral e Poder Público[...];
2. Princípio do melhor interesse: [...] Trata-se de princípio orientador tanto
para o legislador como para o aplicador, determinando a primazia das
necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação
da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para elaboração de futuras regras.
Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias
fáticas e jurídicas, deve pairar o princípio do melhor interesse, como
garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças
e jovens. Ou seja, atenderá o princípio do melhor interesse toda e
qualquer decisão que primar pelo resguardo amplo dos direitos
49

fundamentais, sem subjetivismos do intérprete. Melhor interesse não é o


que o Julgador entende que é melhor para a criança, mas sim o que
objetivamente atende à sua dignidade como criança, aos seus direitos
fundamentais em maior grau possível [...] Indispensável que todos os
atores da área infanto-juvenil tenham claro para si que o destinatário final
de sua atuação é a criança e o adolescente. Para eles é que sem tem que
trabalhar. É o direito deles que goza de proteção constitucional em
primazia, ainda que colidente com o direito da própria família. Importante
frisar que não se está diante de um salvo-conduto para, com fundamento
no best interest, ignorar a lei. O julgador não está autorizado, por exemplo,
a afastar princípios como o do contraditório ou do devido processo legal,
justificando seu agir no melhor interesse [...] Princípio do melhor interesse
é, pois, o norte que orienta todos aqueles que se defrontam com as
exigências naturais da infância e juventude. Materializá-lo é dever de
todos.
3. Princípio da municipalização: a Constituição da República descentralizou e
ampliou a política assistencial. Disciplinou a atribuição concorrente dos
entes da federação, resguardando para a União competência para dispor
sobre as normas gerais e coordenação de programas assistenciais.
Seguindo os sistemas de gestão contemporâneos, fundados na
descentralização administrativa, o legislador constituinte reservou a
execução dos programas de política assistencial à esfera estadual e
municipal, bem como as entidades beneficentes e de assistência social. A
congestão da política assistencial acaba por envolver todos os agentes
que, por serem partícipes, se responsabilizam com maior afinco em sua
implementação e busca por resultados. Acrescente-se que é mais simples
fiscalizar a implementação e cumprimento das metas determinadas nos
programas se o Poder Público estiver próximo, até porque reúne melhores
condições de cuidar das adaptações necessárias à realidade local. Aqui
está o importante papel dos municípios na realização das políticas
públicas de abrangência social [...] A Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de
2012, que constituiu o Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo
(SINASE), conferiu aos Municípios o dever de formular, instituir, coordenar
e manter o Sistema Municipal de Atendimento Sócio-Educativo, criando e
50

mantendo programas de atendimento para execução das medidas em


meio aberto. A execução das medidas sócio-educativas, que era de
integral responsabilidade do Estado, foi delegada em parte ao Município,
aplicação clara ao princípio da municipalização. A municipalização, seja na
formulação de políticas locais, por meio do CMDCA, seja solucionando
seus conflitos mais simples e resguardando diretamente os direitos
fundamentais infanto-juvenis, por sua própria gente, escolhida para
integrar o Conselho Tutelar, seja por fim, pela rede de atendimento
formada pelo Poder Público, agências sociais e ONGS, busca alcançar
eficiência e eficácia na prática da doutrina da proteção integral. Risco
social ou familiar em que se encontram crianças e adolescentes são
mazelas produzidas pelo meio onde vivem. Cabe, portanto, ao meio
resolvê-las e, principalmente, evitá-las. Mutatis mutandi é o mesmo
princípio da responsabilidade civil: aquele que causa o dano deve repará-
lo. Contudo, mostra-se indispensável tornar a municipalização real,
exigindo que cada município instale seus conselhos – sendo essencial,
nesse aspecto, a atuação do Ministério Público - , fiscalizando a
elaboração da lei orçamentária, para que seja assegurada a prioridade nos
programas sociais e a destinação de recursos para programações
culturais, esportivas e de lazer, voltadas para a infância e juventude (art.
59), estabelecendo convênios e parcerias com o terceiro setor [...].

2.4 Dignidade da pessoa humana adolescente

A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a manifestação da


única prova através do qual um sistema de valores pode ser considerado
humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova é o consenso geral
acerca da sua validade. Os jusnaturalistas teriam falado de consensus omnium
gentium ou humani generis (BOBBIO, 2004).

Quando se diz que a Declaração Universal representou apenas o momento


inicial na fase final de um processo, o da conversão universal em direito
positivo dos direitos do homem, pensa-se habitualmente na dificuldade de
51

implementar medidas eficientes para a sua garantia numa comunidade


como a internacional, na qual ainda não ocorreu o processo de
monopolização da força que caracterizou o nascimento do Estado moderno.
Mas há também problemas de desenvolvimento, que dizem respeito ao
próprio conteúdo da Declaração. Com relação ao conteúdo, ou seja, à
quantidade e à qualidade dos direitos elencados, a Declaração não pode
apresentar nenhuma pretensão de ser definitiva. Também os direitos do
homem são históricos, que emergem gradualmente das lutas que o homem
trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de
vida que essas lutas produzem. A expressão “direitos do homem”, que é
certamente enfática – ainda que oportunamente enfática – pode provocar
equívocos, já que faz pensar na existência de direitos que pertencem a um
homem abstrato e, como tal, subtraídos ao fluxo da história, a um homem
essencial e eterno, de cuja contemplação derivaríamos o conhecimento
infalível dos seus direitos e deveres. Sabemos hoje que também os direitos
ditos humanos são o produto não da natureza, mas da civilização humana;
enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de
transformação e de ampliação. Como todos sabem, o desenvolvimento dos
direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento,
afirmaram-se os direitos da liberdade, isto é, todos aqueles direitos que
tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os
grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num
segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais –
concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não
impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como
consequência a participação cada vez mais ampla, generalizada e frequente
dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no
Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam
o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos
valores -, como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que
poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado [...] A
Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade
tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É
uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas
não foram gravadas de uma vez para sempre (BOBBIO, 2004).

Tal qual ocorreu com os direitos do homem, representados na Declaração


Universal dos Direitos do Homem, ocorreu com os direitos infanto-juvenis a partir do
momento em que a sociedade percebeu a necessidade de haver uma consolidação
de regras e/ou leis que contemplassem a todas as crianças e adolescentes, pois o
anterior Código de Menores não se mostrava suficiente.
Durante a etapa da vida da infância e, em sequência, com especial
importância, na adolescência, as pessoas constroem, em interação intersubjetiva,
suas identidades (COSTA, 2012).

A criança apercebe a dignidade na medida em que pela qual lhe são


dispensados os cuidados e o tratamento, na medida em que é respeitada
pelos seus pais ou responsáveis; mais tarde apreende igual dignidade para
com os outros na medida em que é ensinada a respeitar e a partilhar os
limites dos outros (MOLINARO, 2008).
52

Sarlet (2007) afirma que “a condição de construir a identidade sociocultural,


como possibilidade do desenvolvimento de sua personalidade, caracteriza-se como
uma das mais importantes expressões do princípio da Dignidade Humana”.
O desenvolvimento da personalidade é a faceta específica que caracteriza
não só a peculiar condição do sujeito em desenvolvimento, como a peculiaridade da
dignidade que se busca afirmar ao referir-se aos sujeitos adolescentes. A condição
de dignidade específica desse público está relacionada ao direito à personalidade,
na medida em que as crianças e adolescentes ainda não têm a personalidade
completamente formada (MACHADO, 2003).
A individualidade afirma-se, em um primeiro momento, no âmbito familiar,
através da relação intersubjetiva constituída no contexto das relações mais íntimas.
Em sequência, passa-se a afirmar-se na coletividade social, a partir de suas
qualificações enquanto pessoa. Assim, pode-se concluir que a valoração dos
sujeitos no âmbito familiar dá-se no contexto da valoração atribuída na coletividade
ou a partir do que é valorado socialmente. Da mesma forma, a valoração dos
sujeitos na coletividade tem relação com a condição dos mesmos na família
(COSTA, 2012).
A ausência de tal reconhecimento gera humilhação, opressão e violência. O
sujeito que não consegue ser reconhecido no plano social ou familiar, enquanto
pessoa especial, particular desde sua especificidade e características socioculturais,
sofre pela humilhação social, pela dificuldade de ver-se reconhecido na coletividade
(HONNETH, 2008).
Costa (2012) conclui que a falta de valoração social passa a ser componente,
assim, da construção da personalidade do sujeito, e a ausência de respeito à sua
dignidade é fator constituidor das relações sociais em que estiver inserido. O
respeito à dignidade de adolescentes é condição para a definição de patamares
adequados de convivência social.

2.5 A doutrina da proteção integral

Segundo Ferreira (1983), doutrina “é o conjunto de princípios que servem de


base a um sistema religioso, político, filosófico, científico, etc.”
53

Princípios, segundo Miguel Reale, são “enunciados lógicos admitidos como


condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do
saber”.
Assim, pode-se entender que a doutrina da proteção integral é formada por
um conjunto de enunciados lógicos, que exprimem um valor ético maior, organizada
por meio de normas interdependentes que reconhecem criança e adolescente como
sujeitos de direito. A doutrina da proteção integral encontra-se insculpida no art. 227
da CF de 1988, em uma perfeita integração com o princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana (AMIM, 2013).
Salienta-se ainda, que a expressão “Doutrina da Proteção Integral dos
Direitos da Infância” faz referência a um conjunto de instrumentos jurídicos de
caráter internacional, que representam um salto qualitativo e fundamental na
consideração social da infância. Tal doutrina surgiu no cenário jurídico, inspirada nos
movimentos internacionais de proteção à infância, materializados em tratados e
convenções, especialmente: a) Convenção sobre os Direitos da Criança; b) Regras
Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de
Beijing); c) Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens
Privados de Liberdade; e d) Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da
Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad) (LIBERATI, 2002).
No entanto, Liberati (2002) lembra que a semente inicial da “proteção
especial” direcionada à criança foi consagrada na Declaração de Genebra, de 26 de
março de 1924, que determinava a “necessidade de proporcionar à criança uma
proteção especial”. Este princípio foi acolhido pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948. Essa
Declaração chamava a atenção para que a criança tivesse “direitos a cuidados e
assistências especiais”.
O ECA, ao regulamentar o art. 227 da Constituição Federal, reproduziu o
conceito da proteção integral em seus arts. do 1º ao 6º.
Ao se comparar o ECA com o antigo Código de Menores, percebe-se que “a
doutrina anterior estava eivada de conteúdo manifestamente discriminatório, onde,
por exemplo, a “criança” era o filho “bem nascido”, e o “menor”, o infrator”
(SARAIVA, 1999).
Com o advento do ECA, tal discriminação, ao menos, formalmente, foi
abolida, pois quando se fala em proteção integral dos direitos, supõe-se que o
54

sistema legal garanta a satisfação de todas as necessidades de todas as crianças e


adolescentes de até 18 anos de idade, privilegiando, sobretudo, seu direito à vida, à
saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, ao lazer, ao esporte, à
profissionalização, à liberdade, enfim, todos os direitos da pessoa humana. Vale
salientar que a ideologia da proteção integral – fundamento do Estatuto da Criança e
do Adolescente – está assentada no princípio de que todas as crianças e todos os
adolescentes, sem distinção, desfrutam dos mesmos direitos e se sujeitam a
obrigações compatíveis com a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. A
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento sugere, primeiramente, que a
criança e o adolescente não conhecem, inteiramente, os seus direitos, não têm
condições de defendê-los e fazê-los valer de modo pleno, não sendo ainda capazes,
principalmente as crianças, de suprir, por si mesmas, as suas necessidades
(LIBERATI, 2002).
Ante todo o exposto, ainda se faz necessário lembrar que:

O novo Direito da Criança e do Adolescente, materializado na Lei nº


8.069/90, não é apenas uma carta de intenções, mas normas com direitos
objetivamente colocados, capazes de possibilitar a invocação subjetiva para
cumprimento coercitivo; por conseguinte, assegurar às crianças e
adolescentes medidas de proteção e ações de responsabilidade por ofensa
aos seus direitos (LIBERATI, 2002).

Pela primeira vez, crianças e adolescentes titularizam direitos fundamentais,


como qualquer ser humano. Inicia-se, a partir do ECA, um Direito da Criança e do
Adolescente “amplo, abrangente, universal e, principalmente, exigível”. A
responsabilidade em assegurar o respeito a esses direitos foi diluída solidariamente
entre família, sociedade e Estado, em uma perfeita congestão e co-
rresponsabilidade (AMIM, 2013).
Assim, as crianças e os adolescentes são sujeitos de todos os direitos que
têm também os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade, além, é claro, dos
direitos específicos oriundos da sua condição especial de pessoas em
desenvolvimento.
55

2.6 Crime/delito: breves considerações

José Frederico Marques, em “O Tratado de Direito Penal”, conceitua “crime”,


sob o ponto de vista material, como sendo a violação de um bem jurídico
penalmente protegido.
Acerca da teoria do delito, que é o mesmo que crime, Welzel afirma que:

A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são três elementos que


convertem uma ação em um delito. A culpabilidade – a responsabilidade
pessoal por um fato antijurídico – pressupõe a antijuridicidade do fato, do
mesmo modo que a antijuridicidade, por sua vez, tem de estar concretizada
em tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão
relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito
pressupõe o anterior.

Sobre a distinção entre crimes/delitos e as contravenções penais, Greco


(2013) leciona:

Não existe diferença substancial entre um crime (que significa o mesmo que
delito) e uma contravenção penal. O legislador, mediante critério político
criminal, ao proibir determinado comportamento sob ameaça de sanção de
natureza penal, é que fará a opção, de acordo com a gravidade do fato.
Como, na verdade, é a pena cominada em abstrato que dita essa
gravidade, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei nº
3.914, de 9 de dezembro de 1941) criou um critério de distinção entre o
crime e a contravenção penal, dizendo: Art. 1º Considera-se crime a
infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer
isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;
contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de
prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

No entendimento de GRECO (2013), não existe no Brasil, um conceito legal


de “crime”, o que acaba ficando a cargo da doutrina e assim, com diversas
interpretações.

Embora a Lei de Introdução ao Código Penal nos forneça um critério de


distinção entre crime e a contravenção penal, pela leitura do seu art. 1º não
conseguimos destacar os elementos ou características indispensáveis ao
conceito de infração penal. Esse, na verdade, é um conceito que veio
evoluindo ao longo dos anos, sendo que várias teorias surgiram com a
finalidade de explicá-lo (GRECO, 2013).

Há, porém, um conceito formal e material de crime, sendo estes os mais


difundidos:
56

Sob o aspecto formal, crime seria toda conduta que atentasse, que colidisse
frontalmente contra a lei penal editada pelo Estado. Considerando-se seu
aspecto material, conceituamos crime como aquela conduta que viola os
bens jurídicos mais importantes. Na verdade os conceitos formal e material
não traduzem com precisão o que seja crime (GRECO, 2013).

No que se refere à conduta:

[...] compreende qualquer comportamento humano comissivo (positivo) ou


omissivo (negativo), podendo ser ainda dolosa (quando o agente quer ou
assume o risco de produzir o resultado) ou culposa (quando o agente
infringe o seu dever de cuidado, atuando com negligência, imprudência ou
imperícia (GRECO, 2013).

Quando o comportamento humano (conduta) se ajusta ao modelo legal,


contido na lei penal (crime), em todos os seus elementos, ocorre o fato típico
(SILVA, 1999).

2.7 Ato infracional

O Estatuto da Criança e do Adolescente considera ato infracional a conduta


descrita como crime ou contravenção penal (art. 103 do ECA).
Ato infracional é, portanto, a ação violadora das normas que definem os
crimes ou as contravenções. É o comportamento típico, previamente na lei penal,
quando praticado por crianças ou adolescentes (MORAES, RAMOS, 2013).
A definição trazida pelo próprio Estatuto da Criança e do Adolescente tem
como fundamento o princípio da legalidade. É preciso, portanto, para a
caracterização do ato infracional, que este seja típico, antijurídico e culpável,
garantindo ao adolescente, por um lado, um sistema compatível com seu grau de
responsabilização e, por outro, a coerência com os requisitos normativos
provenientes da seara criminal. Em outras palavras, conforme alerta João Batista
Saraiva: “não pode o adolescente ser punido onde não seria punido o adulto”
(MORAES, RAMOS, 2013).

O garantismo penal impregna a normativa relativa ao adolescente infrator


como forma de proteção deste face à ação do Estado. A ação do Estado,
57

autorizando-se a sancionar o adolescente e infligir-lhe uma medida sócio-


educativa, fica condicionada à apuração, dentro do devido processo legal,
que este agir típico se faz antijurídico e reprovável – daí culpável (SARAIVA,
2002).

Há, desse modo, “a preocupação do legislador em estabelecer com precisão


a conduta que pode submeter o adolescente à devida aplicação de medidas, com o
objetivo de evitar arbitrariedade e insegurança social” (MORAES, RAMOS, 2013).
Quanto à inimputabilidade infanto-juvenil, o ECA estabelece que são
inimputáveis os menores de 18 anos, os quais estão sujeitos às medidas sócio-
educativas previstas naquela Lei, devendo ser considerada a idade do adolescente à
data do fato (art. 104 e parágrafo único do ECA). Os adolescentes a que se refere
este artigo são aqueles na faixa etária entre 12 anos completos e 18 anos
incompletos, estando excluídas as crianças (pessoas de até doze anos de idade
incompletos), devendo ser observada, para a aplicação de qualquer das medidas
previstas, a idade com a qual contava o adolescente na data da prática do ato
infracional, mesmo que a apuração do fato venha a ocorrer depois de atingida a
maioridade penal (MORAES, RAMOS, 2013).
Vale observar que:

O limite fixado para a maioridade, pelo novo Código Civil, fez surgir
polêmica acerca da revogação das normas do ECA que regem a
possibilidade de aplicação e cumprimento de medidas sócio-educativas até
os 21 anos de idade (arts. 5º do Código Civil e 121, § 5º, do ECA).
Entender, no entanto, que a nova lei civil teria revogado implicitamente os
dispositivos do ECA é interpretação que ensejaria a imunidade, frente ao
ordenamento jurídico, daqueles que cometessem atos infracionais às
vésperas de completar 18 anos de idade [...] Ademais, a norma do § 5º do
art. 121 da Lei n. 8.069/90 tem uma razão própria de existência,
completamente diversa daquela que estabelece a capacidade civil. A lei
infanto-juvenil apenas pretendeu fixar uma idade limite para que o jovem em
conflito com a lei ficasse submetido ao cumprimento de medida sócio-
educativa, em nada se relacionando com a autorização ou não para a
prática dos atos da vida civil.

Segundo Luiz Flávio Gomes:

Em nossa opinião todo o processo em andamento ou findo deve continuar


tramitando normalmente, até que o agente cumpra os 21 anos. Não se deu
a perda da atividade Estatal. O Estado pode e deve fazer cumprir as
medidas impostas aos ex-menores (jovens-adultos). Isso é será feito em
nome da prevenção especial (recuperação) e da prevenção geral
(confirmação da norma violada; intimidação dos potenciais infratores etc.).
O fato de o ex-menor ter alcançado a maioridade civil (18 anos) em nada
impede que o Estado continue exercendo seu direito de executar as
58

medidas aplicadas. Ao contrário, com maior razão, deve mesmo torná-las


efetivas.

Ressalte-se que neste sentido, o STJ vem decidindo reiteradamente:

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.


MEDIDA SOCIOEDUCATIVA APLICADA. SEMILIBERDADE. MENOR QUE
COMPLETA DEZOITO ANOS. PRETENSÃO DE EXTINÇÃO DA MEDIDA.
CONTRARIEDADE LEGAL. ART. 120, § 2º. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM
DENEGADA. 1. A teor do que dispõe o art. 104, parágrafo único, da Lei n.
8.069/90, considera-se a idade do menor à época da prática do ato
infracional. 2. Somente quando o reeducando completar 21 anos de idade
será obrigatoriamente liberado, nos termos do art. 121, § 5º, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que não foi alterado com a entrada em vigor da
Lei 10.406/02. 3. Ausência de ilegal constrangimento decorrente da
manutenção da medida sócio-educativa imposta a infrator que atingira os 18
anos de idade. 4. Ordem denegada (STJ, 6ª T., HC 38.019/RJ, Rel. Min.
Hélio Quaglia Barbosa, DJ 27-6-2005). HABEAS CORPUS. ATO
INFRACIONAL. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. EXTINÇAO. MAIORIDADE.
NOVO CÓDIGO. INAPLICABILIDADE. TEMPO DO FATO. ART. 104,
PARÁGRAFO ÚNICO E ART. 121, PARÁGRAFO 5º, DA LEI 8.069/90. É
induvidosa a distinção entre as órbitas civil e infracional juvenil, tirando-se
daí que qualquer discussão implicativa destoa da realidade legal. Sendo
assim, a nova disposição do Código Civil, quanto à maioridade, não
derrogou a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente que autoriza o
cumprimento de medida sócio-educativa além dos 18 anos de idade, ex vi
do art. 121, § 5º, restando inabalável a concepção de que o importante é o
fato ocorrer no transcurso da inimputabilidade. (Precedentes). Ordem
denegada (STJ, 5ª T., HC 39.201/RJ, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca,
DJ 1-2-2005).

Vale lembrar que os atos infracionais praticados pelo adolescente não podem
configurar maus antecedentes depois de atingida a maioridade.

2.8 Ato infracional praticado por criança

No que se refere à criança que comete infrações análogas às penais, o


Estatuto da Criança e do Adolescente as excluiu da aplicação da medida sócio-
educativa ao determinar no art. 105, que quando o ato infracional for praticado por
criança, esta estará sujeita às medidas de proteção elencadas no art. 101, as quais
podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente (art. 99 do ECA) (MORAES,
RAMOS, 2013).
Quando do cometimento de um ato infracional por uma criança, o órgão
responsável em aplicar as medidas de proteção é o Conselho Tutelar, e não o juízo
59

da infância e da juventude.
Contudo, o Conselho Tutelar não detém a competência funcional para
proceder nas investigações a fim de elucidar a autoria do ato infracional. Tal
atribuição cabe à polícia judiciária.
Nesse sentido:

Também não quis o legislador – a contrário sensu do disposto no art. 136,


da Lei n. 8069/90 – que a “investigação” acerca da prática do ato infracional
atribuído a uma criança ficasse sob a responsabilidade do Conselho Tutelar,
até porque não previu qualquer procedimento para tanto (o procedimento
previsto nos arts. 171 a 190, da Lei n. 8.069/90 é aplicável apenas a
adolescentes), nem incluiu tal atividade “investigatória” no rol de atribuições
deste órgão. [...] Assim sendo, fica mais do que evidenciado que, em
hipótese alguma, pode o Conselho Tutelar substituir o papel da polícia
judiciária na completa investigação de infrações penais, ainda que tenham
sido estas inicialmente atribuídas a crianças. Tal assertiva é válida mesmo
quando ocorrer a apreensão em flagrante de criança acusada da prática de
ato infracional, pois ainda assim não será possível descartar de antemão a
co-autoria ou participação de imputáveis (ou adolescentes) no evento, que
cabe à autoridade policial investigar (DIGIÁCOMO, 2005).

Cabe lembrar que nos locais que ainda não há instalações do Conselho
Tutelar, suas respectivas atribuições serão exercidas pela autoridade judiciária, de
acordo com o art. 262, do ECA.

2.9 Medidas de proteção e medidas específicas de proteção

Identificado e apurado o ato infracional praticado por criança ou adolescente,


correspondentes aos atos ilícitos previstos na lei penal – e, depois de asseguradas
todas as garantias do devido processo legal, a autoridade judiciária determinará o
cumprimento de uma das medidas, a saber, medida de proteção ou medida sócio-
educativa, dependendo do caso concreto.
Importante lembrar que tais medidas não serão aplicadas apenas nos casos
de cometimento de ato infracional por criança ou adolescente, pois, estando estes
sujeitos diante de qualquer situação que demonstre a violação de seus direitos, as
medidas específicas não só poderão, como deverão ser aplicadas.
As medidas de proteção podem ser definidas como providências que visam
salvaguardar qualquer criança ou adolescente cujos direitos tenham sido violados ou
60

estejam ameaçados de violação. São, portanto, instrumentos colocados à disposição


dos agentes responsáveis pela proteção das crianças e adolescentes, em especial,
dos conselheiros tutelares e da autoridade judiciária a fim de garantir, no caso
concreto, a efetividade dos direitos da população infanto-juvenil (TAVARES, 2013).
A saber, é o que dispõe o art. 98, do ECA:

As medidas de proteção à criança e ao adolescente serão aplicáveis


sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou
violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta,
omissão ou abuso dos pais ou responsável; e III – em razão de sua
conduta.

Tavares (2013) explica o sentido das medidas de proteção:

Decerto, seria de pouca valia a consagração, pelo ordenamento jurídico


pátrio, dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, sem o
estabelecimento de mecanismos capazes de salvaguardá-los, entre os
quais, certamente, estão incluídas as medidas de proteção. É importante,
contudo, notar que o legislador estatutário, referenciando-se na criança ou
no adolescente, não se preocupou em realizar qualquer tipo de
categorização ou discriminação indicativa do público-alvo de tais medidas.

Segundo Tavares (2013):

As possibilidades de atuação das autoridades competentes, desta forma,


perdem o caráter de meras “providências” a ser adotadas em relação aos
“menores em situação irregular”, para assumir feição efetivamente protetiva,
de modo a concretizar os direitos relacionados à infância e à adolescência,
em sua magnitude.

Ainda nesse sentido, é relevante observar que:

Quando o Estatuto cita que as ameaças ou violações de direitos podem


acontecer por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, traz uma
concepção diferente do Código de Menores, que só responsabilizava a
própria criança ou o adolescente e sua família. Neste sentido, o legislador
compreendeu que tanto a sociedade quanto o Estado têm violado os
direitos destes infanto-juvenis e que agora, devem ser responsabilizados
por isto. O Estado ameaça ou viola os direitos desta população quando não
prioriza as ações necessárias para esta área, ou, quando deixa de deliberar,
orçar e implementar políticas sociais públicas. Da mesma forma a
sociedade, quando se omite diante da violência, crueldade, opressão, dos
abusos de toda a forma; além de alimentar um processo de exclusão
crescente, desenvolvendo até ódio contra alguns grupamentos, fazendo
com que estes sejam vistos como monstros que precisam ser exterminados.
A criança e o adolescente não são mais vistos como ameaça à sociedade.
Por esta ótica, a sociedade torna-se ameaçadora quando não garante o
desenvolvimento pleno das potencialidades destes sujeitos (TEIXEIRA,
61

1998).

Importante lembrar que “inimputabilidade, no entanto, não implica em


impunidade, vez que o Estatuto estabelece medidas de responsabilização
compatíveis com a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento [...]”
(LIBERATI, 2002).
O Estatuto da Criança e do Adolescente, após a indicação das situações nas
quais a necessidade de aplicação das medidas de proteção é imperiosa, preocupou-
se em delinear normas especiais, indicando, inclusive, algumas medidas de
proteção específicas, a fim de nortear a atuação da autoridade competente no
momento da constatação de alguma das hipóteses de ameaça ou violação de
direitos (TAVARES, 2013).
Estas medidas estão elencadas, porém não taxativamente, no art. 101 do
ECA:

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a


autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes
medidas:
I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxilia à família, à
criança e ao adolescente;
V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII – acolhimento institucional;
VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX – colocação em família substituta.

Como já dito antes, estas medidas não são taxativas, “pelo que devem as
autoridades competentes estar sempre atentas para outras possibilidades de
atuação para além daquelas especificadas” (TAVARES, 2013).

2.10 As medidas sócio-educativas

Ao adolescente responsável pela prática de um ato infracional poderão ser


62

aplicadas as medidas previstas no art. 112, do ECA, quais sejam:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente


poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviço à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semi-liberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º. A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade
de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º. Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida prestação de
trabalho forçado.
§ 3º. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental
receberão tratamento individual e especializado em local adequado às suas
condições.

As medidas sócio-educativas podem ser aplicadas de forma isolada ou


cumulativa, juntamente com as medidas de proteção quando não atingirem o caráter
de ressocialização, conforme previsto nos arts. 99 e 100 do ECA, sempre lembrando
do caráter pedagógico da aplicação de tais medidas (LIBERATI, 2003).

A medida sócio-educativa é a manifestação do Estado, em resposta ao ato


infracional, praticado por menores de 18 anos, de natureza jurídica
impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a
reincidência, desenvolvida com a finalidade pedagógica-educativa. Tem
caráter impositivo, porque a medida é aplicada, independente da vontade do
infrator – com exceção daquelas aplicadas em sede de remição, que tem a
finalidade transacional. Além de impositiva, as medidas sócio-educativas
tem cunho sancionatório, porque, com sua ação ou omissão, o infrator
quebrou a regra de convivência dirigida a todos. E, por fim, ela pode ser
considerada uma medida de natureza retributiva, na medida em que é uma
resposta do Estado à prática do ato infracional praticado (LIBERATI, 2003).

A aplicação das medidas sócio-educativas deve guardar nexo de


proporcionalidade com o ato infracional praticado, sem se descuidar, no entanto, da
avaliação da personalidade do adolescente, pautando a atuação jurídica com tal
reconhecimento (MORAES, RAMOS, 2013) e ainda, criando uma consciência, se
possível, no infrator que, embora seja ele menor de idade e tido pela legislação
brasileira como “pessoa em desenvolvimento”, e como tal deve ter seus direitos e
garantias protegidos pelo ordenamento jurídico, é também responsável pelos seus
atos, principalmente aqueles que comprometem negativamente a vida em
sociedade.
63

3 CRIME SEXUAIS, ESTUPRO DE VULNERÁVEL E A TEORIA “EXCEÇÃO DE


ROMEU E JULIETA”

3.1 Evolução dos discursos sexuais

A função sexual, como a da alimentação, decorre dum instinto de significação


profunda, primordial em toda a infinita seriação dos seres vivos. É a sinfonia da vida
buscando, pela alimentação, conservar o indivíduo e, pela função sexual, continuar a
espécie através da reprodução (GUSMÃO, 2001).
Este era, basicamente, o pensamento a respeito do sexo, mais precisamente
nos séculos XVIII e XIX, onde a estrutura social impunha o controle sobre as
manifestações sexuais, controle este que também era exercido em nome da religião
ou a pretexto dela, sendo uma das formas de manifestação de poder, tão mórbida
por ser capaz de intrometer-se no que de mais íntimo há, “censurando o que fugisse
à moral aceita e tentando dirigir uma forma d conduta sexual (GUIMARÃES, 2003).
Porém, com os avanços da sociedade nos mais variados assuntos, os
discursos sobre o sexo também sofrem transformações.
A vivência do sexo passa para um novo estado, vindo a liberar-se do
mecânico, do reprimido, bem como do pensamento de que o sexo deveria ser
praticado apenas para promover a continuação da espécie, passando a ser
questionado de outra forma, no sentido de superar as repressões impostas pelo
moralismo cristão. Estes questionamentos passam a surgir no final do século XIX,
tornando possível a discussão sobre o prazer e sobre as sensações anteriormente
não permitidas, conquistando espaços de reflexão que contribuirão para as novas
compreensões acerca, agora, não apenas do sexo, mas da sexualidade.
CABRAL (1995) ressalta:

Final do século XIX, em pleno vigor do positivismo e da moral vitoriana, o


mundo começa a reagir com indícios de que um tempo novo estava
chegando. [...] A origem do homem tinha uma nova interpretação: era o
evolucionismo de Charles Darwin, concebendo o divórcio definitivo entre a
sexualidade e reprodução. Mais evidente ainda ficou esta concepção,
quando a sexualidade, além de distinguir-se da procriação, separa-se
também do pecado e um conceito novo a vincula ao prazer. É Sigmund
Freud quem aparece em meio a este cenário de transformação dos
64

conceitos sobre o homem e a sociedade.

De acordo com GUSMÃO (2001):

A pouco e pouco, porém, a Humanidade foi evoluindo no ponto de vista do


aperfeiçoamento da mentalidade e moral individuais e coletivas, e foram
surgindo as maravilhosas florações, as irradiações correlativas do instinto
sexual, que deixava de ser violento e animal para se tornar o produto da
afeição, da simpatia e do amor, ao mesmo tempo que as ideias-sentimentos
ou ideias-forças [...] relativas ao pudor, à virgindade, à fidelidade, vão se
formando e engrandecendo por meio de um trabalho de elaboração lento e
continuado, mas progressivo e constante, como já fizemos sentir no capítulo
I, dando lugar às inúmeras limitações ético-jurídicas [...] Dessas ideias-
sentimentos a mais delicada e fundamental, porque o substractum de todas
as outras, é o sentimento do pudor [...]

E o que vem a ser o pudor? Os gregos tinham duas expressões, muitas


vezes confundidas, para expressar o pudor: aidós, termo que, como pondera Viazzi,
melhor se adapta ao conceito atual do pudor, e a expressão aisküne, que significava
vergonha, vexame.
Segundo Pio Viazzi, em La Lucha de los Sexos, “o pudor aparece como
emoção dolorosa, opressiva, gerada pelo temor – particularmente, do juízo de
outrem”.
A Igreja, em grande parte, era a responsável por lançar essas ideias
opressivas e temerosas na sociedade.

É dentro deste ambiente carregado pelo misticismo e por uma certa


prepotência da Igreja que se vai ditando a moral sexual oficial – e não
empregamos a expressão no sentido figurado, mas no seu verdadeiro
significado semântico, haja vista que as autoridades religiosas anunciavam
aos domingos e dias santificados, à porta da igreja, que condutas tidas
como heréticas deviam ser denunciadas ao Santo Ofício. Por conseguinte, a
empresa da Igreja envolvia não apenas suas autoridades destacadas para
os tribunais, mas também, e, principalmente, os fiéis e todos os demais: a
estes incumbia-se a delação de quem praticasse atos contra naturam [...]
Parece-nos fora de dúvida que a Igreja assume relevante papel no discurso
sobre o controle das atividades ligadas ao sexo e, inclusive, sobre a
sexualidade das pessoas, através do uso dos mecanismos que a própria
liturgia católica facilitava. A confissão era um eficiente meio para especular
a conduta sexual das pessoas. Os tribunais do Santo Ofício constituíram-se
num poderoso instrumento nas mãos das autoridades eclesiásticas, que co-
envolviam todos para o mesmo desiderato, impringindo o medo e as
ameaças das penas atrozes. Aliado a tudo isto, o ambiente de pouca
privacidade em que as pessoas viviam, no qual tanto a arquitetura como os
modos mais francos colocavam tudo a descoberto, e os aspectos mítico-
religiosos, como os que povoaram as ideias do padre Manuel Bernardes,
formavam o pano de fundo daquele cenário de discurso autoritário de poder,
perante o qual as inward forces referidas à fenomenologia sexual tinham de
reprimir-se, ou, em última instância, ceder à culpa e à necessidade de
65

arrependimento. Contudo, o sexo não ficou sujeito apenas aos mecanismos


de controle exercidos pela Igreja Católica: a discursividade do poder
desenvolveu naturalmente outras instâncias na sociedade ocidental
moderna, permitindo-nos afirmar, com Foucalt, a existência difusa de
métodos de controle da atividade sexual e de protagonistas do poder
(GUIMARÃES, 2009).

Guimarães (2009), ao referir-se sobre a “existência difusa de métodos de


controle da atividade sexual, traz à tona, por exemplo, a política de controle de
natalidade:

Se durante o período de grande intervenção da Igreja Católica,


principalmente a partir da contra-reforma, o sistema de controle das
atividades sexuais operava-se pela extorsão da confissão e pela delação,
dando-se, pois, primazia à palavra como instrumento para o exercício do
poder, os sistemas que o sucederam desenvolveram novas técnicas.
Porém, no entender de Foucalt, retomaram métodos já desenvolvidos pelo
cristianismo. Assim, os estudos de economia e de demografia orientaram
políticas sobre a natalidade, instando as pessoas, em última análise, a
preservarem as relações sexuais dentro do âmbito conjugal e para restritos
fins, tal como desde há séculos preconizava a Igreja católica [...] Os
processos e técnicas são novos, mas os discursos de poder repetem-se
com algumas variantes, determinando padrões de normalidade sexual e de
comportamento sexual, impondo injunções e sanções [...] aos
transgressores.

Embora a Igreja e porque não dizer, também o Estado, confundindo-se este,


muitas vezes, na própria pessoa da Igreja, não tenham poupado esforços no afã de
tentar controlar a moralidade sexual, “o homem animal político” e curioso na sua
natureza, buscou por si próprio “o diálogo e o conhecimento sobre o sexo”
(GUIMARÃES, 2009).
Nesse sentido, BOBBIO (2004) enriquece:

À medida que nosso conhecimentos se ampliaram (e continuam a se


ampliar) com velocidade vertiginosa, a compreensão de quem somos e para
onde vamos tornou-se cada vez mais difícil. Contudo, ao mesmo tempo,
pela insólita magnitude das ameaças que pesam sobre nós, essa
compreensão é cada vez mais necessária.

No que se refere à busca de conhecimentos, vale trazer ao presente trabalho


a referência que Norberto Bobbio (2004), em “A Era dos Direitos”, faz à tese
kantiana, que tinha como ponto central a busca do direito natural pelo povo, o qual
não deveria ser impedido por outras forças de se dar a Constituição civil que creia
ser boa.
“Kant, sabia muito bem que a mola do progresso não é a calmaria, mas o
66

conflito [...] Todavia, compreendera que existe um limite [...] tornando-se necessário
um autodisciplinamento do conflito” (BOBBIO, 2004).
Assim, em meio às lutas e conflitos, o desenvolvimento da sociedade, bem
como a busca por conhecimentos ocorreu e vem ocorrendo até hoje, e de igual
forma, no que se refere à sexualidade.

A moral sexual foi evoluindo, em seus múltiplos aspectos, em perfeito


paralelismo com a moral social em geral [...] Paralelamente com o
desenvolvimento mental e moral do homem, foram aparecendo, como já o
fizemos sentir, as irradiações do instinto sexual e a pouco e pouco foram,
também, se amparando essas irradiações [...] se veio formando um conjunto
de ideias e sentimentos, segundo os quais umas ações são consideradas
moral e juridicamente justas, ao contrário de outras que são tidas como
injustas e ilegítimas (GUSMÃO, 2001).

Desse modo, segundo a sociologia são considerados crimes sexuais “o


conjunto de fatos que ofendem a liberdade sexual ou individual, que lesam e põem
em perigo, pela sua anormalidade, os fins da função sexual ou que tendam à
destruição do indivíduo” (GUSMÃO, 2001).

3.2 Crimes sexuais à luz da Lei 12.015/2009

A lei 12.015/2009 foi publicada no DOU no dia 10 de agosto de 2009 e neste


mesmo dia passou a ser aplicada para todos os fins de Direito. Esta lei trouxe várias
mudanças no que se refere ao aos crimes contra a dignidade sexual, eis a primeira
delas, já que a legislação anterior tratava tais crimes como “dos crimes contra os
costumes”.
A expressão “dos crimes contra a liberdade sexual” está ligada à liberdade e
ao desenvolvimento sexual da pessoa, “alterando, inicialmente, o bem jurídico
tutelado pela norma” (FAYET, 2011).

Ainda, e fundamentalmente, a nova legislação trouxe a seguinte redação


para o delito de estupro: “Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso. Pena: reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”,
fundindo as figuras do estupro e do atentado violento ao pudor
anteriormente vigentes, [...] sob uma única denominação e com descrição
da conduta típica em única artigo [...] e determinando a revogação do
67

atentado violento ao pudor. A inspiração para esta fusão dos tipos é o


Estatuto de Roma para o Tribunal Penal Internacional, ratificado pelo Brasil
por meio do Decreto nº 4.388, de 2002, que cria um tipo penal único para a
violência sexual, independente do gênero. Essa nova redação estabeleceu
um novo paradigma na condução dos delitos sexuais, conferindo à lei
“modernidade e adequação à realidade atual”, na medida em que termina
com a proteção exclusiva da liberdade sexual da mulher, estendendo-se a
qualquer pessoa. É a legislação penal, adequando-se ao já antigo art. 5º,
caput, da Constituição Federal de 1988, que determina sermos todos iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, assim como no art. VII da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, que sustenta o princípio da
isonomia (FAYET, 2011).

Ainda nesse sentido, complementa Fayet (2011):

Hoje, a proteção está estendida, portanto, sobre a “dignidade sexual” do ser


humano, independentemente do gênero ou opção sexual. Aliás, como
sugere a abalizada doutrina, dignidade lembra respeitabilidade, decência,
compostura, honra, e a associação destas figuras ao termo sexual expande
a proteção penal para o infinito contexto de atos tendentes à satisfação da
concupiscência, em detrimento daqueles valores aliados à dignidade sexual
do humano, apesar de todo o seu manancial de possibilidades sexuais;
desde o mais singelo beijo lascivo, às mais sórdidas realizações de
fantasias tendentes à satisfação das vontades secretas, quando praticadas
na ofensa da dignidade humana, isto é, na ofensa ao pudor, como “principal
objeto de proteção das normas jurídicas relativas à atividade genésica, pois
é e ele, o pudor, que civiliza o amor, constituindo-se em inegável vitória da
cultura sobre a força da natureza. Por isso, Título VI do Código Penal (agora
modificado pela Lei nº 12.015/09) abre com um capítulo preocupado com a
defesa da liberdade sexual, onde inserem-se os crimes de estupro, violação
sexual mediante fraude e assédio sexual.

O supracitado autor esclarece também que quanto “ao estupro, continuam


valendo as concepções anteriores à Lei nº 12.015/09 sobre a defesa da liberdade
sexual”, tendo sido modificado apenas a expansão da proteção penal a qualquer
gênero. “Defende-se, portanto, a liberdade de escolha de qualquer pessoa no fruir
de sua sexualidade, punindo, inclusive com penas mais severas, a hipótese de a
vítima ser vulnerável” (FAYETE, 2011).

[...] a partir da nova legislação ora em comento, a prática de crime de


estupro, pela redação ostentada pelo tipo, dependerá da interpretação dos
agentes de Direito, na medida em que a amplitude do tipo penal permite a
confusão entre condutas sexualmente saudáveis e condutas de estupro.
(Mormente se pensarmos no estupro de vulnerável e as condutas
promíscuas de descoberta sexual da adolescência hodierna) (grifo meu).
Portanto, o intérprete deverá avaliar, na conduta formalmente objetiva, se o
agente constrangeu alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se praticasse outro
ato libidinoso. E, ao depois, para certificar-se da tipicidade do crime,
verificar se tal conduta (ainda que formalmente adequada ao tipo) lesiona o
bem jurídico tutelado pela norma, isto é, lesiona a liberdade sexual no
âmbito da dignidade sexual do ser humano (FAYET, 2011).
68

A lei 12.015/2009 alterou substancialmente o crime de estupro ao suprimir do


texto legal a expressão “mulher”, retirando-a do texto legal e colocando em seu lugar
a expressão “alguém”. Assim, o homem agora, também passa a ser sujeito passivo
do crime de estupro, qual seja:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter


conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº
12.015, de 2009).
o
§ 1 . Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima
é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº
12.015, de 2009).
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015,
de 2009).
o
§ 2 . Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015,
de 2009).

Com a nova redação do art. 213, introduzida pela Lei nº 12.015/2009, não há
que se falar mais que estupro só ocorre com conjunção carnal, que seria a
introdução do pênis masculino na vagina feminina, pois, como visto, o homem agora
pode ser vítima do referido crime sexual. Aliás, mister assentar ainda que agora, ao
que se depreende da leitura do novo tipo, se houver a introdução de pênis postiço
na vagina, haverá crime de estupro. Ademais, o sujeito ativo, que antes era só o
homem, agora também pode ser a mulher, pois, como visto, o crime também ocorre
quando alguém é constrangido mediante violência ou grave ameaça “a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Assim, constata-se que diante da fusão do agora revogado crime de atentado
violento ao pudor (art. 214) ao novo crime de estupro (art. 213), os sujeitos ativo e o
passivo do referido crime agora podem ser tanto o homem como a mulher, logo, a
conceituação do crime de estupro como conjunção carnal (introdução do membro
genital masculino na vagina da mulher), mediante violência ou grave ameaça, cai
por terra, pois o crime, para a ocorrência, não depende exclusivamente da
introdução do membro genital masculino na vagina da mulher, ocorrendo estupro,
por exemplo, em caso de penetração anal ou prática de outro ato libidinoso.
O crime que antes era bipróprio (exigindo assim condição especial do sujeito
ativo que somente poderia ser o homem, e do sujeito passivo que somente era a
69

mulher) passou a ser crime comum, podendo ser praticado por homem ou mulher,
bem como podendo ter como sujeito passivo o homem, a mulher e o transexual, não
importando se este tenha realizado a operação para mudança definitiva de suas
características sexuais.
A lei 12.015/2009 trouxe ainda mais uma modificação, inserindo o novo art.
217-A:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor
de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com
alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não
pode oferecer resistência.
§ 2º. Vetado.
§ 3º. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º. Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

O crime previsto no art. 217-A trata do estupro especial ou de vulnerável, o


qual é praticado contra pessoas vulneráveis, ou seja, contra pessoas menores de
catorze anos ou ainda, contra pessoas que por enfermidade ou doença mental não
apresentem o necessário discernimento para a prática do ato, ou, que não possam,
por qualquer outro motivo, oferecer resistência (MARTINS, 2011).
O desembargador Jaime Ramos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina,
assim define o vulnerável:

Vulnerável é qualquer dessas pessoas que se presume de forma absoluta


não ter discernimento suficiente para consentir validamente aos atos
sexuais a que são submetidas. Mesmo que consintam ao ato sexual, esse
consentimento deverá ser considerado inválido, salvo nas hipóteses em que
o sujeito passivo tem pleno discernimento, mas não pode oferecer
resistência ao ato sexual forçado, caso em que o estupro contra vulnerável
se tipifica com a ausência do consentimento e não apenas pela
impossibilidade de resistência. São vulneráveis, portanto: a) o homem ou a
mulher menor que ainda não completou quatorze (14) anos de idade (essa
vulnerabilidade cessa à zero hora do dia em que o sujeito passivo faz seu
aniversário de 14 anos); b) o homem ou a mulher (com 14 anos ou mais de
idade) que não tem o necessário discernimento para a prática do ato sexual,
em razão da enfermidade mental ou deficiência mental; c) o homem ou a
mulher (com 14 anos ou mais de idade) que, por qualquer outro motivo, não
pode oferecer resistência, como portadores de necessidades especiais com
problemas físicos graves (paraplégicos, acamados em geral e
impossibilitados de se levantar e de resistir) e pessoas em completo estado
de torpor físico e mental em razão do uso, voluntário ou não de drogas ou
bebidas.
70

Ainda sobre o art. 217-A, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini,


afirmam:

Uma das principais preocupações do legislador ao elaborar a Lei nº 12.015,


de 07.08.2009, consistiu em conferir aos menores de 18 anos especial
proteção contra os crescentes abusos sexuais e a proliferação da
prostituição infantil e de diversas outras formas de exploração sexual. A
repressão à exploração sexual do menor tem sido objeto de diversos
tratados e convenções internacionais, tanto em razão da relevância do bem
jurídico atingido por práticas dessa natureza, como também em face da
dimensão internacional que vem assumindo o tráfico de menores com fins
sexuais. Ao reservar um capítulo próprio aos crimes contra vulnerável,
centrado na proteção ao menor de 18 anos, o legislador procurou, também,
dar maior efetividade ao mandamento contido no art. 227, § 4º, da
Constituição Federal, que prevê: A lei punirá severamente o abuso, a
violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

No entanto, há que se ter por parte do intérprete do Direito, “um pouco de


razoabilidade”, verificando se, “na conduta formalmente objetiva, o agente
constrangeu alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou
a praticar ou permitir que com ele se praticasse outro ato libidinoso.” E ainda,
“certificar-se da tipicidade do crime, verificar se tal conduta (ainda que formalmente
adequada ao tipo) lesiona o bem jurídico tutelado pela norma, isto é, lesiona a
liberdade sexual no âmbito da dignidade sexual [...]” (FAYET, 2011).
FAYET (2011) complementa dizendo que é necessário, portanto, que se
verifique a real ofensa ao bem jurídico dignidade sexual, no fruir da liberdade da
vítima em escolher com quem e quando quer beijar.
Nesse sentido, afirma ROXIN (2006) que “o poder estatal de intervenção e a
liberdade civil devem ser levados a um equilíbrio, de modo que garanta ao indivíduo
tanta proteção estatal quanto seja necessária, assim como também tanta liberdade
individual quanto seja possível”.
Assim, pode-se afirmar:

[...] que a tipicidade não é apenas a realização da conduta descrita na


norma penal, mas que, ao lado desse primeiro requisito, a lesão (ou perigo
de lesão) ao bem jurídico protegido, constitui um segundo elemento
indissociável da tipicidade, aos quais soma-se, ainda, englobando-os, o
elemento subjetivo: o dolo. A lesão ao bem jurídico, desta forma, representa
um verdadeiro resultado jurídico (e não material). Assim, vê-se que além da
ofensa (ou perigo concreto de ofensa) ao bem jurídico, para que se dê o
juízo de tipicidade, ainda é necessário que a conduta preencha os requisitos
objetivos e subjetivos do tipo, pois é na ofensa ao bem jurídico que reside a
legitimidade do Direito penal (FAYET, 2011).
71

3.3 Estupro de vulnerável

A norma contida no art. 217-A, do Código Penal, tutela a dignidade sexual


dos vulneráveis, ou seja, das “pessoas capazes de externar seu consentimento
racional e seguro de forma plena”, o que acaba por colocar este crime no rol dos
crimes hediondos, tanto na forma simples quanto na forma qualificada (FAYET,
2011).
No que se refere ao sujeito ativo do estupro de vulnerável, tal qual a alteração
feita pela Lei 12.015/2009 quando suprimiu a expressão “mulher” como sujeito
passivo do crime de estupro, e colocando em seu lugar a expressão “alguém”, o art.
217-A também não estabeleceu sujeito próprio, podendo assim, ser praticado por
qualquer pessoa, homens e mulheres, independentes de sua idade, opção sexual ou
qualquer outra circunstância.
De outra forma, difere a norma quanto ao sujeito passivo. Nesse sentido:

Quanto ao sujeito passivo, o tipo em comento traz uma característica para


distingui-lo, devendo, portanto, o sujeito passivo, necessariamente, ser
“menor de 14 (catorze) anos”, estabelecendo limite geral de defesa aos
adolescentes, independentemente do gênero e de sua prévia experiência
sexual. Assim, até a zero hora do dia em que a vítima do estupro completa
catorze anos, independente de sua vontade, o Estado pune aquele que lhe
fizer qualquer ato libidinoso ou conjunção carnal. A partir do primeiro
segundo do dia em que completa catorze anos, a vítima estará protegida
[...] pela norma do § 1º do art. 213 do Código Penal, punido com pena um
pouco mais branda, de 8 (oito) a 12 (doze) anos de reclusão, caso venha a
ser vítima de qualquer ato libidinoso contra a sua vontade. Dessa forma,
quanto ao sujeito passivo, pode-se dizer que se trata de crime próprio, pois
exige uma especial condição do sujeito para figurar no pólo passivo da
conduta: ser menor de catorze anos FAYET (2011).

No que se refere à idade da vítima, o autor acima ainda dispõe:

Sobre isso, inclusive, acreditamos que deve valer a interpretação mais


benéfica em caso de dúvida sobre a real idade da vítima. Imagine-se, por
exemplo, que a vítima identifique catorze anos e alguns meses na carteira
de identidade e aparente não ter mais de dez anos, em função de sua
compleição física; ou que não tenha registro de nascimento, mas diga-se
maior de catorze anos, embora não o pareça. Qualquer que seja o caso,
nos exemplos acima, a idade da vítima é suficiente para afastar a norma do
art. 217-A, tornando a conduta atípica, se consentida pela adolescente
(aparentemente maior de catorze). Tal solução por nós apresentada está de
acordo com a norma penal, que visa a proteger a vítima menor de catorze
anos de abusos sexuais, independente de sua vontade.
72

Um dos principais objetivos da Lei 12.015/2009, mais especificamente na


criação do art. 217-A, foi o intuito de proteger crianças e adolescentes dos abusos
sexuais praticados, na grande maioria, no âmbito familiar, por pais, padrastos, tios,
vizinhos e outras pessoas que, com uma diferença gritante de idade em relação à
criança ou adolescente, aproveitavam-se de sua condição de vulnerável para assim
satisfazer aos seus mórbidos e doentios desejos.
No entanto, há que se ter um cuidado, como já afirmado anteriormente, no
que diz respeito às relações sexuais saudáveis, nas quais há o consentimento da
suposta vítima. Há que se analisar e proceder, quando da interpretação da lei, nos
tempos em que se vive atualmente, ou seja, as mudanças de paradigmas, as novas
mentalidades do público jovem, a maneira como são construídas, com base na
modernidade. Assim, “o conceito de vulnerabilidade não pode ser absoluto [...]
admitindo prova em contrário.” (ESTEFAM, 2009).
Nesse sentido:

O problema desta norma estanque aparecerá nos casos em que os agentes


queiram praticar relações sexuais saudáveis, no curso de um
relacionamento ainda que breve (ou duradouro), como parte de sua
iniciação sexual, antes de completar catorze anos. Nessa hipótese, os
agentes colocam-se mutuamente em uma situação de risco iminente [...],
pois a conduta configura o tipo do art. 217-A do CP, e enquanto não vier à
tona, perante a autoridade policial, aos pais ou aos responsáveis, não
interessará ao Direito; entretanto, se, por exemplo, logo após as práticas
sexuais os adolescentes terminam o relacionamento e um deles se sente
traído ou usado, poderá fazer uso da norma penal para desforra pessoal, na
medida em que fora, formalmente, vítima do crime de estupro de vulnerável,
bastando para tanto que tenha duas testemunhas que possam relatar a
relação mantida e os comportamentos de ambos, na constância do
relacionamento. Parece-nos difícil que cabe ao juiz a difícil missão de
avaliar a conduta dos agentes para absolver o estuprador, baseado em
critérios objetivos. É que, com a norma da art. 217-A, ampliou-se
sobremaneira o espectro do “estuprador”, podendo ele tanto ser o doente
mental, que visava ao prazer por meio da violência e da opressão do sexo
oposto, até adolescentes na descoberta da vida sexual (FAYET, 2011).

Várias decisões no sentido de absolver o suposto autor do crime de estupro


de vulnerável têm sido divulgadas e vêm ganhando espaço nos tribunais de todo o
país.
No Rio Grande do Norte, o desembargador relator, Virgílio Macedo Jr., assim o
fez:

Não é prudente, nem mesmo razoável, que o juiz atenha-se somente às letras
da lei, pois a valoração maior está na preponderância da justiça. Presumir de
73

maneira absoluta a vulnerabilidade em fatos onde ela não existe, pode fazer
surgir certas injustiças irreparáveis, como por exemplo, subtrair a liberdade de ir
e vir de uma pessoa inocente.

E se, porventura, o ato sexual entre um adolescente de 16 anos e uma


adolescente de 13 anos ou 14 anos incompletos for praticado às vésperas de seu
décimo quarto aniversário? Nesse caso então, há alguns segundos o adolescente de 16
anos teria sido considerado, pela interpretação fria e seca da lei, um estuprador e, dali a
alguns segundos, não mais o seria, pois a suposta vítima, considerada até aquele
momento como “vulnerável”, não mais o seria, em questão de segundos, caso o ato
sexual fosse consentido e praticado com a ausência de violência ou grave ameaça, pois,
nesta última hipótese, implicaria o crime de estupro, previsto no art. 213, do Código
Penal. Não parece razoável a aplicação da lei 12.015/2009 neste caso, sendo
necessário e recomendável, uma análise subjetiva do caso concreto.
Alexandre Morais da Rosa, renomado jurista e doutrinador, refere-se à
singularidade de cada adolescência, bem como ao hábito de aplicação da lei ao pé da
letra, por parte de muitos agentes do Direito, de forma um tanto jocosa, porém digna de
reflexão, ao criar a expressão “Complexo de Prazo de Validade”:

O positivista ferrenho vai ao Supermercado e confere – na forma da lei – os


prazos de validade e somente consome o produto até dia fatídico, ou seja, se o
prazo de validade é hoje, somente pode consumir até às 24:00 horas: às 00.01 o
produto está fora do prazo de validade e, portanto, inservível ao consumo. Para
este, no exato minuto que se transpôs o dia, as bactérias, em Assembléia Geral
Ordinária – adrede convocada – decidiram, à unanimidade, avançar (estragar)
sobre o produto. O prazo fatal é 24:00 hs. Somente rindo ! E o pior é que
essa ingenuidade mesclada com astúcia é reproduzida pelo senso comum
teórico dos juristas.

Cada adolescência é única, singular, e como tal deve ser respeitada em sua
alteridade. Aí reside a ética de respeito ao desejo do sujeito e dos atores jurídicos
(ROSA, 2011).
Cabe a jurisprudência:

Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n. 2011.098397-3, de


Campo Erê Relator: Desembargador Ricardo Roesler APELAÇÃO.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO DA DEFESA.
ATO INFRACIONALANÁLOGO AO CRIME DE ESTUPRO DE
VULNERÁVEL (ART. 217-A, CAPUT E § 1º, DO CP). CONJUNÇÃO
CARNAL ENTREPRIMOS ADOLESCENTES, DE 13 E 15 ANOS.
PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA, QUER REAL QUER PRESUMIDA, A
PROPÓSITO DE SUPOSTA ENFERMIDADE MENTAL DA VÍTIMA.
AUSÊNCIA DE SUBSÍDIOS QUE PERMITAM CONCLUIR QUE O
74

APELANTE TENHA FEITO USO DE FORÇA. AUSÊNCIA, TAMBÉM, DE


PROVA DE QUE A VÍTIMA FOSSE ACOMETIDA DE ALGUMA
PATOLOGIA MENTAL. NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL QUE
ATESTE SUA INCAPACIDADE DE DISCERNIMENTO. VÍTIMA MENOR DE
14 ANOS. RELAÇÃO CONSENTIDA. PROVA DE EXPERIÊNCIAS
SEXUAIS PRETÉRITAS. PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE
RELATIVIZADA E EXCEPCIONALMENTE AFASTADA. RECURSO
PROVIDO.

Guimarães (2003) alerta:

[...] será equivocado delegar ao juiz um papel de mero aplicador da lei: uma
tal situação importaria em considerá-lo um burocrata do direito. Sua missão
de constituir a norma jurídica concreta, a nosso ver, transcende este nível
de entendimento para alcançar uma posição de maior realce no dinâmico
processo de (re)definição do direito, inclusive no direito penal. Se é – e
deve ser – imparcial em relação às partes litigantes, já não poderá ser
indiferente a tudo que está à sua volta, principalmente àqueles fenômenos
que ocorrem no meio social. A postura crítica do juiz é de capital
importância para a realização da justiça material [...] O exercício da política
jurídica deverá visar, como assevera o citado autor, à realização da norma
com validade material, que deve estar conforme aos valores da justiça e
utilidade social. E isto ocorre, ao nível de constituição do direito pela
atividade jurisdicional, através da leitura crítica e atualizada do direito
positivo, para a qual não se dispensam as consultas às várias dimensões
axiológicas da sociedade. E mais. [...] o juiz recorrerá à sua mundividência –
ao modo de sentir e ver criticamente os fenômenos sociais –, para a
constituição da norma jurídica concreta. Nesta mundividência, [...] estão
integradas percepções puramente humanas, distantes de qualquer
conotação de neutralidade científica, das quais não se descartam as noções
morais. Noções estas que são essenciais para a redefinição do direito penal
(também o sexual) [...].

Há que se deixar claro, não obstante as críticas à interpretação da lei ao pé


da letra, que necessário se faz, a depender do caso, a aplicação de medidas sócio-
educativas nas situações em que restam provadas, de fato, a ocorrência do estupro
de vulnerável.

3.4 Exceção de Romeu e Julieta

Romeu e Julieta, a história trágica do amor de dois jovens, é o título de uma


tragédia de Shakespeare (1957), uma obra imortal da literatura dá nome a uma
teoria utilizada em muitos países da Europa e também na América do Norte, mais
especificamente nos Estados Unidos da América, conhecida como Romeo and Juliet
Law.
75

João Batista Costa Saraiva lembra que, segundo Shakespeare, Romeu tinha,
à época a idade aproximada de 16 anos e Julieta, presume-se, tinha 13 anos de
idade. Neste caso, se Romeu se apaixonasse por Julieta, como de fato se
apaixonou, teria ele sido levado ao Juizado da Infância e da Juventude, de acordo
com a Lei 12.015/2009, na condição de estuprador, nos moldes do art. 217-A,
explica Saraiva (1999).
Esta teoria, que pode ser traduzida no Brasil como Exceção de Romeu e
Julieta, trata-se de uma hipótese de “descriminalização da conduta de estupro de
vulnerável, quando a diferença etária entre os protagonistas for entre três ou, no
máximo, cinco anos de diferença. Assim, estando os atores na mesma faixa de
desenvolvimento físico, psíquico, emocional, não haveria a possibilidade de se
reconhecer o delito de abuso sexual.
Saraiva (1999) afirma que a introdução do art. 217-A na norma penal, pode
trazer às Varas da infância e da juventude um número grande de meninos e
meninas que estão no despertar da sua sexualidade e das suas descobertas, e que
por isso, não deveriam ser responsabilizados penalmente por esta conduta.
Nota-se que não houve, por parte do legislador, argumenta SARAIVA, o
cuidado em prever uma hipótese de exceção nos casos em que houve apenas um
processo amoroso e de descoberta entre adolescentes, os quais são “precocemente
estimulados pela vida moderna”. A condução equivocada de tais situações podem
trazer prejuízos irreparáveis aos adolescentes envolvidos, como traumas,
frustrações e outras consequências negativas.
Nesse sentido:

Nos Estados Unidos, em muitos estados daquele País, o sexo consensual


entre menores de 18 anos se faz crime, especialmente se homossexual. A
Lei brasileira, após o advento da Lei 12.015/2009, criminaliza toda relação
sexual com menor de 14 anos. Não há que se falar em violência presumida.
Há o fato, há o crime: seja consensual, seja por violência ou ameaça. Pois
os americanos, que punem o sexo consensual entre adolescentes,
conceberam a chamada “Romeo and Juliet Law”.

Poderíamos traduzir, com vista à utilização de seus conceitos por aqui, como
“Exceção de Romeu e Julieta”, inspirada nos célebres amantes juvenis imortalizados
pelo gênio de Willian Shakespeare. Consiste em não reconhecer a presunção de
violência quando a diferença de idade entre os protagonistas seja igual ou menor de
cinco anos, considerando que ambos estariam no mesmo momento de descobertas
76

da sexualidade. E consequentemente, em uma relação consentida, não haveria


crime. Na aplicação da chamada “Romeo and Juliet Law” a Suprema Corte do
Estado da Geórgia (cuja Legislação criminalizava a conduta sexual consensual entre
adolescentes) liberou da prisão Garnalow Wilson, de dezessete anos de idade, que
estava preso pela prática de sexo oral com uma menina de 15 anos. A legislação do
Estado criminalizava a conduta de práticas sexuais entre adolescentes, mas a
Suprema Corte determinou que Wilson fosse liberado porque a nova regra
desconfigurou a criminalização do sexo consensual entre adolescentes.
A rigor, a manutenção em 14 anos de idade para a chamada presunção de
violência, apta a configurar crime ante a revogação do art. 224 e a nova redação do
art. 217- A, todos do CP, reclama uma reflexão maior.
O HC 73662/MG, de 21 de maio de 1996, cujo relator foi o Ministro Marco
Aurélio, abordou pela primeira vez no Brasil um caso de relativização da presunção
de violência, trazendo teses absolutórias e reconhecendo a ausência do tipo penal,
qual seja o crime de estupro, quando demonstrada a aquiescência da mulher, como
se vê:

COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA.


Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em
relação à qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal
julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de tribunal,
tenha esse, ou não, qualificação de superior. ESTUPRO - PROVA -
DEPOIMENTO DA VÍTIMA. Nos crimes contra os costumes, o depoimento
da vítima reveste-se de valia maior, considerado o fato de serem praticados
sem a presença de terceiros. ESTUPRO - CONFIGURAÇÃO - VIOLÊNCIA
PRESUMIDA - IDADE DA VÍTIMA - NATUREZA. O estupro pressupõe o
constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave
ameaça - artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a
vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a
aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física
e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se
a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos
artigos 213 e 224, alínea "a", do Código Penal.

Neste caso, o Habeas Corpus 73662/MG trouxe à luz uma reflexão que se
faz necessária quanto ao caráter cronológico da suposta vítima, ou seja, atualmente,
77

crianças de 11 anos se parecem com moças de 16, 17, 18 anos ou mais. Assim, até
que ponto é viável deixar de analisar a lei seca e ignorar o “envelhecimento da
sociedade”, bem como caracterizar, responsabilizar ou deixar de responsabilizar
uma pessoa apenas levando em conta sua idade cronológica, ignorando todos os
demais aspectos, tais como psíquicos, psicológicos, fisiológicos, físicos, culturais e
outros?
Refletindo desta forma, o Ministro Marco Aurélio bem disse "Alfim, cabe uma
pergunta que, de tão óbvia, transparece à primeira vista como desnecessária,
conquanto ainda não devidamente respondida: a sociedade envelhece; as leis,
não?”
Se a legislação brasileira reconhece a condição de adolescente desde os
doze anos de idade; permite que viaje desacompanhado por todo território nacional,
autoriza sua privação de liberdade na hipótese de autoria de um delito, além de
diversas outras prerrogativas, como o direito de ser ouvido e sua palavra
considerada; exagera a norma a fixar em 14 e não em 12 anos a idade limite, ao
menos sem estabelecer uma regra como a “Exceção de Romeu e Julieta”.
Em matéria de relacionamento sexual entre adolescentes, a nova regra do
art. 217exagera em face da realidade do País e de nossa adolescência, podendo
criminalizar a conduta de muitos adolescentes e pré-adolescentes na descoberta de
sua sexualidade. Vejam a hipótese de um namoro entre adolescentes ou pré-
adolescentes, entre um menino de 13 anos e uma menina de 11 anos, que resolvam
realizar “manobras sexuais investigatórias”, para colocar a questão em termos
jurídicos. O que fazer? E se isso forem condutas homossexuais, que acabam
produzindo as reações mais estapafúrdia dos pais e as vezes da própria escola,
chamando polícia , criando escândalo, criminalizando a descoberta da sexualidade.
A “Exceção de Romeu e Julieta”, inspirada na “Romeo and Juliet Law” dos
americanos deve ser considerada, especialmente nas Varas da Infância e
Juventude, na operacionalidade deste art. 217-A do Código Penal.
Com as alterações trazidas pela Lei 12.015/2009 a respeito do estupro de
vulnerável, tem-se tornado cada vez mais necessário uma reflexão, acerca da
prática sexual entre adolescentes da mesma faixa etária. Tal reflexão já tem por
base o instituto do Direito Comparado, haja vista a utilização da teoria Exceção de
Romeu e Julieta em vários países do mundo.
78

3.5 Conscientização e esclarecimentos nas redes de ensino

A falta de investimentos adequados para educar as crianças, os adolescentes


e os jovens, faz com que o setor educacional brasileiro se torne frágil e vulnerável,
comprometendo assim, todos os níveis de ensino (fundamental, médio e superior)
(MARTINS, 2011).
A criação e implementação de um programa de educação sexual nas escolas,
direcionado ao público adolescente, com o objetivo de dirimir dúvidas acerca da
sexualidade, poderia contribuir na orientação destes jovens no que se refere à
responsabilização penal, ou não, oriunda das relações afetivas entre pares da
mesma faixa etária.
Um programa ideal seria aquele formado por uma equipe multidisciplinar,
contendo psicólogos, médicos ginecologistas, assistentes sociais, professores,
policiais e tantos quantos forem necessários para efetivar o programa, o qual se
daria através de palestras, conversas em grupos, diálogos, etc. Tal programa, para
ser posto em prática, necessitaria de uma reserva financeira, utilizada para
pagamento de palestrantes, confecção de cartilhas e demais materiais.
ROSA (2011) ressalta a falha na observância do princípio constitucional da
prioridade absoluta que, juridicamente, deveria orientar todos os procedimentos
ligados não só nas ações políticas, tais como: a avaliação e a implementação das
políticas de atendimento.
Assim:

[...] o Eca regulamentou a prevalência das políticas públicas no seu artigo


quarto, parágrafo único com destinação privilegiada de recursos para o
desenvolvimento das políticas. A importância vital destas no âmbito da
infância se fortalece pela marcante desigualdade social presente no Brasil.
A ausência destas ou políticas ineficazes, pela não implementação,
acabam por se equiparar. Isto confirma a prioridade também em avaliar com
métodos confiáveis as políticas públicas para a infância para levar adiante
iniciativas exitosas ou revelar falsos discursos políticos com ações sem os
resultados anunciados (ROSA, 2011).

Não obstante a Teoria da Proteção Integral garanta, ou, ao menos devesse


garantir a operacionalização dos direitos postos da criança e do adolescente,
através da priorização das políticas públicas, não há, em um grande de número de
cidades brasileiras um programa ideal ou, perto do ideal, que trabalhe a questão da
79

educação sexual nas escolas.


Em algumas cidades do estado de Santa Catarina, onde se pôde observar
melhor, tais como Araquari e Itajaí, não é diferente. Restou comprovado no decorrer
desta pesquisa que tais cidades não contam com um programa específico para
trabalhar a questão da sexualidade com o público de crianças e adolescentes.
Há algumas tentativas remotas e sem aparentes resultados, por parte dos
Conselhos Tutelares, através dos quais os Conselheiros desenvolvem, às duras
penas, por falta de pessoal, bem como de recursos financeiros, alguns trabalhos em
salas de aulas. Tais trabalhos baseiam-se em pequenas palestras um tanto quanto
desprovidas de pessoal capacitado, mas que, embora diante dos obstáculos que
dificultam os trabalhos e por vezes, frustram os servidores municipais, algo ainda é
feito.
Mais especificamente na cidade de Araquari, em proporção à quantidade de
moradores, que atualmente está na faixa de vinte e cinco mil habitantes, há um
grande número de estupro de vulneráveis. Os casos que chegam ao conhecimento
da Autoridade Policial, bem como ao Conselho Tutelar, na sua maioria, tratam-se de
estupro em que o autor vive no âmbito familiar da vítima e, geralmente, com uma
diferença de idade absurda e revoltantemente superior à do seu algoz.
Tal situação não é objeto desta pesquisa, uma vez que trata este trabalho,
exclusivamente, dos casos de estupro de vulneráveis quando ambos, suposto autor
e suposta vítima, são menores de idade e cuja diferença entre eles não seja maior
que cinco anos.
Ocorre que, houvesse um programa preventivo de educação sexual nas
escolas, que abordasse constante e regularmente as questões ligadas à
sexualidade, para crianças e adolescentes, vários casos de estupros em que o autor
tem muito mais idade que a vítima, poderiam ser evitados, haja vista o testemunho
de várias vítimas, por exemplo, que em depoimento na Delegacia de Polícia da
cidade de Araquari, a fim de que fossem apurados fatos acerca de casos de estupro,
nos quais foram vítimas, muitas vezes, de seus próprios genitores, tais jovens
relatavam que eram estupradas pelos próprios pais desde a tenra idade. Em
determinados momentos, algumas jovens admitiram que quando completaram 18
anos, passaram a gostar do ato sexual praticado contra elas, pelos seus pais. Tais
declarações demonstram, a grosso modo e sem maiores observações e
avaliações psicológicas e psíquicas, o grau do dano sofrido pelas vítimas diante dos
80

cruéis e monstruosos atos de seus pais, no seio familiar. Há que se dizer ainda, que
tais jovens, durante suas declarações, chegaram a afirmar que não sabiam, à época
do início das agressões sexuais, que tais atitudes tratavam-se de um crime.
Assim, independente do objeto desta pesquisa, é gritante a necessidade de
um programa de educação sexual, tanto na cidade de Araquari, quanto na cidade de
Itajaí, bem como todas as demais cidades. Tal programa, constituído, conforme dito
anteriormente, por uma equipe multidisciplinar, traria resultados positivos tanto
àquelas meninas de 11 ou 4 anos de idade que sofrem abusos sexuais dentro de
suas próprias casas, por parte de seus próprios familiares, quanto àquelas
adolescentes de 12, 13 ou 14 anos que estão descobrindo sua sexualidade,
juntamente com seus colegas do sexo oposto, que estão também nas mesmas
situações de descobertas de seu próprio corpo, bem como, na fase em que os
sentimentos começam a aflorar e que por conta disso, não podem e não devem ser
tratados como criminosos, à luz das interpretações secas e ao pé da letra das leis.
Tal programa, como sugestão, seguiria os moldes do PROERD – Programa
Educacional de Resistência às Drogas e à Violência, aplicado nas escolas por
policiais militares às crianças e adolescentes.
A principal característica deste programa é a idade na qual é aplicado, ou
seja, o PROERD começa a ser aplicado nas escolas para crianças na faixa etária de
10 anos de idade. Segundo a maioria dos especialistas na área de prevenção, a
idade de 10 anos é a ideal para construir na consciência infantil e futuramente
adolescente, a diferença do certo e do errado, do permitido e do não permitido, do
legal e do ilegal.

Todas as crianças e adolescentes têm direito a crescer e desenvolver-se no


contexto de uma família e de uma comunidade. Portanto, têm o direito de
pertencer a um coletivo e nele construir sua identidade social e cultural.
Quando é difícil a concretização prática dessa garantia, por questões de
âmbito econômico, cabe ao Estado, através de sua rede de seguridade
social, garantir benefícios e serviços de acolhimento, que auxiliem a família
em sua tarefa (COSTA, 2012).

Uma outra característica do PROERD está relacionada à regularidade com


que o programa é aplicado nas escolas, ou seja, o profissional do PROERD, que por
ser um programa desenvolvido pelas Polícias Militares, é um Policial Militar,
desenvolve o programa indo uma vez por semana na escola e aplicando aulas de
uma hora a uma hora e meia, recebidas as devidas capacitações. As aulas ocorrem
81

na presença dos professores titulares. Há uma continuidade de ensinamentos, ou


seja, os conhecimentos repassados sobre violência e uso abusivo de drogas, que é
o objeto do PROERD, são relembrados por semanas a fio, num total de 12
semanas. Ao final do curso, os alunos participam de uma formatura, bem como
recebem seus certificados de participação.
Tal qual é o PROERD, assim seria o programa que abordaria as questões
sobre sexualidade. Basicamente funcionaria através de grupos de discussões,
palestras, perguntas e respostas, em um ambiente descontraído para as crianças e
os adolescentes, tudo isso proporcionado pela equipe multidisciplinar.
Pesquisas demonstram ser eficazes os programas de prevenção. Assim,
poderia ser uma alternativa positiva na busca por soluções a curto e a longo prazo
acerca dos crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes.
82

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo fazer uma abordagem jurídica e social do
ato infracional análogo ao estupro de vulnerável.
O trabalho foi elaborado em três capítulos, divididos da seguinte forma:

a) Capítulo 1: Políticas Públicas e Adolescência;


b) Capítulo 2: Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA, Crimes e Crimes
Sexuais;
c) Capítulo 3: Crimes Sexuais, Estupro de Vulnerável e a Teoria “Exceção de
Romeu e Julieta”.
No primeiro capítulo buscou-se fazer um breve relato sobre a história e o
conceito de Políticas Públicas, bem como tentou-se explicar o ciclo pelo qual deve
passar uma política pública a fim de que se torne eficaz e atinja, no todo ou ao
menos em parte, o seu objetivo. Também realizou-se uma abordagem acerca do
tema “Adolescência”, buscando demonstrar através das pesquisas bibliográficas, a
importância de se entender as mudanças pelas quais passam os jovens nesta fase,
bem como, buscando entender as consequências oriundas de tais mudanças, pois,
caso não haja o devido acompanhamento, tanto por parte da família, quanto por
parte do Estado, através das políticas de atendimento à criança e ao adolescente, os
sujeitos de direitos do ECA ficarão à mercê de um sistema desregrado que acabará,
por sua vez, condenando os adolescentes a uma vida de ignorâncias, desprovida
dos direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal, reiterados no Estatuto
da Criança e do Adolescente e defendidos na legislação mundial que rege os
Direitos Humanos, bem como a dignidade da pessoa humana.
Deu-se no segundo capítulo, a abordagem se deu em prol do ECA, tendo sido
abordadas algumas características do referido Estatuto, bem como os princípios que
norteiam este dispositivo legal. Para o objeto deste trabalho, necessário foi tratar
também do tema A dignidade da pessoa humana, bem como A dignidade da pessoa
humana adolescente. Nesse sentido, falou-se sobre a Doutrina da Proteção Integral,
a qual tem por objetivo proporcionar à criança e ao adolescente uma proteção
especial. Essa proteção especial envolve desde a prioridade no atendimento em
hospitais, por exemplo, até a prioridade na destinação dos recursos públicos para a
83

criação e efetivação de políticas públicas. O segundo capítulo foi encerrado


abordando o conceito de Ato Infracional, bem como as medidas aplicadas em caso
de ocorrência destes, quais sejam, as Medidas de Proteção, Medidas Específicas de
Proteção e Medidas Sócio-educativas.
O capítulo 3 encerrou este trabalho trazendo algumas reflexões acerca dos
Crimes Sexuais, mais especificamente tratando do Estupro de Vulnerável. Para
tanto, analisou-se a Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, a qual inseriu um novo
dispositivo no Código Penal ao criar o artigo 217-A, que proíbe a conduta “Ter
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”.
Nesse ponto iniciou-se o que se pode chamar, do “ponto x” deste trabalho,
apresentando-se aí a teoria da “Exceção de Romeu e Julieta”.
Esta teoria, ainda pouco difundida no Brasil, defende a ideia de que se possa
pensar em uma exceção quando da aplicação da Lei nº 12.015/2009. Ao analisar,
especificamente, o artigo 217-A, inserido por esta lei no Código Penal, de imediato
vê-se que é punível com reclusão de oito a quinze anos a conduta prevista no artigo,
qual seja, “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menos de 14
(catorze) anos. Ocorre que, não prevendo a referida lei nenhuma exceção neste
caso, muitos adolescentes estão sendo julgados e punidos pela prática de atos que,
nada mais seria do que a descoberta de sua sexualidade, na companhia de outros
adolescentes, do sexo oposto, ou não, que estão também na situação de novas
descobertas propiciadas pela fase da adolescência, que tantas mudanças físicas,
psíquicas e emocionais provoca. Assim, pela aplicação da lei ao “pé da letra”,
adolescentes estão sendo obrigados a cumprir medidas sócio-educativas quando na
verdade, não estariam cometendo ato infracional algum, posto que, estaria apenas
sendo movido por alterações resultantes de seu crescimento e de seu fase de
adolescência.
A “Exceção de Romeu e Julieta”, teoria usada em vários países da Europa,
bem como nos Estados Unidos da América, defende a hipótese de não serem
penalizados os adolescentes que tenham mantido relações sexuais, quando a
diferença de idade entre os atores envolvidos, for menor ou igual a cinco anos.
Assim, se um adolescente de 16 anos mantiver relações sexuais com uma
adolescente de 13 anos, desde que de forma consentida, óbvio, não deveria ser ele
responsabilizado penalmente.
Embora trate-se de uma exceção, necessário se faz frisar que essa
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desresponsabilização ocorreria só e tão somente nos casos em que ambos os


atores fossem adolescentes, cumulado a isso, quando a diferença de idade entre os
envolvidos for igual ou menor que cinco anos, bem como, quando o suposto ato
sexual for consentido.
Assim, deve ser punido na forma do artigo 217-A qualquer outro caso que não
se encaixe nas situações acima descritas.
Um dos principais objetivos da Lei 12.015/2009 é o intuito de proteger
crianças e adolescentes dos abusos sexuais sofridos, na maioria das vezes, por
pessoas do mesmo âmbito familiar. Neste caso, a Lei deve ser aplicada no seu
maior rigor.
Por fim, o terceiro capítulo trouxe à tona a necessidade de existência de um
programa educacional nas redes de ensino que aborde as questões acerca da
sexualidade. Usou-se como referência o PROERD – Programa Educacional de
Resistência às Drogas e à Violência. O programa sugerido por este trabalho não
abordaria as questões sobre drogas e violência, tal qual já faz o PROERD, mas sim,
proporia discussões e reflexões nos ambientes de ensino, tendo como público alvo,
mais especificamente os adolescentes.
Para tanto, já que necessário é a obtenção de recursos financeiros, far-se-ia
uso do Princípio da Proteção Integral, que por sua vez defende a prioridade de
atendimento nas mais diversas áreas para as crianças e adolescentes, assim,
buscar-se-iam nas redes de proteção à criança e ao adolescente, os recursos
necessários, tanto de mão de obra, quanto de materiais, para a efetivação deste
programa, que nada mais é do que uma política pública para adolescentes, público
este que motivou todo o teor desta pesquisa, por acreditar-se que os adolescentes
são sim, sujeitos de direitos, e muito mais que isso, são “pessoas humanas em
processo de desenvolvimento” e, como tal, o Estado tem o dever de, juntamente
com a família, amenizar as consequências deste processo que por si só, já traz
consigo uma série de profundas turbulências, ou, no mínimo, oferecer orientações
que possam ajudar aos adolescentes passar por esta fase da melhor maneira
possível, algo que só ocorrerá com o trabalho conjunto de todos os atores da
sociedade, bem como e não apenas, do Estado.
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