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Do

caos à criação
publicitária:
Processo criativo, plágio e ready-made na publicidade
João Anzanello Carrascoza

Do
caos à criação
publicitária:
Processo criativo, plágio e ready-made na publicidade
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prefácio

O texto astuto da publicidade


Em um dos seus escritos teóricos, o poeta T.S. Eliot es-
creveu que a literatura apresenta como uma de suas singula-
ridades o fato de permitir ao leitor cruzar distintas leituras no
momento da fruição de um texto particular.Vale dizer, Gui-
marães Rosa não exclui Machado de Assis, que, por seu tur-
no, admite Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto.
O leitor, por certo, acrescenta camadas de sentidos porque,
objetivamente, organiza linhas de força que regulam os me-
canismos da ambigüidade presentes, seja no olhar de Benti-
nho, seja no desejo reprimido de Riobaldo por Diadorim,
ou, subjetivamente, se alimenta do fluxo de imagens, temas
e sugestões que permitem que as leituras sejam completadas
ou complementadas umas nas outras. Writting in progress.
A produção de textos não foge muito a tal regra.
Como não reconhecer Platão na mundividência plasmadora
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das andanças do narrador roseano pelo raso da Catarina, ou


a presença dos satíricos ingleses no desalentado Brás Cubas
buscador de um emplastro salvador de todos os males da hu-
manidade? Reading in progress.
A rigor, escrita e leitura formam totalidades, pois tan-
to o escritor é leitor (dos outros e de si mesmo), daí os
conhecidos mecanismos da influência, como os leitores se
fazem produtores, visto que os sentidos não estão dados ou
prontos, necessitando de permanente interlocução, ou da-
quilo que os lingüistas chamam de co-enunciação, termo
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bastante apropriado pelo que contém de vitalidade e retroa-
limentação no circuito entre a página que se abre e os olhos
que a acompanham.
Se as atualizações reconhecidas por T.S. Eliot ocorrem
no interior de uma mesma série discursiva, admitamos, a da
literatura romanesca, o mesmo procedimento vale para sé-
ries distintas, que arranjam, em grandes sistemas de signifi-
cação, a imagem e a palavra, a dança e a música. Assim é que,
por exemplo, em um take de telenovela, são amarrados os
diálogos, os gestos, as cores e os movimentos, instâncias por
meio das quais a linguagem complexa amplia vigorosamente
as possibilidades tanto do plano da produção como o da re-
cepção formularem campos de sentidos.
Prefácio

Tal questão dos acoplamentos e contaminações discur-


sivas tem merecido uma série de estudos nascidos no âmbi-
to da filosofia da linguagem. Autores como Mikhail Bakhtin
deram ao tema pleno reconhecimento e densidade. Daí o
conceito de carnavalização, por meio do qual é possível com-
preender como no terreno da cultura acontece a passagem de
valores, símbolos e preceitos, entre grupos e classes sociais di-
ferentes. E mesmo a profícua idéia da polifonia, procedimento
identificado por Bakhtin na obra de Fiódor Dostoiévski, que
demonstra como os enunciados verbais consignam a presença
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de registros lingüísticos ancorados em níveis mais ou menos
formais da linguagem.
Compreende-se por que dentre os vários slogans escritos
nos muros da Paris conflagrada pelos movimentos de maio
de 1968 um ganhou mundo: é proibido proibir. Os seus ecos e
adaptações pularam por galhos tão distintos como os da mú-
sica e das artes plásticas, animando tanto os versos dos poetas
como as telas dos pintores que imprimiam, em meio a formas
e cores, a inscrição verbal que reiterava o espírito libertário de
uma geração.Ver o exemplo de Caetano Veloso e Hélio Oiti-
cica. Ao mesmo tempo, utopia, sonho, desejo, política, expres-
são ideológica: Jack Kerouac, Janis Joplin, liberação das drogas,
combate ao imperialismo, luta contra a ditadura, antipsiquia-
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tria, guerrilha. No compósito animado por todos os riscos, o


que menos se pretendia era portar lenço e documento.
Nesse contexto, outros conhecidos slogans foram enun-
ciados, a se lembrar o guevarista: “Hay que endurecer, pero sin
perder la ternura jamás”, que chegou a migrar para espaços
jamais imaginados por El Che, haja vista as campanhas das
palhas de aço Bom Bril: “Hay que endurecer con la gordura sin
perder la ternura con las manos jamás!” Ou mesmo o tortuoso
caminho seguido pela imagem do charmoso revolucionário
que, partindo da Sierra Maestra, terminou adornando ca-
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misetas vendidas em butiques de luxo e biquínis desfilados
por estrelada modelo na badalada São Paulo Fashion Week.
Caso, provavelmente, de apropriação indébita do capital re-
volucionário alheio, mas de larga eficiência mercadológica e
vastíssimo sucesso entre as várias classes sociais.
As observações feitas, envolvendo os processos de
apropriação, desdobramento, deslocamento, contaminação e
cruzamento de códigos, linguagens e sistemas de representa-
ção, foram estimuladas pela leitura do livro de João Anzanello
Carrascoza. Neste ponto reside, segundo a minha percepção,
o núcleo problemático dos argumentos que o autor evidencia
no intuito de compreender e explicar os mecanismos gera-
dores da produtividade significativa do discurso publicitário.
Prefácio

Afinal, como se dá a criação do anúncio, do slogan, do


texto de convencimento, que têm como mister fixar marcas,
promover produtos, favorecer a circulação das mercadorias,
mexer com sensibilidades e despertar para a pulsão consumi-
dora? A resposta é encaminhada, no limite do possível, pela
perspectiva segundo a qual os textos publicitários expressam,
à exação, a lógica da bricolagem, da montagem. Tais recursos
de composição, plasmados por circunstâncias culturais, por re-
gistros do tempo, por incidências históricas, configuram cone-
xões entre múltiplas textualidades, descentradas vivências dis-
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cursivas, experiências capazes de promover o cruzamento em
um texto particular de vários outros textos. Com tal mirada,
Carrascoza afasta a realização publicitária do âmbito metafísi-
co afeito ao vago conceito de criatividade, aproximando-a de
uma idéia mais fértil, a da linguagem como produtividade.
Esse procedimento, contudo, preocupa o autor, que
nele identifica possibilidades inventivas, mas, igualmente, um
halo problemático dado pelo fetiche do enunciado. Vale di-
zer, ao se diluírem as origens das sentenças, frases, sintagmas,
cenas, sons e as marcas históricas que os gestaram perdem
suas tradições e referências.
Seria o caso de perguntar, para além da óbvia eficiên-
cia mercadológica do uso da imagem de Che Guevara, onde
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foi parar o ethos, o caráter, a singularidade de um sujeito que


elabora o enunciado “Hay que endurecer (...)” tendo em vista
uma circunstância histórica específica.
O espírito bricoleur, citativo, apropriativo, presente na
publicidade, mas também evidenciado por outros gêneros
discursivos, poderia, no limite, gerar estruturas repetitivas, es-
quemáticas, colocando sob suspeita possíveis atributos positi-
vos ativados por cadeias de ressignificação.
De toda sorte, Carrascoza, que se põe na perspectiva
de quem pensa criticamente o próprio ofício — afinal ele
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é, também, redator publicitário —, aponta as encruzilha-
das do seu mister. Daí a constatação de que a apropriação
das tradições constituídas estejam em Leonardo da Vinci,
Mozart, Marcel Proust, Sebastião Salgado, Jean Luc Go-
dard, Carlos Drummond de Andrade, na Bíblia, ao mesmo
tempo em que servem de alimento ao discurso bricoleur
dos chamados criativos, malgrado as ressignificações e rea-
tualizações operadas, correm o risco de se tornar um qua-
se patois do discurso publicitário. E isso pode resultar na
constituição de um curioso paradoxo: a quebra da origi-
nalidade. Formula-se, neste passo, uma das faces astuciosas
do texto publicitário, pelo menos conforme apreendo da
leitura deste livro.
Prefácio

Com o intuito de mostrar de maneira detalhada tais


dimensões do discurso da propaganda, Carrascoza apresenta
um rico conjunto de exemplos e os analisa evidenciando
como a engenharia dos sentidos ganha forma e projeção
social. Na seqüência de exemplos verificamos que o autor
lança mão de aportes metodológicos vindos da análise do
discurso, de elementos da semiótica e de incursões na aná-
lise de conteúdos. Por essa via, o núcleo argumentativo da
obra, conforme destacado em parágrafos anteriores, é ilumi-
nado por uma série de provas que servem para demonstrar
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procedimentos técnicos e expositivos, assim como firmar
pressupostos teóricos acerca dos andamentos dos discursos
publicitários.
Se os vários capítulos são instigantes em sua segurança
analítica e sistematização conceitual, um deles chama parti-
cularmente a atenção: “A hora e a vez do plágio”.Vale a pena
ao leitor refletir sobre até que ponto o abuso do ready-made,
da apropriação, do excesso citativo não bordeja a pura cópia,
o evidente plágio. É oportuno, nesse sentido, retomar o au-
tor: “Com o processo de globalização, o repertório cultural
das sociedades universaliza-se, e cresce o número de casos em
que se ‘deslocam’ expressões e imagens já prontas para anún-
cios dos variados produtos”.
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E não se está, aqui, falando dos possíveis estranhamentos


gerados pelo empreendimento ressignificador, a exemplo de
Magritte: Ceci c’est ne pas une pipe (aliás, reatualizado em cente-
nas de sites, que retomam a frase-modelo para gerar inúmeras
mensagens), ou dos rearranjos provocativos de Andy Warhol,
mas de um nível de mistificação que pode ser considerado
quebra dos contratos éticos. A cópia, simplesmente. Aquela sem
nenhuma inspiração, mas que se pretende inovadora, à espera,
provavelmente, de alguma honraria ou troféu em festival.
Enfim, com mais este livro, Carrascoza funde duas fa-
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ces da sua trajetória, ambas extremamente implicadas: o pro-
fessor e pesquisador universitário, cujo propósito deve ser o
de enxergar analítica e criticamente a área com a qual está
envolvido, e o profissional de agência publicitária, que precisa
responder às demandas postas cotidianamente pela profissão.
Atender a esse duplo chamado, nem sempre congruente em
seus propósitos e objetivos, é o desafio ao qual Carrascoza
não tem se furtado. Os livros escritos — e que vêm ajudando
a constituir acervo bibliográfico voltado às questões do dis-
curso publicitário —, assim como as campanhas às quais se
dedica, são o testemunho desse percurso.
Adilson Citelli
Professor titular da ECA/USP
sumário

1 O reino das idéias ........................................... 17

2 A bricolagem publicitária ................................ 23

3 A mina e a ferramenta ..................................... 43

4 O ready-made na criação publicitária ................ 79

5 A hora e a vez do plágio................................ 117

6 O rizoma como conclusão ............................ 137

Créditos ............................................................. 141

Bibliografia ......................................................... 153

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