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Trabalho de conclusão da disciplina de Língua Portuguesa IV: Teorias do Discurso

Professora Aline Aparecida dos Santos


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
2019

Implícitos nas capas de revistas dos anos de 1990 até 2000

Ana Laura Ferreira, Júlia Paes de Arruda, Letícia Ramalho, Raquel Ferro Dutra e Rayanne
Candido

Introdução:
Para a produção deste trabalho de conclusão da disciplina de Língua Portuguesa IV:
Teorias do Discurso decidimos trabalhar com os “não-ditos” do texto, explorando as
possibilidades de significação dos implícitos. Para isso, utilizamos 10 diferentes capas de
revistas voltadas para o público jovem adulto publicadas entre 1990 e 2000, como por
exemplo as revistas Capricho, Contigo e Carícia.
Tal faixa de tempo foi escolhida por conta de seu caráter peculiar, uma vez que nesse
período manchetes que hoje seriam consideradas bizarras eram comuns, trazendo uma
diferente visão do ‘politicamente correto’. Exemplo da unicidade das capas de revistas dessa
década é uma das analisadas, na qual se pode ler como matéria principal: “Ele me ensinou a
transar” (análise 5).

Metodologia:
Para efetuar as análises dos “não-ditos” nas capas de revistas dos anos 1990 a 2000
utilizamos da teoría dos implícitos exposta em sala. Nela, foi definido que implícito é todo
conteúdo que não vem explicitado no texto, estando assim presente em sua ausência. Tais
informações podem aparecer dentro dos enunciados de duas diferentes formas, sendo elas os
pressupostos e os subentendidos.
Define-se por pressupostos as ideias transmitidas de maneira não explícita no texto,
mas que podem ser identificadas e entendidas graças a uma palavra ou expressão contida na
sentença. Esses elementos linguísticos são chamados de marcadores de pressuposição e
podem ser representados na forma de adjetivos, advérbios, orações adjetivas, certas
conjunções e verbos que indiquem mudança ou permanência de estado.
A definição de subentendidos, por outro lado, refere-se às insinuações não marcadas
linguisticamente no enunciado, ficando a cargo do receptor entender o real sentido do que
quer ser dito. Aos subentendidos sempre há certo julgamento, um juízo de valor, por parte
daquele que entende o texto, o que por vezes leva à distorção da verdade. O subentendido diz
sem dizer. Ele sugere, mas não explicita, sendo seu entendimento de total responsabilidade do
ouvinte.
Uma vez conceituadas as definições dos termos tratados iniciamos a análise de mídia
procurando identificar os pressupostos e subentendidos de 10 capas de revistas jovens adultas
dos anos 1990 a 2000. Dessa forma, foram utilizados os conceitos de implícitos presentes na
análise do discurso francesa, estudada em classe sob a visão de Orlandi no livro “Análise de
discurso - princípios e procedimentos”.

Análises:
Análise 1 - Capa Capricho Sandy
A manchete principal da capa é uma frase dita pela cantora Sandy: “Eu ​nunca beijei”.
A palavra “nunca” demonstra permanência de estado, ela nunca fez a ação e continua sem
fazer - se encaixa no segmento dos pressupostos. Outro exemplo é a frase “Eles ​adoram
meninas de ​cabelo solto​”, possui a junção do verbo e de uma característica específica,
pressupõe que eles ​não adoram​ as meninas de cabelo preso.
Continuando os pressupostos, existe a apresentação do seguinte enunciado: “As
namoradas dos famosos ​entregam​”. Nesse caso, a ação de entregar pressupõe que as
mulheres vão revelar algum fato oculto sobre seus companheiros. E no segmento do que pode
ser subentendido pertencente a frase “Madonna é só uma amiga”, deixando a subentender que
existe um motivo para suspeita já que há necessidade de explicar e reafirmar essa relação.

Análise 2 - Capa Capricho Britney Spears


Logo no início é possível se deparar com a frase “Junior ​rompe o silêncio e fala de
sexo”. A palavra romper pressupõe mudança de estado, algo era de uma forma e agora já não
é mais. Na construção “Thierry e Priscila Fantin ​assumem o amor”, o verbo também indica
movimento.
Em seguida, no mesmo contexto, o enunciado é “Virgem? não mais. A ​1º vez de
Juliana Silvera”. Quando se diz a respeito de vezes que se realiza uma ação, ela
automaticamente se encaixa nos pressupostos. Já em “30 jeitos ​espertos de chamar um garoto
para sair”, o pressuposto está na palavra “espertos”, pois indica que existem outras formas
não espertas.

Análise 3 - Capa Contigo Xuxa


Em baixo da manchete principal está o seguinte enunciado: “Baixinhos ​perdem sua
musa”, o que pressupõe que antes eles a tinham e agora não têm mais. E em “César ​foge com
os dólares e Fátima fica com Afonso” é indicado uma ação, ele estava em determinado lugar
e agora está em outro. Já em “Solidão está me matando” existe o subentendido de que a
pessoa não está feliz por estar sozinha.
Nessa capa foram encontradas duas frases que podem ser classificadas como
pressupostas e também como subentendidas. A primeira “Piquet não é o ​machão que parece”
deixa a subentender que ele não faz juz à alguma expectativa esperada no âmbito sexual, e o
uso da palavra “machão” pressupõe que ele é o contrário disso. Já a segunda “Clodovil ​abre
o jogo sobre sua vida sexual”, deixa a subentender que existe alguma coisa de errado no que
diz à respeito a vida sexual de Clodovil. E, o uso de “abre o jogo”, pressupõe que ele vai
dizer algo que nunca disse, uma revelação - ​aqui está inserido um juízo de valor, já que ele é
gay.

A​nálise 4 - Capa Capricho Sandy


A capa da revista Capricho traz como matéria principal a manchete “​Cansei de ​s​er
santa”, no qual o verbo “cansei” sugere uma mudança de estado, sendo assim classificado
como um pressuposto. A frase ainda carrega um valor simbólico subentendido na expressão
“ser santa”, no qual está implícito os supostos deveres e formas de se portar de uma
mulher/menina que é considerada ‘santa’. O título em destaque é, ainda, seguido por uma
linha fina que diz “Sandy monta no salto e fala do rótulo que mais odeia: o de ​coitadinha”.
Tal frase também carrega um valor simbólico subentendido na palavra ‘coitadinha’, que
denota certas características estereotipadas referentes a cantora em questão.
A palavra “​primeira​” é utilizada duas vezes dentro da capa. Em um primeiro
momento ela faz referência à nova casa de Mario Frias e em um segundo momento à primeira
vez de um garoto. Em ambas o adjetivo refere-se a uma mudança de estado, sendo portanto
um pressuposto. A segunda manchete citada ainda traz um segundo pressuposto ao dizer que
“os garotos ​também tem medo”. O advérbio também pressupõe que as garotas teriam medo
da primeira vez da mesma forma.
Outros dois pressupostos podem ser encontrados na capa da revista sendo eles “ele
volta a TV” e “ Os gêmeos: no jogo dos 7 erros (ou ​14​?)”. O verbo “volta” e o número “14”,
respectivamente, promovem um efeito de sentido pressuposto nas frases que sugere
primeiramente uma mudança de estado e segundamente o dobro de erros, uma vez que são
gêmeos.
A capa traz ainda um valor simbólico subentendido ao construir a frase “um programa
de beleza que vai deixar você pronta para o biquíni”. A partir desse enunciado é possível
subentender que a revista vai trazer dicas para o cuidado estético que reforçam os padrões de
beleza impostos pela sociedade, reafirmando que apenas um corpo dentro desses padrões
poderia estar apto a usar um biquíni.

Análise 5 - Capa Capricho Deborah Secco


A manchete da revista é uma entrevista com a atriz Deborah Secco, na qual ela relata
sua experiência namorando homens mais velhos. A capa traz uma frase de destaque da atriz
em que ela diz “Ele me ​ensinou a transar”, que marcada pela pressuposição do verbo
“ensinou”, sugere que antes do relacionamento com o homem em questão ela não sabia se
relacionar sexualmente. Além disso, “ensinou” carrega um sentido subentendido de que
homens mais velhos são como professores para mulheres mais novas, ensinando-as
determinadas coisas, especialmente as relacionadas à vida sexual e amorosa.
Também é identificado um valor simbólico subentendido sobre o sentido do que é
“saber transar”. Considerando a época, contexto da capa (um tempo em que a vida sexual das
mulheres brasileiras era limitada), a escolha de palavras e os valores subentendidos, o “saber
transar” pode ser entendido como agradar o homem sexualmente, não necessariamente
estabelecendo uma relação de fato
Outro pressuposto da capa é a frase “Incrível! Meninos ​ainda pagam para fazer sexo”.
A marcação do advérbio temporal “ainda” sugere que as atitudes dos homens diante do
mercado sexual continuam as mesmas, mesmo com o passar do tempo.
A capa também traz uma frase do cantor Rogério, do Jota Quest, extraída de um
questionário: “Não dá pra ser fiel”. A colocação deixa subentendido que o cantor
provavelmente trai suas companheiras e que deseja aproveitar as situações e pessoas que lhe
aparecem, uma vez que explicita e verbaliza que não é possível manter a fidelidade.

Análise 6 - Capa Capricho Alessandra Ambrósio


A revista em questão foi publicada no dia mundial da luta contra a AIDS, como é
destacado na capa. A manchete “Viva a vida” é seguida da frase: “emocionante: meninas
contam como é conviver com a AIDS e ​continuar gostando da vida”. O “continuar” diz que
as meninas em questão vão ao contrário do seguinte pressuposto: quando se tem o vírus da
AIDS não existe mais gosto pela vida.
Existe um subentendido na capa que se encontra em “Dá certo namorar homem mais
velho?”. A pergunta carrega um sentido de que namorar homens mais novos traz menos
dificuldades, questões e ‘esforços’ do que namorar mais velhos.

Análise 7 - Capa Capricho Los Hermanos


Os implícitos de maior destaque vão para os dizeres: “Os meninos [da banda Los
Hermanos] não aguentam mais ser lembrados por Anna Júlia e desabafam: “Somos um grupo
de rock”. Através dos subentendidos e da construção dessas frases podemos entender que a
música mais conhecida do grupo (Anna Júlia) não representa e não corresponde ao gênero
que eles tocam (rock). Por isso, eles não aguentam mais ser lembrados pela música (porque a
banda é de rock e a música não). Entendemos isso porque estes dois elementos foram
colocados numa posição de contraposição (Anna Júlia X Rock).
Na capa, também é trazida uma frase da atriz Natália Lage que carrega vários
implícitos. Ela diz que “comia para ​engordar e ​ficar feia”. Inicialmente, o “ficar” antes do
feia pressupõe que antes ela era bonita. De forma semelhante funciona o “para engordar”, que
pressupõe que antes ela era magra. Além disso, também existe um subentendido no “ficar
feia”. Ele reforça padrões de beleza e gordofobia ao passar o sentido de que estar ou ser gorda
significa diretamente ser ou estar feia. Ao passo de que o contrário (estar/ser magra) é o que é
de fato bonito esteticamente.
Outro subentendido da capa está em “O exame dói? Precisa ficar nua? O que rola na
primeira consulta com o ginecologista”. Todas as frases carregam o sentido que cerca o senso
comum à respeito da saúde íntima da mulher e da adolescente, isto é, que é dolorido,
constrangedor, etc.

Análise 8 - Capa Carícia Rodrigo Santoro


A capa traz como manchete principal a entrevista com o ator Rodrigo Santoro,
“Rodrigo Santoro jura: ‘Não me acho bonito’. ​Dá pra acreditar?!!!​”. O teor da chamada
carrega o pressuposto de que o ator, na verdade, é bonito e não feio como ele mesmo acredita.
Essa interpretação é sugerida pela pergunta: “Dá pra acreditar?!!!”, que gera um
questionamento em relação à realidade.

Análise 9 - Capa Capricho Thiago Lacerda sem máscara


Dentre as chamadas laterais, uma destaca-se com implícito: “‘Fiquei com 19
meninos’, uma garota emagreceu e ​mudou de vida​.”. Entende-se que antes do processo de
emagrecimento a menina não tinha um corpo que atraía meninos. No caso, a mudança é
supostamente boa porque está associada ao subentendido de que ficar com vários meninos é
uma conquista. Nesse caso, a análise do implícito também expõe o machismo estrutural da
sociedade, na qual as mulheres só podem ser felizes com um padrão de corpo que atrai
homens.

Análise 10 - Capa Capricho Samara Felippo, boa de corpo


A capa traz a imagem de Samara Felippo mostrando a barriga magra, em cima de seu
corpo está escrito “​Boa de corpo”. Nessa situação, encontram-se dois implícitos, o
subentendido de que existe quem seja “ruim de corpo”, e o subentendido de que a mulher é
boa “só” de corpo, não importam outras características se não físicas.
A manchete da foto de capa é “Samara Felippo explica como ​conseguiu essa barriga
sequinha (e ensina o truque para ​você ficar igual)”. A palavra “conseguiu” pressupõe uma
conquista, algo que não era natural e precisou ser provocado. A ideia é enfatizada pelo
pressuposto em “truque”, que dá a entender que qualquer pessoa vai conseguir um corpo
igual a da Samara Felippo se souber e aplicá-lo. E por último, a mensagem é direcionada ao
público e pressupõe-se que ele também quer e busca ter um corpo como o da capa.

Resultados:
Podemos observar, a partir das análises feitas nas capas de revista dos anos de 1990 e
2000, que as informações podiam se tornar dúbias e causar impressões negativas tanto para o
tema abordado pela matéria ou para a celebridade estampada na capa.
Outro ponto a ser observado é que a maioria das capas evidenciam o machismo que as
mulheres sofriam na época, em exemplo a de Deborah Secco (análise 5) e a de Sandy (análise
4). Além disso, muitas das manchetes reforçam o padrão de beleza estipulado da sociedade,
menosprezando qualquer estereótipo diferente e que não fosse objeto de atração dos
“meninos” (análises 1, 7, 9 e 10).

Considerações finais:
As capas de revistas analisadas eram focadas no público jovem-adulto, época em que
há mudanças no corpo tanto fisicamente quanto psicologicamente. Dessa forma, as matérias
serviriam como arcabouço para o pensamento crítico desse público, porém de uma maneira
errônea e equivocada já que foram construídas sem o comprometimento com a veracidade.
Anexos:
Anexo A - Capa 1
Anexo B - Capa 2

Anexo C - Capa 3
Anexo D - Capa 4

Anexo E - Capa 5
Anexo F - Capa 6

Anexo G - Capa 7
Anexo H - Capa 8

Anexo I - Capa 9
Anexo J - Capa 10

Bibliografia:
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. 8. ed.
Campinas: Pontes, 2009.

CAPAS
Eu nunca beijei. Revista Capricho, São Paulo. 1999.
Vá à Luta. Revista Capricho. 836. ed. São Paulo. 2000.
Xou da Xuxa chega ao fim. Revista Contigo!, São Paulo. 1998.
Cansei de ser a santa. Revista Capricho, São Paulo. 2000.
“Ele me ensinou a transar”. Revista Capricho. 814. ed. São Paulo. 1999.
“Viva a vida”. Revista Capricho. 745. ed. São Paulo. 1996.
“Em crise”. Revista Capricho. 830. ed. São Paulo. 2000.
“Rodrigo Santoro jura: ‘Não me acho bonito’”. Revista Carícia, n° 305. ed. São Paulo. 1998
Samara Filippo Boa de corpo. Revista Capricho, São Paulo. 1990.
Thiago Lacerda sem máscaras. Revista Capricho, São Paulo. 1999.

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