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ANTES QUE ELA DECIDA

Obras publicadas da autora

Lembre-se de mim, Thomas

Série Sobre Nós


Antes que ela diga não
Antes que ela desista
Antes que ela decida

A coragem das estrelas

FERNANDA FREITAS

ANTES QUE ELA


DECIDA

1º edição
PLAYLIST DA SAVANNAH

Demi Lovato – Only Forever


Demi Lovato – Stone Cold
Boyce Avenue – For The First Time (cover)
Miia – Dynasty
Hilary Duff – So Yesterday
Shawn Hook ft. Vanessa Hudgens – Reminding Me
Camila Cabello – Consequences
NF ft. Britt Nicole – Can You Hold Me?
Little Mix ft. Jason Derulo – Secret Love Song
Ed Sheeran – Happier
Ariana Grande – Just A Little Bit Of Your Heart
The 1975 – Be My Mistake
Lewis Capaldi – Before You Go
Alessia Cara – Out Of Love
PRÓLOGO

Muitos anos antes...

“Para com isso! Você vai acabar matando-o! Para!”


Três socos na cara.
Dois chutes nas costelas.
Ou talvez tenha sido ao contrário.
Onde é que eu estou mesmo?
O parque.
Era só para ser um passeio no parque. Como um passeio no parque
terminou desse jeito?
Sinto o impacto de outra pancada no rosto. Ou talvez tenha sido no
estômago. Talvez nas costelas? Não sei dizer. A verdade é que o meu corpo
inteiro está doendo, então não faço ideia de onde estão me acertando.
Também não parece mais fazer diferença agora.
“Por favor”, eu imploro, mas a minha voz sai esquisita, um pouco abafada
e fraca.
O gosto de sangue na minha língua é bem presente e quase consigo ouvir
o barulho de alguns ossos sendo quebrados. E tem sangue. Muito sangue no
chão.
Meu sangue.
Sangue do Noah.
Noah.
Era só para ser um passeio no parque.
“Para! Por favor! Para com isso! Por favor!”
Em determinado momento, a dor simplesmente desaparece e agradeço
silenciosamente por isso. A dor se foi. Talvez eu esteja realmente morrendo.
Ou talvez eu já esteja morto.
01.

SAVANNAH

Junho

Não acredito que isso está acontecendo.


Talvez seja um sonho. Acho que, pelo menos uma vez, todas as
mulheres do mundo já devem ter sonhado que estavam grávidas. Eu sei que
eu já sonhei, e nem consigo descrever o alívio que foi quando acordei e me
dei conta de que não era real. No entanto, eu já me belisquei, já tentei
acordar, mas a realidade está batendo na minha cara e gritando que é tudo
verdade.
Eu estou mesmo grávida.
Os quatro testes de gravidez que eu fiz deram positivo. E a cada
positivo, foi uma onda de choro e desespero. Falta o exame de sangue para
confirmar, mas não preciso dele. Minha menstruação está atrasada e sei que
uma das camisinhas que Zach e eu usamos, furou.
Eu estou tomando pílula, no entanto. Então não entendo como isso pode
ter acontecido.
Merda. Isso não deveria estar acontecendo. Para que servem os malditos
anticoncepcionais se você acaba engravidando mesmo assim?
Seria pedir demais que isso fosse um sonho e nada mais?
Meu Deus.
Eu percebi que tinha alguma coisa errada quando a minha menstruação
atrasou. Ela nunca atrasa mais de dois dias. Nunca.
E, Deus, os enjoos. Sophie comprou comida chinesa outro dia e o cheiro
do yakisoba me fez correr para o banheiro e colocar as tripas para fora.
Foi nesse exato momento que a possibilidade de estar grávida me
pareceu bem real.
O que meus pais vão dizer? O que Zach vai dizer? Como vou tomar
conta de uma criança se ainda estou entrando no segundo ano da faculdade?
Como vou ser mãe aos dezoito anos de idade? Eu mal iniciei a minha vida.
Passei os últimos vinte minutos no banheiro encarando os quatro testes
de gravidez que fiz, e agora que tenho o tão temido resultado, parece que
minha vida está desmoronando. Meu cérebro não está processando nada, e eu
tenho a impressão de nem estar enxergando direito.
Minha cabeça está um turbilhão. Estou totalmente no piloto automático.
“Sav. Ei.” Sinto alguém tocar no meu braço. Minha visão demora um
segundo para reconhecer Eretria. “Tudo bem?”
Eu nem me dei conta de que tinha voltado para o dormitório. Minhas
duas amigas e colegas de quarto, Eretria e Sophie, estão paradas na minha
frente e olhando para mim com os cenhos franzidos. Sei que elas estão se
perguntando o que está errado comigo.
Antes que eu consiga me conter, começo a chorar. As lágrimas correm
pelas minhas bochechas sem qualquer controle. Eu soluço e choro cada vez
mais alto e mais forte. O estado de choque passou e a realidade é muito
assustadora.
“Amiga, o que aconteceu?”, Sophie me pergunta, se aproximando de
mim.
Preciso contar isso para alguém. Não sei como vou contar ao Zach ou
aos meus pais, então, nesse momento, é muito mais fácil contar para as
minhas amigas. Sei que posso confiar nelas. Nós nos tornamos muito
próximas no último ano; enfrentamos muitas coisas juntas. Tenho a
impressão de que seremos amigas para o resto de nossas vidas.
Bom, eu realmente espero que isso aconteça.
“Eu tô grávida.”
A primeira reação delas é arregalar os olhos, depois seus queixos caem
em espanto. Eretria abre e fecha a boca várias vezes, mas não consegue dizer
nada.
É Sophie quem quebra o silêncio. “Sav, você tem certeza?”
Faço que sim. “Eu fiz quatro testes”, conto, entre lágrimas. “E eu sei que
a camisinha estourou enquanto estávamos transando no mês passado, mas eu
estou tomando anticoncepcional. Isso não deveria acontecer.”
Eretria engole em seco. “O Babyface já sabe?”
“Não. Eu acabei de descobrir.” Choro mais ainda. “Ah, meu Deus, como
vou contar isso para ele? E se ele me largar?”
“Ele é maluco por você. Tenho certeza de que não faria isso”, Sophie
garante.
Sei que minha amiga está tentando me acalmar, mas ela não pode me
garantir isso. Zach é um cara incrível, e eu sei que ele gosta muito de mim,
mas isso não quer dizer que ele queira ser pai aos vinte e um anos.
“Meus pais vão me matar”, eu choramingo.
“Não pense nisso agora”, diz Eretria, passando o braço pelos meus
ombros e me levando para que nos sentemos na cama. “Vamos pensar em
uma coisa de cada vez.”
Sophie concorda. “A primeira coisa que temos que fazer é ir ao médico
e fazer um exame de sangue para confirmar a gravidez.”
Eu amo essas garotas. De verdade. O problema é inteiramente meu, mas
elas falam como se fosse nosso, o que me deixa saber que elas vão estar do
meu lado mesmo que o resto do mundo esteja desmoronando. Poucas pessoas
experimentam esse tipo de amizade.
“Eu vou ligar para o Nash e dizer que vamos pegar o voo mais tarde e...”
“Não”, eu protesto. “Tá maluca? Você está falando nessa viagem desde
que o Nash comprou a passagem. Você vai.” Fungo, limpando as lágrimas.
“E eu também não quero que Nash desconfie que tem algo errado agora. Não
tô pronta pra contar pra todo mundo.”
Sophie concorda. “Sav tem razão. Vai para a sua viagem, Tria. Eu vou
com ela na clínica e nós te mandamos mensagem depois.”
Eretria não parece nem um pouco feliz com isso.
“É sério, amiga. Está tudo bem”, digo, embora isso não seja nem um
pouco verdade. “Soph vai comigo.”
Por fim, Eretria solta um suspiro. “Tá bom, mas vocês precisam
prometer que vão me manter informada. Prometo tomar cuidado para o Nash
não ver meu celular.”
Sophie e eu concordamos com a cabeça.
Nash aparece pouco tempo depois para buscar Eretria.
É bom finalmente ver os dois namorando, considerando tudo o que
tiveram que passar para finalmente ficarem juntos.
Sophie e eu esperamos que os dois saíssem para pedir um táxi, que
demorou quase quinze minutos para chegar. Talvez esteja na hora de eu
aceitar aquele carro que meu pai quer tanto me dar.
Na clínica, uma enfermeira me leva para uma pequena sala para fazer a
coleta do sangue. Eu estou tão tensa que ela demora quase cinco minutos para
conseguir achar uma veia disponível. Ao meu lado, Sophie tenta me acalmar
ao segurar a minha mão, mas mesmo o seu apoio não é o suficiente para me
deixar relaxada. Eu estou surtando internamente. Literalmente à beira de um
colapso.
Depois de fazer o exame, a enfermeira me orienta que o resultado sai
dentro de algumas horas e eles podem me encaminhar por mensagem no
celular. Eu digo que quero que façam isso, e depois eu e Sophie voltamos
para o campus.
Eu passo a maior parte do tempo calada, mas a minha cabeça está a mil
por hora. Já estou me vendo daqui nove meses com um bebê que eu não faço
a menor ideia de como cuidar.
Bom, o aborto é um procedimento legal na Carolina do Norte — assim
como também é na Flórida, onde meus pais moram. Isso significa que eu não
teria que correr o risco de optar por uma clínica clandestina. No entanto, não
sei exatamente o que penso a respeito disso. Nunca parei para pensar no
assunto. Sei que é uma questão que divide opiniões, mas eu nunca me
posicionei contra ou a favor. Mas agora? Sinceramente, não sei o que pensar.
Preciso contar ao Zach. Isso é responsabilidade dele tanto quanto é
minha. Ele tem o direito de saber antes que eu tome qualquer decisão. E sim,
sou eu quem vai tomar a decisão. Sei que, independente do que eu escolher,
isso vai afetar não só a minha vida, mas a dele também. No entanto, acho que
essa é uma decisão que cabe a mulher fazer.
Ah, Deus. Não sei.
“Sav, eu estou indo para o Tina’s”, avisa Sophie. “Você vai ficar bem
sozinha?”
Faço que sim.
“Me manda mensagem se precisar de alguma coisa, tá bom?”
“Tá bom.”
Sophie trabalha como garçonete em uma lanchonete em Raleigh, a
cidade vizinha a Durham. Sempre a admirei por isso. A forma como ela
batalha na vida é uma coisa que eu nunca precisei fazer, já que a minha
família é podre de rica. Sophie é aquela pessoa que me mostra a vida como
ela é.
Falando sobre minha família... Meu Deus. E se meus pais me
deserdarem? Eles nunca me deram motivos para pensar que poderiam ser
capazes disso, mas agora não tenho certeza de nada. Estou confusa e
assustada. Não sei se consigo passar por isso se eles decidirem não me ajudar.
Meu celular começa a apitar e eu pulo da cama para pegá-lo. Deve ser
da clínica. Talvez os testes de farmácia estejam errados. Isso acontece o
tempo todo, não é?
Abro a mensagem.

Prezada Srta. Radcliff, informamos que o seu resultado do seu Beta


HCG deu positivo. Parabéns!
Podemos agendar os primeiros exames para o pré-natal?

Meu corpo inteiro começa a tremer.


Deus. Eu estou mesmo grávida. Qualquer esperança de isso ser uma
grande piada de mau gosto acabou. Isso é real.
Jesus Cristo.
Eu vou ser mãe.
02.

BABYFACE

Estou sentado no sofá da casa que divido com seis dos meus colegas de
time — nós todos jogamos basquete pela Universidade Duke. Está todo
mundo fazendo as malas para passar um tempo com a família nessas férias de
verão. Provavelmente, eu deveria estar fazendo a mesma coisa, mas a verdade
é que o inferno seria um lugar mais agradável do que a minha casa.
Eu nasci e cresci na Califórnia, mas fiz questão de vir estudar na costa
leste, do outro lado do país. E, em datas comemorativas, como Natal e Ação
de Graças, eu uso a distância como desculpa para que meus amigos não
saibam que eu detesto ir para casa.
Meu plano era passar as férias na casa que divido com meus amigos,
mas minha mãe, que eu não vejo há dois anos, exigiu que eu fosse para casa.
Consegui fugir das outras vezes, mas suponho que eu não possa fingir para
sempre que meus pais não existem. Embora eu quisesse muito isso de vez em
quando.
Acho que a maioria das pessoas acredita que nada pode realmente
destruir uma família, mas isso é mentira. Há coisas que podem, sim, destruir
uma família. A minha foi destruída anos atrás.
“Cara, o que você tem?”, pergunta Friends, meu amigo, companheiro de
time e colega de república. “Tá com uma cara esquisita.”
“Olha quem fala. A sua cara tá sempre esquisita.”
Friends mostra o dedo do meio para mim antes de começarmos a rir.
De todos os caras com quem eu moro, Friends provavelmente é o meu
melhor amigo. Nós dois fomos batizados com apelidos esquisitos e somos
reservas no time de basquete. Acho que isso nos aproximou bastante. E o fato
de morarmos juntos.
Falando em apelidos... Ganhei o meu no meu primeiro ano de faculdade.
Trouxe uma garota para casa, nós transamos, foi bom pra caralho e aí ela teve
a infeliz ideia de dizer que eu tinha cara de bebê. E mais infeliz ainda foi o
fato de Nash ter ouvido isso.
Maldito Nash.
E então, claro que o desgraçado contou para os outros caras e, de
repente, meu nome foi de Zach para Babyface. O apelido pegou de tal forma
que a maioria das pessoas não sabe o meu verdadeiro nome.
No começo, fiquei puto. Os caras me chamavam de Babyface e eu fingia
burrice; fingia que não era comigo, mas isso só servia para deixá-los ainda
mais empenhados em me irritar. Então, bom... É como diz o ditado, se não
pode com eles, junte-se a eles, não é? Aceitei o caralho do apelido, e hoje em
dia até esqueço que esse não é o meu nome de verdade.
A única pessoa que me chama de Zach nos dias de hoje é minha
namorada. Savannah. Nós nos conhecemos no segundo semestre do ano
passado. Caralho. Quase um ano inteiro atrás.
Demorou até que eu conseguisse chamá-la de namorada. Sav vivia me
dizendo que não queria um relacionamento sério. E eu respeitei. Dei a ela o
espaço que ela queria e precisava, mas quando senti uma rachadura em seu
argumento, a levei ao Sarah P. Duke Gardens, uma área arborizada e
ajardinada dentro do campus da Duke, e pedi minha garota em namoro.
Ela aceitou. Ainda bem.
“Você não vai fazer as malas?”, pergunta Friends.
A voz do meu amigo me faz levar um susto. Viajei tanto nos meus
pensamentos que até esqueci que o filho da mãe estava do meu lado.
“Eu só vou amanhã. Sav e eu combinamos de passar a noite juntos.”
Friends assente. “Ela vai para a casa dos pais?”
“Vai.”
Os pais de Savannah moram na Flórida. E sei que eu não deveria me
sentir chateado, mas eu estava torcendo que ela me convidasse para passar as
férias com ela. Eu toparia muito mais conhecer o pai dela e correr o risco de
levar um chute na bunda do que ficar um mês na casa dos meus pais.
Jesus. Um mês inteiro.
Se eu conseguir sair de lá vivo será uma vitória.
“Beleza. Tô caindo fora”, avisa Friends. “Te vejo no mês que vem.”
Forço um sorriso. “Te vejo no mês que vem, cara.”
O último a sair de casa é Ryan. E quando fico sozinho, o silêncio me
consome. Odeio silêncio. E odeio mais ainda a sensação de estar sozinho.
Então, pego as chaves da caminhonete de Derek em cima da mesa e saio de
casa.
Como somos sete, nós dividimos os carros. Imagina só sete veículos na
garagem? Rá. Só se morássemos em uma mansão.
Nash tem um Rover, Derek tem uma caminhonete e Jeremy tem uma
SUV. Eles são oficialmente os donos dos carros, mas nós estamos sempre
pegando emprestado um dos outros e isso é muito legal.
Dirijo até Durham, a caminho da Bassett House. Mandei uma mensagem
para Savannah hoje cedo, mas ela não me respondeu. Deve estar concentrada
em escrever uma música nova. Minha garota é cantora e compositora e estuda
música na Duke. Tive a honra de ser a inspiração da última canção que ela
compôs. Bom, eu já estava apaixonado por ela muito antes disso.
Quando chego à Bassett House, coloco o código de segurança na porta,
subo as escadas até o segundo andar e vou até o quarto de Savannah. Coloco
o ouvido na porta para saber se ela está tocando, mas não escuto nenhum
barulho vindo de dentro do quarto.
Bato na porta. “Linda, sou eu.”
Ouço um farfalhar do lado de dentro e a porta se abre segundos depois.
Eu me assusto ao me deparar com a minha namorada com os olhos vermelhos
e inchados.
“Ei, o que foi?” Me aproximo dela depressa e seguro seu rosto lindo
entre as minhas mãos. “Você estava chorando?”
Não sou muito bom em ler as pessoas, mas consigo perceber alguma
coisa em seus lindos olhos cor de âmbar. Só não sei o que é.
“Eu...” Ela limpa a garganta. “Eu estava assistindo um filme e me
emocionei. Só isso.”
Sorrio para ela. “Qual filme?”
“Pra sempre ao seu lado.”
“O do cachorro?”
Ela faz que sim.
“É por isso que eu não assisti. Eu tinha certeza de que era triste. Quando
as pessoas colocam animais no meio é pra fazer a gente desidratar de chorar.
É uma sacanagem do caralho.”
Savannah solta uma risadinha. “Você se importa se ficarmos aqui
hoje?”, ela pergunta. “Eu, ahn, estou com um pouquinho de dor de cabeça.
Acho que chorei demais com o filme.”
“Sem problemas.” Fecho a porta do quarto atrás de mim e me jogo na
cama de solteiro de Savannah. “Vem cá, linda.”
Ela deita comigo, se alinhando ao meu peito. Seu cabelo castanho faz
cócegas no meu braço, mas eu deixo que ela se aconchegue como preferir.
Sou grande demais para uma cama de solteiro, então fico com uma
perna para fora, ancorada no chão, para dar mais espaço para Savannah se
deitar. Não é tão confortável quanto a minha cama de casal, mas não tem
como alguma coisa ser ruim quando eu estou com ela.
Encontrar Savannah não foi uma coisa que eu planejei. Nunca fui contra
relacionamentos, mas eu estava aproveitando a solteirice. Não sou tão
mulherengo quanto Nash — ninguém é tão mulherengo quanto Nash. Ou era,
porque agora ele está todo apaixonado por Eretria Kinsley, a irmã mais nova
de um dos nossos colegas de time e república —, mas tinha uma vida sexual
bem ativa.
Quando conheci Savannah, por intermédio de Sophie e Eretria, a
primeira coisa que pensei foi “gostosa pra caralho”. Depois, nós transamos e
foi... cara, foi sensacional. Tipo, muito bom mesmo. E como nossos amigos
estavam sempre saindo juntos, nós nos encontrávamos com frequência. Uma
coisa levou a outra e, quando me dei conta, eu estava apaixonado por ela.
“O que você tanto pensa nessa sua cabecinha linda?”, indago, baixinho.
“Você está de olhos fechados. Como sabe que eu estou pensando em
alguma coisa?”
Sorrio. “Eu não preciso te ver com os meus olhos para saber que tem
algo errado com você.” Abro os olhos. “O que tá rolando?”
“Eu... ahn... estava pensando nesse um mês que vamos ficar separados.”
Suspiro. “Nem me fala. Vai ser uma merda.”
“Talvez você possa me visitar na Flórida”, ela sugere “e depois nós
voltamos juntos para Durham.”
“Está me convidando para conhecer os seus pais?”
O corpo de Savannah fica rígido e seus olhos deixam transparecer o
quanto ela está apreensiva. “Você não precisa ir se não se sentir confortável.
Eu sei que conhecer os pais é um passo importante e...”
“Eu vou”, afirmo. “Conhecer os seus pais não me assusta, amor.”
Ela se aconchega ao meu corpo e eu a aperto contra mim, sentindo seu
corpo quente e macio. Eu poderia facilmente ficar horas desse jeito. O cheiro
dela é inebriante, e eu não faço ideia de como consegui dar tanta sorte.
Ter encontrado Savannah foi, provavelmente, a melhor coisa que
poderia ter acontecido comigo durante a faculdade. É verdade que conhecer
os caras também mudou a minha vida, mas, Savannah é algo a mais. Não sei
exatamente por que comecei a sentir algo mais forte por ela. Talvez seja o seu
jeito leve e alegre; ou talvez pela sua humildade —mesmo sendo tão rica que
provavelmente poderia comprar um pequeno país subdesenvolvido.
E, Deus, nem me deixe começar a falar do quanto ela é linda. Seu cabelo
castanho comprido é sedoso e cheiroso; seus olhos cor de âmbar são
extremamente expressivos e exóticos. Seu corpo curvilíneo me deixa
maravilhado e a forma como ela diz o meu nome é provavelmente o som que
mais gosto de ouvir.
E como se estivesse adivinhando meus pensamentos, ela me chama:
“Zach.”
Abaixo o olhar para o seu rosto lindo. Os seus olhos estão cravados em
mim.
É tão maravilhoso, mas ao mesmo tempo tão estranho ouvi-la me
chamando pelo meu nome. Já que ninguém na costa leste me chama desse
jeito.
“Hum?”
“Eu preciso fazer uma pergunta e preciso que você seja honesto
comigo.”
Não gosto do seu tom apreensivo. Tensão é uma coisa que não é típica
de Savannah, então sei que o assunto é sério.
“O que estamos fazendo?”
Franzo o cenho. De repente, estou confuso e não faço ideia do que ela
está falando. “Como assim?”
“Eu e você. Quer dizer, você vai se formar no ano que vem. Eu ainda
tenho mais três anos de faculdade pela frente. Então, eu acho que o que eu
estou perguntando é: o que vai acontecer com a gente quando você for
embora?”
Honestamente, eu não havia pensado nisso. Quase nem consigo acreditar
que só falta um ano para que eu finalmente me forme na faculdade. Passou
tão rápido...
Quando saí da Califórnia para estudar na Carolina do Norte, tinha o
intuito de terminar a faculdade e ir para qualquer lugar do mundo, menos de
volta para a Califórnia. Não tem nada lá para mim, e a proximidade com os
meus pais não é uma coisa pela qual eu anseio.
E apesar de amar jogar basquete, nunca quis me tornar profissional,
então eu passei longe de me inscrever no draft. Meu sonho de infância é ser
engenheiro, e é para isso que eu estou me formando. O que significa que
posso trabalhar em qualquer estado dos Estados Unidos. Qualquer um
mesmo. Menos na Califórnia. O que também significa que posso arrumar um
emprego na Carolina do Norte e ficar perto de Savannah até ela terminar a
faculdade.
“Eu não preciso ir embora” respondo, por fim. “Posso arrumar emprego
em qualquer lugar, raio de sol.”
Ela abre um sorriso quando ouve o apelido que dei a ela.
“Você ficaria na Carolina do Norte por mim?”
“Com uma dose diária da sua boca e do seu corpo, eu fico em qualquer
lugar, gata.”
Ela solta uma risadinha fofa.
“Então nós vamos ficar juntos?”, ela ainda quer se certificar.
“Claro que vamos ficar juntos.”
Savannah se aconchega ainda mais ao meu corpo. “Que bom saber
disso.”
Eu beijo a sua têmpora e a aperto ainda mais contra mim.
Não importa se vamos passar um mês inteiro separados, tudo o que
importa são os momentos como esse, onde posso ficar sozinho com a minha
garota e sentir que não há nada de errado no mundo, mesmo sabendo que é
um lugar fodido pra caralho.
“A gente poderia aproveitar esse tempo e fazer alguma coisa mais
interessante do que só ficar deitado”, diz ela, desenhando círculos
imaginários no meu peito.
Arqueio uma sobrancelha. “Pensei que você estava muito tristinha por
causa do filme do cachorro.”
“Na verdade, eu estou precisando pensar em outra coisa... que não seja
esse filme.”
Não consigo evitar abrir um sorriso carregado de malícia à medida que
puxo o corpo de Savannah para cima do meu. Ela se senta em cima de mim,
acomodando cada joelho de um lado do meu corpo. Apoio minhas mãos nos
seus quadris na mesma hora em que Savannah puxa sua camiseta de pijama
por cima da cabeça. Ela usa um sutiã de renda azul marinho e meio
transparente, deixando seus mamilos avermelhados à mostra.
Os peitos de Savannah não são enormes, mas são simplesmente
perfeitos. No entanto, a bunda dela com certeza é a minha parte favorita do
seu corpo. Seu traseiro generoso me deixa maluco.
“Já te falei o quanto você é linda pra cacete?”
Ela solta uma risadinha. “Hoje não.”
“Você é linda pra cacete.”
Os dedos hábeis de Savannah agarram a barra da minha camiseta antes
de puxá-la para cima, tirando-a pela minha cabeça. Ela dobra o corpo e
distribui beijos pela minha barriga, depois pelo meu peito, até chegar à minha
boca. Seus lábios têm gosto de morango, como de costume, e são macios aos
pressionarem os meus.
Deslizo minhas mãos para as suas costas e abro o fecho do sutiã de
Savannah, deixando a peça cair no chão enquanto admiro a perfeição dos
peitos dela. Seus olhos cor de âmbar estão brilhando de lascívia quando eu
tomo um de seus mamilos enrijecidos na boca.
Ela joga a cabeça para trás, gemendo baixinho enquanto eu chupo e
lampo a sua pele febril. Adoro o cheiro do corpo dela e o fato de sua
sugestividade ser palpável.
“Eu vou fazer amor com você bem gostoso para você poder lembrar
enquanto nós estivermos separados”, eu murmuro contra a pele dela.
Savannah geme baixinho.
Nunca fiquei muito interessado nessas garotas que gemem com a
intenção de serem ouvidas pelo bairro inteiro. Não. Eu sempre gostei mais
das meninas mais contidas. Savannah não é tímida ou coisa parecida, mas
quando estamos na cama, ela geme para mim, e não para o mundo. É um
momento nosso, e eu gosto de saber que só eu estou desfrutando dos sons
incríveis que ela emite.
Giro meu corpo na cama, de forma que agora Savannah está embaixo de
mim. Arranco os seus shorts do pijama e ela se apressa para desabotoar a
minha calça. Parece que estamos em uma corrida contra o tempo para
chegarmos ao prêmio.
Isso me faz lembrar a primeira vez que nós transamos. Foi na festa da
Kappa Kappa Gamma — também foi o dia que nos conhecemos. Enquanto
Sophie estava trancada com Derek em um pequeno closet, brincando de Sete
Minutos no Paraíso, e Eretria estava determinada a fugir do seu irmão mais
velho, Kyle, a todo o custo, Savannah e eu saímos de fininho da sala e
arrumamos um quarto no andar de cima.
Ela estava um pouco bêbada, então quis garantir que ela estava
realmente ciente do que estava fazendo. Eu a desafiei a ficar em um pé só dez
segundos sem desequilibrar e ela conseguiu, então, passou no teste de
embriaguez.
Se eu disser que nunca transei com uma garota bêbada, é mentira. Já
transei, sim. Evito fazer isso sempre que estou sóbrio, porque aí consigo
pensar com a cabeça e não com o meu pau. Mas, em um modo geral, acho
que sou um cara bem decente com as meninas. Não sou um santo — bem
longe disso —, mas, mesmo com a criação conturbada que tive, minha mãe
me ensinou a não ser um canalha. Talvez seja a única coisa que ela tenha me
ensinado.
Quando Savannah e eu nos livramos de todas as peças de roupa, eu me
estico para pegar uma camisinha dentro da minha carteira. Noto que
Savannah fica prestando atenção enquanto eu rasgo a embalagem e deslizo
pelo meu pau — coisa que nunca aconteceu. Ela normalmente não presta
atenção nisso.
“Tá tudo bem?”
“Quê?”
“Você está bem?”, repito a pergunta. “Está com aquela cara de quando
está pensando em alguma coisa importante.”
“Eu estou bem”, diz. “E como você sabe que eu tenho uma cara para
isso?”
“Eu presto atenção em você, gata.”
Ela sorri. “Estou namorando um stalker?”
“Talvez.” Sorrio também.
Savannah umedece os lábios e abre as pernas para mim. “Por que a
gente não para de falar um pouquinho?”
Corro os olhos pelo seu corpo nu e sinto meu pau pulsando de desejo.
Adoro quando minha garota fica safada.
“Sim, senhora.”
Ajeito-me entre as pernas dela e entro. Savannah arqueia as costas e
solta um gemido baixo quando eu dou início as estocadas, firmes e
dolorosamente lentas. Ela odeia quando vou devagar. Tudo com Savannah é
muito intenso e rápido. Faz parte de quem ela é, mas já tentei explicar que
gosto de poder apreciar cada centímetro que ela se expande para me receber.
“Zach”, ela resmunga, impaciente.
Ela coloca as mãozinhas apressadas na minha bunda e tenta fazer com
que eu me movimente mais rápido.
Menina apressada.
Seguro os pulsos de Savannah e prendo suas mãos no alto da sua cabeça.
Com uma mão só eu seguro seus dois pulsos unidos e uso a outra mão para
acariciar o seu corpo delicioso.
“Pare de ser apressada.”
“Você sabe que eu odeio isso”, ela acusa.
“É claro que sei.” Abro o melhor sorriso que consigo.
“A sua sorte”, ela arqueja quando aumento a velocidade “é que você é
bonito demais e eu gosto muito de você.”
Dou risada. “Que sorte a minha.”
Nós ainda não falamos que amamos um ao outro. Embora estejamos
saindo há quase um ano, o namoro em si ainda é recente. E considerando que
Savannah estava meio incerta sobre namorar e essa coisa toda, eu ainda não
me sinto seguro para falar que a amo, mesmo tendo certeza de que já sinto
amor por essa garota.
Não me importo que ela não tenha dito que me ama e acho que ela
também não se importa que eu não tenha dito. Estamos levando as coisas no
nosso próprio ritmo. Sei que essa declaração vai acabar acontecendo mais
cedo ou mais tarde, mas quero que seja uma parada natural, então não fico
pensando muito no assunto.
Talvez, no fundo, eu seja um romântico e só estou descobrindo isso
agora. Tive namoradas na escola, mas nunca durou mais que cinco meses.
Savannah é a primeira mulher com quem tenho um relacionamento mais
longo; é a primeira mulher que me faz ter vontade de dar o mundo para ela;
que me faz não querer ter nenhuma outra mulher depois dela.
Cara, eu estou maluco por essa menina.
Quando Savannah solta outro grunhido de irritação, eu decido que já deu
de torturá-la, portanto aumento a velocidade das estocadas, mantendo o ritmo
e a firmeza. Ela fecha os olhos e se entrega completamente aos meus
cuidados, deixando o corpo à minha mercê. E eu tiro o máximo proveito
disso ao deslizar os lábios pela sua pele e depositar beijos aqui e ali, sentindo
que ela está perto de um orgasmo.
“Zach”, ela geme meu nome.
“Fala, princesa. O que você quer?”, eu incito.
Ela tenta soltar as mãos, e eu deixo. Então ela segura a minha cabeça e
me puxa para um beijo. Sinto sua língua adentrando a minha boca,
determinada e gananciosa. Solto um gemido do fundo da garganta quando ela
chupa a minha língua. E quando seu corpo começa a tremer sob o meu, eu
acelero ainda mais as estocadas, sentindo o orgasmo iminente. Pontos pretos
invadem a minha visão quando eu gozo ao som dos gemidos abafados de
Savannah.
Melhor. Sensação. De. Todas.
Saio de dentro dela, me livro da camisinha e me deito ao lado de
Savannah na cama. Devido ao pouco espaço, Savannah mantém metade do
corpo em cima do meu para que tenhamos como ficar deitados de uma forma
confortável em sua cama pequena demais para mim.
“Com certeza vou pensar nisso enquanto você estiver do outro lado do
país”, ela sussurra.
“Só me quer para sexo, é?”
Ela solta uma risadinha. “Eu te quero para muitas coisas.”
Olho para ela e coloco uma mecha do seu cabelo atrás da orelha. “Ah, é?
Me dê exemplos.”
Savannah apoia um braço no meu peito e apoia o queixo no braço. Seus
olhos cor de âmbar estão fixos nos meus. “Te quero para beijar, para
conversar, para compartilhar momentos bons e também ruins, para confiar e
para poder contar quando as coisas estiverem difíceis. Te quero para me dizer
que tudo vai dar certo quando eu estiver em pânico.”
Sorrio para a minha namorada. “Você me tem para tudo isso e o que
mais precisar, amor.”
Ela solta o ar dos pulmões e fecha os olhos por um momento, voltando a
abri-los em seguida. “Sério?”
“Claro que é sério.” Eu a encaro. Tem alguma coisa errada, mas não
consigo dizer exatamente o que é. “O que você não está me contando?”
Ela fica séria. “Como assim?”
“Não sei. Você está fazendo perguntas estranhas hoje.”
“É que...”, ela respira fundo “... ficar longe de você por tanto tempo está
me deixando insegura. Só isso.”
“Você não tem motivo nenhum para ficar insegura. Se eu quisesse te
trair, já teria feito isso. Não preciso ir para o outro lado do país pra fazer
merda, Sav. Mas não tenho intuito de trair você nem aqui e nem na
Califórnia. Não quero que fique preocupada com isso.”
Ela abre um sorriso. “Não sei como você conseguiu ficar tanto tempo
solteiro sendo tão fofo.”
Agora eu dou risada. “Linda, você é a única que sabe que eu sou fofo.
Para os caras e para o resto da Duke, eu sou só mais um atleta que pega todas
as garotas que olham na minha direção.”
Savannah faz uma careta. “Não quero nem pensar nisso.”
“Está com ciúmes?”, provoco.
“Claro que estou com ciúmes. Olha só para você. É irritante de tão
lindo, mas que fique claro que você é meu.” Ela me dá um beijo rápido.
“Só seu.”
E é a mais pura verdade. Eu estou rendido por ela.
03.

SAVANNAH

Não contei ao Zach sobre a gravidez.


Tive várias oportunidades para isso na noite passada, mas não consegui.
Sentia as palavras na ponta da minha língua, mas simplesmente não consegui
proferi-las. Amarelei completamente.
Embora ele tenha garantido que vamos ficar juntos, que ele me esperaria
terminar a faculdade e tudo isso, Zach não faz a menor ideia da bomba que,
mais cedo ou mais tarde, vai atingir a sua vida como se fosse uma bola de
boliche indo em direção aos pinos.
BUM!
Sei que estou apaixonada por Zach desde o momento em que ele fez
aquela surpresinha fofa no Sarah P. Duke Gardens e me pediu em namoro.
Acho, inclusive, que já estava apaixonada por ele mesmo antes disso, só
estava com medo de admitir. No entanto, as coisas estão prestes a mudar da
água para o vinho.
Se eu decidir ter esse filho, o que isso significa para o nosso
relacionamento? Embora estejamos juntos há quase um ano, estamos
namorando de verdade há poucos meses. Como podemos enfiar uma gravidez
no meio disso? Eu nem ao menos sei se o nosso namoro é forte o suficiente
para aguentar um baque desses. E se não for, então o que eu farei?
Basta que eu entre na minha casa, na Flórida, para que tudo se torne dez
mil vezes mais pesado. Meus pais estão trabalhando, mas Dulce é quase
como uma segunda mãe para mim, então encará-la, sabendo que eu carrego
uma bomba nuclear, é insuportável.
Eu acho que não deveria me referir ao meu bebê como uma bomba
nuclear, mas, droga, ele meio que é nesse momento.
“Bem-vinda de volta, criança.” Dulce envolve meu corpo em um abraço
apertado e maternal. Meus olhos naturalmente enchem de lágrimas, tanto de
saudade quanto por puro desespero. “Como foi a viagem?”
“Foi tranquila.” Tento controlar o embargo na minha voz. “Como você
está?”
“Estou bem, mas você não parece estar tão bem assim. O que houve,
querida?”
Esse é o problema de conhecer uma pessoa por muitos anos. Elas sabem
quando você está mentindo ou omitindo alguma coisa só de olharem para
você. Sei que Dulce me considera como uma filha, então eu acho que é
natural que ela me conheça tão bem quanto os meus pais.
“Acho que só estou um pouco cansada da viagem. E com certeza estou
com fome.” Sei que isso vai distrair Dulce o suficiente para não me fazer
mais perguntas por enquanto, embora eu saiba que não vou conseguir
esconder essa história por um mês inteiro. Estou só adiando o inevitável;
aumentando a minha agonia. Devo estar em algum estado esquisito de
masoquismo.
“Arnold preparou uns macarons para você. Você ainda gosta, não é?”
Eu amo macarons. Sempre amei desde a minha primeira viagem para a
França, quando eu tinha quinze anos. No entanto, sinto a ânsia bater no fundo
da garganta só de ouvir a palavra “macarons”.
“Na verdade...” Puxo o ar com força para controlar o enjoo “... acho que
prefiro comer alguma coisa salgada.”
“Eu fiz lasanha ontem”, sugere Dulce. “Posso esquentar para você.”
Ah, merda.
Lasanha não.
Levo uma mão à boca para tentar conter o vômito enquanto corro em
disparada para o lavado, que fica ao lado da cozinha. Quase não dá tempo de
levantar a tampa do vaso sanitário antes do enjoo vencer e me fazer
praticamente abraçar a privada enquanto coloco minhas tripas para fora.
Odeio vomitar. Odeio mesmo. É nojento e tem um cheiro muito
desagradável. E isso sem mencionar o quanto é desconfortável sentir o seu
corpo lutando para expulsar algo que já estava no seu estômago.
Dulce se apressa para segurar o meu cabelo e uma nova onda de enjoo
me faz começar a chorar.
Deus. Eu estou muito ferrada.
O desespero me invade com a mesma velocidade com a qual meu
estômago expulsa o meu café da manhã do meu corpo.
O que eu devo fazer? Quais são minhas verdadeiras opções aqui? O que
Zach vai dizer? Eu quero ter esse bebê? Como vou levar uma gravidez e a
faculdade ao mesmo tempo? E se o Zach me largar?
Acho sinceramente que as mil e uma perguntas rodeando minha mente
me fazem ficar ainda mais enjoada. Então, vomito mais um pouco.
Quando sinto o enjoo finalmente me abandonando, puxo um pedaço de
papel higiênico, limpo a boca, baixo a tampa do vaso e dou descarga. No
entanto, não me levanto do chão. Estou cansada e envergonhada demais para
me mexer.
Minha vida está arruinada.
“De quantas semanas você está, criança?”, indaga Dulce. A voz suave e
doce me faz erguer os olhos para ela.
“O quê...” As lágrimas correm pelas minhas bochechas, teimosas e
ininterruptas. “Como... como você sabe?”
Dulce abre um sorriso acolhedor.
“Você praticamente ficou verde quando ouviu as palavras ‘macarons’ e
‘lasanha’.”
Sinto a ânsia voltando.
“Por favor, não fale sobre comida agora”, eu choramingo.
“Quantas semanas, Savannah?”, ela repete a pergunta.
“Quase cinco semanas”, revelo, e choro mais ainda. “Dulce, eu me
cuidei, eu juro, mas o anticoncepcional falhou. Eu não sei o que fazer. O que
eu devo fazer? O que eu devo fazer?”
Ela agacha no chão e me puxa para os seus braços. Eu me agarro a
Dulce como se ela fosse um colete salva-vidas, que foi jogado ao mar para
me salvar. Tenho certeza de que Dulce vai saber como me ajudar. Ela sempre
me ajudou, me deu conselhos valiosos e esteve do meu lado mesmo quando
meus pais estavam irritados comigo por algum motivo. Dulce me acobertava
nas minhas travessuras infantis e cuidava de mim quando meus pais estavam
viajando a trabalho.
Dulce vai saber o que fazer.
Ela precisa saber o que fazer.

***

Demorou um tempo para que eu conseguisse realmente me acalmar. E


embora estivesse morrendo de fome, não coloquei nada no estômago depois
da minha sessão de enjoo. Qualquer comida que eu pense parece me deixar à
beira de vomitar de novo, mesmo que minha barriga esteja roncando um
pouco.
Isso é muito contraditório.
Também chorei mais do que qualquer outro dia em toda a minha vida.
Não chorei tanto assim nem quando o meu coelho, Chester, morreu; nem
mesmo quando descobri a gravidez.
Sinto-me sozinha, perdida e assustada. Se eu tivesse certeza de que a
reação de Zach seria positiva, eu contaria para ele agora, e então o teria aqui
para me confortar e dizer que tudo vai ficar bem. Afinal de contas, isso é tão
responsabilidade dele quanto é minha. Mas, a verdade é que não faço ideia de
como ele irá reagir.
Sei que Zach gosta de mim. É tangível a forma como ele me trata com
carinho, como se dedica ao nosso namoro e me apoia na minha música. Mas,
em uma gravidez? Em todas as facetas, desafios e responsabilidades que isso
envolve? Eu não faço ideia se ele me apoiaria nisso. Não acho que Zach
esteja pronto para ser pai. Merda. Eu não estou pronta para ser mãe. Eu vou
fazer dezenove anos no final desse mês, pelo amor de Deus. O que eu sei
sobre a vida? Sobre ser mãe e estudante e namorada?
E se ele começar com aquele papo de “Esse bebê não é meu”?
Não.
Zach não faria isso. Tenho certeza. Ele pode até não querer ser pai, mas
não viria com esse papo ridículo.
Certo?
Certo?
“O pai do bebê já sabe?”, Dulce me pergunta, depois de me trazer um
copo de água.
Estou deitada na minha cama, no meu quarto, tentando colocar o meu
mundo de volta no lugar, mas é impossível. Só voltando no tempo eu
conseguiria tal coisa.
Para Dulce, nego com a cabeça. “Não tive coragem de contar. E se ele
me der um pé na bunda? Como vou cuidar de um bebê e terminar a
faculdade? Como vou seguir meu sonho de ser uma cantora profissional se
estiver em meio a fraldas e mamadeiras?”
E o choro que eu achei que estava começando a ficar controlado,
ressurge ainda mais forte. Sinto todo o meu corpo doer de puro e verdadeiro
pânico.
“Se ele te ama, então ficará com você e te apoiará, criança.”
“E se ele não me amar? E se ele me amar, mas não quiser ser pai? Dulce,
há muitas variáveis.”
Ela não discorda. “Você já decidiu que terá o bebê?”
Nego de novo. “Não sei se tenho coragem de fazer um aborto, mas não
me sinto nem um pouco pronta pra isso. Fiquei o voo inteiro pensando que eu
poderia colocar a criança para a adoção, mas que tipo de pessoa eu seria se
fizesse isso? Quer dizer, não é como se eu não tivesse condições financeiras
para sustentá-lo ou algo assim. Eu não o estaria dando por nenhum motivo
nobre, e, sim, porque estou assustada, não estou pronta e não quero essa
responsabilidade agora. Mas que culpa o bebê tem disso? Nenhuma. Eu sinto
que o estou punindo de alguma forma.”
Minha cabeça está uma verdadeira bagunça. É como se eu nem ao
menos soubesse quem eu sou. Ou quem eu era antes de ter cem por cento dos
meus pensamentos dominados por uma gravidez.
“Você ainda tem tempo para tomar uma decisão, mas não tome
nenhuma sem antes contar para o pai do bebê, querida. Ele precisa saber.”
Abraço meus joelhos e enterro meu rosto no espaço entre meu peito e
minhas pernas. Está aí uma posição que daqui a alguns meses eu não
conseguirei repetir. Isso, claro, se eu decidir ter o bebê.
“Eu estou com tanto medo.”
Dulce se senta na minha cama e me puxa para si. Eu apoio minha cabeça
no seu ombro enquanto ela faz carinho no meu cabelo, me consolando. “Eu
sei, criança. Mas tudo acabará bem, você verá. Seus pais vão apoiá-la.”
Puta merda! Meus pais. Eu nem comecei a pensar em como vou contar
isso para eles.
“Dulce, e se eles me deserdarem? E se me colocarem na rua sem ter
onde cair morta e com um bebê para criar?” Eu choro mais ainda.
“Nunca”, ela garante, sem hesitar. “Com isso você não precisa se
preocupar. Eles talvez fiquem com raiva e... bom, com certeza ficarão
chocados, mas nunca virariam as costas para você.”
Não sei se Dulce está falando para me acalmar ou se ela tem total
convicção na reação que meus pais terão. De qualquer forma, já tenho a
reação de Zach para me torturar pelo próximo mês. Não preciso acrescentar a
dos meus pais ao meu sofrimento.
“Como conto uma coisa dessas para eles, Dulce? Como devo contar ao
Zach?”
Ela continua fazendo carinho no meu cabelo. “Eu gostaria de te dizer
que existe uma forma mágica e infalível de dar esse tipo de notícia quando se
está na sua situação, mas não há, meu bem. Você terá que respirar fundo e
simplesmente dizer. No caso de Zach, confiar que o sentimento dele por você
seja verdadeiro e que ele seja o rapaz decente que você diz que ele é.”
Estou exausta, então me limito a assentir. Não consigo mais pensar
nesse assunto agora. Preciso de alguns minutos de tranquilidade.
Não sei exatamente em que momento eu peguei no sono, mas gostaria
de agradecer ao meu corpo por silenciar a minha mente.
04.

SAVANNAH

Ele: Queria q vc estivesse aqui, raio de sol.


Eu: Tbm sinto sua falta. É estranho n poder te ver ou ver as meninas.
Engraçado como me sinto em casa quando tô na Duke.
Ele: Entendo o que vc quer dizer. Sinto falta dos caras tbm. Vc
melhorou da dor de cabeça?
Eu: Melhorei.
Ele: Q bom, linda. Eu preciso ajudar Kait a empacotar as coisas, mas
eu te ligo mais tarde, tá?
Eu: Tá bom. Se cuida.
Ele: Vc tbm, amor.

Não sei se Zach consegue inferir o meu tom pelas mensagens, mas é
como se eu o estivesse afastando. Estou tão desesperada que é como se não
conseguisse conversar com ele naturalmente.
Talvez porque você esteja tentando tapar o sol com a peneira.
Faz três dias que cheguei à Flórida; e faz três dias que não consigo
dormir direito ou comer direito ou fazer qualquer coisa que não seja pensar
nessa gravidez.
Decidi que vou contar aos meus pais hoje, na hora do jantar. Não vou
conseguir guardar esse segredo por muito mais tempo, e sei que eles já
repararam que eu estou esquisita. Além disso, vou precisar do apoio deles
quando chegar a hora de contar ao Zach.
Tenho falado com Sophie e Eretria todos os dias. Embora minhas
melhores amigas estejam determinadas a me fazer sentir mais calma, na
maioria das vezes isso não ajuda muito.
Sophie entrou de férias do seu emprego no Tina’s — a lanchonete onde
trabalha desde que começamos a faculdade —, então ela e Derek, o seu
namorado, estão em Nevada, na casa dele. Soph finalmente está conhecendo
a sogra e, embora a ame por tirar um tempo para ficar me consolando, não
quero infernizá-la com os meus problemas durante o seu período de paz.
Eretria, por outro lado, está na Austrália salvando as tartarugas junto com o
Nash. E, depois de tudo o que esses dois passaram, eles também merecem um
pouco de sossego e amor.
Eu poderia tentar conversar com alguma das minhas amigas da época da
escola, mas acho que nenhuma delas realmente entenderia o que eu estou
passando. E considerando o quanto a fofoca rolava solta naquela época, não
demoraria um dia para que eu virasse o assunto do momento.
Não, obrigada. Prefiro me desesperar sozinha.
Minha mãe costumava dizer “Não existe amiga melhor do que a sua
própria mãe, querida”. Portanto, vou confiar que ela vai me acolher, me amar
e me ajudar a tomar a decisão certa.
Quando desço as escadas para a sala de jantar, minhas pernas estão tão
bambas que preciso segurar o corrimão com força para não cair escada
abaixo. Meu estômago está embrulhado e tenho medo de precisar sair
correndo da mesa para vomitar, quando o cheiro da comida atingir minhas
narinas.
Passei o dia inteiro comendo só frutas, pois nenhum outro cheiro
conseguiu não me causar um enjoo insuportável. Preciso urgente descobrir o
que meu estômago aceita e o que ele não aceita. Não posso viver de frutas.
Meu pai abre um sorriso para mim assim que entro na sala de jantar.
“Oi, querida. Está se sentindo melhor?”
Quando os dois chegaram do trabalho e foram até o meu quarto me ver,
eu disse que estava me sentindo indisposta e ficaria a tarde toda deitada,
assistindo um filme ou algo parecido.
“Você parece um pouco abatida, filha”, observa minha mãe, perspicaz.
“Você comeu direito hoje?”
Pode parecer loucura total, mas nesse momento eu sinto que a minha
mãe sabe.
As mães têm esse poder sobrenatural de conseguirem enxergar com
muita clareza as coisas que você quer esconder. Parece que elas têm uma
ligação direta com Deus, onde Ele informa que seus filhos estão omitindo ou
mentindo sobre alguma coisa. Pergunto-me se também terei essa ligação
direta com Deus quando essa criança nascer.
Se essa criança nascer.
Levando em consideração que assim que o jantar foi servido, eu corro o
risco de sofre do famigerado enjoo, decido que talvez seja melhor contar
antes de começarmos a comer. Acho que vou evitar que eles acabem por
ficarem enjoados também.
“Eu preciso falar com vocês”, anuncio, me esforçando para conter as
minhas mãos trêmulas.
Meu pai apruma a postura, pois ele sabe reconhecer quando o meu tom é
sério. Minha mãe faz o mesmo, embora algo em seus olhos já transmita certo
sofrimento.
Eles vão me amar mesmo assim. Eu sou filha deles. Eles não vão virar
as costas para mim. Posso contar com eles.
Fecho os olhos. “Eu tô grávida.” Sinto meu corpo leve e pesado ao
mesmo tempo ao ouvir meu pai prendendo a respiração. Abro os olhos. “Eu
sei que vocês provavelmente estão decepcionados comigo. E... acreditem, eu
não queria isso. Eu tomei o remédio direitinho, mas passei mal um dia, tomei
antibiótico e depois descobri que corta o efeito do anticoncepcional.”
Começo a chorar e tremer. “Me perdoem, por favor. Eu sinto muito. Por
favor, não me odeiem.”
Meu pai fecha os olhos e segura a mão da minha mãe. A decepção no
seu rosto é tangível e parte o meu coração. Odeio decepcioná-los assim;
odeio precisar ver essa fisionomia em seus rostos.
Nós três sempre fomos muito unidos, e apesar de eu já ter aprontado
uma coisinha aqui e ali, nunca precisei sentir o peso do julgamento deles
desse jeito.
“Por favor, falem alguma coisa. Gritem comigo ou... ou falem que eu
sou uma decepção gigantesca. Qualquer coisa. Mas não fiquem em silêncio”,
imploro, limpando as lágrimas das bochechas.
Minha mãe se levanta da mesa e caminha até mim. Tudo parece em
câmera lenta e à medida que ela se aproxima, começo a me perguntar se ela
vai me bater, me expulsar de casa ou me abraçar. E, graças a Deus, é a
terceira opção que se concretiza. Ela envolve o meu corpo trêmulo e exausto
com os braços e me aperta forte, me impedindo de desmoronar no chão.
E eu me agarro a ela. “Mãe, eu sinto muito.”
“Shhh”, ela faz carinho no meu cabelo.
Meu pai se levanta em seguida e envolve minha mãe e eu em um abraço
ainda mais apertado, o que contribui estranhamente para que eu chore mais
ainda.
Pelo que parece ser longos minutos, nós não falamos nada. Deixo que
eles me envolvam nessa bolha de amor, compreensão e segurança. Deixo que
tirem o peso dos meus ombros e me tranquilizem. Com certeza me sinto mais
leve agora do que me sentia alguns minutos atrás.
Contar ao Zach talvez seja o que me assusta mais, pois me apavora a
ideia do meu bebê crescer sem pai, me apavora a ideia de ser abandonada por
ele, de Zach ser completamente diferente do meu pai — que é o homem no
qual me baseio quando o assunto é caráter e gentileza.
“Seu namorado já sabe?”, meu pai pergunta. Os dois se afastam do
abraço para me dar um pouco de espaço.
Nego com a cabeça. “Não tive coragem de falar ainda, mas nós
combinamos de ele aparecer aqui no final do mês, então...”
“Sophie e Eretria já sabem?”, é a vez da minha mãe perguntar.
Faço que sim. “Dulce também. Ela adivinhou depois de me ver
vomitando, logo depois que eu cheguei.”
“Vamos sentar e conversar sobre isso”, sugere meu pai, tranquilamente.
"Você precisa comer, querida. Está pálida.”
Não discordo. Eu preciso mesmo comer, mas a questão é se eu
realmente vou conseguir manter algo no estômago. Estou supersensível para
cheiros.
“Você já passou no médico?”, minha mãe quer saber. “Fez algum
exame?”
“Fiz exame de sangue para confirmar a gravidez. Sophie foi comigo.
Mas, fora isso, não fiz mais nada. Eu nem sei se quero ficar com o bebê,
mãe”, admito. “Como vou fazer isso? Ser mãe no segundo ano da faculdade?
Às vezes eu nem ao menos sei quem eu sou, como posso ser mãe de
alguém?”
Minha mãe olha para o meu pai. Os dois dão um sorriso de
cumplicidade que não consigo entender. Estão em uma espécie de mundo só
deles, onde conseguem se entender e contar uma história inteira só com um
olhar. Será que Zach e eu teremos isso um dia? Será que nos entenderemos e
nos conheceremos tão bem que conseguiremos fazer isso?
Será que Zach seria o tipo de pai babão? Daqueles que se derretem pelo
filho ou filha, fazendo todas as suas vontades porque simplesmente não
consegue dizer não para olhos pidões?
Deus.
Eu tenho tantas perguntas que é um milagre que eu mesma não tenha
virado um grande ponto de interrogação ambulante.
“Você sabe que seu pai e eu nos conhecemos na faculdade também, não
sabe?”, começa minha mãe, e eu confirmo com a cabeça. “Quando eu estava
no meio do segundo ano, engravidei.”
Arregalo os olhos. “O quê?”
Minha mãe solta uma risadinha com a minha reação. “Pois é. Nós
entendemos exatamente o que você está sentindo, meu amor. O pânico, a
insegurança, a decepção, a raiva, a negação, mas também aquele leve toque
de esperança e felicidade, pois, em algum momento desde a hora em que
você descobriu até agora, eu tenho certeza de que você já visualizou o seu
futuro com o bebê.”
“O que aconteceu com o bebê?” Isso é tudo o que eu consigo perguntar.
Será que eu tenho uma irmã ou um irmão solto no mundo e nunca fui
informada? Será que eles decidiram dar o bebê para a adoção?
“Eu perdi”, revela minha mãe. Fico surpresa ao notar a tristeza na sua
voz.
Sei que nenhuma mãe quer perder um filho. Inclusive, acredito ser o
maior medo delas. No entanto, eles eram jovens, então não precisaram
realmente fazer uma escolha. Certo?
Meu Deus. O que eu estou pensando? Quem sou eu nesse momento?
Como alguém pode ficar feliz ou aliviado com isso?
Acho que pensamentos assim são uma prova do quanto a sua cabeça fica
bagunçada quando se está no meu lugar. Eu sei que nunca pensaria uma coisa
dessas se estivesse no meu estado normal.
“Eu estava assustada e... Não, na verdade, eu estava petrificada de
pânico e considerei o aborto. Mas, quando perdi o bebê, percebi o quanto eu
realmente o queria. Nenhuma decisão na sua vida pode ser baseada no medo,
Savannah. O medo não se importa com mais nada além dele mesmo, e certas
decisões não podem ser modificadas. Então, se certifique que, independente
do que você escolher, escolherá porque é o que você quer, e não porque você
está com medo.”
Meu pai concorda com a cabeça. “E nós vamos te apoiar no que você
decidir fazer, meu amor. Graças a Deus nós temos condições de te auxiliar no
que você precisar. Mas, apenas nos prometa que conversará com o seu
namorado antes de tomar qualquer decisão. Ele tem o direito de saber.”
“E se ele não quiser o bebê?”, pergunto, olhando do meu pai para a
minha mãe. “Eu simplesmente não consigo parar de pensar nisso.”
“É compreensível, querida”, garante minha mãe. “Acho que é a primeira
coisa que passa na nossa cabeça depois que a ficha cai, mas, caso ele seja um
babaca disfarçado de bom moço, seu pai e eu tomaremos conta de você para
que você possa tomar conta do seu bebê. Se decidir ser mãe, pode acreditar
que você se surpreenderá ao perceber que nunca realmente precisou da
aceitação dele.”
Sem me dar conta, eu coloco a mão em cima da minha barriga. Eu
continuo magra como sempre fui, mas isso mudará em alguns meses.
Meu bebê.
Respiro fundo. “Se eu... quiser ficar com o bebê. Como vou conseguir
dar conta de tudo estando longe de vocês?”
“Podemos mandar Dulce para te ajudar com as coisas antes do bebê
nascer. Depois, acho que conseguimos tirar uns dias para ficar com você e te
ajudar. Dulce pode ir sempre que você precisar. Vamos organizar tudo.”
Concordo com a cabeça, mas de repente, outra coisa me ocorre. “Como
vou ter um bebê no dormitório da faculdade?”
Meus pais pensam por um momento.
“Podemos alugar uma casa para você. É mais fácil para que tenha
privacidade e tranquilidade para cuidar do bebê”, diz meu pai.
“Sophie e Eretria poderiam morar comigo?”
“Claro.” Minha mãe sorri. “Você precisará das suas amigas por perto. E,
de repente, se Zach concordar, ele pode ficar com vocês lá também.”
Meu pai concorda. “Vamos providenciar isso para você antes de voltar à
Carolina do Norte.”
Consigo respirar aliviada pela primeira vez em dias. “Obrigada.” Tento
conter as lágrimas, estou muito chorona ultimamente. Seriam os hormônios?
“Vocês são os melhores pais do mundo. Eu amo muito vocês. Muito.
Obrigada.”
Cada um deles segura uma das minhas mãos e sorriem. E nesse
momento, agradeço a Deus por ser filha deles.
05.

BABYFACE

“Por que você foi se amarrar no último ano da faculdade, cara?”, Brian
me pergunta. “O último ano é tão bom quanto o primeiro.”
Dou um gole na minha cerveja.
É sexta-feira à noite.
Meus amigos da época da escola voltaram para casa nessas férias, então
resolvemos nos encontrar para tomar umas cervejas e falar de mulher, que é o
que nós sempre fizemos desde que consigo me lembrar.
Eu costumava achar isso divertidíssimo, mas agora só consigo sentir
saudade de Savannah. Embora nós estejamos nos falando todos os dias por
telefone, não é a mesma coisa. Além do mais, sinto que ela está distante. Não
sei dizer por qual motivo e isso me deixa inquieto, principalmente porque não
estou perto dela para entender o que está acontecendo.
“Se você conhecesse Savannah, entenderia”, respondo, lacônico e um
pouco mais ríspido do que pretendia.
Brian me faz lembrar o Nash. No entanto, ao contrário do meu amigo da
faculdade, Brian não possui qualquer escrúpulo. Ele é um babaca completo.
Para ser sincero, não consigo entender como nos tornamos amigos e nem
como continuamos amigos.
Não estou dizendo que sou uma espécie de santo, mas com certeza não
sou um imbecil. E ele normalmente me cansa com os mesmos papos de
sempre. Parece que Brian nunca quer crescer. Cara, ele parece o Stifler de
American Pie. Só quer saber de mulher, festa e sexo, e foda-se todo o resto.
Não existe mais nada no mundo dele.
“Ela é gostosa, e daí? Tem muita mulher gostosa na Duke que você
ainda nem conheceu, cara.”
Tenciono a mandíbula. Ouvi-lo falando que Savannah é gostosa me dá
vontade de bater com a cabeça dele na mesa.
“Deixa o cara em paz, Brian, porra”, reclama Justin. “Se Zach quer
namorar, isso não é nem um pouco da sua conta.”
Ergo minha cerveja na direção de Justin e nós brindamos, em
cumplicidade. Justin, sim, é um cara bacana. Nós jogamos juntos no time de
basquete da escola e nos demos bem desde o primeiro treino.
“Tá, foda-se. Sobra mais pra mim”, conclui Brian. “Vou buscar mais
cervejas, querem?”
Justin e eu negamos com a cabeça antes de Brian desaparecer em meio
às pessoas.
Esse bar costumava ser o nosso favorito quando ainda morávamos todos
na Califórnia. Lembro com clareza de quando fizemos identidades falsas para
entrar aqui pela primeira vez. Beber e estar entre pessoas mais velhas parecia
um grande feito naquela época, mas, não sei se é porque estou de mau humor,
mas estou achando tudo uma merda hoje. Ir ao Holme’s com meus amigos de
faculdade parece muito melhor.
Tudo parece melhor longe da Califórnia.
“Como estão as coisas na sua casa?”, pergunta Justin, cautelosamente.
“Como sempre”, respondo, lacônico.
Isso serve para o meu amigo entender que eu não quero falar sobre a
minha família. Ou o que sobrou dela. É um assunto que pretendo evitar
sempre que possível. E é justamente a minha família o motivo de eu decidir
vir nesse bar, para início de conversa.
Não sei por que minha mãe insistiu tanto que eu viesse para casa, pois
parece que eu nem estou lá. Ela não me enxerga desde que Noah morreu. E
meu pai... Bom, ele me enxerga até demais.
Dou mais um longo gole na minha cerveja ao mesmo tempo em que meu
celular começa a tocar dentro do bolso. Um sorriso invade o meu rosto assim
que vejo o nome de Savannah na tela.
“Já volto. Minha garota tá ligando”, aviso Justin, que assente com a
cabeça antes de eu me afastar. “Oi, linda”, cumprimento, enquanto caminho
até o lado de fora do bar, onde estará mais silencioso.
“Oi. Onde você está?”
“Em um bar com uns amigos da escola.”
“Você pode falar agora?”
“Claro. Está tudo bem?”
Posso não estar namorando Savannah há muito tempo, mas ela não é
muito difícil de decifrar. Consigo entender só pela forma como ela fala
quando algo a está incomodando. E, nesse momento, tem algo acontecendo.
Na verdade, acho que tem algo que a está incomodando há um tempo já, mas
ela está decidida a fingir que não é nada.
“Eu estava pensando se você não gostaria de vir pra cá uma semana
antes. Sei que seus pais devem estar morrendo de saudade de você e que faz
um tempo que você não os vê, mas eu não pediria se não fosse importante.”
“Sav, o que tá rolando? Não é de hoje que você tá esquisita. Pode
conversar comigo, gata.”
A demora para que ela responda só me confirma que alguma coisa não
está certa.
Suspiro. “Vamos fazer o seguinte, eu chego à Flórida uma semana antes
do previsto e você e eu vamos nos sentar e conversar, tá legal? Você vai me
explicar o que tá te aborrecendo e vamos dar um jeito”, sugiro, tentando, de
alguma forma, deixá-la mais confortável com seja lá o que está passando.
Do outro lado da linha, ouço quando Savannah solta o ar dos pulmões.
“Me desculpa. Eu sei que você não está entendendo nada, mas eu só... não
quero ter essa conversa por telefone.”
Empertigo a postura. “Você não vai terminar comigo, vai?”
Ela solta uma risadinha. “Não, seu bobo. Não vou terminar com você.”
Não consigo evitar sorrir como um idiota. Cara, eu gosto demais dessa
garota. “Graças a Deus! Então, me faça um favor e relaxe, raio de sol.
Conversamos quando eu chegar, na semana que vem.”
“Estou com saudade, amor”, ela ronrona. Meu coração acelera e meu
pau lateja, o que me prova que todo o meu corpo sente falta dela.
“Eu também estou com saudade, maravilhosa. É bom você estar com
muita disposição quando eu chegar aí.”
“Hum, eu gostei disso”, ela murmura, sedutora.
“Savannah... Savannah... Não me provoque, senão eu pego um avião
agora.”
Ela gargalha. “Vá aproveitar com os seus amigos. Me avise quando
chegar em casa e tome cuidado, tá legal?”
“Pode deixar, minha princesa.”
Quase consigo sentir Savannah revirando os olhos enquanto dá risada.
“Tchau, amor.”
“Tchau, linda.”
Sinto-me tentado a realmente pegar um avião para ver a minha garota
amanhã mesmo, mas me contenho. Só preciso aguentar mais uma semana
inteira. É menos do que eu achei que seria. Não pode ser tão ruim.

***

E eu estava redondamente enganado.


Tem sido pior do que ruim.
Como tenho muito tempo livre, mas zero disposição para sair, eu acabo
passando a maior parte do tempo dentro de casa com Kait, minha irmã mais
nova. Honestamente, eu não faço ideia de como ela consegue viver nessa
casa. Atrevo-me a dizer que nem ela mesma sabe. E digo isso porque ela está
há quarenta minutos me falando o quanto está animada para finalmente ir
para a faculdade e sair da Califórnia.
Kait sempre quis ser médica. Acho que a morte de Noah a ajudou a fazer
essa escolha. A morte dele impactou todas as pessoas dessa família de uma
forma diferente.
“Ah, eu me inscrevi na Duke, a propósito. Vai ser legal estar mais perto
de você e mais longe da mamãe e do papai.” Kait suspira. “Embora a
distância emocional entre nós já seja bem grande, a distância física vai me
fazer bem.”
Concordo com a cabeça.
“Você está bem?”, ela indaga. “Está esquisito.”
Escolho esconder de Kait que nosso pai decidiu que seria legal começar
o dia me dando uma surra. Como de costume, ele estava bêbado. Tão bêbado
que eu poderia facilmente derrubá-lo com um só soco, mas nunca levantei a
mão para o meu pai. Não importa que ele seja um imbecil e desconte todas as
frustrações do mundo em mim. Eu me recuso a me rebaixar ao nível dele.
Então, normalmente, eu apenas me defendo, sem nunca bater de volta.
“Não dormi bem”, minto.
“Ou seria porque você está sentindo falta da sua namorada?”, sugere
Kait.
Encaro a minha irmã. “Você sabe sobre Savannah?”
Ela ri. “Não graças a você, não é? Mas eu vi no seu perfil do Instagram.
Você não estava realmente tentando ser discreto quando colocou a legenda
‘minha namorada é como um raio de sol’ e um emoticon de coração.”
Faço uma careta. A forma como Kait fala me faz parecer um idiota
apaixonado.
“Por que não me contou?”
Dou de ombros. “Nós dois quase não nos falamos, Kait. Para ser
sincero, eu prefiro esquecer tudo quando estou na faculdade.”
“Você esquece eles, mas esquece de mim também, não é?”
A culpa me atinge em cheio.
“Sei que não vou ganhar nenhum troféu de irmão do ano. Sei que tenho
sido um babaca egoísta, mas... não consigo, Kait. Ficar aqui e ter de aguentar
o papai bebendo dia e noite e a mamãe trancada no quarto, chafurdando em
uma depressão infinita... Eu não consigo aguentar.”
Ela concorda com a cabeça. “Eu sei. Não culpo você. De verdade. Mas
sinto sua falta, Zach. Não tem sido fácil para mim também, sabe? Eu
precisava de você.”
Levanto-me da cama de Kait e a puxo para um abraço. Minha irmã é
quase tão baixinha quanto Savannah, então me sinto como uma fortaleza ao
redor dela — mesmo estando em falta com Kait nesse departamento.
“Sinto muito, maninha. Você sabe que amo você e que nada disso tem a
ver com você. O problema sou eu e eles.” Solto o ar dos pulmões. “Espero
que você passe na Duke. Eu iria adorar ter você mais perto de mim.”
“Você acha que eles vão aguentar quando todos nós tivermos ido
embora?”, Kait pergunta. A voz está distante, como se ela estivesse pensando
alto e falando consigo mesma.
Suspiro. “Eles não estão aguentando agora, Kait. Na verdade, acho que
eles morreram junto com o Noah.”
Minha irmã funga. “Sinto falta da mamãe. O papai nunca foi muito
amoroso com a gente, mas também nunca foi tão hostil como é agora.” Kait
respira fundo. “Sinto falta de como éramos antes de o Noah morrer.”
“Eu também sinto, Kait. Mas não acho que possamos fazer mais nada.
Tentamos tudo o que estava ao nosso alcance.”
“Será que tentamos mesmo, Zach? Você consegue deitar a cabeça no
travesseiro à noite e ter a consciência tranquila de que realmente fizemos tudo
o que podíamos para evitar que chegássemos a esse ponto? Porque eu sei que
isso me atormenta todos os dias.”
Solto Kait do abraço para poder encará-la nos olhos. “Eles escolheram
esquecer que ainda tinham dois filhos que precisavam deles. Nós demos
carinho, atenção, não criamos problemas, fomos bons filhos e bons alunos na
escola, mas nada disso os fez enxergar que nós ainda estávamos aqui. Nem a
minha fase rebelde os fez prestar mais atenção em mim. Isso não é culpa
nossa, Kait.”
Ela assente, mas não sei se é porque concorda ou porque não quer mais
falar no assunto. De qualquer forma, espero que ela tenha cem por cento de
certeza que a morte de Noah não é culpa dela.
“Zach”, meu pai grita. Pela distância da sua voz, imagino que ele esteja
no primeiro andar, sentado na sua poltrona velha de couro e assistindo a
algum jogo na televisão.
Kait estremece visivelmente.
“Zach!”
“Não desce lá”, implora Kait, segurando meu braço com força. “Vai pro
seu quarto e finge que está dormindo.”
“Eu dou conta, maninha.” Forço um sorriso. “Tranque a porta do quarto,
tá legal?”
“Zach”, Kait tenta me impedir.
Tiro as mãos da minha irmã do meu braço. “Está tudo bem.”
Saio do quarto de Kait antes que ela possa ter a chance de me impedir.
Conheço meu pai bem o suficiente para saber que ele odeia não ser atendido.
Já tentei ignorá-lo algumas vezes e não acabou bem para mim.
“O que você quer?”, pergunto, rispidamente, quando apareço na sala.
“Faz alguma coisa que preste e pega uma cerveja na geladeira pra mim.”
Meu pai está bebendo desde muito cedo, então me surpreendo que ainda
consiga formar uma frase coerente.
Não discuto. Vou até a geladeira atrás da maldita cerveja, mas ele já
bebeu todas. Tudo o que encontro é uma garrafa de vinho pela metade e uma
caixa de leite que parece estar ali há anos.
“Acabou a cerveja”, aviso, secamente.
“O quê? Você andou bebendo minhas cervejas, moleque? A geladeira
estava cheia hoje cedo.”
“Eu não mexi nas suas cervejas. Se acabaram é porque você passou a
manhã inteira enchendo a cara.”
Ele se levanta do sofá em um rompante. Provavelmente, se eu ainda
fosse um garoto, me assustaria com o semblante assustador que ele esboça
com tanta facilidade, mas eu não sou mais uma criança. Sou mais alto, mais
forte e mais rápido do que ele. Acho que meu pai só continua me enfrentando
porque tem certeza de que eu não tenho coragem de revidar.
“Olha como você fala comigo, seu merdinha. Vá comprar mais cerveja.”
“Não.”
Ele semicerra os olhos, furioso. “Como é que é?”
“Compre você as suas malditas cervejas.”
Ele dá um passo na minha direção. “Ah, de repente você ficou todo
corajoso? Quer bancar o machão? O que foi, garoto? Sua namoradinha
descobriu que você é um frouxo?”
Cerro os punhos, mas os mantenho alinhados na lateral do meu corpo.
Não é a primeira vez que ele tenta jogos psicológicos comigo.
“Se não descobriu ainda, tenho certeza de que não vai demorar. Você
não sabe fazer nada direito. Ela logo vai se dar conta disso e procurar por um
homem de verdade.”
Não faço ideia de como o meu pai descobriu sobre Savannah, mas,
como Kait disse, eu não estava sendo realmente discreto nas minhas redes
sociais. Alguém pode ter comentado com ele. Talvez um dos seus vários
“amigos” de bar, a quem ele diz que conhece há muitos anos.
A questão é que meu pai sempre foi muito bom em nos atingir em
nossas feridas mais profundas. É assim com a minha mãe — não é à toa que
ela quase nunca sai do quarto. É assim com Kait — quando ele reforça para
ela que não é inteligente o suficiente para entrar na faculdade de medicina. E
é assim comigo — quando ele me faz sentir que não sou suficiente.
Porra. Eu só quero poder sair dessa casa e nunca mais voltar.
Estou tão perdido em pensamentos que não consigo me preparar para o
golpe que me atinge quando meu pai me dá um soco. Cambaleio para trás,
tentando manter o equilíbrio enquanto a dor faz a minha cabeça zunir. Quase
consigo sentir meu cérebro dançando dentro do meu crânio.
“Vá comprar minhas cervejas”, ele repete a ordem.
Eu endireito a postura e me esforço para não demonstrar o quanto está
doendo. “Não.”
Meu pai avança na minha direção e me dá outro soco, mas dessa vez nas
costelas. Embora sua força esteja comprometida porque ele está bêbado, não
significa que ele bata fraco.
“Zach”, ouço a voz aflita de Kait. “Pai! Para com isso!”
Essa súplica de Kait me faz lembrar uma outra noite, onde eu também
estava nesse lugar, apanhando dele como estou apanhando agora.
“Kait, vai para o quarto”, arquejo.
“Escuta o seu irmão, Kait. Zach tem que aprender que sou eu quem
manda nessa maldita casa e ele tem que me obedecer. É um momento de
lição pai e filho.”
Noto quando meu pai se prepara para me dar outro soco. Talvez eu seja
masoquista, pois não me preparo para me defender. Acho que uma parte
muito quebrada da minha infância me faz acreditar que eu mereça apanhar e
por isso devo deixar que ele me bata.
Então, é exatamente o que eu faço.
06.

SAVANNAH

Assim que vejo Zach sair do corredor de desembarque no aeroporto, eu


corro na direção dele. Foram quase três semanas separados; quase três
semanas que eu conseguir esconder a gravidez e fingir que não esteva
enlouquecendo com toda essa situação. Mas quando o vejo, uma leve
sensação de paz me atinge antes de dar lugar ao pânico completo.
Esforço-me para focar somente no sentimento positivo que sinto ao vê-
lo. Lindo, gostoso e com aquele sorriso que faz seu rosto inteiro brilhar
quando me vê.
Zach abre os braços para mim e eu pulo no seu colo, entrelaçando as
pernas ao redor da sua cintura e os braços ao redor do seu pescoço. O seu
cheiro familiar de loção pós-barba me deixa inebriada e emotiva.
Merda. Os hormônios estão me destruindo.
Posso estar louca, mas escuto um gemido de dor vindo de Zach quando
nossos corpos se chocam um contra o outro.
“Puta merda, que saudade, princesa”, ele diz, enterrando o rosto no meu
pescoço e depositando beijos sobre a minha pele. Nem preciso dizer que isso
me provoca arrepios dos pés à cabeça.
É só quando Zach me coloca no chão que eu percebo os dois hematomas
no seu rosto. Um perto do olho e o outro na bochecha.
Arregalo os olhos. “Zach! O que é isso? O que aconteceu?”
Ele solta mais um gemido de dor quanto eu toco os hematomas. “Uma
briga de bar. Não foi nada, linda.”
“Nada?”, eu ecoo, perplexa. “Metade do seu rosto está roxo. Como não
foi nada? Por que você brigou?”
“Eu nem entendi direito como a coisa toda começou. Acho que meu
amigo deu em cima da namorada de um cara. Sei lá. Esquece isso.”
Cruzo os braços, determinada a não esquecer coisa alguma. Já vi Zach
brigando — e uma parte muito primitiva minha acha isso muito sexy —, mas
nunca o vi apanhando. E está na cara que dessa vez ele apanhou feio.
“Tenho uma ideia. Por que você não beija os meus dodóis?”, ele
pergunta, malicioso. “Tem um lugar específico que está doendo pra caralho.
Bem aqui.” Ele aponta para os próprios lábios.
E eu sorrio feito uma idiota. “Está doendo, é?”
De repente, todo o meu mau humor e preocupação vão embora.
“Pra caralho. Posso facilmente morrer se você não me beijar agora.”
Rio. “Ah, Deus! Então devo resolver isso logo.”
Entrelaço meus braços novamente no pescoço de Zach e grudo meus
lábios nos seus. Ele envolve minha cintura, me apertando e me puxando para
mais perto de si, até tirar meus pés do chão.
“Vamos logo pra sua casa porque eu tô maluco pra arrancar suas
roupas”, ele murmura nos meus lábios, fazendo meu corpo entrar em
erupção.
Como ainda vou completar o segundo mês de gravidez, consigo
disfarçar a leve saliência da minha barriga dizendo que comi demais e estou
estufada.
Disfarçar? Não! Você tem que contar para ele. Não é para você
continuar mentindo, Savannah, minha consciência me repreende.
“Anthony está nos esperando no estacionamento.”
“Quem é Anthony?”
“Meu motorista.”
“Eu esqueço que você é rica pra caralho.”
Dou risada. “Eu sei, a minha humildade é a minha maior qualidade”,
digo, cheia de arrogância fingida.
Ele aperta meu nariz. “Estou vendo. Muito humilde.”
Zach passa o braço pelos meus ombros e nós caminhamos para o lado de
fora do aeroporto. “Sabia que meu nome do meio é Anthony?”
“Jura?!” Sorrio. “Zach Anthony Bradley. Eu gosto.”
“Qual o seu?”
“Elena.”
“Savannah Elena Radcliff. Combina com você.”
Eu passo meu braço pela sua cintura, abraçando-o também enquanto
andamos até a saída do aeroporto. “Como foi com a sua família?”, pergunto.
“Foi bem. Kait está esperando resposta da Duke para decidir para qual
faculdade vai. Ela disse que quer ir para a Carolina do Norte para ficarmos
mais próximos.”
Assinto. “E seus pais?”
“Estão ótimos. Minha mãe me entupiu de comida e meu pai e eu
jogamos basquete quase todos os dias. Ele não queria que eu saísse de forma.
Foi divertido.”
Corro os dedos pelo abdômen de Zach — por cima da camiseta, claro.
“É impossível ter você e a expressão fora de forma na mesma frase.”
Zach arqueia uma sobrancelha. “Então você me acha gostoso?”
Umedeço os lábios com a língua, deliberadamente. “Delicioso”,
enfatizo.
Ele gargalha. “Isso é bom, sabe por quê?”
“Por quê?”
“Porque eu te acho deliciosa também.”
Ainda bem que Zach já está me segurando, pois eu me derreto inteira
quando ele fala comigo desse jeito. É tão lindo e sensual que me mata.
Quando entramos no carro, Zach cumprimenta Anthony e nós nos
acomodamos no banco de trás. Vou contando ao Zach sobre as minhas
aventuras culinárias com Dulce — precisei descobrir quais os alimentos que
não me fazem querer correr para o banheiro e vomitar as tripas. Eu sempre
adorei cozinhar, então ficar na cozinha com Dulce e o resto da equipe é muito
melhor do que ficar trancada no meu quarto.
“Seu pai não vai me receber com nenhuma espingarda ou coisa parecida,
vai?”, Zach me pergunta, apreensivo.
Dou risada. “Não. Meu pai é o cara mais sensacional que existe. Ele vai
te tratar como um filho.”
“Não sei se confio em você, Sav. Se seu pai for tão louco por você como
você é por ele, duvido que ele não morra de ciúmes.”
“Ele não faz o tipo ciumento. Talvez protetor, mas com certeza não é
ciumento.”
“Espero que esteja certa.” Ele sorri. “Tem falado com a Sophie e a
Eretria?”
Faço que sim. “Todos os dias. Eretria me bombardeia com várias fotos
das tartarugas. Eu não duvido que Nash volte para os Estados Unidos como
um ambientalista.”
Zach ri. “Nash está tão louco por ela que eu realmente não me
surpreenderia se isso acontecesse. Qual é o feitiço que vocês três têm?
Primeiro o D, que enlouqueceu quando colocou os olhos na Sophie; depois
você que me seduziu e agora o Nash com a Eretria.”
Dou de ombros. “O que posso dizer? Nós somos maravilhosas.”
“Você é mesmo.”
Dou um beijo rápido em Zach. Tenho vergonha de fazer demonstrações
públicas de carinho perto da minha família. E, embora Anthony seja o
motorista e não um membro real da minha família, ele me conhece desde que
eu era criança. Além disso, meus pais tratam nossos empregados como uma
extensão da nossa própria família. Então, eu os considero como meus tios e
tias ou algo assim.
Passamos o resto do caminho falando da irmã mais nova de Zach, a
Kait. Ainda não tive a oportunidade de conhecê-la — ou os pais de Zach —,
mas não quero apressar isso. Talvez, com a gravidez isso acabe acontecendo
em breve.
A gravidez.
Eu preciso contar ao Zach.
Consegui esquecer completamente disso nos últimos minutos, mas agora
sinto o pânico adentrando a minha corrente sanguínea, como se tivesse sido
injetado em mim como uma droga.
Deixo Zach falar sobre Kait e rezo para que ele não perceba que eu
fiquei calada de repente. Sei que ele sabe que nós precisamos conversar, já
que liguei para ele pedindo que viesse para cá mais cedo, mas acho que ele
nem imagina o tamanho da bomba que vou lançar sobre ele. O mundo de
Zach está prestes a virar do avesso e ele nem imagina.
Quando Anthony estaciona o carro na entrada da frente, o queixo de
Zach vai ao chão ao encarar a fachada da minha casa. Foi quase a mesma
reação que Sophie teve quando veio para o Natal no ano passado.
“Caralho!”, ele exclama, depois coloca a mão na frente da boca. “Porra!
Acho que não deveria falar palavrão na sua casa, não é?”, ele sussurra pra
mim.
Dou risada. “Seria interessante evitar.”
“Certo.” Ele fica mais um minuto parado, olhando para a casa. “Uau.
Não acredito que você cresceu aqui.”
Olho para a fachada da casa e tento enxergar toda a beleza que ele vê. É
verdade que é uma casa enorme, bonita e com uma localização privilegiada
perto do mar, mas acho que crescer em meio a tanto luxo e beleza te faz ficar
acostumada demais. Embora eu tenha muita consciência de que sou rica,
viajei o mundo, frequentei os melhores lugares durante toda a minha vida e
tenho uma casa linda, acho que não consigo mais ver esse brilho que Zach vê
agora. E isso é bem triste.
Ou talvez eu só esteja emotiva demais de novo.
“Vem.” Pego a sua mão e começo a guiá-lo para dentro da casa. “Vou te
apresentar para os meus pais e para todo mundo. Obrigada, Anthony.”
“De nada, Savannah. Bem-vindo, Zach.”
“Obrigado.” Meu namorado sorri para o meu motorista. “Quem seria
‘todo mundo’?”
Continuo puxando Zach para dentro da casa. “Nossos empregados. Eles
são como parte da família e estão doidos para finalmente conhecer um
namorado meu. Você é o primeiro que trago para casa, sabia?”
“Não brinca!”
“Juro”. Dou risada. “Eles estão aguardando esse momento com muita
ansiedade.”
E é a mais pura verdade.
Quando eu completei dezessete anos, minhas tias e tios postiços
decidiram que eu já estava na idade de ter um relacionamento sério. Lembro
de que quando eu estava triste, eles me perguntavam se era por algum
menino, o que sempre me fazia dar risada. Nunca entendi direito essa
obsessão deles pela minha vida amorosa. Acho que, no final das contas, eles
também me consideram como uma filha ou sobrinha. Talvez isso explique a
empolgação.
Não sei se o fato de comparar o meu pai com todos os caras que conheci
foi o que me fez nunca assumir um garoto, ou se eu simplesmente nunca me
apaixonei o suficiente para apresentar para a minha família. De qualquer
forma, estou feliz que Zach seja o primeiro. Talvez o único, dependendo de
como a vida correr.
Do lado de dentro da casa, encontro meus pais na sala de jantar ao lado
de Dulce e todos os outros empregados. O sorriso em seus rostos deixa bem
claro a animação com esse momento tão aguardado por eles.
Espero que não fiquem tão decepcionados se isso tudo for por água
abaixo nas próximas horas.
“Vocês vão deixá-lo assustado com essas caras”, digo, para ninguém em
especial.
“Seja bem-vindo, Zach.” Minha mãe é a primeira a se aproximar e
abraçar o meu namorado. “Nós estávamos muito ansiosos para te conhecer.”
Zach fica um pouco sem jeito, mas a abraça de volta. “Eu também
queria muito conhecer vocês. Obrigado por me receber. Sua casa é muito
bonita.”
“Obrigada, querido.”
“É um prazer tê-lo aqui, Zach”, agora é meu pai quem diz. “Minha
garotinha parece feliz com você.”
Meu namorado sorri. “Que bom saber disso, senhor. Sua filha é muito
importante pra mim.”
“Zach, essa é a Dulce. Ela já trabalhava aqui quando eu nasci, então
praticamente ajudou meus pais a me criarem junto com todas essas pessoas
maravilhosas.” Indico os outros empregados. “O Anthony você já conheceu.
Aqui temos Sheila, Amanda, Felix, Samantha, Emmett...” E eu continuo
apresentando todo mundo para ele, embora saiba que Zach não vai conseguir
decorar todos os nomes e rostos.
Feitas todas as apresentações, a multidão se dispersa pela casa, sobrando
só meus pais, Zach e eu na sala de jantar.
É a hora do almoço e a comida já está servida, então nós nos sentamos
para comer. Meu pai e Zach passam boa parte do tempo falando sobre
esportes — o que eu já esperava. E minha mãe faz uns comentários ou outro
com o pouco que ela entende. E eu acrescento à conversa com o que aprendi
com Eretria nos últimos meses.
O clima está leve e consigo notar que meus pais gostam de Zach. Isso
me deixa aliviada, principalmente se considerarmos que estou carregando um
filho dele.
Cada vez que penso que preciso dizer a ele, um arrepio percorre todo o
meu corpo. Não faço a menor ideia de como vou fazer isso. Não me sinto
preparada para contar. Preciso de mais tempo para reunir coragem.
Você já teve tempo demais, minha consciência repreende a minha
covardia. O que vai adiantar continuar adiando isso? Você vai ter de contar
a ele mais cedo ou mais tarde.
Eu opto por mais tarde.
Quando terminamos o almoço, peço licença aos meus pais e digo que
vou levar Zach até a praia.
Isso é uma coisa que sinto falta em Durham. A praia fica a algumas
horas de distância da cidade, e para quem foi criada à beira do mar, isso é
uma coisa bem ruim. Sinto falta da brisa gélida, do cheiro do mar e do som
das ondas quebrando. É pacífico.
De mãos dadas, Zach e eu caminhamos pela praia em silêncio. Apesar
de estar quente, encontramos poucas pessoas durante a nossa caminhada.
Com as férias escolares, eu imaginava encontrar uma loucura de crianças
correndo de um lado para o outro, mas fico aliviada ao encontrar o silêncio e
a paz.
“Seus pais são incríveis”, Zach quebra o silêncio de repente. Há um tom
de tristeza em suas palavras, mas não consigo imaginar o porquê disso.
“Sim, eles são.”
“Você tem muita sorte, Sav.” De novo, a mesma tristeza.
Franzo o cenho. “Por que está dizendo isso?”
“Por nada, é só que... Sei lá, sua vida parece perfeita.”
“A vida de ninguém é perfeita.” Suspiro. “Sabe, quando eu era mais
nova, meus pais costumavam viajar muito por conta do trabalho, então eu
passava muito tempo com a Dulce e os empregados. Acho que por isso
somos tão próximos e por isso meus pais os tratam como se fossem família
mesmo. Eu costumava sentir tanta falta deles que me perguntava se a vida
deles seria melhor se eu não existisse.”
“Sav...”
“Eu sei que parece loucura.” Dou uma risadinha nervosa. “Mas eu
cheguei a pensar nisso algumas vezes. Acreditava que o trabalho era mais
importante para eles do que eu. Eu costumava me sentir tão sozinha naquela
casa enorme...” Suspiro. “Eu sei que eles me amam e que fariam tudo por
mim, mas sei disso porque hoje sou uma mulher e entendo as coisas de uma
forma que não entendia quando era criança. Acredite em mim, Zach, minha
vida não é perfeita.”
Zach para de caminhar, o que também me faz parar, e segura meu rosto
entre as suas mãos. “Desculpa se fiz um comentário sem pensar. Acho que
fiquei um pouco deslumbrado.”
“Você não precisa se desculpar. Se eu estivesse no seu lugar teria
pensado o mesmo.”
Ele dá um beijo na minha testa e nós retomamos a caminhada.
“Agora que estamos juntos, você finalmente vai me contar o que estava
te aborrecendo tanto?”, ele pergunta, e não consigo evitar sentir meu corpo
ficando rígido. “Você disse que não queria conversar por telefone, então...”
Ah, Deus. Eu não estou pronta ainda. Como vou fugir dessa pergunta
agora?
“Tudo bem se voltarmos para casa?”, pergunto, tentando ganhar tempo.
“Eu estou começando a ficar cansada e preciso de um banho. Você também
deve estar exausto da viagem. Podemos conversar depois disso.”
Zach arqueia uma sobrancelha. “Não sei se estou gostando de todo esse
mistério. Você está me deixando nervoso.”
Se ele soubesse como eu estou nervosa...
Na verdade, essa palavra é um eufemismo agora. Não chega nem perto
de descrever com estou me sentindo.
“Ah, não fique nervoso”, tento ser brincalhona para suavizar a tensão.
“Não há motivos pra isso.”
“Tudo bem”, ele concorda. “Mas você não vai continuar me enrolando.
Eu quero saber o que está rolando, Sav.”
Confirmo com a cabeça. “Vou te contar. Prometo.”
07.

SAVANNAH

Deixei Zach tomar banho primeiro antes de me enfiar no banheiro para


tomar o banho mais longo de toda a minha vida. Lavei o cabelo duas vezes,
ensaboei o meu corpo inteiro três vezes e passei muito mais tempo passando
hidratante do que se julgaria necessário. Depois, penteei os cabelos e escovei
os dentes. Duas vezes.
Está claro que estou histérica por dentro. Por fora, estou pálida e com
um semblante desesperado.
Tento passar um pouco de blush para disfarçar a palidez que minha pele
assumiu, mas não consigo fazer nada a respeito do quanto estou gelada. Logo
eu, que sempre tenho a pele quente — é algo que Zach sempre comenta.
Hoje, no entanto, assim que ele segurar a minha mão vai levar um susto.
Quando tomo a decisão de finalmente sair do banheiro, respiro fundo
algumas vezes e reúno toda a coragem que consigo. Preciso terminar logo
com isso ou vou enlouquecer.
“Deus, me ajude”, sussurro para mim mesma e abro a porta do banheiro.
Zach está deitado na minha cama com o meu laptop no colo. Assim que
me vê, ele fecha o computador e o coloca perto dos seus pés. Acho que ele
consegue sentir a tensão que meu corpo irradia, pois Zach empertiga a
postura ao se sentar na cama.
Aproximo-me devagar. O caminho do banheiro da minha suíte e a
minha cama nunca pareceu tão grande. Sinto como se o mundo estivesse em
câmera lenta. Meu corpo inteiro está tenso e minhas mãos levemente trêmulas
e suadas.
“Agora você está me deixando apavorado”, diz Zach. E eu consigo ver
toda a preocupação em seu rosto. Pergunto-me o que ele deve estar pensando.
Talvez esteja com medo de que eu termine com ele ou que vá confessar uma
traição ou algo assim. Deus, nem deve se passar pela cabeça dele o real
motivo disso tudo.
Eu me sento na cama, cruzando as pernas sob o meu corpo.
Zach me olha com atenção. Seus olhos azuis me analisam
minuciosamente, como se ele pudesse encontrar no meu rosto a resposta para
as suas perguntas.
“Sav, o que tá acontecendo? Fala comigo, pelo amor de Deus. Se você
continuar me olhando desse jeito, vou perder a cabeça.”
“Não tem um jeito fácil de dizer isso, então, vou só dizer.” Solto o ar
dos pulmões. “Eu tô grávida.”
Ele pisca algumas vezes. Suas pálpebras são as únicas coisas se
movendo, pois o resto do corpo de Zach está paralisado. Não sei nem dizer se
ele está respirando.
“Quê?”
“Eu tô grávida”, repito, baixinho. “Você lembra que eu fiquei
resfriada?”
Ele faz que sim com a cabeça.
“Precisei tomar antibiótico por causa da garganta inflamada. Eu não
sabia que antibiótico cortava o efeito do anticoncepcional. E teve aquela
camisinha que estourou, então...”
Zach continua imóvel. “Desde quando você sabe?”
“Desde antes de vir para a Flórida. Descobri naquele dia que você foi à
Bassett, um dia antes de viajarmos.”
Depois disso, só silêncio.
Meu namorado ganha a incrível habilidade de ficar mudo. E eu tento dar
um tempo para ele processar tudo, pois sei que é um choque. Sei que ele está
sentindo o mesmo desespero que eu senti quando descobri, então espero que
ele consiga absorver tudo para falar.
E eu espero, espero e espero.
Mas quando parece que ele está em silêncio há quase dez minutos, eu
não aguento mais. “Zach, diz alguma coisa, por favor.”
“Você quer ter o bebê?”, ele pergunta, baixinho.
“Sim. É, eu... eu acho que sim.” Eu o encaro. “E você?”
Zach solta o ar dos pulmões e passa a mão pelos cabelos loiros. “Sav,
eu... não sei, quer dizer... eu nunca pensei em ser pai. Para ser sincero, não sei
se um dia quero ser e...”
“Tecnicamente, você já é pai”, eu o interrompo, em pânico. “Está me
dizendo que não quer o bebê?”
Ele balança a cabeça, atordoado. “Eu não sei. Linda, você vai fazer
dezenove anos; eu vou fazer vinte e dois. Não tenho um emprego, nem uma
casa. Mal consigo pagar minhas próprias contas. Como vamos ter um bebê,
Savannah? É loucura. E eu não...”, ele se interrompe.
“Você não...?”
“Eu não sei”, ele diz, mas tenho a impressão de que não era isso o que
iria dizer. “Eu não sei o que você quer que eu diga.”
Sinto a frustração crescer dentro de mim como uma maldita erva
daninha, indesejada e prejudicial.
“Eu quero que você diga que vai ficar tudo bem. Você disse que eu tinha
você para me dizer isso, lembra?”
“Você estava me sondando?”, ele pergunta, e consigo inferir o tom de
traição. “Eu não fazia ideia do que estava acontecendo, Savannah. Como
você pode jogar isso na minha cara agora?”
Eu me levanto da cama, incapaz de continuar parada. Estava apavorada
que Zach recusasse a paternidade e, ao que parece, é isso o que está
acontecendo.
“Se você vai me dar um pé na bunda é melhor dizer logo, Zach. Diz que
você não quer o bebê e acaba logo com isso. Mas saiba que eu vou ter esse
bebê com ou sem você.”
Ele também se levanta da cama. “Eu não vou te dar um pé na bunda. É
esse cara que você acha que eu sou?”
Sinto o alívio me alcançar. “Eu estou apavorada, Zach. Nem sei o que
pensar. Fiquei semanas remoendo isso e tentando decidir se teria ou não esse
bebê e, no meio de tudo isso, pensando o que você iria dizer ou fazer.”
“Você deveria ter me contado antes de viajarmos.”
Nego com a cabeça. “Não conseguiria suportar não saber o que você
está pensando e como estaria reagindo a isso.”
Zach me abraça forte, e eu me agarro a ele como uma boia que me foi
lançada enquanto eu estava à deriva no mar.
“Vamos ficar bem, não é? Vamos dar um jeito?”, eu choramingo. E
quando Zach não responde, eu me afasto do abraço para poder olhá-lo nos
olhos. Eu os analiso, tentando enxergar a sua alma. “Você não quer o bebê,
não é?”
Ele enche os pulmões de ar e depois solta. “Eu não disse isso.”
“Mas também não disse que quer.”
“Sav, me dá um tempo para processar isso. Eu nem consegui assimilar o
tamanho do problema.”
“Problema?”, eu ecoo, rispidamente. “É isso o que eu sou agora? Um
problema?”
“Não”, ele se apressa para negar. “Me expressei errado. Desculpa. Você
não é um problema...”
“Mas o bebê é?”, eu o interrompo de novo.
“Para de colocar palavras na minha boca”, ele replica, irritado.
“Então seja honesto comigo, Zach. Não é preciso ser um gênio para
saber que você não está feliz com isso.”
“Você ficou feliz quando descobriu?”, ele pergunta, resignado. “Você
estava pulando de alegria?” Quando eu não respondo, ele continua: “Foi o
que eu pensei. Só estou dizendo para você me dar um tempo. Eu acabei de
descobrir. O que estou sentindo não é diferente do que você sentiu. Me dá um
tempo, por favor.”
Suponho que tenha certo sentido no que ele está me pedindo. Eu
realmente fiquei apavorada quando descobri, e meu desespero durou muito
mais do que só um dia. Eu tive quase três semanas para me acostumar com a
ideia, então não é justo exigir que Zach aceite isso de uma hora para a outra,
sendo que eu mesma não aceitei.
“Tudo bem”, concordo, por fim. “Mas converse comigo, por favor,
Zach. Quando estiver pronto, converse comigo. Eu também tô assustada.”
Zach me puxa para os seus braços, envolvendo-os ao meu redor para me
consolar. Então, deixo as lágrimas saírem. Ainda estou tremendo um pouco,
mas não posso negar estar aliviada, mesmo que a reação dele não tenha sido
necessariamente a melhor do mundo. No entanto, é compreensível o choque.
Mas pelo menos eu sei que ele não vai me largar.
Como pude considerar uma coisa dessas? Zach nunca faria isso comigo.
Ele é o cara mais fofo e incrível que eu já conheci. Não é à toa que é o
primeiro que eu decido trazer na minha casa para conhecer a minha família.
Espero Zach dizer mais alguma coisa — qualquer coisa —, mas isso não
acontece. Nós apenas vamos para a cama em silêncio e eu o observo quando
ele pega no sono ao meu lado. Mas, mesmo dormindo nos seus braços, como
tenho feito nos últimos meses, sinto o peso invisível da notícia entre nós, nos
dividindo. Ou talvez eu só esteja sendo paranoica. Com certeza não seria a
primeira vez.
Está tudo bem. Zach só precisa de um tempo para processar tudo. Eu
tenho certeza de que vamos ficar bem e vamos dar um jeito de criar esse
bebê.
Vamos ficar bem.
Certo?
Certo?

BABYFACE

Não sei quanto tempo eu passei de olhos fechados para que Savannah
pensasse que eu estava dormindo. A verdade é que provavelmente não vou
ter uma noite de sono boa pelos próximos dias. Como poderia dormir depois
de descobrir que a minha namorada está grávida?
Porra!
Eu sempre tomei todos os cuidados para que isso não acontecesse. Tanto
com Savannah como com todas as outras garotas com quem dormi. Não
consigo acreditar que isso está acontecendo agora.
Maldita camisinha estourada.
Não menti para Savannah. Eu nunca pensei em ser pai. Vez ou outra tive
pensamentos como “Nossa, seria legal ter um filho para ensinar isso para
ele”, mas tão rápido quanto essa ideia chegava, eu a mandava embora.
A grande questão disso tudo é que eu não sirvo para ser pai. Jamais
conseguiria ser um bom pai para alguém. Não sirvo para ter um ser humano
sob a minha responsabilidade.
Agora que eu sei que Savannah está dormindo, posso abrir os olhos para
encarar o teto do seu quarto e pensar. Meu Deus. Eu não vou ser um bom pai.
Eu provavelmente vou deixar alguma coisa ruim acontecer com o bebê, o que
só iria acrescentar ao meu tormento pessoal.
Savannah não poderia ter escolhido um cara pior com quem ter um filho.
Estou surtando e preciso tomar um ar fresco antes que eu perca
completamente a cabeça. Então, tiro lentamente o braço de Savannah de cima
de mim — ela gosta de dormir me abraçando — e levanto da cama com toda
a suavidade que consigo para não a acordar. Não aguentaria outra conversa
como a que tivemos horas atrás.
Abro a porta de vidro da varanda do quarto de Savannah e me sento em
uma das cadeiras dispostas na área. Fico observando o mar enquanto tento
manter meus pensamentos limpos, mas quanto mais eu tento, mais a imagem
de Savannah barriguda invade a minha mente.
Pego meu celular e mando uma mensagem para o Friends. Entre todos
os meus amigos, ele com certeza é o que eu mais confio para conversar sobre
isso.

Eu: Cara, tá acordado?

Cinco minutos depois, a resposta chega.

Ele: Tava transando.

Seguro o riso, pois não quero correr o risco de acordar Savannah.

Eu: N esperava algo diferente.


Ele: O q tá pegando, cara?
Eu: Posso ligar?
Ele: Eita porra, a coisa tá na merda. Liga aí.

Faço a ligação.
“Cara, que merda você fez?”, Friends me pergunta em forma de
cumprimento.
Por que ele sempre supõe que eu fiz alguma coisa errada?
Reviro os olhos. “Friends, você tem que manter essa boca fechada ou eu
juro por Deus que vou arrancar os seus dentes um a um.”
“Você matou alguém por um acaso?”, ele pergunta, e um arrepio
percorre a minha espinha. “Eu não vou falar nada. O que foi?”
Solto o ar dos pulmões. “A Sav tá grávida.”
“Puta que pariu!”, Friends exclama. “Puta que pariu!”
“Pois é.”
“E agora? Quer dizer, porra! O que você vai fazer? Não, na verdade, o
que vocês dois vão fazer?”
Passo a mão pelo cabelo, atordoado. “Ela quer ter o bebê.”
Friends fica em silêncio por um momento. “E você não quer?”
Se for para ser sincero comigo mesmo, então a resposta é não. Eu não
quero o bebê. Quer dizer, eu até poderia querer se eu realmente acreditasse
que seria o melhor para o bebê me ter como pai. Não tenho nada contra
crianças. Gosto delas.
No começo do ano, Savannah organizou uma feira beneficente em um
orfanato em Durham e foi incrível passar a tarde brincando com as crianças,
mas é diferente quando a criança é minha. Meu filho. Minha
responsabilidade.
Então... É, com certeza a resposta é não. Não quero o bebê, mas nunca
diria isso à Savannah. Também nunca pediria que ela abortasse, porque,
sinceramente, não acredito que eu tenha o direito de pedir uma coisa dessas.
Eu nem ao menos sei o que eu penso sobre aborto. Nunca precisei refletir
sobre isso. Aborto é um assunto polêmico e que me dá dor de cabeça só de
tentar entender. E, considerando que não estou no meu lugar de fala, devo
manter a boca fechada sobre isso.
“Eu não sei”, é o que respondo para o Friends. Não quero que meu
melhor amigo me julgue se eu disser que não quero essa criança. Para evitar
julgamentos, eu teria que explicar a ele meus motivos, mas nunca farei tal
coisa. Certos segredos vão comigo para o meu túmulo. “O que você faria se
estivesse no meu lugar?”
“Graças a Deus eu não estou”, ele diz. Puxa! Que incentivo ótimo.
“Mas, se eu estivesse... Sei lá, cara, você gosta dela? Da Sav? Tipo, você tá
realmente apaixonado por ela? Porque, cara, se vocês tiverem esse bebê, você
vai estar ligado a ela até o último dia da sua vida.”
“Não é isso o que me preocupa. Eu sou louco por ela, Friends. Nunca
uma garota conseguiu virar meu mundo de cabeça pra baixo desse jeito. Eu
não tenho dúvida de que sou apaixonado por ela e provavelmente sempre vou
ser.”
“Então acho que você já tem sua resposta.”
Se Friends soubesse metade das coisas que acontecem na minha casa,
talvez ele não me falasse isso com tanta facilidade. Talvez ele conseguisse
entender o motivo pelo qual eu realmente estou apavorado.
Quando não respondo, Friends continua. “São três horas da manhã, cara.
Você deveria tentar dormir um pouco.”
Rá. Como se isso fosse possível com o turbilhão de coisas que estão se
passando na minha cabeça agora.
“Vou fazer isso”, minto. “Obrigado. E, por favor, não fala para os caras
ainda. Não sei se Savannah contou para as meninas, então não quero que todo
mundo fique sabendo.”
“Não vou falar nada”, ele garante, e eu acredito nele.
“Valeu, cara.”
“Descansa e fica tranquilo. Eu e os caras vamos ajudar como pudermos.
Acho até que vai ser legal. Tomara que seja um moleque, para a gente ensinar
ele a jogar basquete.” Friends começa a rir. “Já imaginou? Seria irado, cara.”
Não consigo evitar sorrir ao pensar nisso.
“É, seria muito legal.”
“Se for menina, você tá fodido.” Ele ri mais ainda.
“Boa noite, Friends”, eu o interrompo antes que ele comece a viajar
muito.
“Boa noite, papai.”
“Vai se foder.”
“Vai você se foder.”
E nós dois começamos a rir.
Quando desligo o telefone, me sinto um pouco melhor. Mas acho que
ainda tenho um longo caminho entre me sentir bem com isso e realmente
querer esse bebê.
08.

SAVANNAH

Quando acordo no dia seguinte, Zach não está na cama. O meu primeiro
pensamento é que ele pode ter fugido no meio da noite, mas depois penso o
quão ridículo isso é. Eu realmente devo estar ficar paranoica, e odeio isso. De
modo geral, eu sempre fui uma mulher segura e nada histérica, mas esses
hormônios estão me transformando em um monstrinho maluco.
Arrasto meu corpo para fora da cama e começo a procurar por Zach. Ele
não está no banheiro da suíte; não está na varanda do quarto. Mas me acalma
ver que a mala dele continua no mesmo lugar que estava ontem.
Ele deve estar na cozinha.
Descalça, caminho pelo chão de mármore até a cozinha, que, percebo
antes mesmo de adentrar o cômodo, está cheia de atividade. Com Dulce no
comando, Sheila, Felix e Samantha andam de um lado para o outro, mexendo
em panelas, picando legumes, guardando mantimentos na despensa e lavando
a louça. Mas nenhum sinal de Zach. Onde esse garoto se meteu?
“Bom dia, criança”, Dulce me cumprimenta com um sorriso. “Está com
fome?”
Minha alimentação está estranha nos últimos tempos. Ainda não tive
nenhum daqueles desejos esquisitos, como ter vontade de comer areia ou
coisa assim — sério, parece que isso existe de verdade —, mas não estou
conseguindo comer coisas que adorava antes de ficar grávida, como
macarons, por exemplo.
“Na verdade, não. Você viu o Zach? Não o estou encontrando em lugar
nenhum.”
“Ah, ele saiu com o seu pai. Os dois foram ter ‘um programa de
homens’.” Dulce desenha aspas no ar. “Não me pergunte o que isso
significa.”
Me surpreendo ao perceber que estava prendendo a respiração.
“E a minha mãe?”
“Está na piscina”, Dulce me informa. “Eu estava prestes a levar algo
para ela comer. Posso colocar uma salada de frutas para você?”
Confirmo com a cabeça. “Obrigada, Dulce.”
No caminho até a área da piscina, recebo uma ligação de Sophie e
atendo no primeiro toque.
“Sav?”
“Oi, amiga.”
“Oi. Como você está?”, ela quer saber. “Fiquei preocupada quando você
disse que o Babyface estava indo para a sua casa ontem.”
Essa virou uma pergunta um pouco difícil de responder.
“Estou bem, eu acho. Contei ao Zach ontem mesmo.”
“Contou? E como foi?”
Solto um longo suspiro. “Honestamente, não sei dizer se foi bom ou
ruim. Quer dizer, ele disse que não vai me dar um pé na bunda nem nada
assim, mas ele também não teve uma reação positiva e que me passasse a
segurança que eu preciso sentir agora, sabe? Ele me pediu um tempo para
processar tudo, mas também não sei exatamente o que isso significa.”
“Espera um pouco”, pede Sophie. Quando ela fala de novo, sua voz sai
como se estivesse distante do telefone. “Amor, tô no telefone com a
Savannah. Já vou descer.”
Sophie está passando esse mês em Nevada, na cidade natal de Derek; e
pelo jeito as coisas não poderiam estar melhores. Ela disse alguns dias atrás
que a mãe de Derek era a melhor mãe de todas.
“Oi, Sav. Desculpa. O Derek está me infernizando para experimentar um
negócio que ele cozinhou. Vou te falar... a aparência está esquisita.”
Eu dou risada. “Boa sorte. E diga oi para a intoxicação alimentar por
mim.”
Sophie solta um grunhido. “Muito obrigada pelo seu apoio.” Ela suspira.
“Enfim, eu acho que essa reação do Babyface é compreensível. Você também
ficou apavorada, lembra? Ele acabou de ficar sabendo, então é normal que
esteja atordoado. Mas, pelo amor de Deus, Sav, ele é maluco por você. Dê
alguns dias para ele. Eu tenho certeza de que vocês vão ficar bem.”
“Acho que ele não ter fugido já é uma grande coisa”, reflito.
“Com certeza. Fica tranquila, Sav.”
“Ah, eu tenho uma novidade. Eu ia mesmo ligar para você hoje. Meus
pais estão pesquisando uma casa para alugar em Raleigh. Não tem como eu
ter um bebê e continuar morando nos alojamentos da Duke. Portanto, eu
queria saber se você topa vir morar comigo na casa que meus pais vão alugar.
Vou falar com Eretria também.”
Como não somos mais calouras, eu e as meninas teríamos que sair da
Bassett House de qualquer forma. Os alojamentos do East Campus — onde
está localizada a Bassett House — são só para os alunos do primeiro ano. Nós
teríamos que nos mudar para o West Campus, onde os alojamentos são para
os alunos do segundo ano em diante. E, não há nenhuma garantia que eu e as
meninas iríamos conseguir continuar dividindo o mesmo dormitório. E de
jeito nenhum eu quero novas colegas de quarto.
“É sério?”
“Seríssimo. Nós teríamos uma casa inteira só para nós e provavelmente
um quarto para cada uma. Falei com meus pais e eles concordaram em pegar
uma casa grande o suficiente para nós três. Talvez até para o Zach, se ele
quiser.”
“Uau. Isso seria incrível. É claro que eu topo. Depois me passa as
informações sobre o aluguel e eu deposito a minha parte na conta dos seus
pais.”
Isso não me surpreende. Sophie não está acostumada a receber nada de
graça.
“Você não vai gastar um centavo do seu salário com isso. Eu já sabia
que você diria algo assim e meus pais garantiram que não precisamos nos
preocupar com nada.”
“Savannah.” Seu tom deixa claro que ela não concorda com isso.
“Sophie.”
Ela bufa. “Eu não gosto dessas coisas.”
“Amiga, pelo amor de Deus, minha família tem tanto dinheiro que não
sabemos com o que gastar. Meus pais querem fazer isso por mim, e eu quero
vocês comigo. Já está tudo certo. Dinheiro não é um problema.”
“Tá. Vou aceitar só porque você está dizendo que seus pais falaram que
não tem problema. E porque você fez questão de jogar na minha cara que é
rica, sua ridícula.”
Dou risada. “Te amo, amiga. Estou com saudades.”
“Eu também te amo e estou com saudades. Quando você volta à
Carolina do Norte?”
“No final dessa semana. Meus pais querem fazer uma festa de
aniversário para mim aqui, mas eu quero fazer outra com vocês, quando
estivermos todas juntas de novo.”
Quase consigo sentir a animação de Sophie pelo telefone. “Ah, deixe
tudo comigo e com a Eretria. Vamos organizar uma festa incrível para você.”
“Não duvido.”
Sophie e eu ficamos conversando por mais uns dez minutos antes de
desligarmos o telefone e eu finalmente encontrar minha mãe na área da
piscina.
O dia está bonito, o que é comum na Flórida. O sol está brilhando e
quase não se é possível ver nuvens no céu. Eu não duvido nada que meu pai
tenha levado Zach para pescar ou para jogar golfe. É o típico “programa de
homem” que ele normalmente faz com os amigos dele, então acho que
decidiu incluir o meu namorado dessa vez. E isso me deixa feliz, pois
significa que meu pai gosta dele.
Sento-me na espreguiçadeira ao lado da minha mãe.
Dulce já passou por lá, então pego a minha salada de frutas e começo a
comer. Como minha mãe está falando no telefone, fico quietinha e espero ela
terminar.
“Perfeito, Chris. Fico aguardando as medidas. Muito obrigada”, diz
minha mãe ao telefone. Ela trabalha como designer de vestidos de noiva,
então sempre leva a sua prancheta de desenhos para todo o lugar que vai. Até
mesmo agora, relaxando na espreguiçadeira da piscina, ela está com a
prancheta no colo. “Bom dia, querida. Como está se sentindo hoje?”
“Estou bem.” Enfio um pedaço de banana na boca. “Contei ao Zach
ontem à noite.”
Minha mãe olha na minha direção. “E como foi?”
Eu resumo a história toda para ela.
“Ah, não foi tão ruim, eu acho”, ela diz, o que naturalmente já me
tranquiliza.
“É, eu acho que não.”
“Seu pai o levou para pescar.” Minha mãe ri. “Pobre garoto. Seu pai vai
enchê-lo de todos os detalhes dos peixes que já pescou.”
“Pobre Zach.”
Eu e minha mãe rimos juntas.

BABYFACE
Onde eu estava com a cabeça quando aceitei vir pescar — dentre todas
as coisas — com o pai de Savannah? Eu detesto ficar parado e em silêncio
esperando o peixe morder o maldito anzol. Não tenho paciência para isso. Se
minha vida dependesse de ser pescador, eu já poderia me considerar um
homem morto.
Ah, é. Eu estava fugindo da Savannah.
As definições de babaca foram atualizadas.
Eu fiquei apavorado ao pensar em ter outra conversa sobre a gravidez
com Savannah. Eu não sei o que dizer a ela, então talvez seja bom evitá-la até
saber, certo? Desse modo, eu evito falar alguma coisa sem pensar e dar a
impressão errada para ela.
Não há impressão errada para dar. Você não quer ser pai. Encontre um
modo de dizer isso a ela.
Como, por Deus, eu vou dizer isso a ela? Vai parecer que eu estou
querendo tirar meu corpo fora. E não é isso. Não é mesmo. É só que... Eu não
estou com medo de ter um filho, e, sim, da minha irresponsabilidade com ele.
Isso sem mencionar o exemplo paterno de merda que eu tenho. Não quero ser
esse tipo de homem, esse tipo de pai.
Se vou ficar com Savannah e ter um filho com ela, quero ser um bom
companheiro e um bom pai. Quero dar tudo a ela e ao meu filho, quero ser
responsável, gentil, amável e um porto seguro para os dois. Mas, meu
passado trabalha contra mim. Eu tenho todos os motivos do mundo para
acreditar que não seria nada disso. Eu nunca fui nada disso para ninguém.
Quando mais precisaram de mim, eu falhei. E vou falhar com meu filho e
com Savannah em algum momento. Sei que sim.
Solto um suspiro. Alto.
“O que foi, filho?”, pergunta o pai de Savannah.
A palavra filho me causa um aperto no peito. Não lembro a última vez
que meu pai me chamou de filho.
Será que Savannah já contou aos pais sobre a gravidez? Preciso tomar
muito cuidado com o que vou falar agora.
“Ahn... acho que não sou um pescador muito bom.” Decido seguir por
território seguro. “Não consigo ser paciente desse jeito.”
O Sr. Radcliff acha graça. “Vocês, jovens, são muito acelerados. Acho
que eu era assim também quando tinha a sua idade. Hoje em dia, você se
surpreenderia com o que eu daria por um momento desses de sossego.”
Não duvido dele. O cara é juiz. Eu nem consigo começar a imaginar os
tipos de merdas que ele lida diariamente.
“Como é ser pai?”, pergunto, automaticamente. “Ah, desculpa. É uma
pergunta idiota.”
“Ela te contou?”, ele pergunta ao mesmo tempo em que parece estar
afirmando.
Merda. Agora não tem mais como fugir.
Apenas faço que sim com a cabeça.
“Zach, primeiramente quero dizer que é completamente normal que você
esteja apavorado agora. É completamente normal que você se sinta perdido,
assustado e que, considerando que vocês são muito novos e não planejaram
isso, o primeiro impulso seja querer fugir ou abortar o bebê, mas tudo isso,
todo esse desespero, ele passa. Quando você vir a barriga dela crescer,
quando você escutar o coração do seu filho batendo pela primeira vez e,
principalmente, quando você colocar seus olhos nele... O mundo parece
diferente depois disso, como se tudo se encaixasse e ganhasse um novo
significado. Você finalmente entende o que significa amar uma pessoa
incondicionalmente.”
Escuto com atenção, mas só consigo pensar que meus pais devem ter
falhado em pelo menos metade das coisas que o Sr. Radcliff acabou de
descrever.
“Não vou dizer que é tudo mil maravilhas. Ser pai é difícil, requer muita
dedicação, muita responsabilidade e muito amor. Você erra mil vezes antes
de começar a acertar e mesmo assim vai continuar errando mais mil vezes.
Mas, puxa, é maravilhoso. Você verá.”
O pai de Savannah fala sobre isso com tanta sinceridade e amor que me
faz sentir um pouco de inveja da minha namorada. Eu não tive nada disso na
minha casa enquanto crescia. O que eu tive de sobra foram socos, chutes e
palavras ofensivas.
Se eu fosse descrever a paternidade com base no que eu conheço, eu
diria que é um fardo. Diria que os filhos são aqueles que aguentam as
frustrações dos pais e precisam lidar com elas sem terem culpa de nada. Eu
diria que os filhos são sacos de pancada para aliviar a raiva de um dia ruim
no trabalho ou... ou porque não há mais cervejas na geladeira.
Nada do que eu vivi e conheço sobre o assunto parece com o que o pai
de Savannah descreveu.
Como posso ser bom naquilo que não conheço? Como faço para ser
como o pai dela e não como o meu pai?
Não quero que meu filho ou filha passe pelo que eu passei. Não quero
que olhem para mim e vejam um monstro na pessoa que, supostamente,
deveria protegê-los de todo o mal do mundo. Não quero ser esse tipo de pai,
mas me pergunto se não é o único tipo que eu saberia ser.
Meus olhos começam a queimar, mas eu me apresso a colocar a minha
mente para pensar em outra coisa que não seja o homem que me criou. A
última coisa que eu quero é chorar na frente do pai de Savannah.
“Obrigado, senhor.”
“Me chame de Tom.”
“Tom. Certo.”
09.

SAVANNAH

Os últimos dias foram provavelmente os mais estranhos da minha vida.


Zach está esquisito, e embora ele se esforce para agir normalmente, não tem
dado muito certo. Claro que ele continua sendo carinhoso comigo, nós
continuamos transando e dormindo abraçados, mas sempre que eu faço
menção da gravidez, ele fica arredio.
Faz quatro dias que contei. Eu esperava que ele já estivesse em processo
de aceitação a essa altura, mas não vejo esse dia chegando tão cedo. Muito
pelo contrário. Ele parece cada dia mais propenso a pular fora, e isso me
apavora.
Nossos dias têm sido como uma maldita montanha-russa. Nós
brincamos na piscina, passeamos pela praia, fazemos amor com o barulho das
ondas como trilha sonora de fundo, e tudo está ótimo, mas, de repente, o
clima esfria, ele fica tenso e distante. Eu não sei o que dizer, não sei como
agir ou como tranquilizá-lo. Nem ao menos sei se tem algo que eu posso
dizer ou fazer que vá realmente tranquilizá-lo. Estou em uma corda bamba, e
odeio isso.
Ontem, meus pais e os empregados fizeram uma pequena festinha de
aniversário para mim. Foi o melhor dia que tivemos desde que contei sobre a
gravidez, mas só foi assim porque foi o único dia em que decidi não tocar no
assunto.
Zach comprou um colar lindo de lua para mim. É como uma lua cheia
que brilha no escuro. Ele disse que era para servir como um pontinho de luz
para me guiar.
Fofo.
E isso é o que me deixa mais confusa.
Zach é um dos caras mais decente que eu já conheci, então sentir que ele
está prestes a cair fora não combina com a personalidade dele.
Mesmo agora, no avião, enquanto ele acredita que eu estou dormindo
com a cabeça apoiada em seu ombro, ele faz carinho no meu cabelo,
massageando meu coro cabeludo, porque ele sabe que eu amo um bom
cafuné. Como esse cara é o mesmo cara que se recusa a dizer que quer ter um
filho comigo? Um filho que, diga-se de passagem, já está a caminho.
Minha cabeça está uma bagunça.
“Está com fome?”, Zach me pergunta quando chegamos a casa que ele
divide com os amigos em Raleigh.
Nós quase não conversamos no caminho até aqui. Eu fingi estar
dormindo a maior parte do tempo porque queria evitar o constrangimento das
palavras não ditas.
A que ponto chegamos.
Respiro fundo, cansada demais para continuar com esse joguinho. “Até
quando você vai evitar o elefante na sala?”, pergunto, calmamente. “Por que
você não termina logo comigo e diz que não vai assumir essa criança?”
“Savannah, você...”
“Não”, eu o interrompo. “Eu não quero nenhuma explicação
mirabolante, Zach. Eu quero um sim ou um não. Você está me matando com
esse silêncio. Eu estou com os hormônios à flor da pele e você só está
piorando tudo. Eu dei o tempo que você me pediu, mas ao invés de parecer
mais tranquilo com a ideia, você está cada vez mais em negação. Você acha
que eu não percebo que você fica pálido como uma folha de papel toda vez
que eu tento tocar no assunto?”
Ele me encara, sério. “Eu não vou terminar com você.”
Não me sinto aliviada, pois sei que isso não é a história toda. “Ótimo,
então diz que quer o bebê e nós vamos dar um jeito de fazer isso funcionar.”
Ele hesita, e eu explodo.
“Quer saber? Não precisa me dizer nada. O seu silêncio está gritando, e
eu estou sendo idiota por não querer escutar. Esse bebê é parte de mim agora,
e se você não o quer, então você não me quer também.” Começo a puxar a
minha mala em direção a porta.
“Savannah”, ele segura o meu braço “o que você está dizendo?”
“Eu estou dizendo que acabou. Você e eu.”
Ele me olha, perplexo. “Você está terminando comigo porque eu não me
sinto pronto para ter um filho?”
Sinto as lágrimas se acumulando nos meus olhos. “E você acha que eu
estou pronta? Você, em algum momento, parou para pensar em como eu
estou me sentindo? Sou eu quem vai se tornar uma bola, sou eu que vou ter
meu corpo modificado, sou eu que vou ter que ouvir as pessoas cochichando
sobre mim, me julgando, me apontando como aquela que ‘destruiu a própria
vida porque teve um bebê fora de hora’. Você parou para pensar que eu estou
para começar o meu segundo ano de faculdade e vou ter que conciliar os
estudos e um bebê? Que chora, precisa mamar, tomar banho e vai depender
de mim para tudo?” Limpo as lágrimas. “Não venha me dizer que você não
está pronto como se isso servisse como uma desculpa, Zach.”
Ele tem a decência de parecer envergonhado. “Não pensei em nada
disso”, ele admite. “Me desculpa.”
“Eu não quero as suas desculpas, eu quero o seu apoio e a sua ajuda,
mas está claro que essas são as únicas coisas que você não consegue me dar
agora.” Continuo secando as lágrimas que caem aos montes. “Eu não ouso
dizer que te conheço e te entendo completamente, mas parece que tem
alguma coisa que você não está me contando. Ou isso, ou eu me enganei
completamente a seu respeito, porque jurava que você não era o tipo de cara
que faria isso comigo.”
Zach segura o meu rosto entre as suas mãos. Consigo ver o desespero
despontando em seus olhos azuis antes de ele grudar a sua testa na minha.
“Por favor”, ele sussurra, apavorado. Não sei se está com medo de que eu
saia por aquela porta e termine tudo ou se está apavorado de modo geral. “Me
dá mais um tempo. Por favor. Eu só... Eu só preciso de mais tempo, amor.”
“Por quê? O que mais você precisa entender sobre tudo isso?” Eu me
afasto. Estou cansada, frustrada e apavorada. “Eu entendo o seu medo,
entendo todas as suas dúvidas, entendo que todos os nossos planos irão
mudar, mas não consigo entender essa resistência. Você diz que quer ficar
comigo, então o que mais tem aí que você não está me falando? Por que eu
sinto que você está cada vez mais distante ao invés de mais próximo?”
Quando ele fica em silêncio, eu tenho mais certeza ainda de que ele está
escondendo alguma coisa de mim, mas eu não tenho mais disposição para
ficar brigando com a sua resistência. Não posso passar nove meses nesse
chove não molha. Eu preciso que ele me dê segurança; preciso de ajuda. E se
ele não conseguir me dar isso durante a gravidez, como vai poder me dar isso
quando o bebê estiver aqui?
“Você nem consegue me responder. Sabe o que isso me diz? Que você
vai estar sempre me pedindo mais tempo sem nunca realmente tomar uma
decisão. Ou talvez você só esteja com medo de que eu vá te achar um canalha
se você me disser que não quer o bebê.” Limpo as lágrimas de novo. “Sabe,
eu te acharia mais homem se você simplesmente dissesse alguma coisa
honesta ao invés de se esconder atrás de pedidos de mais tempo.”
“Savannah, por favor, não me deixa.”
“Você é quem está me deixando, Zach.” Pego a minha mala mais uma
vez, pronta para puxá-la para fora da casa, e me esquivo quando Zach tenta
segurar o meu braço para me impedir. “Não”, eu o repreendo, firme. “Pra
mim chega.”
Zach me segue até o lado de fora da casa. “Savannah, para com isso, por
favor. Vamos conversar.”
Eu coloco o endereço do campus no aplicativo do Uber. “Não tenho
mais nada para dizer.”
Zach pega o celular da minha mão.
“Ei”, eu protesto.
“Eu quero você. Eu preciso de você. Eu...”
“Você o quê?”, eu insisto, irritada. “Me fala. O que realmente está
acontecendo com você?”
Ele fecha os olhos por um instante e parece que está em uma luta interna
que não consigo entender. E, mais uma vez, ele não me diz nada.
Exalo, exausta. “Devolve o meu celular, Zach.”
O seu desespero aparente parte o meu coração, mas todas as palavras
que ele, por algum motivo, não consegue dizer, o quebram mais ainda.
“Por favor”, eu imploro, choramingando. “Por favor, acaba logo com
isso. Eu não aguento mais. Por favor.”
Depois de quase um minuto inteiro em sua batalha interna, Zach devolve
o meu celular e eu consigo terminar de fazer a solicitação do Uber.
“O que você vai fazer?”, ele me pergunta, baixinho.
“Não se preocupe comigo. Vou ficar bem.”
Zach nega com a cabeça, mas não diz nada. Ele fica parado ali enquanto
meu coração se parte em mil pedaços e todo o sonho de uma família feliz,
morre segundo após segundo.
Quando o Uber chega, eu enfio a minha mala no porta-malas, recusando
a ajuda de Zach.
Olho para ele mais uma vez. Vejo os olhos brilhando pelas lágrimas que
ele se esforça muito para não deixar cair; vejo as mãos inquietas, caídas ao
lado do seu corpo. Seja lá o que ele está enfrentando, não posso ajudá-lo se
ele está tão determinado em não me contar. E não posso ter essa incerteza
nesse momento.
“Tchau, Zach”, eu digo por cima do nó na minha garganta e entro no
carro. “Pode me tirar daqui depressa, por favor?”, peço ao motorista.
“Claro, senhorita.”
Tento lutar contra a vontade de olhar para trás, mas não consigo resistir.
Vejo Zach parado no meio da rua, olhando enquanto o carro se afasta. Vejo
quando ele passa as mãos pelo cabelo e depois cobre o rosto com elas.
Olho novamente para frente e não me incomodo em esconder o choro do
motorista.
10.

BABYFACE

Entro em casa, transtornado.


Chuto a minha mala, que estava jogada no meio do caminho. Chuto
uma, duas, três vezes. É a única coisa que não vou precisar pagar a mais no
aluguel da casa, caso eu quebre.
Não enxergo nada no caminho até a geladeira, que está sempre
abastecida com muita cerveja. No entanto, pensando melhor, preciso de
alguma coisa mais forte do que isso. Abro o armário que fica bem em cima
da pia e procuro pelos destilados.
Com uma garrafa inteira de tequila, eu me jogo no sofá da sala. Passo os
três primeiros minutos bebendo direto do gargalo, mas então, penso em outra
coisa que auxiliará a bebida a me deixará mais entorpecido. Busco a caixinha
de baseado do Jeremy. Normalmente ele deixa na gaveta do raque da
televisão. E é justamente onde eu a encontro. Agradeço mentalmente ao Jer
por já deixar os baseados bolados.
Paige — a proprietária da casa — não ficaria feliz com o cheiro de
maconha dentro de casa. Normalmente, eu e os caras fumamos no jardim,
mas foda-se. Nada disso importa para mim agora.
Por que não contei a ela? Caralho! Por que eu não contei? Por que não a
fiz entender o pavor que varre meu corpo toda vez que eu penso nesse bebê?
Porque você tem medo de que ela te veja como sua família te vê.
Acendo o baseado e dou uma dragada necessária. Preciso ficar
entorpecido o mais rápido possível. Não consigo lidar com o buraco que está
crescendo no meu peito. Não consigo lidar com outra perda nessa vida. A dor
é familiar demais. As lembranças voltam rápido demais. De repente, eu estou
de novo deitado no chão da cozinha da minha casa, meu pai está prendendo
meu corpo e me espancando, me culpando, me matando.
Dou um longo gole na tequila e outra tragada no baseado logo em
seguida.

“Para com isso! Você vai acabar matando-o! Para!”


Um chute nas costelas.
Um grito.
Um soco na cara.
Um nariz quebrado.
Duas costelas fraturadas.
Três dias no hospital.
“Por favor”, eu implorava.

Passo as mãos pelo rosto, seco as lágrimas e continuo bebendo e


fumando até sentir que o vazio dentro de mim foi preenchido.
Mas isso não acontece.

***

“Babyface! Acorda, cara!”


“Tenta colocar ele sentado.”
“Mas que caralhos aconteceu aqui?”
Sinto quando me dão um tapa na cara, mas estou louco demais para
realmente sentir dor. Acho que minha pele nem chega a queimar com a
pancada.
“Olha pra mim, seu filho da puta!”
“Acho que ele está drogado. Ou está muito bêbado.”
Reconheço a voz de Sophie.
“Ou ambos.” Essa voz é do Derek.
“O que esse filho da puta estava tentando fazer?” Agora é o Friends.
“Por que vocês estão gritando, caralho?”, eu resmungo.
Minha visão demora um pouco para clarear. O rosto preocupado de
Sophie é o primeiro que eu vejo quando meus olhos decidem cooperar
comigo. Nós dois nos parecemos, penso. A Sophie e eu. Ambos somos loiros
e ambos temos olhos azuis. Poderíamos ser irmãos. Eu gostaria de ser irmão
dela, porque isso significaria que ela não estaria sem nenhuma família no
mundo — já que os seus pais morreram quando ela era criança. Mas, bom...
eu não iria querer que ela tivesse os meus pais.
“Babyface, o que aconteceu?”, Sophie quer saber. “Cadê a Sav?”
Savannah.
Porra. Dói demais pensar nela.
“Ela terminou comigo.”
“Quê?” Derek me olha boquiaberto. “Por quê?”
Sophie me lança um olhar cheio de significado.
Ela sabe.
“Acho que deveríamos levar ele para o quarto e deixar o cara
descansar”, sugere Friends. “Depois ele pode contar o que aconteceu.”
Sophie concorda com a cabeça. “Amor, ajuda ele.”
Derek e Friends me erguem do sofá. Meu corpo está mole, mas meu
cérebro continua funcionando perfeitamente. Merda. Eu deveria estar em
Nárnia agora. Deveria ser incapaz de fazer qualquer pensamento coerente.
Preciso beber mais.
“Cadê minha bebida?”
“Você já bebeu demais”, diz Friends.
“E quem é você, porra? Minha mãe? Me dá essa merda.”
Sophie puxa a garrafa de tequila para si, antes que eu consiga alcançá-la.
“Me dá essa garrafa, Sophie.”
“Não.”
Avanço na direção dela, que dá alguns passos para trás, assustada com a
minha reação. E Derek, protetor do jeito que é com a namorada, me solta na
mesma hora e se coloca entre mim e Sophie.
“Se você tocar nela, eu juro por Deus que vou esquecer que você é meu
amigo e está bêbado e vou quebrar a sua cara”, Derek me ameaça, sério. Os
pulsos já cerrados ao lado do corpo.
Eu quase imploro para que ele faça isso. Preciso sentir outra coisa doer
além do meu coração. Talvez apanhar não seja uma má ideia.
“Derek, está tudo bem”, diz Sophie, baixinho. “Babyface não vai me
machucar, certo?” Ela olha na minha direção. Os olhos azuis estão um pouco
arregalados, e então me lembro que Sophie tem problemas em confiar em
homens, por conta da tentativa de estupro que sofreu.
Puta que pariu. Eu sou um imbecil.
“Me desculpa, Soph”, peço, sinceramente. “Merda. Desculpa. Eu não
queria assustar você.”
Ela abre um pequeno sorriso para mim. “Tudo bem. Não tem problema.”
Derek não move um músculo. Ele continua parado na frente de Sophie,
protegendo-a de mim.
“Vem, cara, vamos subir”, diz Friends, passando o meu braço pelos seus
ombros para me sustentar.
“Foi mal, D”, digo ao meu amigo, e deixo Friends me amparar escada
acima.
Com certa dificuldade, pois sou mais alto, Friends me guia até o meu
quarto, onde meu corpo desmorona em cima da cama. Consigo sentir os
efeitos físicos do álcool e da maconha no meu organismo, mas lamento mais
uma vez estar consciente demais de toda essa merda.
“O que aconteceu?”, Friends quer saber. “Por que eu estou achando que
você falou a coisa errada pra ela?”
“Eu não disse nada, na verdade.”
“E por que não? Eu pensei que você gostasse dela e quisesse ficar com
ela.”
Enfio o rosto no travesseiro. Não estou interessado em compartilhar a
vida de merda que eu tenho na Califórnia e como ela me influencia, mesmo
que eu esteja do outro lado do maldito país.
Em três anos morando com esses caras, eu nunca precisei falar sobre os
problemas da minha família. E quando eles faziam alguma pergunta sobre os
meus pais ou sobre a minha irmã, eu mentia. Assim como menti para
Savannah sobre minha mãe me entupir de comida e os jogos de basquete com
o meu pai.
Kait é a parte mais real da minha família. É a única sobre quem não
preciso mentir, pois ela é, de fato, a única coisa boa que sobrou.
“Não quero falar sobre isso.”
“Não tô te reconhecendo, cara. Me conta o que tá te deixando assim,
porra! Você é meu melhor amigo!”
Eu o encaro. “Qual a parte do ‘eu não quero falar sobre isso’ você não
entendeu?”
Friends bufa. “Tá. Continua o seu voto de silêncio idiota. Mas saiba que
você está agindo feito um imbecil e vai perder a Savannah por causa disso.”
Meu amigo sai do meu quarto, fazendo questão de bater a porta com
força para me deixar ciente da sua irritação.
“Eu já a perdi”, murmuro para mim mesmo.
11.

SAVANNAH

“Ah, meu Deus, essa casa é incrível”, diz Eretria, jogando-se no nosso
enorme sofá em “L” da sala. “Nós temos uma piscina agora. Dá para
acreditar?”
Sophie e eu damos risada.
“Temos uma cozinha só nossa. Nunca mais vamos encontrar coisas
comidas pela metade dentro da geladeira”, acrescenta Sophie.
“Nunca mais vamos dividir banheiro e ter nossas toalhas roubadas”, eu
completo.
Nós três gritamos de felicidade e depois começamos a rir.
“Sério, nós temos que ligar para os seus pais depois e agradecer. Isso é
incrível”, diz Sophie.
Eretria concorda com a cabeça.
“Vamos fazer isso depois. Primeiro, eu quero saber tudo sobre a sua
viagem para a Austrália. Nash já é um protetor oficial das tartarugas?”
“Com certeza. Ele é o mais lindo defensor das tartarugas que esse
mundo já viu.”
“Aaaaah, ela está apaixonadinha”, brinca Sophie.
Eretria mostra a língua. “Estou mesmo.” Ela suspira. “Depois de tanto
brigar com ele e querer matá-lo por ser um idiota, nós estamos melhores do
que nunca.”
“Estou feliz por você, Tria.”
É inegável o brilho nos olhos dela toda vez que fala sobre o Nash. Ela é
completamente maluca por ele, e ele por ela. Eles são o casal mais intenso
que eu já conheci.
“Mas e você? Não falou mais com o Babyface?”, Eretria quer saber.
Faz uma semana que Zach e eu terminamos. E faz uma semana que eu
estou um caco. Sophie me contou que o encontrou bêbado e drogado em casa
quando chegou de viagem com o Derek, o que fez meu coração disparar de
preocupação. Garoto idiota. Por que ele precisava se embebedar e se drogar?
Por que ele está dificultando as coisas desse jeito quando está óbvio que está
sofrendo tanto quanto eu?
Refleti muito sobre se eu estava ou não exagerando. Cheguei à
conclusão que não, não acho que eu esteja exagerando. Como posso
continuar com um cara que prefere ignorar que eu estou grávida de um filho
dele? O que acontecerá quando o bebê estiver aqui? Ele vai continuar a
ignorá-lo?
“Não. Ele me ligou uma vez, mas eu não atendi. Não ouço nada dele
desde então.”
Minhas amigas suspiram, chateadas.
“Você tem certeza do que está fazendo? Criar esse bebê sozinha não vai
ser fácil, Sav”, observa Eretria.
“Nós vamos te ajudar, claro”, garante Sophie. “Mas não é a mesma
coisa.”
“Podemos não falar sobre isso agora?”, imploro. “Eu estou exaurida de
pensar nesse assunto. Eu quero aproveitar enquanto vocês não vão precisar
me rolar por aí.”
“Vamos falar sobre a sua festa de aniversário, então”, sugere Sophie.
“Eretria e eu estávamos pensando em instalar um karaokê aqui na sala.
Poderíamos pedir algumas pizzas, eu vou fazer o bolo e... Ah, seria uma
festinha só para os amigos mais próximos ou você quer um festão?”
Tiro alguns segundos para pensar. “Acho que algo mais íntimo é
melhor.”
Sophie anota alguma coisa no bloco de notas do seu celular. “E...
podemos convidar o Babyface?”
Não sei se estou pronta para ver o Zach. Tenho medo de não conseguir
resistir e me jogar nos braços dele de novo. Isso seria ótimo... Quer dizer,
não, isso seria péssimo. Só tornaria as coisas confusas para nós dois. Mas não
posso não o convidar para o meu aniversário. Sei que me arrependeria
amargamente se não o convidasse.
Ele é o pai do meu bebê, pelo amor de Deus.
“Pode convidá-lo”, respondo, por fim.
Sophie continua fazendo anotações no celular. Ela está realmente
empenhada nisso. “O seu único papel vai ser realmente convidar as pessoas.
Acho que não conheço todos os seus amigos da música, então você está
responsável por convidá-los.”
“Eu e o Nash vamos fazer as compras das bebidas. Vamos comprar suco
e refrigerante pra você, Sav.”
Sorrio para as minhas amigas. “Parece que vocês duas tem tudo sob
controle, então eu vou para o campus usar uma das salas de música para
compor. A acústica de lá é melhor.” Levanto do sofá e pego a chave do meu
carro novo em cima da mesa. “Me liguem se precisarem de mim.”
No campus da Duke, aproveito o Sol do começo de agosto enquanto
caminho até o prédio da Escola de Artes e Ciências. As aulas começam daqui
a dois dias, então as pessoas devem estar aproveitando os últimos momentos
de férias, o que me deixa com altas esperanças de achar uma sala de ensaio
vazia. Estou com muita carga emocional e compor sempre me ajuda a colocar
o que estou sentindo para fora. Sinto que poderia compor um CD inteiro,
dadas as atuais circunstâncias.
No entanto, sei que não vou conseguir pensar menos em Zach, já que
todas as músicas que eu compor agora serão para ele.
Estou morrendo de saudade e não posso deixar de me perguntar se ele
está sentindo tanto a minha falta quanto eu estou sentindo a dele. Estou
sentindo saudade da voz dele, da risada, do cheiro da pele dele, do corpo dele
e dos beijos. Ah, e o sexo. Quanto mais os dias passam, mais os hormônios
vão tomando conta de mim.
Estou virando um monstro. Sério.
Minha cabeça está tão longe que nem percebo quando trombo de frente
com alguém. Por muito pouco eu não caio de bunda no chão, tamanha foi a
força do encontro do meu corpo com o do pobre coitado que eu praticamente
atropelei.
“Ai, caramba! Me desculpa!”
“Tudo bem, eu não... Savannah?”
Finalmente olho para o rosto do cara e quase realmente caio para trás ao
reconhecê-lo. “Cameron?”
“Puta merda!” Ele me puxa para um abraço apertado e inesperado. “Não
acredito que seja você.”
Eu dou risada. “O que você está fazendo aqui?” Eu o abraço de volta.
“Pedi transferência de Georgetown.” Cameron me solta do abraço.
“Minha mãe está mal de saúde, então decidi vir para mais perto de casa.”
“Ah, não! O que ela tem?”
“Câncer de mama. Ela conseguiu vencer uma vez, mas ele voltou, então
ela está bem abalada.”
Cameron e eu nos conhecemos em um acampamento escolar enquanto
ainda estávamos no ensino fundamental. Nossa amizade seguiu até o primeiro
ano do colegial, mas então ele foi morar com o pai dele em Washington. Nós
nunca mais nos vimos depois disso. Nem consigo acreditar que, de todas as
faculdades para onde ele poderia ter ido, ele veio parar justamente na Duke.
“Sinto muito, Cam.”
“Obrigado.” Ele abre um meio sorriso. “Mas, vamos falar de coisas mais
felizes. Como você está e para onde ia com tanta pressa?”
Cameron não mudou quase nada desde a última vez que eu o vi. O
cabelo preto continua bem curtinho, os olhos castanhos ainda são bem
expressivos e o sorriso de menino travesso também é o mesmo. Mas ele está
mais alto e um pouco mais forte, embora não tenha o corpo esculpido de
Zach.
Pare de pensar nele.
“Eu estou bem.” Escolho não contar sobre a gravidez ainda. Tenho mais
um tempo antes de começar a ficar óbvio. “E eu estava indo para o prédio da
Escola de Artes e Ciências. Estou estudando música.”
“Não brinca!” O sorriso dele se expande. “Você sempre amou cantar,
não sei por que estou surpreso.”
Sorrio ao me lembrar das tardes em que arrastava Cameron para a sala
de música da escola e o forçava a me ouvir cantar. Ele nunca reclamou, no
entanto. Mas acho que só tentava ser gentil comigo.
“Mas, e você? Como você está e o que está estudando?”
“Estou bem, na medida do possível. E estou estudando marketing”, ele
me conta. “Você está muito ocupada agora ou pode tomar um café comigo?”
Eu realmente queria compor e aproveitar que estou me sentindo
inspirada, mas não vejo Cameron há anos. E me sentar em uma sala com meu
violão e compor músicas tristes sobre meu coração partido não é o que vai
me fazer sentir melhor. Preciso parar de pensar em Zach e preciso parar de
sentir falta dele. Preciso enfiar na minha cabeça que eu tomei a decisão certa
por mim e pelo meu bebê, que eu não quero que tenha um pai que nunca o
quis de verdade.
“Posso tomar um café com você.”
Cameron sorri. “Ótimo.” Ele me puxa para mais um abraço. “Caramba,
é muito bom te ver, Sav.”
Rio. “É bom ver você também.”
Como nos velhos tempos, Cameron passa o braço pelos meus ombros e
nós andamos abraçados até o café mais próximo.
Dulce me alertou que não era uma boa ideia que eu me entupisse de
café. Parece que não faz muito bem para as grávidas, então eu peço um suco
de melancia; Cameron pega um café forte e nós nos sentamos em uma mesa
na lateral da cafeteria.
“Como estão os seus pais?”
“Estão bem.” Dou um gole no me suco. “Eu passei o verão com eles. E
o seu pai?”
“Ele se casou de novo. Eu tenho um irmão mais novo agora. O nome
dele é Gale. Tem dois aninhos.”
“E você não gosta da sua madrasta ou o quê? Você não parece muito
empolgado.”
Cameron dá de ombros. “Ela é uma pessoa decente, eu acho. Mas, pra
ser honesto, me sentia um pouco deslocado lá. Como se eu não fosse
realmente parte da família.”
“Sinto muito.”
Deixo de prestar atenção no que Cameron está dizendo quando escuto o
“Plim!” do sino da porta de entrada e vejo Zach entrando ao lado de Kyle e
Friends.
Merda.
Meu primeiro instinto é querer me enfiar de baixo da mesa para que ele
não possa me ver. Depois, penso na interpretação errada que Zach pode ter a
me ver tomando café com outro cara. Quer dizer, Cameron e eu não estamos
em nenhuma proximidade comprometedora ou coisa assim, mas... Se eu visse
Zach tomando café com uma garota, uma semana depois de termos
terminado, provavelmente pensaria o pior.
Fico rezando para que ele não olhe na minha direção. A cafeteria não é
necessariamente grande, mas também não é pequena a ponto da minha
presença ser uma coisa óbvia. No entanto, como um maldito ímã, os olhos
dele encontram os meus.
“Merda”, xingo, baixinho.
“O que foi?”, Cameron pergunta. Seus olhos seguem os meus e ele
encara Zach, que, por sua vez, o encara de volta com um olhar nada
amigável. “Quem é aquele?”
“Meu namorado. Quer dizer, meu ex-namorado.”
Não consigo desviar os olhos de Zach. Seu cabelo loiro está úmido perto
da testa e da nuca, e ele está vestindo uma regata e bermuda, o que me diz
que ele e os meninos acabaram de sair do treino de basquete.
Lindo.
Ele é simplesmente lindo. A pele bronzeada está brilhando de suor e...
Ai, merda, ele é uma delícia por completo. E eu sinto saudades demais para
ficar aqui, tão perto dele.
Zach dá um tapinha no ombro do Friends, como se incentivasse o amigo
a ir para a fila e fazer o pedido, e caminha na direção da minha mesa. Meu
corpo automaticamente enrijece, mas meu coração dispara, me traindo.
“Ai, não. Não, não, não”, digo, baixinho, mais para mim mesma do que
para qualquer outra pessoa. Se Zach chegar muito perto, não vou ter nenhum
controle sobre o meu próprio corpo.
“Oi”, cumprimenta Zach, casualmente, embora seus olhos estejam indo
de mim para Cameron o tempo todo.
Limpo a garganta. “Oi.”
Um silêncio constrangedor se instala. Eu consigo ver a pergunta
estampada no rosto de Zach, mas não consigo dizer nada. Estou hipnotizada
demais. A última semana longe dele, sem qualquer notícia, sabendo que
estamos separados, começa a pesar sobre mim, causando um nó na minha
garganta e uma vontade enorme de chorar.
Malditos hormônios.
“E aí, cara. Meu nome é Cameron”, ele se apresenta, estendendo a mão
para Zach, que a aperta rapidamente.
“Zach”, ele se apresenta também. “Sav, posso falar com você rapidinho?
A sós?”
Eu abro a boca para falar que sim, afinal de contas, talvez ele finalmente
queira me explicar o que está acontecendo com ele. No entanto, Cameron é
mais rápido.
“Na verdade, Sav e eu estamos no meio de um encontro. Então talvez
você queira deixar para conversar com ela em outro momento.”
Encaro Cameron, perdida. O que caralhos ele está fazendo?
“Um encontro?” Zach mantém os olhos em mim. A decepção é tão
visível em seu rosto que faz meus ombros se encolherem. “Você é rápida,
Sav.”
“Zach”, eu chamo quando ele começa a se afastar, caminhando em
direção à porta da cafeteria. Viro para Cameron e o encaro, furiosa. “Por que
você fez isso?”
Ele devolve meu olhar. “Não parecia que você queria falar com ele. Só
estava tentando ajudar.”
“Por favor, não faça isso de novo.” Eu me levanto da cadeira. “Preciso ir
atrás dele. Depois nós conversamos, tá legal?”
Disparo para fora da cafeteria antes que Cameron possa me impedir e
antes que eu perca Zach de vista. Desço os degraus depressa e começo a
correr atrás do meu namorado.
Ex. Ex-namorado.
“Zach!” Seguro o braço dele, finalmente fazendo-o parar.
Tento acalmar meus batimentos cardíacos e estabilizar a minha
respiração. Estou ofegante como se tivesse corrido uma maratona. Quando
foi que eu fiquei tão fora de forma?
“Como eu pude ser tão otário?”, ele pergunta, retoricamente. “Eu sou
mesmo o pai do bebê que você está carregando?”
Fico boquiaberta. Ele está falando sério? “Como ousa me fazer essa
pergunta?”
“Como eu ouso?”, ele ecoa, furioso. “Você lança a maior bomba de
todos os tempos em cima de mim, depois termina comigo porque eu disse
que não me sentia pronto e uma maldita semana depois eu encontro a minha
namorada em um encontro com outro cara. O que você quer que eu pense?
Porque, do meu ponto de vista, parece que você só estava procurando um
idiota para assumir o problema que você criou com outro cara.”
Um ódio começa a borbulhar dentro de mim, e antes que eu consiga me
segurar, minha mão voa até o rosto de Zach e eu lhe dou um tapa na cara. O
choque do meu ato me atinge logo em seguida, me fazendo arregalar os olhos
e levar as mãos até a boca.
“Me desculpa”, murmuro.
Zach me encara, perplexo, mas não demora muito para se recuperar. Ele
dá uma risadinha de escárnio, mas eu consigo ver a dor nos seus olhos azuis.
Dizem que os olhos são o espelho para a alma, não é? Bom, a alma de Zach é
muito transparente a respeito dos seus sentimentos.
Tento respirar firme e me acalmar, pois estou sentindo um desconforto
na barriga que não estava sentindo minutos antes.
“Eu não estava em um encontro”, digo, baixinho. “Cameron é um amigo
de infância. Eu esbarrei com ele no campus. Ele pediu transferência para
Duke. Achou que estava me ajudando a te dispensar.”
“Que amigo prestativo você tem”, desdenha Zach.
“Não acredito que você achou que eu teria coragem de trair você e
depois tentar empurrar um bebê na sua goela abaixo”, digo, e não me esforço
para esconder meu ressentimento. “Não acredito que você pensa que eu sou
esse tipo de mulher.”
“Se coloca no meu lugar, Savannah. O que você teria pensado?”
“Com certeza não teria te julgado tão mal assim. Inclusive, foi
justamente o que eu evitei fazer enquanto imaginava qual seria a sua reação
quando eu contasse sobre a gravidez. Acontece que no meu caso, você
acabou sendo exatamente o que eu esperava que você não fosse.”
“Você não sabe de nada”, ele declara, secamente.
“Porque você não me explica nada”, exalto meu tom de voz, irritada. “O
que você quer eu faça, Zach? Que eu sente e fique esperando a sua boa
vontade de me dizer qual é o problema? Porque já está bem óbvio pra mim
que não é só a questão de não se sentir pronto. E eu sei disso porque todas as
vezes que pedi uma explicação, você não soube como me responder. Então,
por que...”
Sinto uma pontada na barriga, que automaticamente me faz levar a mão
até a região e soltar um gemido de dor.
“Savannah? O que foi?” O tom de Zach muda de ríspido para
preocupado.
A dor fica um pouco mais forte, e eu preciso me apoiar nele para não
cair. “Não sei.” Respiro fundo. “Minha barriga tá doendo.”
“Puta que pariu, você tá sangrando”, exclama Zach, exasperado, olhando
para baixo.
Sigo os seus olhos e vejo o sangue escorrendo pelas minhas pernas. Meu
vestido azul agora tem uma mancha enorme de sangue bem na frente.
Eu começo a tremer. “Zach”, é tudo o que eu consigo dizer antes de ele
me pegar no colo.
“Calma, amor. Vou te levar para o hospital.”
Alinho-me ao seu peito enquanto ele caminha comigo no colo e às
pressas até o estacionamento. Começo a pensar no pior. Ainda não sou uma
expert no assunto, mas sei que quando as mulheres sangram assim e estão
grávidas, significa que elas estão sofrendo um abordo espontâneo. E é só
quando me sinto desesperada ao pensar nisso, que me dou conta do quanto eu
quero esse bebê e o quanto me assunta a possibilidade de perdê-lo agora.
Zach me coloca no banco do passageiro da caminhonete de Derek,
coloca o cinto de segurança em mim e depois corre para entrar do lado do
motorista. Em segundos, o carro já está em movimento.
“O que você tá sentindo?”, ele pergunta.
“Dor na barriga”, eu choramingo. “Eu vou perder o bebê.”
“Não vai”, ele diz, firme. “Não vai, amor.”
Não sei exatamente em que momento eu comecei a chorar, mas agora
estou me debulhando em lágrimas. Não só pela dor, mas porque estou com
medo do que esse sangue significa.
Por ser uma universidade com curso de medicina, a Duke tem um
hospital próprio, chamado Duke University Hospital, e é para lá que Zach me
leva.
Como o campus é enorme, e nós estávamos um pouco distantes de onde
fica localizado o hospital, Zach preferiu pegar o carro de Derek — ele e os
meninos têm esse costume de dividir os carros. Mas, por sorte, o percurso é
bem curto quando não é feito a pé.
Zach para o carro no estacionamento, salta para fora da caminhonete,
vem para o meu lado e me pega no colo novamente. Tudo acontece muito
rápido. De repente, já estamos adentrando o hospital pela porta da
emergência.
“Por favor! Alguém me ajuda!”, ele diz em voz alta, para ninguém
especificamente, mas uma enfermeira logo se aproxima. “Por favor. Ela tá
grávida e... e tem sangue por toda a parte”, ele explica, atordoado.
“Tragam uma cadeira de rodas para cá”, grita a enfermeira.
Começo a chorar mais ainda quando Zach me coloca na cadeira. “Por
favor. Fica comigo.” Seguro a mão dele com toda a força que consigo.
“Eu posso ir com ela?”, ele pergunta para a enfermeira. “Eu sou... o pai
do bebê.”
Ela concorda com a cabeça e Zach me acompanha enquanto outra
enfermeira conduz a minha cadeira pelos corredores do hospital. Mas não
vamos muito longe. A Enfermeira Nº 2 logo adentra uma sala com uma
daquelas máquinas de ultrassom.
“Pode colocá-la na maca, por favor?”, a Enfermeira nº 1 pede a Zach.
Com cuidado, ele me pega no colo novamente, me tirando da cadeira e
me colocando deitada na cama.
“Qual é o seu nome, querida?”, a Enfermeira nº 1 me pergunta. Me
esforço para ver o seu nome no crachá de identificação. Elle O’Brien.
“Savannah Radcliff.”
A Enfermeira nº 2 começa a medir a minha pressão arterial enquanto
Elle anota alguma coisa no que parece ser uma ficha médica.
“Quantos anos você tem?”
“Dezenove.”
“De quantas semanas está grávida, Savannah?”
“Dez”, respondo. “Por favor! Está doendo! O que está acontecendo?”
Antes que Elle tenha a chance de responder, uma médica entra na sala.
Ela é oriental, os cabelos pretos e lisos batem no ombro e seu sorriso
amigável se abre quando me vê, o que serve para me acalmar um pouco.
“Boa tarde, eu sou a doutora Akira Yoko da obstetrícia.” Ela se
aproxima de mim, sentando-se em um banquinho perto da maca e da máquina
de ultrassom. “Como você se chama?”
“Savannah, doutora”, Elle responde por mim. “Ela tem dezenove anos e
está grávida de dez semanas.”
“Obrigada, Elle.”
Elle e a Enfermeira nº 2 saem da sala. Zach se senta em uma cadeira
perto da maca e segura a minha mão.
“Vamos ver o que está acontecendo, tá bom?”, a doutora Akira diz, em
tom leve e tranquilo.
Assinto, mas não paro de chorar.
Ela despeja aquele gel gelado na minha barriga e coloca o cursor da
máquina sobre a minha pele. Zach e eu encaramos o monitor, mas,
francamente, não entendo nada do que vejo. A imagem é confusa demais de
se entender.
Depois de quase um minuto inteiro de silêncio — que pareceram mais
horas —, a doutora Akira finalmente fala. “Savannah, seu bebê está bem. O
que aconteceu foi um descolamento da sua placenta, por isso as dores
abdominais e o sangramento.”
Choro mais ainda, mas, dessa vez, é de alívio. Zach beija a minha mão e,
por uma fração de segundos, penso ter visto alívio nos seus olhos, mas foi tão
rápido que posso ter imaginado a coisa toda.
“E por que isso aconteceu?”, eu pergunto, limpando as lágrimas. “Eu fiz
alguma coisa errada?”
“Sua pressão está um pouco elevada. Alguém na sua família tem
problemas com pressão alta?”, ela quer saber.
Tiro um momento para pensar. “A minha mãe tem.”
A doutora assente automaticamente. “O mais importante é que o
descolamento não foi grande. Isso é um bom sinal, mas a pressão alta me
preocupa um pouco. Talvez seja melhor que os seus pais estejam aqui,
considerando que você ainda é menor de idade.”
“Eu me responsabilizo”, diz Zach. “Tenho vinte e um anos.”
“Imagino que você seja o pai do bebê?”
Ele confirma com a cabeça.
“Certo. De qualquer forma, é importante que você tenha uma base de
apoio. Recomendo que seus pais estejam por perto”, a doutora aconselha,
mantendo o tom sereno de antes. “Voltando à pressão alta, temos que
monitorar de perto, pois ela pode evoluir para uma pré-eclâmpsia ou
eclampsia.”
Eu franzo o cenho. “O que isso significa?”
“Vamos pensar assim, o seu bebê é um ser estranho no seu corpo, pois
ele tem metade dos genes do pai, mas o seu corpo não o ataca, pois
desenvolveu mecanismos para proteger o feto. No entanto, às vezes, o bebê
libera algumas proteínas que causam uma resposta do seu sistema
imunológico, que, por sua vez, causa uma agressão nos seus vasos
sanguíneos, fazendo com que eles se contraíam e causem o aumento da
pressão arterial.”
Balanço a cabeça, confusa. “Eu ainda não entendi. Isso é perigoso?”
“Sim. Mas, a pré-eclâmpsia costuma se manifestar a partir da vigésima
semana de gestação, então nós ainda não estamos lá, ok? Eu só estou te
falando isso porque o comum é que a pressão da gestante seja baixa durante o
primeiro trimestre de gestação. Se você já teve um pico de pressão agora, nós
temos que monitorar de perto”, ela explica. “Como é a sua rotina, Savannah?
Você costuma passar muito nervoso?”
Zach e eu nos entreolhamos.
Normalmente eu não costumo passar nervoso, mas tenho passado nos
últimos tempos por conta da descoberta da gravidez e o término de namoro
com Zach. E hoje, quando brigamos mais cedo por causa de Cameron.
“Normalmente não, mas fiquei nervosa nas últimas semanas.”
Zach decide quebrar o seu silêncio mais uma vez. “Quão perigoso é esse
negócio?”
A doutora Akira hesita. “É bastante perigoso.”
“Bastante quanto?”, Zach insiste.
“A mãe e o bebê podem acabar morrendo.”
Zach e eu prendemos a respiração.
“O que acontece é que o bebê se torna a causa da pressão alta da mãe,
então a gravidez e o próprio parto se tornam arriscados. O quadro só melhora
quando o bebê é retirado.”
“Ah meu Deus!” Zach entrelaça as mãos na nuca. “E como a gente
previne isso?”
“Repouso. É importante que você tente não ficar nervosa, não pegue
peso ou fique subindo escadas o tempo todo. Exercícios físicos estão
totalmente fora de cogitação agora. Evitar coisas que podem causar quedas ou
coisas do tipo”, ela orienta. “Não é necessário um repouso absoluto, mas é
recomendado que você pegue o mais leve que conseguir. Pelo menos até nós
descartarmos a possibilidade de uma pré-eclâmpsia.”
Começo a hiperventilar. Quando é que eu vou começar a receber as boas
notícias? Tudo parece piorar cada vez mais.
“Não vamos nos desesperar, tá legal? Você não está fadada a
desenvolver qualquer uma dessas coisas, mas é importante que você saiba
que essas possibilidades existem. Vamos começar a monitorar a sua pressão e
os sintomas, vamos fazer todos os exames cabíveis e prevenir o máximo que
pudermos.”
Eu faço que sim com a cabeça, mas a verdade é que não estou nem um
pouco tranquila, mesmo com esse discurso de “você não está fadada a
desenvolver qualquer uma dessas coisas”. Considerando a minha sorte atual,
pensar nessas possibilidades assustadoras me faz querer gritar.
“Querem ouvir o coração?”, a doutora nos pergunta.
Zach a encara. “Já dá... pra ouvir? Mas... a Sav nem está barriguda
ainda.”
A doutora ri. “Já dá para ouvirmos.”
“Eu quero ouvir”, digo. “Por favor.”
Ela coloca novamente o cursor da máquina na minha barriga e aperta um
botão no painel. Segundos depois, aqui está. Firme, ritmado, forte. O som dos
batimentos do coração do meu bebê invade todo o cômodo, e eu
instantaneamente começo a chorar de novo. No entanto, pela primeira vez, é
de alegria.
12.

BABYFACE

A doutora Akira Yoko pediu vários exames para a Savannah. Foram


tantos exames que eu comecei a ficar confuso para o que cada um servia, mas
fiquei ao lado dela durante todos os procedimentos, embora tenha
permanecido em silêncio a maior parte do tempo.
É muita coisa para assimilar. E, sendo sincero, não consigo parar de
pensar na tal da eclampsia, que é mais grave que a pré-eclâmpsia, e que pode
matar tanto Savannah quanto o bebê que ela carrega.
Isso só pode ser um tipo de castigo. Talvez o universo esteja me punindo
por todos os erros que eu cometi no passado. No entanto, eu deveria ser
aquele quem sofre, não Savannah. Ela não tem nada a ver com o mal que eu
causei. Mas talvez ela seja a única que pode me fazer sofrer o suficiente para
compensar o sofrimento que um dia eu causei a outras pessoas.
Já anoiteceu quando Savannah recebe alta. Foi um dia extremamente
cansativo, e o único momento de paz, por incrível que pareça, foi aquele em
que pude ouvir o coração do bebê batendo. Cara, é surreal. É... Nem tenho
palavras para explicar. Foi a coisa mais legal que já ouvi.
Eu dirijo em silêncio até a nova casa dela em Raleigh. É estranho pensar
em como fomos de um casal feliz para isso. Em um segundo, tudo estava
perfeito, depois, não estava mais. Até a forma como ela olha para mim parece
ter mudado.
Savannah costumava ter um brilho nos olhos quando me olhava, mas
não vejo mais isso desde que ela me contou sobre a gravidez. Eu queria poder
contar a ela sobre o que aconteceu comigo e sobre como a minha família é de
verdade. Sem mentiras. Mas a vergonha é grande demais. E o medo de como
ela vai reagir, de como ela vai me enxergar depois que eu lhe contar tudo o
que eu guardo tão fundo dentro de mim.
Ela nunca mais me olharia no mesmo jeito. Ainda mais agora.
Quando estaciono o carro na entrada da garagem, Savannah decide
quebrar o silêncio. “Obrigada por ficar comigo.”
“Você não tem que me agradecer.” Forço um sorriso. “Posso entrar?
Acho que é melhor levar você no colo escada acima.”
Ela concorda com a cabeça e nós saímos do carro.
Do lado de dentro da casa, Sophie e Eretria levantam do sofá em um
rompante quando Savannah adentra a sala. Nash e Derek também estão aqui,
sentados no sofá e agora olhando para a minha cara com os olhos
arregalados. Acho que a razão disso é por conta do sangue que ainda está
presente na roupa da minha namorada.
“Meu Deus, Sav! O que aconteceu?!”, Eretria olha para Savannah de
cima a baixo, analisando a amiga. “Você se machucou?”
Os olhos de Savannah vão das amigas até os namorados delas, que ainda
não estão sabendo de nada do que está acontecendo.
Savannah exala. “Todo mundo vai ficar sabendo mesmo, então... Eu tô
grávida”, ela conta para Derek e Nash, e o queixo dos meus amigos cai. “Eu
passei mal hoje e o Zach me levou ao hospital. Mas está tudo bem. Eu e o
bebê estamos bem.”
“Você tem certeza de que está bem?”, Sophie quer se certificar,
preocupada.
“Estou bem, só estou cansada. Preciso de repouso. Você pode me levar,
Zach?”
Assinto e pego-a no colo. Ignoro os olhares perplexos dos meus amigos
e levo Savannah para o andar de cima, até o seu quarto. Eu a coloco deitada
na cama — que agora é de casal — e sento-me na beirada do colchão,
mantendo uma distância respeitável dela, afinal de contas, nós continuamos
separados.
“Como está se sentindo? Está com dor? Quer alguma coisa? Está com
fome?”
Savannah solta uma risadinha cansada. “Estou bem. Não, não estou com
dor. Gostaria de tomar um banho e, sim, estou com fome.”
“Posso fazer alguma coisa pra você?”
“Acho melhor não. É melhor não ficarmos muito tempo sozinhos.”
“Savannah, não precisamos ficar desse jeito.”
“Zach, se você não for honesto comigo, não vamos dar um jeito em
nada. Não podemos continuar se não temos confiança um no outro.”
Sei que ela está certa, sei que não entende o que está acontecendo
comigo. No entanto, prefiro que ela continue me olhando com uma ponta de
esperança do que com total desprezo, como minha mãe me olhou e meu pai
me olhou na noite em que parei no hospital, à beira da morte.
Nunca vou esquecer a forma como minha mãe me olhou naquele dia.
“Se precisar de alguma coisa, liga pra mim.”
Savannah solta um suspiro. Alto. “Eu não sou mais problema seu,
Zach.”
Me dói ouvi-la dizendo essas coisas, mas sei que não posso esperar uma
reação diferente enquanto a deixar no escuro sobre meus motivos.
“Você nunca foi um problema.”
“Para com isso! Para de tentar me desarmar.” Ela fecha os olhos por um
instante. “Zach, eu sinto tanto a sua falta que às vezes sinto que não consigo
respirar. Não quero ficar parada na sua frente desse jeito, com todas essas
questões não resolvidas, então, por favor, vai embora.”
Penso em dizer que sinto a falta dela, que só penso nela, que a amo e
que sinto muito por toda a dor que estou lhe causando, mas isso não seria o
suficiente sem toda a verdade, então não digo nada. Eu inclino meu corpo
para frente para lhe dar um beijo na testa e saio do quarto dela sem dizer mais
nenhuma palavra.
A médica disse que ela não deveria ficar nervosa, que deveria pegar
leve. Eu sei que contribuí com o estresse que ela está sentindo, então preciso
não ser uma fonte de nervosismo. Jamais me perdoaria se acontecesse alguma
coisa com ela por minha causa.
“Babyface”, Nash me chama, quando eu apareço no andar de baixo. “O
D e eu estamos indo pra casa. Você tá indo pra lá também?”
“Eu estava pensando em passar no Holme’s. Estão a fim?”
Meus amigos se entreolham, e eu quase consigo ouvir o que estão
dizendo mentalmente um para o outro. Provavelmente é algo do tipo: A
namorada do cara está grávida. Ele vai ser pai. Precisa de uma bebida.
Bom, eles não estão errados. Eu preciso mesmo de uma bebida.
“É uma boa ideia”, diz Derek. “Vamos com você.”
“Espero vocês lá fora.”

***
“Espera aí, então vocês terminaram?”, pergunta Nash.
“Isso aí”, confirmo.
“Mas você é louco por ela”, continua Derek.
“Sou.”
Há um momento de silêncio, que eu aproveito para virar metade da
minha cerveja de uma vez só.
“Ai, porra, o bebê não é seu?”, pergunta Nash. Os olhos cinzentos estão
tão arregalados que poderiam saltar para fora da órbita.
“Claro que é meu.”
Embora eu tenha sugerido para Savannah que o bebê poderia não ser
meu, sei que era só o meu ciúme falando. Quando vi aquele cara com ela,
meu estômago se revirou. E quando ele falou que eles estavam em um
encontro... Por um milésimo de segundo realmente acreditei que ela poderia
estar me fazendo de otário, mas minha garota nunca faria isso. Só me deixei
tomar pelo sofrimento e falei merda.
A ideia de que Savannah possa ficar com outras pessoas me deixa
maluco. Não que eu ache que eu tenho o direito de dizer com quem ela pode
ou não ficar, a questão é que, para mim, não estamos separados. Ela continua
sendo minha namorada, porque eu sei que ela sente por mim exatamente o
que eu sinto por ela, e quando duas pessoas se gostam assim, elas nunca
terminam de verdade. Pelo menos, não do jeito que aconteceu com a gente.
A verdade é que eu tenho esperanças de que nós nos acertemos e tudo
ficará bem. De um jeito ou de outro, Savannah e eu estamos destinados a
ficarmos juntos. Não importa se vai ser agora ou daqui um ano. Eu sou dela
assim como ela é minha.
“E por que vocês terminaram, então?”, especula Derek.
“Não quero falar sobre isso.”
Nash bufa. “E depois eu e a Eretria é que somos malucos.”
“Ah, vocês são. Ou você esqueceu a palhaçada que foi até que vocês
ficassem juntos?”
“Somos pessoas complexas e pessoas complexas precisam de tempo”,
Nash explica.
Derek gargalha. “Que porra foi essa?”
Dou risada também. “A Tria está mudando você, cara. Vai me dizer que
você também é contra os canudinhos agora?”
“Vocês têm ideia do quanto as tartarugas sofrem com essas porras de
canudinhos? Sério, cara, parece brincadeira, mas a parada é séria de verdade.
Além disso, é importante pra Eretria, então é importante pra mim.”
Derek e eu nos entreolhamos.
“Ele está amando”, zomba Derek. “Christopher Nash, o terror das
universitárias, está rendido. Como é que é aquela música da Katy Perry que
fala de amor adolescente?”
Começo a gargalhar e Nash mostra o dedo do meio pra nós dois. “Não
sou mais adolescente.”
“Mas a Eretria é”, argumento.
“A Savannah e a Sophie também, seus imbecis.”
Touché.
Não acho que já estejamos bêbados, mas, mesmo assim, rimos como se
estivéssemos.
“Zach?”
Viro meu corpo para trás ao ouvir o meu nome — o que é estranho
porque ninguém além de Savannah me chama desse jeito por aqui. Mas
entendo o porquê de Zach e não Babyface quando encontro o tal do Cameron,
o amigo de infância da Sav.
Empertigo a postura. “E aí.”
“Posso falar com você?”
Meus amigos olham para Cameron e depois olham para mim.
“Tá.”
Afasto-me dos caras e sigo Cameron até o lado de fora do Holme’s.
Tento não deixar o meu ciúme tomar conta de mim. Não quero tratar o cara
mal sem motivo. E, pelo que Savannah disse, ele só falou que eles estavam
em um encontro porque estava tentando ajudá-la.
“Então?”, pergunto, querendo que ele fale logo.
“Primeiro, eu queria pedir desculpas por dizer que Sav e eu estávamos
em um encontro. Ela parecia bem triste quando te viu, sabe? Disse que não
estava pronta para te ver e implorou para que eu a tirasse de lá antes que você
a visse, mas não deu tempo, então, eu tentei ajudar. Só isso.”
Dói pensar em Savannah implorando para que alguém a tirasse de perto
de mim. Não achei que ela estivesse realmente tão disposta a me manter
longe desse jeito.
“Sem ressentimentos”, digo, lacônico.
Cameron sorri. “Que bom. A segunda coisa que eu queria pedir é o
telefone dela. A Sav saiu tão apressada para corrigir o meu pequeno erro que
se esqueceu de me passar o telefone dela. Ela pediu para nos encontrarmos
para jantar, mas acabou esquecendo-se de me dar o telefone.”
Savannah vai jantar com esse cara?
É amigo dela de infância.
Talvez eu esteja sendo ciumento e paranoico, mas alguma coisa me diz
que eu não devo confiar nele. Não sei. Alguma coisa nos olhos desse cara me
deixa inquieto.
“Eu estou sem meu celular aqui e não sei o número dela de cabeça”,
minto. É claro que eu estou com o meu celular e é claro que eu sei o número
dela de cabeça, mas se Cameron quer falar com a minha garota, ele que
encontre outro jeito. Eu não vou facilitar nem um pouco.
“Poxa, que pena! Ela me disse que você era meio desligado.” Ele sorri.
“Bom, de qualquer forma, obrigado. A gente se vê por aí.” Ele dá um tapinha
no meu ombro antes de entrar no Holme’s novamente.
Savannah falou de mim para ele? Falou que eu era desligado?
Impossível. Eu sou o cara mais observador do mundo com ela.
O que mais ela disse para ele? Merda. Será que Cameron sabe que ela
está grávida? Sei que, mais cedo ou mais tarde, todo mundo vai ficar
sabendo, mas, no início, as mulheres só contam para quem elas confiam. Será
que Savannah confia nesse cara?
Afasto esses pensamentos e o meu ciúme e volto para dentro do
Holme’s. Tento ignorar a presença de Cameron, que vez ou outra olha na
minha direção, mas não consigo. Tem alguma coisa nesse cara que me deixa
cismado.
“Acho que o cara está apaixonado por você, Babyface”, observa Derek,
dando risada.
“Ele é amigo de infância da Sav.” Bufo. “Surgiu hoje, do nada.”
“E por que ele parece tão interessado em você?”, Nash quer saber.
“E eu que sei?” Falar desse cara está me deixando irritado. “Dá pra
mudar de assunto?”
“Tá. Vamos falar sobre o Ryan. Vocês sabiam que aquele filho da puta
arrumou um lagarto de bicho de estimação e quer levar lá pra casa?”, começa
Derek. “De verdade, eu não vou morar sob o mesmo teto que aquela coisa.”
Nash dá risada. “Você tá com medo?”
“Boa sorte em levar a Eretria para a nossa casa e deixar que ela se
depare com um bicho desses. Eu quero manter a minha namorada, obrigado.”
O assunto fica em Ryan e seu lagarto por bastante tempo depois disso.
Segundo Nash, Eretria é a menina natureza, então não teria problema nenhum
com o novo bicho de estimação do Ryan. O mesmo não pode ser dito de
Sophie.
“Vocês estão aí discutindo sobre suas namoradas, mas Brianna seria a
primeira a dizer que não”, digo.
Brianna, a melhor amiga do Derek, ainda mora com a gente. Quando ela
apareceu, disse que precisava ficar por alguns dias até resolver algumas
coisas, mas alguns dias se transformaram em alguns meses. E agora ela já
está morando com a gente há quase um ano. Mas acho que o fato de ela estar
dormindo com Kyle fez com que ela não tivesse tanta pressa de se mudar.
“Ela vai se mudar”, Derek diz. “Ela e o Ky terminaram.”
Nash confirma com a cabeça. Eretria deve ter contado para ele.
“Quando foi isso?”, eu pergunto, curioso.
“Durante as férias. Ela não me deu detalhes. Só me disse que eles não
dariam certo e foi isso.”
Parece que essa não é uma época do ano muito favorável para alguns
casais.
Cara, como eu sinto falta da Savannah.
Sei que passamos toda a tarde juntos no hospital, mas isso nem de longe
é parecido com o que costumávamos ter. Da leveza que costumávamos estar
envoltos.
Preciso de Savannah, mas como ficar com ela quando está carregando o
motivo do meu desespero? Como ficar com ela quando ela insiste em saber a
única verdade que nunca quis compartilhar?
Talvez o melhor seja deixá-la seguir em frente, mas como?
13.

SAVANNAH

No sábado, me dou ao luxo de ficar até um pouco mais tarde na cama,


mas sei que Sophie e Eretria estão com o andamento da minha festa de
aniversário a todo o vapor no andar de baixo. Não estou muito animada pra
isso, no entanto, mas elas estão se dedicando tanto que me recuso a estragar.
Tive uma noite péssima. Era só fechar os olhos que eu começava a
reviver a cena do sangue escorrendo pelas minhas pernas e depois o medo de
estar perdendo o meu bebê. A frase “As pessoas só dão valor quando
perdem” nunca me pareceu tão verdadeira como naquele momento. Por sorte,
meu bebê continua protegido dentro de mim.
Que loucura tudo isso.
Não sei quando exatamente a chave foi virada dentro da minha cabeça.
Como passei de estar considerando um aborto para proteger esse bebê e ter
medo de perdê-lo. Suponho que seja um instinto natural de mãe.
Mãe.
Eu vou ser mãe dentro de alguns meses.
Loucura total.
Uma batida na porta do meu quarto antecede o furação Soph-Tria que
invade o recinto e se aloja na minha cama.
“Feliz aniversário!”, elas gritam em uníssono.
Dou risada e me sento na cama, dando mais espaço para elas. “Vocês
sabem que eu já fiz aniversário, né?”
Eretria dá de ombros. “E daí? A sua festa com a gente é hoje, então
considere que você teve dois aniversários esse ano.”
“Exatamente”, confirma Sophie, animada.
Ainda não sei como dei tanta sorte de encontrar essas duas.
“Como está a nossa grávida favorita hoje?”, Eretria quer saber.
“Cansada”, admito. “Não dormi muito bem, mas, tirando isso, estou
bem.”
Distraidamente, passo minha mão pela minha barriga exposta. Ainda
está calor o suficiente para dormir de top e shorts.
“Eu estava pensando em nomes”, digo. “Eu vou escolher o nome dele.
Dá para acreditar? Nunca tive muita criatividade para nomes. Tive um coelho
chamado Chester e todas as minhas bonecas se chamavam Barbie.”
Sophie dá risada. “Vamos lá, nos conte em quais nomes você estava
pensando.”
Apoio minhas costas na cabeceira da cama. “Bom, se for menino, eu
estava pensando em Troy. Eu era muito fã de High School Musical, então
relevem.”
Consequentemente, era muito fã do Zac Efron, o que é engraçado se
levarmos em consideração o nome do pai do meu bebê.
Minhas amigas dão risada.
“Troy não é um nome feio”, diz Eretria. “Consigo facilmente imaginar
você correndo por aí e gritando esse nome para a pobre criança.”
Mostro a língua pra ela.
“E se for menina?”, Sophie quer saber.
“Raven.”
Eretria pensa por um instante. “Eu gosto desse nome.”
Sorrio. “Eu também gosto.”
“Bom, ainda temos algum tempinho antes de sabermos o sexo dessa
coisinha fofa. Por enquanto, a senhorita precisa se arrumar. Tem um cara lá
embaixo querendo falar com você”, Eretria me avisa.
Franzo o cenho. “Quem?”
“Ele disse que o nome dele é Cameron”, conta Sophie. “Mas não me
lembro de já tê-lo visto antes. Quem é ele, Sav?”
Cameron está aqui? Mas eu não me lembro de ter dito a ele onde eu
estava morando. Tenho quase certeza que não disse.
“É meu amigo de infância”, explico. “Nós nos encontramos por acaso
ontem. Ele vai estudar na Duke agora, pediu transferência de Georgetown
para ficar mais perto da mãe que está doente. Ahn... vocês podem pedir para
ele subir? A médica disse que eu deveria ficar de repouso. Quero descer a
escada uma única vez hoje.”
Sophie assente. “Claro. Descanse o máximo que puder. Quando os
convidados começarem a chegar, nós te avisamos.”
Quando Sophie e Eretria saem do quarto, eu visto uma camiseta — que
é do Zach, inclusive. Peguei para poder sentir o cheiro dele e tentar me
acalmar durante a noite. Péssima ideia me torturar desse jeito. — Cameron
aparece segundos depois, com um sorriso no rosto e um presente nas mãos.
Ele lembrou.
“Feliz aniversário atrasado, linda.” O sorriso dele se expande quando ele
me entrega o embrulho. “Desculpa aparecer assim sem avisar. Eu liguei na
sua casa, na Flórida, e sua mãe me passou o seu endereço. Quis fazer uma
surpresa.”
Sorrio. “Isso é muito legal da sua parte, Cam. Obrigada.” Pego o
presente das suas mãos, mas não abro. “Ahn... desculpa ter ido embora
daquele jeito ontem. Zach e eu estamos em um momento difícil, e eu não
queria que ele entendesse errado o que estava acontecendo. Foi grosseiro da
minha parte sair daquele jeito.”
Cameron se senta na beirada do meu colchão. “Eu entendo, Sav. Não
tem problema nenhum, é só que...”
Eu o encaro. “Só que o quê?”
Ele solta um suspiro pesado. “Tá legal, olha, eu não quero ser dedo duro
nem nada disso, mas você é minha amiga e eu me importo com você. Eu sei
que nós estamos há anos sem nos ver, mas continuo tendo o mesmo carinho e
cuidado com você que sempre tive e...”
“Cameron, para de fazer rodeio e me diga de uma vez.”
“Eu vi o Zach com outra garota ontem à noite.”
Pisco.
Pisco mais uma vez.
“Quê?”
Cameron exala. “Eu estava no Holme’s com alguns dos meus colegas de
república e o vi lá com dois caras. Eles estavam bebendo e tal. Eu fui me
desculpar com ele por ter dito que nós estávamos em um encontro. Ele foi
bem grosso comigo, mas eu entendi que ele estava com ciúme. Até aí, tudo
bem. Mas depois disso, eu fui ao banheiro e o vi com outra garota naquele
corredorzinho da saída de emergência.”
Não consigo respirar.
Zach estava com outra garota? Ontem? Depois de tudo o que aconteceu
comigo no hospital, ele foi para o Holme’s encher a cara com Derek e Nash
— provavelmente foi com quem Cameron o viu — e ficar com outra garota?
“Me diz exatamente o que você viu”, ordeno, sentindo o embargo tomar
conta da minha voz. “Ele estava... beijando essa garota?”
“Ele estava quase, mas quando me viu, afastou a menina depressa. Acho
que ele se tocou de que eu iria contar pra você e quis disfarçar, sabe?”
Meus lábios começam a tremer segundos antes do choro irromper, forte
e dolorido. É por isso que ele não quer assumir o bebê? Porque ele tem outra
garota?
Não pode ser verdade. Zach sempre me tratou com todo o carinho,
cuidado e amor. Não é possível que tudo o que senti com ele tenha sido uma
mentira. Não é possível que durante todo esse tempo ele estivesse fingindo.
Cameron se aproxima de mim com cautela e me abraça, me deixando
chorar e molhar a sua camiseta.
“Não pode ser verdade”, eu choramingo. “Eu não acredito nisso.”
“Por que eu mentiria? Sav, você é minha melhor amiga. Ah, merda, eu
não deveria ter dito nada. Não quero te ver triste.”
Não respondo, porque não consigo falar.
Cameron está certo, ele não tem motivo nenhum para mentir para mim.
Então, há quanto tempo Zach está me traindo? Eu pensei que ele me amasse.
Mesmo que nós não tenhamos dito essas palavras um para o outro, ele
demonstrava sentir amor por mim. E palavras não valem de nada sem gestos,
mas gestos valem muito, mesmo sem palavras.
Não entendo.
“Shhh, está tudo bem, Sav. Eu estou aqui, vou cuidar de você.” Cameron
faz carinho no meu cabelo. “Como nos velhos tempos, não é?”
Continuo sem responder. Não consigo pensar ou respirar ou falar. Um
buraco enorme acaba de ser aberto no meu peito e dói muito. Achei que Zach
só estava assustado, achei que de repente pudesse estar me escondendo
alguma coisa, mas nunca em um milhão de anos eu imaginaria que era isso.
Outra garota. Ou talvez... talvez ele só estivesse muito bêbado ontem e tenha
feito uma besteira. Quer dizer, nós estamos separados. Então, ele não me traiu
realmente. Foi um tremendo de um filho da puta, considerando tudo, mas não
me traiu.
Mas isso faz alguma diferença na minha situação? Provavelmente não.
Eu estou esperando um filho dele, tive a pior tarde de todas no hospital e ele
foi para o bar encher a cara com os amigos dele. É verdade que eu o mandei
embora, mas foi só porque eu preciso que ele se posicione em relação a tudo
isso, não porque eu não quero ficar com ele.
Minha cabeça está uma bagunça.
Seco as lágrimas e me afasto de Cameron, levantando-me da cama em
um rompante. “Eu preciso me arrumar”, anuncio. “Minhas amigas vão fazer
uma festa de aniversário pra mim. Você é bem-vindo para ficar, se quiser.”
Cameron se levanta também e se posiciona na minha frente. Um pouco
perto demais. “Claro, será um prazer.” Ele termina de secar minhas lágrimas.
“Sorria, Sav. Você fica muito mais bonita quando sorri.”
Desvencilho-me das suas mãos no meu rosto. “A festa começa as quatro,
então...”
“Claro. Eu volto mais tarde.” Cameron dá um beijo na minha bochecha.
“Abra o seu presente. Acho que você vai gostar.”
Assinto. “Pode deixar.”
14.

BABYFACE

Embora eu já tenha dado o meu presente para Savannah, na sua primeira


festa de aniversário, na Flórida, não queria aparecer hoje de mãos abanando,
então comprei um pequeno chocalho em forma de elefante para o bebê. Sei lá
o porquê comprei um presente para ele e não para ela, mas acho que, como
ela mesma disse, os dois são um só agora, então me pareceu uma boa ideia.
Sem contar que, depois do dia que tivemos ontem no hospital, acho que
vai deixá-la feliz. E isso é tudo o que eu quero. Quero que Savannah seja
feliz. Não só agora, mas sempre.
Eu e caras chegamos juntos à nova casa das meninas. É bem perto de
ondem nós moramos, então não precisamos vir de carro — o que é bom,
porque todo mundo pode beber sem se preocupar em ter um motorista. Acho
até que os pais de Savannah escolheram uma casa tão perto da minha por
conveniência. Mas claro que não estou reclamando.
Há bastante gente na casa, se considerarmos que isso é uma festa só para
os amigos mais próximos dela. Deve haver quase cinquenta pessoas aqui. Eu
considero isso bastante quando a classificação é “amigos próximos”.
Os caras colocam os presentes em uma mesa perto da porta, onde outros
presentes já estão sendo acumulados, mas eu quero entregar o meu
pessoalmente, então continuo segurando.
“Vou procurar a Sav”, aviso meus amigos.
Checo todo o primeiro andar, mas não vejo nenhum sinal dela. Também
não está na área da piscina, então só pode estar no quarto ainda, o que é
ótimo, pois posso ter um momento a sós com ela.
Subo os degraus da escada de dois em dois e caminho até a porta no
final do corredor. Dou uma batidinha na porta do quarto e quando a escuto
dizer “Entra”, eu entro, mas com certeza não estava esperando encontrar o tal
do Cameron deitado na cama dela enquanto Savannah termina de se arrumar
na frente do espelho.
Eu encaro o amigo de Savannah e ele me encara de volta com um
sorrisinho nos lábios que só faz minha vontade de bater nele crescer. Esse
cara... tem alguma coisa nesse cara que desperta o pior de mim. Savannah,
por outro lado, não parece nem um pouco preocupada de eu ter encontrado
outro cara na cama dela. Mesmo que ele esteja vestido — graças a Deus
estão ambos vestidos.
“Oi”, digo.
“E aí, cara.” Cameron mantém o sorrisinho debochado.
Decido ignorá-lo. “Sav, posso falar com você a sós?”
Cameron pula para fora da cama. “Te espero lá embaixo. E, viu, eu
sempre tenho razão, esse vestido que eu te dei ficou perfeito em você.” Ele
lança uma piscadela para ela. “Ela é toda sua, cara.” E dá um tapinha no meu
ombro antes de sair do quarto.
Bato a porta com um pouco mais de força do que pretendia.
Odeio esse cara. E não é só o meu ciúme falando.
“Você já me deu um presente”, observa Savannah.
Olho na direção dela, e odeio admitir que o babaca está certo. Ela está
maravilhosa. Está usando um vestido amarelo soltinho que bate no meio das
suas coxas. O decote em V deixa uma boa parte dos seus seios à mostra, mas
sem torná-la vulgar ou coisa assim. Está linda. Como o raio de sol que eu
sempre disse que ela é.
Caralho! Que saudade.
“Eu quis comprar outro”, digo, sem jeito. “Você está linda.”
“Obrigada.”
Não deixo de notar que a sua voz soa distante; triste.
“Como está se sentindo hoje?”
Não me movo nem um centímetro, pois a atmosfera do quarto não me
parece favorável para isso. Savannah está esquisita. Sei disso pela forma
como está olhando para mim, como se procurasse alguma coisa, como se
quisesse ver algo que não tinha visto antes.
Desconfiança.
O olhar dela está cheio de desconfiança, mas não consigo entender por
quê.
“Estou bem.” Mas ela não parece nada bem. “O que tem na caixa?” Ela
aponta para o presente que continuo segurando.
“Ah. Abra.” Finalmente me aproximo e entrego o embrulho para ela.
Savannah desfaz o laço, abre a pequena caixa e tira o elefantinho de lá.
Ela olha para a pelúcia e depois olha para mim, confusa.
“É um chocalho”, esclareço. “É para o bebê.”
Ela balança o brinquedo e o som das missangas preenche o nosso
silêncio. “É fofo. Obrigada.”
“De nada.”
Tento me aproximar mais um pouco, mas Savannah se afasta. “O que
você fez ontem à noite?”
Uma pergunta casual, mas por que eu sinto que ela está me sondando?
“Fui ao Holme’s com o D e o Nash. Por quê?”
“E quem mais estava lá?”
“Só nós três. Ah, e o seu amiguinho. Ele estava lá também.”
Savannah assente; e eu começo a ter certeza de que tem alguma coisa
errada e que, de alguma forma, Cameron está envolvido.
“O que realmente você está me perguntando, Savannah?”
Ela ergue os olhos até encontrar os meus. Vejo as lágrimas se
acumulando e me empertigo. O que está acontecendo aqui?
“Você estava com outra garota?”, ela pergunta, baixinho. “Não minta
pra mim, Zach.”
Fico boquiaberto. “Com outra garota?”, eu ecoo, incrédulo. “Você está
de brincadeira comigo? É claro que não, Savannah. De onde foi que...”, me
interrompo, penso e é claro que entendo o que caralhos está acontecendo.
“Cameron. O que foi que ele te disse?”
Ela funga, se esforçando muito para conter o choro. “Que viu você com
outra garota no corredor da saída de emergência.”
Filho da puta.
“Savannah, ele está mentindo. Eu não estava com garota nenhuma.”
“Então como sabe que ele teria dito alguma coisa pra mim? Ele me disse
que você viu que ele viu você com a menina.”
“Ele estava lá também, só por isso eu sei que só pode ter sido ele a
inventar uma merda dessas. Com certeza não foi o Derek ou o Nash.
Inclusive, você pode perguntar para eles, se quiser. Eles vão te dizer que eu
não estava com ninguém.”
Ela me encara. “Eles estavam por perto quando Cameron te viu com a
menina?”
“Eu não estava com menina nenhuma”, replico, irritado, e falando um
pouco mais alto do que de costume. “O seu amiguinho está mentindo pra
você.”
“E por que ele mentiria, Zach?” Ela afasta uma lágrima que escapa dos
seus olhos. “Ele nem te conhece. Por que mentiria para te prejudicar? Ele não
tem motivos para fazer isso.”
Dou uma risada debochada. “Ah, por favor, Savannah, você não pode
ser tão ingênua. Está na cara que esse moleque está interessado em você.”
Prontamente, ela nega com a cabeça. “Claro que não. Cam e eu somos
só amigos. Sempre fomos. Ele cuida de mim.”
“E eu faço o quê?”, pergunto, furioso e exaltado. “Que porra eu tenho
feito no último ano?”
Agora ela começa a chorar. “Aparentemente, tem me traído.”
“Então você está acreditando nele ao invés de acreditar em mim?”
Balanço a cabeça, cético. “Uau. Ontem, você falou que precisamos ter
confiança um no outro pra isso dar certo. Cadê o seu discurso agora? Parece
que essa teoria é unilateral.”
“O que você quer que eu pense, Zach?”, ela grita. “Eu sei que você está
escondendo alguma coisa de mim e, agora, Cameron me diz que você estava
com outra garota. Como você acha que isso parece pra mim?”
Olho para ela, mas é como se não a conhecesse. “Sabe o que isso parece
pra mim? Que você já decidiu que ele está falando a verdade, e eu não.
Pensei que você soubesse quem eu sou e o que você significa pra mim, mas
parece que você não sabe de porra nenhuma.”
“Não ouse virar isso pra mim. É você quem estava com outra garota.”
“Mesmo que eu estivesse, Savannah. Mesmo que fosse verdade. Você
terminou comigo, lembra? Então, se eu estivesse mesmo com uma garota,
não estaria fazendo nada de errado.”
Ela chora mais ainda. “Você quer estar com outras garotas?”
Ela parece tão frágil agora. Com certeza está nervosa, isso é verdade,
mas também aparenta estar tão incrivelmente frágil que me forço a não perder
a cabeça. Preciso me lembrar de que ela não pode se exaltar.
“Se você não sabe a resposta pra essa pergunta, então você realmente
não faz ideia do que eu sinto por você.”
“Então diz.” Ela dá alguns passos na minha direção. “Diz o que você
sente por mim, Zach.”
Faço que não com a cabeça. “Não. Não desse jeito. Não como se fosse
uma prova da minha inocência. Eu não estava com outra garota, Savannah,
mas se você não consegue acreditar só com a minha palavra, baseado no
caráter que eu pensei que você sabia que eu tenho, então não são essas
palavras que vão te convencer.”
Viro as costas para ela, preparado para sair do quarto.
“Zach!”
Olho para ela. “Aproveita a sua festa e não faça esforço. Você e o bebê
precisam descansar.”
Saio do quarto antes que Savannah tenha a chance de dizer qualquer
outra coisa. Me recuso a ficar aqui e ouvi-la desconfiando de mim.
Maldito Cameron.
Esse filho da puta vai ter que me explicar direitinho que porra ele acha
que está fazendo.
Desço as escadas às pressas e, coincidentemente, Cameron está
encostado nas costas do sofá, de frente para a escada. E, exatamente como
antes, está sorrindo. Ele sabe muito bem o que fez. Eu tinha a intenção de ser
civilizado, mas tudo isso desaparece quando ele me olha com aquele maldito
sorrisinho.
Sem qualquer aviso prévio, eu agarro a gola da camiseta dele. “Você se
acha muito esperto, não é? Mas deixa eu te falar uma coisa, se você se meter
entre mim e Savannah, eu vou estourar a sua cara de tal forma que nem a sua
mamãe vai ser capaz de te reconhecer.”
Cameron não abandona a pose de deboche. “Eu vou adorar ver você
tentar. Savannah vai ficar tão feliz de saber que você bateu no amigo querido
dela. E já que você fez a gentileza de me avisar, deixa eu te falar uma coisa
também. Conheço Savannah desde que nós éramos crianças. Eu sei tudo
sobre ela. Sei do que ela gosta, sei os seus pontos fracos, sei o que a faz sorrir
e o que a faz chorar. Então, acho bom você ser bem legal comigo, Zach,
porque você já viu o que uma mentirinha pode fazer com a cabecinha dela,
não é? Basta eu estalar os dedos e você já era.”
Solto Cameron, aproveitando para empurrá-lo para longe de mim.
“Fique longe dela. Eu vou te avisar uma vez só. Da próxima, minha
abordagem não vai ser tão amigável.”
“Se esse é você sendo amigável, então talvez eu deva mesmo ter medo
quando você estiver bravo”, ele debocha.
“Vamos ver se você vai debochar quando eu quebrar a sua cara. Estou
avisando, Cameron. Fique longe dela.” Bato com o meu ombro no dele
quando passo, rumo à porta. Não vou ficar nessa casa nem mais um minuto.
“Babyface!”, Sophie me chama, e sou obrigado a parar a minha
caminhada determinada até a saída. “Aonde você vai?”
“Pra qualquer lugar longe daqui.”
Os olhos azuis de Sophie me encaram. É impressionante o quanto somos
parecidos. “O que aconteceu?”
“Me faça um favor, Soph. Fica de olho nesse tal de Cameron. Ele não é
confiável.”
Sophie olha para onde Cameron está, ainda apoiado nas costas do sofá,
provavelmente esperando Savannah descer. “O amigo da Sav? Ele parece
bem legal.”
“Só... fica de olho nele, tá legal?”
Acho que é o meu tom sério que a faz concordar com a cabeça.
“E me desculpa por aquele dia que avancei em você. Eu estava fora de
mim. Desculpa mesmo. Você sabe que eu não te machucaria, não é?”
Ela sorri. “Eu sei. Não se preocupe. Está tudo bem, mas obrigada pelo
pedido de desculpas.”
Sorrio também. “Preciso ir. Não deixa a Sav se esforçar.”
“Você deveria ficar. Ela vai ficar chateada se você for embora.”
Eu duvido muito.
Exalo. “Cuida dela pra mim, Soph.”
Quando Sophie entende que realmente não vou ficar, ela apenas assente,
abrindo um sorriso singelo. “Pode deixar.”
Não sei por que não contei para Sophie sobre a mentira de Cameron.
Provavelmente porque não quero que ela pense que eu a estou usando quando
Savannah contar para elas que “eu estava com outra garota”. Talvez Sophie
pense que eu estava tentando trazê-la para o meu lado e isso poderia parecer
que eu tenho culpa no cartório.
De qualquer forma, de uma coisa eu tenho certeza, eu preciso tirar
Cameron de perto de Savannah. Só preciso pensar em como fazer isso.
15.

SAVANNAH

A última semana tem sido difícil. Os enjoos ainda andam me


atormentando, e agora que as aulas voltaram, acordar cedo parece mais difícil
do que nunca. Não sei se é normal me sentir cansada assim. Na verdade, acho
que é o cansaço psicológico que está me deixando inútil. Não consigo prestar
atenção nas aulas direito, não consigo compor... Tudo o que penso é em Zach
e na última conversa que tivemos.
Não tive notícias dele desde a minha festa de aniversário na semana
passada. Perguntei para Kyle, quando ele veio aqui em casa ontem, e a única
resposta que recebi foi: Você deveria conversar com ele. Nada mais e nada
menos do que isso.
Para ser sincera, nem sei como olhar para Zach depois da última
conversa que tivemos. Sinto-me envergonhada, mas, pior do que isso, ainda
não sei em quem acreditar. Cameron jura que viu Zach com outra garota, e eu
acho que Zach está delirando ao pensar que Cameron possa sentir alguma
coisa por mim. Pelo amor de Deus, nós somos amigos. Sempre fomos só
amigos. Cam não fez nada que indicasse que poderia sentir alguma coisa por
mim, mesmo porque, isso é loucura. Nós acabamos de nos reencontrar, ele
não pode estar apaixonado por mim ou coisa assim.
E nem me deixe começar a falar dos hormônios. Eu vou da alegria à
tristeza, da calmaria à revolta, em um piscar de olhos. Essas alterações de
humor estão acabando comigo.
“Terra chamando Savannah”, diz Cameron, chamando minha atenção.
“Você nem tocou na comida, Sav.”
Olho para a minha macarronada e sinto a ânsia bater no fundo da
garganta. Por que decidi comer macarrão? O cheiro do molho de tomate
adentra minhas narinas e faz meu estômago se contorcer.
“Com licença”, digo a Cameron, antes de sair correndo para o banheiro
do refeitório. Abro a porta com certa violência, depois a porta da cabine,
ajoelho no chão e vomito.
“Sav?”, escuto a voz de Cameron vindo do lado de fora do banheiro.
“Você está bem?”
“Estou... bem.” Vomito de novo. “Espera... um... momento.”
Quando a onda de enjoo finalmente vai embora, eu pego um pedaço de
papel higiênico, limpo a boca, dou descarga e jogo uma água no rosto antes
de sair do banheiro. Cameron me lança um olhar preocupado.
“Eu tô grávida”, digo de uma vez. “Os enjoos são frequentes.”
Meu amigo arregala os olhos. “Grávida?”
Faço que sim com a cabeça, de repente me sentindo ainda mais cansada
do que antes.
“Do Zach?”
Confirmo de novo.
“Ele sabe?”
Confirmo pela terceira vez.
Cameron balança a cabeça, cético. “Não acredito que ele sabe e estava
com outra garota mesmo assim. Que canalha.”
“Não vamos falar sobre isso, por favor. Minha cabeça está explodindo.”
“Claro, claro.” Cameron me puxa para um abraço. “Não se preocupe
com nada, eu vou ajudar você com o que precisar.”
Eu o abraço também. “Obrigada, Cam.”
Ele beija a minha têmpora. “Vamos comprar outra coisa para você
comer. Você precisa se alimentar direitinho.”
Deixo que Cameron compre outra coisa para eu comer. Estou cansada
demais para discutir. E embora o frango grelhado com legumes e purê de
batata estivesse uma delícia, mal consegui realmente aproveitar. O cheiro da
costela de porco com molho barbecue de Cameron estava me matando.
Depois do almoço, me despeço de Cameron — que vai para a biblioteca
para estudar — e arrasto meu corpo moribundo até a próxima aula, onde
encontro Alyssa praticamente arrancando os cabelos. De todas as minhas
colegas de turma, ela com certeza é a mais maluca. Tudo é motivo para
Alyssa perder a cabeça, então não me surpreende que ela esteja estressada
com alguma coisa.
“Qual é o problema dessa vez, Lys?”, eu pergunto, me sentando na
cadeira ao lado da dela.
Ela me olha como se eu fosse um alienígena. “Qual é o problema? O
problema é que o desgraçado do meu namorado terminou comigo faltando
três semanas para o evento beneficente que ele prometeu que participaria com
os amigos. Agora, ferrou. Eu tenho vinte famílias carentes esperando um
dinheiro que nunca vai chegar porque Liam é um egoísta filho da puta.”
Liam e Alyssa têm um relacionamento muito complicado. No ano
passado, quando a conheci, eles estavam terminados. Um mês depois,
voltaram. E desde que eu a conheço, eles já terminaram e voltaram quatro
vezes. Sempre terminam pelo menos motivo: o ciúme dele e o estresse dela.
E sempre voltam pelos mesmos motivos também: comodidade e sexo.
Nunca vou entender como esses dois funcionam. Como é possível ter
amor em um namoro assim?
Mas, quem sou eu para julgar? Olha só a minha situação.
“Posso te ajudar com alguma coisa?”, pergunto, puxando meu laptop de
dentro da bolsa.
“A menos que você conheça dez garotos que topem participar de um
leilão pela caridade, então não, você não pode me ajudar.”
Franzo o cenho. “Leilão? Você quer leiloar homens?”
“Não é nada ilegal. É pela caridade. Presta atenção, Sav.” Ela bufa. “Os
meninos seriam leiloados e as mulheres que os ‘comprassem’ teria direito a
um encontro com eles. Nada demais, nada pornográfico. E o dinheiro
arrecadado seria destinado à caridade.”
Eu adoro ações de caridade. No começo desse ano, fiz uma feira
beneficente em um orfanato próximo daqui. Nunca vou esquecer os olhares
daquelas crianças quando Zach e os meninos chegaram com os brinquedos,
ou quando Eretria deu a sua palestra sobre a importância de cuidar do meio
ambiente e dos animais. Eles adoraram. Ficaram encantados, para dizer o
mínimo.
Lembro exatamente do dia em que decidi que gostaria de ajudar as
pessoas. Eu estava saindo de uma lanchonete com a minha mãe e um
morador de rua nos parou para pedir comida. Era um homem com mais ou
menos cinquenta anos, a barba grande e grisalha e o cheiro... Nossa, ele
realmente precisava muito de um banho. Mas o ponto não é esse. O ponto é
que minha mãe não tinha nenhum dinheiro para dar a ele. Ela é adepta aos
cartões. Quase nunca anda com dinheiro vivo na carteira.
Mas então, ela pediu que o homem esperasse que ela iria voltar na
lanchonete para comprar alguma coisa para ele comer. E foi o que ela fez.
Voltou até o homem e lhe entregou uma marmita de isopor cheia de comida.
A forma como ele olhou para a minha mãe... Nunca vi uma pessoa olhar para
a outra com tamanha gratidão.
Eu tinha nove anos quando isso aconteceu. Queria que alguém olhasse
para mim daquela forma, por eu ter feito algo que realmente importasse, que
fizesse a diferença na vida daquela pessoa de alguma forma.
“Posso pedir para os meninos do Blue Devils.”
Alyssa arregala os olhos castanhos para mim. “Ah meu Deus! Eu
esqueci completamente que você namora um dos jogadores! Sav, sério, se
você conseguir convencê-los a participar, eu fico te devendo uma. Qualquer
coisa que você quiser.”
Penso em contar a Alyssa que Zach e eu não estamos mais juntos, mas
isso viria com uma onda de perguntas que eu não estou nem um pouco a fim
de responder.
“Vou ver o que eu posso fazer e te aviso, tá?”
Ela respira, aliviada. “Obrigada, obrigada, obrigada! Você é a melhor de
todas!”
Será que sou mesmo? Não me sinto a melhor em nada ultimamente.

***

Depois da aula e da minha promessa a Alyssa, eu caminho calmamente


até as instalações atléticas, onde eu sei que os meninos devem estar
treinando. Eu não precisaria ir até lá, poderia falar com Derek ou Nash, que
estão sempre na minha casa por conta de suas namoradas. Até Kyle serviria.
Ele aparece lá de vez em quando para ver como Eretria está. Mas sei que
quero ir até lá para ter a chance de ver Zach.
Não quero conversar com ele — mesmo porque não tenho nada a dizer
agora —, mas quero poder vê-lo. Ficar sem falar com ele é ruim, mas ficar
sem vê-lo é ainda pior.
Quando chego à quadra, o treinador Burke está conversando com os
meninos. Eles estão reunidos em círculo em volta do homem careca e
corpulento. Os meninos estão suados e respiram depressa, o que me diz que
devo ter chegado no final do treino.
Me descobri uma fã de basquete desde que Eretria me levou ao meu
primeiro jogo. É uma adrenalina deliciosa. Sem contar que tenho certo fetiche
de ver Zach na quadra. É tão sexy.
“Parece que temos uma convidada hoje”, ouço a voz de Burke soar alta
pela quadra.
Todos os garotos olham para mim.
“Ahn... desculpe, treinador, não queria atrapalhar.”
“Não atrapalha em nada. Nós já acabamos.”
“Que bom.” Sorrio, sem jeito, e me aproximo devagar. “Eu preciso falar
com os meninos, mas é bem rápido.”
O treinador Burke faz um gesto com a mão, como quem diz que eu
posso ficar à vontade.
Meus olhos encontram os de Zach, mas ele desvia o rosto. Não sei dizer
se ele está magoado ou se está com raiva de mim. Talvez os dois. Mas sou eu
quem deveria estar com raiva, afinal de contas, ele esteve — ou não — com
outra garota.
“Oi, pessoal”, cumprimento, e tento não olhar de novo na direção de
Zach. “Eu vim até aqui para pedir uma ajuda pra vocês. Uma amiga minha
está organizando um leilão para a caridade, mas os caras que ficaram de
ajudar ela, pularam fora, então eu gostaria de saber se vocês topam ser...
leiloados.”
Os garotos se entreolham.
“Leiloados?”, pergunta Friends, intrigado. “Como assim?”
“Seria um leilão mesmo. As mulheres fariam lances em vocês e vocês
seriam ‘vendidos’ pelo maior deles. As mulheres ganham um encontro com
vocês e nada mais. O dinheiro arrecadado será destinado à vinte famílias
carentes.”
Ryan abre um sorriso. “E como seriam esses encontros?”
“Minha amiga não deixou nada especificado. Acho que vocês e as
mulheres com quem forem sair podem entrar em acordo em relação a isso.
Não precisa obrigatoriamente ser um jantar ou algo assim.”
“Eu topo”, diz Jeremy, empolgado. “Isso vai ser divertidíssimo.”
Friends é o próximo a concordar, seguido por Kyle, Ryan, Chad e os
outros garotos. Derek, Nash e Zach são os únicos que não se manifestam
imediatamente.
“O Nash vai perder a oportunidade de se exibir na frente das
mulheres?”, provoca Chad. “O mundo está acabando mesmo.”
Nash revira os olhos. “Só tem uma mulher para quem eu quero me
exibir, seu babaca.”
“A Tria não vai achar ruim, cara”, garante Kyle. “Ela vai pegar todo o
dinheiro que tiver para te comprar.”
Dou risada. Isso é a cara da Eretria.
Nash ri também. “É verdade. Pode contar comigo, Sav. Afinal, é para a
caridade.”
Olho para Derek. “E você?”
“Vou falar para a Soph guardar dinheiro.” Ele sorri. “Conta comigo,
Sav.”
E o único que sobrou sem responder: Zach.
“Vamos para o chuveiro, seus porcos”, ordena Derek, percebendo o
clima tenso que se instalou. “Mulher nenhuma vai querer comprar vocês se
vocês cheirarem tão mal.”
Os garotos começam a trocar socos e tapas enquanto se despedem de
mim e caminham em direção ao vestiário. Zach é o único que não se move.
Ele não fala, não olha para mim e não se mexe. Não sei como me comportar
nessa nossa nova realidade. Eu sempre me senti à vontade de ser eu mesma
quando estava com ele. Sempre foi fácil e leve, mas não mais. Agora, o clima
entre nós é pesado e quase intragável.
Como chegamos nesse ponto?
“Posso contar com a sua participação?”, eu pergunto, baixinho. “É para
a caridade.”
Zach umedece os lábios. “Eu topo”, ele responde, sem olhar pra mim.
“Você não vai nem olhar pra mim agora?”
Ele me olha. Os olhos azuis estão queimando, mas não sei dizer se é de
raiva ou de desejo. “O problema de olhar pra você, Savannah, é que só
consigo pensar no quanto quero arrancar a sua roupa.”
Meu corpo estremece e pega fogo por dentro. Faz semanas que não
transamos, que não tenho nenhum contato com o corpo dele. E, talvez eu
possa culpar os hormônios de novo, mas eu estou desesperada para que ele
toque em mim. Estou desesperada para que me beije, arranque as minhas
roupas e faça comigo o que ele quiser fazer.
Mas então aquela pontinha de dúvida surge, me deixando confusa e
inquieta. Tem alguma coisa que Zach não está me contando. Pode ser que
seja a garota com quem estava ou pode ser outra coisa. De qualquer forma,
foi isso o que nos separou, e a menos que ele esteja disposto a me falar a
verdade, então o melhor seria que continuássemos separados.
Eu preciso que ele queira ficar comigo, mas que também queira ficar
com o nosso filho. Não posso estar em um relacionamento com ele se sempre
que tentar falar sobre o bebê, ele se fechar. Não posso permitir essa
resistência com o meu bebê. Prefiro que ele cresça sem pai a crescer com um
pai que não o quer.
No entanto, os hormônios...
“Então faça isso”, eu digo, por fim, baixinho.
Zach me encara. Vejo a confusão em seu rosto, mas também vejo a
lascívia, o desejo primitivo que o deixa irresistivelmente sexy.
Sem dizer nada, Zach segura a minha mão e começa a me puxar para
fora da quadra. Não resisto. Apenas vou com ele. Nós seguimos por um
corredor grande com várias portas dos dois lados. Não faço ideia de para
onde ele está me levando, mas então percebo que não me importo.
Não vamos muito longe, no entanto. Zach para diante de uma das portas,
olha para os dois lados para conferir que ninguém está nos vendo, abre a
porta e me empurra com gentileza para dentro. A porta é fechada e trancada
logo em seguida.
Percebo que estamos em uma enfermaria. Há um sofá e uma maca, além
de armários de vidro com vários tipos diferentes de remédio, bandagens e
seringas. A sala é organizada, mas não muito ampla.
É perfeita.
Olho novamente para Zach, que está me encarando como se ele fosse
um leão e eu fosse um cervo — ou qualquer outro animal que ele estivesse se
preparando para comer. Então, ele me ataca. É quase literalmente um ataque
porque ele me pega com tanta força e desespero que eu me assusto, mas
então, relaxo. Um dos seus braços fortes envolve o meu corpo pequeno
enquanto a mão do outro adentra o meu cabelo.
Quando nossos lábios se tocam, nada mais importa. De repente, não
existe mais dúvidas, medos, incertezas ou qualquer que seja o motivo que nos
mantém separados. Não existe nada ruim no mundo. Existe apenas eu e ele.
Entrelaço meus braços ao redor do seu pescoço e me entrego. Sua língua
adentra a minha boca, sedenta e determinada, e eu gemo baixinho quando ele
aperta a minha bunda e me joga pra cima, me pegando no colo. Zach caminha
até o sofá no canto da sala e me coloca deitada ali.
Em um piscar de olhos, eu já estou seminua. Apesar de ainda estar
magra, minha barriga está começando a ficar mais saliente. Sei que Zach
percebe também, pois seus olhos se demoram na nessa região. No entanto, a
forma contemplativa com a qual ele me olha me deixa saber que ele me acha
bonita como sempre achou. Isso acalma a pontinha de insegurança que
começava a crescer em mim.
Quando Zach se senta no sofá, eu monto no seu colo e arranco a sua
camiseta de treino. Seu peito nu ainda brilha um pouco por conta do suor,
mas eu não me importo nem um pouco. Ele é lindo. A pele bronzeada, quente
e macia é deliciosa, e eu tenho vontade de lambê-lo. Talvez eu esteja louca ou
seja só saudade, mas Zach parece ainda mais forte e gostoso do que da última
vez que eu o vi nu.
Grudo meus lábios nos dele enquanto suas mãos deslizam pelas minhas
costas até o fecho do meu sutiã. Ao arrancar a peça do meu corpo, Zach larga
os meus lábios e se concentra nos meus seios, que ele beija, chupa, lambe e
mordisca da forma mais gostosa que existe. Eu estou totalmente entregue aos
seus cuidados.
Completamente à sua mercê.
Zach puxa o meu cabelo, de modo que minha cabeça deita e deixa o
espaço livre para ele beijar o meu pescoço.
Deus.
As últimas vezes que transamos, fizemos amor. Era romântico e não tão
frenético, mas não dessa vez. Agora, sei que sabe vai me comer exatamente
como costumava fazer quando nos conhecemos. E eu adoro isso. É sensual e
safado.
Culpem os hormônios. É tudo culpa deles eu estar me sentindo uma
ninfomaníaca.
“Eu não tenho camisinha aqui”, ele avisa, entre uma chupada e outra no
meu pescoço.
“Não importa”, eu digo, entre gemidos. “Eu já estou grávida e os meus
exames estão limpos. Faço uma vez por ano.”
“Estou limpo também.” Ele morde meu pescoço.
Dito isso, Zach abaixa a bermuda apenas o suficiente para colocar o pau
para fora. E, ansiosa e desesperada como estou, eu o agarro e o guio para
dentro de mim, o que faz nós dois gemermos.
“Puta merda!”
Zach não é o primeiro cara com quem eu transei, mas é o primeiro com
quem eu transo sem camisinha. E, nossa!, a sensação é completamente
diferente. É melhor. O atrito é mais gostoso e a sensação de não ter nada
entre a minha pele e a dele... Nossa! É incrível!
“Você deveria me deixar ficar por cima”, diz Zach, a voz rouca de puro
tesão.
“Pensei que você gostasse quando eu fico por cima”, replico.
“Ah, eu gosto. Demais até. Mas você não deveria estar se esforçando”,
ele me lembra. “Deita, e eu vou te comer até você estar gritando.”
Minha nossa.
Obedeço, por que, francamente, como não obedecer?
Eu me deito no sofá, mas antes de entrar em mim, Zach leva a língua até
o meio das minhas pernas e me lambe inteira.
Minha mãe do céu!
“Que saudade do seu gosto.”
Engulo em seco.
Se eu começar a falar todas as coisas que sinto falta dele, nós nunca
mais sairíamos dessa sala.
Zach me lambe de novo, fazendo meu corpo estremecer dos pés à
cabeça. Depois, quando ele entra em mim de novo, eu já estou tão perto de
um orgasmo que mal consigo me segurar. Minhas terminações nervosas estão
enlouquecidas, meu coração está acelerado e a sensação de um orgasmo
iminente me deixa muito, muito feliz.
Quando atinjo o clímax, Zach me beija para abafar os meus gemidos. E
eu continuo beijando-o para abafar os dele, quando o orgasmo o atinge.
Posso dizer com convicção que esse foi um dos melhores sexos que já
tivemos.
Quando sai de mim, Zach me beija com suavidade e nós nos
acomodamos no sofá, deitados. Meu corpo colado ao dele enquanto seus
braços me envolvem, me mantendo perto, como se estivesse com medo de
que eu pudesse ir embora a qualquer momento.
“Como chegamos a esse ponto, Zach?”, pergunto, baixinho.
Ele suspira. Alto. “Não sei. Acho que as coisas foram acontecendo
rápido demais e nós nos perdemos um do outro em algum momento.”
Analiso as suas palavras enquanto desenho círculos imaginários no seu
peito nu. “Você acha que nos perdemos?”
“Você não?” Ele desliza os dedos pelo meu braço. Para cima, para
baixo, para cima e para baixo.
“É, acho que sim”, respondo, distraída. “O que vamos fazer agora?”
“Vamos continuar separados”, ele diz, com suavidade. Eu o encaro,
assustada. Ele quer que continuemos separados? “Não é o que eu quero,
amor, mas é o que precisamos fazer. Estamos brigando o tempo todo,
desconfiando um do outro... Talvez a gente precise desse tempo separados
para entendermos onde estamos errando e evitar que nos magoemos.” Ele faz
carinho no meu rosto. “Você é minha namorada, Savannah. Podemos ficar
um ano separados, você vai continuar sendo minha namorada, mas
precisamos entender quem somos e o que queremos individualmente antes de
tentarmos ser um casal de novo.”
Ele está certo. Por mais que eu queira estar com ele, muitas coisas estão
mal resolvidas agora. Se tentarmos ignorar isso só para ficarmos juntos,
podemos acabar nos magoando demais. E certas mágoas não podem ser
retiradas. Não quero que terminemos nos ressentindo um com o outro.
“Você acha que vamos ficar bem?”, eu pergunto, olhando nos seus
lindos olhos azuis.
Zach sorri. “Nós dois terminamos juntos, Sav. Não faço ideia de como
ou quando, mas nós dois ficamos juntos no final.”
Sorrio também, concordando com a cabeça, e ele me dá um beijo tênue.
“Precisamos ir agora. Se nos pegarem aqui, estamos mortos.”
“Só mais cinco minutinhos”, eu me aconchego ainda mais ao seu corpo.
“Quando sairmos por aquela porta, só Deus sabe o que vai acontecer. Me dê
mais cinco minutos com você, por favor.”
Ele dá uma risadinha. “Mais cinco minutos, princesa.”
O mundo poderia explodir agora, por tudo o que me importa. Se eu
morresse agora, pelo menos morreria feliz.
16.

SAVANNAH

Setembro

As últimas semanas foram mais fáceis. Embora Zach e eu ainda


estejamos separados, não sinto mais aquela tensão ruim entre nós, mas
continuo sentindo falta dele como sempre. Nós não nos vemos todos os dias,
mas ele aparece vez ou outra de surpresa para ver como eu estou.
Para a tristeza dos meus hormônios, Zach não fica perto de mim o
suficiente para cairmos na tentação. Ele vem até a minha casa, pergunta como
eu estou, às vezes me pergunta se eu quero comer alguma coisa específica,
me dá um beijo na testa e vai embora. Suponho que seja melhor do que nada,
mas odeio ter doses pequenas dele quando tudo o que eu quero é mergulhar
no mar infinito que é Zach Bradley.
Hoje, por exemplo, mandei uma mensagem para ele dizendo que estava
desesperada para tomar sorvete de chocolate com menta. E é a mais pura
verdade. Não sou de ter muitos desejos específicos, mas sinto um aqui ou ali.
Pelo que eu li na internet, isso vai ser acentuado a partir do segundo trimestre
da gestação. Que alegria.
Minha barriga está maior agora, então abandonei as calças jeans — que
ainda me servem, mas não são confortáveis — e passei a usar calças legging
para todos os momentos do meu dia. Vestidos também são muito bem vindos,
apesar de setembro não ser mais um dos meses mais quentes, mas o clima
ainda favorece usar um vestido aqui e ali.
Uma batida na porta do meu quarto me traz de volta dos meus
devaneios. “Entra.”
Tento evitar sorrir como uma idiota quando Zach entra no meu quarto,
segurando um pote de sorvete em uma mão e uma colher na outra.
“Nunca foi tão difícil achar um maldito sorvete”, ele diz, resmungando.
“Fui a três supermercados até conseguir encontrar.”
Dou uma risadinha. “Obrigada.” Pego o sorvete e a colher da mão dele,
abro a embalagem e enfio um punhado dessa delícia na boca. Eu amo
chocolate, mas nunca fui muito fã de menta. Engraçado eu querer justamente
essa combinação agora. “Hummm... Isso é muito bom. Quer?”
Ele ri, sentando-se na beirada do meu colchão. “Não, obrigado. É todo
seu.”
Enfio mais um punhado na boca, mas tomando o cuidado para não
congelar o cérebro. “Humm.”
Zach umedece os lábios. Meus gemidos de prazer estão afetando-o.
Gosto disso.
“Como está se sentindo hoje?”, ele quer saber.
“Bem.” Coloco mais sorvete na boca. “Não tive enjoo hoje, o que é um
milagre, mas estou começando a estranhar o volume na minha barriga. Está
começando a ser difícil dormir de bruços.” Mais sorvete. “Imagina quando eu
virar uma bola. Quer dizer, só vou conseguir dormir de barriga pra cima. Já
pensou? Isso é péssimo, Zach.”
Ele dá risada. “Está crescendo rápido, não é?”
“Muito! Olha isso!” Levanto a minha camiseta para ele ver a minha
barriguinha. “Isso não estava aí duas semanas atrás.”
Zach olha para a minha barriga e sorri. Meu coração se aquece com esse
pequeno gesto. Vou considerar isso uma vitória. Zach sorriu pela primeira
vez para o bebê. “Quando dá para saber o sexo?”
“A doutora Akira disse que a partir da décima terceira semana já dá para
saber o sexo.”
“Com quantas semanas você está?”
“Na décima terceira semana.” Sorrio. “Mas só consegui marcar uma
consulta para a semana que vem.”
Ele hesita. “Eu... posso ir com você?”
Paro com uma colher de sorvete a caminho da minha boca. “Pode. Claro
que pode. Seria ótimo.”
Nós ficamos alguns segundos em silêncio, olhando um para o outro.
Consigo sentir a mudança na atmosfera. Uma mudança boa, mas não quero
fazer alarde sobre isso. Talvez Zach finalmente esteja aceitando melhor tudo
isso. Ou talvez não. Talvez só queira ser legal comigo ou sei lá. Prefiro não
criar grandes expectativas para não me decepcionar depois.
“Eu tenho que ir”, ele diz, levantando-se. “Tenho que me preparar para o
leilão. Sabe como é. Ficar bonito e tal.”
Sorrio. “Você é sempre bonito. Vista um saco de batatas e as mulheres
caíram em cima de você do mesmo jeito.”
Ele gargalha, mas consigo perceber que ficou sem jeito com o meu
elogio. Zach é fofo nesse nível. “Ah, obrigado.”
“Obrigada pelo sorvete.” Eu passo a língua pelos meus lábios,
deliberadamente. “Está uma delícia.”
“Para de me provocar”, ele me repreende.
“Mas eu não fiz nada”, replico, inocentemente.
“Ah, você fez sim, sua diabinha.” Ele inclina o corpo na minha direção e
morde o meu pescoço, me fazendo dar um gritinho. “Te vejo mais tarde.”
“Quem está provocando quem agora?”
Ele sorri. Como é lindo, meu Deus. Argh. Tenho vontade de gritar, de
bater nele, agarrar ele e fazer loucuras. É desesperador o quanto é lindo.
“Vou cair fora antes que cometa uma loucura.”
“Você deveria ficar e cometer essa loucura.”
Zach ri, balançando a cabeça. “O que eu faço com você?”
Olho para ele com toda a inocência fingida que consigo. “Ora, o que
você quiser.”
Ele morde o lábio inferior, depois respira fundo, depois olha para mim,
correndo os olhos pelo meu corpo. “Não. Não, não.”
Jogo o meu travesseiro nele. “Medroso.”
Zach gargalha, pegando o travesseiro no ar e jogando de volta na cama.
“Tchau, linda.”
Encosto minhas costas na cabeceira da minha cama e passo o resto da
tarde sorrindo com o meu pote de sorvete de chocolate com menta.

***

Alyssa e eu passamos muito tempo juntas para organizar o leilão dessa


noite. Então, quando o momento finalmente chega, estamos simplesmente
felizes que tenha dado tudo certo.
O salão que Alyssa alugou para realizar o leilão está entupido de
mulheres. A maioria da nossa idade e estudantes da Duke, já que divulgamos
o evento pela universidade, mas também vejo uma mulher mais velha aqui e
ali. O que elas podem estar buscando com garotos universitários... Prefiro
nem pensar nisso.
“Não sei onde eu estava com a cabeça quando disse para o Nash que não
via problemas nisso”, comenta Eretria, olhando ao redor. “Essas garotas estão
muito eufóricas para o meu gosto.”
Dou risada.
“Não sei do que você está rindo.” Eretria bufa.
“Ela está rindo porque não é o namorado dela que vai ser vendido”,
Sophie resmunga.
“Não é porque Zach e eu não estamos juntos que eu quero ver outras
garotas caindo em cima dele.”
Sophie respira fundo. “É para a caridade”, ela enfatiza. “E eu trouxe
todo o dinheiro que encontrei.”
Eretria e eu caímos na gargalhada.
“Fiquem tranquilas. Derek e Nash amam vocês cegamente”, tranquilizo
minhas amigas. “Preciso ir para os bastidores dar uma olhadinha nos
meninos. Volto já!”
Nos bastidores, os meninos terminam de se arrumar. Chad e Friends
optaram por vestir terno — o que é cômico; Derek, Nash e Kyle estão
vestindo os uniformes do time de basquete; Zach escolheu roupas mais
simples: camiseta e calça jeans; Jeremy e Ryan estão sem camiseta, usando
apenas a bermuda do uniforme do time; Cameron e o seu amigo, Marvin,
também optaram por roupas comuns. Eu precisei chamar o Cam para
preencher os dez meninos que Alyssa precisava, já que nem todos os meninos
do time toparam participar.
“Como que tá lá fora?”, Friends quer saber. “Tá cheio de mulher pra nos
disputar?”
Eu dou risada. “Sim, está cheio de mulher para disputar por vocês.” Os
garotos comemoram. “Tarados.”
“Qual vai ser a ordem, Sav?”, Cameron me pergunta, passando o braço
pelos meus ombros e dando um beijo na minha têmpora. Vejo quando Zach
enrijece a postura e os outros garotos do time encaram Cameron como se
fossem matá-lo. Não sei se Cam tem alguma noção de perigo. Parece que
não.
Engulo o desconforto. “Ahn... Friends é o primeiro.”
Friends esfrega uma mão na outra, empolgado.
Reviro os olhos, mas dou risada. “Depois, Chad, seguido pelo Ryan,
Jeremy, Marvin, Derek, Zach, Nash, Cameron e Kyle.”
“Guarde o seu dinheiro pra mim, Sav. Tenho uma surpresa pra você”,
diz Cameron, lançando uma piscadela na minha direção antes de se afastar.
Alyssa aparece nesse momento, me salvando do clima horrível que caiu
sobre o ambiente. “Estão prontos, meninos? Nós já vamos começar.”
“Manda a ver, gata”, diz Friends, animado. “O pai tá pronto.”
Nós todos começamos a rir.
“’O pai tá pronto’?”, zomba Jeremy, sem ar de tanto rir. “Que merda,
cara.”
“Cala a boca!”
Alyssa revira os olhos e pega na mão de Friends para puxá-lo para a
passarela improvisada que montamos.
“Zach”, chamo. Ele olha para mim, mas aquela suavidade de hoje de
manhã não existe mais. “Cameron e eu... não está rolando nada.”
Ele dá de ombros. “Você não me deve satisfação, Savannah.”
“Eu sei, mas...”
“Tá tudo bem”, ele me interrompe, e se esforça muito para sorrir. “Vejo
você depois.”
Derrotada, assinto com a cabeça.
Fora dos bastidores, encontro Eretria, Sophie e Brianna dando risada da
apresentação do Friends. Ele decidiu fazer um strip-tease, começando pela
gravata do terno até estar com a camisa aberta, mostrando o corpo impecável
por baixo das camadas de roupa.
“Esse Friends...”, diz Brianna, dando risada. “Ele não perde a
oportunidade de se aparecer.”
Nós rimos mais ainda quando ele manda um beijo para a plateia
ensandecida.
“Vinte dólares!”, grita Brianna.
Eretria olha para ela. “Você quer comprar o Friends?”
Bree dá de ombros. “Eu ouvi dizer que ele estava planejando cozinhar
para a mulher que o comprar. Vocês querem que ele seja acusado de
assassinato? Porque as receitas do Friends matam.”
Sophie joga a cabeça para trás, gargalhando. “É verdade. O Derek está
sempre reclamando das gororobas que o Friends faz.”
“Quarenta dólares!”, alguém grita.
“Cinquenta!”
“Setenta dólares!”
“Noventa dólares!”
Arregalo os olhos.
Brianna se irrita. “Cem dólares!”
Alyssa, que é quem está comandando o leilão, segura o seu martelo
como se fosse uma juíza. “Oitenta dólares, dou-lhe uma, dou-lhe duas...”
“Cento e vinte dólares!”, alguém grita.
Brianna solta um gritinho irritado. “Quem é a cretina que está
bagunçando meus planos?”
“Uau! Cento e vinte dólares, dou-lhe uma...”
Brianna revira a sua bolsa atrás de mais dinheiro.
“Dou-lhe duas...”
“Rá!”, ela grita. “Cento e trinta dólares!”
Alyssa espera a outra mulher cobrir a oferta de Bree, mas isso não
acontece. “Vendido por cento e trinta dólares!”
Friends lança uma piscadela para Brianna, e ela ri. “Coitado! Ele não faz
ideia do que o espera.”
Nós todas rimos.
“Próximo!”, diz Alyssa no microfone e Chad sobe no palco.
Os lances seguem altos, sempre na faixa de cento e poucos dólares.
Chad conseguiu cento e quinze com a sua coreografia esquisita; Ryan
conseguiu cento e setenta, e eu acho que o fato de estar sem camiseta ajudou
muito nisso; assim como aconteceu com Jeremy — cento e noventa dólares
— que levou as mulheres à insanidade quando apareceu sem camiseta. Ele é
um dos mais fortes entre os meninos, então não me surpreende que as
mulheres ficaram loucas.
Marvin, o amigo de Cameron, não tem o corpo atlético dos meninos do
Blue Devils, mas conseguiu conquistar algumas admiradoras com o seu
sorriso de cafajeste. Ele conseguiu cento e dez dólares.
“Próximo!”, diz Alyssa, e Derek sobe no palco.
“Ai, meu Deus!” Sophie começa a contar o seu dinheiro enquanto as
mulheres começam a gritar com o sorriso tímido de Derek.
Derek Mackenzie tímido? Rá! Eu pensei que nunca veria uma coisa
dessas.
“Quatrocentos e setenta e cinco dólares”, grita Sophie, balançando as
notas no ar.
Derek começa a gargalhar da passarela.
Eretria gargalha descontroladamente.
“Quatrocentos e setenta e cinco dólares, dou-lhe uma, dou-lhe duas...”
Sophie fuzila as outras mulheres com os olhos. Eu não conhecia esse seu
lado. “Vendido!”
Sophie respira, aliviada, e nós gargalhamos.
“Ela nem deu chance para as mulheres abrirem os lances”, diz Brianna,
limpando as lágrimas dos olhos.
“Nós nunca devemos dar asas às cobras, amiga. Nunca!”, argumenta
Sophie, e rimos mais ainda.
Derek lança uma piscadela para a namorada e a minha amiga se derrete
inteira. Esses dois...
“Próximo!”, diz Alyssa, e o Zach sobe no palco.
Meu coração acelera quando as mulheres começam a gritar.
“Cinquenta dólares!”, alguém grita.
Eu procuro a mulher com os olhos, mas são tantas que não encontro.
“Sessenta dólares!”, outra mulher grita.
“Compre o Zach!”, digo para Eretria.
“Não posso. Meu dinheiro é para comprar o Nash.”
“Oitenta dólares!”, alguém grita.
“Por favor! Por favor!”, eu imploro.
Eretria bufa. “Cem dólares!”
“Obrigada!”
“Cento e vinte dólares”, alguém grita.
Ah, não!
Zach caminha timidamente pela passarela enquanto as mulheres gritam e
balançam notas de dinheiro no ar.
“Continua, continua”, digo para a minha amiga.
“Eu não tenho tanto dinheiro, Sav.”
“Eu sou rica, esqueceu? Mas eu prometi a ele que não iria comprá-lo.
Estamos tentando não cair em tentação.”
Brianna revira os olhos. “Vocês são malucos.”
“Cento e cinquenta dólares!”, Eretria grita.
“Duzentos dólares!”, outra mulher grita.
O QUÊ?!
Quem é a garota que está tão empenhada em comprar Zach?
“Trezentos dólares!”, grita Eretria.
Zach olha para mim, e eu sei que ele sabe o que eu estou fazendo.
Sutilmente, ele balança a cabeça de um lado para o outro, como se pedisse
que eu não fizesse isso.
O que caralhos isso significa?
“Trezentos e dez dólares!”, grita a mesma mulher de antes.
Eretria abre a boca, mas eu a impeço. “Deixa.”
“O quê?”
Apenas balanço a cabeça. “Deixa.”
“Trezentos e dez dólares, dou-lhe uma... dou-lhe duas... Vendido!”, diz
Alyssa, batendo o martelo.
Minhas amigas olham para mim, confusas.
“O que deu em você?”, Sophie quer saber.
Apenas dou de ombros.
Zach e eu terminamos, e embora tenhamos feito meio que uma promessa
de que vamos ficar juntos no final, o final ainda não chegou. Nós
continuamos confusos e perdidos um do outro, o que significa que não posso
querer monopolizá-lo. O que também significa que ele estava certo. Eu não
lhe devo nenhuma satisfação do que faço com a minha vida. Nesse momento,
a única coisa que nos liga é o nosso bebê.
“Próximo!”, diz Alyssa, e Nash sobe no palco.
“Ai, caralho!”, xinga Eretria, caçando o dinheiro dentro da sua bolsa.
“Agora você trate de me ajudar, senhora-eu-sou-rica, porque Nash costumava
ser o garanhão desse lugar.”
“Cem dólares!”, alguém grita.
“Viu?!” Eretria bufa. “Duzentos dólares!”
Nash sorri para ela.
“Trezentos dólares!”
“Trezentos e cinquenta!”
“Quatrocentos dólares!”
“Quatrocentos e dez!”
“Aaaaah!” Eretria conta o dinheiro. “Maldito Christopher! Vou matá-lo!
Por que ele tinha que ser tão popular?”
“Quatrocentos e vinte dólares!”
“Dá um lance de seiscentos”, eu digo.
Eretria me encara, cética. “Tá maluca? Isso é muito dinheiro, Sav!”
Dou de ombros. “É para a caridade. Meus pais não vão se importar. É
sério!”
Nash olha para Eretria arregalando os olhos, desesperado. Ele quer que
ela o compre, provavelmente porque sabe que as garotas podem se jogar em
cima dele. E mesmo que ele não queira nada com elas, isso não deixaria
Eretria nem um pouco feliz.
Eretria suspira. “Seiscentos dólares e...” Ela pega umas moedas. “...
trinta e seis centavos!”
Brianna gargalha.
As mulheres olham para Eretria, furiosas, mas Nash está morrendo de
dar risada. Definitivamente minhas amigas e seus namorados são os casais
mais felizes que conheço.
“Vendido!”, diz Alyssa.
Eretria grita, batendo palmas. “Obrigada, obrigada, obrigada!” Ela me
abraça, pulando.
“Próximo!”, Alyssa diz, e agora é a vez de Cameron subir no palco.
Embora nem ele e nem Marvin sejam conhecidos como os outros
meninos, as mulheres não estão ligando para nada disso. E Cameron tira o
maior proveito. Ele acena, pisca para as garotas, finge que vai começar a tirar
a camiseta e a plateia vai à loucura.
“Cinquenta dólares!”, alguém grita.
Cameron move as mãos, pedindo que aumentem o valor.
“Cem dólares!”
“Cento e dez!”
“Cento e cinquenta!”
O pessoal está realmente empenhado em gastar dinheiro, mas não posso
reclamar. Afinal de contas, quanto mais dinheiro essas mulheres gastarem,
melhor. É para a caridade.
Cameron continua pedindo mais.
“Cento e setenta e cinco!”
E então, ele olha para mim. Eu ainda não dei nenhum lance, e,
sinceramente, não tinha a intenção de dar, pois não queria provocar Zach com
isso. No entanto, ele optou por sair com outra garota, então por que eu
deveria terminar a noite sozinha?
“Duzentos dólares!”, eu grito.
Sophie olha para mim. “O que você tá fazendo?”
“Dando um lance no meu amigo.”
Minhas amigas se entreolham, e não preciso que elas digam alguma
coisa para saber que não aprovam o que eu estou fazendo. Mas não tem nada
de errado em sair com um amigo, tem? Eu não me interesso por Cameron
desse jeito, então é um encontro inofensivo. O mesmo não pode ser dito sobre
o encontro de Zach.
Cameron pede mais.
“Duzentos e vinte!”
“Duzentos e cinquenta!”
Suspiro. “Trezentos dólares!” Vejo uma mulher abrir a boca, mas eu a
interrompo. “Trezentos e cinquenta! Ah, que se dane, quatrocentos dólares!”
A mulher conta o dinheiro, mas parece que não tem o suficiente para
cobrir a minha oferta.
“Quatrocentos dólares! Dou-lhe uma, dou-lhe duas... Vendido!”
Cameron lança uma piscadela para mim.
“Você está jogando um jogo perigoso, Sav”, avisa Sophie.
“Por quê? Cam e eu somos só amigos.”
“E ele sabe disso?”, pergunta Brianna. “Ele te olha de um jeito esquisito,
Sav.”
Nego com a cabeça. “Vocês só não o conhecem, mas eu juro que o Cam
é inofensivo. Eu o conheço desde criança. Crescemos juntos.”
Minhas amigas se entreolham mais uma vez. O que elas sabem que eu
não sei? E por que essa desconfiança com o Cameron? Elas nem o conhecem
direito.
“Se você diz”, conclui Eretria.
“Temos agora o nosso último leiloado, senhoras e senhoritas!”, anuncia
Alyssa, e Kyle sobe no palco.
Brianna solta um suspiro.
“E o que foi que rolou entre vocês dois, afinal?”, eu pergunto. “Você e
Kyle pareciam felizes.”
“O Kyle é um cara incrível, mas ele queria namorar, e eu não gosto dele
desse jeito”, ela conta, envergonhada. “Quer dizer, o sexo era ótimo e ele me
tratava muito bem, mas... Não sei. Simplesmente não consegui sentir nada
além de um carinho enorme por ele. Ele entendeu, claro, porque ele é
maravilhoso, mas não ficou muito feliz, então...”
“Duzentos dólares!”, alguém grita.
Kyle arranca a camiseta do uniforme, gira no ar e joga para a plateia
ensandecida, o que faz Eretria soltar um grunhido.
“Eu não preciso ver isso”, ela resmunga.
“Trezentos dólares!”
“Trezentos e dez!”
Kyle faz uma dancinha que arranca vários gritos de aprovação.
“Trezentos e vinte e cinco dólares e setenta e cinco centavos!”
“Gostei dessa! Ela conta dos centavos”, diz Eretria, ficando na ponta dos
pés e tentando encontrar a garota que deu o lance no seu irmão.
“Dou-lhe uma, dou-lhe duas... Vendido!”, anuncia Alyssa. “Muito
obrigada a todas que participaram dessa iniciativa beneficente. Tenham
certeza de que as vinte famílias carentes que receberão esse dinheiro ficarão
muito agradecidas. Agora, aproveitem o encontro de vocês com esses homens
lindíssimos!”
17.

BABYFACE

Encontro a garota que me ganhou no leilão segurando uma plaquinha


com o meu nome. Ela é morena, baixinha, o cabelo cacheado é comprido e
bonito e ela tem um sorriso envergonhado no rosto.
Quando eu estava no palco, percebi que Savannah estava pedindo para
Eretria me comprar para tirar a chance de outras garotas. Não me entenda
mal, eu queria mesmo é ter esse encontro com Savannah, mas nós
concordamos que não seria uma boa ideia. Quando estamos juntos em um
mesmo cômodo, as faíscas podem se transformar em fogo muito rápido. E
considerando que eu não estou pronto para ser honesto com ela sobre a minha
vida, é melhor que continuemos separados.
Não menti para ela quando ficamos juntos no mês passado. Savannah é
minha namorada, e eu tenho certeza de que, não importa como ou quando,
nós vamos ficar juntos. Mas, até lá, nós precisamos nos deixar livres. É como
dizem: solte, se voltar, é seu. Eu só espero que estejamos tomando a decisão
certa.
“Oi”, a menina me cumprimenta, tímida.
“Oi.” Sorrio, tentando ser simpático.
“Parece que você é meu, essa noite”, ela diz, nervosa, mostrando a
plaquinha para mim.
“É, parece que sim.”
“Meu nome é Miley.”
“Zach.”
“Eu sei.” Ela sorri. “Ahn... você pensou em alguma coisa para essa
noite?”
“Na verdade, não. Então, se você tiver alguma coisa em mente...”
Só percebo a quantidade de precedentes que essa minha frase abre,
depois que falei. Não quero que a menina entenda que eu vou topar qualquer
coisa, porque isso não vai acontecer.
“Eu pensei de irmos patinar no gelo”, ela diz.
“Você está tentando me fazer quebrar um osso?”
Miley dá uma risadinha. “Não. Acho que o seu treinador não ficaria nem
um pouco feliz comigo se você chegasse com um osso quebrado no treino.”
Burke quebraria outro osso meu, só de raiva.
“Parece legal”, digo, por fim. “Mas não garanto que vá conseguir fazer
isso direito.”
E eu realmente sou um completo desastre patinando no gelo. Como as
pessoas consegue manter o equilibro em cima dessas coisas?
Miley me disse que era o mesmo princípio de equilíbrio que andar de
bicicleta, mas eu tenho certeza de que ela estava me enganando. Andar de
bicicleta é muito mais fácil do que isso.
“Você está indo bem, Zach”, Miley mente.
“Você mente mal.”
Ela dá risada. “Bom, pelo menos os seus ossos estão intactos.”
É... por enquanto.
Eu me desequilibro tantas vezes que fico irritado, mas Miley tem a
decência de não rir de mim. Bom, pelo menos, ela tenta não rir. Está falhando
miseravelmente nessa tarefa.
“Onde você aprendeu a patinar assim?”, pergunto, quando a vejo
deslizando pelo gelo com uma destreza que me impressiona.
“Eu fazia patinação artística”, ela conta. “Mas sofri um acidente de carro
três anos atrás e agora o meu joelho não aguenta as piruetas e a rotina pesada
de treinos. Sei que você entende isso.”
Assinto, segurando a borda da pista e ainda tentando patinar sem me
desequilibrar a cada dez segundos.
“Mas eu amo estar nesse ambiente. Patinar era a minha vida.”
“Sinto muito que você tenha tido que parar.”
Ela sorri. “Obrigada.”
Eu estava pensando em pedir para ela para irmos embora e comer
alguma coisa, mas agora que sei o quanto Miley gosta de estar aqui, penso
que não me custa nada ser legal e deixar que ela aproveite.
Embora eu não vivo pelo basquete como ela parecia viver pela
patinação, eu amo o esporte. Amo ouvir o público gritando, amo a adrenalina
e a sensação de colocar a bola dentro da cesta. Mesmo não querendo seguir
carreira, pois sou apaixonado demais pela engenharia, eu não consigo
imaginar a minha vida sem o basquete. Com certeza sempre vou jogar e
sempre vou estar por dentro dos jogos da NBA.
Como se adivinhasse no que eu estou pensando, Miley me pergunta:
“Você pretende seguir carreira no basquete?”
“Não. A rotina dos jogadores profissionais não me atraí nem um pouco”,
admito. “Eu amo o esporte e acho que sempre vou jogar, mas pensar em
viajar de um lado para o outro o tempo inteiro, não ter um lugar fixo, a fama
e tudo que engloba ser um jogador da liga... Sei lá, simplesmente não me
atraí. E eu sou apaixonado por engenharia, que é no que vou me formar.”
“Engraçado você dizer isso, pois a maioria das pessoas busca fama, de
uma forma ou de outra.”
Dou de ombros e me desequilibro, porque solto a maldita borda, mas
consigo me recompor antes que Miley precise me segurar.
“Eu sou um cara simples. Fama nunca me interessou.”
“Mas você é um dos caras mais populares da Duke. Todo mundo sabe
quem é o Babyface.”
Dou risada. Ela ainda não tinha me chamado pelo meu apelido. “Pois é,
mas eu não busquei isso. Sou popular só porque estou no time. Os atletas
tendem a ser conhecidos na faculdade, assim como são nas escolas. Aposto
que você sabe o nome de alguns dos caras do time de futebol americano ou
da galera de natação.”
Miley confirma com a cabeça. “Acho que você está certo.”
Nós ficamos alguns minutos em silêncio. Acho que finalmente estou
começando a pegar o jeito desse negócio.
“Preciso te confessar uma coisa”, anuncia Miley. “Eu sou a fim de você
desde o ano passado. Não sei se você vai se lembrar, mas você me salvou de
um cara babaca em uma festa na Kappa Kappa Gamma.”
Olho para Miley e tento encontrar o rosto dela em algum lugar nas
minhas memórias, mas não tenho nada. “Foi mal, eu não me lembro. Eu
quase sempre estou bêbado nessas festas de fraternidade, mas fico feliz de
saber que te ajudei.”
“Pois é. Eu tentei me aproximar de você depois disso, mas você sempre
estava com a Savannah, então... Bom, acho que o que eu estou tentando dizer
é que eu fiquei sabendo que vocês dois não estão mais juntos.”
Eu me preparei para esse momento, caso ele chegasse. Não tenho a
intenção de ficar com Miley, mas também não vou ser um babaca. Não faz o
meu estilo.
“Miley, eu fico lisonjeado e... e você é linda, não me entenda mal, mas
isso não...”
“Shhh...” Miley vem para cima de mim tão rápido que não tenho tempo
de afastá-la. “Não fala nada.” Ela segura o meu rosto entre as suas mãos, mas,
para a minha sorte, eu sou mais alto, então ela realmente vai ter que me
escalar se quiser chegar aos meus lábios.
Tento me equilibrar nas merdas dos patins e ainda afastá-la de mim, mas
estou achando que vou cair se tentar empurrá-la. E, se eu cair, vou perder
completamente a vantagem da altura que tenho agora.
“Miley, eu não quero ser grosso com você, então não força a barra.”
“Mas você e a Savannah estão separados, você acabou de dizer que sou
linda... O que te impede de ficar comigo?”
Entendo que, na cabeça dela, essa explicação faz muito sentido, mas
Miley não faz ideia do que Savannah e eu temos. Pelo visto, também não
sabe sobre a gravidez dela.
“Você está certa. Tecnicamente, nada me impede, mas eu sou
apaixonado pela Savannah. Ela é a única mulher que eu quero.”
“Não tô pedindo você em casamento, Zach.” Ela sorri como uma felina.
Para onde foi toda aquela timidez do começo do encontro? “Eu só tô
propondo uma noite. Ou você vai me dizer que eu não deixo você com
tesão.”
Ela passa a língua pelos lábios, deliberadamente.
Caralho. Onde foi que eu me meti?
“Miley, não vou transar com você”, afirmo, resoluto. “Ou você sai de
cima de mim ou vou fazer você sair.”
Por alguns segundos, eu apenas a encaro, deixando claro que estou
falando sério. Por fim, acho que ela entende que não vai conseguir nada
comigo e se afasta.
“Suponho que ninguém perca nada por tentar, não é mesmo?”
Miley pisca para mim e volta a patinar como se nada tivesse acontecido.
Eu, por outro lado, continuo parado, agarrado a borda do rinque.
Deveria ter deixado Eretria me comprar no maldito leilão.
18.

SAVANNAH

Cameron me leva até o Sarah P. Duke Gardens, onde um piquenique


com algumas velas nos espera. O clima é tão romântico que me deixa
encantada ao pensar no empenho dele para fazer tudo isso, mas, por outro
lado, foi aqui que Zach me pediu em namoro e isso contribui para o meu
desconforto de uma forma que não consigo disfarçar.
Estou tão confusa.
Às vezes, acho que o que Zach e eu estamos fazendo é loucura. Nós
somos apaixonados um pelo outro e estamos voluntariamente nos mantendo
separados. Há momentos em que tudo isso faz sentido, mas há outros
momentos que nem consigo me lembrar porque estamos fazendo isso.
“Você não gostou”, observa Cameron, chateado.
“Não, não é isso. Eu amei. É lindo.”
“Então por que você está com essa carinha?”
Consigo ouvir a voz de Zach e das minhas amigas na minha cabeça,
dizendo que Cameron pode ter sentimentos amorosos por mim. Eu realmente
não acreditava nisso até esse momento, mas vendo o clima romântico que ele
criou para essa noite, fico me perguntando se eles não estão certos no final
das contas.
“Cameron, o que tudo isso significa?”
“Vamos sentar.” Ele segura a minha mão e me guia até a toalha
quadriculada que está sobre a grama. Nós nos acomodamos e Cameron
continua segurando a minha mão. “Eu quis fazer uma coisa legal pra você. Eu
sei que você está chateada com tudo o que está rolando com o Zach, então eu
achei que uma noite tranquila, em um clima leve, com o seu melhor amigo de
infância” Ele sorri “seria exatamente o que você precisa.”
Respiro aliviada. Achei que Cameron estava com a intenção de se
declarar para mim ou coisa parecida. Eu realmente não estou preparada para
essa conversa. Na verdade, eu nem quero que essa conversa exista.
“Isso é muito legal da sua parte, Cam.”
O sorriso dele se expande. “Que bom que você gostou. Olha, eu comprei
geleia de framboesa, espero que você ainda goste disso, e tem bolo de laranja
caseiro que eu fiz, mas... seja legal comigo, tá legal? Eu não sou o melhor
cozinheiro.”
Dou uma risadinha. “Parece delicioso. E, sim, eu ainda amo geleia de
framboesa.”
Cameron faz um sanduiche com geleia de framboesa para mim e um
para ele e nós damos início ao nosso piquenique. Ignoro as frutas e as
torradas e me concentro na geleia de framboesa e no bolo de laranja — que
está muito gostoso. Bebo dois copos de suco de melancia, que eu também
amo, e deixo que Cameron dê conta do resto. Embora esteja comendo por
dois, não consigo comer tanto assim.
Quando éramos crianças, Cameron e eu costumávamos fazer
piqueniques na área da piscina da minha casa ou da casa dele — antes dos
seus pais se separarem e ele se mudar para Washington. De repente, me sinto
de novo com dez anos de idade, sentada sobre uma toalha quadriculada,
comendo coisas gostosas e jogando conversa fora com o meu melhor amigo.
É verdade que Cameron e eu, devido às circunstâncias, ainda não temos
a ligação que costumávamos ter. Eretria e Sophie são minhas melhores
amigas agora, mas acho que uma parte de mim sempre terá Cam como
melhor amigo.
“No que você está pensando?”, ele quer saber.
Sorrio. “Na nossa infância.”
“Nós nos divertíamos muito, né?” Ele ri. “Lembra aquela vez que
enterramos o corpo da minha mãe na areia da praia enquanto ela estava
tirando um cochilo?”
Começo a dar risada. “Ah, meu Deus! Eu não me lembrava mais disso!
Sua mãe quase matou a gente.”
“E nós tivemos que correr até a sua casa e buscar abrigo no seu quarto.
Lembra que ficamos trancados lá o resto do dia?”
Rio. “Nós nos achávamos muito rebeldes naquela época.”
“Acho que eu era uma má influência pra você”, ele ri.
“Com toda a certeza você era.”
Cameron sorri para mim, mas é um sorriso diferente. Ele me olha de
uma maneira profunda, como se quisesse encontrar e conhecer todos os meus
segredos.
“Sav”, ele sussurra, mas seu raciocínio é interrompido por um toque de
celular.
Saio do transe.
Graças a Deus.
“Pode atender”, digo, quando percebo que não é o meu celular que está
tocando.
Cameron puxa o celular do bolso dianteiro da calça, e eu juro por Deus
que seu rosto fica branco. “Ahn... me dá só um minuto, Sav. Eu já volto.”
Ele se levanta e se afasta para atender. Aproveito esse tempo sozinha
para dar uma olhada no meu próprio celular.
Nenhuma mensagem.
Sei que eu não deveria fazer o que estou pensando em fazer. Mandar
uma mensagem para o Zach e saber como está sendo o encontro dele é
errado. Principalmente se levarmos em consideração o tipo de encontro que
eu estou tendo. Se Zach aparecesse aqui agora, entenderia tudo errado. O
clima romântico não iria deixá-lo feliz. No entanto, Cameron é só meu
amigo, já a garota — seja lá quem ela for — que o comprou no leilão, com
certeza não é amiga dele.
Respiro fundo e digito a mensagem, me amaldiçoando internamente por
simplesmente não conseguir ficar longe dele.
Como cheguei a esse ponto? Eu nem queria namorar. Disse isso ao Zach
inúmeras vezes antes de finalmente concordar. Estava muito bem solteira, só
transando com ele quando nos encontrávamos — o que acontecia com muita
frequência. Como eu fui disso para estar completamente cega e apaixonada
por esse cara? Dizem que eu lancei um feitiço nele, mas estou começando a
achar que foi o contrário.

Eu: Oi. Aproveitando o encontro?

Encaro a mensagem. Estou sendo uma ex-namorada possessiva? Acho


que sim.
Espero. E espero mais um pouco. Quando fica claro que Zach não vai
me responder, bufo e guardo o celular de volta no bolso da calça. Ele deve
estar aproveitando muito o encontro com a garota misteriosa. Será que é a
mesma garota com quem Cameron o viu? Será que realmente existiu aquela
garota?
É estranho pensar nesse assunto. Quando Cameron me contou, eu senti
meu coração se partir em centenas de pedaços, mas Zach também parecia
estar falando a verdade quando eu o confrontei. E depois teve o nosso
momento na enfermaria das instalações atléticas. Foi tão perfeito que nem
parecia que estávamos separados.
O ponto é que, se eu realmente acreditasse que ele estava com uma
garota, eu tenho certeza de que não teria ficado numa boa tão depressa, e com
certeza não teria transado com ele naquele dia. Então, isso me leva a crer que
talvez Cameron tenha entendido errado o que viu. Não acho que ele mentiria
para mim, então essa é a única explicação que faz sentido na minha cabeça.
Isso tudo significa que talvez — só talvez — Zach e eu possamos
resolver as coisas mais cedo do que eu estava esperando.
É isso.
Antes desse dia acabar, eu vou até a sua casa e vou dizer a ele que o
amo, que o quero do meu lado e que podemos resolver seja lá qual seja o
medo dele em relação a ser pai, pois está óbvio que ainda tem alguma coisa
envolvendo esse assunto.
“Sav, me desculpa, mas preciso ir”, diz Cameron, me dando um susto
com a aparição repentina.
Eu me levanto. “Está tudo bem?”
“Sim, tudo bem.”
“Não, não está. Você está tremendo, Cam. O que aconteceu? Quem era
no telefone?” Eu o encaro. “Ah, meu Deus, aconteceu alguma coisa com a
sua mãe?”
Ele nega com a cabeça. “Não. Ainda bem. É... outra coisa. Eu... Merda.”
Me aproximo dele e seguro a sua mão. “Cam, o que foi? Pode me
contar. Somos amigos, não somos?”
Como se de repente estivesse sendo perseguido, Cameron olha de um
lado para o outro, como se quisesse garantir que ninguém está nos ouvindo
ou nos vendo ali. “Eu tô... devendo uma grana para uns caras.”
Meu corpo fica rígido. “Que caras?”
“Agiotas.”
Arregalo os olhos. “Você pegou dinheiro com agiota? Por quê?”, exijo
saber, exaspera. “Sua família tem dinheiro, para que você precisou pegar
dinheiro emprestado?”
Cameron suspira, de repente parecendo cansado demais. “Depois que
meu pai se casou de novo, ele meio que me deixou de lado. Eu só fui morar
com ele porque Georgetown sempre foi o meu sonho de universidade, então
era mais cômodo morar com o meu pai. Enfim, eu sou viciado em apostas.
Qualquer tipo de aposta, em jogos, em corridas, qualquer coisa. E como meu
pai não me dava dinheiro, eu precisei pedir emprestado. Não quis pegar o
dinheiro da minha mãe porque... bom, meio óbvio né, ela não está bem, e eu
não quero contribuir para deixá-la pior.”
Passo a mão pelo cabelo, chocada. “Eu pensei que você tinha direito à
sua poupança.”
“Só vou ter acesso a esse dinheiro quando terminar a faculdade.”
“Quanto você está devendo?”
Cameron me encara. “Vinte e dois mil dólares.”
Meu queixo cai. “Puta merda! Vinte e dois mil dólares? Cameron, você
está de brincadeira? Como você deixou chegar nesse ponto?”
“Eu não tenho tempo de explicar agora. Preciso encontrar os caras e dar
uma satisfação.”
Sinto um calafrio percorrer a minha espinha ao pensar no tamanho do
problema que Cameron está metido e, principalmente, pensar no que pode
acontecer com ele, se for encontrar esses caras.
“Eu vou com você.”
“Nem fodendo.”
“Cameron.”
“Savannah, você não vai. Ponto final”, a firmeza na sua voz me faz
recuar. “Vou te deixar em casa.”
Pelo jeito, não vou conseguir convencê-lo e seria muita burrice da minha
parte tentar segui-lo. Posso acabar me metendo em uma confusão enorme.
Sem contar o quanto isso é perigoso. Mas que tipo de amiga eu sou se deixá-
lo ir sozinho?
Vou precisar encontrar uma forma de ajudar Cameron. É isso o que uma
verdadeira amiga faria. Não é?

***

“Vocês estão com uma cara esquisita”, digo a Sophie e Eretria. Nós três
estamos sentadas na ilha da cozinha, tomando o café da manhã que Soph
preparou e que consiste em panquecas. Sophie ama panquecas.
Minhas amigas se entreolham e isso basta para me dizer que elas sabem
de alguma coisa que eu não sei.
“Desembuchem!”, ordeno, impaciente.
Eretria suspira. Com o diálogo interno das duas, parece que ela foi eleita
para me contar o que está acontecendo. “Criaram uma hashtag no Instagram
para registrar os encontros de ontem à noite”, ela começa, apreensiva. “Eu
estava dando uma olhada por pura curiosidade e encontrei... uma foto do
Babyface... com a garota que comprou ele no leilão.”
O pedaço de panqueca que eu estava mastigando quase fica entalado na
minha garganta quando eu engulo em seco.
“Me mostra!”
Eretria desliza o seu celular pelo granito da ilha, e eu o seguro, tentando
disfarçar as mãos trêmulas.
Que não seja nada demais. Que não seja nada demais.
Mas lá está.
Zach está encostado na borda de proteção de um rinque de patinação no
gelo e tem uma garota de cabelos cacheados parada na frente dele, segurando
o seu rosto entre as mãos. Ele está com as mãos na cintura dela e os dois
estão pertos o suficiente para que dê para adivinhar o que aconteceu logo
depois que essa foto foi tirada.
Realmente existe outra garota. Cameron não estava mentindo ou
entendeu errado. Zach realmente está com outra garota. Como eu pude ser tão
burra assim? Como pude cair naquele papinho romântico de “nós vamos ficar
juntos no final”?
As lágrimas enchem os meus olhos, exigindo toda a minha força de
vontade para não iniciar um choro descontrolado.
Zach mentiu para mim. Ele olhou nos meus olhos e disse que não tinha
outra garota.
“Sav”, Sophie me chama, com gentileza.
Pego meu celular, tiro uma foto da tela do celular de Sophie — pois não
quero ter o trabalho de procurar a foto no Instagram — e pulo para fora da
banqueta da ilha. Pego a chave do meu carro e saio de casa sem falar
qualquer coisa.
O percurso de carro leva cerca de cinco minutos, mas eu consigo fazer
em dois. Estaciono o carro de qualquer jeito na entrada da garagem e
praticamente invado a casa dos garotos. Estou tão transtornada que nem me
lembro que deveria bater na porta ou tocar a campainha.
“Savannah?” Jeremy franze o cenho ao me ver. Ele está sentado no sofá
ao lado de Ryan, que parou com um garfo de cereais e leite a caminho da
boca.
“Cadê o Zach?”
“No quarto”, responde Ryan, apreensivo.
Ignoro os olhares confusos dos garotos e subo a escada com uma rapidez
que não deveria, mas não consigo me conter. Estou furiosa, magoada e me
sentindo traída.
Assim como invadi a casa, invado o quarto de Zach, encontrando-o só
de bermuda, sentado na escrivaninha com o laptop ligado. Seu peito está nu,
mas eu mantenho meus olhos presos aos dele. Nem a sua beleza estupenda
vai ser capaz de me dobrar agora.
Zach olha para mim, confuso. “Savannah?”
Eu avanço na direção dele e começo a bater em seu peito, mas não tenho
força o suficiente para fazer isso do jeito que eu gostaria. Me sinto fraca
demais, apesar de estar queimando de ódio por dentro.
“Ei, ei, para com isso!” Zach se levanta e imobiliza os meus braços,
segurando meus pulsos. “Para!”
“Você é um mentiroso, Zach Bradley! Você é o pior tipo de canalha que
existe!”
Tento me soltar de seus braços fortes, mas não consigo.
“Do que você tá falando?”, ele pergunta, exasperado. “Quer parar de se
debater? Você não deveria estar alterada desse jeito. A médica mandou você
ficar de repouso.”
“Para o inferno com o repouso!”, eu grito. “Me larga!”
“Então se acalma!” Ele continua me segurando. “Se acalma e eu te
solto.”
Começo a chorar. Sou totalmente tomada pelos malditos hormônios. E
quando não pareço mais uma ameaça, Zach finalmente me solta. Mas sinto
minhas pernas trêmulas e acho que Zach percebe também, pois ele puxa a
cadeira da sua escrivaninha para que eu me sente.
“Me explica o que aconteceu, raio de sol.”
“Não me chama assim”, eu rosno, pegando o meu celular do bolso da
calça e virando a tela para ele. “O que é isso, Zach? Que merda é essa?”
Ele pega o celular da minha mão e encara a tela. “Savannah, eu posso
explicar.”
Rio com deboche. “O início do discurso de todo o traidor.” As lágrimas
insistem em cair dos meus olhos. “Você olhou nos meus olhos e disse que
Cameron estava mentindo, que não tinha garota nenhuma. Você olhou nos
meus olhos e mentiu pra mim.”
“Não menti! Não aconteceu nada! Ela queria, ela tentou, mas eu disse
que não, disse que ainda sou apaixonado por você e que você é a única
mulher que eu quero!”
“Não acredito em você. Primeiro, você não quis o bebê; depois, você
transou comigo e disse que era melhor que continuássemos separados e
quando eu pedi para a Eretria comprar você no leilão, você fez que não com a
cabeça. Por quê? Você queria sair com ela? Ela é a mesma garota com quem
Cameron te viu ou essa já é outra?”
Zach exala. É impressionante como ele finge bem, pois eu consigo sentir
a decepção que ele emana. Não é à toa que eu caí feito um patinho em tudo o
que ele me disse. Não acredito que eu vou ter um bebê com esse cara.
“Sabe, eu nunca achei que você fosse tão ingênua. Você não se toca de
que nossos problemas começaram quando esse Cameron apareceu? Ele está
envenenando você contra mim, Savannah! Ele não vale nada!”
“Nossos problemas começaram quando eu te contei sobre a gravidez e
você não quis assumir. Cameron não tem nada a ver com isso.”
“Para de defender esse babaca!”, ele grita.
Eu me levanto da cadeira. “Você é o único babaca aqui. Não precisa se
dar ao trabalho de ir ao ultrassom na semana que vem. Eu não quero te ver.
Eu e você... acabou, Zach. E não se preocupe, eu e o meu bebê ficaremos
ótimos sem você.”
Empurro Zach para tirá-lo do meu caminho, mas ele me segura pelo
braço, me impedindo.
“Me escuta!”
“Não!”, eu grito, tentando me soltar dele. “Eu queria nunca ter te
conhecido!”
“Não fala isso.”
“Eu queria nunca ter me apaixonado por você!”
“Para!”
“Eu estava mais feliz sem você! E meu bebê com certeza vai estar mais
feliz sem você!”
Sem que eu precise pedir novamente, Zach me solta. Agora é ele quem
parece fraco demais. Eu consigo sentir o gosto amargo das palavras na minha
boca, mas meu coração despedaçado me impede de sentir qualquer pena dele.
Ele nem ao menos merece que eu tenha pena. Fui eu quem foi traída.
“Eu nunca mais quero te ver. Fica longe de mim”, ordeno.
E saio do quarto, mantendo a pose de durona, mas completamente
destruída por dentro.
19.

BABYFACE

“Levantem os braços!”, Burke grita. “Nash, posse de bola!”


Jeremy passa a bola para mim, e eu atravesso a quadra tendo a cesta
como meu alvo, mas Kyle bloqueia o meu caminho. Tento joga o corpo para
cima dele e abrir espaço, mas ele consegue me segurar. Lanço a bola por
cima da cabeça dele, tentando uma cesta de três pontos, mas a bola bate no
aro e cai para fora.
“Bradley! Passa essa droga de bola. O Chandler estava livre”, Burke
grita.
É muito estranho ouvir o treinador chamando o Friends pelo sobrenome
dele, mas não faço esse comentário. Não sei o que deu no Burke hoje, mas
ele parece mais irritado com os nossos erros do que de costume.
O treino corre na base dos gritos, mas isso não é necessariamente uma
novidade. Burke vive para gritar com a gente. Mesmo quando parece que
estamos fazendo tudo certo. Mas acho que é de praxe. Todo o treinador de
ensino primário, médio e de universidade grita com seus jogadores. Mas não
vejo nenhum treinador da liga berrar desse jeito. Vai entender...
“Tá legal! Por hoje chega!”, diz Burke.
Nós nos reunimos em volta dele, suados e ofegantes, esperando o
castigo dos suicídios, que sempre acontece quando ele acha que jogamos mal.
“Chuveiro!”
Nós nos entreolhamos. Nada de castigo hoje?
“Está esperando o que?”, ele grita. “Chuveiro!”
Os caras se apressam, seguindo pelo corredor que leva até os vestiários.
Ninguém é burro o suficiente para perguntar qual é o problema do Burke hoje
e ninguém está triste pela falta de castigo, só é estranho ele não existir, já que
Burke parecia realmente insatisfeito com o treino de hoje.
“O que deu nele?”, Friends pergunta.
Kyle dá de ombros. “Quem é que sabe? Mas eu com certeza não estou
achando ruim a falta dos suicídios.”
Nós todos concordamos com a cabeça.
“Babyface”, Derek me chama “o que você tá fazendo aqui ainda, cara?”
Franzo o cenho. “Como assim?”
“A Soph me contou que é hoje que a Sav vai ficar sabendo o sexo do
bebê. Pensei que você estaria com ela.”
Suspiro. “Ela mandou que eu não fosse. Está achando que eu fiquei com
outra garota no dia do leilão.”
“Soph me falou disso também. Mas, cara, a Soph acha que se você não
for, a Sav pode achar que você realmente é culpado de alguma coisa. Parece
que as mulheres as vezes dizem uma coisa querendo dizer outra.” Derek
passa a mão nos cabelos. “Elas são um pouco confusas.”
Pondero. “A Soph disse isso?”
Derek confirma com a cabeça.
“Por que elas simplesmente não dizem o que realmente querem dizer?
Como eu ia saber que no fundo ela ainda pode querer que eu vá?”
Derek dá de ombros. “Mulheres, cara. Mulheres.”
Pego meu celular de dentro do meu armário no vestiário. São uma e
quarenta e dois da tarde e o ultrassom da Sav está marcado para as duas e
quinze, o que significa que eu tenho que correr.
“Posso pegar seu carro emprestado?”, pergunto.
“Claro. O Nash me dá um carona.” Derek pega a chave da caminhonete
no armário e me entrega.
“Valeu, D. Agradece a Soph por mim.”
“Tomara que seja um moleque.” Ele dá um tapinha no meu ombro antes
de se afastar.
Não pensei muito no assunto do sexo do bebê, mas, de repente, me pego
torcendo para realmente ser um menino. Seria legal poder ensinar basquete
para ele e... E o que eu estou pensando? Não nasci pra ser pai, pra tomar
conta das pessoas e ser responsável nesse ponto.
Balanço a cabeça para me livrar das memórias que começam a emergir.
Não, não, não. Eu passei muito tempo enterrando essas lembranças. Não vou
deixar que elas me destruam agora.
Mas, bom, acho que não tem problema se eu estiver ao lado da
Savannah quando ela descobrir o sexo do bebê, não é? Só para eu poder
matar a curiosidade.
Tomo o banho mais rápido da minha vida, troco de roupa e saio em
disparada para o hospital. A doutora Akira é quem está tomando conta de
todos os exames do pré-natal desde que passamos lá no mês passado. A
conveniência de localização é ótima, pois o hospital fica muito perto do
campus.
Na recepção, falo o nome de Savannah para a enfermeira e ela me
direciona para a sala onde a minha namorada está.
“Obrigado”, digo a enfermeira, quando ela me indica a porta.
Solto o ar dos pulmões e reúno a coragem para abrir a porta. Não faço
ideia de como Savannah vai me receber e não quero ser responsável por
deixá-la nervosa mais uma vez. Às vezes, sinto que, ao invés de ajudá-la, eu
só a estou atrapalhando.
“Com licença”, eu digo, abrindo a porta devagar e entrando na pequena
sala de ultrassom.
Savannah está deitada na maca, com a blusa levantada para deixar a
barriga à mostra e com os olhos mais cansados do que eu já tenha visto antes.
Será que ela não está dormindo direito?
“Você veio”, ela sussurra.
Seus olhos cor de âmbar se enchem de lágrimas, o que me deixa saber
que, embora esteja irritada e desconfiando de mim, ela realmente esperava
que eu fosse aparecer. Ela realmente me queria aqui. E é por isso que eu sei
que ela me ama. Mesmo que não tenha dito ainda, mesmo que esteja irritada
e desacreditada de mim... Ela me ama e, no final das contas, isso é tudo o que
me importa.
Que se foda o Cameron e as mentiras dele; que se foda tudo. Savannah é
o meu mundo inteiro, e eu vou lutar por ela até que não haja nem um
resquício de dúvida no seu coração sobre o quanto eu a amo.
“É claro que eu vim.” Sorrio para ela e me sento na cadeira ao lado da
maca. “A revelação já foi feita?”
Savannah faz que não com a cabeça.
“Bom, agora que o pai chegou, podemos dar início.” A doutora Akira
sorri. “Vocês querem realmente saber ou preferem descobrir no parto?”
Savannah olha para mim rapidamente. “Eu quero saber.”
Mesmo que eu quisesse que fosse uma surpresa, parece que não tenho o
direito de decidir nada, considerando tudo.
“Eu também quero saber”, digo, quando a doutora olha para mim,
querendo saber minha opinião.
“Muito bem. Vamos lá, então.”
A doutora coloca aquele gel na barriga de Savannah e começa a mexer o
cursor pela pele dela. As imagens na tela são difíceis de entender, então eu
nem tento, embora mantenha os olhos cravados ali, prestando atenção em
qualquer sinal meramente inteligível.
“Estão vendo isso aqui?” A doutora aponta para a tela.
Semicerro os olhos para tentar entender o que ela está nos mostrando e
vejo Savannah fazendo a mesma coisa.
“É um menino”, anuncia a médica.
Savannah olha pra mim, e eu seguro a mão dela, levando-a até os meus
lábios para dar um beijo. “Um menino, Zach. É um menino.”
Sorrio, e sinto meus olhos queimando um pouco. Eu estou prestes a
chorar? “Um menino! Caramba!”
“Parabéns!” A doutora sorri.
Puta que pariu, eu vou ter um filho.
Savannah e a doutora Akira ficam mais alguns minutos conversando
sobre os próximos exames que devem ser feitos, e, enquanto isso, eu fico
andando de um lado para o outro no corredor, do lado de fora da sala.
Um menino.
Um pai normal e amoroso estaria pulando de alegria, mas eu? Bom, não
estou triste com a revelação. Eu estava torcendo para ser um menino, mas sei
que também teria gostado se fosse uma menina. Sei lá. O que eu sei é que não
deveria estar me sentindo assim tão... distante, com relação a essa notícia. Eu
deveria estar ligando para os caras, para Kait e para os meus pais, mas a
minha família nem sequer sabe que Savannah está grávida. Com exceção de
Kait, duvido que qualquer um deles se importe.
Do lado de fora do hospital, depois que Savannah finalmente saiu da
sala, nós nos sentamos em um banquinho de ferro e ficamos em silêncio. Não
sabemos mais como agir ao lado um do outro e isso é uma merda. Tenho
medo de dizer alguma coisa e ela começar a brigar comigo. Sinceramente,
não sei se aguento ouvir mais uma vez essa maldita história sobre eu estar
saindo com outra garota.
“Quer carona?”, ela pergunta, quebrando o silêncio.
“Vim com a caminhonete do D, mas obrigado.”
Ela assente, depois suspira. “Obrigada por ter vindo. Sei que disse pra
você não vir, mas... que bom que veio.”
Preciso agradecer a Sophie por desvendar a Savannah por mim e ao
Derek por me contar.
“Gostei de ter vindo.” Tento sorrir naturalmente, mas acho que não fui
bem sucedido. “Os caras vão ficar malucos por ser um menino.”
“As meninas estavam apostando em uma menina.”
“E o que você queria? Menino ou menina?”
Savannah dá de ombros. “Estava tentando não pensar muito a respeito
disso. Li na internet que tem casos de mães que ficam deprimidas quando o
sexo do bebê não é o que elas esperavam.”
“Você está feliz por ser um menino?”
Ela olha para mim. “Ele será um mini você, e isso sempre me fará
lembrar o primeiro cara por quem me apaixonei de verdade.” Savannah
desvia os olhos de mim. “Mas também vai me lembrar de todas as coisas que
você fez que partiram meu coração.”
E aqui vamos nós de novo.
Se ela soubesse o quanto parte o meu coração ouvi-la duvidando de
mim desse jeito, talvez pensasse melhor em tudo o que está acontecendo à
sua volta; talvez ela percebesse o verdadeiro problema entre nós.
“Eu não costumo ser uma pessoa emocional assim, sabe. Quando a Jenni
mentiu sobre estar dormindo com o Derek, para separar ele e a Soph no ano
passado, eu analisei a situação friamente. Conversei com ela, quando fomos
para a minha casa no Natal, e mostrei os pontos que poderiam ser falhos na
história que a Jenni contou.” Savannah suspira. “Tentei fazer o mesmo com
você, Zach. Tentei olhar por outros ângulos, mas nada parece favorecer a sua
versão.”
Antes de abrir a boca para falar, tento me colocar no lugar dela e pensar
nas informações que ela tem. A minha recusa referente à sua gravidez, a
mentira de Cameron, mais uma recusa minha para que ela não me comprasse
no leilão e a maldita foto, que até agora eu não descobri quem foi que tirou.
Com certeza não foi Cameron, pois ele estava com a Savannah, mas isso não
impede que ele tenha pedido para alguém me seguir. Na verdade, toda essa
porra de história com a Miley pode ter sido obra dele. A essa altura, eu não
me surpreenderia se realmente fosse.
“Eu não vou me defender, porque se fosse para você acreditar em mim,
já teria feito isso. O que eu quero saber é: nós ainda vamos ficar juntos no
final? Você continua acreditando nisso?”
Savannah olha para mim de novo. Dessa vez, seus olhos estão cheios de
lágrimas. Tenho a impressão de que ela está sempre chorando ou quase
chorando quando está comigo, e eu odeio isso.
“Eu não sei.”
Olho de volta para ela. Consigo ver a mágoa nos seus olhos e o quanto
ela está se esforçando para ter essa conversa comigo. Por hora, a única coisa
que eu posso fazer para ajudá-la é me afastar.
Não, não estou desistindo. Mas se ficar longe de mim é o que ela precisa
nesse momento, se isso vai ajudar para que ela fique mais tranquila, e dessa
forma evitando que algo aconteça com ela ou com o bebê, então é isso que eu
farei.
20.

BABYFACE

Outubro

“Nem acredito que meu aniversário está chegando de novo”, diz Nash,
enquanto Kyle e eu tentamos matar um ao outro no Call of Duty.
Kyle encontra o meu esconderijo e mata o meu bonequinho com um tiro
na cabeça.
“Filho da puta!”, eu xingo.
Kyle dá risada. “Você é ruim demais nesse jogo, cara.”
“Eu tô destreinado. É diferente.”
Nós começamos uma nova rodada.
“Vai fazer o que no seu aniversário, Nash?”, Jeremy quer saber.
É domingo. Nós acordamos às cinco horas da manhã para treinar e
agora, às nove horas, estamos ligados demais para voltar a dormir. Mas isso
não vai durar muito tempo. Normalmente, todo mundo tenta tirar uma soneca
no meio da tarde, que é quando o cansaço costuma bater.
O próximo jogo da temporada é na terça-feira da semana que vem e os
nervos estão à flor da pele. Nosso adversário é o Boston College, ou seja, o
time do filho da puta que tentou estuprar a Sophie. Nem preciso dizer que
Derek está tenso. Na verdade, o time inteiro está tenso, inclusive o Burke.
Nós sabemos que precisamos evitar brigar esse ano, mas Owen Montgomery
é sinônimo de encrenca.
O que nos consola, e à Sophie também, é que esse ano é o último ano do
Owen na faculdade. Infelizmente — ou felizmente —, Montgomery tem a
nossa idade. Isso significa que essa deve ser a última vez que qualquer um de
nós precisa cruzar com ele. Eu realmente espero que essa seja a última vez
que a Sophie cruza com ele.
“Estava pensando em fazer outra festa aqui em casa”, responde Nash.
“Considerando que no ano passado eu descolei a maior gostosa, acho que
outra festa daquela pode me dar sorte.”
Kyle revira os olhos, resignado. Ele já aceitou o relacionamento do Nash
com a Eretria, mas odeia precisar ouvir detalhes sobre a vida dos dois. Eu
diria que o Nash faz de propósito para irritar o cara.
“Paige vai ficar louca”, comenta Friends, da cozinha. Ele está
cozinhando alguma coisa, o que é um mau sinal. Ele voltou das férias
dizendo que quer se tornar chef de cozinha. Nem preciso dizer o quanto eu ri
da cara dele quando ele me contou.
Assim como eu, Friends não tem a intenção de seguir carreira
profissional no basquete, embora também seja apaixonado pelo esporte. Para
o desespero do mundo, eu realmente estou achando que ele pode acabar como
cozinheiro de algum restaurante, onde o dono seja maluco o suficiente para
contratá-lo.
Mas, ei, se meu melhor amigo quer ser cozinheiro, meu papel é apoiar,
certo? Mesmo querendo rir muito disso.
“Pode deixar que eu me entendo com a proprietária depois”, replica
Nash. “Apenas deixem o banheiro livre pra mim.”
Kyle solta um grunhido. “Eu já entendi, tá legal? Inferno! Eu não
preciso saber onde, quando e como você transa com a minha irmã.”
Nash gargalha. “É tão bom saber que vou ser seu cunhado para o resto
da vida.”
“Se Deus quiser, não vai. A Tria tem que cair na real que você é o maior
otário que esse mundo já viu.”
Aproveito que Kyle está distraído com o Nash e mato o bonequinho
dele. “Rá! O que eu disse? Eu só estava destreinado.”
“Nunca!”, Nash responde para o Kyle. “Daqui alguns anos, vamos ter
um mini Nash para te chamar de titio.”
Kyle estremece. “Acho que prefiro uma mini Eretria a um mini Nash.”
Esse assunto me faz lembrar uma coisa.
“É um menino”, eu digo, de repente.
Friends sai da cozinha e me encara. Jeremy até abriu o olho para
acompanhar a conversa — normalmente ele é o primeiro a dormir. Nash e
Kyle estão paralisados também.
“Vou ter um filho”, reforço.
“Puta que pariu!”, grita Friends.
“Ele vai ser o terror do maternal”, diz Nash.
“Nós vamos ensinar tudo de basquete pra ele.” Jeremy.
“O moleque vai ser o próximo LeBron James.” Kyle.
Meus amigos começam a falar ao mesmo tempo. Entendo coisas como
“vamos ensinar todos os truques pra ele de como pegar mulher” e “ele vai ter
os melhores treinadores do mundo”, e várias variações dessas mesmas frases.
“Eu ouvi que teremos um menino?”, pergunta Derek, aparecendo no
andar de baixo junto com Ryan. “Ah, papai!”
“Nós não vamos ter nada, graças a Deus!”, diz Friends, estremecendo.
“Nós vamos ficar com toda a parte legal. Vamos ser os melhores tios que um
moleque pode ter. Vamos ensinar as merdas todas, levar no bar, apresentar a
primeira cerveja.”
“E a primeira foda”, acrescenta Nash.
Nós damos risada.
“O moleque nem nasceu e você já está planejando a vida sexual dele,
seu ninfomaníaco desgraçado!”, brinca Kyle.
“Por que você não parece muito empolgado com isso, Babyface?”,
pergunta Ryan, me encarando.
Acho que foi justamente por esse motivo que eu não contei para os caras
de imediato, quando descobri no mês passado. Não quero que meus amigos
pensem que eu sou um filho da puta por não ter dito a Savannah que queria o
bebê.
Agora, para ser sincero, depois de ouvir o coração dele batendo e de
saber que é um menino, eu sinto uma coisa diferente crescendo dentro de
mim. Talvez seja o que os pais sentem assim que descobrem que vão ser pais.
Ou talvez eu esteja confundindo amor com medo.
Medo pode ser tão avassalador quanto o amor, mas as pessoas parecem
não saber disso.
“Eu ainda tô em choque, eu acho”, minto. O choque já passou faz
tempo. O que eu sinto agora é outra coisa.
“Você ainda não disse pra ela que quer o bebê, não é?”, supõe Friends, e
eu olho para ele com a cara feia. “Ai, falei bosta!”
Sou fuzilado por cinco pares de olhos confusos.
“Você disse para ela que não queria o bebê?”, Kyle pergunta.
“Eu não disse nada. Nem que queria e nem que não queria.”
Derek franze o cenho. “Por quê?”
“Eu pensei que você tivesse louco por ela”, diz Jeremy, confuso.
Esses caras são meus amigos há quase quatro anos. Eu provavelmente
passei mais tempo de qualidade com eles do que com a minha família. Nós
moramos na mesma casa, treinamos no mesmo time, fazemos praticamente
tudo juntos... Eu posso confiar neles. Não preciso contar a história toda, mas
posso contar pelo menos uma parte para que eles tentem entender. Talvez até
me aconselhar e acalmar esse desespero que eu sinto.
Eles são meus amigos. Os melhores que eu já tive, talvez. Nós estivemos
do lado uns dos outros até aqui. Eles falam sobre ensinar coisas para o meu
filho, então, isso me diz que eles pretendem continuar na minha vida quando
a faculdade acabar.
Posso confiar neles. Preciso poder confiar em alguém.
“Eu sou louco por ela. Não deixei de ser. Talvez nunca consiga.
Savannah é... sei lá... Eu acho que posso ter um futuro de verdade com essa
garota, mas... eu não seria um bom pai.”
Meus amigos me encaram.
“Por que você diz isso?”, Ryan pergunta.
Respiro fundo. “Quando eu tinha nove anos, meu pai se irritou comigo
por uma coisa que eu fiz. Ele... me espancou até eu perder a consciência e ir
parar no hospital com as costelas fraturadas, o nariz quebrado e os dois olhos
roxos e completamente fechados de tão inchados. E essa foi só a primeira vez
de muitas outras.” Dou de ombros, me sentindo derrotado. “Eu não quero ser
como ele.”
Há um momento de silêncio, e eu o aproveito para me recompor. Odeio
falar sobre a minha família, odeio precisar admitir que meu pai é um maníaco
doente e que eu, minha mãe e minha irmã sofremos nas mãos dele durante
anos. Elas ainda sofrem, mas eu tive a sorte de fugir enquanto ainda estava
vivo pra isso.
Não sei se meu pai já bateu na minha mãe. Eu nunca vi hematomas nela
ou coisa assim, mas imagino que ele a torture de outras formas. Palavras
podem machucar tanto quanto socos na cara. Kait é prova disso.
“Então não seja”, diz Derek, com cautela. “Só porque o seu pai não é um
grande exemplo, não significa que você também não será.”
“O D tá certo”, concorda Friends. “Seu pai não define o tipo de pai
que você vai ser.”
“Não, não define, mas nós carregamos marcas da nossa infância que não
conseguimos apagar. Algumas coisas nós vamos levar pra vida toda, sejam
elas boas ou ruins. Eu tenho medo de correr o risco, de um dia olhar para o
meu filho e vê-lo olhando pra mim como eu olho para o meu pai. Não quero
nunca que a Savannah olhe pra mim desse jeito.” Solto o ar dos pulmões.
“Enfim...”
Nash coloca a mão no meu ombro. “Conta com a gente para o que você
precisar, cara. Somos meio que uma família, certo?”
“Uma família bem esquisita”, comenta Friends, e nós caímos na
gargalhada. É impressionante a habilidade desse cara de quebrar um
momento pesado e nos fazer rir. “Não sei do que vocês estão rindo. É sério.
Parem pra pensar. Jer e eu somos negros, mas ele teve a sorte de nascer com
olho verde. Desgraçado!”
Jeremy dá risada. “Você sempre teve inveja do meu olho. Eu sei.”
Friends revira os olhos e continua: “Ryan é ruivo do olho verde,
Babyface é loiro do olho azul, Nash, Derek e Kyle tem o cabelo escuro e os
olhos claros. O que aconteceu com o DNA dessa família? Por que só eu tenho
o olho castanho?”
Ai, caralho. Minha barriga está doendo de tanto rir. Se o Friends não
estiver fazendo drama, não é o Friends.
“Meu olho é esverdeado”, corrige Derek. “Castanho esverdeado.”
“Não existe essa merda de castanho esverdeado. Isso é história de gente
invejosa querendo desmerecer o verde do seu olho, cara. Não cai nessa não!”
Derek se senta no chão, gargalhando.
Jeremy puxa o ar para os pulmões, tentando parar de rir. “Pelo menos a
opinião feminina a nosso respeito é unanime. Isso basta.”
“Unidos pela gostosura”, diz Friends.
“Puta que pariu!” Nash gargalha. “Que merda, Friends! Que merda de
comentário!”
E simples assim, nós saímos de um assunto pesado para... sei lá como eu
posso classificar uma loucura dessas. O que eu sei é que tenho muita sorte
por ter encontrado esses caras esquisitos.

***

Na segunda-feira, a caminho do prédio da Escola de Engenharia para a


primeira aula do dia, vejo uma coisa que dá para ser considerada no mínimo
suspeita.
Cameron está encostado na lateral do prédio de uma das bibliotecas.
Observo de longe que ele está falando com um cara mais velho, que eu
duvido muito que seja aluno. A linguagem corporal deles não é muito
amistosa. O cara parece estar irritado, pela forma como fecha os punhos na
lateral do corpo.
Que porra está acontecendo?
Não que me interesse saber se Cameron vai ou não levar uma porrada.
Na verdade, seria até que bem feito, mas se ele está metido em alguma
merda, não quero Savannah nem perto de estar envolvida.
Cameron tenta acalmar o cara esquisito e passa um envelope branco para
ele. O sujeito olha o conteúdo do envelope, aponta do dedo na cara de
Cameron antes de empurrá-lo e cair fora. O amigo da Savannah fica mais um
tempo ali, passando as mãos pelo cabelo enquanto parece pensar
profundamente em alguma coisa.
No que esse cara está metido? O que tinha naquele envelope? Drogas?
Dinheiro? Será que o Cameron está traficando dentro da universidade. Quão
burro ele é?
Continuo o meu caminho antes que ele veja que eu estava observando. A
última coisa que eu preciso é que Cameron invente outra mentira para
Savannah, para tentar me tirar do caminho. Mas está na cara que tem alguma
coisa ruim rolando. Eu sempre soube que Cameron não é coisa boa. Tem uma
parada sinistra nos olhos dele, como se ele fosse um psicopata ou sei lá.
Sinceramente, não sei como a Savannah não enxerga isso.
Ele deve ser um doce com ela. Deve fingir ser uma pessoa totalmente
diferente.
Seja lá o que estiver acontecendo com ele, eu preciso descobrir. O único
jeito de abrir os olhos da Savannah é com a verdade. Só assim eu vou
conseguir afastar a minha namorada e o meu filho desse sujeito.
21.

SAVANNAH

O próximo jogo da temporada de basquete não poderia ter adversário


pior. Não que o Boston College seja realmente um time para se temer dentro
da quadra — eles não estão na sua melhor fase —, a questão é um jogador
específico que compõe o time. Owen maldito Montgomery.
Sophie está tensa desde que foi anunciado o cronograma de jogos e nós
vimos que a Duke os enfrentaria. Nós sabíamos que isso aconteceria mais
cedo ou mais tarde, mas não estávamos esperando que fosse ainda no início
da temporada.
É claro que a situação envolvendo Sophie e Owen é completamente
diferente agora. Soph não está mais sozinha. Ela tem amigas que a ajudam;
um namorado incrível que a protege e um time inteiro de basquete na sua reta
guarda. Sem contar que todos nós sabemos o que Owen fez, então ele não
pode mais agir como se fosse vítima. Por outro lado, nada disso muda o que
ele tentou fazer com ela. Mesmo que Soph tenha superado, ela sempre vai se
lembrar.
“Você está bem?”, Brianna pergunta, analisando o rosto apreensivo de
Sophie.
Nós estamos sentadas na arquibancada, esperando a partida começar. Os
meninos ainda nem estão na quadra. Burke deve estar fazendo o seu discurso
nesse exato momento e, provavelmente, deve estar orientando Derek,
principalmente, a ignorar qualquer provocação de Owen.
Sophie faz que sim com a cabeça. “Só estou preocupada com o que pode
acontecer no jogo.”
“O Burke tá ciente da situação, Soph, e os meninos vão segurar o
Derek.” Tento tranquilizar a minha amiga.
“E nada impede que a gente invada a quadra e ajude o Derek a quebrar a
cara do Owen”, completa Eretria, estralando os dedos da mão. “Não é como
se não tivéssemos feito isso antes.”
Brianna dá risada. “Ainda não me conformo que eu perdi essa briga.
Teria adorado bater nesse desgraçado!”
Sophie abre o primeiro sorriso desde que chegamos. “Vocês são
incríveis!”
Quando os garotos adentram a quadra, meu coração começa a bater mais
rápido. Descobri-me uma fã alucinada de basquete, então a adrenalina já
começa a tomar conta de mim. Mas tento me controlar. Não posso correr o
risco de ficar muito nervosa e ter outro pico de pressão alta. Só de pensar na
palavra eclampsia, eu começo a ter calafrios.
Surpreendo-me em encontrar Zach no time titular. Ele joga na posição
de ala, a mesma posição do Kyle, mas Zach normalmente começa os jogos no
banco, então é surpreendente encontrá-lo entrando em quadra como titular
logo no primeiro período.
“Seu irmão está bem?”, pergunto para Eretria.
“Ele se machucou no último treino”, ela conta. “O Burke vai deixá-lo no
banco hoje.”
Eu adoro ver o Zach com o uniforme do time. Isso desperta alguma
coisa primitiva dentro de mim. Tenho vontade de sair correndo e pular em
cima dele, mas então me lembro de que estamos separados e praticamente
não estamos nos falando. Ele me manda mensagem pelo menos três vezes por
semana para saber como eu estou e em pelo menos uma dessas vezes, ele
pergunta sobre o bebê. Não sei como interpretar isso. Parece que ele se
importa, mas não o suficiente pra ficar comigo e com o nosso filho.
Quando os garotos do Boston College entram na quadra, consigo sentir a
atmosfera mudando. Os garotos estão tensos. Dá para sentir. Derek estala o
pescoço e os dedos das mãos. É quase como se estivesse se preparando para a
briga. Nash, que está sempre na reta guarda de Derek, encara Owen como se
pudesse matá-lo com os olhos.
Os garotos estão mais perto de Derek do que normalmente ficariam.
Todos os olhos estão atentos para qualquer sinal de desentendimento. Não sei
quantas pessoas exatamente têm conhecimento do que aconteceu, mas espero
que qualquer briga que venha a acontecer seja justificada pela comissão
atlética ou sei lá quem está acima do Burke.
Com os jogadores dispostos pela quadra, o juiz lança a bola e o Boston
College ganha a disputa. Basta cinco minutos de jogo para ficar bem claro
para todos que estão assistindo, que vai ser um milagre se esse jogo não
terminar em guerra.
“Ele está provocando o Derek”, constata Sophie, roendo as unhas.
Owen joga como Ala-Armador, a mesma posição do Nash, o que quer
dizer que ele é muito ofensivo — como se isso realmente fosse necessário. E
é claro que Owen está fazendo questão de marcar Derek. O jogo de corpo dos
dois é extremamente violento, mas é só quando Owen lança o corpo na
direção de Derek, enquanto ele estava saltando para fazer um ponto, que o
juiz finalmente marca uma falta.
Derek desliza pelo chão da quadra, mas se levanta logo em seguida, já
indo pra cima de Owen. Nash e Zach o seguram enquanto Jeremy e Ryan
discutem com outros jogadores. Vejo Zach e Nash tentando acalmar Derek,
que está com o rosto vermelho e os pulsos cerrados ao lado do corpo. Ele está
possuído de raiva.
Sophie está em pé, os olhos azuis movimentam-se rapidamente nas
órbitas. “Isso não vai dar certo. O Burke deveria colocá-lo no banco. Os dois
vão acabar se matando.”
“Os meninos estão controlando, Soph”, Brianna tenta acalmá-la.
“É, mas até quando?”
Nós olhamos para a quadra de novo, e me surpreendo ao perceber que o
cenário mudou. Agora é Derek quem está segurando o Zach, enquanto meu
ex-namorado grita alguma coisa para Owen.
“Esse desgraçado tá tentando desestabilizar o time inteiro”, observa
Eretria, furiosa.
A confusão dura mais alguns segundos, mas o juiz logo coloca um fim e
Derek vai cobrar a falta cometida contra ele.
Quando o primeiro período acaba, a tensão só aumenta. E ainda há um
segundo período inteiro pela frente.

***

Quando eu tinha quinze anos, achei que estivesse apaixonada por um


garoto chamado Trevor Morrison. Eu achei que nós éramos almas gêmeas,
cresceríamos, casaríamos, teríamos uma família e seríamos felizes para
sempre, como nos desenhos animados da Disney. Mas então, Trevor arrumou
uma namorada e destruiu os meus sonhos de princesa.
Naquele dia, quando meu coração estava destroçado, meu pai entrou no
meu quarto com um pote de sorvete, e eu lhe disse que estava triste demais
para comer, que sofreria para sempre por Trevor não me querer. Então, meu
pai me disse a seguinte frase: “Ora, querida, se nem a vida dura para
sempre, por que você acha que a dor irá?” Essa frase me marcou muito
naquela época e Sophie me fez me lembrar dela hoje novamente.
O jogo contra o Boston College foi tenso e mais violento do que o
normal para o basquete. Os hematomas nos braços de Derek e em outras
partes do corpo dos outros meninos provam isso. No entanto, não estou
impressionada com a capacidade de Derek de manter o controle, mas, sim,
com a capacidade de Sophie de olhar diretamente nos olhos de Owen, no
final da partida, e não estremecer.
Os dois se encontraram na saída do ginásio. Owen a encarou, e ela
devolveu o olhar com toda a indiferença e frieza que conseguiu. Derek, é
claro, estava ao lado dela, segurando a sua mão enquanto Sophie tinha o
momento de superação final que talvez precisasse.
Minha amiga teve uma evolução e tanto no último ano, o que me leva a
acreditar que qualquer pessoa pode ser curada de um trauma se for cuidada
com amor, carinho, compreensão e respeito.
Estou orgulhosa da minha amiga como há muito tempo não sentia
orgulho de algo.
E, penso que esse vazio que eu sinto crescer em mim conforme a minha
distância de Zach também cresce, não vai durar para sempre. Afinal de
contas, nada dura para sempre. Tudo que chega à nossa vida é por um
motivo, assim como tudo que vai. A dor passa, assim como a alegria também.
A vida é feita de momentos e cabe a nós aproveitá-los da melhor forma
possível antes de eles irem embora. Talvez Zach e eu precisemos lidar com
tudo isso para ficarmos juntos no final. Ou, talvez, Zach não seja o cara que
envelhecerá ao meu lado. Quem é que sabe? Talvez nós só sejamos pontes na
vida um do outro.
Acho que estou reflexiva demais.
“Você está bem?”, Eretria pergunta, me tirando dos meus pensamentos.
Os garotos quiseram comemorar a vitória — que foi mais do que
merecida — no Holme’s, o bar de sempre. Sério, eles já deveriam ser os
donos desse bar ou... ou pelo menos ganhar algum cartãozinho fidelidade. Eu
nunca vi pessoas frequentarem tanto um bar como esses garotos frequentam o
Holme’s.
“Estou bem. Só um pouco cansada, pra falar a verdade.”
“Quer que eu te leve, Sav?”, oferece Nash, que escuta a conversa,
porque Eretria está sentada no colo dele. É impressionante o magnetismo que
esses dois têm. Parecem que não suportam não estarem juntos. “Tô de carro e
só bebi uma cerveja até agora.”
Sorrio. “Não, não precisa. Aproveitem! Eu chamo um Uber. Avisa a
Soph que eu fui pra casa”, digo à Eretria.
Minha amiga assente com a cabeça.
“Parabéns pela vitória, Nash!”
Os olhos cinzentos dele brilham. É inegável o quanto ama o basquete.
“Obrigado, Sav.”
Do lado de fora do Holme’s, eu estou quase terminando de digitar o meu
endereço no aplicativo do Uber quando Zach aparece do meu lado.
“Eu te levo”, diz.
Levanto meus olhos para ele, encarando o seu rosto bonito de perto
depois de tantos dias sem vê-lo. A distância o está deixando ainda mais
bonito. Como isso é possível?
Deus.
Até a voz dele parece mais gostosa de ouvir; mais sensual. Zach tem a
voz grossa, apesar do rostinho de bebê que deu origem ao seu apelido. Ele é
um homem completo. O maxilar forte e bem definido, os ombros largos, os
braços fortes e a altura, que me faz sentir pequena e indefesa, o tornam um
homem irresistível. Mas acho que foi a sua doçura que me ganhou.
Merda. Não posso ficar fantasiando desse jeito.
“Não precisa. Eu já estou pedindo o Uber.”
“Eu faço questão”, insiste. “Nash me emprestou o Rover, e eu estou
completamente sóbrio.”
Maldito Nash. É claro que ele foi abrir a boca para o Zach para dizer que
eu estava indo embora.
Suspiro. “Tá bom.”
Zach sinaliza com a cabeça a direção do carro e nós seguimos.
“Como você está se sentindo hoje?”, Zach pergunta quando entramos no
carro.
Com saudade de você. “Estou bem. E você?”
“Dolorido, mas bem.”
“Vocês apanharam muito no jogo hoje.”
Zach dá de ombros. “Já estávamos preparados pra isso. Estávamos
preparados pra algo pior, na verdade, mas agora que todo mundo sabe o que o
Montgomery fez, ele não seria tão burro de partir pra cima. Acho
sinceramente que o time inteiro, inclusive os que estavam no banco, teríamos
ido pra cima dele se ele tivesse tentado começar uma briga mesmo.”
Concordo com a cabeça. “O que foi que ele disse pra você?”
Zach desvia os olhos da rua por um momento. “Como assim?”
“Quando ele cometeu aquela falta no Derek. Você e o Nash estavam
tentando acalmar o D, mas, quando eu olhei de novo, era o Nash e o Derek
que estavam tentando segurar você. Imaginei que ele te provocou.”
Zach passa a língua pelos lábios. “Ele sabe que você tá grávida, então
você pode imaginar o resto.”
“Ah.”
Zach me defendeu? Quer dizer, ele já fez isso antes. Me defendeu de
Owen, inclusive, mas parece diferente agora, pois Owen provavelmente falou
alguma coisa que envolvesse o bebê. Então, ou eu sou muito iludida — o que
não me surpreenderia — ou Zach defendeu o próprio filho.
Zach estala o pescoço, soltando um gemidinho de dor. Ele deve estar
todo quebrado por causa do jogo.
“Posso fazer um chá pra você”, ofereço, sem jeito. “Minha mãe diz que
um chá quentinho ajuda a acalmar os músculos.”
Zach dá um meio sorriso. “Eu gostaria disso. Obrigado.”
Quando chegamos a minha casa, eu me enfio na cozinha e começo a
preparar o chá, sem dar tempo para cair em qualquer tipo de tentação. Preciso
me lembrar daquela maldita foto em que Zach estava perto demais de uma
garota que não era eu. Preciso me lembrar disso. Mesmo que a minha vontade
seja de agarrá-lo e implorar para que faça amor comigo.
“Você gosta de chá do quê?”, pergunto, sem olhar para Zach. “Eu tenho
de camomila, erva-doce, pêssego, moran...”
Paro de falar quando sinto a respiração de Zach atrás de mim.
Lentamente, ele joga todo o meu cabelo por cima do meu ombro esquerdo,
deixando o lado direito completamente exposto, onde ele deposita um beijo
que incendeia meu corpo inteirinho.
“Zach”, eu sussurro. A minha intenção era colocar um tom de aviso, mas
a minha voz soa tão desesperada que passa a ideia contrária a que eu tinha em
mente.
“Hum?”
“O que v-você tá f-fazendo?”, eu gaguejo, nervosa.
Os dedos de Zach estão deslizando pela pele do meu braço e é como se
ele acordasse cada centímetro adormecido do meu corpo. Estou arrepiada,
excitada e desesperada para que ele continue me tocando, mas sei que se eu
não interromper isso agora, vou perder completamente o controle.
“Acalmando meus músculos doloridos.” A sua voz sai rouca, fazendo
meu corpo estremecer sob o seu toque.
Santo Deus.
“Mas o chá...”
Zach gira o meu corpo tão depressa que fico meio zonza. Agora, estou
olhando diretamente para ele. Vejo seus olhos azuis queimando de desejo.
“Eu não preciso da porcaria de um chá. Eu preciso de você.”
Fecho os olhos, absorvendo as palavras.
Não importa quanto tempo passe, o efeito de Zach sobre mim não muda.
Foi avassalador e delicioso desde o começo. Desde que nossos lábios se
tocaram pela primeira vez. Ele roubou uma parte de mim que nunca
conseguirei ter de volta, porque é dele. Uma parte de mim sempre será dele.
Zach aproxima a boca da minha. O meu coração está batendo tão rápido
agora que, com certeza, pode ser ouvido na China. O que esse homem faz
comigo, não sei descrever. É insano.
“Isso é uma péssima ideia”, eu sussurro.
“É mesmo.”
“Estamos fazendo tudo errado.”
Ele roça os lábios nos meus, me fazendo estremecer por completo mais
uma vez. “Quer errar comigo?”
Zach morde meu lábio inferior, e eu me entrego. Entrelaço meus braços
ao redor do seu pescoço e ele agarra a minha bunda, me erguendo do chão e
me colocando sentada na bancada da cozinha.
Esqueço tudo.
Esqueço meu coração partido e os alertas de Cameron para que eu
ficasse longe de Zach. Esqueço quem eu sou, onde estamos e só me
concentro no que estamos fazendo; na necessidade que meu corpo sente de
ter o dele cada mais perto do meu, sendo somente suficiente quando ele
estiver dentro de mim. Talvez nem assim.
E, acho que esqueci de mencionar, que Zach está usando roupa social —
que é protocolo em dia de jogo. Eu tenho um fetiche insano por homens de
terno e essas coisas. Embora ele não esteja mais usando o blazer, continua
com a camisa branca e a gravata azul.
Minha mãe do céu, tenha piedade de mim.
Desfaço o nó da gravata de Zach enquanto seus lábios famintos
desbravam a pele exposta do meu pescoço. Jogo a gravata longe e começo a
abrir os botões da camisa, que também lanço para longe. Antes de arrancar a
regata branca por cima da cabeça de Zach, tiro um momento para admirar os
braços fortes, os ombros largos e a pele bronzeada, que brilha sob a luz da
cozinha.
Por que a luz está ligada mesmo?
Não importa. O que importa é que Zach é o homem mais gostoso que eu
já vi, que Deus me ajude.
Impaciente, Zach segura a minha blusa regata pelo decote e rasga o
tecido completamente. Minha nossa, o que está acontecendo aqui?
Sexo selvagem, minhas células gritam, enlouquecidas. Sexo selvagem!
Adiciono os trapos da minha blusa rasgada às pilhas de roupas no chão
quase que ao mesmo tempo em que Zach deita meu corpo na bancada e
arranca a minha calça legging.
Devo estar no paraíso. Só pode ser e... Oh céus, não. Agora sim eu estou
no paraíso. Os lábios de Zach distribuem beijos pela parte interna da minha
coxa, fazendo um caminho delicioso até o meu clitóris inchado e em súplica.
E quando ele o alcança... Não tenho nem palavras para descrever. Meu
cérebro é uma folha em branco e tudo o que eu consigo pensar é nele.
Posso negar o quanto eu quiser, posso morrer de ódio dele, posso estar
magoada e decepcionada e frustrada com a forma com a qual ele vem agindo
nos últimos meses, mas quando ele me pega assim... Eu sou dele. E rezo para
nunca deixar de ser.
“Zach”, eu arquejo.
“Hum?”, ele murmura enquanto chupa meu clitóris.
Esqueci completamente o que eu iria dizer.
Zach tira o maior proveito do meu corpo, explorando cada centímetro de
pele exposta e me levando à loucura de uma forma que só ele sabe como.
Quando o orgasmo me atinge, eu tremo dos pés à cabeça ao mesmo
tempo em que uma onda de alegria varre o meu corpo cansado e, agora,
saciado. Ou, pelo menos, eu achei que ele estava saciado, mas bastou que eu
levantasse a cabeça e visse os lábios de Zach brilhando para que o tesão me
atingisse de novo.
“Quer mais?”, ele pergunta, com um sorriso travesso que me faz pegar
fogo por dentro.
Como uma idiota, eu faço que sim com a cabeça. Zach me tira da
bancada e me coloca deitada sobre as roupas, no chão da cozinha. Ele se livra
dos sapatos, das meias e da calça social e entra em mim, me fazendo arquejar.
Sinto a sensação mais deliciosa de alargamento, contato pele a pele, que
passei a amar desde a última vez que transamos, semanas atrás.
Nunca transei no chão, ainda mais da cozinha, mas estou me sentindo
especialmente devassa e aventureira nesse momento. As camas, sofás e carros
parecem sem graça demais agora — embora eu não possa negar que sejam
mais confortáveis.
Zach mantém as mãos de cada lado da minha cabeça, tomando o
cuidado para não grudar demais o corpo dele em cima do meu e pressionar
minha barriga.
“Você está quieto”, eu digo, arfando.
Ele ri. “Estamos transando, você quer conversar agora?”
“Quero.”
As estocadas de Zach são ritmadas, mas nem muito lentas nem muito
rápidas. Acho que ele quer aproveitar o máximo que conseguir dentro de
mim. E é óbvio que não estou reclamando disso.
Ele beija a ponta do meu nariz. “Do que quer conversar, gata?”
Tem muitas coisas que quero conversar com ele, mas qualquer uma
delas estragaria completamente o clima perfeito no qual fomos envolvidos.
“Só fale comigo”, peço, por fim. “Quero ouvir sua voz.”
Zach abre um sorriso. “Por que você não canta pra mim?”
Deslizo minhas unhas pelas suas costas largas e musculosas. Achei que
nós iríamos foder, mas, na verdade, ele está fazendo amor comigo. E, de
novo, não estou reclamando.
“Agora?” Solto um gemido quando ele morde o nódulo da minha orelha.
“Agora”, ele sussurra no meu ouvido. “Cante enquanto eu faço amor
com você, raio de sol.”
O apelido dele para mim me faz estremecer. Eu simplesmente amo
quando ele me chama de raio de sol, como se eu fosse a única fonte de luz da
vida dele. Talvez seja exagero meu pensar nisso, mas é incrivelmente
romântico. Ou triste. Não sei.
“Eu tô compondo”, conto. “Mas não está pronto ainda.”
Zach me beija. A sua língua adentra a minha boca, feroz e deliciosa, me
arrancando suspiros de prazer e um grunhido de irritação quando ele se
afasta.
Cantar enquanto transa. Isso parece muito esquisito, mas se Zach quer
me ouvir cantar, então cantarei.
Tomo fôlego.
“Estamos aqui, no nosso pior e no nosso melhor
Mas tudo o que eu sou, continua a seu dispor
Tento parar e refletir, mas meu reflexo é você
Quero estar distante de onde estamos agora
Voltar para quando éramos um feliz clichê

Eu não vou te pedir pra ficar


Se isso não te faz feliz, por que deveria pedir?
Acreditei que éramos feitos para ser pra sempre
Mas você esteve tão ausente ultimamente.”
Só quando eu termino o trecho é que percebo que Zach parou de se
mexer. Ele continua dentro de mim, consigo senti-lo, mas seus olhos estão
fixos nos meus e percebo que ele está emocionado.
“Não está pronta ainda”, repito, baixinho, quebrando o silêncio.
“Você acha mesmo que eu não sou feliz com você?”, ele pergunta,
saindo de dentro de mim, mas permanecendo ajoelhado no chão, ao meu
lado.
“Se quer que eu seja honesta, a maior parte do tempo eu nem ao menos
sei o que pensar.”
Zach veste a cueca, embora eu consiga ver com bastante clareza que o
seu pau continua duro, e ele se senta no chão. Não sei o que é mais tentador,
vê-lo nu ou vê-lo só de cueca.
Malditos hormônios.
Só então me dou conta dos hematomas no abdômen dele, mas nem tenho
a chance de comentar sobre isso, pois Zach pergunta:
“Por que você não conversa comigo?”
“É você quem não conversa comigo, Zach”, replico, calmamente.
“Tentei várias vezes entender o que estava acontecendo. Achei que você
confiasse em mim o suficiente para ser honesto comigo.”
Ele suspira. “É complicado.”
“O que é complicado?”
“Contar a verdade pra você.” Zach olha para mim. “Há coisas que
aconteceram comigo, coisas que eu fiz... que eu quero levar comigo para o
túmulo.”
Fico tensa, porque a intensidade presente na voz dele me assusta.
“Sei que você não vai entender, mas o melhor que eu poderia fazer por
você e pelo bebê é me afastar e sumir da vida de vocês. Eu penso nisso e...
decido me afastar de vez, mas quando eu vejo você... não consigo. Não
consigo ficar longe. Você é tudo o que importa pra mim.”
“Então fica comigo”, eu peço, emocionada com o que ele acabou de
dizer. Ainda nua, eu me sento no colo dele e o abraço forte. “Fica comigo.
Seja lá o que aconteceu com você, eu vou entender. Ou... ou se você nunca
quiser me contar, vou definhar de curiosidade, mas vou respeitar. Nada disso
me importa, Zach. Nem se você realmente ficou com aquela garota da foto,
eu...”
Zach me solta do abraço para olhar no meu rosto. “Eu não fiquei com
nenhuma outra mulher além de você desde o ano passado. Olhe nos meus
olhos, Savannah, e você verá que não estou mentindo pra você.”
E eu olho. Encaro seus olhos azuis, que não me mostram nada além de
carinho, paixão e, talvez, bem mais ao fundo, um pouco de tristeza. Mas é a
firmeza com a qual ele nem hesita em me olhar que me convence.
“Eu acredito em você.”
Ele respira, aliviado. “Finalmente!”
Zach afasta uma mecha do meu cabelo, prendendo-a atrás da minha
orelha. “Eu não nasci para ser pai, Sav. Não é que eu não queira... eu só não
nasci pra isso. Acredite em mim, você não vai me querer como pai desse
bebê e isso é tudo o que eu vou te dizer a respeito disso. É tudo o que consigo
dizer. Não é porque não te quero ou não quero o bebê, é simplesmente porque
não posso.” Ele faz carinho no meu rosto. “De todas as mulheres do mundo,
estou feliz que seja você aquela que vai ser a mãe do meu filho, embora eu
não consiga ser um pai pra ele.”
Sinto meus olhos enchendo de lágrimas de pura frustração. “Eu não
entendo.”
“Eu sei, minha princesa”, ele lamenta, carinhosamente, enquanto
continua fazendo carinho no meu rosto. “Me perdoa. Sav, eu sinto muito.
Você não faz ideia do quanto.”
Começo a chorar. Parece que o nosso “nós dois vamos ficar juntos no
final” acabou bem mais cedo do que eu esperava. Sinto como se ele estivesse
se despedindo de mim e não consigo respirar. A sensação concreta que sinto
de que o estou perdendo me dói em lugares que eu nem imagina que poderia
sentir dor.
“Vou te colocar na cama”, ele diz, beijando minha testa e levantando-se
do chão, me trazendo consigo no colo.
Eu me alinho a ele como se fosse um bebê e deixo que me leve escada
acima.
Quando Zach me coloca na cama, uso o resto que sobra das minhas
forças para pedir, por sobre as lágrimas: “Fique comigo essa noite.”
Me sinto patética, chorona e carente, mas se essa é a minha última noite
com Zach, quero que ele deite comigo e me abrace até eu dormir, até eu ser
transportada para um momento do nosso passado onde tudo parecia certo.
Ele sorri, embora eu consiga perceber que não há felicidade ali. “Claro
que eu fico.”
Zach se deita na cama e me puxa para mais perto de si, alinhando meu
corpo nu ao seu. Ele me abraça enquanto eu choro. E talvez eu esteja cansada
ou talvez louca, mas acho que ele estava chorando também.
É claro que, quando acordei no dia seguinte, Zach não estava mais lá.
22.

BABYFACE

“Eu não deveria estar aqui”, digo.


Meus amigos me encheram o saco para vir até o Holme’s essa noite,
mas eu sei que justamente essa noite é a noite em que Savannah vai cantar ao
vivo. E depois do último encontro que tivemos, na semana passada, com
certeza estar aqui vai ser um tipo de tortura. Principalmente se ela tiver
terminado aquela música que estava compondo pra mim.
Porra. Eu deveria ter ficado em casa.
“Eu vou embora.”
Tento me levantar, mas Friends e Jeremy me impedem.
“Para de ser covarde”, diz Jeremy, rispidamente. “Você vai evitar a
garota até quando? Ela vai ter um filho seu, Babyface, caralho. Se liga!”
Tento não deixar transparecer que eu estremeci com o tom de Jeremy.
Não porque eu tenho medo dele ou coisa assim, mas porque eu sei que ele
cresceu sem pai e, sei lá, talvez ele ache que eu estou fazendo a mesma coisa
que o pai dele fez quando descobriu que sua mãe estava grávida dele.
Odeio ser comparado a esse tipo de homem, mas, no fundo, não é o que
eu estou fazendo? É verdade que, provavelmente, tenho um motivo melhor
do que eles, mas isso justifica?
Por fim, bufo, mas continuo sentado.
Eretria e Sophie chegam pouco tempo depois, o que significa que
Savannah também já está aqui. Ela deve estar se preparando para começar o
show.
A última vez que ela subiu no palco improvisado do Holme’s para
cantar, nós estávamos juntos. Eu fiquei completamente encantado, e tenho
certeza de que isso vai acontecer de novo hoje. No entanto, diferente daquela
vez, não vou poder gritar para o bar inteiro que a garota linda no palco é
minha namorada.
“Oi, meninos”, diz Eretria, antes de se sentar no colo de Nash e lhe dar
um beijo.
Sophie também se senta no colo de Derek, que envolve os braços na
cintura dela, do modo mais protetor que eu já vi.
Eu estou prestes a perguntar de Savannah para elas, mas então eu a vejo
subindo no palco. Ela não está carregando o seu violão, o que é incomum,
mas a minha atenção não fica presa nesse detalhe por muito tempo. O que
verdadeiramente chama a minha atenção é como ela está linda. Com uma
roupa toda preta, os cabelos soltos e com cachos nas pontas, os olhos cor de
âmbar destacados por uma maquiagem um pouquinho mais forte do que de
costume.
Ela está maravilhosa.
Sinto um nó se formando na minha garganta.
Savannah para na frente do microfone e abre um sorriso para as pessoas
que a aplaudem. Sei que não é para mim que ela está sorrindo — embora eu a
esteja aplaudindo — porque Sav não olha na minha direção.
“Boa noite, pessoal”, ela cumprimenta. “Essa noite, eu trouxe um
repertório menor, com apenas duas músicas, mas eu espero que vocês
gostem. A primeira música que eu vou cantar se chama Dynasty da Miia.”
Quando Savannah começa a cantar, eu sei que é pra mim que ela está
cantando e que estou fodido. Meu coração dispara, e eu me sinto
completamente hipnotizado por ela. Exatamente como sempre acontece. Mas
é só em um determinado trecho da música que eu começo a ficar
desesperado.
“E tudo que eu te dei se foi
Caiu como se fosse pedra
Achei que tínhamos construído uma dinastia que o céu não poderia
abalar
Achei que tínhamos construído uma dinastia, como nunca feita
Achei que tínhamos construído uma dinastia que não poderia se
quebrar

Tudo desabou
Tudo desabou
Tudo caiu
Tudo desabou
Tudo desabou.”
E é justamente nesse trecho que ela olha para mim. Seus olhos ficam
presos no meu e o ar dentro dos meus pulmões é roubado completamente.
Merda.
Merda, merda, merda.
Como eu vou viver a minha vida sem essa garota? Eu mal consigo
respirar agora. O efeito que ela tem sobre mim é diferente de tudo o que eu já
senti antes. Savannah é o ponto de luz da minha vida. Caralho, não vou
conseguir ficar sem ela e não sei o que fazer. Se pelo menos eu conseguisse
contar a ela. Se ela soubesse...
Ela nunca te olharia do mesmo jeito, minha voz interior fala dentro da
minha cabeça.
Quando a primeira música acaba, eu estou transtornado, mas me esforço
para não demonstrar. Principalmente porque Savannah e eu continuamos
mantendo o contato visual.
“Preciso beber”, resmungo, pegando a cerveja de Friends.
Meu amigo nem ao menos protesta, pois acho que todo mundo percebeu
o clima.
Savannah é ovacionada, é claro. E ela sorri para o público e agradece.
“Muito obrigada. A próxima música se chama Secret Love Song do Little
Mix ft. Jason Derulo.”
“Merda.” Viro a cerveja de uma vez só. “Preciso de alguma coisa mais
forte que isso.”
“Você vai precisar mesmo”, concorda Eretria.
Todos nós olhamos para ela.
“O que você quer dizer?”, indago.
Ela suspira. “Ela vai cantar essa música com o Cameron.”
“Quê?”
Sophie faz que sim com a cabeça. “Ele apareceu lá hoje e disse que
queria cantar com ela. Como nos velhos tempos, ele disse.”
Vejo quando Cameron sobe no palco, sorrindo para Savannah, que,
infelizmente, sorri de volta pra ele. Esse filho da puta está cercando a minha
mulher.
E é claro que ele canta olhando pra ela.
O desgraçado canta uma música romântica olhando para a minha
garota.
“É claro que ele tinha que cantar bem”, eu o amaldiçoo. “Eu quero matar
esse cara.” Olho para Sophie. “Eu pensei que você ia me ajudar a abrir os
olhos dela.”
Derek fica tenso.
“Eu tô tentando, Babyface, mas é difícil competir com um cara que a
conhece há muito mais tempo do que eu. Do que qualquer um de nós, devo te
lembrar.”
Olho para os dois cantando junto. E quando Cameron segura a mão dela,
Savannah não a puxa de volta. O que caralhos isso significa? Ele está se
declarando pra ela ou coisa assim?
Logo que a música acaba, Cameron a puxa para um abraço e beija a
bochecha de Savannah. Seus lábios se demoram sobre a pele dela e o ódio e o
ciúme queimam dentro de mim. Eu deveria continuar sentado. Deveria
mesmo. Mas basta que eu veja Savannah saindo do palco para me levantar da
cadeira e ir até lá, no meu melhor comportamento de homem das cavernas.
“Que porra é essa?”, eu exijo saber.
“Ah, oi, cara.” Cameron passa o braço por cima dos ombros de
Savannah. Ele sempre faz isso quando estou por perto, querendo demarcar
território. “Tudo bem?”
“Tira as mãos dela”, eu rosno.
“Zach!”, Savannah me repreende.
Cameron me olha com a maior cara de inocente. Fingido desgraçado. “A
Sav é minha amiga, Zach. Fica tranquilo.”
“Cara, vamos embora”, diz Friends, segurando meus ombros e tentando
me puxar para trás. Eu nem sabia que ele tinha me seguido. E ele não foi o
único. Kyle e Nash estão logo atrás, observando para ver se vai ser necessário
intervir.
Eu me desvencilho das mãos do meu amigo. “Eu não vou a lugar
nenhum enquanto não conversar com a Savannah.”
“Foi mal, cara, mas, se você não se acalmar, ela não vai conversar com
você”, avisa Cameron.
Ah, isso não.
“E quem você pensa que é?”
“Ele é meu melhor amigo e está certo. Você precisa se acalmar.”
Savannah me encara, me desafiando a discordar dela.
Fecho os punhos, mas respiro fundo. Perder o controle na frente dela só
vai fazer Cameron parecer o mocinho, e eu o vilão. Então, eu me acalmo. Ele
não vai jogar Savannah contra mim.
“Tá. Estou calmo agora. Podemos conversar, por favor?”
Savannah faz que sim com a cabeça. “Eu volto já”, ela diz para
Cameron. “Vamos conversar lá fora”, ela acrescenta, olhando pra mim.
Deixo que ela vá à frente, pois quero poder olhar para a cara de
Cameron e deixar a minha ameaça bem explícita, mas, é claro, como o
debochado que é, ele não se abala. Ou, pelo menos, não demonstra.
Viro as costas e sigo Savannah, antes que eu perca o autocontrole e
nocauteie esse imbecil com um único soco.
Do lado de fora, Savannah cruza os braços em cima da barriga
grandinha e me olha de cara feia, mas isso só me faz ter mais vontade de
tomá-la em meus braços. É fofa demais.
“Que cena foi aquela?”, ela exige saber, irritadíssima. “Você deu para
dar uma de possessivo agora? Ah, e deixe-me te lembrar de que nós nem
estamos mais namorando.”
“Por que você tinha que cantar aquela música com ele? Que porra,
Savannah! Você tá tentando me machucar ou o quê?”
“Não estou tentando te machucar. Cameron é meu amigo e quis cantar
uma música comigo. Só isso.”
Será que ela não percebe que foi muito mais do que isso?
“Só isso?”, ecoo, indignado. “Um bilhão de músicas no mundo e você
tinha que cantar uma música romântica com ele?”
Savannah suspira. “Me desculpa se isso te deixou chateado, mas eu não
preciso dar satisfações do que eu faço ou deixo de fazer pra você, Zach. Não
estamos mais juntos, lembra? E nem fui eu quem escolheu isso. Foi você. Ou
seja, isso te dá menos direito ainda de me cobrar qualquer coisa que seja. Se
eu canto uma música romântica com Cameron ou... ou se eu quiser me
envolver com ele ou com qualquer outro cara... isso não é da sua conta.”
Eu sei que ela está certa, que eu estou agindo feito um babaca e,
provavelmente, que estou deixando-a confusa, mas a ideia de vê-los juntos,
imaginá-los na cama juntos... Deus! Não consigo suportar.
“Você quer se envolver com ele?”, pergunto, baixinho. De repente, me
sinto fraco e tonto.
“Não”, ela diz, firme, e eu relaxo. Um pouco. “Mas, se quisesse não
seria da sua conta. Você terminou comigo, Zach, e por um motivo que não
entendo, mas, mesmo assim, estou tentando respeitar porque sinto que,
embora não tenha me explicado nada, você foi sincero comigo. Mas quando
você age assim? Não sei o que fazer ou o que pensar.”
Passo a mão pelos cabelos, tentando dissipar o nervosismo. Não posso
argumentar com ela porque estou errado; não posso puxá-la e beijá-la porque
não seria justo. A única opção é deixá-la seguir, mas é justamente a opção
que não consigo acatar nem que minha vida dependesse disso porque a amo.
“Zach”, ela se aproxima de mim, segura a minha mão e dá um beijo nos
meus dedos. “Se você não pode mesmo ficar comigo, então temos que
encontrar uma forma de encerrar isso de uma vez por todas. Não é o que eu
quero e não ache que não estou morrendo por dentro ao estar aqui, parada na
sua frente, dizendo essas coisas.” Ela abaixa os olhos por um momento e
quando volta a olhar pra mim, está à beira das lágrimas. “Meu filho tem o
direito de ter um pai, e eu tenho o direito de ser feliz. Se não com você, então
com outra pessoa, mas não vou conseguir fazer isso se você estiver por perto,
olhando pra mim desse jeito.”
Seguro o seu rosto entre as minhas mãos e seco as lágrimas que
começaram a escorrer pela sua bochecha. “Não consigo deixar você. Eu tô
tentando, mas não consigo.”
Savannah olha para mim. Seus olhos têm uma mistura de decepção e
tristeza que partem meu coração.
“Você sabe que está sendo egoísta, não sabe?”
Lentamente, faço que sim com a cabeça, envergonhado por precisar
admitir isso.
“Não consigo continuar fazendo isso, Zach. Dói estar perto de você
desse jeito e não poder te beijar; dói olhar pra você; dói pensar em você... Eu
não aguento mais ter essa conversa.” Savannah comprime os lábios,
segurando o choro. “Me deixa ir. Me deixa deixar você ir.”
Ao perceber que eu não vou responder coisa alguma, Savannah segura
os meus pulsos e tira as minhas mãos do seu rosto.
“Me deixa ir”, Savannah implora.
Não respondo. Não consigo responder. Parece que nem ao menos
consigo falar. Assentir, então? Impossível.
Quando Savannah se afasta e volta para dentro do bar, eu não a impeço.
23.

BABYFACE

Novembro

Nash está completamente alucinado com a sua festa de aniversário, que


acontecerá essa noite. Dessa vez, ele tentou não chamar metade da Duke para
comemorar na nossa casa, já que no ano passado, a casa ficou um lixo pós-
festa e nós tivemos que arrumar tudo na velocidade da luz, antes que Paige —
nossa querida proprietária — aparecesse e quisesse nos assassinar.
No ano anterior, eu estava tão animado quanto Nash para a festa, pois
sabia que serviria como mais uma desculpa para ficar com Savannah. E
aquela noite foi insana. Insana e selvagem. Perdi mais da metade da festa
porque eu e ela estávamos trancados no meu quarto, fazendo quase todo o
tipo de loucura sexual.
Esse ano, no entanto, a situação é bem diferente. Não vejo ou falo com
Savannah há três semanas. Evito passar pelos lugares que eu sei que ela
frequenta; também encontrei outro caminho para chegar até a minha casa,
evitando passar na frente da casa dela.
Três semanas atrás, quando tivemos aquela conversa do lado de fora do
Holme’s, cheguei em casa e me senti o pior de todos os canalhas.
Zach Anthony Bradley, o rei dos canalhas.
Primeiro, deixei a mulher que eu amo dormindo e me mandei. Mas acho
que, no fundo, Savannah sabia que eu faria exatamente isso. Depois, teve
aquela conversa no Holme’s, que até agora não consegui engolir. Cheguei em
casa naquela noite e passei — sem brincadeira — duas horas no banho,
deixando a água quente do chuveiro lavar a minha vergonha e a minha
tristeza. O que não adiantou porra nenhuma, porque fui para cama e ainda
estava chorando feito uma criança.
Pelo menos, consegui reprimir a vontade de quebrar qualquer coisa que
visse pela frente. Deixei para descontar a minha raiva no treino, o que tem
deixado Burke muito feliz, pois estou jogando como nunca.
Ganhamos os três últimos jogos, e eu posso dizer com orgulho que tive
participação fundamental nessas decisões. Não vi Savannah na arquibancada,
no entanto. Vi Eretria, Brianna e Sophie, mas nenhuma vez vi Savannah.
Sei que ela está bem porque interrogo Sophie e Eretria sempre que as
vejo na minha casa. Ignoro as reviradas de olhos delas e escuto tudo o que
elas contam, com toda a atenção.
Savannah está bem, está mais barriguda e mais volátil —
emocionalmente falando — do que nunca. A única coisa que me irrita é saber
que Cameron está mais perto dela do que nunca.
Maldito Cameron.
Mas, pensar nesse filho da puta me fez lembrar aquele dia que eu o vi
conversando com um cara mais velho. As coisas estão tão de ponta cabeça
agora que eu até tinha me esquecido isso. Preciso descobrir no que esse
moleque está metido antes que Savannah possa ter a chance de se envolver
em algum tipo de problema.
É verdade que estou tentando me manter longe, mas isso não quer dizer
que vou deixar minha mulher e meu filho correrem qualquer tipo de perigo
por causa de Cameron. E algo me diz que ele é perigoso. A forma fria com a
qual falou comigo sobre Savannah no dia que o confrontei sobre a mentira,
me deixou com a pulga atrás da orelha.
Esse cara não é boa coisa.
Talvez ele tenha sido um bom amigo para ela quando eram mais novos;
talvez tenha sido uma criança e um adolescente decente, mas com certeza não
é mais assim. Por que Savannah não vê isso, porra?
“Acho que ele foi para a Babyfacelândia.” A voz de Friends me traz de
volta dos meus pensamentos.
Encaro Friends e Ryan, que estão parados na minha frente.
“Babyfacelândia? Que porra é essa?”
“É o seu país interior”, esclarece Friends, prestativo.
“Meu país interi... Quer saber, nem vou tentar entender, Friends.”
Ryan dá risada. “Vocês dois são os caras mais estranhos que eu já
conheci.”
Eu abro a boca para retrucar, mas meu celular começa a tocar.
Surpreendo-me ao encontrar o nome de Savannah na tela.
“Ih, a dona dele tá ligando”, brinca Friends.
Mostro o dedo do meio pra ele. “Calem a boca!”, aviso, e atendo a
chamada. “Alô?”
Tento soar casual, embora sinta meu corpo todo tremendo.
“Ahn... Oi.”
“Oi.”
Ryan e Friends começam a encenar a minha morte, e eu tento chutá-los
para longe.
“Desculpa te ligar assim...”
“Sem problemas.” Bato na cabeça de Friends e o empurro na direção do
Ryan, tentando tirar os dois de perto de mim. “Tá tudo bem?”
“Sim, tudo bem. Eu liguei porque... bom... hoje é aniversário do Nash
e... ele me convidou pra festa, mas eu não sabia se você estava de acordo com
isso. Quer dizer, a festa é na sua casa.”
Friends dá um tiro em Ryan com a sua pistola imaginária e Ryan finge
estar morrendo. Palhaços desgraçados. Tiro o meu tênis e jogo na direção
deles.
“Ah! Se quiser vir, pode vir”, digo, fuzilando meus amigos com os
olhos.
“Não vai ser estranho?”
“Não. A casa é grande, vai ter muita gente... É provável que nós nem
nos encontremos.”
Merda. Acho que não deveria ter dito isso.
“Ah.”
É. Com certeza eu não deveria ter dito isso.
“Tudo bem, então. Ahn... obrigada, eu acho.”
“De nada.”
“Tchau.”
E ela desliga antes que eu possa falar qualquer outra coisa.
“Olha, nós encenamos morte por pistola dessa vez, mas a Sav sempre
está arrumando formas novas de acabar com você, então talvez nós...” Ele
para a frase no meio da frase quando eu jogo o meu outro tênis direto no
estômago dele. “Filho da puta”, ele geme de dor.
Olho para Ryan. “E você? Qual vai ser?”
“Um verdadeiro amigo nunca abandona o outro em um momento de
dificuldade”, declara Ryan. Ele pega o tênis do chão e joga na minha direção.
“Corre, Friends!”
E os dois desgraçados disparam pela porta dos fundos, para o quintal.
E assim, nós começamos uma brincadeira idiota e infantil de tacar os
tênis uns nos outros.
Somos todos loucos.

***

Meu plano era manter a calma, mas com duas horas de festa, o álcool no
meu sangue me deixa muito mais falante, inquieto e idiota. Não queria
encontrar Savannah nesse estado depois de três semanas sem vê-la, mas
também não conseguiria estar sóbrio. Estou nervoso, e a bebida — assim
como a maconha — são as únicas coisas que conseguem me acalmar, mas
também deixam a minha língua mais solta do que o normal. Vou precisar me
controlar pra não dizer nenhuma besteira.
Por enquanto, no entanto, não foi preciso nada disso. Não a vi em
nenhum lugar, embora saiba que Sophie e Eretria já estão aqui. Soph está no
quintal junto com Derek e os outros caras; Eretria, por sua vez, está trancada
com Nash no banheiro. Eles estão revivendo a primeira transa deles.
Estranho.
A última coisa que eu quero é pensar nas coisas que eu estava fazendo
com Savannah nessa data, no ano passado. Preciso manter minha cabeça
limpa para tentar manter a sanidade.
Difícil.
Busco mais uma cerveja na geladeira e vou para o quintal encontrar
meus amigos. No entanto, não são eles que eu encontro, e, sim, Savannah e,
infelizmente, Cameron. Ela tinha que trazer o imbecil junto. O cara não
desgruda dela.
Savannah está de costas, abraçando Cameron, então ela ainda não sabe
que eu estou parado aqui, observando os dois. Mas é óbvio que o diabo
disfarçado de anjinho já me viu e o sorriso arrogante no rosto dele me enerva.
Ele escolheu um péssimo dia para me irritar. Estou bêbado e um pouco
chapado, o que significa que não estou pensando direito e que vou quebrar
ele no meio se for até lá. Mas, antes que eu tenha a chance de finalmente
fazer tal coisa, ele a solta do abraço e a beija.
Eu pisco uma vez.
Pisco de novo.
Talvez a minha mente alcoolizada e drogada esteja me pregando peças.
Só pode ser isso.
Certo?
Certo?
Mas não. Ele realmente a beijou. Ele a beijou sabendo que eu iria ver, é
claro. Eu não espero nada menos desse filho da puta maldito. Mas, e ela? Ela
o está beijando de volta? Estou longe demais e bêbado demais para ter
certeza.
Começo a dar passos para trás, me afastando.
Não aguento isso.
Quando Savannah disse que não queria se envolver com Cameron, eu
acreditei nela. Não é possível que em três semanas ela já esteja a fim dele ou
coisa assim. Não. Isso não é possível. Ninguém supera uma pessoa que ama
tão rápido assim. Eu sei que ela me ama. Eu sinto na forma como ela olha pra
mim, como me beija, as músicas que compôs pra mim e sobre mim. Mas
então, que merda foi que eu acabei de ver?
Volto para dentro de casa, transtornado.
Savannah o beijou.
Savannah.
Beijou.
Cameron.
Por quê? Por que ele? Porra! O que esse cara tem que a faz ficar tão
ingênua e cega?
Ele tem a confiança dela, minha mente prestativa me ajuda.
Bom, então está na hora de destruir essa confiança.

SAVANNAH

Empurro Cameron para longe, sem qualquer delicadeza.


“Cameron! O que foi isso?”, exijo saber, limpando a boca com a mão.
“O que deu em você? Ficou louco? Por que você me beijou?”
Ai, meu Deus! Será que o Zach viu? Será que algum dos garotos viu o
que acabou de acontecer?
Deus! Não quero nem começar a imaginar o tamanho do problema que
isso poderia causar. Argh. Como se Zach e eu precisássemos de mais um
motivo para nos desentender.
Corro os olhos pelas redondezas, à procura de alguém conhecido que
possa ter testemunhado o que acabou de acontecer, mas não vejo sinal de
nenhum conhecido.
“Desculpa, Sav. Ai, droga, eu acho que fiquei um pouco sentimental
demais”, ele se explica. “Eu estava sentindo você um pouco distante desde
que contei sobre os agiotas, mas agora você disse que vai me ajudar a pagar a
dívida... Desculpa.”
“Cam, você não pode fazer isso. Somos amigos. Não é bom misturarmos
as coisas. Isso nunca dá certo.”
“Poderia dar”, ele diz, baixinho.
“O quê?”
Ele suspira, e eu me desespero ao constatar que ele está reunindo
coragem. “Eu gosto de você, Sav. Sempre gostei. Como poderia não gostar?
Você é a mulher mais maravilhosa que já conheci.”
Me esforço — sem sucesso — para não deixar meu queixo cair.
“Cameron”, digo, carinhosamente “eu estou grávida de outro homem. Você
tem ideia do que isso significa?”
“Claro que sim. Não sou tão idiota assim.” Ele abre um sorriso
autodepreciativo. “Mas não me importo com isso. Posso ajudar você com
esse meninão aí, já que Zach não quer ficar com você ou com o bebê.”
Ouço — realmente ouço — meu coração de partir. O que Zach quer e
deixa de querer não é nenhuma novidade para mim, mas, ainda assim, dói
escutar outra pessoa constatando o incontestável: meu filho vai crescer sem o
verdadeiro pai e, aparentemente, não há nada que eu possa fazer para mudar
essa realidade.
Se eu pensar de forma lógica e não emocional, ter a ajuda de Cameron
(que é um cara que eu conheço praticamente toda a minha vida) não seria
uma má ideia. Afinal de contas, uma coisa é fato, eu vou precisar de ajuda.
Não tenho qualquer experiência com crianças, levando em consideração que
não tenho irmãos. Meu contato com crianças foi bastante limitado durante
toda a minha vida.
Não me preocupo com o fato de o meu filho crescer sob a sua imagem
masculina, mas me preocupo de não conseguir corresponder romanticamente
ao que Cameron diz sentir por mim. Para falar a verdade, suspeito que talvez
nunca vá sentir por outra pessoa o que sinto por Zach. Pelo menos, talvez não
com a mesma intensidade.
Eu acredito que as pessoas tenham um grande amor na vida. Quer dizer,
você pode e provavelmente vai se apaixonar várias vezes, mas acredito que
sempre haverá aquela pessoa que, por algum motivo, fez o seu coração bater
mais rápido, fez as pernas ficarem bambas e te proporcionou a mais
maravilhosa sensação de pertencimento.
Mesmo entre altos e baixos, sei que Zach é essa pessoa para mim.
“O que exatamente você está dizendo, Cameron?” Preciso ter certeza de
que estou entendendo isso certo.
Ele sorri e dá um passo na minha direção. Meu corpo estremece,
apreensivo. Cameron não é nem tão alto e nem tão forte quanto Zach, mas é
um homem bonito. Os cabelos são castanhos, assim como os seus olhos e seu
corpo é bonito, mas... Merda, ele não é o Zach, com seus ombros largos,
olhos azuis, cabelo dourado e abdômen de tirar o fôlego.
Deus.
Até quando vou continuar fantasiando com meu ex-namorado?
“Estou dizendo para darmos uma chance a nós”, ele diz,
carinhosamente. “Nem acreditei quando te encontrei de novo. Pensei que o
destino estava me dando uma nova chance, mas vi tudo o que você passou e
ainda passa com o Zach e, se quer minha opinião, ele é um imbecil se não
percebe o que está perdendo.”
Não vou mentir, é bom ouvir palavras carinhosas, mas sinto que estaria
enganando Cameron se concordasse com o que ele está propondo.
“Eu ainda sou apaixonada pelo Zach”, admito, escolhendo ser sincera
com o meu amigo. “E não vejo isso mudando por enquanto.”
“Mas ele só te magoou”, observa Cameron, confuso.
“Eu sei, mas... quando você ama uma pessoa, o sentimento não vai
embora só porque essa pessoa te magoou. Se você supera fácil, então não era
amor.”
Cameron me lança um olhar cheio de significado. “Você o ama?”
Assinto, timidamente.
“Que merda, Sav”, ele lamenta.
“Pois é.”
“Mas não importa. Vou cuidar de você e do garotinho. Tudo vai ficar
bem, você vai ver.”
Cameron me puxa para um abraço, que eu retribuo, embora não tenha
certeza do que ele quis dizer com essa última declaração.
24.

SAVANNAH

“Eu estou enorme”, reclamo. “Tão enorme que até levantar do sofá é
uma coisa difícil.”
Derek dá risada. Ele ficou incumbido de tomar conta de mim enquanto
Sophie está trabalhando.
Fui a uma consulta médica ontem e a doutora Akira reforçou que eu
preciso pegar leve. Graças a Deus, minha pressão não estava alta, mas, pelo
que eu entendi, estava próxima disso, o que me deixou bastante apavorada.
Então, quando comentei com as minhas amigas o que minha médica havia me
dito, elas decretaram que eu estava proibida de me esforçar. De agora em
diante, eu permaneceria em repouso o máximo de tempo possível, limitando
minhas atividades a ir para as aulas e voltar para casa.
“Isso é uma coisa boa, Sav”, garantiu Nash.
Mencionei que ele também foi incumbido de tomar conta de mim? Pois
é. Sophie está trabalhando e Eretria está com uma nova ação no seu grupo de
ativistas — The Green —, o que significa que elas colocaram seus namorados
para me vigiar. E eu acho isso bastante ridículo, considerando que o pai do
meu filho é amigo deles.
“E como isso seria uma coisa boa, Christopher?”, pergunto, irritada. O
que esse idiota sabe sobre ver seu corpo se transformando em uma melancia?
Os dois decidem ignorar o meu mau humor. Minhas alterações
hormonais são tão frequentes que eles já estão acostumados a me ver irritada.
“Quanto maior você ficar, mais alto vai ser esse moleque. O que
significa que ele será um jogador de basquete bom pra caralho”, explica
Nash, animado.
Os amigos de Zach estão mais empolgados do que ele. Deus!
“E desde quando a altura é tudo o que importa?”, questiono.
“Não é, mas esse garoto vai ter os melhores treinadores do mundo”,
argumenta Derek. “Ele vai saber jogar antes de aprender a andar, Sav.”
Eu encaro os dois homens enormes diante de mim. “Que ótimo saber
que vocês já definiram o futuro do meu filho.”
“Temos tudo planejado.” Nash abre um sorriso largo. “Amamentação de
manhã, levantamento de mamadeiras à tarde e soneca à noite. Primeiro temos
que trabalhar a estrutura física do moleque. Quer dizer, ele não pode ser
nenhum franguinho, afinal de contas, o Babyface é enorme. Então, acho que
estamos assegurados nessa parte.” Ele olha para Derek, que confirma com a
cabeça, prestando atenção ao que o amigo está dizendo. “Depois, corrida de
andador e arremesso na cestinha que eu comprei pra ele.”
Eu pisco. “Você comprou uma cestinha pro bebê?”
“Claro que eu comprei. Tria e eu achamos em uma loja no centro. Está
lá em casa.”
Derek confirma com a cabeça. “Eu comprei uma mini bola de basquete.
É de plástico, mas vai servir até que ele fique forte pra treinar com a de
verdade. E nós mandamos fazer um uniforme da Duke pra ele, mas ainda não
está pronto porque precisamos do nome.”
Sinto meus olhos enchendo de lágrimas. “Vocês fizeram tudo isso pra
ele?”
“Claro que fizemos.” Derek abre um daqueles sorrisos dele, com
covinhas. “O moleque vai ser tão nosso quanto de vocês, Sav.”
“Nós vamos ser responsáveis por ensinar pra ele tudo que há de bom na
vida, deixando a parte chata para você e para o Babyface.” Nash faz uma
careta.
Seco as lágrimas, mas elas continuam caindo sem a minha autorização.
Malditos hormônios!
“A gente falou alguma coisa errada?”, Nash sussurra para Derek.
De soslaio, vejo-o dando de ombros, confuso.
“Por que você tá chorando, Sav?”, Derek pergunta, com cautela.
“Não é nada, é só que...” Fungo. “Vocês estão tão animados com esse
bebê e nem são o pai dele. Por que o Zach não está feliz? Quer dizer, deveria
ser ele a comprar essas coisas e... e... e fazer rotinas surreais para o bebê, quer
dizer, levantamento de mamadeiras? Você está louco, Nash? Corrida de
andador? Você sabe o quanto os andadores são prejudiciais para os bebês?
Acho até que são proibidos.” Seco as lágrimas, soluçando. “Por que ele não
consegue ficar feliz com o próprio filho?”
Derek e Nash sentam-se no sofá, cada um de um lado meu. Não preciso
olhar para eles para saber que estão extremamente desconfortáveis com o
meu choro, mas não me importo. Eu estou grávida, posso chorar o quanto eu
quiser. Droga.
“Sav”, Derek começa, e percebo que ele está escolhendo as palavras “o
Babyface é maluco por você e... ahn... eu tenho esperanças de que vocês vão
se entender.”
Nash concorda com a cabeça. “Ele tá sofrendo também. Ele não fala,
mas dá pra notar. Ele não é mais aquele cara engraçado que conhecemos.”
“Como ele pode estar sofrendo e querer continuar sofrendo?”, questiono,
choramingando. “Não consigo entender. Não consigo.”
Há um momento de silêncio. Está na cara que nem Derek nem Nash
sabem como consolar uma mulher que não seja a namorada deles. Imagino
que, quando Sophie ou Eretria estejam tristes, eles tenham seu próprio modo
de consolá-las, o que, certamente, eles não podem fazer comigo. Digo,
usando seus métodos.
“Você deveria comer alguma coisa”, diz Derek. “Um doce, talvez? Soph
sempre diz que doce é um remédio.”
“Isso”, incentiva Nash. “O que você quer? Sorvete, chocolate, pasta de
amendoim? Vou no mercado comprar pra você.”
Fungo, secando as lágrimas. “Quero waffles com creme de avelã e
sorvete de limão. E quero chantilly por cima.”
Os dois se entreolharam.
“Isso é seguro?”, quis saber Nash. “Misturar as coisas assim?”
Derek deu de ombros, perdido. “Talvez eu devesse ligar pra Sophie.”
“Não sejam ridículos! Eu estou com desejo! Isso significa que vocês
precisam trazer o que eu estou pedindo, exatamente como eu estou pedindo,
ou o meu filho e o jogador favorito de vocês vai nascer com a cara de waffles.
É isso o que vocês querem?”, pergunto, exasperada.
Eles negam com a cabeça, com veemência.
“Ótimo!”
“Você fica, e eu vou no mercado”, diz Nash, pegando a chave do carro
em cima da mesa de centro.
“Por que eu preciso ficar?”, Derek me olha, apreensivo. “Você leva mais
jeito com as mulheres.”
Nash nega. “Eu levo jeito com a minha mulher. Desaprendi
completamente como lidar com as outras.”
“Covarde!”, grita Derek, quando Nash sai voando pela porta de casa.
“Estou com fome”, anuncio.
Ele me olha perplexo. “De novo?”
“Eu estou grávida, Derek, e caso você não...” Paro no meio da frase e
coloco a mão na barriga.
“Savannah?”, ele me chama, preocupado. “O que foi? O que você tá
sentindo? O bebê vai nascer?”
Eu o fuzilo com os olhos. “O bebê não vai nascer, seu idiota. Ele chutou.
Eu... eu já havia sentido antes, mas não assim. Foi mais forte e...” Meu filho
chuta de novo. “Ele chutou de novo.”
Derek olha para a minha barriga, olha para o meu rosto e abre um
sorriso hesitante. “Isso é bom, não é?”
Faço que sim com a cabeça. “É. Isso é muito bom.”
Ele amplia o sorriso. “Posso sentir?”
Faço que sim com a cabeça e Derek coloca as mãos sobre a minha
barriga. Nós dois ficamos em silêncio, parados, imóveis, e o bebê chuta de
novo, fazendo Derek levar um susto.
“Puta merda!”, ele exclama, sorridente. “Que maneiro!”
Eu sorrio. “Que loucura, não é? Tem uma pessoa dentro de mim. Isso é
muito insano.”
“É, é mesmo.” Derek recosta as costas no sofá e, de repente, fica
pensativo.
Decido apreciar o silêncio e a tranquilidade. Momentos assim têm sido
raros ultimamente, então é bom poder parar um pouco e relaxar.
Principalmente porque, quando o bebê nascer, silêncio e tranquilidade serão
bem escassos.
“Quero ter um bebê um dia”, disse Derek de repente. “Uma menina
loirinha, como a Soph.”
Sorrio ao imaginar isso. “Você acha que vocês dois vão ser para
sempre?”
“Com certeza”, ele afirma, sem pestanejar. “Sophie foi a melhor coisa
que me aconteceu. A menos que ela me chute, eu não vou a lugar nenhum.”
Olho para Derek. “Você também foi a melhor coisa que aconteceu com
ela. Obrigada.”
“Pelo quê?”
“Por cuidar tão bem da minha amiga. Quando paro para pensar em tudo
o que a Sophie viveu... Não sei se conseguiria ser tão forte como ela foi.
Perder os pais, passar de abrigo em abrigo, ser maltratada e... bom, você
sabe.” Derek fez que sim com a cabeça, e não deixo de notar a tensão no seu
maxilar. “Ela não tinha ninguém e, mesmo assim, não desistiu. Sophie é a
mulher mais forte que eu conheço.”
“Sim, ela é mesmo”, ele diz, cheio de orgulho. “Você é uma boa amiga
pra ela, Sav. Eretria também.”
“Somos o mini clube das Winx.”
Derek ri, mas sua expressão muda logo em seguida. “Olha, eu sei que
essa situação com o Babyface é uma merda e que deve estar sendo difícil pra
você, mas ele é um dos caras mais decentes que eu já conheci, Sav. Mais
cedo ou mais tarde, ele vai cair em si e vocês vão ficar juntos e criar o filho
de vocês. Com a nossa ajuda e assídua participação, é claro.”
“É claro”, concordo.
“Vocês vão ficar bem”, ele garante. “Só... aquele seu amigo... não confio
nele. Não estou dizendo isso porque o Babyface é meu amigo, juro. Só... não
confio nele, Savannah.”
Qual era o problema deles com o Cameron? Cam nunca fez nada para
nenhum deles, então não consigo entender essa implicância, se ela não for
fundamentada pelo ciúme de Zach.
“Ele é meu amigo. Eu o conheço minha vida inteira praticamente.”
“Você o conhecia”, Derek me corrige. “Vocês estavam anos sem se ver.
Não são mais duas crianças. Quem te garante que ele continua sendo a
mesma pessoa da qual você se lembra?”
“Ele é”, digo, mas Derek já conseguiu plantar a semente da dúvida.
“Não tô querendo te jogar contra o seu amigo, mas tenha certeza antes
de defendê-lo com tanto afinco.” Derek abre um pequeno sorriso para mim.
“Vou preparar alguma coisa pra você comer.”
E ele se levanta do sofá e vai para a cozinha, me deixando sozinha com
minhas dúvidas.
25.

BABYFACE

Eu devo estar ficando maluco.


Ou, de repente, estou me formando na profissão errada e deveria largar a
engenharia e me tornar detetive.
Estou seguindo Cameron há exatas duas horas. E, pensando dessa forma,
realmente devo estar ficando maluco. Eu estou seguindo uma pessoa há duas
horas inteiras. Eu deveria estar fazendo algo mais útil com o meu tempo, mas
a verdade é que nada me tira da cabeça que esse cara está tramando alguma
coisa. E, embora tenha-o visto beijando Savannah, isso não quer dizer que
eles estejam juntos, certo? Bom, e mesmo que estejam, se é o que Savannah
quer, vou precisar aceitar e deixá-la ser feliz, mas eu não vou deixar o meu
filho nas garras desse imbecil.
Nem morto.
Ai, porra, eu estou parecendo um pai.
Enfim, não me entenda mal, eu também não quero Savannah perto de
Cameron, mas não posso querer controlar a vida dela. Não tenho esse direito.
Especialmente se levarmos em consideração o quanto eu sei que a estou
magoando.
Mas, voltando a minha investigação, Cameron está há quase cinco
minutos dentro de um bar. Por sorte, as grandes janelas na fachada me
deixam ver o inteiro do estabelecimento. Ele está sentado no balcão,
conversando com o mesmo cara com quem o vi conversar no outro dia.
Lugar curioso para se encontrar com alguém, considerando que
Cameron tem a mesma idade de Savannah e nem poderia estar dentro de um
bar. Mas, se ela consegue, por que ele não? Identidades falsas são uma
benção e uma maldição ao mesmo tempo.
Não sei quão útil está sendo essa minha tentativa de espionagem, afinal
de contas, não faço a menor ideia de quem seja o cara com quem Cameron
está conversando e nem sobre o que eles estão conversando. O que posso
afirmar com toda a certeza é que o cara quer algo de Cameron. Mas o quê? E
como isso, de alguma forma, pode afetar Savannah?
Preciso de mais informação.
Não posso pedir ajuda a nenhum dos caras porque Cameron conhece
todos eles, então... Puxo o celular do bolso e ligo para a Nathaxa. Nós fomos
parceiros em um projeto no ano passado e acho que posso considerá-la minha
única amiga mulher. Nat nunca frequenta os mesmos lugares que eu, então a
grande maioria das pessoas nunca nos viram juntos. Ela é uma completa
desconhecida.
É perfeita.
“Céus!”, a voz de Nat se faz ouvir do outro lado da linha. “Quando você
me liga, minhas pernas começam a tremer de nervoso. O que aconteceu,
Bradley?”, ela quer saber.
Nathaxa é a única pessoa na face da Terra, além de Burke, que me
chama pelo meu sobrenome.
“Preciso dos seus serviços.”
“Não vou dormir com você. Te disse isso no nosso primeiro ano de
faculdade e continua sendo verdade.”
Reprimo a vontade de rir. Sim, eu dei em cima da Nathaxa no primeiro
ano. Não tenho culpa se ela é uma morena muito bonita, eu era calouro e
estava buscando me aventurar na universidade. Mas isso já faz muito tempo.
“Não esse tipo de serviço, sua maluca. Eu não estou mais a fim de você
há três anos, Nat.”
“Quando se trata de você, nunca se sabe”, ela brinca. “Do que você
precisa?”
“Preciso que me encontre em Raleigh.”
“Por quê?”, ela pergunta, receosa.
“Preciso que me ajude a espionar um cara. Sei que parece loucura e
prometo que vou explicar tudo, mas preciso que venha depressa.”
Nat suspira. “Tenho certeza de que vou me arrepender. Me mande o
endereço por mensagem.”
E ela desliga.

***
“É melhor você me explicar direitinho o que tá rolando”, diz Nat,
entrando no carro.
Estou com o Range Rover do Nash, o que é uma merda porque não é um
carro realmente discreto, mas é melhor do que o trambolho da caminhonete
de Derek. A SUV de Jeremy também não ajuda muito. Suponho que não há
como reclamar. Somos homens grandes, não dá para termos carros pequenos.
“Resumindo, minha namorada tá grávida; nós estamos brigados; o
melhor amigo dela surgiu das profundezas do inferno para aporrinhar a minha
vida; e, por fim, eu acho que ele está envolvido em alguma coisa suspeita.
Preciso que você entre naquele bar e tente ouvir a conversa dele.”
Nat pisca. Ela está com o cabelo castanho preso em um rabo de cavalo e
os olhos castanhos me encaram, confusos.
“Você vai ser pai?” Ela arregala os olhos. “Uau.”
A palavra pai atrelada a mim me faz ter calafrios. “Vai me ajudar ou
não?”
“Claro que eu vou te ajudar, seu imbecil. Quem é o criminoso que
estamos de olho?”
Sorrio. “O nome dele é Cameron. Ele está sentado no balcão do bar com
um cara careca. Sente perto, mas não perto demais. Eu vou ficar aqui fora o
tempo todo para garantir sua segurança.”
“Meu herói”, ela diz, cheia de ironia.
Reviro os olhos. “Solte o cabelo. Imagino que você deva saber como ser
minimamente sensual por trás dessa sua carinha de menininha.”
Nat solta o cabelo, umedece os lábios e olha na minha direção. Os olhos
castanhos brilhando. É, acho que não teremos problemas com isso.
“Por favor”, ela debocha. “Para a sua sorte, você não faz nem um pouco
o meu tipo. Não curto os loiros. Mas, caso eu quisesse, três anos atrás, você
estaria comendo na minha mão, meu amor.”
Eu não duvido.
“Volto já”, ela diz, saindo do carro.
Quando Nat entra no bar, eu a vejo se sentar próxima de onde Cameron
está conversando com o homem careca.
Agora é só esperar.

***

Meia hora depois, Nat volta. Ela pula para dentro do carro, e eu começo
a dirigir para longe de lá. Já fiquei parado ali por tempo demais. Não quero
que Cameron suspeite do que eu estou fazendo.
“E aí?”, pergunto, ansioso.
Nat prende o cabelo. “Não deu para entender muito, pois eles estavam
falando bem baixo e eu não quis levantar suspeitas ao me aproximar mais,
mas parece que o nosso criminoso está devendo dinheiro pra esse cara. E,
posso estar louca, mas acho que sua namorada é quem vai pagar a dívida
dele.”
“O quê?”, eu quase grito.
“Eu não tenho certeza se é ela mesmo, mas eu o ouvi dizer que uma
amiga emprestaria o dinheiro.”
“Quanto ele está devendo?”
“Não sei.”
“Sabe por que ele está devendo dinheiro?”
“Também não, mas o cara parecia bem irritado. Como se já estivesse
esperando esse dinheiro há muito tempo.”
Aperto o volante com tanta força que os nós dos meus dedos ficam
brancos. “Não acredito que esse maldito está envolvendo Savannah nos seus
negócios sujos.”
Dever dinheiro nunca é uma coisa boa, mesmo que o motivo pelo qual
você pegou a grana emprestada seja nobre — o que eu duvido que seja o caso
de Cameron. Se esse imbecil se importa com Savannah, como pode sequer
pensar em envolvê-la nisso? Que porra de amigo é esse? Na verdade, não sei
por que estou surpreso. Sei que Cameron não presta desde que coloquei meus
olhos nele. Então é claro que ele não se importa de verdade com Savannah.
“Por que você e Savannah estão brigados?”, Nat quer saber.
Não respondo. Não quero falar sobre isso.
“Tá, não me conte, então. Mas, não seja burro, Bradley. Está na cara que
esse garoto está com problemas e se você não abrir os olhos da sua namorada,
logo ela estará também.”
A declaração de Nathaxa me atormenta depois que eu a deixo em casa,
enquanto eu dirijo para a minha casa e quando paro o carro na frente da casa
de Savannah, não da minha. Fico parado ali por quase dez minutos, pensando
no que diabos eu vou dizer a ela. Se chegar acusando Cameron, Savannah irá
defendê-lo e pode começar a acreditar que eu o estou perseguindo por ciúme.
E isso sem mencionar o beijo, que eu imagino que ela não saiba que eu vi.
Sinceramente, pensar que ela pode se envolver com Cameron — ou com
qualquer outro homem, na verdade — me deixa louco, mas não posso deixar
meu desejo, meu amor e o meu ciúme dominarem meus argumentos. Eu
preciso de provas. Contra fatos não há argumentos, é o que dizem. Então,
preciso provar a ela que Cameron é um tremendo filho da puta mentiroso,
mas como?
Decido que, se não posso contar nada a ela ainda, pelo menos posso
entrar e ver como ela está. Mesmo que ela esteja disposta a seguir em frente,
não quer dizer que vou deixar de me importar com ela de uma hora para a
outra.
Quando toco a campainha, sinto uma incomum sensação de nervosismo.
Se ela me disser que está embarcando em um relacionamento com Cameron,
vou perder a cabeça.
Para a minha surpresa, é Friends quem abre a porta.
“Friends?”
“Você chegou na hora certa”, ele diz, me puxando para dentro da casa.
Me surpreendo mais ainda quando encontro todos os meus amigos na sala da
casa de Savannah, enquanto ela está sentada no sofá, segurando um prato
com waffles e sorvete.
Franzo o cenho, confuso. “O que tá acontecendo aqui? Você está bem?”,
pergunto diretamente para Savannah, e de repente, estou preocupado. Se
todos os caras estão aqui... Será que ela passou mal ou coisa assim?
“Eu estou bem”, ela assegura, com um sorriso. “Seus amigos, por outro
lado, são muito exagerados.”
Fico mais confuso ainda. “Alguém explica, por favor.”
Kyle vem ao meu resgate. “Nash ligou dizendo que Derek tinha sentido
o bebê chutar. Ele ficou com ciúme porque o D sentiu o bebê, e ele não.
Então, todos nós viemos para sentir o bebê chutar.”
Olho para os meus amigos, perplexo. “Vocês deslocaram suas bundas
até aqui para incomodar a minha mulher com isso? Ela deveria estar de
repouso”, eu os repreendo. “Você deveria estar de repouso”, enfatizo,
olhando para Savannah.
Um sorriso hesitante se forma em seus lábios. “Ora, mas eu estou de
repouso. Derek cozinhou pra mim e Nash foi ao supermercado comprar
waffles com creme de avelã, sorvete e chantilly.”
Eu a encaro, depois encaro seu enorme prato de waffles.
“Eu estava com desejo”, Savannah explica. Em seguida, ela leva mais
um pedaço de waffles na boca e solta um gemido que percebo, infelizmente,
que deixa todos os meus amigos tensos. “É quase como um orgasmo.”
Friends começa a tossir.
“Não me olhem com essas caras, vocês não entendem coisa alguma
sobre gravidez e seus desejos esquisitos.”
Reprimo a vontade de rir. Às vezes, no meio de toda essa loucura, me
esqueço como ela é fofa e completamente maluquinha.
“Vocês a entupiram de açúcar”, acuso Derek e Nash.
“Ela nos obrigou”, defende-se Nash.
Derek confirma com a cabeça. “Savannah sabe ser bem persuasiva.”
Ah, eu sei.
“Certo. Se mandem!”, eu os expulso, sem cerimônia. “Savannah e o
bebê precisam descansar e ela não vai conseguir fazer isso com um monte de
marmanjos malucos na sua sala.”
“O moleque nem nasceu e o Babyface já está chato”, resmunga Friends,
ganhando um aceno de cabeça em concordância de Ryan.
“Agora!”, eu digo, sério.
“Tchau, Sav”, os caras dizem em uníssono.
Ela sorri. “Tchau, meninos. Obrigada pela companhia.”
Quando os caras finalmente vão embora, Savannah fixa os olhos cor de
âmbar em mim. Sua barriga parece ainda maior agora, mas eu nunca a achei
tão linda, com o cabelo preso em um rabo de cabelo desleixado e os cantos da
boca sujos de chocolate.
Sorrio comigo mesmo.
“Por que está me olhando assim?”, ela quer saber.
“Nada.” Me aproximo devagar. “Eles te cansaram muito?”
Ela faz que não. “Foi bem divertido, na verdade. A reação deles quando
sentiram o bebê chutar...” Ela ri. “Impagável.”
Percebo, consternado, que eu sou o único que ainda não sentiu meu filho
mexer. Eu escutei o seu coração bater e estou vendo-o crescer através da
barriga de Savannah, mas nunca tive nenhum contato real com ele.
De repente, Savannah solta um gemido.
“O que foi?”, pergunto, rapidamente.
“Ele está muito agitado hoje.” Ela coloca a mão na barriga. “Acho que
foi o açúcar.”
Olho para a sua barriga, me perguntando se deveria dar voz ao meu
desejo ou permanecer em silêncio, para a saúde mental de nós dois. Mas,
antes que eu possa evitar, me pego dizendo: “Posso sentir?”
Savannah faz que sim com a cabeça.
Hesitante, levo minhas mãos até a sua barriga. “Não sinto nada.”
“Shhh... espere um momento”, ela sussurra, cheia de sabedoria.
E eu espero.
Quando estou prestes a constatar que talvez meu filho esteja inclinado a
me rejeitar, exatamente como eu tenho feito com ele, eu o sinto chutar em
cheio a palma da minha mão esquerda.
Levo um susto, arregalando os olhos, o que faz Savannah soltar uma
risadinha.
“Caramba! Ele é muito forte!”
“Ele é mesmo, mas imagina sentir isso o dia todo”, ela resmunga,
parecendo cansada. “Seus amigos fizeram um cronograma de treinamento
para ele. Você sabia disso?”
“Como assim?”
Savannah ri. “Nash disse que quanto maior eu ficar, mais alto será o
bebê. Então, é claro, que ele só poderia ser jogador de basquete. O
cronograma de treinamento inclui levantamento de mamadeiras, corridas de
andador — o que eu já decretei que não vai acontecer — e arremessos na
cestinha que Nash comprou. O futuro dessa criança está definido por seis
jogadores de basquete universitários, que Deus me ajude.”
Percebo que Savannah não usa expressões como “nosso filho” ou “que
Deus nos ajude”. Ela já parou de me incluir.
Tento não parecer decepcionado. Porra, não era justamente isso o que eu
queria desde o começo?
“Bom, o bebê com certeza vai ser alto, se puxar o meu lado.”
“Está me chamando de baixinha?”
Sorrio. “Com certeza.”
“Pois saiba que meu filho ficaria muito bem sendo da minha altura. Não
há nenhum problema em ser um homem baixo.”
“Se ele não quiser seguir os passos atléticos dos tios malucos, com
certeza não vai haver nenhum problema mesmo.”
Há um momento de silêncio, embora, ainda bem, não seja nada
constrangedor. É quase como se fosse um silêncio necessário. Há muitas
palavras não ditas entre nós, então um momento para acertar os pensamentos
é muito bem-vindo.
“Você me chamou de sua mulher”, observa Savannah. Eu estou
ajoelhado na sua frente, o que faz com que fiquemos da mesma altura, e ela
tira proveito disso fixando os olhos nos meus, com muita intensidade.
Engulo em seco. “É. Acho que chamei. Mas não se preocupe”,
acrescento, quando noto uma confusão em seus olhos “foi apenas força do
hábito.”
“Ah.”
Mais um silêncio, mas, dessa vez, bem constrangedor.
“Preciso te perguntar uma coisa.”
“O quê?”
“Você e Cameron...”
Ela fecha os olhos, cansada. “Zach.”
“... Eu vi o beijo.”
Savannah prende a respiração. “Você viu?”
Assinto, sem conseguir dizer nada por cima do nó que se formou na
minha garganta.
“Ele se declarou pra mim”, ela conta, envergonhada. “Pediu que eu
desse uma chance a ele, que ele cuidaria de mim e do... meu filho.”
Luto contra a vontade de dizer: eu te avisei. Isso não vai ajudar em coisa
alguma agora.
Mas, mais do que isso, preciso lutar contra a vontade de quebrar alguma
coisa. Respiro fundo. Preciso me lembrar que só vou ganhar essa guerra se
tiver provas de que Cameron é um canalha perigoso.
“E o que você disse?”, eu digo, e percebo que minha voz soa controlada
até demais.
“Não disse nada.”
Não sei se interpreto isso como algo bom ou ruim.
“Entendo.” Pigarreio. Não vou insistir nesse assunto porque sei que não
vou gostar do rumo dessa conversa. “Quer que eu te leve para o quarto?”
Savannah faz que sim. “Eu gostaria disso.”
Pego Savannah no colo, não deixando de notar como está mais pesada.
Meu filho está crescendo. Caramba!
Coloco-a deitada confortavelmente em cima da cama e tenho aquela
sensação de que está na hora de ir embora. Afinal, não tenho mais o que fazer
aqui. Além do mais, ficar sozinho com Savannah nunca é uma decisão
inteligente, na atual circunstância.
“Bom, se precisar de alguma coisa...”
“Você aceitaria numa boa se eu escolhesse ter algo com Cameron? Ou
com qualquer outro homem?”
Penso um momento no que e como responder, sem parecer possessivo e
egoísta. “Quero que você seja feliz, Sav. Se eu tiver que te ver com outro cara
pra isso, mesmo que me mate, então que seja.”
Ela assente, mas sua expressão me deixa saber o quanto está devastada.
“Você foi a melhor coisa que aconteceu comigo. Gostaria que soubesse disso
e... eu não me arrependo de nada.”
Meus olhos queimam, e eu engulo em seco duas vezes. “Você também
foi a melhor coisa que aconteceu comigo. Gostaria de ter te conhecido antes,
talvez você tivesse me ajudado.”
Ela franze o cenho. “O que isso significa?”
“Que agora é tarde para que eu seja salvo.” Forço um sorriso. “Boa
noite, Sav.”
E antes que ela possa me impedir, eu saio do seu quarto, da sua casa e da
sua vida.
26.

SAVANNAH

Dezembro

“Quase não acreditei quando Savannah ligou dizendo que vocês tinham
se reencontrado”, diz minha mãe, abraçando Cameron. Ele e sua mãe
passarão a ceia de Natal com a minha família.
“Eu mesmo quase não acreditei”, ele diz. “Foi o destino.”
Cam abre um sorriso bonito, que eu tento retribuir com a mesma
verdade, mas acho que não fui bem sucedida.
Estou um caco. Cansada demais, enorme demais e, mesmo que eu tente
não estar, triste demais. Faz mais de um mês que Zach e eu terminamos as
coisas oficialmente. Cameron e eu estamos tentando, mas... Deus! Não faço a
menor ideia do que diabos eu estou fazendo. A maior parte do tempo, estou
mais perdida do que qualquer outra coisa.
Não amo Cameron. Não sinto nada romântico por ele, mas a ideia da
figura masculina para o meu filho é o que me faz tentar. Eu o estou usando
descaradamente. Sou uma pessoa horrível.
Meu filho deve nascer no começo de março, e embora eu esteja ansiosa
para ver o seu rostinho, para começar a analisar se ele se parece comigo ou se
será loirinho como Zach, eu estou verdadeiramente apavorada. Esse semestre
tem sido difícil. Muito mais do que eu imaginava.
Por conta do cansaço, tenho me dedicado menos às aulas, à música e aos
projetos sociais, que antes eu tinha tanta disposição para organizar. Mal
consegui estudar para as provas devido às noites mal dormidas e, por favor,
nem me deixe começar a falar sobre todo o desgaste emocional dessa coisa
toda.
Estou acabada.
Por um lado, não vejo a hora do bebê nascer, para ter meu corpo de
volta, minha fácil mobilidade de volta e acabar de uma vez por todas com
essa coisa de repouso. Mas, por outro lado, não faço ideia do tipo de desafio
que me aguarda. Só sei que não será fácil, mas isso não quer dizer muita
coisa. A realidade é sempre muito diferente da teoria.
“Você está bem, criança?”, Dulce pergunta, me puxando para o canto
enquanto meus pais conversam com Cameron e Eloise, a mãe dele.
“Claro”, tento soar casual. “Estou ótima. Cansada, mas ótima.”
Dulce me olha com desconfiança. “Você é uma péssima mentirosa,
Savannah Elena Radcliff.”
Suspiro. Não sei nem porque me dou ao trabalho de tentar. “É, você já
me disse isso algumas vezes.”
“Querida, me perdoe se vou me intrometer, mas o que você está
fazendo?”
“Gostaria de saber também.”
“Cadê o Zach?”
“Foi passar o Natal com um amigo da faculdade.”
Fiquei sabendo por Eretria que Zach passaria o Natal com Nash e o pai
dele, no Michigan. Não entendi por que ele não quis ir para a Califórnia, já
que, esse ano, os meninos tiveram uma folga maior na temporada, que,
inclusive, eles estão levando bem, embora Derek tenha certas dúvidas se eles
vão chegar aos playoffs. Segundo eles, as outras equipes estão muito
melhores do que no ano passado.
“E como vocês dois estão?”, Dulce investiga.
“Estamos separados.”
“Ora, meu bem, mas por quê? Não sou nenhum guru do amor, mas era
tão óbvio que aquele rapaz te ama.”
Engraçado ele nunca ter me dito isso.
Escolho dar de ombros. Não quero ter de falar sobre isso, mesmo com
Dulce. Admitir, mais uma vez, que meu filho havia sido rejeitado, é demais.
“Vou ficar bem, Dulce.” Sorrio. “As coisas vão ficar bem.”
Segurando a minha mão com firmeza, Dulce me olha nos olhos.
“Savannah, há certas escolhas que não podemos desfazer. Pense se daqui a
dez anos, você vai estar feliz e tranquila com a decisão que está tomando
nesse momento.”
Assinto, forçando um sorriso.
Se pelo menos fosse eu quem pudesse fazer a escolha...

***

Mais tarde, Cameron e eu nos enfiamos no meu quarto para que eu


pudesse fazer a contagem do dinheiro que entregaria a ele, para que pagasse a
dívida com o agiota. Cameron tinha conseguido adiantar sete mil dólares —
não sei como —, então faltavam apenas quinze mil.
Quinze mil dólares.
Não sei como vou explicar esse rombo na minha conta para os meus
pais. Na verdade, estava surpresa que o banco ainda não tenha ligado para
eles para contar sobre o saque que eu fiz.
“Caramba, linda, você tá salvando a minha pele.”
“Você tem que me prometer que isso não vai se repetir, Cameron.” Eu o
encaro, séria. “Eu não vou te emprestar dinheiro de novo.”
Ele confirma com a cabeça. “Prometo que não vou apostar mais.”
Eu termino de contar o dinheiro, coloco dentro de um envelope e
entrego para ele. “Guarde muito bem isso até voltarmos para a Carolina do
Norte.”
Cameron assente e envolve minha cintura com os braços. “Você é
perfeita.” Ele me beija. “Obrigado. Muito obrigado mesmo.”
Quando vejo a luxúria encher os seus olhos, um desconforto do tamanho
dos Estados Unidos invade o meu corpo. Ele quer transar. É óbvio que quer,
estamos saindo juntos há um mês, era de se esperar isso, mas... Deus! Isso
parece tão errado. Quer dizer, eu estou grávida. Grávida de outro homem.
“Estou morrendo de fome, sabia?” Eu sorrio, inocente.
“Você está fugindo, na verdade.”
Sinto minhas bochechas corarem de vergonha.
“Estamos namorando, Sav. Sexo faz parte.”
“E-e-eu sei”, eu gaguejo, nervosa. “Mas eu tô grávida e... e... é bem
desconfortável, sabe. E eu não quero que você me veja nua com essa barriga
enorme”, minto. Na verdade, pouco me importa se Cameron iria me achar
atraente ou não.
Cameron beija o meu pescoço. “Eu não ligo pra isso, gata. Você é linda
aos meus olhos.”
Engulo em seco. “Cam, é sério. O bebê vai nascer em breve e... então
nós podemos dormir juntos.”
Nunca me senti pressionada a transar com alguém. Sexo não deveria ser
algo forçado, independente se está vindo de um estranho ou do seu
namorado. Sexo supostamente deveria ser algo natural. E eu estou sentindo
todas as coisas agora, menos naturalidade.
“Qual é, Savannah, você está se comportando como uma virgem!”
Fico boquiaberta. “E você está se comportando como um babaca! Não
vou transar com você e ponto final!”
“Não quer dar pra mim, mas daria para o Zach, não é?”
“Zach é o pai do meu filho”, replico.
Cameron segura o meu braço e me puxa para si, com força. “Mas ele
não está aqui cuidando do seu filho, está? Não, não está. Eu estou. Você é
minha agora, entendeu?”
“Você está me machucando”, eu digo, tentando esconder o medo na
seriedade da minha voz.
“Por que você não entende? O que você viu nele afinal de contas? Ele é
alto e forte. Você é fútil nesse nível? Sabe quantas vagabundas ele consegue
com aquela aparência?”
Percebo, chocada, que o meu medo dá lugar à raiva. “Zach é um cara
decente. E com certeza não estaria me machucando como você está fazendo
agora.”
Não sei como aconteceu, mas quando me dou conta, estou sobre o
colchão da cama, com o rosto ardendo e a cabeça rodando.
Fecho os olhos, tentando me orientar.
Encaro para Cameron, horrorizada. “Você... me... bateu?”
Os olhos dele, que há segundos transbordavam de fúria, se suavizam.
“Merda. Desculpa, Sav. Eu não quis machucar você. Desculpa mesmo.
Desculpa. Meu temperamento é um pouco difícil às vezes, mas eu tô
trabalhando nisso. Desculpa. Você me perdoa?”
Não, tenho vontade de gritar, mas, ao invés disso, eu apenas dou uma
leve assentida, chocada demais com o que aconteceu. Eu acabei de ser
agredida? É, eu acho que sim.
“Obrigado! Obrigado!” Cameron me abraça. “Eu juro que nunca vou
fazer isso de novo.”
Eu mal o abraço de volta, mas também não o afasto. A sensação de estar
pisando em ovos é desconcertante e desesperadora.
“Doeu muito? Deixa-me ver.” Ele segura meu rosto, analisando minha
bochecha, que sinto que está quente e formigando por conta da força do tapa.
“Caramba! Me desculpa! Sav, caramba, me desculpa.”
Engulo em seco. “Podemos descer? Eu realmente estou com fome.”
Cameron faz que sim com a cabeça e segura a minha mão com uma
possessão que me revira o estômago.
“Vamos, linda.”
Forço um sorriso ao mesmo tempo em que uma urgência de fugir me
inunda. Tenho a sensação de ter cometido o pior erro da minha vida.
Mal consigo aproveitar o jantar.
Meu corpo está tenso e Cameron mantém a mão sobre a minha coxa
durante todo o tempo. Ele come toda a ceia usando uma única mão, apenas
para não ter de se afastar do meu corpo.
Dentro da minha cabeça, uma luz vermelha pisca, indicando estado de
alerta total. Como Cameron foi de um cara legal para um completo maníaco
em um piscar de olhos?
Consigo ouvir a voz de Zach dentro da minha cabeça. Ele tentou me
alertar, mas eu defendi Cameron cegamente. E é claro que eu não posso
envolver Zach nisso agora. Nós terminamos definitivamente, seria errado
envolvê-lo se ele não é mais meu namorado e, como sabemos, não quer nem
ser o pai do meu filho. Então, qual a ligação real que temos? Eu lhes digo:
Nenhuma. Não temos mais nenhuma ligação.
Meu coração dói.
Como perdi o controle da minha própria vida desse jeito?
Onde eu estava com a cabeça?
O que foi que eu fiz?
“Você está tensa, Sav”, observa Cameron. Nós estamos na área da
piscina, pois eu me recusei a voltar para o meu quarto com ele. Estou
pensando em uma desculpa para que ele não durma na minha casa.
“Cansaço”, digo. Não é completamente mentira, ficar acordada até tarde
me deixa muito cansada. De repente, algo me ocorre. “Normalmente, eu já
estou...” Solto um grito de dor.
“Savannah? O que foi?”
Começo a arfar. “Eu... não... sei. Chama alguém, Cam. Rápido!”
Ele corre para dentro da casa e volta, segundos depois, com meus pais e
Dulce.
“Savannah? Filha? O que foi? O que você está sentindo? Fala pra mim,
querida”, minha mãe dispara, histérica.
“Está doendo, mãe”, eu arquejo.
Meu pai me pega no colo rapidamente. “Vamos para o hospital.”
“Não, não precisa”, eu me apresso para dizer. “Isso acontece às vezes. A
médica orientou que eu fizesse repouso, mas eu dei uma extrapolada hoje.
Me levem para o quarto, por favor.”
“Eu fico com você”, Cameron se oferece.
“É melhor não, querido”, orienta minha mãe, com doçura. “Savannah
precisa descansar. Mas você pode vir amanhã bem cedo.”
Fecho os olhos por conta da dor e solto um gemido desesperado. “Pai”,
choramingo.
“Vou levá-la para o quarto.”
Eu deito minha cabeça no peito do meu pai e deixo que ele me leve.
Com todo o carinho que lhe é peculiar, meu pai me coloca deitada no
colchão e puxa o lençol para cima do meu corpo. Ele também ajeita os meus
travesseiros, para me deixar o mais confortável possível. Por fim, olha para
mim, aflito.
“Tem certeza de que não quer ir ao médico?”
“Tenho, pai. Vou ficar bem.”
Ele não parece convencido, mas acata. “Eu te amo, querida. Por favor,
siga as recomendações da médica com afinco, Savannah.”
“Sim, papai”, digo, docemente. E sei que ele se lembra de que é
exatamente assim que eu costumava responder quando era apenas uma
garotinha.
Meu pai sorri. “Descanse, meu bem. Vou pedir a Dulce que faça um chá
para você.”
“Obrigada.”
“Se sentir qualquer coisa, não hesite em gritar. Eu pego o carro e nós
vamos correndo para o hospital.”
“Pode deixar.”
Meu pai me dá um beijo na testa e se dirige à porta do meu quarto.
“Ah, pai!”, chamo, e ele olha para mim. “Eu também te amo.”
Seu sorriso fica ainda maior. “Boa noite, princesa.”
Quando meu pai fecha a porta do meu quarto, eu pulo para fora da cama
e corro até a janela. Espero até ver Cameron indo embora e, finalmente,
respiro aliviada.
“Desculpa, filho. Mamãe precisou usá-lo em uma manobra de
emergência”, digo, passando a mão pela minha barriga. “Mamãe é um
gênio!”
Dou risada comigo mesma.
“Vamos ficar bem. Você e eu. Vou garantir isso e você nunca, nunca vai
precisar se preocupar com nada.”
Eu vou garantir isso também.
27.

BABYFACE

Que merda de Ano Novo.


Que merda de ano, na verdade.
Tá. Nem tudo foi tão ruim assim. O começo foi até muito bom. O time
venceu a Finals Four da NCAA, não reprovei em nenhuma matéria, transei
pra caralho com Savannah e tivemos nossos muitos momentos bons, mas, do
meio do ano até agora... Sav e eu ainda tivemos momentos bons, mas
misturados a muita confusão e mágoa.
Meu telefone começa a tocar no instante em que o relógio bate meia
noite.
Kait.
“FELIZ ANO NOVO!”, ela grita, do outro lado da linha. Pelo menos um
de nós está animado.
“Feliz Ano Novo, Kait! Onde diabos você está?”
Qualquer lugar no mundo é barulhento quando o relógio bate meia noite
do dia primeiro de janeiro, mas ela está em um lugar realmente muito
barulhento.
“Na Times Square”, ela grita.
Nova York? Mas o que essa garota está fazendo em Nova York?
“O que você está fazendo aí, Kait Antonela Bradley?”
Ela ri. “Ah, por favor, isso super não vai funcionar comigo, maninho. Eu
estou aqui porque vou começar na Brown em agosto. Então, vim mais cedo
para me habituar.”
Fico boquiaberto. “Você passou na Brown?”
“Passei!”
“Puta merda, Kait!” Começo a rir. “Você conseguiu! Você conseguiu!”
“Eu consegui!” Ela ri também.
“Eu tô tão orgulhoso de você!”
E é a maior verdade. Kait sempre foi uma aluna exemplar, embora meu
pai insistisse em dizer o contrário a ela. Mas a opinião dele não importa. Não
mais, pelo menos. Minha irmã realizaria o sonho de se tornar médica e isso
era tudo o que importava.
“Obrigada, irmãozão.” Consigo senti-la sorrindo do outro lado da linha.
“Pensei em ir para a Carolina do Norte ficar uns dias com você assim que for
possível. O que acha?”
“Savannah está grávida”, digo, de repente.
“Como é que é?!”
Me arrependo de ter dito na mesma hora. “Enfim, você deveria vir.
Preciso desligar.”
“Zach Anthony Bradley, não ouse desligar esse...”
E eu desligo.
Eu posso ouvir um sermão dela pessoalmente, de qualquer forma. Então,
por que ouvir duas vezes?
Observo meus amigos comemorando e sinto um aperto no peito. Quase
todas as pessoas importantes para mim estão aqui hoje — no Holme’s, é
claro. Onde mais? —, mas eu só desejo estar com as que justamente não
estão aqui. Kait e Savannah.
Já deixei de sentir falta dos meus pais há muito tempo. No começo, era
quase insuportável estar tão perto deles e ao mesmo tempo tão incrivelmente
distante. Deixamos de comemorar o Dia de Ação de Graças, o Natal e o Ano
Novo. A casa era um silêncio mortal nessas datas. Kait e eu improvisávamos
um jantar e comíamos no escuro para não chamar a atenção do meu pai, que
se trancava no quarto com a minha mãe e... Deus! Prefiro nem imaginar o que
acontecia lá dentro. Gostaria de saber exatamente o que minha mãe estava
pensando quando se casou com ele.
No último Ano Novo que passei na Califórnia, meu pai me deu um belo
hematoma nas costelas como comemoração. Se eu fechar os olhos, ainda
consigo me lembrar de como doía enquanto ele me chutava, e eu, no chão,
indefeso, tentava me proteger.
Balanço a cabeça. Preciso parar de pensar nisso ou vou perder a cabeça.
Meu celular começa a tocar de novo, e eu estou pronto para recusar a
chamada de Kait, mas fico paralisado ao perceber que é Savannah quem está
me ligando.
Vou para o lado de fora do Holme’s para conseguir ouvi-la com toda a
clareza. Estamos há mais de um mês e meio sem nos falar, então acho que
estar tremendo agora é completamente normal.
“Alô?”
“Zach!”, ela choraminga, e meu corpo inteiro enrijece.
“Savannah?” Eu não consigo ouvi-la direito. Seja lá onde ela está, é
muito barulhento. “Savannah? Você está bem? Onde você está?”
“Em uma boate.” Ela começa a chorar mais ainda. “Me desculpa, eu não
sabia para quem ligar.”
“Uma boate? Que diabo você tá fazendo em uma boate?”
“Cameron.”
Meu sangue sobe, e eu começo a tremer de ódio. Eu sei que eles estão
saindo e sei que ele foi para a Flórida com ela no Natal, mas não esperava
que o filho da puta fosse levá-la à uma boate na condição que ela está. Na
verdade, eu estou sendo idiota por me surpreender.
“Eu me tranquei no banheiro. Ele está muito bêbado, Zach, e... Por
favor, eu preciso da sua ajuda!”
“Me manda a sua localização. Eu estou indo. Fique no banheiro,
entendeu? Não saia daí!”
“Tá bom.”
Como eu não estava no clima de beber, fiquei responsável por ser o
motorista da noite, então as chaves do carro de Jeremy já estão comigo. Eu
vou correndo até a SUV preta e disparo, cantando pneu pela rua. Recebo a
localização de Savannah logo em seguida e ultrapasso o limite de velocidade
para chegar lá mais depressa. Posso pagar a eventual multa que Jeremy vai
receber.
Por sorte, a boate fica em Raleigh, então não demora para que eu chegue
ao endereço indicado pela localização dela. Mas, considerando que a entrada
principal está lotada de pessoas tentando entrar, eu tento acesso pelos fundos.
A porta de alguns estabelecimentos fica destrancada, então não custa nada
tentar por ali primeiro. Isso me economizaria um tempo precioso.
Seguro a maçaneta e puxo. Respiro aliviado ao me dar conta de que a
porta realmente abre. Obrigado, Deus. Eu adentro o lugar depressa para que
ninguém me veja e rapidamente me misturo às outras pessoas, procurando
pelos banheiros, onde eu posso encontrar Savannah e tirá-la daqui com
segurança.
Envio uma mensagem para ela.
Eu: Tô aqui. Pode sair.

Fico atento aos arredores, para o caso de Cameron aparecer de repente.


Mas tudo desaparece da minha mente quando coloco os olhos em Savannah.
Os olhos dela estão vermelhos, a maquiagem está borrada e — Deus, não! —
ela está com um hematoma enorme no braço direito.
Chorando, ela acaba com a distância entre nós e me abraça forte.
“Obrigada! Obrigada por ter vindo!”
Eu a afasto com delicadeza e seguro o seu braço para inspecionar o
hematoma. “O que é isso?”, exijo saber.
“Não é nada.”
“Savannah! O que é isso?”, eu repito a pergunta, minha voz sai sombria,
dura e tomada por uma fúria que eu nunca senti antes. Quando ela não
responde, eu perco o controle. “Ele bateu em você? Me responda!”, ordeno,
furioso.
Lentamente, ela faz que sim com a cabeça.
“Vou matá-lo!”
“Zach! Espera!”
Mas ela não consegue me segurar. Eu já estou atravessando a multidão
da boate à procura de Cameron. Como sou um pouco mais alto do que a
maioria das pessoas, não é tão difícil assim de encontrá-lo. É óbvio que o
maldito está perto do bar, junto com uns caras que, percebo, não será difícil
de derrubar com um único soco bem dado.
Escuto Savannah me chamando, mas a minha fúria é tudo o que eu
enxergo.
Antes que Cameron possa perceber a minha presença, eu enfio meu
punho na cara dele, derrubando-o no chão. Os amigos imediatamente tentam
me segurar, mas eu dou um soco em cada um deles também, fazendo-os cair
no chão. Puxo Cameron pela gola da camiseta e o levanto do chão,
segurando-o com força e imobilizando-o.
“Você bateu nela? Você bateu na minha mulher? Grávida do meu
filho?”, eu rosno, transtornado.
“Ela é minha namorada”, ele replica, tentando me empurrar. “Isso não é
da sua conta!”
“Ela é minha mulher!”, eu rosno, por cima da voz dele. “Você vai
desaparecer da vida dela a partir de hoje. Se eu o vir perto dela novamente,
Deus te ajude, porque eu vou matar você, entendeu?”
Eu dou outro soco no queixo de Cameron e o solto no chão, o corpo
caindo com um barulho opaco ao atingir o piso engordurado da boate de
quinta onde ele enfiou Savannah.
“Vamos!”, digo a ela, gentilmente empurrando-a em direção à saída.
Do lado de fora, pelo mesmo beco por onde entrei, eu ando de um lado
para o outro, enfurecido. Savannah, por sua vez, está encostada na parede,
abraçando o próprio corpo e encarando os próprios pés, sem conseguir olhar
para mim.
“Quando isso aconteceu?”, pergunto, secamente.
“No Natal”, ela responde, baixinho. “Ele segurou meu braço com muita
força e me deu um tapa na cara. E ontem... ele apertou meu braço de novo,
por isso está assim.”
Chuto a lata de lixo com toda a força que consigo e Savannah estremece,
encolhendo o corpo.
“Por que você não me contou?”, eu grito com ela. “Por que não me
ligou?”
“Não queria te envolver porque não estamos mais juntos”, ela replica,
falando tão baixo que eu preciso me aproximar para ouvi-la com clareza.
“Eu já estou envolvido, Savannah! Você está grávida de um filho meu!”
“Um filho que você nunca quis!”, ela rebate, aumentando o tom de voz.
E a culpa me atinge em cheio. “Eu e meu filho finalmente tínhamos deixado
de ser um fardo pra você.”
“Um fardo?”, eu ecoo, perplexo. “Por Deus, Savannah! Você nunca foi e
nem nunca será um fardo. Se você estava correndo perigo, eu tinha que saber.
Se estava machucada, eu tinha que saber. Você não entende? Se alguma coisa
te acontecer, eu... eu não suportaria perder você também. Não suportaria.”
Ela pisca, os lábios tremendo e os olhos marejados. “Me desculpa.”
Respiro fundo, me aproximo mais dela, segurando seu rosto entre as
minhas mãos. “Você é tudo o que importa pra mim. Por favor, nunca mais
diga que você é um fardo.”
Savannah fica na ponta dos pés e envolve os braços ao redor do meu
pescoço; eu a puxo para mais perto de mim e nossos lábios se tocam.
Imediatamente, sinto como se meu corpo estivesse acordando de uma longa
hibernação. E quando a língua dela encontra a minha, eu solto um gemido de
saudade.
Eu estou morto por dentro sem ela.
Meu lugar é ao seu lado e rezo para que o dela seja ao meu.
“Me leva pra sua casa”, ela sussurra nos meus lábios.
Para bom entendedor, meia palavra basta.
Eu poderia jogá-la contra a parede e nós foderíamos no beco mesmo,
mas, na atual circunstância, seria um desafio e, com certeza, nada
confortável.
“Vamos.” Eu dou um beijo rápido em seus lábios e a puxo para mim,
passando o braço pelos seus ombros, protegendo-a com meu próprio corpo.
Andamos lentamente pela rua até o carro de Jeremy.
O mundo parece certo de novo.
“Desculpa não ter acreditado em você”, diz Savannah, envergonhada.
“Eu nunca iria imaginar que o meu melhor amigo de infância teria se
transformando... nisso.”
Paro de caminhar e olho para Savannah. “Eu o segui e o investiguei. Ele
está devendo dinheiro, mas você já sabe disso, não sabe?”
Ela confirma com a cabeça. “Eu dei a ele quinze mil dólares para pagar
o resto da dívida.”
Meu queixo vai ao chão. “Você o quê? Quinze mil dólares? Savannah,
pelo amor de Deus!”
Ela solta um longo suspiro. “Eu sei.”
Passo a mão pelos cabelos, tentando manter a calma, mas não adianta
muito. Me enlouquece pensar que ela não quis ligar para mim e me contar o
que estava acontecendo. Mas, suponho que eu causei isso, então não posso
realmente culpá-la por me afastar.
“Faremos o seguinte... Eu vou te levar para casa, você vai me contar
tudo o que Cameron disse e fez com você. Tudo, Savannah. E depois...
Depois você me dá alguma coisa para quebrar, senão eu juro que volto aqui e
acabo com ele.”
Vejo os lábios de Savannah se curvarem em um sorriso não muito
adequado para o momento.
“O quê?”, pergunto. “Por que você tá me olhando assim?”
“Nada.” O sorriso dela aumenta. “É só que você fica sexy quando tá
nervoso. E quando eu não sou a razão do seu nervosismo, claro.”
Eu sorrio feito um idiota. “Claro.”
“Senti sua falta”, ela murmura, timidamente.
Beijo sua têmpora. “Ah, linda. Você nem faz ideia.”
Quando chegamos a minha casa, Savannah me conta tudo o que
aconteceu durante as últimas semanas. Meu sangue ferveu quando ela disse
que Cameron bateu nela após ela se recusar a dormir com ele. Esse foi o
ápice do meu ódio. Mas Savannah tocou meu rosto com suavidade, pedindo
que eu relaxasse e meu corpo, instantaneamente, a obedeceu. No entanto, eu
continuo não suportando a ideia de Cameron tocando nela, quanto mais a
machucando.
Como a casa está vazia, pois todos os nossos amigos continuam
comemorando no Holme’s, Savannah e eu apreciamos o silêncio, deitados na
minha cama, com nossos corpos alinhados um ao outro. E a sensação de paz
que toma conta de mim é imensa e maravilhosa, como eu não sentia há muito
tempo.
É incrível como o mundo parece certo quando você abraça a pessoa que
ama, sentindo que é capaz de protegê-la de toda a dor e maldade.
Quando Savannah pediu que eu a trouxesse para a minha casa, pensei
que nós cairíamos na cama e transaríamos até o sol nascer, mas a verdade é
que tê-la em meus braços depois de tanto tempo é tão bom quanto o sexo com
ela. Então, não faço menção de instigá-la, principalmente quando percebo
que Savannah está pegando no sono.
Alinho suas costas ao meu peito, abraçando-a e me aconchegando. O
corpo dela se encaixa perfeitamente ao meu e quando fecho os olhos, durmo
com uma tranquilidade que não sentia há semanas.
28.

SAVANNAH

Na semana que se seguiu, não vi ou ouvi falar de Cameron, o que era


uma dádiva ao mesmo tempo em que era uma maldição. Conhecendo-o como
o conheço — ou como eu acho que o conheço —, ele não é de esquecer as
coisas fácil. E com certeza não esqueceu os socos que levou de Zach e o fato
de eu ter sido arrancada dele, como se nosso relacionamento não valesse nada
— e para mim, não valia mesmo, mas para ele...
Pedi que Zach tomasse cuidado. Não sei se a vingança de Cameron será
contra mim ou contra ele, mas Zach não pareceu preocupado consigo mesmo,
embora estivesse muito preocupado comigo. Por isso, ele pediu que eu ficasse
na casa dele por alguns dias, só para garantir que eu estaria segura sob a
proteção de sete jogadores de basquete.
Cameron teria que ser estupidamente burro para vir atrás de você aqui.
Ou de mim, a propósito, foi o que Zach usou como argumento, e como eu
não tinha a intenção de recusar o seu pedido de qualquer forma, aqui estou.
Morando sob o mesmo teto que sete homens enormes. Realmente, se eu não
estiver segura aqui, não estarei em mais nenhum lugar.
Ao mesmo tempo em que é maravilhoso morar com Zach, é triste. Triste
porque isso me faz imaginar que nós poderíamos viver como uma família,
quando o bebê nascesse. Mas no fundo eu sei que isso não vai acontecer,
então me censuro a cada vez que me pego pensando nisso. É bem doloroso,
para ser sincera, pois tudo o que eu queria era poder visualizar, sem medo,
Zach e meu filho brincando juntos, rindo e...
Não, Savannah, não seja iludida, minha voz interior me repreende.
Mas suponho que as coisas poderiam ser piores. Sempre dá para piorar,
não é isso o que dizem? Então, imagino que eu deva agradecer por ainda ter
Zach na minha vida. Muitas mulheres têm muito menos do que isso na minha
situação. E embora eu sinta que a rejeição de Zach nada tem a ver com o filho
propriamente dito, se ele não decidir encarar o que quer que seja que o deixa
amedrontado, quanto mais eu me apegar a esse argumento, mais vou me
machucar se ele decidir que não quer enfrentar seus medos.
A verdade é que, se eu parar realmente para pensar, eu sei muito pouco
sobre a vida de Zach fora da Duke. Conheço sua personalidade, seus sonhos,
sua educação e seu caráter, mas não sei absolutamente nada sobre sua vida,
sua infância, sua família. Zach não fala sobre si mesmo, e sempre que tentei
tocar no assunto, ele foi lacônico, me dando respostas curtas e sem qualquer
pretensão em estender o assunto.
Isso é bem esquisito, penso comigo mesma.
“Gata, se você pensar muito mais, sua cabeça vai derreter”, Friends me
alerta.
Arqueio uma sobrancelha para ele. “Gata?”
Ele dá de ombros. “Força do hábito.”
“O que você tá cozinhando aí, afinal?”, indago. Friends está mexendo
uma panela há quase vinte minutos e eu ainda não consegui distinguir o
cheiro do que ele está cozinhando.
“Você vai curtir”, garante Friends. “Eu vi na internet que as grávidas
têm um paladar peculiar.”
Eu o encaro, desconfiada.
“Peculiar”, ecoo. “Não sei se essa palavra me deixa confortável.”
“Cheguei!” Me surpreendo ao escutar a voz de Brianna. Sinto que faz
séculos que eu não a vejo.
“Bree!”, eu exclamo, quase me lançando nos braços dela para abraçá-la.
“Por onde você andou?”
Ela ri e me abraça de volta. “Estudando muito e tentando não matar
minha nova colega de quarto. Argh. Ela é absolutamente insuportável.”
“Por que você não vem morar comigo e com as meninas?”, ofereço. “A
casa é enorme e tem mais quartos livres. Não sei como não pensei nisso
antes.”
Os olhos de Brianna brilham. “Sério?!”
“Claro! Nós amamos você. Seria ótimo que fosse morar com a gente.
Tenho certeza de que as meninas não vão se opor.”
“Nossa! Você não faz ideia do quanto está me salvando. Eu tenho
vontade arrancar os olhos daquela maldita criatura.”
Eu dou risada.
Brianna não é agressiva, então a sua colega de quarto realmente deve tê-
la tirado do sério.
“O que foi que ela fez?”, indago.
“Bom, para começar, ela tem um péssimo gosto musical e ainda não
descobriu os fones de ouvido. Segundo, estou cansada de ter que ouvir
enquanto ela faz sexo por telefone com o namorado dela que, deixe-me
ressaltar, também estuda na Duke. Ou seja, qual a necessidade? Terceiro,
ELA ROUBA AS MINHAS ROUPAS!”
Dou risada.
“Quando posso me mudar?”
“Quando você quiser. Vou manda uma mensagem para Soph e Eretria e
avisar que você pode chegar a qualquer momento.”
Brianna solta um suspiro de puro e completo alívio e me abraça
apertado. “Ah, eu te amo! Obrigada, obrigada, obrigada!’
“Por que a Savannah recebe todo o amor, e eu não recebo nada?”
Friends indaga.
Quando Brianna olha para ele, seus olhos brilham.
“Ah, pobrezinho. Você está carente?”
“Muito carente.”
“Está deprimido?”
“Muito deprimido.” A malícia na voz dele é tangível.
“Está... cozinhando?”
“Pode apostar que sim.” Ele abre um sorriso, orgulhoso. “Você vai ficar
impressionada com o meu progresso, gata.”
Olhando para os dois e meu cérebro dá um estalo. “Vocês estão
juntos?”, lanço a pergunta sem qualquer cerimônia.
Os dois olham para mim, surpresos. Rá. Eles acham mesmo que estão
sendo discretos?
“Não”, Friends nega. “A Bree é a ex do Ky. Nada a ver, Savannah.”
Olho para Brianna.
“Não me olha desse jeito”, ela replica.
Continuo olhando, batendo as pálpebras de forma inocente.
“Você está sendo uma grávida muito inconveniente. Deve ser fome”,
Friends desconversa. “Hora de alimentar o dragão.”
Eu o encaro. “Quem você está chamando de dragão?”
Mas Friends já virou de costas para mim, me ignorando completamente
e voltando a se concentrar em sua panela misteriosa.
“Haja o que houver, não coma daquela panela”, Bree sussurra ao pé do
meu ouvido.
“Por quê?”, sussurro de volta.
“Vejamos, podemos descrever o Friends como excelente jogador, ótima
aparência e um corpo delici... ahn...” Ela limpa a garganta. “Enfim, mas ele é
um péssimo, péssimo, péssimo cozinheiro.”
Em meu mérito, eu consigo não abrir um sorriso malicioso para a minha
amiga quando pergunto: “Corpo delicioso? Era isso o que você iria dizer? Me
conte sobre isso.”
As bochechas de Brianna coram. “Você não tem namorado?”
Dou de ombros. “Minha situação com Zach é indefinida.”
“É caótica, na verdade”, corrige Friends.
“Obrigada, Friends, você é muito prestativo. Aposto que o seu
relacionamento com a Bree é tãããão mais fácil que o meu.”
“Logicamente. Você e o Babyface são loucos.”
Eu abro um sorriso inegavelmente vitorioso. “Então você assume que
vocês têm um relacionamento?”
Friends pisca. Pisca de novo.
“Merda.”
Começo a rir e Brianna balança a cabeça em completa decepção. “Você
caiu feito um patinho”, ela observa.
“Ela me confundiu!”, ele replica.
Rio mais ainda, enquanto Friends bufa, irritado por ter sido tapeado.
“Por que vocês estão escondendo isso? Aliás, antes de responderem
isso... Como tudo começou?”
“Ela me seduziu na noite do leilão.”
Brianna olha para ele, cética. “Eu te seduzi? Eu te seduzi, Dylan?”
“Ih, ela te chamou pelo nome, cara. Você está com problemas”, alerto.
Friends suspira. “Tá. Eu a seduzi no dia do leilão, mas, em minha
defesa, Bree estava linda naquela noite e ela fez um jantar pra mim. Todo
mundo sabe que um cara é conquistado pelo estômago.”
Brianna revira os olhos.
“E por que estão escondendo? Por causa do Kyle?”
Friends e Brianna fazem que sim com a cabeça.
“Olha, não quero dizer para vocês o que devem fazer, visto que a minha
vida é um caos completo, mas vocês lembram o que aconteceu quando o
Kyle descobriu sobre o Nash e a Eretria, né? Talvez seja melhor vocês
contarem.”
Os dois se entreolham.
Friends suspira. “Suponho que levar um murro na cara não seja o fim
dos tempos, né? Pelo menos tentarei seguir o código de honra dos caras. ‘Não
cobiçaras a ex-namorada do seu amigo pelas costas dele’.”
Jogo a cabeça para trás, gargalhando. Esse Friends...
“O que é tão engraçado?” A voz de Zach inunda meus ouvidos e um
sorriso espontâneo surge no meu rosto.
“Nada. Friends está cozinhando pra mim”, digo, omitindo a verdade.
Quando Friends e Brianna estiverem prontos para revelarem sobre o
relacionamento deles, então farão isso. Não é meu direito fazer essa
revelação.
Zach dá um beijo na minha têmpora e passa o braço ao redor do meu
corpo, me alinhando ao dele. O calor da sua pele atinge a minha e eu me sinto
em casa.
“Você não vai comer nada que Friends cozinhar, linda. Tá tentando
matar o bebê?”
Friends olha para o amigo com uma cara feia. “Eu nunca faria tal coisa.”
“A sua comida com certeza faria.” Zach sorri. “De qualquer forma, Sav
e eu precisamos conversar.”
Meu corpo enrijece, deixando transparecer minha apreensão.
“Precisamos?”
Ele faz que sim com a cabeça. “Vamos subir?”
Faço que sim com a cabeça, embora preferisse que não. Odeio quando
alguém diz que precisa conversar comigo. Não importa sobre qual assunto, eu
fico tensa até finalmente saber do que se trata.
Zach me leva até o seu quarto, fecha e tranca a porta e nós nos sentamos
em sua cama.
“Relaxa, linda”, ele diz, percebendo que meu corpo está tenso dos pés à
cabeça. “Eu só queria te dar uma coisa e... bom, eu não queria que fosse na
frente dos outros. O Friends é muito escandaloso e... nem é nada demais,
então...”
Meu corpo finalmente relaxa e eu abro um sorriso. Adoro presentes, é
por isso que meu aniversário é o melhor dia do ano pra mim.
“Aqui. Toma.” Ele me entrega uma embalagem amarela.
Curiosa como sou, eu não espero um segundo para abrir o embrulho, e
claro que sem nenhuma delicadeza. Rasgo o papel, que revela uma caixinha
azul embaixo. Lanço o papel detonado em cima da cama e puxo a tampa para
cima, me deparando com um par de sapatinhos de bebê da NBA.
Sapatinhos de bebê da NBA!!!
Meus olhos enchem de lágrimas. São tão lindos, tão enlouquecidamente
pequenos e fofos que não consigo suportar. Me faz ter vontade de ter o meu
filho nesse momento, só para poder calçar seus pezinhos com esses sapatos.
“Zach”, eu sussurro, emocionada. “São... são lindos. Nossa. São a coisa
mais fofa que eu já vi em toda a minha vida!”
Ele sorri. “Eu vi na vitrine de uma loja e...” Ele dá de ombros. “Achei
que você iria gostar.”
“Eu amei! Obrigada.”
Tenho vontade de perguntar o que isso significa, mas não o faço. Não
aguento mais ter aquela mesma conversa com Zach. Mas, de qualquer forma,
ele comprar um sapatinho para o próprio filho pode ser considerado um passo
rumo ao progresso e a aceitação, certo? Prefiro manter dessa forma do que
pressioná-lo e estragar tudo. Se continuarmos assim, talvez ele finalmente me
conte o que parece tão determinado a esconder. E talvez... Bom, talvez nós
fiquemos bem no final das contas.
“Você está com fome?”, ele pergunta.
“Morrendo.” Faço um beicinho.
Zach ri. “O que quer comer?”
“Bolo de chocolate com nozes.” Minha boca chega a salivar.
“Desejo?”
Faço que sim com a cabeça. “E limão com sal.”
Zach faz uma careta. “Limão com sal? Por quê?”
Dou de ombros. “Não sei, mas quero. Não sei explicar. Nem é uma coisa
da qual eu gosto.”
Ele balança a cabeça, como se desistisse de entender antes mesmo de
tentar.
“Você não pode comer sal demais”, ele me lembra. “Tem que cuidar da
pressão.”
“É só um pouquinho. Só pra matar a minha vontade. Não precisa ser
muito.”
“Limão com sal”, ele repete enquanto seu corpo estremece. “Mulheres
grávidas são estranhas.”
Eu o encaro com seriedade.
“Adoráveis”, ele acrescenta rápido. “Adoravelmente estranhas ou
estranhamente adoráveis. Você escolhe.”
Arqueio uma sobrancelha. “Sei.”
“Fique na cama e descanse. Eu vou atrás do seu bolo e do seu limão com
sal.”
Zach beija a minha testa e sai do quarto logo em seguida.
Depois de muitos meses, a vida finalmente parece boa de novo. Ainda
não é exatamente da forma que eu tinha imaginado, mas acho que agora
estamos mais próximos de chegar lá.
Tiro os sapatinhos de dentro da caixa e calço meus dedos indicadores e
médios nos pequenos buraquinhos, onde o pezinho do meu bebê vai entrar.
“Papai trouxe presente, filho. Olha que legal!”
Com os sapatinhos nos dedos, imito passos em cima da minha barriga,
brincando com meu bebê enquanto imagino como a vida pode estar daqui a
um ano.
29.

SAVANNAH

“Eu não aguento tanta fofura!”, exclama Sophie, encantada.


Minhas amigas e eu estamos sentadas no chão do meu quarto, dobrando
as roupinhas de bebê que passamos o dia inteiro comprando. Não só
roupinhas, mas também mamadeiras, chupetas, sapatinhos, gorros para o frio,
brinquedos e tudo que um bebê pode precisar. Comprei praticamente tudo o
que as vendedoras me indicaram, inclusive coisas que eu não sei para o que
servem, mas pretendo descobrir.
Ah, e fraldas. Meu Deus, comprei tantos pacotes de fraldas que a
decoração do meu quarto praticamente desapareceu. Para todos os lugares
que eu olho, eu só vejo pacotes e mais pacotes de fraldas.
“Olha o tamanho desses sapatinhos”, exclama Brianna, colocando-os na
palma da sua mão para enfatizar o quanto são pequenos.
“Eu estou começando a ficar muito ansiosa. Cada vez que vejo essas
roupinhas e todas essas coisinhas fofas... Ah! Quase não consigo me
aguentar.”
Zach entra no quarto nesse momento, carregando a caixa com o berço,
que eu também comprei hoje.
“Onde você quer colocar, linda?”, ele pergunta.
“Acho que é bom colocar perto da minha cama.”
Ele assente, levando a caixa até lá. “Posso começar a montar?”
“Pode sim.”
Continuo dobrando as roupinhas. Algumas delas foram meus pais que
me enviaram pelo correio, outras foram as meninas quem me deram e, as que
tem bolas de basquete estampadas, foram presentes dos garotos. Eles
realmente estão empolgados com esse bebê. Pergunto-me como estariam se
fosse uma menina. Provavelmente ela seria a garota mais bem vigiada e
protegida da Carolina do Norte.
“Eu vou fazer alguma coisa para nós comermos.” Sophie se levanta do
chão. “Se eu estou com fome, imagino que você também esteja, Sav.”
“Faminta.”
“Eu vou ajudar.” Brianna se levanta também.
“E... ahn... eu preciso ir ao banheiro”, diz Eretria.
Em um piscar de olhos, minhas amigas praticamente fogem para fora do
meu quarto, me deixando sem entender nada.
“O que deu nelas?”, pergunto ao Zach, e quando olho para trás para
olhar para ele, é que entendo por que as meninas saíram correndo. Zach tirou
a camiseta e está sentado no chão, lendo o manual de montagem do berço.
Pigarreio, tentando chamar a atenção de Zach.
“Você espantou minhas amigas.”
“Eu?” Ele tira os olhos do manual e me encara. “O que eu fiz?”
“Você e seus.... seus músculos.” Limpo a garganta, tentando disfarçar o
desejo desesperado que sinto crescer dentro de mim.
Ele sorri, nada inocente. “Eu estou tentando agradar uma menina
grávida. Funcionou?”
Acho que eu posso estar babando. “Com certeza funcionou.”
Zach lança uma piscadela para mim e volta a se concentrar no manual.
Eu me levanto do chão — com dificuldade por conta da barriga enorme — e
subo em um banquinho perto do armário para colocar as roupas dobradas do
bebê na parte de cima.
“Opa, opa!” Sinto as mãos de Zach na minha cintura. “Você não deveria
estar subindo em banquinhos. Você está grávida.”
“Eu estou grávida, não idosa.”
Ele sorri. “Não quero correr o risco de que você caia. Deixa que eu
guardo as roupas.”
Zach mantém as mãos na minha cintura até que eu esteja fora do
banquinho e segura no chão. Então, ele pega a pequena pilha de roupinhas
dobradas das minhas mãos e as coloca no armário, sem nem precisar se
esticar.
“Você está linda, sabia?” Ele envolve os braços ao redor da minha
cintura. O calor do seu corpo me deixa maluca.
Vocês já sabem, não é? Hormônios!
“Ah, é?”
“Ah, com certeza.” Zach inclina o corpo para frente e morde o meu
pescoço. “Linda demais.”
Solto um gemido baixo. “Eu pareço uma melancia.”
“A melancia mais gostosa que eu já vi”, ele sussurra no meu ouvido, me
deixando arrepiada.
“Você... não deveria estar... montando um berço?”, eu arquejo. “O bebê
precisa de um lugar para dormir.”
Zach beija meu pescoço. “Tenho certeza de que o bebê concorda que a
mãe dele precisa da minha atenção agora.” Ele roça os lábios pela minha
pele, beijando a linha do meu maxilar até chegar aos meus lábios. “Você não
concorda?”
Hipnotizada, eu faço que sim com a cabeça e Zach me beija. Sua mão
adentra o meu cabelo ao mesmo tempo em que sua língua adentra minha
boca, buscando a minha, cheia de determinação. E quando Zach agarra a
minha bunda, eu gemo, completamente entregue.
“Zach”, eu arfo, buscando fôlego. “Eu estou muito grande pra transar
agora.”
Ele sorri, prendendo meu cabelo atrás da minha orelha. “Tem outras
formas de fazer você se sentir bem, raio de sol. Deita na cama!”, ele ordena,
gentilmente. “Me deixa cuidar de você.”
Saltitando — literalmente saltitando — eu vou até a cama e me jogo
nela, o que faz Zach dar risada. E com uma agilidade que lhe é muito
peculiar, ele arranca a minha calça legging e a minha calcinha. Ajoelhado no
chão e com o meu corpo muito perto da borda do colchão, Zach distribui
beijos quentes pelo interior das minhas coxas. E eu me contorço inteira,
amando cada segundo. Amo que os beijos dele sejam lentos e atenciosos.
Zach não tem pressa de chegar ao prazer, ele sabe muito bem como criar uma
tensão sexual que me deixa maluca.
“Por favor”, eu imploro em um sussurro.
Zach passa os dedos pela minha carne úmida, sentindo se eu já estou
pronta. E é óbvio que estou pronta. Constatado isso, Zach insere não um, mas
dois dedos dentro de mim, suave e lentamente.
Minha nossa. Como senti falta disso.
“Você parece estar mais apertada”, ele comenta, a voz rouca de desejo.
“Mas o seu gosto ainda deve ser o mesmo. Hm. Acho que tenho que provar
pra ter certeza.”
Ah, Deus.
Eu adoro quando ele fala essas coisas. Adoro como ele cria uma
expectativa e depois a corresponde maravilhosamente bem.
Zach prende meu clitóris entre os seus lábios e chupa com força,
fazendo meu corpo inteiro se acender e estremecer enquanto seus dedos
continuam entrando e saindo de mim.
“Hum”, ele murmura. “Gostosa como sempre.”
Jogo a cabeça para traz e arqueio as costas, sentindo os primeiros
indícios de um orgasmo. E o desejo cresce e cresce e cresce, e quando Zach
passa a língua em mim, o trem da luxúria perde o controle completamente e
eu explodo em um orgasmo delicioso, tremendo e gemendo baixinho, do jeito
que eu sei que ele gosta.
Zach tira os dedos de dentro de mim e os passa uma última vez pelo meu
clitóris, me fazendo estremecer de novo. Estou ultra sensível agora.
“Como está se sentindo?”, ele quer saber, passando a língua pelos lábios
e quase me fazendo gozar de novo.
Sexy.
Demais.
“Estou... perfeita”, arquejo.
Ele sorri, satisfeito. “Continue na cama, amor. Eu cuido do resto das
coisas.”
Obediente, eu concordo com a cabeça.
E ele cuidou mesmo. Zach guardou todas as roupas do bebê no armário
e montou o berço enquanto eu lia as instruções para ele e indicava quais eram
os parafusos certos para usar em cada lugar.
Quando Sophie e Brianna resolveram aparecer de novo com um lanche,
eu já estava vestida, sexualmente saciada e incrivelmente feliz com o rumo
que esse dia tomou.
A cada dia que passa, Zach e eu damos um passo para mais perto de
quem costumávamos ser. Embora ainda haja muitas coisas não ditas entre
nós, suponho que eu deveria apenas agradecer por termos esses momentos de
paz e felicidade depois de tanta confusão, tristeza e saudade.
30.

BABYFACE

Fevereiro

Tivemos a primeira derrota da temporada. O jogo foi acirrado; difícil de


verdade. O placar ficou com uma diferença minúscula durante todo o jogo,
mas foi nos segundos finais que o adversário conseguiu virar e levar a vitória.
E nem preciso dizer o quanto eu e os caras estamos arrasados. Derek disse, há
um tempo, que essa temporada seria mais difícil que a anterior. Nós
continuamos jogando muito bem, mas as equipes adversárias parecem ter
melhorado muito desde o ano passado.
Não seria tão fácil ganhar dessa vez.
“Não sei se vamos chegar aos playoffs”, comenta Ryan, chateado. “Só
vamos pegar times muito bons daqui pra frente.”
Jeremy concorda com a cabeça. “Queria fechar o último ano da
faculdade com outro título, mas...”
Estamos com um humor tão baixo que até parece que morreu alguém.
Bom, talvez tenha morrido... O nosso sonho de terminar a faculdade com
mais um título. E, particularmente falando, como não vou seguir carreira,
essa é minha última temporada como jogador. Queria poder vencer de novo,
sentir aquela sensação inconfundível de satisfação e euforia.
“Vamos para o Holme’s”, sugere Eretria. “Se não podemos beber para
comemorar, então vamos beber para afogar as mágoas.”
“Minha gata tem razão”, concorda Nash, levantando-se do sofá. “É
melhor do que ficarmos aqui desse jeito.”
“Então vamos.” Derek se levanta também.
“Quer ir?”, pergunto a Savannah, que está sentada no meu colo.
Se eu fosse usar uma palavra para definir meu status civil seria:
indeterminado. Savannah e eu não estamos namorando de novo oficialmente,
mas dormimos juntos de vez em quando, estamos retomando a proximidade
diária e eu a acompanhei nas últimas consultas médicas. O bebê — que ainda
não tem nome — cresce a cada dia e, graças a Deus, a pressão de Savannah
não voltou a subir. Embora ela tenha aversão ao repouso, eu e as meninas
temos conseguido mantê-la calma nos últimos tempos. Savannah vai para as
aulas e volta para casa, onde fica a maior parte do tempo no sofá ou na cama,
estudando e compondo.
Quando temos jogos, ela assiste, vai conosco para o bar, mas nós dois
sempre acabamos voltando mais cedo, pois não quero abusar da sorte.
Savannah ainda não está livre de qualquer complicação.
Eu também não tenho bebido ou fumado recentemente. E não sinto falta.
Ficar com ela e cuidar dela é melhor do que estar bêbado e chapado.
“Quero.” Savannah sorri. “Acho que vai ser bom pra você melhorar essa
carinha.”
“Nós devíamos ir andando”, sugere Kyle. “O Holme’s é pertinho. Desse
jeito, todo mundo pode beber sem precisar ficar de motorista.”
Derek concorda. “Qualquer coisa, chamamos um Uber ou um táxi pra
voltar.”
“Na verdade, eu queria falar com o Kyle. Então vocês podem indo na
frente”, diz Friends, parecendo estranhamente sério. O Friends nunca é sério.
Essa palavra nem existe no vocabulário dele.
E acho que todos chegam à mesma conclusão que eu, pois encaram o
nosso amigo de um jeito esquisito.
“Então tá”, conclui Jeremy. “Encontrem a gente lá depois da DR de
vocês.”
Friends revira os olhos, mas não faz nenhuma piada.
“O Friends estava estranho”, comento com Savannah, quando já estamos
fora de casa. Estamos um pouco mais atrás, andando devagar para que ela
não se esforce muito. Sua barriga está bem grande agora.
“Você achou? Eu nem reparei.” Ela comprime os lábios, olhando ao
redor.
“Você sabe de alguma coisa que eu não sei?”
Savannah olha para mim. “Eu? Claro que não. Não sei de nada.”
Arqueio uma sobrancelha. Ela é uma péssima mentirosa. “Você mente
mal, linda.”
Ela suspira, derrotada. “Foi o que me disseram.”
“Desembucha, raio de sol. O que você sabe?”
Savannah suspira mais uma vez. “O Friends e a Bree estão namorando.”
Eu paro no meio da rua, chocado. “O quê?”
“Pois é.”
“Como isso aconteceu? Quando? Por quê?”
Savannah solta uma risadinha. “Bom, como: parece que o Friends a
seduziu. Ele disse que ela cozinhou para ele na noite do leilão e que um cara
é sempre conquistado pelo estômago. Quando: como eu disse, na noite do
leilão. E, por quê: bom, não sei.”
“Como você sabe de tudo isso?”
“Eu enganei o Friends com um pequenininho jogo de palavras e ele
acabou admitindo. E eu aconselhei que ele contasse ao Kyle, por causa de
tudo o que aconteceu com a mentira do Nash e da Eretria. Achei que o Kyle
não merecia ser enganado de novo.”
Concordo com a cabeça.
“Minha garota é um cupido?”
Ela sorri. “Eu tento.”
Eu estou prestes a inclinar meu corpo para lhe dar um beijo quando uma
luz forte ofusca a minha visão. Em seguida, escuto o pneu de um carro
cantando, muito perto de onde Savannah e eu estamos parados, praticamente
no meio da rua.
Rua.
Um carro.
“Savannah, cuidado!”, eu grito, empurrando-a para o lado.
Sinto uma pancada muito forte na parte de baixo do corpo.
E depois, nada.
Só escuridão.
31.

SAVANNAH

Tudo aconteceu muito rápido. Em um segundo, Zach e eu estávamos


conversando tranquilamente; no outro, ele estava me empurrando para longe
e sendo atropelado por um carro, que surgiu do nada.
Meu corpo está tremendo, meus olhos arregalados e o corpo de Zach
imóvel no chão.
Não consigo respirar.
Por um momento, eu nem sequer consigo me mexer.
“Zach!”, grito. Corro na direção em que o corpo dele foi jogado pelo
impacto e me ajoelho no chão, desesperada. “Zach! Zach! Por favor!” Coloco
os dedos trêmulos no seu pescoço para tentar sentir o seu pulso.
Por favor. Por favor. Esteja vivo! Esteja vivo!
Ele está vivo! Está vivo!
“Aguenta firme, por favor!”, eu imploro, em prantos. “Socorro!”
Vejo minhas amigas e os garotos voltando correndo para onde, agora, eu
estou ajoelhada no chão ao lado do corpo desacordado de Zach.
“O que aconteceu?!”, Derek grita, desesperado.
“Um carro”, eu arquejo. “Ele me tirou do caminho. Eu não...”
“Alguém liga para a emergência!”, Sophie ordena. “Você está bem? Está
machucada?”
Faço que não com a cabeça.
“Não? Não está bem ou não está machucada?”
“Não estou machucada.”
Não tenho certeza do que está acontecendo ao meu redor, pois minha
atenção está totalmente no rosto, agora machucado, de Zach. Vejo o sangue
escorrendo pela sua testa, mas tenho medo de tocá-lo e, de alguma forma,
machucá-lo. Então, apenas com os olhos, tento encontrar a origem do
ferimento. Se pelo menos eu conseguir estancá-lo.
“Amor! Por favor! Fique comigo!”, eu suplico, desesperada. “Não posso
te perder! Por favor!”
O sangue em contraste com o cabelo claro de Zach só me faz ficar mais
desesperada. Meu estômago se revira, e eu sinto a ânsia bater no fundo da
garganta.
Não.
Ele precisa de mim agora. Não posso começar a passar mal.
Inspeciono o corpo de Zach, à procura de outros ferimentos, e percebo
que sua perna provavelmente está quebrada, o que me causa um aperto
insuportável no peito, me levando a outro nível de pânico. Se Zach realmente
quebrou a perna, ele não vai poder jogar de novo tão cedo. Isso, no melhor
dos cenários.
Deus.
“Sav, a ambulância está a caminho”, Eretria me avisa.
Não tenho certeza se assenti ou se não fiz nada. Minha concentração está
em Zach, porque é ele é tudo o que me importa.
Ele sempre foi tudo o que me importa.

***

Estou tremendo ainda, minhas mãos estão geladas e sinto uma dor, que
está começando a ficar insuportável, na região da virilha. Mas a minha cabeça
está tão longe que, na maior parte do tempo, me sinto entorpecida demais.
Zach foi atropelado.
Zach foi atropelado.
Zach foi atropelado.
Minha cabeça está rodando em torno dessas três palavras desde que
entrei na ambulância, a caminho do hospital. Me sinto enjoada, fraca,
exaurida e dolorida. Acho que totalmente em pânico resume bem o meu
estado.
“Sav, você deveria comer alguma coisa”, Soph diz, gentilmente. “Você
não pode ficar tanto tempo sem comer.”
“Não estou com fome.”
“Sav” Kyle se aproxima com cautela “você pegou a placa do carro?”
Fungo, secando os olhos. “Não preciso da placa. Eu reconheci o carro.
Foi o Cameron.”
“O quê?”, todos eles praticamente gritam.
“É uma longa história”, respondo, laconicamente.
Não quero ter que explicar que Cameron me bateu, que Zach bateu nele
e toda essa bagunça. Não tenho energia pra isso.
“Sav, você está pálida”, Eretria observa, preocupada. “Você realmente
precisa comer.”
Mas antes que eu possa dizer qualquer coisa, o médico que eu vi
levando Zach, entra na sala de espera. Eu me levanto na mesma hora e
caminho até ele.
“E então, doutor?”, eu pergunto, em pânico. “Ele está bem? Quão grave
é?”
O médico olha para mim e depois olha para todo o grupo, que também
espera ansiosamente por notícias. Quando ele fala, sua voz é sombria. “O
Zach está...”
“Não”, eu o interrompo, balançando a cabeça de um lado para o outro,
em estado de choque. “Não. Por favor! Por favor! Não me diga que ele está
morto! Por favor!”
Meus joelhos começam a ceder, mas alguém — Kyle, percebo — me
segura antes que eu caia no chão.
“Zach está vivo, mas por pouco”, o médico completa, rapidamente. “Ele
perdeu muito sangue e será necessária uma transfusão. A perna direita está
quebrada, algumas costelas fraturadas e ele teve traumatismo craniano.”
Choro, em desespero, cobrindo a boca com as mãos enquanto Kyle
ampara o meu corpo, que não tem qualquer força para se manter de pé.
“Zach tem um tipo sanguíneo raro, então estamos agora procurando um
doador.”
“Eu posso doar”, anuncia Nash. “Nós temos o mesmo tipo sanguíneo.
Descobri um dia desses, quando estávamos assistindo a um documentário na
televisão sobre isso. Zach é O negativo, certo?”
O médico faz que sim com a cabeça.
“Eu posso doar”, confirma Nash.
“Por favor, me acompanhe rapaz”, pede o médico. “Senhorita Radcliff,
trarei notícias em breve. Faremos todo o possível para salvar a vida de Zach.”
Nash para na minha frente e me puxa para um abraço inesperado. “Vou
trazer ele de volta, Sav. Aguenta firme!”
Faço que sim com a cabeça antes de Nash seguir o médico hospital
adentro. E assim que ele sai do meu campo de visão, eu desmorono, deixando
para Kyle a difícil tarefa de me segurar.
“Calma, Sav”, ele me tranquiliza.
“Ky, devíamos colocá-la sentada novamente. Você consegue carregá-
la?”, Eretria pergunta ao irmão.
“Consigo.”
Mas antes que Kyle tenha a chance de me erguer do chão, eu sinto...
Sabe aquela famigerada sensação de que a menstruação está descendo? Eu
sinto...
“Puta que pariu!”, exclama Sophie, arregalando os olhos.
É muito difícil que Sophie fale palavrão. Muito difícil mesmo. Portanto,
todos se assustam quando ela fala tão em alto e bom tom.
“Savannah, sua bolsa estourou”, ela anuncia.
“Puta merda!”, Eretria exclama.
Minha bolsa estourou? Mas não deveria. Isso não deveria acontecer.
Está cedo.
“Não pode ser! Está muito cedo!”, eu me desespero.
“Alguém nos ajude!”, Ryan grita, esperando chamar a atenção de
alguma enfermeira. “Ela está tendo o bebê!”
Imediatamente, duas enfermeiras se aproximam de mim, trazendo uma
cadeira de rodas. Eu me sento por impulso, mas a verdade é que não quero ir
a lugar nenhum. Como posso dar à luz ao meu filho agora? Sem saber como
Zach está? Sem ninguém ao meu lado?
O desespero me invade, inundando cada centímetro do meu corpo. Meus
pais não estão aqui, Dulce não está aqui, Zach está, mas ao mesmo tempo não
está aqui.
Meu filho não pode nascer assim. Ele não pode nascer agora.
“Não! Não pode ser a hora ainda! Não quero estar sozinha!”,
choramingo, desesperada.
Minhas amigas se entreolham, depois olham para os meninos, enquanto
as enfermeiras me alertam que precisam me levar.
“Eu vou com você”, diz Eretria, com firmeza. “Eu posso ir com ela, não
posso?”, minha amiga lança um olhar desafiador para a enfermeira, como se
fosse capaz de esganá-la se ela negar.
“Claro.”
Sophie segura a minha mão com força. “Vai dar tudo certo. Vou ficar de
olho no Babyface pra você. Vou virar esse hospital de cabeça pra baixo, se
for necessário. Vai tranquila, amiga.”
Uma parte do meu desespero se esvai. Sei, certo como a luz do sol, que
minha amiga cumprirá sua promessa.
“Obrigada.”
“Traz nosso moleque ao mundo, Sav”, diz Kyle, sorridente.
Sinto meus olhos se enchendo de lágrimas de novo — acho que, na
verdade, meus olhos não estiveram secos em nenhum momento na última
hora —, parte pelo desespero e parte pela emoção. Essas pessoas, presentes
agora na minha frente, se tornaram tão essenciais, tão maravilhosas, que eu
não consigo imaginar um melhor sistema de apoio do que esse.
Os acontecimentos seguintes são tão corridos que mal consigo registrá-
los. As enfermeiras me levam para uma sala, a doutora Akira — graças aos
céus — está de plantão no hospital e veio correndo ao meu encontro.
As contrações começam. Tempo depois, já estão mais fortes e com
intervalos menores. Eu grito a cada nova onda de dor e Eretria faz o seu
melhor para me acalmar, mas é inútil.
Que caralhos de dor é essa?
“Está muito cedo”, eu repito, exausta.
“Não está muito cedo. Um bebê pode nascer com trinta e sete semanas
que não é mais considerando prematuro”, a doutora Akira me explica. “Fica
tranquila, Savannah.”
Isso não me serve de consolo, no entanto.
“Liga para os meus pais”, peço à Eretria. “Diga para eles que preciso
deles aqui. Por favor, Tria. Eu...”
Eu grito quando a nova contração me atinge, forte e impiedosa.
“Eu vou ligar. Você quer falar com eles?”
Faço que sim com a cabeça.
Eretria pega o meu celular e faz a ligação. “Alô? Senhora Radcliff, é a
Eretria. Savannah está no hospital, a bolsa dela estourou.” Pausa. “Vou
colocar no viva-voz.”
Minha amiga coloca o celular perto de mim e a voz da minha mãe se faz
ouvir logo em seguida. “Savannah?”
“Mãe”, eu choro. “Mãe, o Zach foi atropelado.” Eu respiro fundo,
sentindo a dor à espreita.
“O quê?”
Choro mais ainda, tentando não gritar agora para não assustar minha
mãe.
“Foi... Cameron”, digo, sem fôlego. “Cameron o atropelou e agora eu
vou ter o meu filho e Zach não está aqui.”
“Savannah, só mais um pouco. A dilatação está quase perfeita”, a
doutora me avisa.
Além de Zach, a dor é o que domina todos os meus pensamentos. Eu
sabia que parto normal doía, mas não imaginava que era tanto assim. Sinto
como se não fosse capaz de sobreviver quando a contração chegar mais uma
vez.
“Savannah, ouça! Não vou conseguir estar com você nesse momento,
mas seu pai e eu vamos pegar o jatinho agora. Quando eu chegar aí, você já
será mãe, meu amor. Aguente firme. Eu te amo, Savannah. Te amo muito.”
Depois que minha mãe desliga, a dor dura pelo que pareceram horas,
mas o relógio me deixa saber que foram apenas quarenta minutos. Mas sinto
que estou no meu limite. Não aguento mais.
“Ei, olhe pra mim”, pede Eretria. “Você consegue fazer isso.”
“Estou tão cansada.”
“Eu sei, amiga. Mas daqui a pouco você vai segurar o seu bebê. O seu
filho. Um pedacinho seu e do Babyface. Vai valer a pena.”
Respiro fundo, confirmando com a cabeça.
“Savannah, está pronta?”, pergunta a doutora Akira.
Puxo o ar com força para dentro dos pulmões e faço que sim.
“Comece a empurrar.”
E eu obedeço. Uso toda a força que consigo para empurrar meu bebê.
“Ótimo! Mais uma vez!”
Tomo fôlego, e Eretria segura minha mão com força, me dando apoio.
Empurro de novo, sentindo meu corpo exaurido.
“Não consigo mais!”, eu choro, angustiada.
A dor é insana. Meu corpo está tremendo, eu não consigo parar de
chorar e minha concentração não está inteira aqui. Não consigo parar de
pensar em Zach e que ele pode estar morrendo nesse momento, em algum
lugar desse mesmo hospital.
“Savannah, estamos na reta final agora. Eu preciso que você empurre.”
Nego com a cabeça.
“Ela não pode ter um minuto para respirar?”, Eretria pergunta.
“Precisamos tirar o bebê antes que ele entre em sofrimento fetal”,
explica Akira. Sua voz é calma, doce, mas firme ao mesmo tempo. “Olhe
para mim, Savannah!” E eu olho, exausta. “Você consegue fazer isso!”
Eretria segura minha mão ainda mais forte. “Você consegue!”, incentiva.
“Pense em coisas boas. Pense no dia que nos conhecemos, no dia em que
conheceu Zach, nos momentos felizes com a sua família, nos nossos
momentos felizes na Bassett House. Se concentre e se apegue nisso, Sav!
Você consegue fazer isso!”
Ofegante, eu tento puxar o máximo de ar para dentro dos pulmões e
então empurro, ao mesmo tempo em que grito de dor.
Faço o que Eretria disse e me concentro em todos os momentos felizes
que consigo me lembrar. Tanto com a minha família quanto com Zach, ela e
Sophie. Me lembro da primeira vez que fui assistir a um jogo de basquete,
lembro da sensação, da adrenalina. Lembro de Zach, correndo pela quadra
como se fosse um raio, e, nossa!, como ele é sexy quando está jogando.
Empurro de novo.
“Eu estou vendo a cabecinha dele”, anuncia a doutora Akira. “Só mais
um pouco, Savannah!”
Eu choro. Não aguento mais. Estou exausta, suada e com tanta dor que
me deixa zonza.
“Ei, ei, olhe pra mim!”, Eretria pede, gentilmente. “Estamos quase lá,
amiga.” Percebo que os olhos verdes dela estão brilhando com lágrimas. “Só
mais um pouquinho e vai acabar a dor, eu prometo.”
“Vamos, Savannah!”, incentiva a médica.
Zach, eu chamo mentalmente, como se ele pudesse realmente me ouvir.
Por favor.
Seco as lágrimas dos olhos, respiro fundo algumas vezes e então
empurro de novo. O grito vem do fundo da minha garganta, agoniado e
dolorido, mas então tudo para quando eu escuto o choro: estridente e forte.
Não achei que era possível chorar ainda mais, mas cá estou eu, me
debulhando em lágrimas, enxergando tudo embaçado, sem conseguir parar de
soluçar.
“Você conseguiu!” Eretria segura meu rosto entre as suas mãos.
Percebo, com dificuldade, que ela também está chorando. “Você conseguiu,
Sav!”
“Eu consegui”, sussurro, exausta.
Zach! Zach! Eu consegui!
Em segundos, uma enfermeira aparece do meu lado, segurando meu
bebê enrolado em uma toalha branca. Meu filho. Ele ainda chora, e quando é
colocado nos meus braços, eu choro mais. Mas me obrigo a afastar as
lágrimas para poder enxergar todos os seus mínimos detalhes com a clareza
que lhe é digna.
Embora ele tenha pouco cabelo, é o suficiente para me deixar saber que
meu filho é loiro, exatamente como o pai dele. O nariz e a boca são meus,
com certeza. Ou talvez não. Mas quem se importa? Ele é perfeito.
Ele é tão pequeno. Tão indefeso e tão pequeno. Mas é meu. Inteiro e
totalmente meu.
A exaustão dá lugar a um sentimento maravilhoso de certeza, de
felicidade, de preenchimento. Como pude duvidar se o teria ou não? Como
pude pensar em não o ter? Nunca houve no mundo tamanha perfeição.
Seguro uma de suas mãozinhas minúsculas, e ele a fecha em torno do
meu dedo. Percebo, emocionada, o quanto ele é forte, o quanto se agarra ao
meu dedo com firmeza. Mas, não deveria esperar outra coisa, afinal de
contas, ele me dava muitos chutes fortes enquanto estava na minha barriga.
“Sav, ele é lindo”, diz Eretria, emocionada.
“Ele é perfeito.” Eu beijo sua testinha.
Eretria e eu ficamos alguns minutos em silêncio, completamente
encantadas pelo meu filho.
“Parabéns, Savannah! Você tem um garoto forte e sadio.”
“Obrigada. Muito obrigada, doutora.”
“Você decidiu um nome?”, Eretria me pergunta.
Faço que não com a cabeça. “Preciso falar com Zach. Precisamos
decidir juntos.” Eu fungo. “Eu posso vê-lo?”
“Descanse um pouco. Depois, vamos providenciar para que você seja
levada a ele”, orienta a médica. “Uma enfermeira deve chegar nos próximos
minutos para lhe ajudar com a amamentação.”
Assinto novamente.
“Você foi magnífica!” Eretria me abraça apertado, mas tomando cuidado
para não apertar o meu filho. “Tudo vai ficar bem, você vai ver.”
“Zach. Eu preciso saber como ele está. Não vou conseguir descansar até
saber como ele está, Tria.”
Ela concorda com a cabeça. “Faremos o seguinte... Eu vou até a sala de
espera para avisar que o bebê nasceu e vocês dois estão bem. Depois, vou
garantir que haja alguma atualização no caso do Zach, tá legal?”
Faço que sim com a cabeça. “Fica tranquila, amiga.” Eretria me dá um
beijo na testa. “Eu volto já.”
***

Sozinha, com o meu filho nos braços, a ficha começa a cair. Não só de
que meu filho nasceu, mas também do acidente e, principalmente, de como e
por que esse acidente aconteceu. Foi tudo muito rápido, mas eu tenho certeza
do que eu vi. Era o carro de Cameron. Eu estava mesmo achando esquisito
que ele simplesmente tivesse desaparecido, mas nunca, nunca achei que ele
seria capaz de fazer uma coisa assim.
Quem é esse cara? Como Cameron se transformou nisso?
Parece uma loucura completa. O Cameron do qual eu me lembro era
doce, divertido, gentil e protetor. Quando as crianças zombavam de mim, me
chamando de “mudinha” — porque eu quase nunca falava em público por
conta da timidez — ou implicavam comigo de qualquer outro jeito, era
Cameron quem me defendia. Não consigo entender. O que pode ter
acontecido com ele em Washington para que ele se transformasse nisso? Um
homem agressivo, mentiroso, manipulador e... assassino? Afinal de contas,
ele tentou me matar, e talvez teria conseguido — não só a mim, mas meu
filho também — se Zach não tivesse me empurrado para o lado.
Zach salvou minha vida.
Zach, nós nem ao menos temos um nome. Por favor. Eu preciso de você.
E eu repito essa frase inúmeras vezes na minha mente, tentando projetá-
las para além do meu corpo e pensamento, rezando para que ele sinta as
vibrações e decida não me abandonar definitivamente.
Você precisa conhecer o seu filho. Ele é exatamente como você.
Não sei por quanto tempo eu fiquei mentalizando isso, implorando
silenciosamente para que ele me ouvisse, para que ele ficasse bem, para que
ele acordasse. E não faço ideia de quantos minutos, quantas horas ou quantos
dias se passaram.
Parecia ser uma vida inteira.
Pedi que minhas amigas me deixassem sozinhas, dando a desculpa de
que pediria um calmante a enfermeira e tentaria dormir. Mas, sinceramente,
se uma mulher conseguisse dormir diante da situação que eu estou vivendo,
eu daria um prêmio de fé e autocontrole para ela. Duas coisas das quais eu
estou bem longe de sentir no momento.
Estou exausta. Não, perdão, estou exaurida, completamente sem forças e
energia para falar, pensar ou me mover. Até piscar parece exigir demais do
meu corpo, mas não consigo dormir nem que minha vida dependesse disso.
Estou apenas existindo, deitada em uma cama de hospital enquanto meu filho
dorme calmamente no meu colo, mas meu namorado luta pela vida em algum
outro lugar desse hospital.
Sinto uma nova onda de angústia tomando conta de mim, mas antes que
eu tenha a chance de chafurdar completamente na minha tristeza, ouço uma
batida suave na porta do quarto. Talvez seja Eretria ou Sophie querendo
checar se eu estou bem. Ou talvez algum dos meninos.
Tenho vontade de não responder, e quem sabe assim, a pessoa desista e
vá embora, mas não quero dar mais razões para os meus amigos se
preocuparem, portanto, respondo um “Entra” o mais alto que as minhas
poucas forças me permite.
Uma garota loira e de olhos azuis — que não é Sophie — entra no
quarto. Percebo rapidamente que ela também não é médica ou enfermeira,
pois não usa nenhum jaleco ou uniforme. Aparenta ser só um pouco mais
nova do que eu e é uma completa estranha.
“Oi... ahn... Quem é você?”, pergunto, tentando não soar rude.
“Meu nome é Kait Bradley”, ela se apresenta. “Sou a irmã do Zach.”
32.

SAVANNAH

“Kait!”
Ela se aproxima de mim e me abraça. Nós duas nunca nos vimos,
também nunca conversamos, mas sinto um alívio inexplicável ao vê-la.
“O que aconteceu? Eu... eu estava vindo para a Carolina do Norte para
surpreender Zach quando recebi uma mensagem do Friends, dizendo que o
Zach foi atropelado. Vim o mais rápido que eu pude.”
Ela se senta na cadeira disposta ao lado da minha cama.
“Eu não sei.” Tento não começar a chorar de novo. “Nós estávamos
atravessando a rua e um carro surgiu da nada. Zach me empurrou para o lado
e foi atropelado no meu lugar.”
Escolho não contar a ela sobre Cameron ser o responsável por tudo isso.
Não fará bem algum e, sinceramente, é muito para processar. Talvez seja
egoísmo da minha parte não contar toda a verdade à Kait, mas não quero
correr o risco que ela me odeie ou me culpe por isso, quando mal começamos
a nossa relação.
“Deus!” Kait fecha os olhos por um momento. Massageando as
têmporas, ela parece subitamente pensativa, como se quisesse me dizer
alguma coisa, mas não soubesse se deveria. “Tem uma coisa que você precisa
saber.”
Eu me ajeito na cama, olhando-a com expectativa e certa apreensão.
Kait parece séria, então imagino que, o que quer que seja que ela quer me
contar, não é algo fácil ou bom. É isso. Não é algo bom.
“Zach me contou que você estava grávida, mas que vocês dois estavam
separados. Não precisei fazer muitas perguntas para entender o que está
acontecendo.”
Franzo o cenho. “Do que você tá falando?”
Kait toma fôlego. “Zach e eu tínhamos um irmão mais novo. Noah. Ele
morreu quando tinha três anos.”
Levo uma das mãos à boca, chocada. “Meu Deus!”
Ela empertiga a postura, tensa, mas continua: “Um dia, meus pais
estavam discutindo por algo que nem consigo me lembrar. Discussões eram...
Bom, são ainda, algo corriqueiro na nossa casa. Minha mãe pediu que Zach
levasse Noah e eu ao parque, assim nós não veríamos mais uma briga. Zach
tinha nove anos, eu tinha seis e Noah três. Em um momento, nós estávamos
brincando e rindo; e no outro, Zach estava gritando porque Noah... Ele foi
atropelado por um caminhão.” A voz de Kait começa a trepidar, mas ela se
esforça para continuar firme. “Zach se distraiu por um segundo e não viu
quando Noah atravessou a rua para pegar uma bola. Um segundo, Savannah.”
Mesmo que eu não estivesse ridiculamente emotiva nos últimos meses;
mesmo que Zach não tivesse sofrido um acidente, eu teria chorado ao ouvir
isso. Exatamente como estou chorando agora.
“Quando a ambulância chegou, Noah já estava morto. Não houve nada
que pudesse ser feito.” Ela limpa rapidamente uma lágrima que ameaça cair.
Zach nunca mencionara um terceiro irmão. Para falar a verdade, ele mal
falava de Kait. Eu só sei sobre a existência dela porque vi uma mensagem no
celular de Zach, onde ela o chamava de “irmão”. Pergunto-me se Zach teria
me contado sobre ela se eu não tivesse visto essa mensagem.
Por que ele não fala sobre a família? Será que é pelo que aconteceu com
Noah?
“Naquela noite, meu pai bateu em Zach tão forte que ele quase morreu
também. Zach chegou ao hospital com o nariz quebrado, as costelas
fraturadas e mais hematomas no corpo do que eu poderia contar. Meus pais o
culparam pelo que aconteceu com o Noah, mas não foi culpa do Zach. Nós
éramos crianças. Ele nem ao menos deveria estar tomando conta de nós.”
Kait afasta as lágrimas que escorrem pelas suas bochechas. “Meu pai
continua batendo nele, sabe. É por isso que Zach nunca vai para casa e é por
isso que ele acha que não vai ser um bom pai.”
Choro mais ainda.
Algumas coisas finalmente começam a fazer sentido na minha cabeça. A
primeira coisa que me vem à mente são os hematomas no rosto de Zach
quando ele chegou à Flórida, logo depois de passar pouco mais de duas
semanas na casa dos pais, durante as férias. Aquilo não foi uma maldita briga
de bar, como ele me disse. Aquilo foi o seu pai o agredindo.
Meu estômago revira.
Lembro da conversa que Zach e eu tivemos na cozinha, quando ele disse
que havia coisas que ele tinha feito que não poderia me explicar. Só pode ser
isso. Ele se culpa pela morte do irmão caçula.
“Ele não acha que é capaz de cuidar de alguém porque ele não
conseguiu cuidar do Noah. Porque meus pais o fizeram acreditar que foi
culpa dele. Sei que ele está apavorado, Savannah, principalmente porque o
bebê de vocês é um menino... exatamente como Noah.”
“Deus!” Eu limpo as lágrimas e tento falar por cima do nó gigantesco
que se formou na minha garganta. “Eu sabia que ele estava escondendo
alguma coisa, mas eu nunca, nunca iria imaginar que seria algo assim. Por
que ele não me disse, Kait? Eu teria entendido.”
Kait dá de ombros, também secando as lágrimas. “Não sei. Eu te contei
isso porque sei que Zach nunca teria conseguido contar.” Ela funga. “Eu vi
meu pai espancá-lo muitas vezes, Savannah. Muitas. O vi perto da morte
mais vezes do que consigo aguentar. E a cada soco e chute que meu pai dava
em Zach, ele enfatizava o quanto o meu irmão não era suficiente. Meu pai o
destruiu por dentro.” Kait morde o lábio inferior, tentando conter uma nova
onda de choro. “Não posso perdê-lo. Ele é a única família real que me
restou.”
Penso em dizer que não vamos perdê-lo, mas a verdade é que não tenho
novas notícias que embasem isso. É óbvio que eu quero que Zach fique bem.
Eu preciso que ele fique bem. Mas garantir isso a Kait agora, depois do que
ela me disse... Fico com medo de dar esperanças. Estou com medo até de
respirar.
“Quer conhecer o seu sobrinho?”, pergunto, a voz embargada e quase
ininteligível.
Kait levanta os olhos para mim e faz que sim com a cabeça.
Eu estendo meu filho para ela, que o pega com cuidado e delicadeza. Os
olhos azuis dela brilham e não é só pelas lágrimas, é também pela admiração.
“Ah, meu Deus! Ele é igual ao Zach!”, ela sussurra para não o acordar.
“Ele é lindo demais, Savannah. Vocês escolheram um nome?”
Faço que não com a cabeça. “Não tivemos tempo.”
Kait se senta novamente na cadeira e nana o meu filho, que permanece
dormindo tranquilamente, como se nada ruim estivesse acontecendo; como se
não houvesse nada com o que seja necessário se preocupar. Por uma fração
de segundos, eu o invejo por sua paz.
Uma batida leve na porta se faz ouvir e Nash entra logo em seguida.
Espero para ver Eretria também, mas então percebo que ele está sozinho.
Meus olhos automaticamente se fixam no curativo em seu braço.
“Nash!”
Ele abre um sorriso. “Me liberaram agora. Eu quis passar aqui para te
ver antes de voltar para a sala de espera. Como você tá?”
“Cansada, mas bem. Você conhece a Kait? Ela é irmã do Zach.”
Nash olha para Kait, mas é no bebê que seus olhos cinzentos se
concentram. “Caramba!” Ele se aproxima e ajoelha ao lado da cadeira onde
Kait está sentada. “Nossa, ele é tão pequeno! Ah, oi, Kait! Prazer em
conhecer você.”
“Prazer te conhecer também.” Ela sorri. “Quer segurá-lo?”
Nash arregala os olhos. “Sério? Posso mesmo?”
Ele olha para mim, buscando aprovação, que eu concedo.
Kait passa o bebê para os braços de Nash, que o segura como tanto
cuidado que me faz sorrir. Tenho certeza de que esse menininho vai ter os
melhores tios do mundo.
“Caramba, Sav! Nossa! Você é uma mãe agora.”
“Pois é.” Sorrio. “Você viu o Zach? Você sabe como ele está?”
“Eu não o vi”, Nash lamenta. “Mas sei onde ele está.”
“Pode me levar lá?”
Nash faz que sim com a cabeça, entregando meu filho de volta para
Kait.
“Você pode ficar aqui com ele, por favor?”, pergunto a ela.
“Claro. Traga-me boas notícias, Savannah. Por favor.”
Faço que sim com a cabeça.
Nash arruma uma cadeira de rodas para mim e me guia pelos corredores
até o quarto de Zach. E quando eu coloco meus olhos nele, choro mais uma
vez. A perna quebrada de Zach está engessada e elevada; há vários
hematomas espalhados em sua pele, escoriações no rosto e uma atadura na
cabeça, cobrindo o machucado que sangrava antes.
“Tem certeza de que você quer ficar aqui, Sav?”, Nash me pergunta.
“Talvez seja demais para uma noite só.”
“Preciso de um minuto sozinha com ele, por favor.”
Nash assente. “Eu vou estar do lado de fora, tá legal?”
Quando fico sozinha com Zach, me desfaço em lágrimas. A bolsa de
sangue — sangue do Nash — está pendurada e ligada ao braço de Zach e o
barulho dos equipamentos inundam o quarto, tornando tudo ainda mais real.
Limpo as lágrimas, fungo algumas vezes, tentando me recompor, e
seguro a mão de Zach entre as minhas.
“Zach, sou eu”, começo, baixinho. “Nosso filho nasceu, sabia? E ele é
tão lindo. É igual a você.” Fungo de novo. “Nós dois precisamos de você,
então não ouse nos deixar agora, entendeu? Eu tenho um plano. Ouça: você
vai abrir os olhos, vai conhecer o seu filho e se apaixonar por ele, porque é
impossível não se apaixonar por ele e... e... e depois você e eu vamos ficar
juntos. Já chega desse negócio de ‘vamos ficar juntos no final’. Nós fazemos
o nosso final, e eu estou lhe dizendo que não quero passar mais um dia sem
você comigo. Então, não ouse me deixar agora.”
Levo a mão dele até o rosto, desesperada por qualquer tipo de contato
com ele.
“Ele ainda não tem um nome, Zach”, choramingo. “Deveríamos decidir
isso juntos. Não posso fazer isso sem você.”
Deito minha cabeça na beiradinha da cama de Zach e fico ali. Dias
poderiam ter se passado, pois não faço ideia de quanto tempo permaneci
nessa posição. Na verdade, acho até que acabei dormindo, segurando a mão
dele, enquanto chorava e implorava para que Deus não o levasse. Depois de
tudo o que aconteceu, depois do que Zach passou, ele merece ser feliz
comigo e com o nosso filho. E eu o farei feliz. É a promessa que fiz a Deus.
Se Ele permitir que Zach fique, então eu o farei feliz como ele nunca foi. Eu
o amarei como a família dele não soube amá-lo e curarei toda e qualquer
ferida que ainda esteja aberta em seu coração.
Não sei quanto tempo passa, mas tenho a impressão de que foram
algumas horas. Kait aparece no quarto de Zach, trazendo o bebê consigo, pois
ele precisava mamar de novo. E então, eu e meu filho ficamos ali, esperando
que Zach acorde para conhecê-lo. Praticamente me mudei para o quarto dele.
Não quero deixá-lo sozinho nem por um minuto, pois quero estar aqui
quando ele acordar. Quero que Zach saiba que eu sei de tudo, que eu entendo
e que vamos ficar bem.
Coloco meu filho em uma caminha de bebê emprestada pelo hospital.
Agora, ele está alimentado e dormindo de novo, então eu volto a me sentar na
cadeira ao lado de Zach.
Estou exausta, emocional e fisicamente. Só quero que tudo isso acabe,
para que eu possa pegar o meu filho e meu namorado e ir para casa.
Estou debruçada novamente sobre a cama de Zach, descansando meus
olhos, quando sinto uma mão adentrando meus cabelos. Levanto a cabeça
depressa, encontrando os olhos confusos de Zach, que piscam lentamente,
como se ele tentasse recobrar completamente a consciência.
“Zach?” Eu me levanto da cadeira em um só impulso e me aproximo
mais da cama. “Zach! Consegue me ouvir? Está me ouvindo?”
Ele solta um gemido de dor. “Sim.”
“Ah, meu Deus!” Seguro o seu rosto entre as minhas mãos, com
cuidado. “Eu achei que iria perder você. Eu achei que... Não importa. Não
importa.”
Zach fecha os olhos por um instante, visivelmente confuso.
“Eu vou chamar um médico”, digo.
“Não.” Ele segura minha mão. “Agora não. Chega mais perto. Eu
quero... ver você.”
Eu me aproximo mais. Percebo que Zach reúne todas as forças que tem
para levantar a mão e tocar o meu rosto. “Você tá bem?”, ele quer saber. Sua
voz está baixa, fraca e cansada. “Você se... se machucou?”
Faço que não com a cabeça. “Eu estou bem. Você me salvou!”
Ele umedece os lábios. “Que bom.”
“O que você tinha na cabeça? Você poderia ter morrido!”
Ele abre um pequeno sorriso. “Só você... para brigar comigo... em uma
cama... de hospital... por salvar sua vida.”
Não sei por que — pois não tem a menor graça —, mas eu começo a rir.
Eu devo realmente estar louca.
Zach continua sorrindo. “Eu...” Ele umedece os lábios de novo “...
escolheria você... todas as vezes. Você é meu raio de sol. Entre você e eu... eu
sempre vou escolher você.”
Meus lábios começam a tremer e, sem pensar, eu me debruço sobre o
seu corpo e o beijo. Posso estar louca, mas ainda tenho consciência do seu
estado físico, então o beijo com cautela, mas com o mesmo amor, desejo e
carinho de sempre.
“Kait está aqui”, conto.
“Kait?”
Faço que sim com a cabeça. Depois, tomo fôlego para iniciar o que pode
ser a conversa mais difícil de nossas vidas. “Ela me contou sobre o Noah.”
A mudança na expressão de Zach é nítida. O sofrimento, a vergonha, a
culpa... Tudo está estampado no rosto dele como nunca esteve.
“Ela me contou sobre o acidente, sobre... o que o seu pai fez com você.
O que ele continua fazendo, na verdade. E agora eu entendo. Eu finalmente
consigo entender o porquê de tudo isso. Mas, Zach, não foi culpa sua.”
Seus olhos azuis enchem de lágrimas. “Eu me distraí”, ele diz, a voz
quase totalmente embargada. “Eu me distraí por um instante e... e de
repente...” Zach balança a cabeça. “Eu ainda ouço o som da última respiração
dele, Savannah. Ele morreu nos meus braços e... eu não pude fazer nada. Não
pude salvá-lo.”
Nós dois choramos juntos. Não consigo imaginar o tipo de dor que Zach
sentiu; que ainda sente. E isso sem contar a culpa que ele provavelmente já
sentia antes mesmo de seus pais a enraizarem em seu coração.
“Me ouça”, peço, com firmeza. “Não foi culpa sua. Você era uma
criança. Todos vocês. Seus pais não deveriam tê-lo deixado responsável por
ninguém. Você era uma criança. Seus pais são culpados, não você. Kait não
culpa você, e eu tenho absoluta certeza de que Noah também não.”
“Ele teria quinze anos agora”, Zach balbucia. “Ele tinha uma vida inteira
pela frente. Ele... ele só tinha três anos. Três aninhos, Savannah.”
“Eu sei, amor”, choramingo.
Zach seca as próprias lágrimas, com dificuldade.
“Por que você não me contou?”, pergunto, com gentileza. “Você achou
que eu não entenderia?”
“Fiquei com medo de que você não me olharia mais do mesmo jeito; que
você me olharia como meus pais me olham. Meu pai... Ele quase me matou
no dia em que Noah morreu. Eu acho que ele só não me matou depois disso
porque precisava de alguém para descontar a sua raiva.” Zach umedece os
lábios de novo. “Eu não... não quero ser como ele.”
Eu o beijo. “Você não será. Você não é.” Eu o beijo de novo. “Você é
gentil, é altruísta, é nobre e bom. Você é bom, Zach. E você será um pai
incrível para o nosso filho. E eu tenho certeza de que você cuidará dele tão
bem quanto cuidou de mim todo esse tempo. Você se atirou na frente de um
carro para me salvar, pelo amor de Deus! Eu não tenho um pingo de dúvida
de que você moverá montanhas pelo seu filho, se for necessário.” Eu o beijo
mais uma vez. “E ele vai olhar pra você como se você fosse o super-herói
particular dele. E ele vai te amar, exatamente como eu te amo. Como eu
sempre te amei.”
Zach me beija, mas não consegue manter seus lábios nos meus porque
ele chora como eu nunca o vi chorar antes. É um choro dolorido, como se o
peso em seus ombros estivesse finalmente sumindo; como se ele pudesse
respirar aliviado pela primeira vez em anos. Como se finalmente entendesse
que ele não teve culpa de nada e que a irresponsabilidade é toda de seus pais,
não dele. Deus! Ele era só uma criança.
“Eu amo você”, ele diz, a voz tão embargada que as palavras mal
deixam os seus lábios. “Eu amo você, raio de sol.”
O apelido.
Eu nunca tinha entendido exatamente o porquê de ele me chamar de
“raio de sol”, mas agora parece fazer sentido. Eu sou a fonte de luz da vida
dele.
Deus.
Não consigo nem começar a entender o quanto isso significa para ele.
“Tem alguém que você precisa conhecer”, eu murmuro. E Zach olha
para mim, confuso. “Nosso filho nasceu enquanto você estava desacordado.”
Os olhos de Zach vão automaticamente para a minha barriga. Ela está
menor agora, mas ainda estou inchada e enorme perto do que costumava ser.
“Ah, meu Deus! Como isso aconteceu? Ele está bem?”
Pego nosso filho no colo e caminho de volta para perto da cama de
Zach. “Por que você mesmo não se certifica disso? Consegue segurá-lo?”
Zach faz que sim com a cabeça, e eu coloco o bebê nos braços dele.
Vejo quando meu namorado comprime os lábios, tentando não chorar mais
ainda enquanto olha para o filho, que é uma cópia perfeita de si mesmo.
“Ele se parece comigo”, Zach constata.
Eu rio. “É. Parece mesmo.”
Zach respira fundo, emocionado. “Ele é... é perfeito.”
“Eu pensei que nós poderíamos chamá-lo de Noah, se você concordar.”
Zach faz que sim com a cabeça. “Noah Bradley”, ele sussurra,
emocionado, segurando uma das mãozinhas do filho. “Obrigado, Savannah.”
“Pelo quê?”
“Por não desistir de mim.”
Sorrio, emocionada. “Vale a pena lutar por você.”
Zach sorri de volta pra mim.
Noah solta um barulhinho, indicando que está prestes a acordar. E
quando os olhinhos azuis do nosso filho se abrem, Zach os encara e o seu
sorriso aumenta.
“Oi, Noah.” Os olhos do meu namorado brilham enquanto ele fala com
o filho. “Papai tá aqui.”
33.

BABYFACE

“Fica quieto!” Jeremy bate na cabeça do Friends. “O bebê tá dormindo.”


Meus amigos invadiram o meu quarto no hospital, assim como Kait e os
pais de Savannah, que chegaram da Flórida há poucos minutos. São pessoas
demais dentro de um mesmo lugar, mas todos queriam ver como eu estava e
conhecer o meu filho, então é compreensível.
Savannah me contou tudo o que aconteceu, desde o acidente até o
momento em que eu abri os olhos. Ela me contou sobre o parto, sobre a dor
insuportável e sobre a quase certeza de ter sido Cameron quem me atropelou.
Eu não me surpreenderia nem um pouco se realmente tivesse sido ele.
Apesar da perna quebrada, de duas costelas fraturadas — o que não é a
primeira vez que acontece — e um pequeno traumatismo craniano, eu me
sinto bem. Cansado, mas bem. E infelizmente pensando no quanto Burke vai
ficar maluco quando descobrir que vou ficar fora provavelmente o resto da
temporada, até minha perna estar cem por cento.
Ah, o Burke não vai ficar feliz.
“Vocês finalmente deram um nome para essa coisinha linda?”, Sophie
pergunta, olhando para Noah, que está no colo de Eretria.
Eu e Savannah olhamos um para o outro em cumplicidade.
“O nome dele é Noah Christopher Bradley”, anuncio, e Nash me encara
com os olhos arregalados. “Fiquei sabendo que foi você quem salvou minha
vida, cara. Então, se eu pude conhecer meu filho, foi graças a você.”
Os olhos de Nash ficam marejados. “Puta merda! Eu nem sei o que
dizer.” Ele olha para Noah. “Vou te chamar de Christopher. E vocês não vão
ter a menor chance de ser um tio mais legal que eu. O moleque tem o meu
nome.”
Savannah e eu damos risada.
Mas os caras reviram os olhos.
“Obrigado por salvar minha vida, Nash.”
Nós unimos os punhos em um cumprimento de agradecimento, já que
ainda não estou podendo receber abraços, por conta das costelas.
“Obrigado por ter o mesmo tipo sanguíneo que eu.”
Eu rio. “Ah, claro, de nada.”
“Nós devíamos deixá-los descansar”, diz a mãe de Savannah. “Os três
precisam descansar.”
Eretria entrega Noah para Savannah, que está deitada ao meu lado na
cama.
“Obrigada por terem vindo”, diz minha namorada.
“Seu pai e eu vamos comer alguma coisa, meu bem. Já voltamos”, avisa
a mãe dela.
Savannah assente.
Todos se despedem, principalmente de Noah.
Kait é a única que permanece onde está. Nós não tivemos a chance de
conversar desde que eu acordei, mas agora parece um momento propício. E
Savannah também percebe, pois ela se levanta da cama e diz:
“Vou trocar o Noah.” E desaparece no banheiro do quarto.
“Kait...”
Ela começa a chorar instantaneamente e, com cuidado, debruça o corpo
em cima de mim para me abraçar, tomando todo o cuidado para não prensar o
corpo no meu.
“Eu pensei que te perderia também.” Ela chora. “Fiquei com tanto
medo.”
“Eu não vou a lugar nenhum, maninha.” Eu a abraço de volta.
“Obrigado, Kait.”
Ela se afasta de mim por um momento, limpa o nariz com as costas da
mão e me encara com seus olhos azuis. “Pelo que?”
“Por contar à Savannah. Eu não teria conseguido e acho que teria sido
infeliz pelo resto da minha vida.” Seguro a mão da minha irmã. “Eu tô muito
orgulhoso que você passou na Brown e vai estudar medicina. Você merece o
mundo inteiro, maninha.”
Ela sorri. “Nós conseguimos, não foi? Nós conseguimos dar a volta por
cima.”
“É. Nós conseguimos, sim.”
Kait funga. “Por um momento eu achei que nunca conseguiríamos.
Achei que talvez nosso pai tivesse razão sobre não sermos suficientes para
realizar coisas grandes. Mas olhe só para nós agora. Você tem um filho.
Depois de tudo o que ele fez com você... e... e eu passei na faculdade. Vou
ser médica. Papai esteve errado todo esse tempo.”
Kait está certa.
Seja qual for o problema do meu pai e o que o levou a ser quem ele é
hoje, isso nada tem a ver comigo, com ela ou com Noah. O problema do meu
pai é ele próprio, não eu. Não Kait. Se ele é um homem infeliz e frustrado,
isso não é culpa nossa. Os filhos não deveriam carregar as frustrações dos
pais, os sonhos dos pais. Os filhos devem viver por eles mesmos e ter, sim, o
apoio e amor dos pais. Bom, acho que isso é uma coisa que meu pai não sabe
dar, talvez porque ele nunca tenha recebido.
“Eu estou muito feliz por você, irmãozão”, conclui Kait. “Se tem alguém
nesse mundo que merece ser feliz, é você.”
“Nós dois merecemos, Kait. E nós dois seremos.”
Ela me abraça de novo, com a mesma gentileza de antes. “Eu amo você,
Zach. Amo muito.”
“Eu te amo mais.”
Depois que Kait vai embora e Savannah se deita na cama comigo
novamente, me dou conta da quantidade de presentes em cima do sofá.
“Nosso filho vai ser mimado, Sav. Olha isso!”
Ela dá uma risadinha. “Espera só pra ver o uniforme de basquete que os
meninos fizeram pra ele. Estavam esperando que nós decidíssemos o nome
para poderem gravar na camiseta. Ah, e o Friends me disse hoje cedo que fez
um cardápio para o bebê. Um cardápio, Zach.”
Balanço a cabeça. “Nunca que o meu filho vai comer qualquer coisa que
esse maluco cozinhar.” Eu olho para Noah. “Fique longe do tio Friends,
filho.”
Savannah ri, mas Noah apenas me olha com seus olhinhos.
“Acho que ele não concorda com você.”
“Precisamos nos unir contra esses malucos, filho. Você e eu.”
“E eu?”, Savannah quer saber.
“Noah e eu vamos proteger você deles, linda. Não é, filho?”
Como se entendesse, Noah faz um barulhinho.
“Viu? Ele concorda comigo.”
Savannah sorri, o que faz com que todo o seu rosto se ilumine de uma
forma que me deixa ainda mais apaixonado por ela. Essa mulher que
transformou a minha vida, me fez questionar tudo e mergulhou nos meus
demônios sem medo.
“Eu realmente amo você, sabia disso?”
Ela dá uma risadinha. “Que ótimo saber disso, porque eu realmente amo
você também.”
34.

SAVANNAH

Abril

Noah está chorando.


De novo.
Que horas são?
Que dia é hoje mesmo?
“Ele tá com fome de novo?”, murmura Zach, sonolento. “Que horas
são?”
Tateio o criado-mudo, buscando meu celular, e quase fico cega com a
claridade da tela. “Seis e quinze da manhã.”
Zach solta um gemido angustiado. “Como ele pode mamar tanto? Eu sei
que seus peitos são incríveis, mas ele não mamou dez minutos atrás?”
Tenho vontade de rir, mas estou cansada demais para isso. “Ele está em
fase de crescimento.”
Afasto os lençóis e cambaleio para fora da cama até o berço de Noah.
Pego-o no colo e volto para a cama. Estou de olhos fechados quando abaixo a
alça da camisola e abro o fecho da frente de um dos meus mais novos sutiãs
de amamentação. Nada sexy, mas super confortável para amamentar.
“Eu já falei que seus peitos estão incríveis?”
Solto algo semelhante a uma risada. “Estão doendo, isso sim. Estão
pesados demais. Tenho que começar a usar aquele negócio de tirar leite.”
Na penumbra do quarto, Zach senta-se na cama e beija a minha têmpora.
“Quando ele terminar de mamar, eu fico com ele e você tenta dormir um
pouco. O que acha?”
A ideia de dormir nunca me pareceu tão deliciosa. “Eu já disse o quanto
amo você?”
Zach dá uma risadinha. “Amo você também, princesa.”
De olhos fechados, espero até que Noah tenha terminado de mamar e
depois o entrego para Zach, que levanta da cama dizendo: “Vamos deixar a
mamãe dormir agora?” e sai do quarto.
Eu caio no travesseiro, exausta, e pego no sono quase no mesmo
segundo em que fecho os olhos.

***

Aproveitei cada segundo de sono que foi possível, mas imagino que meu
filho deva estar sentindo fome, então forço meu corpo a levantar da cama e
vou até a cozinha no andar de baixo.
Zach não voltou para a cama depois que saiu com Noah do quarto e não
faço a menor ideia de onde ele pode estar, mas meu namorado deve ter feito
alguma mágica, pois não escuto nem sinal de um resmungo de Noah.
“Bom dia”, cumprimento Brianna, que está sentada na ilha da cozinha.
Bree se mudou na semana passada e tem sido ótimo ter mais uma pessoa
para ajudar com Noah. Meus pais também ficaram aqui durante a primeira
semana — logo depois que eu e Noah recebemos alta do hospital — para me
ensinar como trocar fralda, como fazer o bebê arrotar depois de mamar, qual
a forma mais confortável se segurá-lo e todas essas coisas. Meu pai prometeu
mandar Dulce para me ajudar em breve, mas eu acho que estou me virando
muito bem com a minha equipe de apoio.
“Bom dia”, cumprimenta Bree, enfiando uma colher de cereal com leite
na boca.
“Onde está todo mundo?”, pergunto, começando a estranhar o silêncio
da casa.
“Soph foi trabalhar; Eretria foi encontrar o The Green, mas já deve estar
voltando, e Zach está na piscina com o Noah.”
Engasgo com a água que estava bebendo.
“Ele está na piscina?”
Nem espero Brianna terminar de falar e corro para a área da piscina.
Zach está maluco? Eu sei que ele usa a piscina para a fisioterapia da perna —
que, graças a Deus, está quase cem por cento —, mas como ele pode pensar
em levar o bebê para a piscina? Como que ele... E meus pensamentos se
acalmam quando vejo Zach dentro da piscina, com Noah no colo, brincando
com uns patinhos de borracha, como se estivesse em uma banheira gigante.
O dia está excepcionalmente quente hoje. A temperatura começou a
subir, mas nada realmente relevante que justifique um banho de piscina —
com exceção de hoje.
Fico parada por alguns minutos, com Zach alheio à minha presença, e os
observo brincando. Meu namorado balança o patinho na frente do nosso filho
e Noah ergue as mãozinhas para tentar alcançar o brinquedo. E acho ainda
mais fofo quando me dou conta que Zach colocou um chapeuzinho de sol na
cabeça de Noah.
Me aproximo da piscina, sorrindo feito uma idiota. “O que os senhores
estão aprontando?”
Zach vira na minha direção e abre um sorriso. “Noah e eu fizemos novos
amigos.”
Comprimo os lábios para não rir e me sento na beirada da piscina. “Ah,
é mesmo?”
“Ele está muito interessado na Sra. Pata Roxa.”
“Entendo.”
Não consigo parar de sorrir. Acho que nunca vou parar de sorrir.
“Você conseguiu descansar?”, Zach quer saber.
“Consegui. Obrigada. Mas você deve estar exausto.”
Ele dá de ombros. “Foi divertido. Para falar a verdade, eu nem vi a hora
passar. Ah! Olha isso.”
Zach segura o nosso filho por baixo dos bracinhos e deixa os pezinhos
dele encostarem na água. Noah solta um gritinho e balança as mãozinhas no
ar, muito empolgado.
Dou risada.
“Ele adora!”
“Eu estou vendo. Mas parece que você está se divertindo muito mais
com tudo isso.”
“É irado! Nunca achei que me sentiria desse jeito. Tão feliz, tão...
completo, eu acho.”
Eu abro a boca para poder dizer o quanto eu estou feliz de estarmos
aqui, juntos, como uma família, mas a voz de Eretria gritando meu nome, me
impede.
“Savannah!”
Quando eu olho para a feição assustada da minha amiga, me levanto
rapidamente da beira da piscina e a encaro, apreensiva. “O que aconteceu?”
Eretria toma fôlego. “Eu estava em uma reunião do The Green e um
garoto chamado Silas, que faltou nas últimas reuniões, deu a justificativa de
que um amigo dele de república tinha morrido e... enfim, o ponto é que o
amigo de república dele era o Cameron.”
Arregalo os olhos. “O quê?”
De soslaio, vejo que Zach caminha até a parte com degraus da piscina
para poder sair da água.
“Cameron está morto?”, Zach pergunta, parando do meu lado. “Como
assim? O que aconteceu?”
Eretria coloca as mãos no joelho, ofegante. Pelo estado em que ela está,
eu não me surpreenderia se ela dissesse que veio correndo de Durham até
aqui.
“Parece que... que ele estava bêbado na noite em que te atropelou. Pelo
que Silas contou, Cameron perdeu o controle do carro e bateu em um muro.
Ele estava em coma no hospital desde então. Parece que estava entre a vida e
morte, mas acabou falecendo ontem à noite.”
Faz quase um mês e meio desde a noite do acidente. Eu estava mesmo
estranhando a falta de notícias de Cameron e, para ser sincera, estava com
medo de que ele fizesse outra besteira como, por exemplo, tentar me matar de
novo. No entanto, não esperava isso. Com toda a certeza eu não esperava
isso.
“Deus!” Eu passo a mão pela testa, chocada. “Eu... eu quis matá-lo
depois do que ele fez com você, amor, mas eu nunca... eu não... eu não queria
que isso acontecesse.”
Zach segura Noah com um braço e me abraça com o outro. “É claro que
não, linda. Não pense nisso.”
“Onde ele está?”, pergunto.
“Eu não sei, mas, pela lógica, talvez mandem o corpo dele para a
Flórida, para ser enterrado perto de onde a mãe dele mora”, supõe Eretria.
Assinto. “Faz sentido. Eu preciso falar com os meus pais. Você
consegue ficar com o Noah mais um pouquinho?”
Zach faz que sim com a cabeça.
E eu disparo para dentro de casa.

BABYFACE

“Olha quem veio visitar!”


Os caras assobiam e soltas urros de comemoração assim que eu passo
pela porta da minha antiga república. Desde que Noah nasceu, fui morar
definitivamente com Savannah. A casa dela é maior e todas as coisas do bebê
já estavam lá. Sem contar que uma república só de homens não é lugar para
um bebê.
“Meu afilhado chegou!”, comemora Friends, pegando Noah do meu colo
e o levantando no ar, fazendo com que meu filho solte gritinhos animados. “É
isso aí, o tio Friends é o melhor!”
Embora o nome do meio de Noah seja o nome do Nash, eu escolhi o
Friends para ser padrinho do meu filho, que Deus me ajude. Mas, esse cara
tem sido meu melhor amigo desde o meu primeiro ano. É verdade que todos
esses caras são importantes pra mim, e eu os considero como irmãos, mas
Friends ainda é o meu melhor amigo. Não tinha como escolher outra pessoa.
“Ele tem o meu nome”, lembra Nash. “Não se anima não, Friends.”
“Ah, não liga para ele, garoto. Nash é um invejoso maldi...” Friends se
interrompe antes de dizer o xingamento. Ele olha para Noah, que o encara de
forma animada. “Mal amado. Um invejoso mal amado.”
Jeremy dá risada. “Não podemos mais falar palavrão na frente do
moleque?”
“Se você não quiser levar um chute na bunda pela minha mulher, é
melhor não falar.”
“Vamos começar o treinamento.” Nash se levanta do sofá, esfregando as
mãos uma na outra. “Ele já sabe engatinhar?”
Eu olho para ele, cético. “Nash, ele tem um mês e meio.”
Coloco a pequena mala com as coisas de Noah no chão da sala.
“Desde quanto você anda com bolsa?”, Kyle quer saber.
“Não é uma bolsa; é uma mala. Você se surpreenderia com a quantidade
de coisas que precisa carregar quando tem um bebê.”
“Ahn... Eu acho que ele fez o número dois”, comunica Friends. “O
cheiro não tá legal.”
“Agora você sabe como a gente se sente com a sua comida”, replica
Derek.
Nós todos gargalhamos.
Friends fecha a cara. “Um dia, eu vou ser um cozinheiro famoso e vocês
vão beijar os meus pés.” Ele entrega Noah para mim. “Limpa o seu filho e me
traga ele limpinho. Eu só quero a parte boa da paternidade.”
Reviro os olhos.
“Tirem essas coisas da mesinha de centro.”
Meus amigos se entreolham.
“Você quer trocar ele aqui?”, Ryan pergunta.
“Você quer que eu o troque onde?”, devolvo.
Na casa de Savannah... Quer dizer, na nossa casa, temos um trocador e
tudo o que é necessário, mas aqui? Em uma república só de homens? É um
milagre que tenhamos uma mesa.
Os caras tiram as latinhas de cerveja de cima da mesinha de centro, eu
me ajoelho no chão e coloco Noah deitado na mesa. Normalmente, é
Savannah quem o troca, mas eu já vi ela fazendo isso umas mil vezes, então
não deve ser tão difícil.
Ah, eu retiro o que eu disse.
Assim que abro a fralda, os caras começam a ter crises de ânsia de
vômito. Noah está todo sujo de cocô.
“Meu Deus do céu! Como uma criatura tão pequena consegue fazer uma
sujeira tão grande?”, Kyle tampa o nariz com o indicador e o polegar,
tornando sua voz nasalada.
“Calem a boca! Eu preciso me concentrar”, ordeno, tentando ignorar o
cheiro horrível. “Peguem a mala!”
Jeremy pega a mala e me entrega.
Depois de vários lenços umedecidos, vários momentos em que achei que
ia vomitar e um cheiro insuportável, Noah está limpo e cheiroso.
“Isso foi a coisa mais nojenta que eu já vi”, constata Friends. “Mas
agora que ele está limpinho, me dê o moleque.”
“Você é um péssimo padrinho.”
“Eu sou um ótimo padrinho”, ele replica. “Conte comigo para o que for,
menos para limpar a bunda dele. Isso eu não vou fazer nem foden...” Ele se
interrompe novamente e olha para Noah. “Vocês entenderam.”
Bocejando, eu me sento no sofá.
“Você parece cansado. Ele ainda chora muito durante a noite?”, Derek
pergunta.
“Você não faz ideia.” Encosto a cabeça no encosto do sofá, exausto.
“Cameron está morto”, conto.
Há um momento de silêncio.
“O quê?”, é Ryan quem pergunta.
“Acabamos de ficar sabendo. Ele estava em coma no hospital. Perdeu o
controle do carro, bateu em um muro e estava inconsciente. Faleceu ontem.”
Não estou só fisicamente cansado, mas mentalmente também. Os
últimos meses foram extremamente desgastantes.
“Como a Savannah está?”, Jeremy quer saber.
Dou de ombros. “Chocada, eu acho. Chateada também, afinal de contas
eles se conhecem desde criança. Não tivemos tempo de conversar sobre isso
ainda.”
Sinto meus olhos pesados, mas me forço a ficar acordado. Ainda me
desespera pensar que alguma coisa pode acontecer com Noah sob a minha
vigia. E acho que os caras entendem que eu não quero continuar falando de
Cameron. Não tenho energia pra isso.
“Tirando o cansaço, como está a paternidade?” Derek indaga, mudando
de assunto.
Penso que, por um lado, eu deveria agradecer que o time não chegou à
final do campeonato da NCAA. Nós chegamos aos playoffs, mas fomos
eliminados no meio do March Madness. O ponto é que não conseguiria me
imaginar na rotina insana de jogos e treinos — que o March Madness exige
— e ainda conseguir cuidar do meu filho, que, por um acaso, é o responsável
por minhas noites de sono terríveis.
Sorrio para o meu amigo. “Está perfeita.”
35.

SAVANNAH

“Você tá bem?”, Zach pergunta, sussurrando para não acordar o Noah.


Nosso filho demorou quase uma hora para finalmente adormecer.
Na cama, eu viro de frente para Zach, encontrando seus olhos azuis com
um lampejo de preocupação. O dia foi difícil. Passei quarenta minutos com
meus pais no telefone, falando sobre a morte de Cameron.
Ainda parece mentira.
Cameron está morto.
Parece coisa de filme. Aliás, parando para pensar de forma geral, os
últimos acontecimentos parecem mesmo coisa de filme. Zach sendo
atropelado pelo meu melhor amigo/amante ciumento; Nash doando sangue
para salvar a vida dele; meu filho nascendo no meio de toda essa confusão.
Quando foi que a minha vida ficou tão complicada?
“Estava pensando em Cameron”, admito.
Zach solta um suspiro, me puxando para mais perto do seu corpo. “Eu
sei que deve ser estranho pra você, mas não posso dizer que sinto pena dele.
O cara quase nos destruiu, linda.”
Concordo. “Eu sei. Acho que eu estou um pouco presa à imagem que eu
tenho dele de quando éramos crianças.”
“E como ele era? Digo, quando vocês eram crianças?”
As lembranças surgem uma atrás da outra na minha mente e eu sorrio.
“Ele era bom. Era aquele tipo de menino que levava maçã para a
professora, ajudava os outros com a lição quando não entendiam o que era
pra fazer. Nós nos conhecemos em um acampamento de férias. Eu era muito
tímida naquela época e as pessoas tiravam sarro de mim porque eu não
falava. Cameron viu que havia um grupo de meninas implicando comigo,
então ele segurou a minha mão e disse que se elas continuassem, ele
colocaria sapos nas camas delas durante a noite.”
Zach sorri. “Ele parecia legal.”
“Ele era. Eu tenho certeza de que não era fingimento. Ele realmente era
legal. Era um bom amigo. Não entendo o que pode ter acontecido.”
Não consigo deixar de pensar que se Cameron não tivesse ido embora
para Washington, então talvez ele tivesse permanecido como o menino doce
que eu conheci. Não há como afirmar que a mudança para a casa do pai foi o
que desencadeou tudo isso, pois talvez Cameron simplesmente tenha se
tornado uma pessoa ruim, sem qualquer relação com o pai, a nova família e
Washington.
De qualquer forma, agora, eu nunca vou saber.
“Eu gostaria de vê-lo. Não sei se fará alguma diferença, mas eu sinto
que deveria visitá-lo no cemitério. Também quero falar com Eloise, a mãe
dele.”
Zach desliza os dedos pela pele nua do meu braço e abre um sorriso
preguiçoso. “Você é a melhor pessoa que eu conheço, sabia disso?”
Sinto minha pele arrepiada com o seu toque. “Não me sinto a melhor
pessoa agora.”
“Mas você é. Cameron tentou matar você, quase me matou e mesmo
assim você fala como se desejasse que a alma dele fosse salva ou algo assim.
Como se, indo até lá você pudesse garantir isso. A maioria das pessoas nem
pensaria nisso, Sav.”
Não sei por que, mas fico emocionada. “Ele era meu amigo. Em algum
momento da nossa vida, ele realmente foi meu amigo. Acho que... não sei,
talvez eu deva isso a ele, pela amizade que tivemos quando éramos
pequenos.”
Zach afasta o meu cabelo, colocando-o atrás do meu ombro antes de
começar uma sessão de carinhos na minha bochecha. Estamos deitados na
cama, frente a frente, e nunca me senti tão conectada com ele como nesse
momento.
“Você não precisa se explicar pra mim, amor”, ele murmura. “Se quer ir
até lá, então irei com você.”
Não consigo esconder minha surpresa. “Sério?”
“Não vou mentir, linda, eu nunca gostei do Cameron. Na minha opinião,
ele não merece tamanha consideração. Mas você o conhecia antes disso e se
está dizendo que ele era um bom amigo antes, então acredito em você.”
Agora é minha vez de fazer carinho no rosto de Zach. A barba por fazer
faz cócegas na palma da minha mão, mas gosto da textura. Gosto de tudo e
qualquer detalhe dele.
“Obrigada por ser tão bom pra mim”, murmuro.
Zach olha para mim. Realmente me olha, como se estivesse descobrindo
detalhes novos no meu rosto; como se quisesse enxergar a minha alma e mais
além. Percebo, chocada, que fico com vergonha.
Ninguém nunca me olhou desse jeito.
“O que foi?”
Ele não responde, apenas abre um sorriso e continua me olhando com a
mesma intensidade.
“Por que está me olhando assim?”
“Casa comigo.”
Quase engasgo com a minha própria saliva. “O quê?”
O sorriso dele se expande. “Casa comigo.”
Percebo que não é uma pergunta, e sim um desejo.
“Você tá falando sério?”
“Eu amo você. Nunca imaginaria que aquela garota maluca da festa da
Kappa Kappa Gamma, no ano passado, conseguiria dominar meu coração e
meu mundo inteiro desse jeito. Eu achei que nunca sentiria esse tipo de
felicidade. Na verdade, achei que não merecia. Mas você apareceu com esse
sorriso e iluminou meu mundo inteiro. Eu estava perdido sem você. E você
me deu muito mais do que só esperança...” Zach olha para o berço, onde
Noah continua dormindo tranquilamente “... você me deu uma vida inteira.”
Não sei em qual momento eu comecei a chorar — e agora nem posso
mais culpar os hormônios. Cada centímetro do meu corpo está emocionado.
Eu o amo tanto.
Zach ri baixinho. “Se você continuar chorando desse jeito, não vou ter a
minha resposta.”
“Sim”, consigo dizer por cima do embargo. “Eu caso. É claro que eu
caso.” Envolvo meus braços ao redor dele e Zach me puxa para cima de si.
“Eu amo você.” Eu o beijo. “Muito.” Beijo de novo. “Muito, muito, muito.”
Ele ri. “Me perdoe por não ter um anel ainda.”
“Eu tenho você e Noah, quem liga para anel?”
“Como eu dei tanta sorte?”
Solto uma risadinha. “Foi sua carinha de bebê que me ganhou.”
Ele gargalha, mas logo depois coloca a mão em cima da boca,
lembrando-se de que Noah está dormindo. “Não me venha com essa, pelo
amor de Deus!”, ele sussurra.
“Nosso filho terá sorte se não for chamado de Babyface Junior.”
Ele solta um gemido angustiado. “Deus! Não fale isso perto dos caras ou
o nosso filho estará condenado com esse apelido ridículo.”
Noah é um nome muito bonito para ser substituído por um apelido
desses, que eu tenho que concordar que é horrível. Homens são péssimos
para dar apelidos uns para os outros.
“Bom, considerando que estamos noivos agora, por que não
comemoramos de um jeito mais interessante?”
Zach arqueia uma sobrancelha. “Você já pode transar?”
A doutora Akira me disse que, por conta do parto, eu deveria esperar
quarenta dias antes de voltar a ter relações sexuais. Segundo o que ela me
explicou, é recomendado esse tempo para o organismo voltar ao normal.
“Os quarenta dias acabaram ontem, meu amor.”
Zach respira, aliviado. “Graças a Deus!”
E, sem qualquer cerimônia, ele arranca a minha blusa quase ao mesmo
tempo em que eu arranco a dele. Zach rola na cama, me deixando por baixo
para ser mais fácil tirar o restante da minha roupa. Mas basta que ele coloque
suas mãos apressadas no cós dos meus shorts para que Noah comece a
chorar.
Zach enterra o rosto na curva do meu pescoço com o meu ombro e finge
que está chorando, o que me faz rir.
“Por que, meu Deus?”, ele reclama, dramático. “Filho, me ajuda.”
Continuo rindo. “A fome dele vem primeiro que o nosso prazer.”
“Não concordei com isso.” Zach resmunga, saindo de cima de mim e se
sentando na cama. Ele cruza os braços, e se não fosse pelos músculos,
pareceria uma criança emburrada.
Pulo da cama para pegar o Noah. “E você acha que daria para transar,
com ele chorando desse jeito?”
Zach suspira. “Essa noite”, ele diz, sedutor. “Essa noite você não me
escapa.”
Dou risada e me sento na cama para alimentar meu filho. “Mal posso
esperar.”
36.

BABYFACE

Com Noah no colo e completamente entretido com uma bolinha de


basquete/chocalho de plástico nas mãos, eu espero Savannah se despedir de
Cameron, da maneira que achar adequada. Ela está parada em frente à lápide
dele há quase dez minutos. Depois da conversa que tivemos na semana
passada, e conhecendo-a como eu conheço, imagino que minha noiva esteja
dizendo que o perdoa.
Espero um dia conseguir chegar nesse nível de bondade.
E é por essas e outras que sei que tenho muito a aprender com Savannah.
É interessante como julgamos conhecer uma pessoa, mas sempre há
mais para descobrir sobre ela. Por exemplo, eu sei que a fruta preferida de
Savannah é melancia, mas não fazia ideia de que ela detesta melão. E isso é
uma coisa boba, mas não deixa de ser uma descoberta. Podemos ir de coisas
triviais até coisas importantes como, por exemplo, o fato de ela ser bondosa o
suficiente para perdoar alguém que quase destruiu o que hoje ela conhece
como família. Pois é isso que eu, ela e Noah somos. Uma família.
Minha família.
E em breve, ela será minha esposa. Quem diria?
Acordamos de que seria melhor esperar até que eu terminasse a
faculdade e conseguisse um emprego, para podermos nos casar. Não quero
que os pais dela tenham que bancar o casamento também. Afinal de contas,
eles já bancam praticamente todas as despesas da casa onde moramos. Se
quero me casar, ser um bom pai e um bom marido, o primeiro passo é
conseguir um emprego para sustentar minha família. Não vamos ficar
embaixo das asas dos pais dela para o resto da vida.
Savannah também quer terminar a faculdade. Segundo ela, se começar a
pensar nas coisas para o casamento agora, perderá completamente a
concentração no resto. Ela quer tirar o máximo proveito da faculdade, para ter
a chance de se tornar uma cantora e compositora profissional.
Então, ficaremos noivos por mais alguns anos. Mas não me importo.
Não preciso de um papel comprovando que ela é minha mulher. No meu
coração e na minha mente, ela já é e, tão importante quanto, ela já se
considera minha mulher. Da mesma forma como eu me considero seu
homem, seu namorado, seu marido e o que mais ela e meu filho precisarem
que eu seja.
Quando saí da Califórnia, com o único intuito de fugir dos demônios do
meu passado, eu nunca imaginei que esse papel — de pai e marido —
pudesse salvar a minha vida. Depois do que aconteceu com o meu irmão
caçula, pensei que estaria condenado a viver uma vida solitária,
romanticamente falando. Não queria passar nem perto de ser responsável por
uma criança de novo e com certeza não queria ter uma família parecida com a
qual eu cresci. Mas Savannah e Noah me ensinaram que, embora meu
passado seja como é, ele nada tem a ver com o meu futuro.
“Você fica tão sensual com o nosso filho no colo.” A voz de Savannah
me tira dos meus pensamentos.
Abro um sorriso nem um pouco inocente. “Ah, é mesmo?”
“Com certeza. Eu já ouvi falar que as mulheres têm um fraco por
homens com bebês, mas não achei que fosse verdade.”
Não deixo de notar que a voz dela está um pouco embargada e os olhos
estão vermelhos. Ela estava chorando.
“Você está bem?”
Savannah confirma com a cabeça. “Vou ficar.” Ela suspira. “Nós vamos
ficar bem.”
Com Noah em um braço, uso o outro para abraçar minha garota,
puxando-a para perto de mim e lhe dando um beijo na têmpora. “Está pronta
para ir para casa?”
Savannah olha para trás, para a lápide de Cameron; depois, olha para
mim e para o nosso filho, que agora está tentando morder a bolinha de
basquete. Savannah sorri.
“Sim, estou pronta.”
Sorrio de volta pra ela.
E seja para o que for, eu também estou pronto.
EPÍLOGO

SAVANNAH

Cinco anos depois...

“Boa noite, senhoras e senhores! Bem-vindos ao primeiro torneiro


nacional de basquete infantil de Raleigh, Carolina do Norte. Essa noite,
temos dois convidados ilustres: Derek Mackenzie, Armador do Boston
Celtics na NBA; e Christopher Nash, Ala-Armador dos Lakers, também na
NBA. E a torcida vai à loucuuuuuura! Uma salva de palmas, por favor”, pede
Friends, narrando a coisa toda em um gravador.
“Para que esse gravador aí?”, pergunta Veronica, a namorada de Kyle.
Friends a encara, perplexo. “Eu estou documentando o sucesso do nosso
garoto. Você não sabe sobre o podcast Noah Christopher Bradley? Tá no
Spotify!”
Dou risada, mas Ronnie só parece chocada com a total loucura de
Friends.
Com dois anos, Noah fez a sua primeira cesta, na cestinha infantil que
Nash havia comprado para ele. Desde então, Friends criou um podcast para
— como ele diz — documentar o sucesso do meu filho no esporte. Friends
acha que isso vai garantir que Noah entre na NBA. Inclusive, se houvesse
uma liga mirim, Friends com certeza daria um jeito de colocar o meu filho
nela.
“De um lado, Zach Bradley, conhecido popularmente como Babyface,
ex-jogador universitário do Duke Blue Devils. Uma salva de palmas!”, pede
Friends, ainda narrando no seu gravador.
E eu aplaudo, claro. “Vai, amor!”
Zach pisca para mim enquanto se alonga.
“Do outro lado, o ilustre, o magnífico, o melhor jogador da última
década: Noah Christopher Bradley. E a plateia está delirando agora!”
Sophie coloca as mãos ao redor da boca para gritar; Eretria tira fotos;
Ronnie aplaude e assobia ao mesmo tempo e os garotos ovacionam Noah.
Meu filho, que parece um anão perto do pai dele, entra correndo na quadra de
basquete, que meus pais mandaram fazer no quintal da minha casa. Dessa
forma, Noah e os garotos podem brincar/treinar sempre que quiserem.
“Vai, filho!”, eu grito. “Uhuuuuuul!”
“Pai e filho se enfrentam em um duelo brutal essa noite, senhoras e
senhores!”
Sophie gargalha. “Nossa, Friends! Eles vão jogar em uma cesta infantil,
não estão indo para guerra.”
“Todo o jogo é uma guerra”, Friends a corrige. “Pergunta pro seu
namorado, o astro da NBA.”
Derek revira os olhos.
Jeremy está como juiz da partida. Ele pega a bola de plástico — pois
Noah ainda não aguenta o peso da bola de verdade — e para no centro da
quadra.
“Faremos um jogo limpo”, ele estipula, sério. “Sem cócegas e sem
ataque aos países baixos. Entendido?”, Jeremy pergunta, olhando para Zach.
“Entendido”, responde meu marido.
“Entendido, Noah?”, Jeremy olha para o meu filho.
“Entendido, tio Jer”, Noah responde, mas é para o pai que ele está
olhando. “Eu vou ganhar de você, papai.”
“Chamar de papai é contra as regras”, avisa Zach. “Sua fofura não vai
me amolecer, moleque.”
Noah dá uma risadinha.
“Três, dois, um.” Jeremy joga a bola para cima e Noah agarra as pernas
do pai, tentando impedir que ele pegue a bola. Zach faz um esforço fingido
para alcançá-la, mas é Noah quem pega a bola.
“Vai, Noah!”, Sophie grita.
“Noah Bradley está com a posse de bola!”, Friends narra. “Ele dribla
para a direita, depois para a esquerda.”
Zach para na frente da cesta, cobrindo-a totalmente.
“Papai!”, protesta Noah.
Meu marido ri e ajoelha no chão, dando ao filho a chance de realmente
acertar a cesta.
“Zach Bradley está de joelhoooooos!!!”, Friends narra, eufórico. “Nada
assim foi visto na história do basquete.”
“Noah! Noah! Noah!”, Ryan puxa o coro.
Todos nós começamos a repetir o nome do meu filho de forma ritmada,
enquanto ele encara o pai nos olhos, segurando a bolinha nas mãos.
Concentrado, Noah lança a bola na cesta e — como ele tem os melhores
treinadores do mundo desde que nasceu — ela entra na cestinha, o que faz
todo mundo começar a berrar em comemoração.
“E Noah Bradley vence o campeonato nacional! É uma noite de vitória!
É uma noite de felicidade para o nosso jogador mirim! Esse garoto vai entrar
para a história do basquete!”, grita Friends, no seu gravador.
Zach pega o filho no colo e o joga para cima, fazendo meu coração
quase sair pela boca. Me dá desespero quando ele faz isso.
Nos ombros do pai, Noah comemora.
“Você gravou, tia Tria?”, pergunta Noah, animado.
“É claro que eu gravei. Você acha que eu ia perder um ponto histórico
desses?”
Noah praticamente se joga nos braços de Nash quando o vê. Meu filho é
apaixonado pelo namorado de Eretria — o que faz com que Nash e Friends
vivam em uma briga eterna pela atenção de Noah.
“Tio Nash, os Lakers vão ter que me aceitar agora”, diz Noah, cheio de
esperança. “Eu sou bom de verdade. Nem o papai é melhor que eu.”
Zach da risada, aparecendo atrás de mim e me envolvendo com os
braços. “Eu tô ficando velho pra isso.”
“Garoto, você vai ser o astro dos Lakers daqui uns anos”, garante Nash.
“Ah, então você vai ser meu adversário, NC?”, pergunta Derek,
cruzando os braços, tentando ser intimidador.
Derek é o único que chama Noah desse jeito.
Meu filho ri. “Pode apostar, tio D. Vou fazer você comer poeira.”
Sophie gargalha. “Eu não me meteria com ele se fosse você, amor.
Lembre-se que Noah teve os melhores treinadores do mundo.”
Noah concorda. “Os melhores!”
“A comida tá pronta!”, avisa Brianna.
Nash coloca Noah no chão e meu filho sai correndo para dentro de casa,
sendo seguido pelos meus amigos, que cuidam dele como se Noah fosse filho
deles. Nunca vi uma criança tão amada e bem cuidada como o meu filho.
Zach e eu, no entanto, continuamos parados onde estamos, aproveitando
a brisa fresca dessa noite quente de julho.
“Deveríamos ter outro bebê”, ele diz, de repente.
Abro um sorriso. “Acredita que eu estava pensando a mesma coisa?”
Ele me gira em seus braços, mantendo-os em volta de mim, e eu envolvo
os meus ao redor do seu pescoço.
“Uma garotinha dessa vez. Exatamente como você.”
Fecho os olhos, sorrindo e imaginando a filha que ainda não temos. “Eu
gostaria disso.”
Zach me dá um beijo tênue. “Vamos providenciar. Essa noite”, ele
murmura, roçando os lábios nos meus.
Meu corpo inteiro fica arrepiado. É impressionante como, mesmo depois
de cinco anos, eu ainda sinto borboletas no estômago quando Zach fala
comigo desse jeito.
“Mamãe! Papai! Vocês não vêm?”, pergunta Noah, aparecendo na porta
que dá para o quintal.
“Estamos indo, filho”, é Zach quem responde.
Meu marido segura a minha mão e nós caminhamos juntos para dentro
de casa, para a nossa família e para a vida maravilhosa que estamos
construindo dia após dia.
Do lado de dentro, todos estão sentados à mesa para iniciar a refeição
quando Kyle, na maior encenação de filme, bate a faca em um copo de vidro,
chamando a atenção de todos.
“Agora que estamos todos aqui...” Kyle se levanta da cadeira, para ao
lado da cadeira de Veronica, puxa uma caixinha de veludo vermelha do bolso
e se ajoelha.
Todo mundo prende a respiração.
“O que tá acontecendo?”, pergunta Noah, confuso.
Risadinhas se fazem ouvir, e eu sussurro para o meu filho que depois
explicarei a ele.
“Ronnie, eu soube que iria me casar com você quando coloquei meus
olhos em você. Então, hoje, na frente dos nossos amigos, eu quero pedir que
você me dê o privilégio de tornar isso realidade. Você aceita se casar
comigo?”
“Sim!”, Veronica grita, jogando seu corpo em cima do de Kyle e
fazendo os dois caírem no chão.
A mesa explode em gritos, urros e palmas enquanto os noivos dão
risada, caídos no chão.
“E eu que pensei que essa história estava chegando ao fim”, comenta
Sophie, emocionada.
“Parece que fomos enganadas”, constata Eretria.
Dou risada. “Suponho que tenhamos que aguardar os próximos
capítulos.”
Eu e minhas amigas nos entreolhamos, cúmplices.
Como será que estará a vida daqui a cinco anos?

E o que aconteceu nesses últimos cinco anos?


Parece que vocês terão de aguardar para descobrir.

FIM DO LIVRO III


(E o spin off vem aí...)
NOTA DA AUTORA
Olá, queridos leitores!

Quando comecei a escrever essa história, tive medo de que muitas


pessoas julgassem o pavor do Zach referente a paternidade como bobo ou
insignificante. No entanto, enquanto pensava sobre isso, me dei conta de que,
quando você olha uma situação de fora, parece muito fácil achar que o que o
outro sente é bobo ou insignificante. Mas a verdade é que precisamos
entender que, para a pessoa que sofre um trauma, seja ele de que natureza for,
a racionalidade não funciona muito bem.
O medo não é racional, assim como o trauma também não. Refletindo
sobre isso, eu apenas gostaria de dizer para que vocês nunca permitam que
alguém diga que o seu medo é algo bobo, pois não é. Não para você, pelo
menos.
Cada um de nós sabe dos nossos maiores temores, e devemos a nós
mesmos entendê-los, respeitá-los e enfrentá-los como pudermos e por nós
mesmos.

Ah, e vocês pediram muito que eu colocasse minhas redes sociais no


final dos livros, visto que algumas de vocês demoraram para me encontrar.
Então, me acompanhem lá no Instagram e fiquem de olho nos próximos
livros que lançarei: @fersfreittas.

Com amor,
Fernanda Freitas
AGRADECIMENTOS
Sempre começo meus agradecimentos citando Deus e agradecendo a Ele
pela oportunidade de poder estar aqui, contando histórias que inspiram,
alegram e divertem as pessoas.
Segundo, agradeço minha família, não só pelo apoio, mas por vibrarem
comigo a cada livro vendido, a cada resenha positiva, a cada crítica
construtiva e a cada degrau alcançado nessa minha jornada. Vocês são e
sempre serão a base de tudo pra mim. Obrigada!
Agradeço à Thais Cortez e à Niclécia Fonseca, por me tirarem todas as
dúvidas sobre questões de saúde e gravidez. Tudo que é falado sobre esse
assunto neste livro, foi graças a essas duas. Então, meu muito obrigada de
coração!
E, claro, não poderia faltar o meu super agradecimento à Maria Isabel,
Nathaxa Santos, Beatriz Matias, Ana Imthon e Thais Cortez (novamente),
que estão comigo desde o início, que surtam a cada livro; que me motivam a
continuar escrevendo e que lutam e defendem os casais com unhas e dentes.
Já falei várias vezes o quanto vocês são perfeitas, então... Eu amo vocês!
Agradeço também às meninas do grupo “As meninas da Duke”, criado
com e para as leitoras dessa série. Estou cada dia mais apaixonada por essa
interação com vocês. Estar perto das minhas leitoras é algo tão maravilhoso e
tão surreal ao mesmo tempo. Mas, agradeço vocês por me manterem
motivada e feliz com o que eu faço.
Agradeço a todos os leitores, que chegaram até aqui e riram, choraram,
se apaixonaram e sentiram raiva de um personagem ou outro (risos). Tudo é
feito com muito amor, é o que eu sempre digo.
Agradeço a Toddy Cleiton, meu filho de quatro patas e companheiro de
madrugadas. E ao meu namorado, Matheus Pedroso, que comemora comigo
cada conquista e cada novo leitor. Amo vocês!
Foto da capa: Designed by Svetlanasokolova - Freepik.com
E, como sempre, minha amiga maravilhosa, Halexa Helen, responsável
pela diagramação dessa capa linda.

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