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Fernanda Freitas 3 - Antes Que Ela Decida - Sobre Nós
Fernanda Freitas 3 - Antes Que Ela Decida - Sobre Nós
FERNANDA FREITAS
1º edição
PLAYLIST DA SAVANNAH
SAVANNAH
Junho
BABYFACE
Estou sentado no sofá da casa que divido com seis dos meus colegas de
time — nós todos jogamos basquete pela Universidade Duke. Está todo
mundo fazendo as malas para passar um tempo com a família nessas férias de
verão. Provavelmente, eu deveria estar fazendo a mesma coisa, mas a verdade
é que o inferno seria um lugar mais agradável do que a minha casa.
Eu nasci e cresci na Califórnia, mas fiz questão de vir estudar na costa
leste, do outro lado do país. E, em datas comemorativas, como Natal e Ação
de Graças, eu uso a distância como desculpa para que meus amigos não
saibam que eu detesto ir para casa.
Meu plano era passar as férias na casa que divido com meus amigos,
mas minha mãe, que eu não vejo há dois anos, exigiu que eu fosse para casa.
Consegui fugir das outras vezes, mas suponho que eu não possa fingir para
sempre que meus pais não existem. Embora eu quisesse muito isso de vez em
quando.
Acho que a maioria das pessoas acredita que nada pode realmente
destruir uma família, mas isso é mentira. Há coisas que podem, sim, destruir
uma família. A minha foi destruída anos atrás.
“Cara, o que você tem?”, pergunta Friends, meu amigo, companheiro de
time e colega de república. “Tá com uma cara esquisita.”
“Olha quem fala. A sua cara tá sempre esquisita.”
Friends mostra o dedo do meio para mim antes de começarmos a rir.
De todos os caras com quem eu moro, Friends provavelmente é o meu
melhor amigo. Nós dois fomos batizados com apelidos esquisitos e somos
reservas no time de basquete. Acho que isso nos aproximou bastante. E o fato
de morarmos juntos.
Falando em apelidos... Ganhei o meu no meu primeiro ano de faculdade.
Trouxe uma garota para casa, nós transamos, foi bom pra caralho e aí ela teve
a infeliz ideia de dizer que eu tinha cara de bebê. E mais infeliz ainda foi o
fato de Nash ter ouvido isso.
Maldito Nash.
E então, claro que o desgraçado contou para os outros caras e, de
repente, meu nome foi de Zach para Babyface. O apelido pegou de tal forma
que a maioria das pessoas não sabe o meu verdadeiro nome.
No começo, fiquei puto. Os caras me chamavam de Babyface e eu fingia
burrice; fingia que não era comigo, mas isso só servia para deixá-los ainda
mais empenhados em me irritar. Então, bom... É como diz o ditado, se não
pode com eles, junte-se a eles, não é? Aceitei o caralho do apelido, e hoje em
dia até esqueço que esse não é o meu nome de verdade.
A única pessoa que me chama de Zach nos dias de hoje é minha
namorada. Savannah. Nós nos conhecemos no segundo semestre do ano
passado. Caralho. Quase um ano inteiro atrás.
Demorou até que eu conseguisse chamá-la de namorada. Sav vivia me
dizendo que não queria um relacionamento sério. E eu respeitei. Dei a ela o
espaço que ela queria e precisava, mas quando senti uma rachadura em seu
argumento, a levei ao Sarah P. Duke Gardens, uma área arborizada e
ajardinada dentro do campus da Duke, e pedi minha garota em namoro.
Ela aceitou. Ainda bem.
“Você não vai fazer as malas?”, pergunta Friends.
A voz do meu amigo me faz levar um susto. Viajei tanto nos meus
pensamentos que até esqueci que o filho da mãe estava do meu lado.
“Eu só vou amanhã. Sav e eu combinamos de passar a noite juntos.”
Friends assente. “Ela vai para a casa dos pais?”
“Vai.”
Os pais de Savannah moram na Flórida. E sei que eu não deveria me
sentir chateado, mas eu estava torcendo que ela me convidasse para passar as
férias com ela. Eu toparia muito mais conhecer o pai dela e correr o risco de
levar um chute na bunda do que ficar um mês na casa dos meus pais.
Jesus. Um mês inteiro.
Se eu conseguir sair de lá vivo será uma vitória.
“Beleza. Tô caindo fora”, avisa Friends. “Te vejo no mês que vem.”
Forço um sorriso. “Te vejo no mês que vem, cara.”
O último a sair de casa é Ryan. E quando fico sozinho, o silêncio me
consome. Odeio silêncio. E odeio mais ainda a sensação de estar sozinho.
Então, pego as chaves da caminhonete de Derek em cima da mesa e saio de
casa.
Como somos sete, nós dividimos os carros. Imagina só sete veículos na
garagem? Rá. Só se morássemos em uma mansão.
Nash tem um Rover, Derek tem uma caminhonete e Jeremy tem uma
SUV. Eles são oficialmente os donos dos carros, mas nós estamos sempre
pegando emprestado um dos outros e isso é muito legal.
Dirijo até Durham, a caminho da Bassett House. Mandei uma mensagem
para Savannah hoje cedo, mas ela não me respondeu. Deve estar concentrada
em escrever uma música nova. Minha garota é cantora e compositora e estuda
música na Duke. Tive a honra de ser a inspiração da última canção que ela
compôs. Bom, eu já estava apaixonado por ela muito antes disso.
Quando chego à Bassett House, coloco o código de segurança na porta,
subo as escadas até o segundo andar e vou até o quarto de Savannah. Coloco
o ouvido na porta para saber se ela está tocando, mas não escuto nenhum
barulho vindo de dentro do quarto.
Bato na porta. “Linda, sou eu.”
Ouço um farfalhar do lado de dentro e a porta se abre segundos depois.
Eu me assusto ao me deparar com a minha namorada com os olhos vermelhos
e inchados.
“Ei, o que foi?” Me aproximo dela depressa e seguro seu rosto lindo
entre as minhas mãos. “Você estava chorando?”
Não sou muito bom em ler as pessoas, mas consigo perceber alguma
coisa em seus lindos olhos cor de âmbar. Só não sei o que é.
“Eu...” Ela limpa a garganta. “Eu estava assistindo um filme e me
emocionei. Só isso.”
Sorrio para ela. “Qual filme?”
“Pra sempre ao seu lado.”
“O do cachorro?”
Ela faz que sim.
“É por isso que eu não assisti. Eu tinha certeza de que era triste. Quando
as pessoas colocam animais no meio é pra fazer a gente desidratar de chorar.
É uma sacanagem do caralho.”
Savannah solta uma risadinha. “Você se importa se ficarmos aqui
hoje?”, ela pergunta. “Eu, ahn, estou com um pouquinho de dor de cabeça.
Acho que chorei demais com o filme.”
“Sem problemas.” Fecho a porta do quarto atrás de mim e me jogo na
cama de solteiro de Savannah. “Vem cá, linda.”
Ela deita comigo, se alinhando ao meu peito. Seu cabelo castanho faz
cócegas no meu braço, mas eu deixo que ela se aconchegue como preferir.
Sou grande demais para uma cama de solteiro, então fico com uma
perna para fora, ancorada no chão, para dar mais espaço para Savannah se
deitar. Não é tão confortável quanto a minha cama de casal, mas não tem
como alguma coisa ser ruim quando eu estou com ela.
Encontrar Savannah não foi uma coisa que eu planejei. Nunca fui contra
relacionamentos, mas eu estava aproveitando a solteirice. Não sou tão
mulherengo quanto Nash — ninguém é tão mulherengo quanto Nash. Ou era,
porque agora ele está todo apaixonado por Eretria Kinsley, a irmã mais nova
de um dos nossos colegas de time e república —, mas tinha uma vida sexual
bem ativa.
Quando conheci Savannah, por intermédio de Sophie e Eretria, a
primeira coisa que pensei foi “gostosa pra caralho”. Depois, nós transamos e
foi... cara, foi sensacional. Tipo, muito bom mesmo. E como nossos amigos
estavam sempre saindo juntos, nós nos encontrávamos com frequência. Uma
coisa levou a outra e, quando me dei conta, eu estava apaixonado por ela.
“O que você tanto pensa nessa sua cabecinha linda?”, indago, baixinho.
“Você está de olhos fechados. Como sabe que eu estou pensando em
alguma coisa?”
Sorrio. “Eu não preciso te ver com os meus olhos para saber que tem
algo errado com você.” Abro os olhos. “O que tá rolando?”
“Eu... ahn... estava pensando nesse um mês que vamos ficar separados.”
Suspiro. “Nem me fala. Vai ser uma merda.”
“Talvez você possa me visitar na Flórida”, ela sugere “e depois nós
voltamos juntos para Durham.”
“Está me convidando para conhecer os seus pais?”
O corpo de Savannah fica rígido e seus olhos deixam transparecer o
quanto ela está apreensiva. “Você não precisa ir se não se sentir confortável.
Eu sei que conhecer os pais é um passo importante e...”
“Eu vou”, afirmo. “Conhecer os seus pais não me assusta, amor.”
Ela se aconchega ao meu corpo e eu a aperto contra mim, sentindo seu
corpo quente e macio. Eu poderia facilmente ficar horas desse jeito. O cheiro
dela é inebriante, e eu não faço ideia de como consegui dar tanta sorte.
Ter encontrado Savannah foi, provavelmente, a melhor coisa que
poderia ter acontecido comigo durante a faculdade. É verdade que conhecer
os caras também mudou a minha vida, mas, Savannah é algo a mais. Não sei
exatamente por que comecei a sentir algo mais forte por ela. Talvez seja o seu
jeito leve e alegre; ou talvez pela sua humildade —mesmo sendo tão rica que
provavelmente poderia comprar um pequeno país subdesenvolvido.
E, Deus, nem me deixe começar a falar do quanto ela é linda. Seu cabelo
castanho comprido é sedoso e cheiroso; seus olhos cor de âmbar são
extremamente expressivos e exóticos. Seu corpo curvilíneo me deixa
maravilhado e a forma como ela diz o meu nome é provavelmente o som que
mais gosto de ouvir.
E como se estivesse adivinhando meus pensamentos, ela me chama:
“Zach.”
Abaixo o olhar para o seu rosto lindo. Os seus olhos estão cravados em
mim.
É tão maravilhoso, mas ao mesmo tempo tão estranho ouvi-la me
chamando pelo meu nome. Já que ninguém na costa leste me chama desse
jeito.
“Hum?”
“Eu preciso fazer uma pergunta e preciso que você seja honesto
comigo.”
Não gosto do seu tom apreensivo. Tensão é uma coisa que não é típica
de Savannah, então sei que o assunto é sério.
“O que estamos fazendo?”
Franzo o cenho. De repente, estou confuso e não faço ideia do que ela
está falando. “Como assim?”
“Eu e você. Quer dizer, você vai se formar no ano que vem. Eu ainda
tenho mais três anos de faculdade pela frente. Então, eu acho que o que eu
estou perguntando é: o que vai acontecer com a gente quando você for
embora?”
Honestamente, eu não havia pensado nisso. Quase nem consigo acreditar
que só falta um ano para que eu finalmente me forme na faculdade. Passou
tão rápido...
Quando saí da Califórnia para estudar na Carolina do Norte, tinha o
intuito de terminar a faculdade e ir para qualquer lugar do mundo, menos de
volta para a Califórnia. Não tem nada lá para mim, e a proximidade com os
meus pais não é uma coisa pela qual eu anseio.
E apesar de amar jogar basquete, nunca quis me tornar profissional,
então eu passei longe de me inscrever no draft. Meu sonho de infância é ser
engenheiro, e é para isso que eu estou me formando. O que significa que
posso trabalhar em qualquer estado dos Estados Unidos. Qualquer um
mesmo. Menos na Califórnia. O que também significa que posso arrumar um
emprego na Carolina do Norte e ficar perto de Savannah até ela terminar a
faculdade.
“Eu não preciso ir embora” respondo, por fim. “Posso arrumar emprego
em qualquer lugar, raio de sol.”
Ela abre um sorriso quando ouve o apelido que dei a ela.
“Você ficaria na Carolina do Norte por mim?”
“Com uma dose diária da sua boca e do seu corpo, eu fico em qualquer
lugar, gata.”
Ela solta uma risadinha fofa.
“Então nós vamos ficar juntos?”, ela ainda quer se certificar.
“Claro que vamos ficar juntos.”
Savannah se aconchega ainda mais ao meu corpo. “Que bom saber
disso.”
Eu beijo a sua têmpora e a aperto ainda mais contra mim.
Não importa se vamos passar um mês inteiro separados, tudo o que
importa são os momentos como esse, onde posso ficar sozinho com a minha
garota e sentir que não há nada de errado no mundo, mesmo sabendo que é
um lugar fodido pra caralho.
“A gente poderia aproveitar esse tempo e fazer alguma coisa mais
interessante do que só ficar deitado”, diz ela, desenhando círculos
imaginários no meu peito.
Arqueio uma sobrancelha. “Pensei que você estava muito tristinha por
causa do filme do cachorro.”
“Na verdade, eu estou precisando pensar em outra coisa... que não seja
esse filme.”
Não consigo evitar abrir um sorriso carregado de malícia à medida que
puxo o corpo de Savannah para cima do meu. Ela se senta em cima de mim,
acomodando cada joelho de um lado do meu corpo. Apoio minhas mãos nos
seus quadris na mesma hora em que Savannah puxa sua camiseta de pijama
por cima da cabeça. Ela usa um sutiã de renda azul marinho e meio
transparente, deixando seus mamilos avermelhados à mostra.
Os peitos de Savannah não são enormes, mas são simplesmente
perfeitos. No entanto, a bunda dela com certeza é a minha parte favorita do
seu corpo. Seu traseiro generoso me deixa maluco.
“Já te falei o quanto você é linda pra cacete?”
Ela solta uma risadinha. “Hoje não.”
“Você é linda pra cacete.”
Os dedos hábeis de Savannah agarram a barra da minha camiseta antes
de puxá-la para cima, tirando-a pela minha cabeça. Ela dobra o corpo e
distribui beijos pela minha barriga, depois pelo meu peito, até chegar à minha
boca. Seus lábios têm gosto de morango, como de costume, e são macios aos
pressionarem os meus.
Deslizo minhas mãos para as suas costas e abro o fecho do sutiã de
Savannah, deixando a peça cair no chão enquanto admiro a perfeição dos
peitos dela. Seus olhos cor de âmbar estão brilhando de lascívia quando eu
tomo um de seus mamilos enrijecidos na boca.
Ela joga a cabeça para trás, gemendo baixinho enquanto eu chupo e
lampo a sua pele febril. Adoro o cheiro do corpo dela e o fato de sua
sugestividade ser palpável.
“Eu vou fazer amor com você bem gostoso para você poder lembrar
enquanto nós estivermos separados”, eu murmuro contra a pele dela.
Savannah geme baixinho.
Nunca fiquei muito interessado nessas garotas que gemem com a
intenção de serem ouvidas pelo bairro inteiro. Não. Eu sempre gostei mais
das meninas mais contidas. Savannah não é tímida ou coisa parecida, mas
quando estamos na cama, ela geme para mim, e não para o mundo. É um
momento nosso, e eu gosto de saber que só eu estou desfrutando dos sons
incríveis que ela emite.
Giro meu corpo na cama, de forma que agora Savannah está embaixo de
mim. Arranco os seus shorts do pijama e ela se apressa para desabotoar a
minha calça. Parece que estamos em uma corrida contra o tempo para
chegarmos ao prêmio.
Isso me faz lembrar a primeira vez que nós transamos. Foi na festa da
Kappa Kappa Gamma — também foi o dia que nos conhecemos. Enquanto
Sophie estava trancada com Derek em um pequeno closet, brincando de Sete
Minutos no Paraíso, e Eretria estava determinada a fugir do seu irmão mais
velho, Kyle, a todo o custo, Savannah e eu saímos de fininho da sala e
arrumamos um quarto no andar de cima.
Ela estava um pouco bêbada, então quis garantir que ela estava
realmente ciente do que estava fazendo. Eu a desafiei a ficar em um pé só dez
segundos sem desequilibrar e ela conseguiu, então, passou no teste de
embriaguez.
Se eu disser que nunca transei com uma garota bêbada, é mentira. Já
transei, sim. Evito fazer isso sempre que estou sóbrio, porque aí consigo
pensar com a cabeça e não com o meu pau. Mas, em um modo geral, acho
que sou um cara bem decente com as meninas. Não sou um santo — bem
longe disso —, mas, mesmo com a criação conturbada que tive, minha mãe
me ensinou a não ser um canalha. Talvez seja a única coisa que ela tenha me
ensinado.
Quando Savannah e eu nos livramos de todas as peças de roupa, eu me
estico para pegar uma camisinha dentro da minha carteira. Noto que
Savannah fica prestando atenção enquanto eu rasgo a embalagem e deslizo
pelo meu pau — coisa que nunca aconteceu. Ela normalmente não presta
atenção nisso.
“Tá tudo bem?”
“Quê?”
“Você está bem?”, repito a pergunta. “Está com aquela cara de quando
está pensando em alguma coisa importante.”
“Eu estou bem”, diz. “E como você sabe que eu tenho uma cara para
isso?”
“Eu presto atenção em você, gata.”
Ela sorri. “Estou namorando um stalker?”
“Talvez.” Sorrio também.
Savannah umedece os lábios e abre as pernas para mim. “Por que a
gente não para de falar um pouquinho?”
Corro os olhos pelo seu corpo nu e sinto meu pau pulsando de desejo.
Adoro quando minha garota fica safada.
“Sim, senhora.”
Ajeito-me entre as pernas dela e entro. Savannah arqueia as costas e
solta um gemido baixo quando eu dou início as estocadas, firmes e
dolorosamente lentas. Ela odeia quando vou devagar. Tudo com Savannah é
muito intenso e rápido. Faz parte de quem ela é, mas já tentei explicar que
gosto de poder apreciar cada centímetro que ela se expande para me receber.
“Zach”, ela resmunga, impaciente.
Ela coloca as mãozinhas apressadas na minha bunda e tenta fazer com
que eu me movimente mais rápido.
Menina apressada.
Seguro os pulsos de Savannah e prendo suas mãos no alto da sua cabeça.
Com uma mão só eu seguro seus dois pulsos unidos e uso a outra mão para
acariciar o seu corpo delicioso.
“Pare de ser apressada.”
“Você sabe que eu odeio isso”, ela acusa.
“É claro que sei.” Abro o melhor sorriso que consigo.
“A sua sorte”, ela arqueja quando aumento a velocidade “é que você é
bonito demais e eu gosto muito de você.”
Dou risada. “Que sorte a minha.”
Nós ainda não falamos que amamos um ao outro. Embora estejamos
saindo há quase um ano, o namoro em si ainda é recente. E considerando que
Savannah estava meio incerta sobre namorar e essa coisa toda, eu ainda não
me sinto seguro para falar que a amo, mesmo tendo certeza de que já sinto
amor por essa garota.
Não me importo que ela não tenha dito que me ama e acho que ela
também não se importa que eu não tenha dito. Estamos levando as coisas no
nosso próprio ritmo. Sei que essa declaração vai acabar acontecendo mais
cedo ou mais tarde, mas quero que seja uma parada natural, então não fico
pensando muito no assunto.
Talvez, no fundo, eu seja um romântico e só estou descobrindo isso
agora. Tive namoradas na escola, mas nunca durou mais que cinco meses.
Savannah é a primeira mulher com quem tenho um relacionamento mais
longo; é a primeira mulher que me faz ter vontade de dar o mundo para ela;
que me faz não querer ter nenhuma outra mulher depois dela.
Cara, eu estou maluco por essa menina.
Quando Savannah solta outro grunhido de irritação, eu decido que já deu
de torturá-la, portanto aumento a velocidade das estocadas, mantendo o ritmo
e a firmeza. Ela fecha os olhos e se entrega completamente aos meus
cuidados, deixando o corpo à minha mercê. E eu tiro o máximo proveito
disso ao deslizar os lábios pela sua pele e depositar beijos aqui e ali, sentindo
que ela está perto de um orgasmo.
“Zach”, ela geme meu nome.
“Fala, princesa. O que você quer?”, eu incito.
Ela tenta soltar as mãos, e eu deixo. Então ela segura a minha cabeça e
me puxa para um beijo. Sinto sua língua adentrando a minha boca,
determinada e gananciosa. Solto um gemido do fundo da garganta quando ela
chupa a minha língua. E quando seu corpo começa a tremer sob o meu, eu
acelero ainda mais as estocadas, sentindo o orgasmo iminente. Pontos pretos
invadem a minha visão quando eu gozo ao som dos gemidos abafados de
Savannah.
Melhor. Sensação. De. Todas.
Saio de dentro dela, me livro da camisinha e me deito ao lado de
Savannah na cama. Devido ao pouco espaço, Savannah mantém metade do
corpo em cima do meu para que tenhamos como ficar deitados de uma forma
confortável em sua cama pequena demais para mim.
“Com certeza vou pensar nisso enquanto você estiver do outro lado do
país”, ela sussurra.
“Só me quer para sexo, é?”
Ela solta uma risadinha. “Eu te quero para muitas coisas.”
Olho para ela e coloco uma mecha do seu cabelo atrás da orelha. “Ah, é?
Me dê exemplos.”
Savannah apoia um braço no meu peito e apoia o queixo no braço. Seus
olhos cor de âmbar estão fixos nos meus. “Te quero para beijar, para
conversar, para compartilhar momentos bons e também ruins, para confiar e
para poder contar quando as coisas estiverem difíceis. Te quero para me dizer
que tudo vai dar certo quando eu estiver em pânico.”
Sorrio para a minha namorada. “Você me tem para tudo isso e o que
mais precisar, amor.”
Ela solta o ar dos pulmões e fecha os olhos por um momento, voltando a
abri-los em seguida. “Sério?”
“Claro que é sério.” Eu a encaro. Tem alguma coisa errada, mas não
consigo dizer exatamente o que é. “O que você não está me contando?”
Ela fica séria. “Como assim?”
“Não sei. Você está fazendo perguntas estranhas hoje.”
“É que...”, ela respira fundo “... ficar longe de você por tanto tempo está
me deixando insegura. Só isso.”
“Você não tem motivo nenhum para ficar insegura. Se eu quisesse te
trair, já teria feito isso. Não preciso ir para o outro lado do país pra fazer
merda, Sav. Mas não tenho intuito de trair você nem aqui e nem na
Califórnia. Não quero que fique preocupada com isso.”
Ela abre um sorriso. “Não sei como você conseguiu ficar tanto tempo
solteiro sendo tão fofo.”
Agora eu dou risada. “Linda, você é a única que sabe que eu sou fofo.
Para os caras e para o resto da Duke, eu sou só mais um atleta que pega todas
as garotas que olham na minha direção.”
Savannah faz uma careta. “Não quero nem pensar nisso.”
“Está com ciúmes?”, provoco.
“Claro que estou com ciúmes. Olha só para você. É irritante de tão
lindo, mas que fique claro que você é meu.” Ela me dá um beijo rápido.
“Só seu.”
E é a mais pura verdade. Eu estou rendido por ela.
03.
SAVANNAH
***
SAVANNAH
Não sei se Zach consegue inferir o meu tom pelas mensagens, mas é
como se eu o estivesse afastando. Estou tão desesperada que é como se não
conseguisse conversar com ele naturalmente.
Talvez porque você esteja tentando tapar o sol com a peneira.
Faz três dias que cheguei à Flórida; e faz três dias que não consigo
dormir direito ou comer direito ou fazer qualquer coisa que não seja pensar
nessa gravidez.
Decidi que vou contar aos meus pais hoje, na hora do jantar. Não vou
conseguir guardar esse segredo por muito mais tempo, e sei que eles já
repararam que eu estou esquisita. Além disso, vou precisar do apoio deles
quando chegar a hora de contar ao Zach.
Tenho falado com Sophie e Eretria todos os dias. Embora minhas
melhores amigas estejam determinadas a me fazer sentir mais calma, na
maioria das vezes isso não ajuda muito.
Sophie entrou de férias do seu emprego no Tina’s — a lanchonete onde
trabalha desde que começamos a faculdade —, então ela e Derek, o seu
namorado, estão em Nevada, na casa dele. Soph finalmente está conhecendo
a sogra e, embora a ame por tirar um tempo para ficar me consolando, não
quero infernizá-la com os meus problemas durante o seu período de paz.
Eretria, por outro lado, está na Austrália salvando as tartarugas junto com o
Nash. E, depois de tudo o que esses dois passaram, eles também merecem um
pouco de sossego e amor.
Eu poderia tentar conversar com alguma das minhas amigas da época da
escola, mas acho que nenhuma delas realmente entenderia o que eu estou
passando. E considerando o quanto a fofoca rolava solta naquela época, não
demoraria um dia para que eu virasse o assunto do momento.
Não, obrigada. Prefiro me desesperar sozinha.
Minha mãe costumava dizer “Não existe amiga melhor do que a sua
própria mãe, querida”. Portanto, vou confiar que ela vai me acolher, me amar
e me ajudar a tomar a decisão certa.
Quando desço as escadas para a sala de jantar, minhas pernas estão tão
bambas que preciso segurar o corrimão com força para não cair escada
abaixo. Meu estômago está embrulhado e tenho medo de precisar sair
correndo da mesa para vomitar, quando o cheiro da comida atingir minhas
narinas.
Passei o dia inteiro comendo só frutas, pois nenhum outro cheiro
conseguiu não me causar um enjoo insuportável. Preciso urgente descobrir o
que meu estômago aceita e o que ele não aceita. Não posso viver de frutas.
Meu pai abre um sorriso para mim assim que entro na sala de jantar.
“Oi, querida. Está se sentindo melhor?”
Quando os dois chegaram do trabalho e foram até o meu quarto me ver,
eu disse que estava me sentindo indisposta e ficaria a tarde toda deitada,
assistindo um filme ou algo parecido.
“Você parece um pouco abatida, filha”, observa minha mãe, perspicaz.
“Você comeu direito hoje?”
Pode parecer loucura total, mas nesse momento eu sinto que a minha
mãe sabe.
As mães têm esse poder sobrenatural de conseguirem enxergar com
muita clareza as coisas que você quer esconder. Parece que elas têm uma
ligação direta com Deus, onde Ele informa que seus filhos estão omitindo ou
mentindo sobre alguma coisa. Pergunto-me se também terei essa ligação
direta com Deus quando essa criança nascer.
Se essa criança nascer.
Levando em consideração que assim que o jantar foi servido, eu corro o
risco de sofre do famigerado enjoo, decido que talvez seja melhor contar
antes de começarmos a comer. Acho que vou evitar que eles acabem por
ficarem enjoados também.
“Eu preciso falar com vocês”, anuncio, me esforçando para conter as
minhas mãos trêmulas.
Meu pai apruma a postura, pois ele sabe reconhecer quando o meu tom é
sério. Minha mãe faz o mesmo, embora algo em seus olhos já transmita certo
sofrimento.
Eles vão me amar mesmo assim. Eu sou filha deles. Eles não vão virar
as costas para mim. Posso contar com eles.
Fecho os olhos. “Eu tô grávida.” Sinto meu corpo leve e pesado ao
mesmo tempo ao ouvir meu pai prendendo a respiração. Abro os olhos. “Eu
sei que vocês provavelmente estão decepcionados comigo. E... acreditem, eu
não queria isso. Eu tomei o remédio direitinho, mas passei mal um dia, tomei
antibiótico e depois descobri que corta o efeito do anticoncepcional.”
Começo a chorar e tremer. “Me perdoem, por favor. Eu sinto muito. Por
favor, não me odeiem.”
Meu pai fecha os olhos e segura a mão da minha mãe. A decepção no
seu rosto é tangível e parte o meu coração. Odeio decepcioná-los assim;
odeio precisar ver essa fisionomia em seus rostos.
Nós três sempre fomos muito unidos, e apesar de eu já ter aprontado
uma coisinha aqui e ali, nunca precisei sentir o peso do julgamento deles
desse jeito.
“Por favor, falem alguma coisa. Gritem comigo ou... ou falem que eu
sou uma decepção gigantesca. Qualquer coisa. Mas não fiquem em silêncio”,
imploro, limpando as lágrimas das bochechas.
Minha mãe se levanta da mesa e caminha até mim. Tudo parece em
câmera lenta e à medida que ela se aproxima, começo a me perguntar se ela
vai me bater, me expulsar de casa ou me abraçar. E, graças a Deus, é a
terceira opção que se concretiza. Ela envolve o meu corpo trêmulo e exausto
com os braços e me aperta forte, me impedindo de desmoronar no chão.
E eu me agarro a ela. “Mãe, eu sinto muito.”
“Shhh”, ela faz carinho no meu cabelo.
Meu pai se levanta em seguida e envolve minha mãe e eu em um abraço
ainda mais apertado, o que contribui estranhamente para que eu chore mais
ainda.
Pelo que parece ser longos minutos, nós não falamos nada. Deixo que
eles me envolvam nessa bolha de amor, compreensão e segurança. Deixo que
tirem o peso dos meus ombros e me tranquilizem. Com certeza me sinto mais
leve agora do que me sentia alguns minutos atrás.
Contar ao Zach talvez seja o que me assusta mais, pois me apavora a
ideia do meu bebê crescer sem pai, me apavora a ideia de ser abandonada por
ele, de Zach ser completamente diferente do meu pai — que é o homem no
qual me baseio quando o assunto é caráter e gentileza.
“Seu namorado já sabe?”, meu pai pergunta. Os dois se afastam do
abraço para me dar um pouco de espaço.
Nego com a cabeça. “Não tive coragem de falar ainda, mas nós
combinamos de ele aparecer aqui no final do mês, então...”
“Sophie e Eretria já sabem?”, é a vez da minha mãe perguntar.
Faço que sim. “Dulce também. Ela adivinhou depois de me ver
vomitando, logo depois que eu cheguei.”
“Vamos sentar e conversar sobre isso”, sugere meu pai, tranquilamente.
"Você precisa comer, querida. Está pálida.”
Não discordo. Eu preciso mesmo comer, mas a questão é se eu
realmente vou conseguir manter algo no estômago. Estou supersensível para
cheiros.
“Você já passou no médico?”, minha mãe quer saber. “Fez algum
exame?”
“Fiz exame de sangue para confirmar a gravidez. Sophie foi comigo.
Mas, fora isso, não fiz mais nada. Eu nem sei se quero ficar com o bebê,
mãe”, admito. “Como vou fazer isso? Ser mãe no segundo ano da faculdade?
Às vezes eu nem ao menos sei quem eu sou, como posso ser mãe de
alguém?”
Minha mãe olha para o meu pai. Os dois dão um sorriso de
cumplicidade que não consigo entender. Estão em uma espécie de mundo só
deles, onde conseguem se entender e contar uma história inteira só com um
olhar. Será que Zach e eu teremos isso um dia? Será que nos entenderemos e
nos conheceremos tão bem que conseguiremos fazer isso?
Será que Zach seria o tipo de pai babão? Daqueles que se derretem pelo
filho ou filha, fazendo todas as suas vontades porque simplesmente não
consegue dizer não para olhos pidões?
Deus.
Eu tenho tantas perguntas que é um milagre que eu mesma não tenha
virado um grande ponto de interrogação ambulante.
“Você sabe que seu pai e eu nos conhecemos na faculdade também, não
sabe?”, começa minha mãe, e eu confirmo com a cabeça. “Quando eu estava
no meio do segundo ano, engravidei.”
Arregalo os olhos. “O quê?”
Minha mãe solta uma risadinha com a minha reação. “Pois é. Nós
entendemos exatamente o que você está sentindo, meu amor. O pânico, a
insegurança, a decepção, a raiva, a negação, mas também aquele leve toque
de esperança e felicidade, pois, em algum momento desde a hora em que
você descobriu até agora, eu tenho certeza de que você já visualizou o seu
futuro com o bebê.”
“O que aconteceu com o bebê?” Isso é tudo o que eu consigo perguntar.
Será que eu tenho uma irmã ou um irmão solto no mundo e nunca fui
informada? Será que eles decidiram dar o bebê para a adoção?
“Eu perdi”, revela minha mãe. Fico surpresa ao notar a tristeza na sua
voz.
Sei que nenhuma mãe quer perder um filho. Inclusive, acredito ser o
maior medo delas. No entanto, eles eram jovens, então não precisaram
realmente fazer uma escolha. Certo?
Meu Deus. O que eu estou pensando? Quem sou eu nesse momento?
Como alguém pode ficar feliz ou aliviado com isso?
Acho que pensamentos assim são uma prova do quanto a sua cabeça fica
bagunçada quando se está no meu lugar. Eu sei que nunca pensaria uma coisa
dessas se estivesse no meu estado normal.
“Eu estava assustada e... Não, na verdade, eu estava petrificada de
pânico e considerei o aborto. Mas, quando perdi o bebê, percebi o quanto eu
realmente o queria. Nenhuma decisão na sua vida pode ser baseada no medo,
Savannah. O medo não se importa com mais nada além dele mesmo, e certas
decisões não podem ser modificadas. Então, se certifique que, independente
do que você escolher, escolherá porque é o que você quer, e não porque você
está com medo.”
Meu pai concorda com a cabeça. “E nós vamos te apoiar no que você
decidir fazer, meu amor. Graças a Deus nós temos condições de te auxiliar no
que você precisar. Mas, apenas nos prometa que conversará com o seu
namorado antes de tomar qualquer decisão. Ele tem o direito de saber.”
“E se ele não quiser o bebê?”, pergunto, olhando do meu pai para a
minha mãe. “Eu simplesmente não consigo parar de pensar nisso.”
“É compreensível, querida”, garante minha mãe. “Acho que é a primeira
coisa que passa na nossa cabeça depois que a ficha cai, mas, caso ele seja um
babaca disfarçado de bom moço, seu pai e eu tomaremos conta de você para
que você possa tomar conta do seu bebê. Se decidir ser mãe, pode acreditar
que você se surpreenderá ao perceber que nunca realmente precisou da
aceitação dele.”
Sem me dar conta, eu coloco a mão em cima da minha barriga. Eu
continuo magra como sempre fui, mas isso mudará em alguns meses.
Meu bebê.
Respiro fundo. “Se eu... quiser ficar com o bebê. Como vou conseguir
dar conta de tudo estando longe de vocês?”
“Podemos mandar Dulce para te ajudar com as coisas antes do bebê
nascer. Depois, acho que conseguimos tirar uns dias para ficar com você e te
ajudar. Dulce pode ir sempre que você precisar. Vamos organizar tudo.”
Concordo com a cabeça, mas de repente, outra coisa me ocorre. “Como
vou ter um bebê no dormitório da faculdade?”
Meus pais pensam por um momento.
“Podemos alugar uma casa para você. É mais fácil para que tenha
privacidade e tranquilidade para cuidar do bebê”, diz meu pai.
“Sophie e Eretria poderiam morar comigo?”
“Claro.” Minha mãe sorri. “Você precisará das suas amigas por perto. E,
de repente, se Zach concordar, ele pode ficar com vocês lá também.”
Meu pai concorda. “Vamos providenciar isso para você antes de voltar à
Carolina do Norte.”
Consigo respirar aliviada pela primeira vez em dias. “Obrigada.” Tento
conter as lágrimas, estou muito chorona ultimamente. Seriam os hormônios?
“Vocês são os melhores pais do mundo. Eu amo muito vocês. Muito.
Obrigada.”
Cada um deles segura uma das minhas mãos e sorriem. E nesse
momento, agradeço a Deus por ser filha deles.
05.
BABYFACE
“Por que você foi se amarrar no último ano da faculdade, cara?”, Brian
me pergunta. “O último ano é tão bom quanto o primeiro.”
Dou um gole na minha cerveja.
É sexta-feira à noite.
Meus amigos da época da escola voltaram para casa nessas férias, então
resolvemos nos encontrar para tomar umas cervejas e falar de mulher, que é o
que nós sempre fizemos desde que consigo me lembrar.
Eu costumava achar isso divertidíssimo, mas agora só consigo sentir
saudade de Savannah. Embora nós estejamos nos falando todos os dias por
telefone, não é a mesma coisa. Além do mais, sinto que ela está distante. Não
sei dizer por qual motivo e isso me deixa inquieto, principalmente porque não
estou perto dela para entender o que está acontecendo.
“Se você conhecesse Savannah, entenderia”, respondo, lacônico e um
pouco mais ríspido do que pretendia.
Brian me faz lembrar o Nash. No entanto, ao contrário do meu amigo da
faculdade, Brian não possui qualquer escrúpulo. Ele é um babaca completo.
Para ser sincero, não consigo entender como nos tornamos amigos e nem
como continuamos amigos.
Não estou dizendo que sou uma espécie de santo, mas com certeza não
sou um imbecil. E ele normalmente me cansa com os mesmos papos de
sempre. Parece que Brian nunca quer crescer. Cara, ele parece o Stifler de
American Pie. Só quer saber de mulher, festa e sexo, e foda-se todo o resto.
Não existe mais nada no mundo dele.
“Ela é gostosa, e daí? Tem muita mulher gostosa na Duke que você
ainda nem conheceu, cara.”
Tenciono a mandíbula. Ouvi-lo falando que Savannah é gostosa me dá
vontade de bater com a cabeça dele na mesa.
“Deixa o cara em paz, Brian, porra”, reclama Justin. “Se Zach quer
namorar, isso não é nem um pouco da sua conta.”
Ergo minha cerveja na direção de Justin e nós brindamos, em
cumplicidade. Justin, sim, é um cara bacana. Nós jogamos juntos no time de
basquete da escola e nos demos bem desde o primeiro treino.
“Tá, foda-se. Sobra mais pra mim”, conclui Brian. “Vou buscar mais
cervejas, querem?”
Justin e eu negamos com a cabeça antes de Brian desaparecer em meio
às pessoas.
Esse bar costumava ser o nosso favorito quando ainda morávamos todos
na Califórnia. Lembro com clareza de quando fizemos identidades falsas para
entrar aqui pela primeira vez. Beber e estar entre pessoas mais velhas parecia
um grande feito naquela época, mas, não sei se é porque estou de mau humor,
mas estou achando tudo uma merda hoje. Ir ao Holme’s com meus amigos de
faculdade parece muito melhor.
Tudo parece melhor longe da Califórnia.
“Como estão as coisas na sua casa?”, pergunta Justin, cautelosamente.
“Como sempre”, respondo, lacônico.
Isso serve para o meu amigo entender que eu não quero falar sobre a
minha família. Ou o que sobrou dela. É um assunto que pretendo evitar
sempre que possível. E é justamente a minha família o motivo de eu decidir
vir nesse bar, para início de conversa.
Não sei por que minha mãe insistiu tanto que eu viesse para casa, pois
parece que eu nem estou lá. Ela não me enxerga desde que Noah morreu. E
meu pai... Bom, ele me enxerga até demais.
Dou mais um longo gole na minha cerveja ao mesmo tempo em que meu
celular começa a tocar dentro do bolso. Um sorriso invade o meu rosto assim
que vejo o nome de Savannah na tela.
“Já volto. Minha garota tá ligando”, aviso Justin, que assente com a
cabeça antes de eu me afastar. “Oi, linda”, cumprimento, enquanto caminho
até o lado de fora do bar, onde estará mais silencioso.
“Oi. Onde você está?”
“Em um bar com uns amigos da escola.”
“Você pode falar agora?”
“Claro. Está tudo bem?”
Posso não estar namorando Savannah há muito tempo, mas ela não é
muito difícil de decifrar. Consigo entender só pela forma como ela fala
quando algo a está incomodando. E, nesse momento, tem algo acontecendo.
Na verdade, acho que tem algo que a está incomodando há um tempo já, mas
ela está decidida a fingir que não é nada.
“Eu estava pensando se você não gostaria de vir pra cá uma semana
antes. Sei que seus pais devem estar morrendo de saudade de você e que faz
um tempo que você não os vê, mas eu não pediria se não fosse importante.”
“Sav, o que tá rolando? Não é de hoje que você tá esquisita. Pode
conversar comigo, gata.”
A demora para que ela responda só me confirma que alguma coisa não
está certa.
Suspiro. “Vamos fazer o seguinte, eu chego à Flórida uma semana antes
do previsto e você e eu vamos nos sentar e conversar, tá legal? Você vai me
explicar o que tá te aborrecendo e vamos dar um jeito”, sugiro, tentando, de
alguma forma, deixá-la mais confortável com seja lá o que está passando.
Do outro lado da linha, ouço quando Savannah solta o ar dos pulmões.
“Me desculpa. Eu sei que você não está entendendo nada, mas eu só... não
quero ter essa conversa por telefone.”
Empertigo a postura. “Você não vai terminar comigo, vai?”
Ela solta uma risadinha. “Não, seu bobo. Não vou terminar com você.”
Não consigo evitar sorrir como um idiota. Cara, eu gosto demais dessa
garota. “Graças a Deus! Então, me faça um favor e relaxe, raio de sol.
Conversamos quando eu chegar, na semana que vem.”
“Estou com saudade, amor”, ela ronrona. Meu coração acelera e meu
pau lateja, o que me prova que todo o meu corpo sente falta dela.
“Eu também estou com saudade, maravilhosa. É bom você estar com
muita disposição quando eu chegar aí.”
“Hum, eu gostei disso”, ela murmura, sedutora.
“Savannah... Savannah... Não me provoque, senão eu pego um avião
agora.”
Ela gargalha. “Vá aproveitar com os seus amigos. Me avise quando
chegar em casa e tome cuidado, tá legal?”
“Pode deixar, minha princesa.”
Quase consigo sentir Savannah revirando os olhos enquanto dá risada.
“Tchau, amor.”
“Tchau, linda.”
Sinto-me tentado a realmente pegar um avião para ver a minha garota
amanhã mesmo, mas me contenho. Só preciso aguentar mais uma semana
inteira. É menos do que eu achei que seria. Não pode ser tão ruim.
***
SAVANNAH
SAVANNAH
BABYFACE
Não sei quanto tempo eu passei de olhos fechados para que Savannah
pensasse que eu estava dormindo. A verdade é que provavelmente não vou
ter uma noite de sono boa pelos próximos dias. Como poderia dormir depois
de descobrir que a minha namorada está grávida?
Porra!
Eu sempre tomei todos os cuidados para que isso não acontecesse. Tanto
com Savannah como com todas as outras garotas com quem dormi. Não
consigo acreditar que isso está acontecendo agora.
Maldita camisinha estourada.
Não menti para Savannah. Eu nunca pensei em ser pai. Vez ou outra tive
pensamentos como “Nossa, seria legal ter um filho para ensinar isso para
ele”, mas tão rápido quanto essa ideia chegava, eu a mandava embora.
A grande questão disso tudo é que eu não sirvo para ser pai. Jamais
conseguiria ser um bom pai para alguém. Não sirvo para ter um ser humano
sob a minha responsabilidade.
Agora que eu sei que Savannah está dormindo, posso abrir os olhos para
encarar o teto do seu quarto e pensar. Meu Deus. Eu não vou ser um bom pai.
Eu provavelmente vou deixar alguma coisa ruim acontecer com o bebê, o que
só iria acrescentar ao meu tormento pessoal.
Savannah não poderia ter escolhido um cara pior com quem ter um filho.
Estou surtando e preciso tomar um ar fresco antes que eu perca
completamente a cabeça. Então, tiro lentamente o braço de Savannah de cima
de mim — ela gosta de dormir me abraçando — e levanto da cama com toda
a suavidade que consigo para não a acordar. Não aguentaria outra conversa
como a que tivemos horas atrás.
Abro a porta de vidro da varanda do quarto de Savannah e me sento em
uma das cadeiras dispostas na área. Fico observando o mar enquanto tento
manter meus pensamentos limpos, mas quanto mais eu tento, mais a imagem
de Savannah barriguda invade a minha mente.
Pego meu celular e mando uma mensagem para o Friends. Entre todos
os meus amigos, ele com certeza é o que eu mais confio para conversar sobre
isso.
Faço a ligação.
“Cara, que merda você fez?”, Friends me pergunta em forma de
cumprimento.
Por que ele sempre supõe que eu fiz alguma coisa errada?
Reviro os olhos. “Friends, você tem que manter essa boca fechada ou eu
juro por Deus que vou arrancar os seus dentes um a um.”
“Você matou alguém por um acaso?”, ele pergunta, e um arrepio
percorre a minha espinha. “Eu não vou falar nada. O que foi?”
Solto o ar dos pulmões. “A Sav tá grávida.”
“Puta que pariu!”, Friends exclama. “Puta que pariu!”
“Pois é.”
“E agora? Quer dizer, porra! O que você vai fazer? Não, na verdade, o
que vocês dois vão fazer?”
Passo a mão pelo cabelo, atordoado. “Ela quer ter o bebê.”
Friends fica em silêncio por um momento. “E você não quer?”
Se for para ser sincero comigo mesmo, então a resposta é não. Eu não
quero o bebê. Quer dizer, eu até poderia querer se eu realmente acreditasse
que seria o melhor para o bebê me ter como pai. Não tenho nada contra
crianças. Gosto delas.
No começo do ano, Savannah organizou uma feira beneficente em um
orfanato em Durham e foi incrível passar a tarde brincando com as crianças,
mas é diferente quando a criança é minha. Meu filho. Minha
responsabilidade.
Então... É, com certeza a resposta é não. Não quero o bebê, mas nunca
diria isso à Savannah. Também nunca pediria que ela abortasse, porque,
sinceramente, não acredito que eu tenha o direito de pedir uma coisa dessas.
Eu nem ao menos sei o que eu penso sobre aborto. Nunca precisei refletir
sobre isso. Aborto é um assunto polêmico e que me dá dor de cabeça só de
tentar entender. E, considerando que não estou no meu lugar de fala, devo
manter a boca fechada sobre isso.
“Eu não sei”, é o que respondo para o Friends. Não quero que meu
melhor amigo me julgue se eu disser que não quero essa criança. Para evitar
julgamentos, eu teria que explicar a ele meus motivos, mas nunca farei tal
coisa. Certos segredos vão comigo para o meu túmulo. “O que você faria se
estivesse no meu lugar?”
“Graças a Deus eu não estou”, ele diz. Puxa! Que incentivo ótimo.
“Mas, se eu estivesse... Sei lá, cara, você gosta dela? Da Sav? Tipo, você tá
realmente apaixonado por ela? Porque, cara, se vocês tiverem esse bebê, você
vai estar ligado a ela até o último dia da sua vida.”
“Não é isso o que me preocupa. Eu sou louco por ela, Friends. Nunca
uma garota conseguiu virar meu mundo de cabeça pra baixo desse jeito. Eu
não tenho dúvida de que sou apaixonado por ela e provavelmente sempre vou
ser.”
“Então acho que você já tem sua resposta.”
Se Friends soubesse metade das coisas que acontecem na minha casa,
talvez ele não me falasse isso com tanta facilidade. Talvez ele conseguisse
entender o motivo pelo qual eu realmente estou apavorado.
Quando não respondo, Friends continua. “São três horas da manhã, cara.
Você deveria tentar dormir um pouco.”
Rá. Como se isso fosse possível com o turbilhão de coisas que estão se
passando na minha cabeça agora.
“Vou fazer isso”, minto. “Obrigado. E, por favor, não fala para os caras
ainda. Não sei se Savannah contou para as meninas, então não quero que todo
mundo fique sabendo.”
“Não vou falar nada”, ele garante, e eu acredito nele.
“Valeu, cara.”
“Descansa e fica tranquilo. Eu e os caras vamos ajudar como pudermos.
Acho até que vai ser legal. Tomara que seja um moleque, para a gente ensinar
ele a jogar basquete.” Friends começa a rir. “Já imaginou? Seria irado, cara.”
Não consigo evitar sorrir ao pensar nisso.
“É, seria muito legal.”
“Se for menina, você tá fodido.” Ele ri mais ainda.
“Boa noite, Friends”, eu o interrompo antes que ele comece a viajar
muito.
“Boa noite, papai.”
“Vai se foder.”
“Vai você se foder.”
E nós dois começamos a rir.
Quando desligo o telefone, me sinto um pouco melhor. Mas acho que
ainda tenho um longo caminho entre me sentir bem com isso e realmente
querer esse bebê.
08.
SAVANNAH
Quando acordo no dia seguinte, Zach não está na cama. O meu primeiro
pensamento é que ele pode ter fugido no meio da noite, mas depois penso o
quão ridículo isso é. Eu realmente devo estar ficar paranoica, e odeio isso. De
modo geral, eu sempre fui uma mulher segura e nada histérica, mas esses
hormônios estão me transformando em um monstrinho maluco.
Arrasto meu corpo para fora da cama e começo a procurar por Zach. Ele
não está no banheiro da suíte; não está na varanda do quarto. Mas me acalma
ver que a mala dele continua no mesmo lugar que estava ontem.
Ele deve estar na cozinha.
Descalça, caminho pelo chão de mármore até a cozinha, que, percebo
antes mesmo de adentrar o cômodo, está cheia de atividade. Com Dulce no
comando, Sheila, Felix e Samantha andam de um lado para o outro, mexendo
em panelas, picando legumes, guardando mantimentos na despensa e lavando
a louça. Mas nenhum sinal de Zach. Onde esse garoto se meteu?
“Bom dia, criança”, Dulce me cumprimenta com um sorriso. “Está com
fome?”
Minha alimentação está estranha nos últimos tempos. Ainda não tive
nenhum daqueles desejos esquisitos, como ter vontade de comer areia ou
coisa assim — sério, parece que isso existe de verdade —, mas não estou
conseguindo comer coisas que adorava antes de ficar grávida, como
macarons, por exemplo.
“Na verdade, não. Você viu o Zach? Não o estou encontrando em lugar
nenhum.”
“Ah, ele saiu com o seu pai. Os dois foram ter ‘um programa de
homens’.” Dulce desenha aspas no ar. “Não me pergunte o que isso
significa.”
Me surpreendo ao perceber que estava prendendo a respiração.
“E a minha mãe?”
“Está na piscina”, Dulce me informa. “Eu estava prestes a levar algo
para ela comer. Posso colocar uma salada de frutas para você?”
Confirmo com a cabeça. “Obrigada, Dulce.”
No caminho até a área da piscina, recebo uma ligação de Sophie e
atendo no primeiro toque.
“Sav?”
“Oi, amiga.”
“Oi. Como você está?”, ela quer saber. “Fiquei preocupada quando você
disse que o Babyface estava indo para a sua casa ontem.”
Essa virou uma pergunta um pouco difícil de responder.
“Estou bem, eu acho. Contei ao Zach ontem mesmo.”
“Contou? E como foi?”
Solto um longo suspiro. “Honestamente, não sei dizer se foi bom ou
ruim. Quer dizer, ele disse que não vai me dar um pé na bunda nem nada
assim, mas ele também não teve uma reação positiva e que me passasse a
segurança que eu preciso sentir agora, sabe? Ele me pediu um tempo para
processar tudo, mas também não sei exatamente o que isso significa.”
“Espera um pouco”, pede Sophie. Quando ela fala de novo, sua voz sai
como se estivesse distante do telefone. “Amor, tô no telefone com a
Savannah. Já vou descer.”
Sophie está passando esse mês em Nevada, na cidade natal de Derek; e
pelo jeito as coisas não poderiam estar melhores. Ela disse alguns dias atrás
que a mãe de Derek era a melhor mãe de todas.
“Oi, Sav. Desculpa. O Derek está me infernizando para experimentar um
negócio que ele cozinhou. Vou te falar... a aparência está esquisita.”
Eu dou risada. “Boa sorte. E diga oi para a intoxicação alimentar por
mim.”
Sophie solta um grunhido. “Muito obrigada pelo seu apoio.” Ela suspira.
“Enfim, eu acho que essa reação do Babyface é compreensível. Você também
ficou apavorada, lembra? Ele acabou de ficar sabendo, então é normal que
esteja atordoado. Mas, pelo amor de Deus, Sav, ele é maluco por você. Dê
alguns dias para ele. Eu tenho certeza de que vocês vão ficar bem.”
“Acho que ele não ter fugido já é uma grande coisa”, reflito.
“Com certeza. Fica tranquila, Sav.”
“Ah, eu tenho uma novidade. Eu ia mesmo ligar para você hoje. Meus
pais estão pesquisando uma casa para alugar em Raleigh. Não tem como eu
ter um bebê e continuar morando nos alojamentos da Duke. Portanto, eu
queria saber se você topa vir morar comigo na casa que meus pais vão alugar.
Vou falar com Eretria também.”
Como não somos mais calouras, eu e as meninas teríamos que sair da
Bassett House de qualquer forma. Os alojamentos do East Campus — onde
está localizada a Bassett House — são só para os alunos do primeiro ano. Nós
teríamos que nos mudar para o West Campus, onde os alojamentos são para
os alunos do segundo ano em diante. E, não há nenhuma garantia que eu e as
meninas iríamos conseguir continuar dividindo o mesmo dormitório. E de
jeito nenhum eu quero novas colegas de quarto.
“É sério?”
“Seríssimo. Nós teríamos uma casa inteira só para nós e provavelmente
um quarto para cada uma. Falei com meus pais e eles concordaram em pegar
uma casa grande o suficiente para nós três. Talvez até para o Zach, se ele
quiser.”
“Uau. Isso seria incrível. É claro que eu topo. Depois me passa as
informações sobre o aluguel e eu deposito a minha parte na conta dos seus
pais.”
Isso não me surpreende. Sophie não está acostumada a receber nada de
graça.
“Você não vai gastar um centavo do seu salário com isso. Eu já sabia
que você diria algo assim e meus pais garantiram que não precisamos nos
preocupar com nada.”
“Savannah.” Seu tom deixa claro que ela não concorda com isso.
“Sophie.”
Ela bufa. “Eu não gosto dessas coisas.”
“Amiga, pelo amor de Deus, minha família tem tanto dinheiro que não
sabemos com o que gastar. Meus pais querem fazer isso por mim, e eu quero
vocês comigo. Já está tudo certo. Dinheiro não é um problema.”
“Tá. Vou aceitar só porque você está dizendo que seus pais falaram que
não tem problema. E porque você fez questão de jogar na minha cara que é
rica, sua ridícula.”
Dou risada. “Te amo, amiga. Estou com saudades.”
“Eu também te amo e estou com saudades. Quando você volta à
Carolina do Norte?”
“No final dessa semana. Meus pais querem fazer uma festa de
aniversário para mim aqui, mas eu quero fazer outra com vocês, quando
estivermos todas juntas de novo.”
Quase consigo sentir a animação de Sophie pelo telefone. “Ah, deixe
tudo comigo e com a Eretria. Vamos organizar uma festa incrível para você.”
“Não duvido.”
Sophie e eu ficamos conversando por mais uns dez minutos antes de
desligarmos o telefone e eu finalmente encontrar minha mãe na área da
piscina.
O dia está bonito, o que é comum na Flórida. O sol está brilhando e
quase não se é possível ver nuvens no céu. Eu não duvido nada que meu pai
tenha levado Zach para pescar ou para jogar golfe. É o típico “programa de
homem” que ele normalmente faz com os amigos dele, então acho que
decidiu incluir o meu namorado dessa vez. E isso me deixa feliz, pois
significa que meu pai gosta dele.
Sento-me na espreguiçadeira ao lado da minha mãe.
Dulce já passou por lá, então pego a minha salada de frutas e começo a
comer. Como minha mãe está falando no telefone, fico quietinha e espero ela
terminar.
“Perfeito, Chris. Fico aguardando as medidas. Muito obrigada”, diz
minha mãe ao telefone. Ela trabalha como designer de vestidos de noiva,
então sempre leva a sua prancheta de desenhos para todo o lugar que vai. Até
mesmo agora, relaxando na espreguiçadeira da piscina, ela está com a
prancheta no colo. “Bom dia, querida. Como está se sentindo hoje?”
“Estou bem.” Enfio um pedaço de banana na boca. “Contei ao Zach
ontem à noite.”
Minha mãe olha na minha direção. “E como foi?”
Eu resumo a história toda para ela.
“Ah, não foi tão ruim, eu acho”, ela diz, o que naturalmente já me
tranquiliza.
“É, eu acho que não.”
“Seu pai o levou para pescar.” Minha mãe ri. “Pobre garoto. Seu pai vai
enchê-lo de todos os detalhes dos peixes que já pescou.”
“Pobre Zach.”
Eu e minha mãe rimos juntas.
BABYFACE
Onde eu estava com a cabeça quando aceitei vir pescar — dentre todas
as coisas — com o pai de Savannah? Eu detesto ficar parado e em silêncio
esperando o peixe morder o maldito anzol. Não tenho paciência para isso. Se
minha vida dependesse de ser pescador, eu já poderia me considerar um
homem morto.
Ah, é. Eu estava fugindo da Savannah.
As definições de babaca foram atualizadas.
Eu fiquei apavorado ao pensar em ter outra conversa sobre a gravidez
com Savannah. Eu não sei o que dizer a ela, então talvez seja bom evitá-la até
saber, certo? Desse modo, eu evito falar alguma coisa sem pensar e dar a
impressão errada para ela.
Não há impressão errada para dar. Você não quer ser pai. Encontre um
modo de dizer isso a ela.
Como, por Deus, eu vou dizer isso a ela? Vai parecer que eu estou
querendo tirar meu corpo fora. E não é isso. Não é mesmo. É só que... Eu não
estou com medo de ter um filho, e, sim, da minha irresponsabilidade com ele.
Isso sem mencionar o exemplo paterno de merda que eu tenho. Não quero ser
esse tipo de homem, esse tipo de pai.
Se vou ficar com Savannah e ter um filho com ela, quero ser um bom
companheiro e um bom pai. Quero dar tudo a ela e ao meu filho, quero ser
responsável, gentil, amável e um porto seguro para os dois. Mas, meu
passado trabalha contra mim. Eu tenho todos os motivos do mundo para
acreditar que não seria nada disso. Eu nunca fui nada disso para ninguém.
Quando mais precisaram de mim, eu falhei. E vou falhar com meu filho e
com Savannah em algum momento. Sei que sim.
Solto um suspiro. Alto.
“O que foi, filho?”, pergunta o pai de Savannah.
A palavra filho me causa um aperto no peito. Não lembro a última vez
que meu pai me chamou de filho.
Será que Savannah já contou aos pais sobre a gravidez? Preciso tomar
muito cuidado com o que vou falar agora.
“Ahn... acho que não sou um pescador muito bom.” Decido seguir por
território seguro. “Não consigo ser paciente desse jeito.”
O Sr. Radcliff acha graça. “Vocês, jovens, são muito acelerados. Acho
que eu era assim também quando tinha a sua idade. Hoje em dia, você se
surpreenderia com o que eu daria por um momento desses de sossego.”
Não duvido dele. O cara é juiz. Eu nem consigo começar a imaginar os
tipos de merdas que ele lida diariamente.
“Como é ser pai?”, pergunto, automaticamente. “Ah, desculpa. É uma
pergunta idiota.”
“Ela te contou?”, ele pergunta ao mesmo tempo em que parece estar
afirmando.
Merda. Agora não tem mais como fugir.
Apenas faço que sim com a cabeça.
“Zach, primeiramente quero dizer que é completamente normal que você
esteja apavorado agora. É completamente normal que você se sinta perdido,
assustado e que, considerando que vocês são muito novos e não planejaram
isso, o primeiro impulso seja querer fugir ou abortar o bebê, mas tudo isso,
todo esse desespero, ele passa. Quando você vir a barriga dela crescer,
quando você escutar o coração do seu filho batendo pela primeira vez e,
principalmente, quando você colocar seus olhos nele... O mundo parece
diferente depois disso, como se tudo se encaixasse e ganhasse um novo
significado. Você finalmente entende o que significa amar uma pessoa
incondicionalmente.”
Escuto com atenção, mas só consigo pensar que meus pais devem ter
falhado em pelo menos metade das coisas que o Sr. Radcliff acabou de
descrever.
“Não vou dizer que é tudo mil maravilhas. Ser pai é difícil, requer muita
dedicação, muita responsabilidade e muito amor. Você erra mil vezes antes
de começar a acertar e mesmo assim vai continuar errando mais mil vezes.
Mas, puxa, é maravilhoso. Você verá.”
O pai de Savannah fala sobre isso com tanta sinceridade e amor que me
faz sentir um pouco de inveja da minha namorada. Eu não tive nada disso na
minha casa enquanto crescia. O que eu tive de sobra foram socos, chutes e
palavras ofensivas.
Se eu fosse descrever a paternidade com base no que eu conheço, eu
diria que é um fardo. Diria que os filhos são aqueles que aguentam as
frustrações dos pais e precisam lidar com elas sem terem culpa de nada. Eu
diria que os filhos são sacos de pancada para aliviar a raiva de um dia ruim
no trabalho ou... ou porque não há mais cervejas na geladeira.
Nada do que eu vivi e conheço sobre o assunto parece com o que o pai
de Savannah descreveu.
Como posso ser bom naquilo que não conheço? Como faço para ser
como o pai dela e não como o meu pai?
Não quero que meu filho ou filha passe pelo que eu passei. Não quero
que olhem para mim e vejam um monstro na pessoa que, supostamente,
deveria protegê-los de todo o mal do mundo. Não quero ser esse tipo de pai,
mas me pergunto se não é o único tipo que eu saberia ser.
Meus olhos começam a queimar, mas eu me apresso a colocar a minha
mente para pensar em outra coisa que não seja o homem que me criou. A
última coisa que eu quero é chorar na frente do pai de Savannah.
“Obrigado, senhor.”
“Me chame de Tom.”
“Tom. Certo.”
09.
SAVANNAH
BABYFACE
***
SAVANNAH
“Ah, meu Deus, essa casa é incrível”, diz Eretria, jogando-se no nosso
enorme sofá em “L” da sala. “Nós temos uma piscina agora. Dá para
acreditar?”
Sophie e eu damos risada.
“Temos uma cozinha só nossa. Nunca mais vamos encontrar coisas
comidas pela metade dentro da geladeira”, acrescenta Sophie.
“Nunca mais vamos dividir banheiro e ter nossas toalhas roubadas”, eu
completo.
Nós três gritamos de felicidade e depois começamos a rir.
“Sério, nós temos que ligar para os seus pais depois e agradecer. Isso é
incrível”, diz Sophie.
Eretria concorda com a cabeça.
“Vamos fazer isso depois. Primeiro, eu quero saber tudo sobre a sua
viagem para a Austrália. Nash já é um protetor oficial das tartarugas?”
“Com certeza. Ele é o mais lindo defensor das tartarugas que esse
mundo já viu.”
“Aaaaah, ela está apaixonadinha”, brinca Sophie.
Eretria mostra a língua. “Estou mesmo.” Ela suspira. “Depois de tanto
brigar com ele e querer matá-lo por ser um idiota, nós estamos melhores do
que nunca.”
“Estou feliz por você, Tria.”
É inegável o brilho nos olhos dela toda vez que fala sobre o Nash. Ela é
completamente maluca por ele, e ele por ela. Eles são o casal mais intenso
que eu já conheci.
“Mas e você? Não falou mais com o Babyface?”, Eretria quer saber.
Faz uma semana que Zach e eu terminamos. E faz uma semana que eu
estou um caco. Sophie me contou que o encontrou bêbado e drogado em casa
quando chegou de viagem com o Derek, o que fez meu coração disparar de
preocupação. Garoto idiota. Por que ele precisava se embebedar e se drogar?
Por que ele está dificultando as coisas desse jeito quando está óbvio que está
sofrendo tanto quanto eu?
Refleti muito sobre se eu estava ou não exagerando. Cheguei à
conclusão que não, não acho que eu esteja exagerando. Como posso
continuar com um cara que prefere ignorar que eu estou grávida de um filho
dele? O que acontecerá quando o bebê estiver aqui? Ele vai continuar a
ignorá-lo?
“Não. Ele me ligou uma vez, mas eu não atendi. Não ouço nada dele
desde então.”
Minhas amigas suspiram, chateadas.
“Você tem certeza do que está fazendo? Criar esse bebê sozinha não vai
ser fácil, Sav”, observa Eretria.
“Nós vamos te ajudar, claro”, garante Sophie. “Mas não é a mesma
coisa.”
“Podemos não falar sobre isso agora?”, imploro. “Eu estou exaurida de
pensar nesse assunto. Eu quero aproveitar enquanto vocês não vão precisar
me rolar por aí.”
“Vamos falar sobre a sua festa de aniversário, então”, sugere Sophie.
“Eretria e eu estávamos pensando em instalar um karaokê aqui na sala.
Poderíamos pedir algumas pizzas, eu vou fazer o bolo e... Ah, seria uma
festinha só para os amigos mais próximos ou você quer um festão?”
Tiro alguns segundos para pensar. “Acho que algo mais íntimo é
melhor.”
Sophie anota alguma coisa no bloco de notas do seu celular. “E...
podemos convidar o Babyface?”
Não sei se estou pronta para ver o Zach. Tenho medo de não conseguir
resistir e me jogar nos braços dele de novo. Isso seria ótimo... Quer dizer,
não, isso seria péssimo. Só tornaria as coisas confusas para nós dois. Mas não
posso não o convidar para o meu aniversário. Sei que me arrependeria
amargamente se não o convidasse.
Ele é o pai do meu bebê, pelo amor de Deus.
“Pode convidá-lo”, respondo, por fim.
Sophie continua fazendo anotações no celular. Ela está realmente
empenhada nisso. “O seu único papel vai ser realmente convidar as pessoas.
Acho que não conheço todos os seus amigos da música, então você está
responsável por convidá-los.”
“Eu e o Nash vamos fazer as compras das bebidas. Vamos comprar suco
e refrigerante pra você, Sav.”
Sorrio para as minhas amigas. “Parece que vocês duas tem tudo sob
controle, então eu vou para o campus usar uma das salas de música para
compor. A acústica de lá é melhor.” Levanto do sofá e pego a chave do meu
carro novo em cima da mesa. “Me liguem se precisarem de mim.”
No campus da Duke, aproveito o Sol do começo de agosto enquanto
caminho até o prédio da Escola de Artes e Ciências. As aulas começam daqui
a dois dias, então as pessoas devem estar aproveitando os últimos momentos
de férias, o que me deixa com altas esperanças de achar uma sala de ensaio
vazia. Estou com muita carga emocional e compor sempre me ajuda a colocar
o que estou sentindo para fora. Sinto que poderia compor um CD inteiro,
dadas as atuais circunstâncias.
No entanto, sei que não vou conseguir pensar menos em Zach, já que
todas as músicas que eu compor agora serão para ele.
Estou morrendo de saudade e não posso deixar de me perguntar se ele
está sentindo tanto a minha falta quanto eu estou sentindo a dele. Estou
sentindo saudade da voz dele, da risada, do cheiro da pele dele, do corpo dele
e dos beijos. Ah, e o sexo. Quanto mais os dias passam, mais os hormônios
vão tomando conta de mim.
Estou virando um monstro. Sério.
Minha cabeça está tão longe que nem percebo quando trombo de frente
com alguém. Por muito pouco eu não caio de bunda no chão, tamanha foi a
força do encontro do meu corpo com o do pobre coitado que eu praticamente
atropelei.
“Ai, caramba! Me desculpa!”
“Tudo bem, eu não... Savannah?”
Finalmente olho para o rosto do cara e quase realmente caio para trás ao
reconhecê-lo. “Cameron?”
“Puta merda!” Ele me puxa para um abraço apertado e inesperado. “Não
acredito que seja você.”
Eu dou risada. “O que você está fazendo aqui?” Eu o abraço de volta.
“Pedi transferência de Georgetown.” Cameron me solta do abraço.
“Minha mãe está mal de saúde, então decidi vir para mais perto de casa.”
“Ah, não! O que ela tem?”
“Câncer de mama. Ela conseguiu vencer uma vez, mas ele voltou, então
ela está bem abalada.”
Cameron e eu nos conhecemos em um acampamento escolar enquanto
ainda estávamos no ensino fundamental. Nossa amizade seguiu até o primeiro
ano do colegial, mas então ele foi morar com o pai dele em Washington. Nós
nunca mais nos vimos depois disso. Nem consigo acreditar que, de todas as
faculdades para onde ele poderia ter ido, ele veio parar justamente na Duke.
“Sinto muito, Cam.”
“Obrigado.” Ele abre um meio sorriso. “Mas, vamos falar de coisas mais
felizes. Como você está e para onde ia com tanta pressa?”
Cameron não mudou quase nada desde a última vez que eu o vi. O
cabelo preto continua bem curtinho, os olhos castanhos ainda são bem
expressivos e o sorriso de menino travesso também é o mesmo. Mas ele está
mais alto e um pouco mais forte, embora não tenha o corpo esculpido de
Zach.
Pare de pensar nele.
“Eu estou bem.” Escolho não contar sobre a gravidez ainda. Tenho mais
um tempo antes de começar a ficar óbvio. “E eu estava indo para o prédio da
Escola de Artes e Ciências. Estou estudando música.”
“Não brinca!” O sorriso dele se expande. “Você sempre amou cantar,
não sei por que estou surpreso.”
Sorrio ao me lembrar das tardes em que arrastava Cameron para a sala
de música da escola e o forçava a me ouvir cantar. Ele nunca reclamou, no
entanto. Mas acho que só tentava ser gentil comigo.
“Mas, e você? Como você está e o que está estudando?”
“Estou bem, na medida do possível. E estou estudando marketing”, ele
me conta. “Você está muito ocupada agora ou pode tomar um café comigo?”
Eu realmente queria compor e aproveitar que estou me sentindo
inspirada, mas não vejo Cameron há anos. E me sentar em uma sala com meu
violão e compor músicas tristes sobre meu coração partido não é o que vai
me fazer sentir melhor. Preciso parar de pensar em Zach e preciso parar de
sentir falta dele. Preciso enfiar na minha cabeça que eu tomei a decisão certa
por mim e pelo meu bebê, que eu não quero que tenha um pai que nunca o
quis de verdade.
“Posso tomar um café com você.”
Cameron sorri. “Ótimo.” Ele me puxa para mais um abraço. “Caramba,
é muito bom te ver, Sav.”
Rio. “É bom ver você também.”
Como nos velhos tempos, Cameron passa o braço pelos meus ombros e
nós andamos abraçados até o café mais próximo.
Dulce me alertou que não era uma boa ideia que eu me entupisse de
café. Parece que não faz muito bem para as grávidas, então eu peço um suco
de melancia; Cameron pega um café forte e nós nos sentamos em uma mesa
na lateral da cafeteria.
“Como estão os seus pais?”
“Estão bem.” Dou um gole no me suco. “Eu passei o verão com eles. E
o seu pai?”
“Ele se casou de novo. Eu tenho um irmão mais novo agora. O nome
dele é Gale. Tem dois aninhos.”
“E você não gosta da sua madrasta ou o quê? Você não parece muito
empolgado.”
Cameron dá de ombros. “Ela é uma pessoa decente, eu acho. Mas, pra
ser honesto, me sentia um pouco deslocado lá. Como se eu não fosse
realmente parte da família.”
“Sinto muito.”
Deixo de prestar atenção no que Cameron está dizendo quando escuto o
“Plim!” do sino da porta de entrada e vejo Zach entrando ao lado de Kyle e
Friends.
Merda.
Meu primeiro instinto é querer me enfiar de baixo da mesa para que ele
não possa me ver. Depois, penso na interpretação errada que Zach pode ter a
me ver tomando café com outro cara. Quer dizer, Cameron e eu não estamos
em nenhuma proximidade comprometedora ou coisa assim, mas... Se eu visse
Zach tomando café com uma garota, uma semana depois de termos
terminado, provavelmente pensaria o pior.
Fico rezando para que ele não olhe na minha direção. A cafeteria não é
necessariamente grande, mas também não é pequena a ponto da minha
presença ser uma coisa óbvia. No entanto, como um maldito ímã, os olhos
dele encontram os meus.
“Merda”, xingo, baixinho.
“O que foi?”, Cameron pergunta. Seus olhos seguem os meus e ele
encara Zach, que, por sua vez, o encara de volta com um olhar nada
amigável. “Quem é aquele?”
“Meu namorado. Quer dizer, meu ex-namorado.”
Não consigo desviar os olhos de Zach. Seu cabelo loiro está úmido perto
da testa e da nuca, e ele está vestindo uma regata e bermuda, o que me diz
que ele e os meninos acabaram de sair do treino de basquete.
Lindo.
Ele é simplesmente lindo. A pele bronzeada está brilhando de suor e...
Ai, merda, ele é uma delícia por completo. E eu sinto saudades demais para
ficar aqui, tão perto dele.
Zach dá um tapinha no ombro do Friends, como se incentivasse o amigo
a ir para a fila e fazer o pedido, e caminha na direção da minha mesa. Meu
corpo automaticamente enrijece, mas meu coração dispara, me traindo.
“Ai, não. Não, não, não”, digo, baixinho, mais para mim mesma do que
para qualquer outra pessoa. Se Zach chegar muito perto, não vou ter nenhum
controle sobre o meu próprio corpo.
“Oi”, cumprimenta Zach, casualmente, embora seus olhos estejam indo
de mim para Cameron o tempo todo.
Limpo a garganta. “Oi.”
Um silêncio constrangedor se instala. Eu consigo ver a pergunta
estampada no rosto de Zach, mas não consigo dizer nada. Estou hipnotizada
demais. A última semana longe dele, sem qualquer notícia, sabendo que
estamos separados, começa a pesar sobre mim, causando um nó na minha
garganta e uma vontade enorme de chorar.
Malditos hormônios.
“E aí, cara. Meu nome é Cameron”, ele se apresenta, estendendo a mão
para Zach, que a aperta rapidamente.
“Zach”, ele se apresenta também. “Sav, posso falar com você rapidinho?
A sós?”
Eu abro a boca para falar que sim, afinal de contas, talvez ele finalmente
queira me explicar o que está acontecendo com ele. No entanto, Cameron é
mais rápido.
“Na verdade, Sav e eu estamos no meio de um encontro. Então talvez
você queira deixar para conversar com ela em outro momento.”
Encaro Cameron, perdida. O que caralhos ele está fazendo?
“Um encontro?” Zach mantém os olhos em mim. A decepção é tão
visível em seu rosto que faz meus ombros se encolherem. “Você é rápida,
Sav.”
“Zach”, eu chamo quando ele começa a se afastar, caminhando em
direção à porta da cafeteria. Viro para Cameron e o encaro, furiosa. “Por que
você fez isso?”
Ele devolve meu olhar. “Não parecia que você queria falar com ele. Só
estava tentando ajudar.”
“Por favor, não faça isso de novo.” Eu me levanto da cadeira. “Preciso ir
atrás dele. Depois nós conversamos, tá legal?”
Disparo para fora da cafeteria antes que Cameron possa me impedir e
antes que eu perca Zach de vista. Desço os degraus depressa e começo a
correr atrás do meu namorado.
Ex. Ex-namorado.
“Zach!” Seguro o braço dele, finalmente fazendo-o parar.
Tento acalmar meus batimentos cardíacos e estabilizar a minha
respiração. Estou ofegante como se tivesse corrido uma maratona. Quando
foi que eu fiquei tão fora de forma?
“Como eu pude ser tão otário?”, ele pergunta, retoricamente. “Eu sou
mesmo o pai do bebê que você está carregando?”
Fico boquiaberta. Ele está falando sério? “Como ousa me fazer essa
pergunta?”
“Como eu ouso?”, ele ecoa, furioso. “Você lança a maior bomba de
todos os tempos em cima de mim, depois termina comigo porque eu disse
que não me sentia pronto e uma maldita semana depois eu encontro a minha
namorada em um encontro com outro cara. O que você quer que eu pense?
Porque, do meu ponto de vista, parece que você só estava procurando um
idiota para assumir o problema que você criou com outro cara.”
Um ódio começa a borbulhar dentro de mim, e antes que eu consiga me
segurar, minha mão voa até o rosto de Zach e eu lhe dou um tapa na cara. O
choque do meu ato me atinge logo em seguida, me fazendo arregalar os olhos
e levar as mãos até a boca.
“Me desculpa”, murmuro.
Zach me encara, perplexo, mas não demora muito para se recuperar. Ele
dá uma risadinha de escárnio, mas eu consigo ver a dor nos seus olhos azuis.
Dizem que os olhos são o espelho para a alma, não é? Bom, a alma de Zach é
muito transparente a respeito dos seus sentimentos.
Tento respirar firme e me acalmar, pois estou sentindo um desconforto
na barriga que não estava sentindo minutos antes.
“Eu não estava em um encontro”, digo, baixinho. “Cameron é um amigo
de infância. Eu esbarrei com ele no campus. Ele pediu transferência para
Duke. Achou que estava me ajudando a te dispensar.”
“Que amigo prestativo você tem”, desdenha Zach.
“Não acredito que você achou que eu teria coragem de trair você e
depois tentar empurrar um bebê na sua goela abaixo”, digo, e não me esforço
para esconder meu ressentimento. “Não acredito que você pensa que eu sou
esse tipo de mulher.”
“Se coloca no meu lugar, Savannah. O que você teria pensado?”
“Com certeza não teria te julgado tão mal assim. Inclusive, foi
justamente o que eu evitei fazer enquanto imaginava qual seria a sua reação
quando eu contasse sobre a gravidez. Acontece que no meu caso, você
acabou sendo exatamente o que eu esperava que você não fosse.”
“Você não sabe de nada”, ele declara, secamente.
“Porque você não me explica nada”, exalto meu tom de voz, irritada. “O
que você quer eu faça, Zach? Que eu sente e fique esperando a sua boa
vontade de me dizer qual é o problema? Porque já está bem óbvio pra mim
que não é só a questão de não se sentir pronto. E eu sei disso porque todas as
vezes que pedi uma explicação, você não soube como me responder. Então,
por que...”
Sinto uma pontada na barriga, que automaticamente me faz levar a mão
até a região e soltar um gemido de dor.
“Savannah? O que foi?” O tom de Zach muda de ríspido para
preocupado.
A dor fica um pouco mais forte, e eu preciso me apoiar nele para não
cair. “Não sei.” Respiro fundo. “Minha barriga tá doendo.”
“Puta que pariu, você tá sangrando”, exclama Zach, exasperado, olhando
para baixo.
Sigo os seus olhos e vejo o sangue escorrendo pelas minhas pernas. Meu
vestido azul agora tem uma mancha enorme de sangue bem na frente.
Eu começo a tremer. “Zach”, é tudo o que eu consigo dizer antes de ele
me pegar no colo.
“Calma, amor. Vou te levar para o hospital.”
Alinho-me ao seu peito enquanto ele caminha comigo no colo e às
pressas até o estacionamento. Começo a pensar no pior. Ainda não sou uma
expert no assunto, mas sei que quando as mulheres sangram assim e estão
grávidas, significa que elas estão sofrendo um abordo espontâneo. E é só
quando me sinto desesperada ao pensar nisso, que me dou conta do quanto eu
quero esse bebê e o quanto me assunta a possibilidade de perdê-lo agora.
Zach me coloca no banco do passageiro da caminhonete de Derek,
coloca o cinto de segurança em mim e depois corre para entrar do lado do
motorista. Em segundos, o carro já está em movimento.
“O que você tá sentindo?”, ele pergunta.
“Dor na barriga”, eu choramingo. “Eu vou perder o bebê.”
“Não vai”, ele diz, firme. “Não vai, amor.”
Não sei exatamente em que momento eu comecei a chorar, mas agora
estou me debulhando em lágrimas. Não só pela dor, mas porque estou com
medo do que esse sangue significa.
Por ser uma universidade com curso de medicina, a Duke tem um
hospital próprio, chamado Duke University Hospital, e é para lá que Zach me
leva.
Como o campus é enorme, e nós estávamos um pouco distantes de onde
fica localizado o hospital, Zach preferiu pegar o carro de Derek — ele e os
meninos têm esse costume de dividir os carros. Mas, por sorte, o percurso é
bem curto quando não é feito a pé.
Zach para o carro no estacionamento, salta para fora da caminhonete,
vem para o meu lado e me pega no colo novamente. Tudo acontece muito
rápido. De repente, já estamos adentrando o hospital pela porta da
emergência.
“Por favor! Alguém me ajuda!”, ele diz em voz alta, para ninguém
especificamente, mas uma enfermeira logo se aproxima. “Por favor. Ela tá
grávida e... e tem sangue por toda a parte”, ele explica, atordoado.
“Tragam uma cadeira de rodas para cá”, grita a enfermeira.
Começo a chorar mais ainda quando Zach me coloca na cadeira. “Por
favor. Fica comigo.” Seguro a mão dele com toda a força que consigo.
“Eu posso ir com ela?”, ele pergunta para a enfermeira. “Eu sou... o pai
do bebê.”
Ela concorda com a cabeça e Zach me acompanha enquanto outra
enfermeira conduz a minha cadeira pelos corredores do hospital. Mas não
vamos muito longe. A Enfermeira Nº 2 logo adentra uma sala com uma
daquelas máquinas de ultrassom.
“Pode colocá-la na maca, por favor?”, a Enfermeira nº 1 pede a Zach.
Com cuidado, ele me pega no colo novamente, me tirando da cadeira e
me colocando deitada na cama.
“Qual é o seu nome, querida?”, a Enfermeira nº 1 me pergunta. Me
esforço para ver o seu nome no crachá de identificação. Elle O’Brien.
“Savannah Radcliff.”
A Enfermeira nº 2 começa a medir a minha pressão arterial enquanto
Elle anota alguma coisa no que parece ser uma ficha médica.
“Quantos anos você tem?”
“Dezenove.”
“De quantas semanas está grávida, Savannah?”
“Dez”, respondo. “Por favor! Está doendo! O que está acontecendo?”
Antes que Elle tenha a chance de responder, uma médica entra na sala.
Ela é oriental, os cabelos pretos e lisos batem no ombro e seu sorriso
amigável se abre quando me vê, o que serve para me acalmar um pouco.
“Boa tarde, eu sou a doutora Akira Yoko da obstetrícia.” Ela se
aproxima de mim, sentando-se em um banquinho perto da maca e da máquina
de ultrassom. “Como você se chama?”
“Savannah, doutora”, Elle responde por mim. “Ela tem dezenove anos e
está grávida de dez semanas.”
“Obrigada, Elle.”
Elle e a Enfermeira nº 2 saem da sala. Zach se senta em uma cadeira
perto da maca e segura a minha mão.
“Vamos ver o que está acontecendo, tá bom?”, a doutora Akira diz, em
tom leve e tranquilo.
Assinto, mas não paro de chorar.
Ela despeja aquele gel gelado na minha barriga e coloca o cursor da
máquina sobre a minha pele. Zach e eu encaramos o monitor, mas,
francamente, não entendo nada do que vejo. A imagem é confusa demais de
se entender.
Depois de quase um minuto inteiro de silêncio — que pareceram mais
horas —, a doutora Akira finalmente fala. “Savannah, seu bebê está bem. O
que aconteceu foi um descolamento da sua placenta, por isso as dores
abdominais e o sangramento.”
Choro mais ainda, mas, dessa vez, é de alívio. Zach beija a minha mão e,
por uma fração de segundos, penso ter visto alívio nos seus olhos, mas foi tão
rápido que posso ter imaginado a coisa toda.
“E por que isso aconteceu?”, eu pergunto, limpando as lágrimas. “Eu fiz
alguma coisa errada?”
“Sua pressão está um pouco elevada. Alguém na sua família tem
problemas com pressão alta?”, ela quer saber.
Tiro um momento para pensar. “A minha mãe tem.”
A doutora assente automaticamente. “O mais importante é que o
descolamento não foi grande. Isso é um bom sinal, mas a pressão alta me
preocupa um pouco. Talvez seja melhor que os seus pais estejam aqui,
considerando que você ainda é menor de idade.”
“Eu me responsabilizo”, diz Zach. “Tenho vinte e um anos.”
“Imagino que você seja o pai do bebê?”
Ele confirma com a cabeça.
“Certo. De qualquer forma, é importante que você tenha uma base de
apoio. Recomendo que seus pais estejam por perto”, a doutora aconselha,
mantendo o tom sereno de antes. “Voltando à pressão alta, temos que
monitorar de perto, pois ela pode evoluir para uma pré-eclâmpsia ou
eclampsia.”
Eu franzo o cenho. “O que isso significa?”
“Vamos pensar assim, o seu bebê é um ser estranho no seu corpo, pois
ele tem metade dos genes do pai, mas o seu corpo não o ataca, pois
desenvolveu mecanismos para proteger o feto. No entanto, às vezes, o bebê
libera algumas proteínas que causam uma resposta do seu sistema
imunológico, que, por sua vez, causa uma agressão nos seus vasos
sanguíneos, fazendo com que eles se contraíam e causem o aumento da
pressão arterial.”
Balanço a cabeça, confusa. “Eu ainda não entendi. Isso é perigoso?”
“Sim. Mas, a pré-eclâmpsia costuma se manifestar a partir da vigésima
semana de gestação, então nós ainda não estamos lá, ok? Eu só estou te
falando isso porque o comum é que a pressão da gestante seja baixa durante o
primeiro trimestre de gestação. Se você já teve um pico de pressão agora, nós
temos que monitorar de perto”, ela explica. “Como é a sua rotina, Savannah?
Você costuma passar muito nervoso?”
Zach e eu nos entreolhamos.
Normalmente eu não costumo passar nervoso, mas tenho passado nos
últimos tempos por conta da descoberta da gravidez e o término de namoro
com Zach. E hoje, quando brigamos mais cedo por causa de Cameron.
“Normalmente não, mas fiquei nervosa nas últimas semanas.”
Zach decide quebrar o seu silêncio mais uma vez. “Quão perigoso é esse
negócio?”
A doutora Akira hesita. “É bastante perigoso.”
“Bastante quanto?”, Zach insiste.
“A mãe e o bebê podem acabar morrendo.”
Zach e eu prendemos a respiração.
“O que acontece é que o bebê se torna a causa da pressão alta da mãe,
então a gravidez e o próprio parto se tornam arriscados. O quadro só melhora
quando o bebê é retirado.”
“Ah meu Deus!” Zach entrelaça as mãos na nuca. “E como a gente
previne isso?”
“Repouso. É importante que você tente não ficar nervosa, não pegue
peso ou fique subindo escadas o tempo todo. Exercícios físicos estão
totalmente fora de cogitação agora. Evitar coisas que podem causar quedas ou
coisas do tipo”, ela orienta. “Não é necessário um repouso absoluto, mas é
recomendado que você pegue o mais leve que conseguir. Pelo menos até nós
descartarmos a possibilidade de uma pré-eclâmpsia.”
Começo a hiperventilar. Quando é que eu vou começar a receber as boas
notícias? Tudo parece piorar cada vez mais.
“Não vamos nos desesperar, tá legal? Você não está fadada a
desenvolver qualquer uma dessas coisas, mas é importante que você saiba
que essas possibilidades existem. Vamos começar a monitorar a sua pressão e
os sintomas, vamos fazer todos os exames cabíveis e prevenir o máximo que
pudermos.”
Eu faço que sim com a cabeça, mas a verdade é que não estou nem um
pouco tranquila, mesmo com esse discurso de “você não está fadada a
desenvolver qualquer uma dessas coisas”. Considerando a minha sorte atual,
pensar nessas possibilidades assustadoras me faz querer gritar.
“Querem ouvir o coração?”, a doutora nos pergunta.
Zach a encara. “Já dá... pra ouvir? Mas... a Sav nem está barriguda
ainda.”
A doutora ri. “Já dá para ouvirmos.”
“Eu quero ouvir”, digo. “Por favor.”
Ela coloca novamente o cursor da máquina na minha barriga e aperta um
botão no painel. Segundos depois, aqui está. Firme, ritmado, forte. O som dos
batimentos do coração do meu bebê invade todo o cômodo, e eu
instantaneamente começo a chorar de novo. No entanto, pela primeira vez, é
de alegria.
12.
BABYFACE
***
“Espera aí, então vocês terminaram?”, pergunta Nash.
“Isso aí”, confirmo.
“Mas você é louco por ela”, continua Derek.
“Sou.”
Há um momento de silêncio, que eu aproveito para virar metade da
minha cerveja de uma vez só.
“Ai, porra, o bebê não é seu?”, pergunta Nash. Os olhos cinzentos estão
tão arregalados que poderiam saltar para fora da órbita.
“Claro que é meu.”
Embora eu tenha sugerido para Savannah que o bebê poderia não ser
meu, sei que era só o meu ciúme falando. Quando vi aquele cara com ela,
meu estômago se revirou. E quando ele falou que eles estavam em um
encontro... Por um milésimo de segundo realmente acreditei que ela poderia
estar me fazendo de otário, mas minha garota nunca faria isso. Só me deixei
tomar pelo sofrimento e falei merda.
A ideia de que Savannah possa ficar com outras pessoas me deixa
maluco. Não que eu ache que eu tenho o direito de dizer com quem ela pode
ou não ficar, a questão é que, para mim, não estamos separados. Ela continua
sendo minha namorada, porque eu sei que ela sente por mim exatamente o
que eu sinto por ela, e quando duas pessoas se gostam assim, elas nunca
terminam de verdade. Pelo menos, não do jeito que aconteceu com a gente.
A verdade é que eu tenho esperanças de que nós nos acertemos e tudo
ficará bem. De um jeito ou de outro, Savannah e eu estamos destinados a
ficarmos juntos. Não importa se vai ser agora ou daqui um ano. Eu sou dela
assim como ela é minha.
“E por que vocês terminaram, então?”, especula Derek.
“Não quero falar sobre isso.”
Nash bufa. “E depois eu e a Eretria é que somos malucos.”
“Ah, vocês são. Ou você esqueceu a palhaçada que foi até que vocês
ficassem juntos?”
“Somos pessoas complexas e pessoas complexas precisam de tempo”,
Nash explica.
Derek gargalha. “Que porra foi essa?”
Dou risada também. “A Tria está mudando você, cara. Vai me dizer que
você também é contra os canudinhos agora?”
“Vocês têm ideia do quanto as tartarugas sofrem com essas porras de
canudinhos? Sério, cara, parece brincadeira, mas a parada é séria de verdade.
Além disso, é importante pra Eretria, então é importante pra mim.”
Derek e eu nos entreolhamos.
“Ele está amando”, zomba Derek. “Christopher Nash, o terror das
universitárias, está rendido. Como é que é aquela música da Katy Perry que
fala de amor adolescente?”
Começo a gargalhar e Nash mostra o dedo do meio pra nós dois. “Não
sou mais adolescente.”
“Mas a Eretria é”, argumento.
“A Savannah e a Sophie também, seus imbecis.”
Touché.
Não acho que já estejamos bêbados, mas, mesmo assim, rimos como se
estivéssemos.
“Zach?”
Viro meu corpo para trás ao ouvir o meu nome — o que é estranho
porque ninguém além de Savannah me chama desse jeito por aqui. Mas
entendo o porquê de Zach e não Babyface quando encontro o tal do Cameron,
o amigo de infância da Sav.
Empertigo a postura. “E aí.”
“Posso falar com você?”
Meus amigos olham para Cameron e depois olham para mim.
“Tá.”
Afasto-me dos caras e sigo Cameron até o lado de fora do Holme’s.
Tento não deixar o meu ciúme tomar conta de mim. Não quero tratar o cara
mal sem motivo. E, pelo que Savannah disse, ele só falou que eles estavam
em um encontro porque estava tentando ajudá-la.
“Então?”, pergunto, querendo que ele fale logo.
“Primeiro, eu queria pedir desculpas por dizer que Sav e eu estávamos
em um encontro. Ela parecia bem triste quando te viu, sabe? Disse que não
estava pronta para te ver e implorou para que eu a tirasse de lá antes que você
a visse, mas não deu tempo, então, eu tentei ajudar. Só isso.”
Dói pensar em Savannah implorando para que alguém a tirasse de perto
de mim. Não achei que ela estivesse realmente tão disposta a me manter
longe desse jeito.
“Sem ressentimentos”, digo, lacônico.
Cameron sorri. “Que bom. A segunda coisa que eu queria pedir é o
telefone dela. A Sav saiu tão apressada para corrigir o meu pequeno erro que
se esqueceu de me passar o telefone dela. Ela pediu para nos encontrarmos
para jantar, mas acabou esquecendo-se de me dar o telefone.”
Savannah vai jantar com esse cara?
É amigo dela de infância.
Talvez eu esteja sendo ciumento e paranoico, mas alguma coisa me diz
que eu não devo confiar nele. Não sei. Alguma coisa nos olhos desse cara me
deixa inquieto.
“Eu estou sem meu celular aqui e não sei o número dela de cabeça”,
minto. É claro que eu estou com o meu celular e é claro que eu sei o número
dela de cabeça, mas se Cameron quer falar com a minha garota, ele que
encontre outro jeito. Eu não vou facilitar nem um pouco.
“Poxa, que pena! Ela me disse que você era meio desligado.” Ele sorri.
“Bom, de qualquer forma, obrigado. A gente se vê por aí.” Ele dá um tapinha
no meu ombro antes de entrar no Holme’s novamente.
Savannah falou de mim para ele? Falou que eu era desligado?
Impossível. Eu sou o cara mais observador do mundo com ela.
O que mais ela disse para ele? Merda. Será que Cameron sabe que ela
está grávida? Sei que, mais cedo ou mais tarde, todo mundo vai ficar
sabendo, mas, no início, as mulheres só contam para quem elas confiam. Será
que Savannah confia nesse cara?
Afasto esses pensamentos e o meu ciúme e volto para dentro do
Holme’s. Tento ignorar a presença de Cameron, que vez ou outra olha na
minha direção, mas não consigo. Tem alguma coisa nesse cara que me deixa
cismado.
“Acho que o cara está apaixonado por você, Babyface”, observa Derek,
dando risada.
“Ele é amigo de infância da Sav.” Bufo. “Surgiu hoje, do nada.”
“E por que ele parece tão interessado em você?”, Nash quer saber.
“E eu que sei?” Falar desse cara está me deixando irritado. “Dá pra
mudar de assunto?”
“Tá. Vamos falar sobre o Ryan. Vocês sabiam que aquele filho da puta
arrumou um lagarto de bicho de estimação e quer levar lá pra casa?”, começa
Derek. “De verdade, eu não vou morar sob o mesmo teto que aquela coisa.”
Nash dá risada. “Você tá com medo?”
“Boa sorte em levar a Eretria para a nossa casa e deixar que ela se
depare com um bicho desses. Eu quero manter a minha namorada, obrigado.”
O assunto fica em Ryan e seu lagarto por bastante tempo depois disso.
Segundo Nash, Eretria é a menina natureza, então não teria problema nenhum
com o novo bicho de estimação do Ryan. O mesmo não pode ser dito de
Sophie.
“Vocês estão aí discutindo sobre suas namoradas, mas Brianna seria a
primeira a dizer que não”, digo.
Brianna, a melhor amiga do Derek, ainda mora com a gente. Quando ela
apareceu, disse que precisava ficar por alguns dias até resolver algumas
coisas, mas alguns dias se transformaram em alguns meses. E agora ela já
está morando com a gente há quase um ano. Mas acho que o fato de ela estar
dormindo com Kyle fez com que ela não tivesse tanta pressa de se mudar.
“Ela vai se mudar”, Derek diz. “Ela e o Ky terminaram.”
Nash confirma com a cabeça. Eretria deve ter contado para ele.
“Quando foi isso?”, eu pergunto, curioso.
“Durante as férias. Ela não me deu detalhes. Só me disse que eles não
dariam certo e foi isso.”
Parece que essa não é uma época do ano muito favorável para alguns
casais.
Cara, como eu sinto falta da Savannah.
Sei que passamos toda a tarde juntos no hospital, mas isso nem de longe
é parecido com o que costumávamos ter. Da leveza que costumávamos estar
envoltos.
Preciso de Savannah, mas como ficar com ela quando está carregando o
motivo do meu desespero? Como ficar com ela quando ela insiste em saber a
única verdade que nunca quis compartilhar?
Talvez o melhor seja deixá-la seguir em frente, mas como?
13.
SAVANNAH
BABYFACE
SAVANNAH
***
SAVANNAH
Setembro
***
BABYFACE
SAVANNAH
***
“Vocês estão com uma cara esquisita”, digo a Sophie e Eretria. Nós três
estamos sentadas na ilha da cozinha, tomando o café da manhã que Soph
preparou e que consiste em panquecas. Sophie ama panquecas.
Minhas amigas se entreolham e isso basta para me dizer que elas sabem
de alguma coisa que eu não sei.
“Desembuchem!”, ordeno, impaciente.
Eretria suspira. Com o diálogo interno das duas, parece que ela foi eleita
para me contar o que está acontecendo. “Criaram uma hashtag no Instagram
para registrar os encontros de ontem à noite”, ela começa, apreensiva. “Eu
estava dando uma olhada por pura curiosidade e encontrei... uma foto do
Babyface... com a garota que comprou ele no leilão.”
O pedaço de panqueca que eu estava mastigando quase fica entalado na
minha garganta quando eu engulo em seco.
“Me mostra!”
Eretria desliza o seu celular pelo granito da ilha, e eu o seguro, tentando
disfarçar as mãos trêmulas.
Que não seja nada demais. Que não seja nada demais.
Mas lá está.
Zach está encostado na borda de proteção de um rinque de patinação no
gelo e tem uma garota de cabelos cacheados parada na frente dele, segurando
o seu rosto entre as mãos. Ele está com as mãos na cintura dela e os dois
estão pertos o suficiente para que dê para adivinhar o que aconteceu logo
depois que essa foto foi tirada.
Realmente existe outra garota. Cameron não estava mentindo ou
entendeu errado. Zach realmente está com outra garota. Como eu pude ser tão
burra assim? Como pude cair naquele papinho romântico de “nós vamos ficar
juntos no final”?
As lágrimas enchem os meus olhos, exigindo toda a minha força de
vontade para não iniciar um choro descontrolado.
Zach mentiu para mim. Ele olhou nos meus olhos e disse que não tinha
outra garota.
“Sav”, Sophie me chama, com gentileza.
Pego meu celular, tiro uma foto da tela do celular de Sophie — pois não
quero ter o trabalho de procurar a foto no Instagram — e pulo para fora da
banqueta da ilha. Pego a chave do meu carro e saio de casa sem falar
qualquer coisa.
O percurso de carro leva cerca de cinco minutos, mas eu consigo fazer
em dois. Estaciono o carro de qualquer jeito na entrada da garagem e
praticamente invado a casa dos garotos. Estou tão transtornada que nem me
lembro que deveria bater na porta ou tocar a campainha.
“Savannah?” Jeremy franze o cenho ao me ver. Ele está sentado no sofá
ao lado de Ryan, que parou com um garfo de cereais e leite a caminho da
boca.
“Cadê o Zach?”
“No quarto”, responde Ryan, apreensivo.
Ignoro os olhares confusos dos garotos e subo a escada com uma rapidez
que não deveria, mas não consigo me conter. Estou furiosa, magoada e me
sentindo traída.
Assim como invadi a casa, invado o quarto de Zach, encontrando-o só
de bermuda, sentado na escrivaninha com o laptop ligado. Seu peito está nu,
mas eu mantenho meus olhos presos aos dele. Nem a sua beleza estupenda
vai ser capaz de me dobrar agora.
Zach olha para mim, confuso. “Savannah?”
Eu avanço na direção dele e começo a bater em seu peito, mas não tenho
força o suficiente para fazer isso do jeito que eu gostaria. Me sinto fraca
demais, apesar de estar queimando de ódio por dentro.
“Ei, ei, para com isso!” Zach se levanta e imobiliza os meus braços,
segurando meus pulsos. “Para!”
“Você é um mentiroso, Zach Bradley! Você é o pior tipo de canalha que
existe!”
Tento me soltar de seus braços fortes, mas não consigo.
“Do que você tá falando?”, ele pergunta, exasperado. “Quer parar de se
debater? Você não deveria estar alterada desse jeito. A médica mandou você
ficar de repouso.”
“Para o inferno com o repouso!”, eu grito. “Me larga!”
“Então se acalma!” Ele continua me segurando. “Se acalma e eu te
solto.”
Começo a chorar. Sou totalmente tomada pelos malditos hormônios. E
quando não pareço mais uma ameaça, Zach finalmente me solta. Mas sinto
minhas pernas trêmulas e acho que Zach percebe também, pois ele puxa a
cadeira da sua escrivaninha para que eu me sente.
“Me explica o que aconteceu, raio de sol.”
“Não me chama assim”, eu rosno, pegando o meu celular do bolso da
calça e virando a tela para ele. “O que é isso, Zach? Que merda é essa?”
Ele pega o celular da minha mão e encara a tela. “Savannah, eu posso
explicar.”
Rio com deboche. “O início do discurso de todo o traidor.” As lágrimas
insistem em cair dos meus olhos. “Você olhou nos meus olhos e disse que
Cameron estava mentindo, que não tinha garota nenhuma. Você olhou nos
meus olhos e mentiu pra mim.”
“Não menti! Não aconteceu nada! Ela queria, ela tentou, mas eu disse
que não, disse que ainda sou apaixonado por você e que você é a única
mulher que eu quero!”
“Não acredito em você. Primeiro, você não quis o bebê; depois, você
transou comigo e disse que era melhor que continuássemos separados e
quando eu pedi para a Eretria comprar você no leilão, você fez que não com a
cabeça. Por quê? Você queria sair com ela? Ela é a mesma garota com quem
Cameron te viu ou essa já é outra?”
Zach exala. É impressionante como ele finge bem, pois eu consigo sentir
a decepção que ele emana. Não é à toa que eu caí feito um patinho em tudo o
que ele me disse. Não acredito que eu vou ter um bebê com esse cara.
“Sabe, eu nunca achei que você fosse tão ingênua. Você não se toca de
que nossos problemas começaram quando esse Cameron apareceu? Ele está
envenenando você contra mim, Savannah! Ele não vale nada!”
“Nossos problemas começaram quando eu te contei sobre a gravidez e
você não quis assumir. Cameron não tem nada a ver com isso.”
“Para de defender esse babaca!”, ele grita.
Eu me levanto da cadeira. “Você é o único babaca aqui. Não precisa se
dar ao trabalho de ir ao ultrassom na semana que vem. Eu não quero te ver.
Eu e você... acabou, Zach. E não se preocupe, eu e o meu bebê ficaremos
ótimos sem você.”
Empurro Zach para tirá-lo do meu caminho, mas ele me segura pelo
braço, me impedindo.
“Me escuta!”
“Não!”, eu grito, tentando me soltar dele. “Eu queria nunca ter te
conhecido!”
“Não fala isso.”
“Eu queria nunca ter me apaixonado por você!”
“Para!”
“Eu estava mais feliz sem você! E meu bebê com certeza vai estar mais
feliz sem você!”
Sem que eu precise pedir novamente, Zach me solta. Agora é ele quem
parece fraco demais. Eu consigo sentir o gosto amargo das palavras na minha
boca, mas meu coração despedaçado me impede de sentir qualquer pena dele.
Ele nem ao menos merece que eu tenha pena. Fui eu quem foi traída.
“Eu nunca mais quero te ver. Fica longe de mim”, ordeno.
E saio do quarto, mantendo a pose de durona, mas completamente
destruída por dentro.
19.
BABYFACE
BABYFACE
Outubro
“Nem acredito que meu aniversário está chegando de novo”, diz Nash,
enquanto Kyle e eu tentamos matar um ao outro no Call of Duty.
Kyle encontra o meu esconderijo e mata o meu bonequinho com um tiro
na cabeça.
“Filho da puta!”, eu xingo.
Kyle dá risada. “Você é ruim demais nesse jogo, cara.”
“Eu tô destreinado. É diferente.”
Nós começamos uma nova rodada.
“Vai fazer o que no seu aniversário, Nash?”, Jeremy quer saber.
É domingo. Nós acordamos às cinco horas da manhã para treinar e
agora, às nove horas, estamos ligados demais para voltar a dormir. Mas isso
não vai durar muito tempo. Normalmente, todo mundo tenta tirar uma soneca
no meio da tarde, que é quando o cansaço costuma bater.
O próximo jogo da temporada é na terça-feira da semana que vem e os
nervos estão à flor da pele. Nosso adversário é o Boston College, ou seja, o
time do filho da puta que tentou estuprar a Sophie. Nem preciso dizer que
Derek está tenso. Na verdade, o time inteiro está tenso, inclusive o Burke.
Nós sabemos que precisamos evitar brigar esse ano, mas Owen Montgomery
é sinônimo de encrenca.
O que nos consola, e à Sophie também, é que esse ano é o último ano do
Owen na faculdade. Infelizmente — ou felizmente —, Montgomery tem a
nossa idade. Isso significa que essa deve ser a última vez que qualquer um de
nós precisa cruzar com ele. Eu realmente espero que essa seja a última vez
que a Sophie cruza com ele.
“Estava pensando em fazer outra festa aqui em casa”, responde Nash.
“Considerando que no ano passado eu descolei a maior gostosa, acho que
outra festa daquela pode me dar sorte.”
Kyle revira os olhos, resignado. Ele já aceitou o relacionamento do Nash
com a Eretria, mas odeia precisar ouvir detalhes sobre a vida dos dois. Eu
diria que o Nash faz de propósito para irritar o cara.
“Paige vai ficar louca”, comenta Friends, da cozinha. Ele está
cozinhando alguma coisa, o que é um mau sinal. Ele voltou das férias
dizendo que quer se tornar chef de cozinha. Nem preciso dizer o quanto eu ri
da cara dele quando ele me contou.
Assim como eu, Friends não tem a intenção de seguir carreira
profissional no basquete, embora também seja apaixonado pelo esporte. Para
o desespero do mundo, eu realmente estou achando que ele pode acabar como
cozinheiro de algum restaurante, onde o dono seja maluco o suficiente para
contratá-lo.
Mas, ei, se meu melhor amigo quer ser cozinheiro, meu papel é apoiar,
certo? Mesmo querendo rir muito disso.
“Pode deixar que eu me entendo com a proprietária depois”, replica
Nash. “Apenas deixem o banheiro livre pra mim.”
Kyle solta um grunhido. “Eu já entendi, tá legal? Inferno! Eu não
preciso saber onde, quando e como você transa com a minha irmã.”
Nash gargalha. “É tão bom saber que vou ser seu cunhado para o resto
da vida.”
“Se Deus quiser, não vai. A Tria tem que cair na real que você é o maior
otário que esse mundo já viu.”
Aproveito que Kyle está distraído com o Nash e mato o bonequinho
dele. “Rá! O que eu disse? Eu só estava destreinado.”
“Nunca!”, Nash responde para o Kyle. “Daqui alguns anos, vamos ter
um mini Nash para te chamar de titio.”
Kyle estremece. “Acho que prefiro uma mini Eretria a um mini Nash.”
Esse assunto me faz lembrar uma coisa.
“É um menino”, eu digo, de repente.
Friends sai da cozinha e me encara. Jeremy até abriu o olho para
acompanhar a conversa — normalmente ele é o primeiro a dormir. Nash e
Kyle estão paralisados também.
“Vou ter um filho”, reforço.
“Puta que pariu!”, grita Friends.
“Ele vai ser o terror do maternal”, diz Nash.
“Nós vamos ensinar tudo de basquete pra ele.” Jeremy.
“O moleque vai ser o próximo LeBron James.” Kyle.
Meus amigos começam a falar ao mesmo tempo. Entendo coisas como
“vamos ensinar todos os truques pra ele de como pegar mulher” e “ele vai ter
os melhores treinadores do mundo”, e várias variações dessas mesmas frases.
“Eu ouvi que teremos um menino?”, pergunta Derek, aparecendo no
andar de baixo junto com Ryan. “Ah, papai!”
“Nós não vamos ter nada, graças a Deus!”, diz Friends, estremecendo.
“Nós vamos ficar com toda a parte legal. Vamos ser os melhores tios que um
moleque pode ter. Vamos ensinar as merdas todas, levar no bar, apresentar a
primeira cerveja.”
“E a primeira foda”, acrescenta Nash.
Nós damos risada.
“O moleque nem nasceu e você já está planejando a vida sexual dele,
seu ninfomaníaco desgraçado!”, brinca Kyle.
“Por que você não parece muito empolgado com isso, Babyface?”,
pergunta Ryan, me encarando.
Acho que foi justamente por esse motivo que eu não contei para os caras
de imediato, quando descobri no mês passado. Não quero que meus amigos
pensem que eu sou um filho da puta por não ter dito a Savannah que queria o
bebê.
Agora, para ser sincero, depois de ouvir o coração dele batendo e de
saber que é um menino, eu sinto uma coisa diferente crescendo dentro de
mim. Talvez seja o que os pais sentem assim que descobrem que vão ser pais.
Ou talvez eu esteja confundindo amor com medo.
Medo pode ser tão avassalador quanto o amor, mas as pessoas parecem
não saber disso.
“Eu ainda tô em choque, eu acho”, minto. O choque já passou faz
tempo. O que eu sinto agora é outra coisa.
“Você ainda não disse pra ela que quer o bebê, não é?”, supõe Friends, e
eu olho para ele com a cara feia. “Ai, falei bosta!”
Sou fuzilado por cinco pares de olhos confusos.
“Você disse para ela que não queria o bebê?”, Kyle pergunta.
“Eu não disse nada. Nem que queria e nem que não queria.”
Derek franze o cenho. “Por quê?”
“Eu pensei que você tivesse louco por ela”, diz Jeremy, confuso.
Esses caras são meus amigos há quase quatro anos. Eu provavelmente
passei mais tempo de qualidade com eles do que com a minha família. Nós
moramos na mesma casa, treinamos no mesmo time, fazemos praticamente
tudo juntos... Eu posso confiar neles. Não preciso contar a história toda, mas
posso contar pelo menos uma parte para que eles tentem entender. Talvez até
me aconselhar e acalmar esse desespero que eu sinto.
Eles são meus amigos. Os melhores que eu já tive, talvez. Nós estivemos
do lado uns dos outros até aqui. Eles falam sobre ensinar coisas para o meu
filho, então, isso me diz que eles pretendem continuar na minha vida quando
a faculdade acabar.
Posso confiar neles. Preciso poder confiar em alguém.
“Eu sou louco por ela. Não deixei de ser. Talvez nunca consiga.
Savannah é... sei lá... Eu acho que posso ter um futuro de verdade com essa
garota, mas... eu não seria um bom pai.”
Meus amigos me encaram.
“Por que você diz isso?”, Ryan pergunta.
Respiro fundo. “Quando eu tinha nove anos, meu pai se irritou comigo
por uma coisa que eu fiz. Ele... me espancou até eu perder a consciência e ir
parar no hospital com as costelas fraturadas, o nariz quebrado e os dois olhos
roxos e completamente fechados de tão inchados. E essa foi só a primeira vez
de muitas outras.” Dou de ombros, me sentindo derrotado. “Eu não quero ser
como ele.”
Há um momento de silêncio, e eu o aproveito para me recompor. Odeio
falar sobre a minha família, odeio precisar admitir que meu pai é um maníaco
doente e que eu, minha mãe e minha irmã sofremos nas mãos dele durante
anos. Elas ainda sofrem, mas eu tive a sorte de fugir enquanto ainda estava
vivo pra isso.
Não sei se meu pai já bateu na minha mãe. Eu nunca vi hematomas nela
ou coisa assim, mas imagino que ele a torture de outras formas. Palavras
podem machucar tanto quanto socos na cara. Kait é prova disso.
“Então não seja”, diz Derek, com cautela. “Só porque o seu pai não é um
grande exemplo, não significa que você também não será.”
“O D tá certo”, concorda Friends. “Seu pai não define o tipo de pai
que você vai ser.”
“Não, não define, mas nós carregamos marcas da nossa infância que não
conseguimos apagar. Algumas coisas nós vamos levar pra vida toda, sejam
elas boas ou ruins. Eu tenho medo de correr o risco, de um dia olhar para o
meu filho e vê-lo olhando pra mim como eu olho para o meu pai. Não quero
nunca que a Savannah olhe pra mim desse jeito.” Solto o ar dos pulmões.
“Enfim...”
Nash coloca a mão no meu ombro. “Conta com a gente para o que você
precisar, cara. Somos meio que uma família, certo?”
“Uma família bem esquisita”, comenta Friends, e nós caímos na
gargalhada. É impressionante a habilidade desse cara de quebrar um
momento pesado e nos fazer rir. “Não sei do que vocês estão rindo. É sério.
Parem pra pensar. Jer e eu somos negros, mas ele teve a sorte de nascer com
olho verde. Desgraçado!”
Jeremy dá risada. “Você sempre teve inveja do meu olho. Eu sei.”
Friends revira os olhos e continua: “Ryan é ruivo do olho verde,
Babyface é loiro do olho azul, Nash, Derek e Kyle tem o cabelo escuro e os
olhos claros. O que aconteceu com o DNA dessa família? Por que só eu tenho
o olho castanho?”
Ai, caralho. Minha barriga está doendo de tanto rir. Se o Friends não
estiver fazendo drama, não é o Friends.
“Meu olho é esverdeado”, corrige Derek. “Castanho esverdeado.”
“Não existe essa merda de castanho esverdeado. Isso é história de gente
invejosa querendo desmerecer o verde do seu olho, cara. Não cai nessa não!”
Derek se senta no chão, gargalhando.
Jeremy puxa o ar para os pulmões, tentando parar de rir. “Pelo menos a
opinião feminina a nosso respeito é unanime. Isso basta.”
“Unidos pela gostosura”, diz Friends.
“Puta que pariu!” Nash gargalha. “Que merda, Friends! Que merda de
comentário!”
E simples assim, nós saímos de um assunto pesado para... sei lá como eu
posso classificar uma loucura dessas. O que eu sei é que tenho muita sorte
por ter encontrado esses caras esquisitos.
***
SAVANNAH
***
BABYFACE
Tudo desabou
Tudo desabou
Tudo caiu
Tudo desabou
Tudo desabou.”
E é justamente nesse trecho que ela olha para mim. Seus olhos ficam
presos no meu e o ar dentro dos meus pulmões é roubado completamente.
Merda.
Merda, merda, merda.
Como eu vou viver a minha vida sem essa garota? Eu mal consigo
respirar agora. O efeito que ela tem sobre mim é diferente de tudo o que eu já
senti antes. Savannah é o ponto de luz da minha vida. Caralho, não vou
conseguir ficar sem ela e não sei o que fazer. Se pelo menos eu conseguisse
contar a ela. Se ela soubesse...
Ela nunca te olharia do mesmo jeito, minha voz interior fala dentro da
minha cabeça.
Quando a primeira música acaba, eu estou transtornado, mas me esforço
para não demonstrar. Principalmente porque Savannah e eu continuamos
mantendo o contato visual.
“Preciso beber”, resmungo, pegando a cerveja de Friends.
Meu amigo nem ao menos protesta, pois acho que todo mundo percebeu
o clima.
Savannah é ovacionada, é claro. E ela sorri para o público e agradece.
“Muito obrigada. A próxima música se chama Secret Love Song do Little
Mix ft. Jason Derulo.”
“Merda.” Viro a cerveja de uma vez só. “Preciso de alguma coisa mais
forte que isso.”
“Você vai precisar mesmo”, concorda Eretria.
Todos nós olhamos para ela.
“O que você quer dizer?”, indago.
Ela suspira. “Ela vai cantar essa música com o Cameron.”
“Quê?”
Sophie faz que sim com a cabeça. “Ele apareceu lá hoje e disse que
queria cantar com ela. Como nos velhos tempos, ele disse.”
Vejo quando Cameron sobe no palco, sorrindo para Savannah, que,
infelizmente, sorri de volta pra ele. Esse filho da puta está cercando a minha
mulher.
E é claro que ele canta olhando pra ela.
O desgraçado canta uma música romântica olhando para a minha
garota.
“É claro que ele tinha que cantar bem”, eu o amaldiçoo. “Eu quero matar
esse cara.” Olho para Sophie. “Eu pensei que você ia me ajudar a abrir os
olhos dela.”
Derek fica tenso.
“Eu tô tentando, Babyface, mas é difícil competir com um cara que a
conhece há muito mais tempo do que eu. Do que qualquer um de nós, devo te
lembrar.”
Olho para os dois cantando junto. E quando Cameron segura a mão dela,
Savannah não a puxa de volta. O que caralhos isso significa? Ele está se
declarando pra ela ou coisa assim?
Logo que a música acaba, Cameron a puxa para um abraço e beija a
bochecha de Savannah. Seus lábios se demoram sobre a pele dela e o ódio e o
ciúme queimam dentro de mim. Eu deveria continuar sentado. Deveria
mesmo. Mas basta que eu veja Savannah saindo do palco para me levantar da
cadeira e ir até lá, no meu melhor comportamento de homem das cavernas.
“Que porra é essa?”, eu exijo saber.
“Ah, oi, cara.” Cameron passa o braço por cima dos ombros de
Savannah. Ele sempre faz isso quando estou por perto, querendo demarcar
território. “Tudo bem?”
“Tira as mãos dela”, eu rosno.
“Zach!”, Savannah me repreende.
Cameron me olha com a maior cara de inocente. Fingido desgraçado. “A
Sav é minha amiga, Zach. Fica tranquilo.”
“Cara, vamos embora”, diz Friends, segurando meus ombros e tentando
me puxar para trás. Eu nem sabia que ele tinha me seguido. E ele não foi o
único. Kyle e Nash estão logo atrás, observando para ver se vai ser necessário
intervir.
Eu me desvencilho das mãos do meu amigo. “Eu não vou a lugar
nenhum enquanto não conversar com a Savannah.”
“Foi mal, cara, mas, se você não se acalmar, ela não vai conversar com
você”, avisa Cameron.
Ah, isso não.
“E quem você pensa que é?”
“Ele é meu melhor amigo e está certo. Você precisa se acalmar.”
Savannah me encara, me desafiando a discordar dela.
Fecho os punhos, mas respiro fundo. Perder o controle na frente dela só
vai fazer Cameron parecer o mocinho, e eu o vilão. Então, eu me acalmo. Ele
não vai jogar Savannah contra mim.
“Tá. Estou calmo agora. Podemos conversar, por favor?”
Savannah faz que sim com a cabeça. “Eu volto já”, ela diz para
Cameron. “Vamos conversar lá fora”, ela acrescenta, olhando pra mim.
Deixo que ela vá à frente, pois quero poder olhar para a cara de
Cameron e deixar a minha ameaça bem explícita, mas, é claro, como o
debochado que é, ele não se abala. Ou, pelo menos, não demonstra.
Viro as costas e sigo Savannah, antes que eu perca o autocontrole e
nocauteie esse imbecil com um único soco.
Do lado de fora, Savannah cruza os braços em cima da barriga
grandinha e me olha de cara feia, mas isso só me faz ter mais vontade de
tomá-la em meus braços. É fofa demais.
“Que cena foi aquela?”, ela exige saber, irritadíssima. “Você deu para
dar uma de possessivo agora? Ah, e deixe-me te lembrar de que nós nem
estamos mais namorando.”
“Por que você tinha que cantar aquela música com ele? Que porra,
Savannah! Você tá tentando me machucar ou o quê?”
“Não estou tentando te machucar. Cameron é meu amigo e quis cantar
uma música comigo. Só isso.”
Será que ela não percebe que foi muito mais do que isso?
“Só isso?”, ecoo, indignado. “Um bilhão de músicas no mundo e você
tinha que cantar uma música romântica com ele?”
Savannah suspira. “Me desculpa se isso te deixou chateado, mas eu não
preciso dar satisfações do que eu faço ou deixo de fazer pra você, Zach. Não
estamos mais juntos, lembra? E nem fui eu quem escolheu isso. Foi você. Ou
seja, isso te dá menos direito ainda de me cobrar qualquer coisa que seja. Se
eu canto uma música romântica com Cameron ou... ou se eu quiser me
envolver com ele ou com qualquer outro cara... isso não é da sua conta.”
Eu sei que ela está certa, que eu estou agindo feito um babaca e,
provavelmente, que estou deixando-a confusa, mas a ideia de vê-los juntos,
imaginá-los na cama juntos... Deus! Não consigo suportar.
“Você quer se envolver com ele?”, pergunto, baixinho. De repente, me
sinto fraco e tonto.
“Não”, ela diz, firme, e eu relaxo. Um pouco. “Mas, se quisesse não
seria da sua conta. Você terminou comigo, Zach, e por um motivo que não
entendo, mas, mesmo assim, estou tentando respeitar porque sinto que,
embora não tenha me explicado nada, você foi sincero comigo. Mas quando
você age assim? Não sei o que fazer ou o que pensar.”
Passo a mão pelos cabelos, tentando dissipar o nervosismo. Não posso
argumentar com ela porque estou errado; não posso puxá-la e beijá-la porque
não seria justo. A única opção é deixá-la seguir, mas é justamente a opção
que não consigo acatar nem que minha vida dependesse disso porque a amo.
“Zach”, ela se aproxima de mim, segura a minha mão e dá um beijo nos
meus dedos. “Se você não pode mesmo ficar comigo, então temos que
encontrar uma forma de encerrar isso de uma vez por todas. Não é o que eu
quero e não ache que não estou morrendo por dentro ao estar aqui, parada na
sua frente, dizendo essas coisas.” Ela abaixa os olhos por um momento e
quando volta a olhar pra mim, está à beira das lágrimas. “Meu filho tem o
direito de ter um pai, e eu tenho o direito de ser feliz. Se não com você, então
com outra pessoa, mas não vou conseguir fazer isso se você estiver por perto,
olhando pra mim desse jeito.”
Seguro o seu rosto entre as minhas mãos e seco as lágrimas que
começaram a escorrer pela sua bochecha. “Não consigo deixar você. Eu tô
tentando, mas não consigo.”
Savannah olha para mim. Seus olhos têm uma mistura de decepção e
tristeza que partem meu coração.
“Você sabe que está sendo egoísta, não sabe?”
Lentamente, faço que sim com a cabeça, envergonhado por precisar
admitir isso.
“Não consigo continuar fazendo isso, Zach. Dói estar perto de você
desse jeito e não poder te beijar; dói olhar pra você; dói pensar em você... Eu
não aguento mais ter essa conversa.” Savannah comprime os lábios,
segurando o choro. “Me deixa ir. Me deixa deixar você ir.”
Ao perceber que eu não vou responder coisa alguma, Savannah segura
os meus pulsos e tira as minhas mãos do seu rosto.
“Me deixa ir”, Savannah implora.
Não respondo. Não consigo responder. Parece que nem ao menos
consigo falar. Assentir, então? Impossível.
Quando Savannah se afasta e volta para dentro do bar, eu não a impeço.
23.
BABYFACE
Novembro
***
Meu plano era manter a calma, mas com duas horas de festa, o álcool no
meu sangue me deixa muito mais falante, inquieto e idiota. Não queria
encontrar Savannah nesse estado depois de três semanas sem vê-la, mas
também não conseguiria estar sóbrio. Estou nervoso, e a bebida — assim
como a maconha — são as únicas coisas que conseguem me acalmar, mas
também deixam a minha língua mais solta do que o normal. Vou precisar me
controlar pra não dizer nenhuma besteira.
Por enquanto, no entanto, não foi preciso nada disso. Não a vi em
nenhum lugar, embora saiba que Sophie e Eretria já estão aqui. Soph está no
quintal junto com Derek e os outros caras; Eretria, por sua vez, está trancada
com Nash no banheiro. Eles estão revivendo a primeira transa deles.
Estranho.
A última coisa que eu quero é pensar nas coisas que eu estava fazendo
com Savannah nessa data, no ano passado. Preciso manter minha cabeça
limpa para tentar manter a sanidade.
Difícil.
Busco mais uma cerveja na geladeira e vou para o quintal encontrar
meus amigos. No entanto, não são eles que eu encontro, e, sim, Savannah e,
infelizmente, Cameron. Ela tinha que trazer o imbecil junto. O cara não
desgruda dela.
Savannah está de costas, abraçando Cameron, então ela ainda não sabe
que eu estou parado aqui, observando os dois. Mas é óbvio que o diabo
disfarçado de anjinho já me viu e o sorriso arrogante no rosto dele me enerva.
Ele escolheu um péssimo dia para me irritar. Estou bêbado e um pouco
chapado, o que significa que não estou pensando direito e que vou quebrar
ele no meio se for até lá. Mas, antes que eu tenha a chance de finalmente
fazer tal coisa, ele a solta do abraço e a beija.
Eu pisco uma vez.
Pisco de novo.
Talvez a minha mente alcoolizada e drogada esteja me pregando peças.
Só pode ser isso.
Certo?
Certo?
Mas não. Ele realmente a beijou. Ele a beijou sabendo que eu iria ver, é
claro. Eu não espero nada menos desse filho da puta maldito. Mas, e ela? Ela
o está beijando de volta? Estou longe demais e bêbado demais para ter
certeza.
Começo a dar passos para trás, me afastando.
Não aguento isso.
Quando Savannah disse que não queria se envolver com Cameron, eu
acreditei nela. Não é possível que em três semanas ela já esteja a fim dele ou
coisa assim. Não. Isso não é possível. Ninguém supera uma pessoa que ama
tão rápido assim. Eu sei que ela me ama. Eu sinto na forma como ela olha pra
mim, como me beija, as músicas que compôs pra mim e sobre mim. Mas
então, que merda foi que eu acabei de ver?
Volto para dentro de casa, transtornado.
Savannah o beijou.
Savannah.
Beijou.
Cameron.
Por quê? Por que ele? Porra! O que esse cara tem que a faz ficar tão
ingênua e cega?
Ele tem a confiança dela, minha mente prestativa me ajuda.
Bom, então está na hora de destruir essa confiança.
SAVANNAH
SAVANNAH
“Eu estou enorme”, reclamo. “Tão enorme que até levantar do sofá é
uma coisa difícil.”
Derek dá risada. Ele ficou incumbido de tomar conta de mim enquanto
Sophie está trabalhando.
Fui a uma consulta médica ontem e a doutora Akira reforçou que eu
preciso pegar leve. Graças a Deus, minha pressão não estava alta, mas, pelo
que eu entendi, estava próxima disso, o que me deixou bastante apavorada.
Então, quando comentei com as minhas amigas o que minha médica havia me
dito, elas decretaram que eu estava proibida de me esforçar. De agora em
diante, eu permaneceria em repouso o máximo de tempo possível, limitando
minhas atividades a ir para as aulas e voltar para casa.
“Isso é uma coisa boa, Sav”, garantiu Nash.
Mencionei que ele também foi incumbido de tomar conta de mim? Pois
é. Sophie está trabalhando e Eretria está com uma nova ação no seu grupo de
ativistas — The Green —, o que significa que elas colocaram seus namorados
para me vigiar. E eu acho isso bastante ridículo, considerando que o pai do
meu filho é amigo deles.
“E como isso seria uma coisa boa, Christopher?”, pergunto, irritada. O
que esse idiota sabe sobre ver seu corpo se transformando em uma melancia?
Os dois decidem ignorar o meu mau humor. Minhas alterações
hormonais são tão frequentes que eles já estão acostumados a me ver irritada.
“Quanto maior você ficar, mais alto vai ser esse moleque. O que
significa que ele será um jogador de basquete bom pra caralho”, explica
Nash, animado.
Os amigos de Zach estão mais empolgados do que ele. Deus!
“E desde quando a altura é tudo o que importa?”, questiono.
“Não é, mas esse garoto vai ter os melhores treinadores do mundo”,
argumenta Derek. “Ele vai saber jogar antes de aprender a andar, Sav.”
Eu encaro os dois homens enormes diante de mim. “Que ótimo saber
que vocês já definiram o futuro do meu filho.”
“Temos tudo planejado.” Nash abre um sorriso largo. “Amamentação de
manhã, levantamento de mamadeiras à tarde e soneca à noite. Primeiro temos
que trabalhar a estrutura física do moleque. Quer dizer, ele não pode ser
nenhum franguinho, afinal de contas, o Babyface é enorme. Então, acho que
estamos assegurados nessa parte.” Ele olha para Derek, que confirma com a
cabeça, prestando atenção ao que o amigo está dizendo. “Depois, corrida de
andador e arremesso na cestinha que eu comprei pra ele.”
Eu pisco. “Você comprou uma cestinha pro bebê?”
“Claro que eu comprei. Tria e eu achamos em uma loja no centro. Está
lá em casa.”
Derek confirma com a cabeça. “Eu comprei uma mini bola de basquete.
É de plástico, mas vai servir até que ele fique forte pra treinar com a de
verdade. E nós mandamos fazer um uniforme da Duke pra ele, mas ainda não
está pronto porque precisamos do nome.”
Sinto meus olhos enchendo de lágrimas. “Vocês fizeram tudo isso pra
ele?”
“Claro que fizemos.” Derek abre um daqueles sorrisos dele, com
covinhas. “O moleque vai ser tão nosso quanto de vocês, Sav.”
“Nós vamos ser responsáveis por ensinar pra ele tudo que há de bom na
vida, deixando a parte chata para você e para o Babyface.” Nash faz uma
careta.
Seco as lágrimas, mas elas continuam caindo sem a minha autorização.
Malditos hormônios!
“A gente falou alguma coisa errada?”, Nash sussurra para Derek.
De soslaio, vejo-o dando de ombros, confuso.
“Por que você tá chorando, Sav?”, Derek pergunta, com cautela.
“Não é nada, é só que...” Fungo. “Vocês estão tão animados com esse
bebê e nem são o pai dele. Por que o Zach não está feliz? Quer dizer, deveria
ser ele a comprar essas coisas e... e... e fazer rotinas surreais para o bebê, quer
dizer, levantamento de mamadeiras? Você está louco, Nash? Corrida de
andador? Você sabe o quanto os andadores são prejudiciais para os bebês?
Acho até que são proibidos.” Seco as lágrimas, soluçando. “Por que ele não
consegue ficar feliz com o próprio filho?”
Derek e Nash sentam-se no sofá, cada um de um lado meu. Não preciso
olhar para eles para saber que estão extremamente desconfortáveis com o
meu choro, mas não me importo. Eu estou grávida, posso chorar o quanto eu
quiser. Droga.
“Sav”, Derek começa, e percebo que ele está escolhendo as palavras “o
Babyface é maluco por você e... ahn... eu tenho esperanças de que vocês vão
se entender.”
Nash concorda com a cabeça. “Ele tá sofrendo também. Ele não fala,
mas dá pra notar. Ele não é mais aquele cara engraçado que conhecemos.”
“Como ele pode estar sofrendo e querer continuar sofrendo?”, questiono,
choramingando. “Não consigo entender. Não consigo.”
Há um momento de silêncio. Está na cara que nem Derek nem Nash
sabem como consolar uma mulher que não seja a namorada deles. Imagino
que, quando Sophie ou Eretria estejam tristes, eles tenham seu próprio modo
de consolá-las, o que, certamente, eles não podem fazer comigo. Digo,
usando seus métodos.
“Você deveria comer alguma coisa”, diz Derek. “Um doce, talvez? Soph
sempre diz que doce é um remédio.”
“Isso”, incentiva Nash. “O que você quer? Sorvete, chocolate, pasta de
amendoim? Vou no mercado comprar pra você.”
Fungo, secando as lágrimas. “Quero waffles com creme de avelã e
sorvete de limão. E quero chantilly por cima.”
Os dois se entreolharam.
“Isso é seguro?”, quis saber Nash. “Misturar as coisas assim?”
Derek deu de ombros, perdido. “Talvez eu devesse ligar pra Sophie.”
“Não sejam ridículos! Eu estou com desejo! Isso significa que vocês
precisam trazer o que eu estou pedindo, exatamente como eu estou pedindo,
ou o meu filho e o jogador favorito de vocês vai nascer com a cara de waffles.
É isso o que vocês querem?”, pergunto, exasperada.
Eles negam com a cabeça, com veemência.
“Ótimo!”
“Você fica, e eu vou no mercado”, diz Nash, pegando a chave do carro
em cima da mesa de centro.
“Por que eu preciso ficar?”, Derek me olha, apreensivo. “Você leva mais
jeito com as mulheres.”
Nash nega. “Eu levo jeito com a minha mulher. Desaprendi
completamente como lidar com as outras.”
“Covarde!”, grita Derek, quando Nash sai voando pela porta de casa.
“Estou com fome”, anuncio.
Ele me olha perplexo. “De novo?”
“Eu estou grávida, Derek, e caso você não...” Paro no meio da frase e
coloco a mão na barriga.
“Savannah?”, ele me chama, preocupado. “O que foi? O que você tá
sentindo? O bebê vai nascer?”
Eu o fuzilo com os olhos. “O bebê não vai nascer, seu idiota. Ele chutou.
Eu... eu já havia sentido antes, mas não assim. Foi mais forte e...” Meu filho
chuta de novo. “Ele chutou de novo.”
Derek olha para a minha barriga, olha para o meu rosto e abre um
sorriso hesitante. “Isso é bom, não é?”
Faço que sim com a cabeça. “É. Isso é muito bom.”
Ele amplia o sorriso. “Posso sentir?”
Faço que sim com a cabeça e Derek coloca as mãos sobre a minha
barriga. Nós dois ficamos em silêncio, parados, imóveis, e o bebê chuta de
novo, fazendo Derek levar um susto.
“Puta merda!”, ele exclama, sorridente. “Que maneiro!”
Eu sorrio. “Que loucura, não é? Tem uma pessoa dentro de mim. Isso é
muito insano.”
“É, é mesmo.” Derek recosta as costas no sofá e, de repente, fica
pensativo.
Decido apreciar o silêncio e a tranquilidade. Momentos assim têm sido
raros ultimamente, então é bom poder parar um pouco e relaxar.
Principalmente porque, quando o bebê nascer, silêncio e tranquilidade serão
bem escassos.
“Quero ter um bebê um dia”, disse Derek de repente. “Uma menina
loirinha, como a Soph.”
Sorrio ao imaginar isso. “Você acha que vocês dois vão ser para
sempre?”
“Com certeza”, ele afirma, sem pestanejar. “Sophie foi a melhor coisa
que me aconteceu. A menos que ela me chute, eu não vou a lugar nenhum.”
Olho para Derek. “Você também foi a melhor coisa que aconteceu com
ela. Obrigada.”
“Pelo quê?”
“Por cuidar tão bem da minha amiga. Quando paro para pensar em tudo
o que a Sophie viveu... Não sei se conseguiria ser tão forte como ela foi.
Perder os pais, passar de abrigo em abrigo, ser maltratada e... bom, você
sabe.” Derek fez que sim com a cabeça, e não deixo de notar a tensão no seu
maxilar. “Ela não tinha ninguém e, mesmo assim, não desistiu. Sophie é a
mulher mais forte que eu conheço.”
“Sim, ela é mesmo”, ele diz, cheio de orgulho. “Você é uma boa amiga
pra ela, Sav. Eretria também.”
“Somos o mini clube das Winx.”
Derek ri, mas sua expressão muda logo em seguida. “Olha, eu sei que
essa situação com o Babyface é uma merda e que deve estar sendo difícil pra
você, mas ele é um dos caras mais decentes que eu já conheci, Sav. Mais
cedo ou mais tarde, ele vai cair em si e vocês vão ficar juntos e criar o filho
de vocês. Com a nossa ajuda e assídua participação, é claro.”
“É claro”, concordo.
“Vocês vão ficar bem”, ele garante. “Só... aquele seu amigo... não confio
nele. Não estou dizendo isso porque o Babyface é meu amigo, juro. Só... não
confio nele, Savannah.”
Qual era o problema deles com o Cameron? Cam nunca fez nada para
nenhum deles, então não consigo entender essa implicância, se ela não for
fundamentada pelo ciúme de Zach.
“Ele é meu amigo. Eu o conheço minha vida inteira praticamente.”
“Você o conhecia”, Derek me corrige. “Vocês estavam anos sem se ver.
Não são mais duas crianças. Quem te garante que ele continua sendo a
mesma pessoa da qual você se lembra?”
“Ele é”, digo, mas Derek já conseguiu plantar a semente da dúvida.
“Não tô querendo te jogar contra o seu amigo, mas tenha certeza antes
de defendê-lo com tanto afinco.” Derek abre um pequeno sorriso para mim.
“Vou preparar alguma coisa pra você comer.”
E ele se levanta do sofá e vai para a cozinha, me deixando sozinha com
minhas dúvidas.
25.
BABYFACE
***
“É melhor você me explicar direitinho o que tá rolando”, diz Nat,
entrando no carro.
Estou com o Range Rover do Nash, o que é uma merda porque não é um
carro realmente discreto, mas é melhor do que o trambolho da caminhonete
de Derek. A SUV de Jeremy também não ajuda muito. Suponho que não há
como reclamar. Somos homens grandes, não dá para termos carros pequenos.
“Resumindo, minha namorada tá grávida; nós estamos brigados; o
melhor amigo dela surgiu das profundezas do inferno para aporrinhar a minha
vida; e, por fim, eu acho que ele está envolvido em alguma coisa suspeita.
Preciso que você entre naquele bar e tente ouvir a conversa dele.”
Nat pisca. Ela está com o cabelo castanho preso em um rabo de cavalo e
os olhos castanhos me encaram, confusos.
“Você vai ser pai?” Ela arregala os olhos. “Uau.”
A palavra pai atrelada a mim me faz ter calafrios. “Vai me ajudar ou
não?”
“Claro que eu vou te ajudar, seu imbecil. Quem é o criminoso que
estamos de olho?”
Sorrio. “O nome dele é Cameron. Ele está sentado no balcão do bar com
um cara careca. Sente perto, mas não perto demais. Eu vou ficar aqui fora o
tempo todo para garantir sua segurança.”
“Meu herói”, ela diz, cheia de ironia.
Reviro os olhos. “Solte o cabelo. Imagino que você deva saber como ser
minimamente sensual por trás dessa sua carinha de menininha.”
Nat solta o cabelo, umedece os lábios e olha na minha direção. Os olhos
castanhos brilhando. É, acho que não teremos problemas com isso.
“Por favor”, ela debocha. “Para a sua sorte, você não faz nem um pouco
o meu tipo. Não curto os loiros. Mas, caso eu quisesse, três anos atrás, você
estaria comendo na minha mão, meu amor.”
Eu não duvido.
“Volto já”, ela diz, saindo do carro.
Quando Nat entra no bar, eu a vejo se sentar próxima de onde Cameron
está conversando com o homem careca.
Agora é só esperar.
***
Meia hora depois, Nat volta. Ela pula para dentro do carro, e eu começo
a dirigir para longe de lá. Já fiquei parado ali por tempo demais. Não quero
que Cameron suspeite do que eu estou fazendo.
“E aí?”, pergunto, ansioso.
Nat prende o cabelo. “Não deu para entender muito, pois eles estavam
falando bem baixo e eu não quis levantar suspeitas ao me aproximar mais,
mas parece que o nosso criminoso está devendo dinheiro pra esse cara. E,
posso estar louca, mas acho que sua namorada é quem vai pagar a dívida
dele.”
“O quê?”, eu quase grito.
“Eu não tenho certeza se é ela mesmo, mas eu o ouvi dizer que uma
amiga emprestaria o dinheiro.”
“Quanto ele está devendo?”
“Não sei.”
“Sabe por que ele está devendo dinheiro?”
“Também não, mas o cara parecia bem irritado. Como se já estivesse
esperando esse dinheiro há muito tempo.”
Aperto o volante com tanta força que os nós dos meus dedos ficam
brancos. “Não acredito que esse maldito está envolvendo Savannah nos seus
negócios sujos.”
Dever dinheiro nunca é uma coisa boa, mesmo que o motivo pelo qual
você pegou a grana emprestada seja nobre — o que eu duvido que seja o caso
de Cameron. Se esse imbecil se importa com Savannah, como pode sequer
pensar em envolvê-la nisso? Que porra de amigo é esse? Na verdade, não sei
por que estou surpreso. Sei que Cameron não presta desde que coloquei meus
olhos nele. Então é claro que ele não se importa de verdade com Savannah.
“Por que você e Savannah estão brigados?”, Nat quer saber.
Não respondo. Não quero falar sobre isso.
“Tá, não me conte, então. Mas, não seja burro, Bradley. Está na cara que
esse garoto está com problemas e se você não abrir os olhos da sua namorada,
logo ela estará também.”
A declaração de Nathaxa me atormenta depois que eu a deixo em casa,
enquanto eu dirijo para a minha casa e quando paro o carro na frente da casa
de Savannah, não da minha. Fico parado ali por quase dez minutos, pensando
no que diabos eu vou dizer a ela. Se chegar acusando Cameron, Savannah irá
defendê-lo e pode começar a acreditar que eu o estou perseguindo por ciúme.
E isso sem mencionar o beijo, que eu imagino que ela não saiba que eu vi.
Sinceramente, pensar que ela pode se envolver com Cameron — ou com
qualquer outro homem, na verdade — me deixa louco, mas não posso deixar
meu desejo, meu amor e o meu ciúme dominarem meus argumentos. Eu
preciso de provas. Contra fatos não há argumentos, é o que dizem. Então,
preciso provar a ela que Cameron é um tremendo filho da puta mentiroso,
mas como?
Decido que, se não posso contar nada a ela ainda, pelo menos posso
entrar e ver como ela está. Mesmo que ela esteja disposta a seguir em frente,
não quer dizer que vou deixar de me importar com ela de uma hora para a
outra.
Quando toco a campainha, sinto uma incomum sensação de nervosismo.
Se ela me disser que está embarcando em um relacionamento com Cameron,
vou perder a cabeça.
Para a minha surpresa, é Friends quem abre a porta.
“Friends?”
“Você chegou na hora certa”, ele diz, me puxando para dentro da casa.
Me surpreendo mais ainda quando encontro todos os meus amigos na sala da
casa de Savannah, enquanto ela está sentada no sofá, segurando um prato
com waffles e sorvete.
Franzo o cenho, confuso. “O que tá acontecendo aqui? Você está bem?”,
pergunto diretamente para Savannah, e de repente, estou preocupado. Se
todos os caras estão aqui... Será que ela passou mal ou coisa assim?
“Eu estou bem”, ela assegura, com um sorriso. “Seus amigos, por outro
lado, são muito exagerados.”
Fico mais confuso ainda. “Alguém explica, por favor.”
Kyle vem ao meu resgate. “Nash ligou dizendo que Derek tinha sentido
o bebê chutar. Ele ficou com ciúme porque o D sentiu o bebê, e ele não.
Então, todos nós viemos para sentir o bebê chutar.”
Olho para os meus amigos, perplexo. “Vocês deslocaram suas bundas
até aqui para incomodar a minha mulher com isso? Ela deveria estar de
repouso”, eu os repreendo. “Você deveria estar de repouso”, enfatizo,
olhando para Savannah.
Um sorriso hesitante se forma em seus lábios. “Ora, mas eu estou de
repouso. Derek cozinhou pra mim e Nash foi ao supermercado comprar
waffles com creme de avelã, sorvete e chantilly.”
Eu a encaro, depois encaro seu enorme prato de waffles.
“Eu estava com desejo”, Savannah explica. Em seguida, ela leva mais
um pedaço de waffles na boca e solta um gemido que percebo, infelizmente,
que deixa todos os meus amigos tensos. “É quase como um orgasmo.”
Friends começa a tossir.
“Não me olhem com essas caras, vocês não entendem coisa alguma
sobre gravidez e seus desejos esquisitos.”
Reprimo a vontade de rir. Às vezes, no meio de toda essa loucura, me
esqueço como ela é fofa e completamente maluquinha.
“Vocês a entupiram de açúcar”, acuso Derek e Nash.
“Ela nos obrigou”, defende-se Nash.
Derek confirma com a cabeça. “Savannah sabe ser bem persuasiva.”
Ah, eu sei.
“Certo. Se mandem!”, eu os expulso, sem cerimônia. “Savannah e o
bebê precisam descansar e ela não vai conseguir fazer isso com um monte de
marmanjos malucos na sua sala.”
“O moleque nem nasceu e o Babyface já está chato”, resmunga Friends,
ganhando um aceno de cabeça em concordância de Ryan.
“Agora!”, eu digo, sério.
“Tchau, Sav”, os caras dizem em uníssono.
Ela sorri. “Tchau, meninos. Obrigada pela companhia.”
Quando os caras finalmente vão embora, Savannah fixa os olhos cor de
âmbar em mim. Sua barriga parece ainda maior agora, mas eu nunca a achei
tão linda, com o cabelo preso em um rabo de cabelo desleixado e os cantos da
boca sujos de chocolate.
Sorrio comigo mesmo.
“Por que está me olhando assim?”, ela quer saber.
“Nada.” Me aproximo devagar. “Eles te cansaram muito?”
Ela faz que não. “Foi bem divertido, na verdade. A reação deles quando
sentiram o bebê chutar...” Ela ri. “Impagável.”
Percebo, consternado, que eu sou o único que ainda não sentiu meu filho
mexer. Eu escutei o seu coração bater e estou vendo-o crescer através da
barriga de Savannah, mas nunca tive nenhum contato real com ele.
De repente, Savannah solta um gemido.
“O que foi?”, pergunto, rapidamente.
“Ele está muito agitado hoje.” Ela coloca a mão na barriga. “Acho que
foi o açúcar.”
Olho para a sua barriga, me perguntando se deveria dar voz ao meu
desejo ou permanecer em silêncio, para a saúde mental de nós dois. Mas,
antes que eu possa evitar, me pego dizendo: “Posso sentir?”
Savannah faz que sim com a cabeça.
Hesitante, levo minhas mãos até a sua barriga. “Não sinto nada.”
“Shhh... espere um momento”, ela sussurra, cheia de sabedoria.
E eu espero.
Quando estou prestes a constatar que talvez meu filho esteja inclinado a
me rejeitar, exatamente como eu tenho feito com ele, eu o sinto chutar em
cheio a palma da minha mão esquerda.
Levo um susto, arregalando os olhos, o que faz Savannah soltar uma
risadinha.
“Caramba! Ele é muito forte!”
“Ele é mesmo, mas imagina sentir isso o dia todo”, ela resmunga,
parecendo cansada. “Seus amigos fizeram um cronograma de treinamento
para ele. Você sabia disso?”
“Como assim?”
Savannah ri. “Nash disse que quanto maior eu ficar, mais alto será o
bebê. Então, é claro, que ele só poderia ser jogador de basquete. O
cronograma de treinamento inclui levantamento de mamadeiras, corridas de
andador — o que eu já decretei que não vai acontecer — e arremessos na
cestinha que Nash comprou. O futuro dessa criança está definido por seis
jogadores de basquete universitários, que Deus me ajude.”
Percebo que Savannah não usa expressões como “nosso filho” ou “que
Deus nos ajude”. Ela já parou de me incluir.
Tento não parecer decepcionado. Porra, não era justamente isso o que eu
queria desde o começo?
“Bom, o bebê com certeza vai ser alto, se puxar o meu lado.”
“Está me chamando de baixinha?”
Sorrio. “Com certeza.”
“Pois saiba que meu filho ficaria muito bem sendo da minha altura. Não
há nenhum problema em ser um homem baixo.”
“Se ele não quiser seguir os passos atléticos dos tios malucos, com
certeza não vai haver nenhum problema mesmo.”
Há um momento de silêncio, embora, ainda bem, não seja nada
constrangedor. É quase como se fosse um silêncio necessário. Há muitas
palavras não ditas entre nós, então um momento para acertar os pensamentos
é muito bem-vindo.
“Você me chamou de sua mulher”, observa Savannah. Eu estou
ajoelhado na sua frente, o que faz com que fiquemos da mesma altura, e ela
tira proveito disso fixando os olhos nos meus, com muita intensidade.
Engulo em seco. “É. Acho que chamei. Mas não se preocupe”,
acrescento, quando noto uma confusão em seus olhos “foi apenas força do
hábito.”
“Ah.”
Mais um silêncio, mas, dessa vez, bem constrangedor.
“Preciso te perguntar uma coisa.”
“O quê?”
“Você e Cameron...”
Ela fecha os olhos, cansada. “Zach.”
“... Eu vi o beijo.”
Savannah prende a respiração. “Você viu?”
Assinto, sem conseguir dizer nada por cima do nó que se formou na
minha garganta.
“Ele se declarou pra mim”, ela conta, envergonhada. “Pediu que eu
desse uma chance a ele, que ele cuidaria de mim e do... meu filho.”
Luto contra a vontade de dizer: eu te avisei. Isso não vai ajudar em coisa
alguma agora.
Mas, mais do que isso, preciso lutar contra a vontade de quebrar alguma
coisa. Respiro fundo. Preciso me lembrar que só vou ganhar essa guerra se
tiver provas de que Cameron é um canalha perigoso.
“E o que você disse?”, eu digo, e percebo que minha voz soa controlada
até demais.
“Não disse nada.”
Não sei se interpreto isso como algo bom ou ruim.
“Entendo.” Pigarreio. Não vou insistir nesse assunto porque sei que não
vou gostar do rumo dessa conversa. “Quer que eu te leve para o quarto?”
Savannah faz que sim. “Eu gostaria disso.”
Pego Savannah no colo, não deixando de notar como está mais pesada.
Meu filho está crescendo. Caramba!
Coloco-a deitada confortavelmente em cima da cama e tenho aquela
sensação de que está na hora de ir embora. Afinal, não tenho mais o que fazer
aqui. Além do mais, ficar sozinho com Savannah nunca é uma decisão
inteligente, na atual circunstância.
“Bom, se precisar de alguma coisa...”
“Você aceitaria numa boa se eu escolhesse ter algo com Cameron? Ou
com qualquer outro homem?”
Penso um momento no que e como responder, sem parecer possessivo e
egoísta. “Quero que você seja feliz, Sav. Se eu tiver que te ver com outro cara
pra isso, mesmo que me mate, então que seja.”
Ela assente, mas sua expressão me deixa saber o quanto está devastada.
“Você foi a melhor coisa que aconteceu comigo. Gostaria que soubesse disso
e... eu não me arrependo de nada.”
Meus olhos queimam, e eu engulo em seco duas vezes. “Você também
foi a melhor coisa que aconteceu comigo. Gostaria de ter te conhecido antes,
talvez você tivesse me ajudado.”
Ela franze o cenho. “O que isso significa?”
“Que agora é tarde para que eu seja salvo.” Forço um sorriso. “Boa
noite, Sav.”
E antes que ela possa me impedir, eu saio do seu quarto, da sua casa e da
sua vida.
26.
SAVANNAH
Dezembro
“Quase não acreditei quando Savannah ligou dizendo que vocês tinham
se reencontrado”, diz minha mãe, abraçando Cameron. Ele e sua mãe
passarão a ceia de Natal com a minha família.
“Eu mesmo quase não acreditei”, ele diz. “Foi o destino.”
Cam abre um sorriso bonito, que eu tento retribuir com a mesma
verdade, mas acho que não fui bem sucedida.
Estou um caco. Cansada demais, enorme demais e, mesmo que eu tente
não estar, triste demais. Faz mais de um mês que Zach e eu terminamos as
coisas oficialmente. Cameron e eu estamos tentando, mas... Deus! Não faço a
menor ideia do que diabos eu estou fazendo. A maior parte do tempo, estou
mais perdida do que qualquer outra coisa.
Não amo Cameron. Não sinto nada romântico por ele, mas a ideia da
figura masculina para o meu filho é o que me faz tentar. Eu o estou usando
descaradamente. Sou uma pessoa horrível.
Meu filho deve nascer no começo de março, e embora eu esteja ansiosa
para ver o seu rostinho, para começar a analisar se ele se parece comigo ou se
será loirinho como Zach, eu estou verdadeiramente apavorada. Esse semestre
tem sido difícil. Muito mais do que eu imaginava.
Por conta do cansaço, tenho me dedicado menos às aulas, à música e aos
projetos sociais, que antes eu tinha tanta disposição para organizar. Mal
consegui estudar para as provas devido às noites mal dormidas e, por favor,
nem me deixe começar a falar sobre todo o desgaste emocional dessa coisa
toda.
Estou acabada.
Por um lado, não vejo a hora do bebê nascer, para ter meu corpo de
volta, minha fácil mobilidade de volta e acabar de uma vez por todas com
essa coisa de repouso. Mas, por outro lado, não faço ideia do tipo de desafio
que me aguarda. Só sei que não será fácil, mas isso não quer dizer muita
coisa. A realidade é sempre muito diferente da teoria.
“Você está bem, criança?”, Dulce pergunta, me puxando para o canto
enquanto meus pais conversam com Cameron e Eloise, a mãe dele.
“Claro”, tento soar casual. “Estou ótima. Cansada, mas ótima.”
Dulce me olha com desconfiança. “Você é uma péssima mentirosa,
Savannah Elena Radcliff.”
Suspiro. Não sei nem porque me dou ao trabalho de tentar. “É, você já
me disse isso algumas vezes.”
“Querida, me perdoe se vou me intrometer, mas o que você está
fazendo?”
“Gostaria de saber também.”
“Cadê o Zach?”
“Foi passar o Natal com um amigo da faculdade.”
Fiquei sabendo por Eretria que Zach passaria o Natal com Nash e o pai
dele, no Michigan. Não entendi por que ele não quis ir para a Califórnia, já
que, esse ano, os meninos tiveram uma folga maior na temporada, que,
inclusive, eles estão levando bem, embora Derek tenha certas dúvidas se eles
vão chegar aos playoffs. Segundo eles, as outras equipes estão muito
melhores do que no ano passado.
“E como vocês dois estão?”, Dulce investiga.
“Estamos separados.”
“Ora, meu bem, mas por quê? Não sou nenhum guru do amor, mas era
tão óbvio que aquele rapaz te ama.”
Engraçado ele nunca ter me dito isso.
Escolho dar de ombros. Não quero ter de falar sobre isso, mesmo com
Dulce. Admitir, mais uma vez, que meu filho havia sido rejeitado, é demais.
“Vou ficar bem, Dulce.” Sorrio. “As coisas vão ficar bem.”
Segurando a minha mão com firmeza, Dulce me olha nos olhos.
“Savannah, há certas escolhas que não podemos desfazer. Pense se daqui a
dez anos, você vai estar feliz e tranquila com a decisão que está tomando
nesse momento.”
Assinto, forçando um sorriso.
Se pelo menos fosse eu quem pudesse fazer a escolha...
***
BABYFACE
SAVANNAH
SAVANNAH
BABYFACE
Fevereiro
SAVANNAH
***
Estou tremendo ainda, minhas mãos estão geladas e sinto uma dor, que
está começando a ficar insuportável, na região da virilha. Mas a minha cabeça
está tão longe que, na maior parte do tempo, me sinto entorpecida demais.
Zach foi atropelado.
Zach foi atropelado.
Zach foi atropelado.
Minha cabeça está rodando em torno dessas três palavras desde que
entrei na ambulância, a caminho do hospital. Me sinto enjoada, fraca,
exaurida e dolorida. Acho que totalmente em pânico resume bem o meu
estado.
“Sav, você deveria comer alguma coisa”, Soph diz, gentilmente. “Você
não pode ficar tanto tempo sem comer.”
“Não estou com fome.”
“Sav” Kyle se aproxima com cautela “você pegou a placa do carro?”
Fungo, secando os olhos. “Não preciso da placa. Eu reconheci o carro.
Foi o Cameron.”
“O quê?”, todos eles praticamente gritam.
“É uma longa história”, respondo, laconicamente.
Não quero ter que explicar que Cameron me bateu, que Zach bateu nele
e toda essa bagunça. Não tenho energia pra isso.
“Sav, você está pálida”, Eretria observa, preocupada. “Você realmente
precisa comer.”
Mas antes que eu possa dizer qualquer coisa, o médico que eu vi
levando Zach, entra na sala de espera. Eu me levanto na mesma hora e
caminho até ele.
“E então, doutor?”, eu pergunto, em pânico. “Ele está bem? Quão grave
é?”
O médico olha para mim e depois olha para todo o grupo, que também
espera ansiosamente por notícias. Quando ele fala, sua voz é sombria. “O
Zach está...”
“Não”, eu o interrompo, balançando a cabeça de um lado para o outro,
em estado de choque. “Não. Por favor! Por favor! Não me diga que ele está
morto! Por favor!”
Meus joelhos começam a ceder, mas alguém — Kyle, percebo — me
segura antes que eu caia no chão.
“Zach está vivo, mas por pouco”, o médico completa, rapidamente. “Ele
perdeu muito sangue e será necessária uma transfusão. A perna direita está
quebrada, algumas costelas fraturadas e ele teve traumatismo craniano.”
Choro, em desespero, cobrindo a boca com as mãos enquanto Kyle
ampara o meu corpo, que não tem qualquer força para se manter de pé.
“Zach tem um tipo sanguíneo raro, então estamos agora procurando um
doador.”
“Eu posso doar”, anuncia Nash. “Nós temos o mesmo tipo sanguíneo.
Descobri um dia desses, quando estávamos assistindo a um documentário na
televisão sobre isso. Zach é O negativo, certo?”
O médico faz que sim com a cabeça.
“Eu posso doar”, confirma Nash.
“Por favor, me acompanhe rapaz”, pede o médico. “Senhorita Radcliff,
trarei notícias em breve. Faremos todo o possível para salvar a vida de Zach.”
Nash para na minha frente e me puxa para um abraço inesperado. “Vou
trazer ele de volta, Sav. Aguenta firme!”
Faço que sim com a cabeça antes de Nash seguir o médico hospital
adentro. E assim que ele sai do meu campo de visão, eu desmorono, deixando
para Kyle a difícil tarefa de me segurar.
“Calma, Sav”, ele me tranquiliza.
“Ky, devíamos colocá-la sentada novamente. Você consegue carregá-
la?”, Eretria pergunta ao irmão.
“Consigo.”
Mas antes que Kyle tenha a chance de me erguer do chão, eu sinto...
Sabe aquela famigerada sensação de que a menstruação está descendo? Eu
sinto...
“Puta que pariu!”, exclama Sophie, arregalando os olhos.
É muito difícil que Sophie fale palavrão. Muito difícil mesmo. Portanto,
todos se assustam quando ela fala tão em alto e bom tom.
“Savannah, sua bolsa estourou”, ela anuncia.
“Puta merda!”, Eretria exclama.
Minha bolsa estourou? Mas não deveria. Isso não deveria acontecer.
Está cedo.
“Não pode ser! Está muito cedo!”, eu me desespero.
“Alguém nos ajude!”, Ryan grita, esperando chamar a atenção de
alguma enfermeira. “Ela está tendo o bebê!”
Imediatamente, duas enfermeiras se aproximam de mim, trazendo uma
cadeira de rodas. Eu me sento por impulso, mas a verdade é que não quero ir
a lugar nenhum. Como posso dar à luz ao meu filho agora? Sem saber como
Zach está? Sem ninguém ao meu lado?
O desespero me invade, inundando cada centímetro do meu corpo. Meus
pais não estão aqui, Dulce não está aqui, Zach está, mas ao mesmo tempo não
está aqui.
Meu filho não pode nascer assim. Ele não pode nascer agora.
“Não! Não pode ser a hora ainda! Não quero estar sozinha!”,
choramingo, desesperada.
Minhas amigas se entreolham, depois olham para os meninos, enquanto
as enfermeiras me alertam que precisam me levar.
“Eu vou com você”, diz Eretria, com firmeza. “Eu posso ir com ela, não
posso?”, minha amiga lança um olhar desafiador para a enfermeira, como se
fosse capaz de esganá-la se ela negar.
“Claro.”
Sophie segura a minha mão com força. “Vai dar tudo certo. Vou ficar de
olho no Babyface pra você. Vou virar esse hospital de cabeça pra baixo, se
for necessário. Vai tranquila, amiga.”
Uma parte do meu desespero se esvai. Sei, certo como a luz do sol, que
minha amiga cumprirá sua promessa.
“Obrigada.”
“Traz nosso moleque ao mundo, Sav”, diz Kyle, sorridente.
Sinto meus olhos se enchendo de lágrimas de novo — acho que, na
verdade, meus olhos não estiveram secos em nenhum momento na última
hora —, parte pelo desespero e parte pela emoção. Essas pessoas, presentes
agora na minha frente, se tornaram tão essenciais, tão maravilhosas, que eu
não consigo imaginar um melhor sistema de apoio do que esse.
Os acontecimentos seguintes são tão corridos que mal consigo registrá-
los. As enfermeiras me levam para uma sala, a doutora Akira — graças aos
céus — está de plantão no hospital e veio correndo ao meu encontro.
As contrações começam. Tempo depois, já estão mais fortes e com
intervalos menores. Eu grito a cada nova onda de dor e Eretria faz o seu
melhor para me acalmar, mas é inútil.
Que caralhos de dor é essa?
“Está muito cedo”, eu repito, exausta.
“Não está muito cedo. Um bebê pode nascer com trinta e sete semanas
que não é mais considerando prematuro”, a doutora Akira me explica. “Fica
tranquila, Savannah.”
Isso não me serve de consolo, no entanto.
“Liga para os meus pais”, peço à Eretria. “Diga para eles que preciso
deles aqui. Por favor, Tria. Eu...”
Eu grito quando a nova contração me atinge, forte e impiedosa.
“Eu vou ligar. Você quer falar com eles?”
Faço que sim com a cabeça.
Eretria pega o meu celular e faz a ligação. “Alô? Senhora Radcliff, é a
Eretria. Savannah está no hospital, a bolsa dela estourou.” Pausa. “Vou
colocar no viva-voz.”
Minha amiga coloca o celular perto de mim e a voz da minha mãe se faz
ouvir logo em seguida. “Savannah?”
“Mãe”, eu choro. “Mãe, o Zach foi atropelado.” Eu respiro fundo,
sentindo a dor à espreita.
“O quê?”
Choro mais ainda, tentando não gritar agora para não assustar minha
mãe.
“Foi... Cameron”, digo, sem fôlego. “Cameron o atropelou e agora eu
vou ter o meu filho e Zach não está aqui.”
“Savannah, só mais um pouco. A dilatação está quase perfeita”, a
doutora me avisa.
Além de Zach, a dor é o que domina todos os meus pensamentos. Eu
sabia que parto normal doía, mas não imaginava que era tanto assim. Sinto
como se não fosse capaz de sobreviver quando a contração chegar mais uma
vez.
“Savannah, ouça! Não vou conseguir estar com você nesse momento,
mas seu pai e eu vamos pegar o jatinho agora. Quando eu chegar aí, você já
será mãe, meu amor. Aguente firme. Eu te amo, Savannah. Te amo muito.”
Depois que minha mãe desliga, a dor dura pelo que pareceram horas,
mas o relógio me deixa saber que foram apenas quarenta minutos. Mas sinto
que estou no meu limite. Não aguento mais.
“Ei, olhe pra mim”, pede Eretria. “Você consegue fazer isso.”
“Estou tão cansada.”
“Eu sei, amiga. Mas daqui a pouco você vai segurar o seu bebê. O seu
filho. Um pedacinho seu e do Babyface. Vai valer a pena.”
Respiro fundo, confirmando com a cabeça.
“Savannah, está pronta?”, pergunta a doutora Akira.
Puxo o ar com força para dentro dos pulmões e faço que sim.
“Comece a empurrar.”
E eu obedeço. Uso toda a força que consigo para empurrar meu bebê.
“Ótimo! Mais uma vez!”
Tomo fôlego, e Eretria segura minha mão com força, me dando apoio.
Empurro de novo, sentindo meu corpo exaurido.
“Não consigo mais!”, eu choro, angustiada.
A dor é insana. Meu corpo está tremendo, eu não consigo parar de
chorar e minha concentração não está inteira aqui. Não consigo parar de
pensar em Zach e que ele pode estar morrendo nesse momento, em algum
lugar desse mesmo hospital.
“Savannah, estamos na reta final agora. Eu preciso que você empurre.”
Nego com a cabeça.
“Ela não pode ter um minuto para respirar?”, Eretria pergunta.
“Precisamos tirar o bebê antes que ele entre em sofrimento fetal”,
explica Akira. Sua voz é calma, doce, mas firme ao mesmo tempo. “Olhe
para mim, Savannah!” E eu olho, exausta. “Você consegue fazer isso!”
Eretria segura minha mão ainda mais forte. “Você consegue!”, incentiva.
“Pense em coisas boas. Pense no dia que nos conhecemos, no dia em que
conheceu Zach, nos momentos felizes com a sua família, nos nossos
momentos felizes na Bassett House. Se concentre e se apegue nisso, Sav!
Você consegue fazer isso!”
Ofegante, eu tento puxar o máximo de ar para dentro dos pulmões e
então empurro, ao mesmo tempo em que grito de dor.
Faço o que Eretria disse e me concentro em todos os momentos felizes
que consigo me lembrar. Tanto com a minha família quanto com Zach, ela e
Sophie. Me lembro da primeira vez que fui assistir a um jogo de basquete,
lembro da sensação, da adrenalina. Lembro de Zach, correndo pela quadra
como se fosse um raio, e, nossa!, como ele é sexy quando está jogando.
Empurro de novo.
“Eu estou vendo a cabecinha dele”, anuncia a doutora Akira. “Só mais
um pouco, Savannah!”
Eu choro. Não aguento mais. Estou exausta, suada e com tanta dor que
me deixa zonza.
“Ei, ei, olhe pra mim!”, Eretria pede, gentilmente. “Estamos quase lá,
amiga.” Percebo que os olhos verdes dela estão brilhando com lágrimas. “Só
mais um pouquinho e vai acabar a dor, eu prometo.”
“Vamos, Savannah!”, incentiva a médica.
Zach, eu chamo mentalmente, como se ele pudesse realmente me ouvir.
Por favor.
Seco as lágrimas dos olhos, respiro fundo algumas vezes e então
empurro de novo. O grito vem do fundo da minha garganta, agoniado e
dolorido, mas então tudo para quando eu escuto o choro: estridente e forte.
Não achei que era possível chorar ainda mais, mas cá estou eu, me
debulhando em lágrimas, enxergando tudo embaçado, sem conseguir parar de
soluçar.
“Você conseguiu!” Eretria segura meu rosto entre as suas mãos.
Percebo, com dificuldade, que ela também está chorando. “Você conseguiu,
Sav!”
“Eu consegui”, sussurro, exausta.
Zach! Zach! Eu consegui!
Em segundos, uma enfermeira aparece do meu lado, segurando meu
bebê enrolado em uma toalha branca. Meu filho. Ele ainda chora, e quando é
colocado nos meus braços, eu choro mais. Mas me obrigo a afastar as
lágrimas para poder enxergar todos os seus mínimos detalhes com a clareza
que lhe é digna.
Embora ele tenha pouco cabelo, é o suficiente para me deixar saber que
meu filho é loiro, exatamente como o pai dele. O nariz e a boca são meus,
com certeza. Ou talvez não. Mas quem se importa? Ele é perfeito.
Ele é tão pequeno. Tão indefeso e tão pequeno. Mas é meu. Inteiro e
totalmente meu.
A exaustão dá lugar a um sentimento maravilhoso de certeza, de
felicidade, de preenchimento. Como pude duvidar se o teria ou não? Como
pude pensar em não o ter? Nunca houve no mundo tamanha perfeição.
Seguro uma de suas mãozinhas minúsculas, e ele a fecha em torno do
meu dedo. Percebo, emocionada, o quanto ele é forte, o quanto se agarra ao
meu dedo com firmeza. Mas, não deveria esperar outra coisa, afinal de
contas, ele me dava muitos chutes fortes enquanto estava na minha barriga.
“Sav, ele é lindo”, diz Eretria, emocionada.
“Ele é perfeito.” Eu beijo sua testinha.
Eretria e eu ficamos alguns minutos em silêncio, completamente
encantadas pelo meu filho.
“Parabéns, Savannah! Você tem um garoto forte e sadio.”
“Obrigada. Muito obrigada, doutora.”
“Você decidiu um nome?”, Eretria me pergunta.
Faço que não com a cabeça. “Preciso falar com Zach. Precisamos
decidir juntos.” Eu fungo. “Eu posso vê-lo?”
“Descanse um pouco. Depois, vamos providenciar para que você seja
levada a ele”, orienta a médica. “Uma enfermeira deve chegar nos próximos
minutos para lhe ajudar com a amamentação.”
Assinto novamente.
“Você foi magnífica!” Eretria me abraça apertado, mas tomando cuidado
para não apertar o meu filho. “Tudo vai ficar bem, você vai ver.”
“Zach. Eu preciso saber como ele está. Não vou conseguir descansar até
saber como ele está, Tria.”
Ela concorda com a cabeça. “Faremos o seguinte... Eu vou até a sala de
espera para avisar que o bebê nasceu e vocês dois estão bem. Depois, vou
garantir que haja alguma atualização no caso do Zach, tá legal?”
Faço que sim com a cabeça. “Fica tranquila, amiga.” Eretria me dá um
beijo na testa. “Eu volto já.”
***
Sozinha, com o meu filho nos braços, a ficha começa a cair. Não só de
que meu filho nasceu, mas também do acidente e, principalmente, de como e
por que esse acidente aconteceu. Foi tudo muito rápido, mas eu tenho certeza
do que eu vi. Era o carro de Cameron. Eu estava mesmo achando esquisito
que ele simplesmente tivesse desaparecido, mas nunca, nunca achei que ele
seria capaz de fazer uma coisa assim.
Quem é esse cara? Como Cameron se transformou nisso?
Parece uma loucura completa. O Cameron do qual eu me lembro era
doce, divertido, gentil e protetor. Quando as crianças zombavam de mim, me
chamando de “mudinha” — porque eu quase nunca falava em público por
conta da timidez — ou implicavam comigo de qualquer outro jeito, era
Cameron quem me defendia. Não consigo entender. O que pode ter
acontecido com ele em Washington para que ele se transformasse nisso? Um
homem agressivo, mentiroso, manipulador e... assassino? Afinal de contas,
ele tentou me matar, e talvez teria conseguido — não só a mim, mas meu
filho também — se Zach não tivesse me empurrado para o lado.
Zach salvou minha vida.
Zach, nós nem ao menos temos um nome. Por favor. Eu preciso de você.
E eu repito essa frase inúmeras vezes na minha mente, tentando projetá-
las para além do meu corpo e pensamento, rezando para que ele sinta as
vibrações e decida não me abandonar definitivamente.
Você precisa conhecer o seu filho. Ele é exatamente como você.
Não sei por quanto tempo eu fiquei mentalizando isso, implorando
silenciosamente para que ele me ouvisse, para que ele ficasse bem, para que
ele acordasse. E não faço ideia de quantos minutos, quantas horas ou quantos
dias se passaram.
Parecia ser uma vida inteira.
Pedi que minhas amigas me deixassem sozinhas, dando a desculpa de
que pediria um calmante a enfermeira e tentaria dormir. Mas, sinceramente,
se uma mulher conseguisse dormir diante da situação que eu estou vivendo,
eu daria um prêmio de fé e autocontrole para ela. Duas coisas das quais eu
estou bem longe de sentir no momento.
Estou exausta. Não, perdão, estou exaurida, completamente sem forças e
energia para falar, pensar ou me mover. Até piscar parece exigir demais do
meu corpo, mas não consigo dormir nem que minha vida dependesse disso.
Estou apenas existindo, deitada em uma cama de hospital enquanto meu filho
dorme calmamente no meu colo, mas meu namorado luta pela vida em algum
outro lugar desse hospital.
Sinto uma nova onda de angústia tomando conta de mim, mas antes que
eu tenha a chance de chafurdar completamente na minha tristeza, ouço uma
batida suave na porta do quarto. Talvez seja Eretria ou Sophie querendo
checar se eu estou bem. Ou talvez algum dos meninos.
Tenho vontade de não responder, e quem sabe assim, a pessoa desista e
vá embora, mas não quero dar mais razões para os meus amigos se
preocuparem, portanto, respondo um “Entra” o mais alto que as minhas
poucas forças me permite.
Uma garota loira e de olhos azuis — que não é Sophie — entra no
quarto. Percebo rapidamente que ela também não é médica ou enfermeira,
pois não usa nenhum jaleco ou uniforme. Aparenta ser só um pouco mais
nova do que eu e é uma completa estranha.
“Oi... ahn... Quem é você?”, pergunto, tentando não soar rude.
“Meu nome é Kait Bradley”, ela se apresenta. “Sou a irmã do Zach.”
32.
SAVANNAH
“Kait!”
Ela se aproxima de mim e me abraça. Nós duas nunca nos vimos,
também nunca conversamos, mas sinto um alívio inexplicável ao vê-la.
“O que aconteceu? Eu... eu estava vindo para a Carolina do Norte para
surpreender Zach quando recebi uma mensagem do Friends, dizendo que o
Zach foi atropelado. Vim o mais rápido que eu pude.”
Ela se senta na cadeira disposta ao lado da minha cama.
“Eu não sei.” Tento não começar a chorar de novo. “Nós estávamos
atravessando a rua e um carro surgiu da nada. Zach me empurrou para o lado
e foi atropelado no meu lugar.”
Escolho não contar a ela sobre Cameron ser o responsável por tudo isso.
Não fará bem algum e, sinceramente, é muito para processar. Talvez seja
egoísmo da minha parte não contar toda a verdade à Kait, mas não quero
correr o risco que ela me odeie ou me culpe por isso, quando mal começamos
a nossa relação.
“Deus!” Kait fecha os olhos por um momento. Massageando as
têmporas, ela parece subitamente pensativa, como se quisesse me dizer
alguma coisa, mas não soubesse se deveria. “Tem uma coisa que você precisa
saber.”
Eu me ajeito na cama, olhando-a com expectativa e certa apreensão.
Kait parece séria, então imagino que, o que quer que seja que ela quer me
contar, não é algo fácil ou bom. É isso. Não é algo bom.
“Zach me contou que você estava grávida, mas que vocês dois estavam
separados. Não precisei fazer muitas perguntas para entender o que está
acontecendo.”
Franzo o cenho. “Do que você tá falando?”
Kait toma fôlego. “Zach e eu tínhamos um irmão mais novo. Noah. Ele
morreu quando tinha três anos.”
Levo uma das mãos à boca, chocada. “Meu Deus!”
Ela empertiga a postura, tensa, mas continua: “Um dia, meus pais
estavam discutindo por algo que nem consigo me lembrar. Discussões eram...
Bom, são ainda, algo corriqueiro na nossa casa. Minha mãe pediu que Zach
levasse Noah e eu ao parque, assim nós não veríamos mais uma briga. Zach
tinha nove anos, eu tinha seis e Noah três. Em um momento, nós estávamos
brincando e rindo; e no outro, Zach estava gritando porque Noah... Ele foi
atropelado por um caminhão.” A voz de Kait começa a trepidar, mas ela se
esforça para continuar firme. “Zach se distraiu por um segundo e não viu
quando Noah atravessou a rua para pegar uma bola. Um segundo, Savannah.”
Mesmo que eu não estivesse ridiculamente emotiva nos últimos meses;
mesmo que Zach não tivesse sofrido um acidente, eu teria chorado ao ouvir
isso. Exatamente como estou chorando agora.
“Quando a ambulância chegou, Noah já estava morto. Não houve nada
que pudesse ser feito.” Ela limpa rapidamente uma lágrima que ameaça cair.
Zach nunca mencionara um terceiro irmão. Para falar a verdade, ele mal
falava de Kait. Eu só sei sobre a existência dela porque vi uma mensagem no
celular de Zach, onde ela o chamava de “irmão”. Pergunto-me se Zach teria
me contado sobre ela se eu não tivesse visto essa mensagem.
Por que ele não fala sobre a família? Será que é pelo que aconteceu com
Noah?
“Naquela noite, meu pai bateu em Zach tão forte que ele quase morreu
também. Zach chegou ao hospital com o nariz quebrado, as costelas
fraturadas e mais hematomas no corpo do que eu poderia contar. Meus pais o
culparam pelo que aconteceu com o Noah, mas não foi culpa do Zach. Nós
éramos crianças. Ele nem ao menos deveria estar tomando conta de nós.”
Kait afasta as lágrimas que escorrem pelas suas bochechas. “Meu pai
continua batendo nele, sabe. É por isso que Zach nunca vai para casa e é por
isso que ele acha que não vai ser um bom pai.”
Choro mais ainda.
Algumas coisas finalmente começam a fazer sentido na minha cabeça. A
primeira coisa que me vem à mente são os hematomas no rosto de Zach
quando ele chegou à Flórida, logo depois de passar pouco mais de duas
semanas na casa dos pais, durante as férias. Aquilo não foi uma maldita briga
de bar, como ele me disse. Aquilo foi o seu pai o agredindo.
Meu estômago revira.
Lembro da conversa que Zach e eu tivemos na cozinha, quando ele disse
que havia coisas que ele tinha feito que não poderia me explicar. Só pode ser
isso. Ele se culpa pela morte do irmão caçula.
“Ele não acha que é capaz de cuidar de alguém porque ele não
conseguiu cuidar do Noah. Porque meus pais o fizeram acreditar que foi
culpa dele. Sei que ele está apavorado, Savannah, principalmente porque o
bebê de vocês é um menino... exatamente como Noah.”
“Deus!” Eu limpo as lágrimas e tento falar por cima do nó gigantesco
que se formou na minha garganta. “Eu sabia que ele estava escondendo
alguma coisa, mas eu nunca, nunca iria imaginar que seria algo assim. Por
que ele não me disse, Kait? Eu teria entendido.”
Kait dá de ombros, também secando as lágrimas. “Não sei. Eu te contei
isso porque sei que Zach nunca teria conseguido contar.” Ela funga. “Eu vi
meu pai espancá-lo muitas vezes, Savannah. Muitas. O vi perto da morte
mais vezes do que consigo aguentar. E a cada soco e chute que meu pai dava
em Zach, ele enfatizava o quanto o meu irmão não era suficiente. Meu pai o
destruiu por dentro.” Kait morde o lábio inferior, tentando conter uma nova
onda de choro. “Não posso perdê-lo. Ele é a única família real que me
restou.”
Penso em dizer que não vamos perdê-lo, mas a verdade é que não tenho
novas notícias que embasem isso. É óbvio que eu quero que Zach fique bem.
Eu preciso que ele fique bem. Mas garantir isso a Kait agora, depois do que
ela me disse... Fico com medo de dar esperanças. Estou com medo até de
respirar.
“Quer conhecer o seu sobrinho?”, pergunto, a voz embargada e quase
ininteligível.
Kait levanta os olhos para mim e faz que sim com a cabeça.
Eu estendo meu filho para ela, que o pega com cuidado e delicadeza. Os
olhos azuis dela brilham e não é só pelas lágrimas, é também pela admiração.
“Ah, meu Deus! Ele é igual ao Zach!”, ela sussurra para não o acordar.
“Ele é lindo demais, Savannah. Vocês escolheram um nome?”
Faço que não com a cabeça. “Não tivemos tempo.”
Kait se senta novamente na cadeira e nana o meu filho, que permanece
dormindo tranquilamente, como se nada ruim estivesse acontecendo; como se
não houvesse nada com o que seja necessário se preocupar. Por uma fração
de segundos, eu o invejo por sua paz.
Uma batida leve na porta se faz ouvir e Nash entra logo em seguida.
Espero para ver Eretria também, mas então percebo que ele está sozinho.
Meus olhos automaticamente se fixam no curativo em seu braço.
“Nash!”
Ele abre um sorriso. “Me liberaram agora. Eu quis passar aqui para te
ver antes de voltar para a sala de espera. Como você tá?”
“Cansada, mas bem. Você conhece a Kait? Ela é irmã do Zach.”
Nash olha para Kait, mas é no bebê que seus olhos cinzentos se
concentram. “Caramba!” Ele se aproxima e ajoelha ao lado da cadeira onde
Kait está sentada. “Nossa, ele é tão pequeno! Ah, oi, Kait! Prazer em
conhecer você.”
“Prazer te conhecer também.” Ela sorri. “Quer segurá-lo?”
Nash arregala os olhos. “Sério? Posso mesmo?”
Ele olha para mim, buscando aprovação, que eu concedo.
Kait passa o bebê para os braços de Nash, que o segura como tanto
cuidado que me faz sorrir. Tenho certeza de que esse menininho vai ter os
melhores tios do mundo.
“Caramba, Sav! Nossa! Você é uma mãe agora.”
“Pois é.” Sorrio. “Você viu o Zach? Você sabe como ele está?”
“Eu não o vi”, Nash lamenta. “Mas sei onde ele está.”
“Pode me levar lá?”
Nash faz que sim com a cabeça, entregando meu filho de volta para
Kait.
“Você pode ficar aqui com ele, por favor?”, pergunto a ela.
“Claro. Traga-me boas notícias, Savannah. Por favor.”
Faço que sim com a cabeça.
Nash arruma uma cadeira de rodas para mim e me guia pelos corredores
até o quarto de Zach. E quando eu coloco meus olhos nele, choro mais uma
vez. A perna quebrada de Zach está engessada e elevada; há vários
hematomas espalhados em sua pele, escoriações no rosto e uma atadura na
cabeça, cobrindo o machucado que sangrava antes.
“Tem certeza de que você quer ficar aqui, Sav?”, Nash me pergunta.
“Talvez seja demais para uma noite só.”
“Preciso de um minuto sozinha com ele, por favor.”
Nash assente. “Eu vou estar do lado de fora, tá legal?”
Quando fico sozinha com Zach, me desfaço em lágrimas. A bolsa de
sangue — sangue do Nash — está pendurada e ligada ao braço de Zach e o
barulho dos equipamentos inundam o quarto, tornando tudo ainda mais real.
Limpo as lágrimas, fungo algumas vezes, tentando me recompor, e
seguro a mão de Zach entre as minhas.
“Zach, sou eu”, começo, baixinho. “Nosso filho nasceu, sabia? E ele é
tão lindo. É igual a você.” Fungo de novo. “Nós dois precisamos de você,
então não ouse nos deixar agora, entendeu? Eu tenho um plano. Ouça: você
vai abrir os olhos, vai conhecer o seu filho e se apaixonar por ele, porque é
impossível não se apaixonar por ele e... e... e depois você e eu vamos ficar
juntos. Já chega desse negócio de ‘vamos ficar juntos no final’. Nós fazemos
o nosso final, e eu estou lhe dizendo que não quero passar mais um dia sem
você comigo. Então, não ouse me deixar agora.”
Levo a mão dele até o rosto, desesperada por qualquer tipo de contato
com ele.
“Ele ainda não tem um nome, Zach”, choramingo. “Deveríamos decidir
isso juntos. Não posso fazer isso sem você.”
Deito minha cabeça na beiradinha da cama de Zach e fico ali. Dias
poderiam ter se passado, pois não faço ideia de quanto tempo permaneci
nessa posição. Na verdade, acho até que acabei dormindo, segurando a mão
dele, enquanto chorava e implorava para que Deus não o levasse. Depois de
tudo o que aconteceu, depois do que Zach passou, ele merece ser feliz
comigo e com o nosso filho. E eu o farei feliz. É a promessa que fiz a Deus.
Se Ele permitir que Zach fique, então eu o farei feliz como ele nunca foi. Eu
o amarei como a família dele não soube amá-lo e curarei toda e qualquer
ferida que ainda esteja aberta em seu coração.
Não sei quanto tempo passa, mas tenho a impressão de que foram
algumas horas. Kait aparece no quarto de Zach, trazendo o bebê consigo, pois
ele precisava mamar de novo. E então, eu e meu filho ficamos ali, esperando
que Zach acorde para conhecê-lo. Praticamente me mudei para o quarto dele.
Não quero deixá-lo sozinho nem por um minuto, pois quero estar aqui
quando ele acordar. Quero que Zach saiba que eu sei de tudo, que eu entendo
e que vamos ficar bem.
Coloco meu filho em uma caminha de bebê emprestada pelo hospital.
Agora, ele está alimentado e dormindo de novo, então eu volto a me sentar na
cadeira ao lado de Zach.
Estou exausta, emocional e fisicamente. Só quero que tudo isso acabe,
para que eu possa pegar o meu filho e meu namorado e ir para casa.
Estou debruçada novamente sobre a cama de Zach, descansando meus
olhos, quando sinto uma mão adentrando meus cabelos. Levanto a cabeça
depressa, encontrando os olhos confusos de Zach, que piscam lentamente,
como se ele tentasse recobrar completamente a consciência.
“Zach?” Eu me levanto da cadeira em um só impulso e me aproximo
mais da cama. “Zach! Consegue me ouvir? Está me ouvindo?”
Ele solta um gemido de dor. “Sim.”
“Ah, meu Deus!” Seguro o seu rosto entre as minhas mãos, com
cuidado. “Eu achei que iria perder você. Eu achei que... Não importa. Não
importa.”
Zach fecha os olhos por um instante, visivelmente confuso.
“Eu vou chamar um médico”, digo.
“Não.” Ele segura minha mão. “Agora não. Chega mais perto. Eu
quero... ver você.”
Eu me aproximo mais. Percebo que Zach reúne todas as forças que tem
para levantar a mão e tocar o meu rosto. “Você tá bem?”, ele quer saber. Sua
voz está baixa, fraca e cansada. “Você se... se machucou?”
Faço que não com a cabeça. “Eu estou bem. Você me salvou!”
Ele umedece os lábios. “Que bom.”
“O que você tinha na cabeça? Você poderia ter morrido!”
Ele abre um pequeno sorriso. “Só você... para brigar comigo... em uma
cama... de hospital... por salvar sua vida.”
Não sei por que — pois não tem a menor graça —, mas eu começo a rir.
Eu devo realmente estar louca.
Zach continua sorrindo. “Eu...” Ele umedece os lábios de novo “...
escolheria você... todas as vezes. Você é meu raio de sol. Entre você e eu... eu
sempre vou escolher você.”
Meus lábios começam a tremer e, sem pensar, eu me debruço sobre o
seu corpo e o beijo. Posso estar louca, mas ainda tenho consciência do seu
estado físico, então o beijo com cautela, mas com o mesmo amor, desejo e
carinho de sempre.
“Kait está aqui”, conto.
“Kait?”
Faço que sim com a cabeça. Depois, tomo fôlego para iniciar o que pode
ser a conversa mais difícil de nossas vidas. “Ela me contou sobre o Noah.”
A mudança na expressão de Zach é nítida. O sofrimento, a vergonha, a
culpa... Tudo está estampado no rosto dele como nunca esteve.
“Ela me contou sobre o acidente, sobre... o que o seu pai fez com você.
O que ele continua fazendo, na verdade. E agora eu entendo. Eu finalmente
consigo entender o porquê de tudo isso. Mas, Zach, não foi culpa sua.”
Seus olhos azuis enchem de lágrimas. “Eu me distraí”, ele diz, a voz
quase totalmente embargada. “Eu me distraí por um instante e... e de
repente...” Zach balança a cabeça. “Eu ainda ouço o som da última respiração
dele, Savannah. Ele morreu nos meus braços e... eu não pude fazer nada. Não
pude salvá-lo.”
Nós dois choramos juntos. Não consigo imaginar o tipo de dor que Zach
sentiu; que ainda sente. E isso sem contar a culpa que ele provavelmente já
sentia antes mesmo de seus pais a enraizarem em seu coração.
“Me ouça”, peço, com firmeza. “Não foi culpa sua. Você era uma
criança. Todos vocês. Seus pais não deveriam tê-lo deixado responsável por
ninguém. Você era uma criança. Seus pais são culpados, não você. Kait não
culpa você, e eu tenho absoluta certeza de que Noah também não.”
“Ele teria quinze anos agora”, Zach balbucia. “Ele tinha uma vida inteira
pela frente. Ele... ele só tinha três anos. Três aninhos, Savannah.”
“Eu sei, amor”, choramingo.
Zach seca as próprias lágrimas, com dificuldade.
“Por que você não me contou?”, pergunto, com gentileza. “Você achou
que eu não entenderia?”
“Fiquei com medo de que você não me olharia mais do mesmo jeito; que
você me olharia como meus pais me olham. Meu pai... Ele quase me matou
no dia em que Noah morreu. Eu acho que ele só não me matou depois disso
porque precisava de alguém para descontar a sua raiva.” Zach umedece os
lábios de novo. “Eu não... não quero ser como ele.”
Eu o beijo. “Você não será. Você não é.” Eu o beijo de novo. “Você é
gentil, é altruísta, é nobre e bom. Você é bom, Zach. E você será um pai
incrível para o nosso filho. E eu tenho certeza de que você cuidará dele tão
bem quanto cuidou de mim todo esse tempo. Você se atirou na frente de um
carro para me salvar, pelo amor de Deus! Eu não tenho um pingo de dúvida
de que você moverá montanhas pelo seu filho, se for necessário.” Eu o beijo
mais uma vez. “E ele vai olhar pra você como se você fosse o super-herói
particular dele. E ele vai te amar, exatamente como eu te amo. Como eu
sempre te amei.”
Zach me beija, mas não consegue manter seus lábios nos meus porque
ele chora como eu nunca o vi chorar antes. É um choro dolorido, como se o
peso em seus ombros estivesse finalmente sumindo; como se ele pudesse
respirar aliviado pela primeira vez em anos. Como se finalmente entendesse
que ele não teve culpa de nada e que a irresponsabilidade é toda de seus pais,
não dele. Deus! Ele era só uma criança.
“Eu amo você”, ele diz, a voz tão embargada que as palavras mal
deixam os seus lábios. “Eu amo você, raio de sol.”
O apelido.
Eu nunca tinha entendido exatamente o porquê de ele me chamar de
“raio de sol”, mas agora parece fazer sentido. Eu sou a fonte de luz da vida
dele.
Deus.
Não consigo nem começar a entender o quanto isso significa para ele.
“Tem alguém que você precisa conhecer”, eu murmuro. E Zach olha
para mim, confuso. “Nosso filho nasceu enquanto você estava desacordado.”
Os olhos de Zach vão automaticamente para a minha barriga. Ela está
menor agora, mas ainda estou inchada e enorme perto do que costumava ser.
“Ah, meu Deus! Como isso aconteceu? Ele está bem?”
Pego nosso filho no colo e caminho de volta para perto da cama de
Zach. “Por que você mesmo não se certifica disso? Consegue segurá-lo?”
Zach faz que sim com a cabeça, e eu coloco o bebê nos braços dele.
Vejo quando meu namorado comprime os lábios, tentando não chorar mais
ainda enquanto olha para o filho, que é uma cópia perfeita de si mesmo.
“Ele se parece comigo”, Zach constata.
Eu rio. “É. Parece mesmo.”
Zach respira fundo, emocionado. “Ele é... é perfeito.”
“Eu pensei que nós poderíamos chamá-lo de Noah, se você concordar.”
Zach faz que sim com a cabeça. “Noah Bradley”, ele sussurra,
emocionado, segurando uma das mãozinhas do filho. “Obrigado, Savannah.”
“Pelo quê?”
“Por não desistir de mim.”
Sorrio, emocionada. “Vale a pena lutar por você.”
Zach sorri de volta pra mim.
Noah solta um barulhinho, indicando que está prestes a acordar. E
quando os olhinhos azuis do nosso filho se abrem, Zach os encara e o seu
sorriso aumenta.
“Oi, Noah.” Os olhos do meu namorado brilham enquanto ele fala com
o filho. “Papai tá aqui.”
33.
BABYFACE
SAVANNAH
Abril
***
Aproveitei cada segundo de sono que foi possível, mas imagino que meu
filho deva estar sentindo fome, então forço meu corpo a levantar da cama e
vou até a cozinha no andar de baixo.
Zach não voltou para a cama depois que saiu com Noah do quarto e não
faço a menor ideia de onde ele pode estar, mas meu namorado deve ter feito
alguma mágica, pois não escuto nem sinal de um resmungo de Noah.
“Bom dia”, cumprimento Brianna, que está sentada na ilha da cozinha.
Bree se mudou na semana passada e tem sido ótimo ter mais uma pessoa
para ajudar com Noah. Meus pais também ficaram aqui durante a primeira
semana — logo depois que eu e Noah recebemos alta do hospital — para me
ensinar como trocar fralda, como fazer o bebê arrotar depois de mamar, qual
a forma mais confortável se segurá-lo e todas essas coisas. Meu pai prometeu
mandar Dulce para me ajudar em breve, mas eu acho que estou me virando
muito bem com a minha equipe de apoio.
“Bom dia”, cumprimenta Bree, enfiando uma colher de cereal com leite
na boca.
“Onde está todo mundo?”, pergunto, começando a estranhar o silêncio
da casa.
“Soph foi trabalhar; Eretria foi encontrar o The Green, mas já deve estar
voltando, e Zach está na piscina com o Noah.”
Engasgo com a água que estava bebendo.
“Ele está na piscina?”
Nem espero Brianna terminar de falar e corro para a área da piscina.
Zach está maluco? Eu sei que ele usa a piscina para a fisioterapia da perna —
que, graças a Deus, está quase cem por cento —, mas como ele pode pensar
em levar o bebê para a piscina? Como que ele... E meus pensamentos se
acalmam quando vejo Zach dentro da piscina, com Noah no colo, brincando
com uns patinhos de borracha, como se estivesse em uma banheira gigante.
O dia está excepcionalmente quente hoje. A temperatura começou a
subir, mas nada realmente relevante que justifique um banho de piscina —
com exceção de hoje.
Fico parada por alguns minutos, com Zach alheio à minha presença, e os
observo brincando. Meu namorado balança o patinho na frente do nosso filho
e Noah ergue as mãozinhas para tentar alcançar o brinquedo. E acho ainda
mais fofo quando me dou conta que Zach colocou um chapeuzinho de sol na
cabeça de Noah.
Me aproximo da piscina, sorrindo feito uma idiota. “O que os senhores
estão aprontando?”
Zach vira na minha direção e abre um sorriso. “Noah e eu fizemos novos
amigos.”
Comprimo os lábios para não rir e me sento na beirada da piscina. “Ah,
é mesmo?”
“Ele está muito interessado na Sra. Pata Roxa.”
“Entendo.”
Não consigo parar de sorrir. Acho que nunca vou parar de sorrir.
“Você conseguiu descansar?”, Zach quer saber.
“Consegui. Obrigada. Mas você deve estar exausto.”
Ele dá de ombros. “Foi divertido. Para falar a verdade, eu nem vi a hora
passar. Ah! Olha isso.”
Zach segura o nosso filho por baixo dos bracinhos e deixa os pezinhos
dele encostarem na água. Noah solta um gritinho e balança as mãozinhas no
ar, muito empolgado.
Dou risada.
“Ele adora!”
“Eu estou vendo. Mas parece que você está se divertindo muito mais
com tudo isso.”
“É irado! Nunca achei que me sentiria desse jeito. Tão feliz, tão...
completo, eu acho.”
Eu abro a boca para poder dizer o quanto eu estou feliz de estarmos
aqui, juntos, como uma família, mas a voz de Eretria gritando meu nome, me
impede.
“Savannah!”
Quando eu olho para a feição assustada da minha amiga, me levanto
rapidamente da beira da piscina e a encaro, apreensiva. “O que aconteceu?”
Eretria toma fôlego. “Eu estava em uma reunião do The Green e um
garoto chamado Silas, que faltou nas últimas reuniões, deu a justificativa de
que um amigo dele de república tinha morrido e... enfim, o ponto é que o
amigo de república dele era o Cameron.”
Arregalo os olhos. “O quê?”
De soslaio, vejo que Zach caminha até a parte com degraus da piscina
para poder sair da água.
“Cameron está morto?”, Zach pergunta, parando do meu lado. “Como
assim? O que aconteceu?”
Eretria coloca as mãos no joelho, ofegante. Pelo estado em que ela está,
eu não me surpreenderia se ela dissesse que veio correndo de Durham até
aqui.
“Parece que... que ele estava bêbado na noite em que te atropelou. Pelo
que Silas contou, Cameron perdeu o controle do carro e bateu em um muro.
Ele estava em coma no hospital desde então. Parece que estava entre a vida e
morte, mas acabou falecendo ontem à noite.”
Faz quase um mês e meio desde a noite do acidente. Eu estava mesmo
estranhando a falta de notícias de Cameron e, para ser sincera, estava com
medo de que ele fizesse outra besteira como, por exemplo, tentar me matar de
novo. No entanto, não esperava isso. Com toda a certeza eu não esperava
isso.
“Deus!” Eu passo a mão pela testa, chocada. “Eu... eu quis matá-lo
depois do que ele fez com você, amor, mas eu nunca... eu não... eu não queria
que isso acontecesse.”
Zach segura Noah com um braço e me abraça com o outro. “É claro que
não, linda. Não pense nisso.”
“Onde ele está?”, pergunto.
“Eu não sei, mas, pela lógica, talvez mandem o corpo dele para a
Flórida, para ser enterrado perto de onde a mãe dele mora”, supõe Eretria.
Assinto. “Faz sentido. Eu preciso falar com os meus pais. Você
consegue ficar com o Noah mais um pouquinho?”
Zach faz que sim com a cabeça.
E eu disparo para dentro de casa.
BABYFACE
SAVANNAH
BABYFACE
SAVANNAH
Com amor,
Fernanda Freitas
AGRADECIMENTOS
Sempre começo meus agradecimentos citando Deus e agradecendo a Ele
pela oportunidade de poder estar aqui, contando histórias que inspiram,
alegram e divertem as pessoas.
Segundo, agradeço minha família, não só pelo apoio, mas por vibrarem
comigo a cada livro vendido, a cada resenha positiva, a cada crítica
construtiva e a cada degrau alcançado nessa minha jornada. Vocês são e
sempre serão a base de tudo pra mim. Obrigada!
Agradeço à Thais Cortez e à Niclécia Fonseca, por me tirarem todas as
dúvidas sobre questões de saúde e gravidez. Tudo que é falado sobre esse
assunto neste livro, foi graças a essas duas. Então, meu muito obrigada de
coração!
E, claro, não poderia faltar o meu super agradecimento à Maria Isabel,
Nathaxa Santos, Beatriz Matias, Ana Imthon e Thais Cortez (novamente),
que estão comigo desde o início, que surtam a cada livro; que me motivam a
continuar escrevendo e que lutam e defendem os casais com unhas e dentes.
Já falei várias vezes o quanto vocês são perfeitas, então... Eu amo vocês!
Agradeço também às meninas do grupo “As meninas da Duke”, criado
com e para as leitoras dessa série. Estou cada dia mais apaixonada por essa
interação com vocês. Estar perto das minhas leitoras é algo tão maravilhoso e
tão surreal ao mesmo tempo. Mas, agradeço vocês por me manterem
motivada e feliz com o que eu faço.
Agradeço a todos os leitores, que chegaram até aqui e riram, choraram,
se apaixonaram e sentiram raiva de um personagem ou outro (risos). Tudo é
feito com muito amor, é o que eu sempre digo.
Agradeço a Toddy Cleiton, meu filho de quatro patas e companheiro de
madrugadas. E ao meu namorado, Matheus Pedroso, que comemora comigo
cada conquista e cada novo leitor. Amo vocês!
Foto da capa: Designed by Svetlanasokolova - Freepik.com
E, como sempre, minha amiga maravilhosa, Halexa Helen, responsável
pela diagramação dessa capa linda.