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Copyright © 2024 Bruna Eloísa

Design de Capa: Gialui Design


Diagramação: Bruna Eloísa
Revisão: Natasha Baptista
Betagem: Ana Julia Gomes, Ana Laura Maniá, Camilly Durans, Duda
Mota, Gabriela Bortolotto, Gi Montuori, Jennifer Schenfeld, Júlia Lopes,
Larissa Lago, Lívia Barbosa, Mariana Pinho, Nathália Hávilla, Polyana
Roque, Tan Wenjun e Vitória Maraísa
Leitura Sensível: Maria Clara Ronda e Mariane Bueno
Ilustração: @olhosdtinta

Esta é uma obra literária de ficção. Todos os personagens, estabelecimentos


e acontecimentos retratados são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com pessoas e acontecimentos reais é mera
coincidência. Todos os direitos são reservados à autora.
São expressamente proibidas a distribuição ou reprodução de toda ou
qualquer parte desta obra por qualquer forma, meio eletrônico ou mecânico
sem a prévia permissão da autora.
Plágio é crime!
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.
Para todas as leitoras que são
completamente apaixonadas
pelas comédias românticas
dos anos 2000.
Esse livro é para cada uma
de vocês que sonham em usar
o vestido amarelo da Andie
e ter a casa dos sonhos
da Jenna.
“Ser seu amigo sempre
foi a última coisa em minha mente”

— Uma Farsa de Amor na Espanha


NOTA DA AUTORA
AVISO DE CONTEÚDO
PRÓLOGO
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EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
Olá, casamenteira!
Fico feliz demais que tenha escolhido Bem Casados para ser a sua
próxima leitura. Aqui você vai encontrar uma deliciosa dose de clichê
combinada com melhor amigo do irmão, grumpy & sunshine e casamento
por conveniência. Além de, é claro, muitas risadinhas e surtos com o tão
amado slow burn.
Henrique Fiore e Ariela Brado habitaram a minha mente por muito
tempo — desde julho de 2023, para ser mais específica. Na hora que a ideia
do romance deles surgiu, eu estava tomando banho e imaginando o quanto
seria divertido sair um pouco da minha zona de conforto. Afinal, fazia mais
um ano que eu estava escrevendo o mesmo universo. Amo futebol
americano e amo o ambiente universitário, mas confesso que precisava de
uma folga desse mundinho.
E foi assim que Bem Casados surgiu.
Henrique e Ariela são, sem sombra de dúvidas, um dos casais que
eu mais me diverti escrevendo. Eles foram uma montanha russa de emoções
desde a primeira linha. O romance deles é exatamente isso. Uma subida e
uma descida constante até o tão sonhado felizes para sempre.
Eu amo eles dois.
Eu amo a relação deles.
Eu amo o quanto eles conseguem se entender com apenas um olhar.
Eu amo como eles foram tudo o que eu precisava e nem sabia.
Amo tanto eles que desejo, do fundo do meu coração, que você, aí
do outro lado da tela, possa se identificar com pelo menos um dos
personagens. Possa dar gritinhos com o lado gentleman do Henrique, que
possa dar sorrisinhos enquanto eles dois embarcam em um casamento por
conveniência e que possa surtar (MUITO) quando eles finalmente se
beijarem pela primeira vez.
Bem Casados é tudo para mim.
E espero que seja para você também.
Com amor,
Bruna Eloísa
Bem Casados é um romance recomendando para maiores de 18
anos com cenas explícitas de sexo, consumo de bebidas alcoólicas,
violência e linguagem imprópria. Há também, ao longo da narrativa,
menções breves sobre abandono parental e morte de familiares, mas
nenhum desses assuntos é abordado de forma aprofundada.
Lembrando também que 99% das cidades citadas ao longo da
história são fictícias, assim como os estabelecimentos e programas de
televisão.
Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Sem mais delongas, desejo a todos uma ótima leitura!
Já passei por muitos perrengues nesses vinte e quatro anos de vida.
Prendi a bolsa na catraca do ônibus quando a fila estava gigante e
gritaram comigo.
Abri um pote de sorvete super feliz só para depois descobrir que era
feijão congelado de semanas atrás e chorei por duas horas seguidas (maldita
TPM).
Meu pedido veio errado no meu restaurante favorito, fiquei com
vergonha de avisar o garçom e acabei tendo o pior jantar dos últimos seis
meses.
Tive meu cartão de crédito recusado na maquininha três vezes por
limite insuficiente e, depois de tanto insistir, acabei bloqueando-o.
Fiquei com um pedaço de alface preso no dente durante um encontro
inteiro com um cara e só fui descobrir depois que cheguei em casa.
A lista de desgraças e humilhações é interminável, eu sei.
Mas nada, absolutamente nada, me preparou para a mais inesperada
delas: me casar com o melhor amigo do meu irmão por causa de um bolo de
três andares.
INGREDIENTES:
200g de açúcar refinado
150g de farinha de amêndoas
130g de claras de ovo
90g de açúcar de confeiteiro
Corante alimentício

Às vezes a vida é um morango.


Às vezes a vida pode ser até uma laranja bem docinha.
Mas, no meu caso, a vida é um abacaxi espinhento.
Os últimos anos, depois que concluí a faculdade de gastronomia, são
a maior prova disso. Quando eu ainda estava imersa na utopia da vida
universitária, acreditei fielmente que conseguiria abrir minha própria
confeitaria assim que pendurasse meu lindo e suado diploma na parede.
O lugar ficaria no centro da cidade e eu teria a clientela mais fiel de
Santa Clara.
As pessoas se apaixonariam pelos meus bolos e eles estariam tanto
na boca do povo que eu ia receber até um convite para participar de um
programa famoso de televisão.
No entanto, aqui vai um spoiler triste sobre todos esses sonhos: nada
disso aconteceu.
Três anos se passaram e eu continuo na mesma de sempre:
trabalhando como ajudante da Ísis, fazendo docinhos por encomenda no
final de semana e aprendendo novas receitas na esperança de que, um dia,
eu seja chamada para cozinhar com a renomada Ceci Braga.
Ser adulto é um porre.
E ser uma adulta frustrada, endividada e com um histórico
enfadonho de péssimos relacionamentos é ainda pior.
Devo ter jogado pedra na cruz na vida passada, só pode. Porque
apenas isso é capaz de explicar todas as desgraças que acontecem comigo
diariamente.
Mas mesmo diante de tantas coisas ruins, ainda gosto de pensar
positivo. Afinal, coisas inesperadas acontecem a todo momento. Quem
sabe, um dia, eu não acabe ganhando na Mega Sena e tendo minha vida
mudada da água para o vinho?
É por causa de pensamentos assim — voltados para as boas energias
do universo — que estou me arrumando para um encontro.
O meu primeiro encontro em mais de seis meses.
Seria mentira dizer que não estou um pouquinho nervosa.
— Você sabia que existe uma lâmpada que está ligada há mais de
113 anos na Califórnia? — Ísis, minha melhor amiga, diz enquanto mantém
os olhos vidrados no celular. Ela é obcecada em ler curiosidades aleatórias
na internet. — E que vacas não conseguem descer escadas?
Acabo soltando uma risada involuntária com a última frase.
Ísis me olha de cara feia através do reflexo do espelho, mas nem isso
é capaz de ofuscar a sua beleza.
Os cabelos castanhos, compridos e com suaves ondinhas nas pontas
caem ao redor dos seus ombros ossudos. As sobrancelhas são finas, os
cílios são grossos e o formato do seu rosto se assemelha a um coração. Sua
pele é branca, mas ela está constantemente bronzeada devido às inúmeras
horas que passa embaixo do sol.
— Achei bem triste, tá bom? Totalmente injusto com as vaquinhas.
— Tenho certeza de que nenhuma vaca vai tentar descer as escadas,
Ísis — digo, enquanto checo as ondas do meu cabelo pela milésima vez.
Estou bonita. — Elas estão seguras, não se preocupe.
— Ari... Se a curiosidade existe, é porque um dia uma vaca tentou e
não conseguiu.
— Não sei se confio nas baboseiras que esse site diz para você.
— É confiável, acredite em mim.
— Confio tanto que estou indo em um encontro com um cara que
você me garantiu que é a tampa da minha panela e a metade da minha
laranja. — Giro sobre os saltos da sandália, ficando de frente para Ísis. —
Tem certeza de que ele não é um psicopata? Você sabe que eu morro de
medo dessas coisas.
Ela empurra o lábio inferior para baixo em um beicinho que
reconheço muito bem.
Afinal, somos melhores amigas desde o jardim de infância. Ísis
esteve presente em absolutamente todos os momentos da minha vida:
quando dei o primeiro beijo em um garoto na oitava série, quando tive o
coração quebrado em vários pedacinhos, quando apresentei o meu
namorado do ensino médio para o meu irmão e quando tive que tirar o
dente do siso mesmo morrendo de medo de dentista.
Assim como ela está para mim, eu também estou para ela.
Somos o Debi e o Lóide das amizades femininas.
— Ele é um amigo de um amigo de um amigo do meu irmão. Igor
garantiu que Murilo não tem antecedentes criminais, verruga no nariz, mau
hálito, calvície precoce e muito menos chulé — ela enumera cada um dos
itens como se estivesse lendo uma lista de supermercado. — Vocês vão se
dar bem logo de cara, Ari. Confie em mim. Vai ser o encontro perfeito de
almas gêmeas!
Sendo bem sincera, eu não estou botando muita fé nesse encontro.
Tudo isso porque, sete meses atrás, Ísis fez a mesma coisa: me
mostrou uma foto aleatória de um cara no Instagram, perguntou o que eu
tinha achado, falou para o seu irmão que eu tinha achado bonitinho e, de
algum jeito, eu tinha um encontro marcado com o tal do Bernardo.
Adivinha o plot twist? Bernardo não tinha nada a ver comigo.
Se trocamos duas palavras durante o nosso tal encontro, foi muito.
Depois dessa experiência horrorosa, que até atacou a minha gastrite,
prometi a mim mesma que não iria mais ceder às loucuras de Ísis em
encontrar um namorado para mim.
Posso fazer isso por conta própria, certo? Ter um dedo podre para
relacionamentos não quer dizer que eu não possa encontrar uma pessoa que
atenda só um pouquinho aos meus critérios.
Afinal, a minha lista é bem simples:

Ter uma relação legal com a família


Ter um emprego estável
Ter uma boa visão de futuro
Ter um excelente gosto culinário
Ter tantas ambições quanto eu

Não estou pedindo muito, sei disso. Mas, aparentemente, o universo


não está muito de acordo comigo quanto essa lista, porque ele só tem me
apresentado as espécimes mais degradantes de homem que não atendem a
nenhum dos meus requisitos.
Chega a ser humilhante.
— Se esse encontro com o Murilo for tão ruim quanto foi com o
Bernardo, pode ter certeza de que eu vou cobrar de você a mensalidade da
minha terapia, Ísis Ferreira.
— Ei! Aquele encontro com o Bernardo foi um erro de percurso —
defende-se. — Mas eu te garanto que com o Murilo vai ser incrível. Depois
quando você voltar para casa, com a boca doendo de tanto beijar, vai me
agradecer.
— E se eu voltar com a boca doendo de tanto sorrir forçadamente
para ele a noite inteira?
— Shiu! Nada de pensamentos negativos. Aqui a gente lida com
positividade. — Ela se ajeita na cama, ficando em posição de yoga, e
apruma a coluna. — Quer meditar comigo um pouco antes de sair? Talvez
te ajude.
Reviro os olhos.
Estou uma pilha de nervos.
É como se eu tivesse bebido um fardo inteiro de energético de
melancia.
Quase como se meus pensamentos agitados pudessem ser ouvidos
até do outro lado do bairro, a porta do meu quarto é aberta e Guto enfia a
cabeça pela fresta. Uma mecha do cabelo, castanho-escuro igual ao meu,
cai em frente a sua testa. O sopro que ele dá para afastá-la logo se
transforma em um assovio quando me vê.
— Caralho, Ariela. Aonde você vai toda arrumada desse jeito? Girar
a roleta do Roda-Roda Jequiti?
— Para de ser brega, Gustavo. — Ísis sai em minha defesa, mas
ainda mantém os olhos fechados e as mãos repousadas sobre os joelhos.
Não acredito que ela realmente está meditando. — Roda-Roda Jequiti é
programa de vovó.
— Então combina perfeitamente com você, Ísis Maria.
Pelo canto do olho, vejo minha melhor amiga abrir somente um dos
olhos e fuzilar meu irmão com a maior força do ódio que já vi em todos os
meus 24 anos de vida.
Às vezes, é cansativo conviver com os dois no mesmo ambiente.
Ísis e Gustavo não se dão bem desde que éramos crianças. Enquanto
eu estava mais preocupada em ganhar de Natal a maior quantia de
brinquedos possíveis, eles dois se implicavam com absolutamente tudo.
Nunca entendi essa rixa e eles também não deram um motivo bom o
bastante para ela existir.
A grande questão é: se Ísis e Gustavo fossem cachorros, eles com
certeza já teriam dado uma mordida um no outro.
— Você está errado, queridinho. Porque o único vovô aqui é você.
Gustavo fecha a cara na mesma hora.
— Vocês podem parar de discutir, por favor? Estão parecendo duas
crianças da quinta-série — reclamo. — Até a Nina é mais madura que
vocês dois juntos.
Meu irmão bufa e entra no quarto marchando feito um soldado até se
acomodar na poltrona que fica em frente à minha penteadeira. Ele mal cabe
no espaço de tão alto que é.
A genética foi muito injusta comigo, porque Guto roubou toda a
altura da família Brado para ele. Enquanto eu estou aqui tendo que usar
saltos de 10cm para parecer ao menos um pouquinho mais alta.
— É que a Nina não precisa lidar com uma pessoa petulante de um
metro e meio enchendo seu saco sempre que encontra uma oportunidade —
Gustavo reclama e cruza os braços. — Para onde você está indo?
— Tenho um encontro essa noite — respondo rápido, antes que
minha amiga tenha a chance de retrucar o meu irmão. — Qual bolsa vocês
preferem? Preta ou marrom?
Ergo as minhas únicas duas opções diante deles dois.
— Preta.
— Marrom.
Bufo.
— Vocês nunca concordam em nada mesmo, né?
— Eu jamais daria esse desgosto a mim mesmo. — Posso jurar que
escuto Ísis ranger os dentes feito uma tigresa. Preciso ir embora daqui antes
que os dois botem fogo no apartamento comigo dentro. — Quem é o
coitado que vai ter que aturar a sua presença a noite inteira?
Às vezes, eu queria ser uma assombração só para poder puxar o pé
do meu irmão enquanto ele dorme o seu sono dos anjos.
— Murilo Azevedo.
Guto sacode a cabeça.
— Não faço ideia de quem seja.
— É bom já se acostumar, porque ele vai ser o futuro namorado da
Ari — Ísis diz, o sorriso quase rasgando as bochechas ao meio. Ela está
depositando toda a sua fé no encontro de hoje. — Já consigo até imaginar
os dois colhendo uvas nas videiras de São Bartolomeu, passando as férias
de verão em Sirqueira e comprando uma casa de dois andares em Nova
Granelle. Não é o cenário perfeito?
— Você está indo longe demais, amiga. É só um encontro. Nada
além disso, tá bom? — Ísis é sonhadora demais e esse é um dos seus
maiores defeitos. Constantemente tenho que lembrá-la de manter os pés no
chão. — Talvez o Murilo nem acabe gostando tanto assim de mim...
— Agora quem está falando abobrinha é você, Ariela. Se esse tal de
Murilo for um babaca, vou garantir que nenhuma oficina mecânica de Santa
Clara aceite consertar o carro dele quando estragar.
Engulo uma risada.
— Agora quem está exagerando é você, Guto.
— Estou apenas exercendo o meu papel de irmão mais velho, Ari.
Não argumento contra isso, até porque Guto e eu temos uma relação
excelente de irmãos.
Ele é cinco anos mais velho do que eu, então sempre fui a irmã
pirralha que enchia o saco, brincava com as suas coisas, se intrometia nas
suas partidas de videogame com os amigos, roubava o seu chocolate
favorito do armário e choramingava por atenção quando estava triste.
Apesar de eu ter sido uma adolescente meio chata – reconheço isso
em mim –, Gustavo sempre teve toda a paciência do mundo comigo. E
assim como Ísis, meu irmão também esteve presente em todos os momentos
mais importantes da minha vida, especialmente quando nosso pai decidiu ir
embora da noite para o dia.
Então, quando o seu lado protetor vem à tona, eu não reclamo.
Sei que esse é um assunto sensível para ele.
— Que horas que o seu galã vem te buscar?
— Ele deve estar chegando daqui uns cinco minutinhos...
Mal termino de falar quando o interfone começa a tocar da cozinha.
Guto vai até lá atender e o escuto liberar a entrada de Murilo na portaria.
Automaticamente, começo a ficar inquieta de novo.
Caramba.
Eu tinha me esquecido de como primeiros encontros me deixam
nervosa.
— Não vai pirar, hein? — Ísis fica de pé, me entrega a minha bolsa e
arruma o meu cabelo. — Essa noite é pra você se divertir, amiga. Se no
final de tudo o Murilo for um chato que só sabe falar de si mesmo, a gente
compra pizza congelada no supermercado e assiste comédia romântica no
sofá.
Rio.
— Só se for uma pizza que esteja na promoção. Estou péssima de
dinheiro esse mês.
Ela rola os olhos para mim.
— Vai logo, Ari.
Dou um beijo estalado na sua bochecha e saio do quarto. Guto está
na cozinha, me esperando com aquela típica expressão que já conheço: se
divirta, mas tenha juízo na cabeça. Não quero ter que te buscar na
delegacia às três horas da manhã.
— Se precisar de qualquer coisa...
— Eu te ligo e, na pior das hipóteses, tenho spray de pimenta na
bolsa. — Sorrio, divertida. Antes de sair, no entanto, me lembro de algo. —
Ah, e por favor... Tentem não se matar enquanto estiverem cuidando da
Nina. Quero ter uma cama para dormir quando voltar.
— Não se preocupe com a gente. O máximo que pode acontecer é eu
trancar a Ísis dentro do banheiro.
— Gustavo!
Ele pisca pra mim.
— Estou brincando, maninha. A Ísis Maria vai ficar bem, eu
prometo — garante e gesticula para o meu vestido. — Agora, se manda
daqui. Já estou ficando de saco cheio de você.
— Tá bom! Mas não esquece de dar um beijinho na Nina por mim.
— Só vai logo, Ariela.
Sopro um beijo de despedida para o meu irmão e sigo em direção ao
elevador, mais do que pronta para ter o melhor encontro da minha vida.
INGREDIENTES:
1 baguete pequena
1 dente de alho
2 tomates italianos grandes
2 ramos de manjericão
1 colher (de sopa) de orégano
Azeite a gosto
Sal e pimenta-do-reino a gosto
Fatias de muçarela de búfala

Comecei a cozinhar por causa da minha avó.


Antonella Fiore sempre nutriu um amor incondicional pela culinária
italiana. Cresci passando os almoços de domingo experimentando as
macarronadas sofisticadas, as lasanhas com molho bolonhesa e as pizzas
clássicas que ela tanto adorava preparar.
Não foi surpresa para ninguém quando decidi que queria cursar
gastronomia e abrir o meu próprio negócio.
Por sorte, consegui fazer os dois.
Tenho o meu diploma orgulhosamente pendurado no meu escritório
e um restaurante especializado em comida italiana localizado na área
gastronômica de Santa Clara. Não sou o cozinheiro mais famoso da cidade
que lota a casa todos os finais de semana, mas o Bacio Di Sole tem pagado
as minhas contas há quase três anos, então não tenho do que reclamar.
Minha vida é boa.
Tenho um emprego excelente.
Um ótimo grupo de amigos.
Uma relação de parceria com os meus funcionários.
Um dinheiro legal guardado no banco.
E também um score baixíssimo no Serasa.
A única pessoa que não parece concordar com nada disso é a minha
avó.
— Você deveria conhecer a Sabrina um dia desses... — Ela tenta,
pela milésima vez no último mês, me convencer a sair com alguma das
netas das suas amigas do bingo. — Ela é médica veterinária, sabia disso?
Trabalha horrores que nem você, não tem tempo nem para ir ao
supermercado. Praticamente a sua alma gêmea, Henrique.
Coloco a ligação no viva-voz e me acomodo melhor na cadeira do
meu escritório.
Pelo vidro, consigo ver a minha equipe trabalhando. Hoje é sábado,
um dos dias com maior movimento aqui no restaurante. Eu deveria estar
junto com eles cozinhando, mas acabei dando uma escapada para atender o
celular quando vi o nome da minha avó no identificador de chamadas.
Achei que fosse algo sério.
Não era.
Ela só me ligou para bater papo furado e procurar um jeito de me
convencer a encontrar uma namorada antes que meu cabelo comece a ficar
grisalho.
— Não estou interessado, vovó — repito a mesma frase de sempre.
— E também não tenho tempo para nada disso. O restaurante é minha
prioridade no momento.
— Ter uma namorada deveria ser sua prioridade número um,
Henrique — Antonella rebate. Quase posso vê-la fazendo aquela expressão
de falsa tristeza para mim. Minha avó é a melhor pessoa do mundo, mas
também consegue ser o cão quando quer. — Quando foi a última vez que
você saiu com alguém? Dois meses atrás?
— No último ano da universidade.
Ela pragueja em italiano do outro lado da linha.
Sou um cara sossegado, essa é a verdade.
Nunca fui do tipo namorador. Nem mesmo o tipo que coleciona
ficantes por onde passa. Quanto menos eu me estressar com
relacionamentos, melhor. É claro que quero me casar um dia e ter meus
filhos correndo pela casa e tocando o terror por onde passam.
Só não acho que essa seja a melhor época da minha vida para isso.
30 anos é a idade do sucesso.
É o que dizem por aí, né?
E como ainda não cheguei aos 30, vou deixar para pensar nesse
assunto para daqui dois bons e longos anos.
— Depois dessa notícia vou até preparar o meu chá aqui. — Minha
avó choraminga. — Tem certeza de que não quer o número da Sabrina? Ela
te achou uma gracinha quando mostrei a sua foto com a Matilda.
Massageio a ponte do nariz.
Minha avó está enlouquecida.
Se ainda estivéssemos no século passado, tenho certeza de que
Antonella já teria dado um jeito de me arranjar em um casamento.
Acho que o sonho dela é me ver no altar esperando por minha noiva,
porque somente isso é capaz de explicar essa necessidade absurda que ela
tem de me arranjar uma namorada.
Ou talvez seja um defeito geral dos avós: eles odeiam ver seus netos
solteiros.
— Quem sabe da próxima vez.
— Você é terrível, Henrique. Vai morrer solteiro se continuar
dispensando todas as meninas que apresento para você — lamenta-se. —
Um moço tão bonito... Tão cheio de qualidades... É um prato cheio para as
netas das minhas amigas.
— Vovó...
— Dorotéia perguntou de você na semana passada, aliás. Quer saber
quando vai aceitar o convite de almoçar na casa dela. Ela tem uma filha
muito simpática e que é professora de italiano. O que acha?
Eu acho que meus ouvidos vão sangrar a qualquer momento.
E o pior de tudo é que eu conheço a minha avó. Fui criado por ela.
Depois de 28 anos ao seu lado, sei exatamente como as coisas funcionam
dentro da sua cabecinha engenhosa.
Isso quer dizer que, enquanto Antonella não conseguir o que quer,
não vai sossegar.
Meus almoços de domingo ao seu lado estão condenados pelos
próximos meses — ou anos, se duvidar.
E eu gosto de comer no silêncio.
Então não tenho outra escolha. É melhor cortar o mal pela raiz de
uma vez por todas.
— Se eu aceitar esse tal convite pra ir à casa da Dorotéia, você vai
me deixar trabalhar?
É como acionar uma bomba-relógio.
Minha avó não para de falar pelos próximos quase dez minutos.
Minhas chances de voltar para a cozinha acabaram de escorrer pelo
ralo da pia.
Mesmo assim, permaneço sentado em meu escritório, escutando
cada uma das coisas que ela está dizendo porque sou um bom neto. Sou um
neto que faz todas as vontades dela. Sou um neto que não quer magoá-la,
mesmo que a última coisa que eu queira neste momento é ir almoçar na
casa da tal Doroteia e conhecer a sua querida filha Daniela.
Onde é que eu fui me meter?
Fecho os olhos e respiro fundo, contando mentalmente até dez.
Quando abro novamente as pálpebras, encontro Pierre parado em
frente à minha porta. Ele está exatamente como todos os outros dias de
trabalho: os cabelos loiros perfeitamente penteados para trás com gel e
usando o uniforme de maître completo.
— Henrique.
Ergo a mão em um sinal educado para que espere. Preciso terminar
esse assunto com a minha avó antes de fazer qualquer outra coisa.
— Henrique.
Ele me chama de novo.
Enquanto isso, Antonella continua a falar de Dorotéia e Daniela.
É um caos.
Suspiro, exausto, e olho novamente para Pierre. É quando noto a
expressão em seu rosto. Pequenas linhas de preocupação marcam a pele
branca e os lábios finos se apertam um contra o outro em um claro sinal de
aflição.
Fico em alerta na mesma hora e coloco o meu celular no mudo.
— O que foi?
Ele troca o peso dos pés.
— A Ariela está aqui.
Ariela Brado.
A irmã mais nova do meu melhor amigo.
A garota que é um imã para confusões.
E a razão pela qual eu quase aceitei o convite da Ísis para fazer
meditação guiada três vezes por semana.
— Ela se meteu em problemas de novo?
Pierre dá um passo para dentro do meu escritório e encosta a porta.
De imediato, sei que a notícia não é nada boa. E se tratando de Ariela, não
dá nem pra imaginar o que ela fez de ruim dessa vez.
A garota é uma caixinha de surpresas.
Porra.
Não preciso pensar duas vezes no que fazer. Peço desculpas para a
minha avó falando que ocorreu um imprevisto de última hora e encerro a
ligação. Minha cabeça agora está flutuando.
— Me fala, Pierre. O que está acontecendo?
Ele enfia as mãos dentro dos bolsos da calça social preta.
— Ela está em um encontro com o Murilo Azevedo.
Demoro um pouco para processar o que Pierre acabou de dizer. Mas
então, como se uma lâmpada tivesse se acendido em cima da minha cabeça,
me dou conta de quem estamos falando.
Murilo Azevedo, o cara que é um cocô ambulante em pessoa.
Não acredito que ela se odeia a esse ponto.
Todo mundo sabe que Ariela tem um dedo podre para
relacionamentos desde a época que éramos universitários, mas eu não fazia
ideia de que ela tinha rebaixado tanto assim os seus princípios.
— Os dois estão se divertindo?
— Chegaram faz uns quinze minutos. Vim correndo te avisar
porque, né... É a Ariela — diz, meio acanhado. — Todo mundo aqui gosta
dela. Não sei se ela sabe sobre as merdas que o Murilo está metido, mas
seria legal você avisá-la.
Passo as mãos pelo cabelo, já exausto dessa noite.
Ariela é um problemão na minha vida.
Um problemão com cabelos castanhos, sorriso divertido, olhos
astutos e piadinhas péssimas que eu nunca consigo me livrar.
Tem sido desse jeito desde que nos conhecemos anos atrás e aposto
que vai continuar sendo assim até o dia em que meu corpo estiver dentro de
um caixão.
— Se eu começar a ter cabelo branco antes dos 50 anos, pode ter
certeza de que a culpa vai ser de todos vocês — reclamo enquanto me
levanto da cadeira. Não acredito que estou prestes a fazer isso. Gustavo vai
ficar me devendo pro resto da vida depois dessa noite. — Dá um jeito de
fazê-la ir até o banheiro. Vou conversar com ela de lá.
Pierre balança a cabeça em concordância e saí do meu escritório na
velocidade da luz. Eu faço o mesmo logo em seguida, mas sou interceptado
por Cadú no meio do caminho.
Se o objetivo das pessoas no dia de hoje é me tirarem do sério, meus
parabéns, estão conseguindo.
— Você quer que eu faça alguma coisa?
Olho para ele sem entender nada.
— A respeito do quê?
— Ah, você sabe... — Empurra meu ombro de leve com o seu. Tê-lo
como um dos meus melhores amigos de infância é um castigo do monstro.
— Laxante na sobremesa do Murilo e tudo mais. Ele nem vai perceber.
— Eu nem vou responder esse absurdo.
— Quer dizer que você concorda?
Reviro os olhos e dou um passo para trás.
Meus funcionários são os maiores defensores de Ariela Brado desde
que ela esteve aqui pela primeira vez. Se um dia ela cometer um crime,
tenho certeza de que todos eles vão se prontificar em depor em defesa dela.
Já eu...
Não sei se eles fariam o mesmo por mim.
Tenho uma relação legal com todo mundo, mas Ariela é simpática
por livre e espontânea vontade. É natural você colocar os olhos nela e
gostar dela de imediato.
Pelo menos, é o que dizem por aí.
— Você sabe o que eu penso sobre isso. — Aponto para a ilha de
preparo. — Apenas volte a trabalhar.
Saio da cozinha ao som da risada de Cadú e sigo em direção ao lado
esquerdo do restaurante, que é onde ficam os banheiros. Estou fazendo a
curva ao redor do biombo de madeira quando vejo de relance um
amontoado de fios castanhos compridos.
Fios castanhos que eu reconheceria mesmo a mil quilômetros de
distância.
Enrolo a mão ao redor do antebraço fino de Ariela e a puxo para trás
do biombo no movimento mais ágil e discreto que só dez anos de Krav
Magá poderiam ter me ensinado. Ela abre a boca, pronta para dar um
gritinho assustado, mas pouso o dedo indicador sobre os seus lábios.
— Quietinha — peço baixinho, minha voz soando bem próxima da
sua pele corada. — Sou eu.
Quando as íris castanhas encontram as minhas, o reconhecimento
cintila ali, misturado junto do alívio. Sentimento que rapidamente é
substituído pelo estreitar desconfiado de seus olhos.
— O que você está fazendo aqui?
Enfio as mãos dentro dos bolsos da calça e me afasto para o lado,
odiando sentir o formigamento que se espalha pela minha pele toda vez que
a toco desse jeito.
Não somos mais adolescentes.
Eu não sou mais aquele Henrique.
E ela também não é mais aquela Ariela.
— Eu te faço essa mesma pergunta. O que você está fazendo aqui?
— Estou em um encontro — murmura, os olhos mirando o fundo
dos meus. — Um encontro que, pelo visto, você quer estragar. Foi o Guto
que pediu para você ficar de olho em mim? Eu disse pra ele que estaria tudo
bem e...
Não a deixo terminar de falar.
— O Gustavo não me pediu para fazer nada.
Os lábios dela dão uma leve tremida.
— Você não sabia sobre hoje, então?
Não respondo de imediato.
Apenas olho para ela.
O cabelo castanho-escuro cai até o meio de suas costas em ondas
grossas e bem arrumadas. A boca, que não consegue ficar um segundo
quieta, está pintada de batom cor de rosa. Os olhos seguem o mesmo
padrão, estando mais destacados e maiores do que o normal por causa da
maquiagem.
O vestido é a pior parte.
É bonito demais.
Murilo é um filho da mãe por ter a chance de vê-la assim.
E eu um azarado de merda por não poder fazer nada a respeito.
— Se eu soubesse, pode ter certeza de que eu não teria deixado você
vir.
Ariela fecha a cara na mesma hora.
— Vou fingir que não ouvi isso para manter em dia a saúde dos
meus tímpanos. — Desvia do meu corpo e vai até a pia. Ariela abre a
torneira e enfia as mãos embaixo da água, lavando-as com uma força
desnecessária. Depois de enxugá-las, ela para diante de mim. — Foi muito
bom te ver, Henrique. Agora, se puder me dar licença... Eu tenho um
encontro incrível pela frente.
Não saio do meio do caminho.
Finco meus pés no chão como se a sola dos meus sapatos estivesse
com cola.
Estou fazendo isso pelo Gustavo, é o que repito dentro da minha
cabeça. Porque, se eu tivesse uma irmã mais nova e ela estivesse em um
encontro com um babaca, eu ia querer que ele desse um jeito de tirá-la de
lá.
— Não volta pra lá, Ariela.
— O quê?
— Termina esse encontro e eu te levo para casa.
— Você só pode estar viajando na maionese se acha que eu vou
fazer isso, Henrique.
Fico em silêncio.
Ariela me observa por longos segundos até que, finalmente, parece
se dar conta de que estou falando sério. Ela sabe que não sou do tipo de
fazer brincadeirinhas e muito menos de viajar na maionese.
— Você está se vingando de mim?
Agora é a minha vez de franzir as sobrancelhas.
— Por causa do quê?
— Por aquela vez que você me pediu para regar as plantas da sua
avó com fertilizante e eu acabei matando todas elas por confundir os
regadores...
Quase solto uma risada.
Quase.
Porque a morte das orquídeas roxas é um assunto que minha avó não
superou até hoje. Pelo menos uma vez por mês ela relembra que Judite,
Jaqueline e Janaína morreram misteriosamente de um dia pro outro.
O que Ariela não sabe de toda essa história é que eu assumi toda a
culpa por ela.
— Isso aqui não se trata de vingança, Ariela.
— O que você está fazendo, então?
Olho para o seu rosto.
Mesmo que vários anos tenham se passado e agora ela não seja mais
aquela garota de 20 anos, Ariela ainda tem aquele mesmo característico
brilho no olhar de quem acredita na bondade das pessoas. De quem tem um
milhão de sonhos para realizar. De quem é simplesmente boa por inteira,
sem maldade nenhuma.
Essa sempre foi uma das características que eu mais gostei nela.
— Protegendo você.
— De quem?
Não tenho a chance de responder.
Uma mão repousa do nada em meu ombro e, antes mesmo de me
virar para trás, já sei de quem se trata. A presença de Murilo é degradante
antes mesmo dele chegar, de fato, no ambiente.
— Henrique! — ele me cumprimenta naquele tom forçado, me
obrigando a virar para trás e encará-lo. — Quanto tempo que a gente não se
vê, hein? Acho que desde o casamento da Carla e do Edu no começo do
ano, né?
Por mim, eu passaria o resto da minha entediante existência sem vê-
lo, mas a vida não parece estar concordando comigo neste aspecto.
— É, acho que foi.
— E como andam as coisas? O restaurante tá indo bem, pelo que
andei lendo por aí. — Murilo afrouxa a gravata ao redor do pescoço e, de
repente, parece se dar conta de que Ariela está atrás de mim. — Ah, aí está
você. Já achei que tinha fugido de mim.
Ariela não diz nada.
Nem eu.
O silêncio simplesmente cresce entre a gente.
Ele dá uma risada meio esganiçada em uma tentativa de quebrar o
clima ruim.
Já eu, estou com zero paciência para essa ladainha dele.
Murilo tem namorada.
Uma namorada que não faz a mínima ideia de que ele está aqui com
outra pessoa.
E se ele acha que vou ficar de bico calado quanto a isso, é porque
realmente não me conhece.
— Vou ser bem sincero com você, Murilo — murmuro em um tom
baixo. — A sua presença não é bem-vinda aqui. É melhor você ir embora.
— Como é que é?
— Estou pedindo, educadamente, para que você se retire do meu
restaurante.
A postura dele muda imediatamente. Ele quer fazer um barraco.
Consigo sentir isso na sua expressão corporal: os ombros eretos, as mãos
fechadas em punho e a mandíbula tensa.
— E a Ariela fica aqui comigo — declaro, antes mesmo que a ideia
de levá-la com ele para outro lugar passe por sua cabeça. — Você vai
embora sozinho. Se quiser voltar aqui algum dia, volte com a sua namorada.
Murilo aperta os lábios um contra o outro e olha com raiva para
Ariela.
— Você planejou isso? Me chamou aqui pra... — Ele passa as mãos
pelo cabelo e dá um passo para frente. — Sua filha da...
Estico o braço para trás, protegendo Ariela.
Nem fodendo que Murilo vai insultá-la desse jeito.
O único filho da puta aqui é ele que está traindo a namorada.
— Se eu fosse você, não terminava essa frase.
A reação dele é a mais patética de todas: soltar uma risada e apontar
o dedo para nós dois.
— Vocês vão pagar caro por isso, podem ter certeza.
— Apenas saia daqui, Murilo. Não me faça chamar o segurança.
Ele passa a língua pelos dentes e balança a cabeça inúmeras vezes.
— Tudo bem, eu vou embora. — Ergue as mãos em um sinal de
rendição. — Mas antes disso...
Então, a pior coisa de todas acontece.
INGREDIENTES:
1kg de chocolate preto
1 bandeja de morango
1 colher de margarina
1 lata de leite condensado
50ml de leite

Sou um imã natural para problemas.


Essa maldição me acompanha desde os dez anos de idade, mais
especificamente quando consegui quebrar o meu dente andando de
bicicleta. Fiquei com vergonha de contar para os meus pais e passei o dia
inteiro resmungando de boca fechada.
É óbvio que, no final das contas, eles acabaram descobrindo e me
levando ao dentista.
Mas acho que foi naquele dia, quando o pneu da minha bicicleta das
Meninas Superpoderosas furou ao passar por cima de um prego, que me
tornei um alvo gigantesco para atrair todos os problemas e confusões do
universo.
Porque somente isso é capaz de explicar o momento em que Murilo
decidiu que era boa ideia dar um soco na cara do Henrique.
Agora depois de toda a confusão, em que terminou com Murilo
sendo escoltado para fora do restaurante gritando trinta e cinco tipos de
ameaças pra gente, Henrique e eu estamos no seu escritório enquanto todos
os funcionários nos espiam pela janela de vidro.
Estou me sentindo dentro do Big Brother Brasil dos cozinheiros.
A única diferença é que o único prêmio aqui é o olho roxo do
Henrique.
Que pesadelo.
Quando o Guto ficar sabendo...
As chances dele deixar eu sair com qualquer outro cara dentro dos
próximos cinco anos vai ficar bem próxima de zero. E tudo bem, eu sei que
meu irmão não manda em mim e blábláblá, mas eu me conheço. Se eu sair
escondido com alguém e me meter em uma confusão tremenda como a de
hoje, quem é que vai me salvar?
Não posso contar com a boa sorte de Henrique estar lá de novo.
Não vou me arriscar desse jeito. Viver perigosamente não é muito a
minha praia. Gosto da calmaria, apesar de que o meu mar está passando por
um período meio revolto ultimamente.
Olho de canto para Henrique.
A aparência dele não é das melhores e a bolsa de gelo pressionando
o olho direito também não ajuda muito.
Mas também... Depois de tudo o que aconteceu, você queria o quê,
Ariela?
— Me desculpa por hoje — digo baixinho, assim que ele fecha a
porta e se encosta contra ela. — Eu não queria ter causado toda essa
confusão. Era só mais um encontro, sabe? Com um amigo de um amigo de
um amigo do irmão da Ísis. E eu olhei o Instagram dele. Não tinha
nenhuma foto com uma garota. Não tinha como eu saber que ele tinha
namorada.
Quase fui amante.
Inacreditável, né?
Saí de casa com a esperança de ter um encontro perfeito e acabei
descobrindo que Murilo era pior do que cocô de passarinho grudado no
vidro do carro.
— Não estou te culpando de nada, Ariela — Henrique diz, naquele
tom calmo e meio entediante que não me deixa saber se ele quer me jogar
na fogueira ou me convidar para beber vinho enquanto aquecemos a mão no
fogo. — Homens como Murilo são assim mesmo. Escondem a namorada a
sete chaves porque sabem que isso afasta as outras mulheres.
Que desastre ambulante.
— Estou me sentindo como um pedaço de queijo esquecido dentro
da geladeira, com as bordas já ficando secas e amareladas.
Henrique ergue a sobrancelha que não está machucada.
É estranho pensar que até alguns anos atrás as minhas piadinhas o
divertiam. Agora ele me olha mais como se eu fosse um projeto de
laboratório que deu errado e que os cientistas liberaram para a vida humana
por pena.
— Não sei se eu quero saber o que isso significa.
— Analogias culinárias, basicamente — respondo, dando de
ombros. — Você não faz isso?
— Definitivamente, não.
Aff.
Ele se tornou um cara extremamente sem graça nos últimos anos.
Eu gostava mais do Henrique que comia cachorro-quente comigo
sentado no meio-fio e debochava do tamanho desproporcional das minhas
trufas de morango.
— O que você faz, então?
Henrique me olha sem entender nada enquanto se senta no pequeno
sofá do seu escritório.
— Com o que?
— Com o seu diploma de cozinheiro, oras.
— Eu cozinho, obviamente. — Gesticula discretamente para a
cozinha industrial do Bacio Di Sole. Por sorte, todo mundo da equipe dele
já voltou a trabalhar. — Não sabia que eu também tinha passe livre para ser
comediante gastronômico.
Cruzo os braços.
— Você está debochando de mim, Henrique?
— Você trabalha como comediante gastronômica?
— Não.
Ele curva só um pouquinho os lábios para cima.
Não é um sorriso.
Nem de longe.
Acho que ele desaprendeu a sorrir depois de todo esse tempo.
— Então eu não estou debochando de você, Ariela.
Sem conseguir me controlar, faço um beicinho.
— Não sei se gosto dessa sua versão.
— A minha versão que leva um soco por te defender de um babaca
também não é a minha favorita.
Sem pensar direito, porque a minha cabeça definitivamente virou um
algodão-doce depois de tudo o que rolou, me aproximo de onde Henrique
está sentado. Ele estica o pescoço para trás, me encarando de cima a baixo
até os olhos pousarem em meu rosto.
Aqui vai uma confissão: Henrique Fiore é muito bonito.
Mesmo com um roxo se formando ao redor do olho, o bigodinho que
acho tenebroso e o cabelo bagunçado em várias direções, ele continua
exalando aquela aparência de galã de novela que sempre causou sensações
conflitantes na minha barriga.
Eu culpo a descendência italiana.
Afinal, italianos + tatuagens são os meus maiores pontos fracos se
tratando de homens.
Mas sabe qual é o maior problema? Henrique também tem os braços
tatuados. Vários desenhos aleatórios. Todos espalhados por sua pele branca.
Fica até difícil não olhar, principalmente quando ele dobra as mangas da
camisa até a altura dos bíceps.
Todas essas coisas são um atentado à integridade da minha calcinha.
A minha sorte é que hoje em dia eu sou totalmente imune à presença
de Henrique. Estar perto dele não faz nem cosquinha. Não causa frio na
barriga. Nem mesmo borboletas no estômago. Mãos suadas? Coisa do
passado.
Hoje em dia ele só é o Henrique Fiore.
O melhor amigo do meu irmão.
Nada além disso.
— Eu gostava mais de quando você dizia que minhas trufas de
morango eram defeituosas.
— É, Ariela... Eu também gostava muito dessa época de nossas
vidas — diz, mas sem expressar nenhuma emoção. Será que ele fez botox
no rosto? — Pelo menos naquele tempo eu não corria o risco de ter o meu
nariz quebrado. E as suas trufas de morango só eram feias mesmo.
— Ei! Elas até podiam ser esquisitas, mas eram deliciosas! —
reclamo. — E eu podia ter dado um jeito no Murilo por conta própria.
— E o que você ia fazer? Jogar uma trufa de morango gigantesca em
cima da cabeça dele?
— Eu fiz dois anos de aulas de boxe, sabia? Ainda não me esqueci
de como dar alguns golpes.
— Não sei se confio na sua capacidade de quebrar o nariz do
Murilo.
— Você está me dando pouco crédito, Henrique. — Empino o nariz
e pouso as mãos na cintura. — Para quem já chegou até dar aulas de Krav
Magá, você apanhou bem feio hoje.
Ele afasta a bolsa de gelo do rosto e me direciona um olhar duro.
— Não valia a pena revidar.
— Por que não?
— A gente tem que saber escolher quais batalhas vamos lutar, Ariela
— responde, ainda me olhando daquele jeito inexpressivo. — E o Murilo
não vale nem uma galinha inteira, quem dirá o estresse de um soco. Você
viu como ele saiu enlouquecido daqui. Se eu tivesse revidado, a situação
teria sido muito pior.
Concordo com um aceno porque, infelizmente, ele tem razão.
Se a noite já terminou uma merda, não quero nem imaginar como
teria sido se Henrique tivesse revelado os seus talentos no Krav Magá.
Talvez nem estivéssemos aqui tendo essa conversa, mas sim em uma
delegacia conhecendo as (não) maravilhas das celas brasileiras.
Chego a ficar arrepiada com a possibilidade.
O pensamento, automaticamente, me leva a outro problema ainda
maior: meu irmão.
— Promete não contar nada pro Guto sobre hoje? — arrisco a
pergunta, olhando para Henrique como se ele fosse um pote de ouro no final
do arco-íris. — Tipo, eu vou falar a verdade e tudo mais. Só quero esperar
um tempinho.
— E como eu vou explicar o meu olho roxo?
Dou de ombros.
— Finge que a porta do armário bateu na sua cabeça.
— Isso é bem mais a sua cara do que a minha, Ariela.
Bufo.
— Você gosta de dificultar as coisas pro meu lado, né?
— Não é minha culpa se você tem um dedo podre para
relacionamentos desde que nos conhecemos.
— Se o planeta Terra não estivesse infestado de homens babacas,
egocêntricos e traidores, eu não estaria me metendo em problemas.
— Tem certeza? Porque posso listar aqui outras cinco confusões que
você se meteu nesses últimos anos e nenhuma delas envolviam homens de
baixa qualidade.
Involuntariamente, abro um sorriso.
É meio difícil não ser picada pelo mosquitinho da saudade.
Antes de tudo entre Henrique e eu desandar feito maionese verde
dentro do liquidificador, a gente tinha uma ótima relação. Não éramos
melhores amigos, mas conseguíamos nos entender muito bem. Durante uma
época, até achei que ele estivesse apaixonado por mim.
Obviamente que não estava.
Acho que Henrique é incapaz de amar alguém além de si mesmo.
O que é um pouco depressivo, já que eu quase o amei um tempinho
atrás.
— Sou um imã para problemas, achei que já soubesse disso.
Henrique não diz nada de imediato.
Ele só fica lá, sentado no sofá, me observando como se eu fosse uma
obra de arte exposta em um museu.
É estranho.
Muito estranho.
Porque ninguém me olha do jeito que ele me olha, como se fosse
capaz de decifrar todas as inseguranças, medos e receios que guardo
somente para mim. É quase como se Henrique enxergasse cada um dos
meus defeitos e não se importasse com a existência deles.
Odeio isso.
E odeio ainda mais o fato de que várias coisas mudaram com o
passar dos anos, menos a maneira como as íris castanhas se demoram em
mim.
— As coisas que sei sobre você já estão um pouco ultrapassadas,
Ariela.
Mordo o interior da bochecha.
O jeito que ele diz o meu nome...
Deveria ser crime.
Vinte anos de cadeia em regime fechado.
— Posso te garantir que hoje em dia minhas trufas de morango são
espetaculares.
— Se essa foi uma tentativa de me convencer a comprá-las, você
falhou miseravelmente.
Ergo a mão para ele.
— Por favor, não comece a bancar o coach de vendas pra cima de
mim, porque eu bloqueio todos esses vídeos no meu Instagram. Não tenho
paciência para essas baboseiras.
— O dia que você tiver paciência para alguma coisa, o mundo vai
acabar.
Levo a mão ao coração, totalmente ultrajada.
— Disse o Mister-Paciência! — Aponto para o seu rosto. — Seu
umbigo é tão defeituoso quanto o meu, Henrique.
Ele crispa os lábios.
— Não sei em que momento dessa conversa eu te dei liberdade para
insultar o meu umbigo.
Abro a boca para dar uma resposta engraçadinha que não vai render
nenhum sorriso a ele, mas sou interrompida pelo pigarrear de alguém.
Quando olho para trás, encontro Pierre, um dos seus funcionários, olhando
para a gente com uma expressão difícil de decifrar.
Só espero que ele não tenha ouvido nem a metade dessa conversa
estranha entre mim e o seu chefe.
— Eu trouxe a pomada que você pediu.
Henrique indica a mesa do seu escritório.
— Pode deixar ali em cima — pede. — Muito obrigado, Pierre. Se
puder, traz também um copo de água pra Ariela. Ela está ainda meio
estressada.
— Traz também pro Henrique. Uma jarra inteira, na real — digo, me
metendo no meio da conversa. — Ele está tão mal-humorado desde que
acordou que acho que ele só vai se acalmar se encher o corpo inteiro de
água.
Pierre disfarça uma risada.
— Como quiserem. Volto daqui cinco minutos.
E sem dizer mais nada, ele fecha a porta do escritório e vai embora.
Quando o silêncio volta a reinar, giro sobre os calcanhares e encaro
Henrique com os braços cruzados.
— Só pro seu conhecimento, eu não estou estressada. Apenas passei
por um momento conturbado no que deveria ser a noite mais especial da
minha semana.
Ele assente e fica de pé, caminhando até a mesa.
— E eu também não acordei mal-humorado.
— Você é cronicamente mal-humorado, Henrique. É diferente.
Não recebo nenhuma resposta, mas isso não é novidade nenhuma.
Henrique domina a arte de deixar as pessoas no vácuo como ninguém. O
que é quase um crime, porque eu sou a pessoa mais tagarela que existe.
Esse negócio de silêncio confortável não existe comigo.
Eu boto a boca no trombone mesmo.
No sentido não-literal da palavra, é claro.
— Quem cala, consente... — digo, odiando sentir a quietude me
engolir por inteira. — Não sei se já ouviu esse ditado.
— Já sim e acho esse ditado horroroso. — Ele abre a caixinha da
pomada. Deve ser para o seu temido olho roxo. — Às vezes as pessoas só
não querem gastar saliva com assuntos e discussões inúteis.
— Essa sua resposta só comprova o meu ponto de que você é o
maior inimigo do bom humor.
Henrique me direciona uma olhada de cima.
— Sou prático, é diferente.
— Isso é sinônimo de tedioso.
— Só se for de acordo com o seu dicionário, Ariela.
Bufo e me aproximo dele, os saltos da sandália ecoando pelo piso do
seu escritório imaculado.
Ainda não acredito que usei meus sapatos novos — que ainda não
paguei nem metade das parcelas — para um encontro que nem aconteceu.
Odeio desperdiçar roupas bonitas em rolês ruins. Mas odeio mais ainda
desperdiçar sapatos maravilhosos com gente ridícula.
Murilo Azevedo, seu cretino, você me paga!
— É o que o Google diz, confia em mim. — Direciono para ele uma
piscadinha e aponto para o tubo de pomada em sua mão. — Deixa que eu
passo em você. Depois que tudo o que rolou, é o mínimo que posso fazer
pelo seu olho roxo.
— Está tão feio assim?
— Se eu não cuidar dele com as minhas mãozinhas mágicas, com
certeza vai ficar.
Empurro de leve seu ombro para baixo, fazendo-o se sentar na
poltrona.
De forma inconsciente, Henrique entreabre as pernas e eu me
acomodo entre elas, ficando de frente para si. Pego o tubo e encho o meu
dedo de pomada. Quando ergo novamente o olhar, encontro as íris
castanhas me encarando com um tipo de sentimento que não consigo
identificar.
Nessas horas, eu daria de tudo para saber o que se passa na sua
cabeça.
Será que ele pensa nas dívidas acumuladas do cartão de crédito tanto
quanto eu? Porque, sinceramente, pelo menos 8h do meu dia são dedicadas
a quebrar a minha cabeça para encontrar um jeito de pagar todas as minhas
contas.
Na próxima vida quero nascer herdeira.
Ou quem sabe uma princesa de um reino perdido.
Qualquer uma dessas duas possibilidades já me deixaria muito feliz.
— Achei que suas mãozinhas só eram mágicas na hora de cozinhar.
Abro um sorrisinho e indico que ele feche os olhos.
Henrique fecha só um.
Desconfiado é que chama?
— Você não faz ideia das coisas maravilhosas que elas podem fazer
fora de uma cozinha, Henrique.
Ele dá um pigarro e se remexe na poltrona, o tecido da calça roçando
em minhas pernas nuas.
— Minha imaginação não é capaz de ir assim tão longe, Ariela.
É só então, quando estou passando a pomada em seu olho, que me
dou conta do que acabei de dizer.
Ai, cacete!
Se existisse uma tabela de vergonhas para passar ao longo da vida,
eu com certeza já teria a gabaritado.
— Eu...
Henrique entreabre o olho machucado.
— Está flertando comigo?
— Jamais. Prefiro comer strogonoff de berinjela pelo resto da vida.
A mandíbula dele dá uma leve tensionada.
— Não fale o que você não pode cumprir, Ariela.
Afasto a mão do seu olho.
Chega de pomada.
— Como assim?
Não tenho a chance de ouvir a sua resposta. A porta do escritório é
aberta e, como prometido, Pierre retorna com uma jarra grande de água e
dois copos.
— Se precisarem de mais alguma coisa, é só me chamarem. — Ele
deixa as coisas em cima da mesa e faz menção de sair, nos deixando
novamente a sós, mas acaba retornando. — Ei, Ariela... Depois que todo
esse caos passar, a gente poderia sair um dia desses para tomar sorvete.
Prometo pra você que não tenho namorada.
Solto uma risada.
Pierre é quase meu vizinho, então não vejo problema nenhum em
aceitar o seu convite. Afinal, ele está tão solteiro quanto eu. E, se eu não
estou enganada, ele é super apaixonado na Cibele. A parte chata é que ela
parece não se dar conta disso.
— É claro. Eu adoro sorvete.
Pierre me dá uma piscadinha em resposta, fechando a porta logo
depois de voltar para o trabalho. Quando olho para Henrique, ele está
tomando sua água quase como se estivesse degustando de um copo cheio de
veneno.
— Água ruim?
— Noite ruim, Ariela. Noite muito ruim.
Me sento na poltrona ao seu lado.
— Eu que o diga, Henrique.
Depois da confusão de hoje, eu definitivamente não vou sair com
mais ninguém por pelo menos cinco meses.
Preciso me curar de todos esses traumas causados pelo meu dedo
podre.
Mas preciso mais ainda de uma longa sessão de filmes românticos
com pizza congelada do supermercado.
Somente isso vai ser capaz de me curar.
INGREDIENTES:
1 lata de leite condensado
1 colher (de sobremesa) de manteiga
150g de nozes moídas
1kg de açúcar de confeiteiro
Leite

Eu meio que sempre soube que queria ser confeiteira.


A maioria das pessoas sempre dizem ter tido uma inspiração. Uma
mãe que amava assar bolos de chocolate nos finais de semana. Um pai que
se divertia descobrindo novas receitas com os filhos. Uma avó que
preparava os melhores almoços de domingo e te confidenciava os maiores
segredos culinários.
O meu caso não é nenhum desses.
Acho que o prazer por cozinhar simplesmente nasceu comigo.
Aquela coisa que acompanha a gente desde criança, sabe?
Quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse, não
dizia que queria ser médica, veterinária ou astronauta. A minha resposta,
desde os cinco anos de idade, continua sendo exatamente a mesma até hoje.
Nada mudou.
A única diferença é que atualmente eu tenho plena consciência de
que realizá-los não é assim tão fácil.
Agora consigo entender porque o Peter Pan tinha tanto medo de
crescer.
É horrível.
É tenebroso.
É assustador.
Hoje, especialmente, é um daqueles dias em que tenho uma vontade
absurda de voltar para o útero da minha mãe.
Tudo começou com o meu despertador não tocando. Depois, a
chaleira elétrica parou de funcionar e eu ainda consegui queimar o meu pão
na sanduicheira. Como se já não bastasse a vontade absurda de chorar,
ainda derrubei a minha caneca de café dentro da pia e saí de casa sem
pentear o cabelo.
Estou um caco.
Se um caminhão passasse por cima de mim, eu nem sentiria nada.
Se as manhãs de Henrique são assim tão terríveis como a minha foi
hoje, faz sentido ele estar sempre tão mal-humorado. Não tem bom humor
que resista a pão queimado e café desperdiçado.
— E aí você ficou lá com o Henrique até o restaurante fechar? —
Ísis pergunta, enquanto corta um punhado de rodelas de banana e morango.
Quando não estou trabalhando em casa nas minhas encomendas, eu
ajudo Ísis no Açaísis, uma barraquinha localizada na beira-mar da praia de
Santa Clara. Enquanto minha amiga fica responsável pela parte da cozinha,
eu atendo os fregueses que ficam na areia ou na orla.
É um trabalho tranquilo que me ajuda a pagar as contas, então não
tenho do que reclamar. Exceto do calor, é claro. Nesses dias eu daria a vida
por um ar-condicionado portátil.
— Eu estava sem um tostão furado para pagar o Uber até em casa,
então não tive muita escolha além de ficar lá dando apoio moral pra todo
mundo — explico. — Acho que era o mínimo que eu podia fazer depois da
confusão que o Murilo causou.
Ísis solta um muxoxo.
— As pessoas só estão falando disso. Fui ao supermercado antes de
vir pra cá e escutei pelo menos três velhinhas comentarem que Murilo saiu
do Bacio Di Sole de ambulância, com a camiseta rasgada e o nariz
sangrando igual uma cachoeira.
— Queria que todas essas coisas fossem verdade, porque talvez
assim ele parasse de ser um babaca que trai a namorada.
— Difícil, Ari. Murilo é a própria caçamba de lixo passeando pela
cidade. — Ela solta um choramingo e olha para mim. — Me desculpa por
esse encontro horrível. Se eu soubesse...
— Não tinha como você nem o Igor saberem, amiga.
Não estou sendo condescendente com a situação.
Realmente não tinha como Igor e Ísis saberem. Afinal, Murilo é
apenas um mero conhecido do irmão da minha melhor amiga. Todas as
vezes em que eles saíram juntos, Murilo jamais mencionou uma namorada.
Ninguém tem bola de cristal para adivinhar essas coisas.
Eu é que fui azarada mesmo. O que não é nenhuma novidade se
tratando de mim.
Se existisse a Mega-Sena do azar, eu já estaria milionária. Mas como
a humanidade ainda não evoluiu a esse ponto, vou me contentar em ganhar
umas moedinhas no jogo do bicho.
— Só que a gente podia ter evitado esse pepino gigante pra cima de
você — constata. — Pro seu próximo encontro, prometo que vou pesquisar
até a declaração de imposto de renda do cara e a marca de protetor solar que
ele usa.
Crispo os lábios.
No sábado, enquanto eu tomava copos e mais copos de água no
escritório do Henrique, determinei para mim mesma que não irei sair em
mais nenhum encontro. A minha meta para os próximos meses é aposentar
o meu dedo podre e focar em fazer tantos docinhos que vou dormir e
acordar com a barriga em frente ao fogão.
Chega de homens babacas.
Agora sou uma nova Ariela que usa repelente contra
relacionamentos fracassados e não aceita menos daquilo que merece.
Já estava na hora, né?
— Vou parar com os encontros, Ísis.
Ela arregala os olhos para mim e leva a mão à boca, totalmente
chocada.
— Por quê?!
— Já me meti em problemas demais. Talvez o meu destino seja
terminar sendo uma velhinha de 75 anos que faz crochê para
eletrodomésticos, briga com as amigas do bingo por causa de uma batedeira
e que tem um pinscher de estimação chamado Alfredo.
— Você simplesmente vai desistir assim? — Ísis limpa as mãos no
papel toalha descartável enquanto concordo com um aceno. — E o seu
desejo de se casar, construir uma família e comprar uma casa com piscina?
Encolho os ombros, desanimada.
Ísis sabe que um dos meus maiores sonhos é ter um casamento de
arromba e usar um vestido estilo princesa da Disney enquanto entro na
igreja acompanhada do meu irmão. Quero uma celebração religiosa com
direito ao véu arrastando no chão, um imenso buquê de rosas e alianças de
ouro abençoadas pelo padre.
Não sou uma pessoa religiosa, mas gosto de manter as tradições da
minha família.
Mas nada disso vale se eu estiver me envolvendo com o sapo em vez
do príncipe encantado.
— Quanto mais a gente procura pelo amor, mais ele foge da gente
— repito o conselho que ouvi do Guto uma vez. — Então vou me esconder
dentro de uma caverna e esperar ele me encontrar, porque não vou fazer
mais nenhum esforço para isso.
— Bom, então vou aposentar o meu arco e flecha de cupido. — Um
suspiro teatral escapa de seus lábios. — Acho que essa é a aposentaria mais
rápida de toda a história. Chupa essa, INSS.
Solto uma gargalhada.
— Agora é a sua vez de encontrar um namorado, Ísis. Já que eu
estou desistindo de procurar o amor, chegou a sua vez de ficar apaixonada
até se esquecer de como se monta um copo de açaí.
Ela faz uma careta.
— Prefiro passar o resto da minha vida usando a mesma calcinha do
que me submeter a isso. Você sabe que eu adoro ver as pessoas se
apaixonando, se casando e construindo uma família, mas esse tipo de vida
não combina comigo, Ari.
— Nem mesmo um namoradinho pra vocês dois dormirem de
conchinha enquanto assistem ao reprise de alguma novela do Manoel
Carlos?
— Só de imaginar esse cenário já começo a ficar com calor no
sovaco.
Esse é um fato curioso sobre a minha melhor amiga.
Quando estávamos no primeiro ano da faculdade, Ísis era a pessoa
mais namoradeira que eu conhecia. Toda semana ela me falava de um
ficante novo. Era até difícil acompanhar todas as idas e vindas da sua vida
amorosa. Ela se decepcionava com alguns caras, é claro, mas sempre dava a
volta por cima com uma facilidade invejável.
Até que no dia seguinte, após a festa de aniversário do Gustavo, Ísis
decidiu que não iria se envolver com absolutamente mais ninguém.
Quatro anos já se passaram desde essa noite e ela continua tendo a
mesma opinião. A sensação que tenho é que minha amiga trancou o coração
dentro de uma torre e jogou a chave fora.
Ela até acredita no amor, mas não quer vivê-lo de jeito nenhum.
O que é uma pena, porque sempre quis que nós duas
engravidássemos na mesma época para que nossos filhos crescessem
juntinhos e se tornassem amigos inseparáveis como nós duas.
— Considere então esse o fim das nossas vidas amorosas — digo,
em uma animação fingida, ao erguer a minha garrafinha de água. — Nada
de namorado pra Ísis e nada de encontros para a Ariela.
— Definitivamente, acabamos de chegar no fundo do poço da vida
adulta. — Ela também ergue o copo plástico com o açaí, me acompanhando
no brinde imaginário. — Um viva a depressão causada pelos 24 anos!
Nós duas gargalhamos em uníssono.
— Mas quer saber de uma coisa, Ari?
— Hum?
— Eu ainda vou shippar em silêncio você e o Henrique e todos os
filhos bonitinhos que vocês dois poderiam fazer juntos.
Resmungo um palavrão.
Não quero imaginar eu e Henrique pelados.
Não mesmo.
Essa fase da minha vida já passou.
— Lá vem você de novo com esse papo. Supera, Ísis!
Ela cruza os braços para mim e ergue uma das sobrancelhas naquele
gesto debochado que me deixa com vontade de roubar todas as latas de leite
condensado e bandejas de morango da sua geladeira.
— É impossível superar essa história. Até porque, se eu me lembro
bem, você era super apaixonadinha por ele quando tinha 20 anos.
— Eu era iludida, isso sim — corrijo-a. — Henrique deixou bem
claro que não me queria mais na vida dele quando, uma semana depois do
aniversário do meu irmão, foi fazer um intercâmbio na Itália e não
respondeu nenhuma das minhas mensagens. Não tem como você shippar a
gente se ele me odeia mais do que eu odeio orégano na pizza.
— Ele não te odeia nem aqui nem lá na China.
— Tá bom, talvez odiar seja uma palavra muito forte. Henrique
apenas me tolera em um gesto de educação por causa do meu irmão —
murmuro. — Nunca vai acontecer nada entre a gente, então pode ir tirando
o seu cavalinho da chuva. É mais provável que eu seja chamada pra
cozinhar um frango de padaria com a Ceci Braga do que ter qualquer
envolvimento com ele.
— Lembre-se do que o Justin Bieber disse uma vez, Ari.
— O quê?
— Never Say Never.
Mostro a língua pra ela que caí na gargalhada diante da minha
reação.
De vez em quando, me pego imaginando como seria a minha relação
com o Henrique hoje em dia se ele não tivesse pego aquele avião e ido
embora para Itália por um ano.
Será que ainda seríamos amigos? Ou ele teria dado um jeito de me
dar um gelo logo depois? Ele realmente gostava de conversar comigo? Ou
só me aturava falando baboseiras no seu ouvido por causa do Gustavo?
Não ter a resposta dessas perguntas já foi motivo da minha insônia
por muito tempo. Sorte que hoje em dia existe chá de camomila. Não existe
pensamento ruim que não seja derrubado por uma boa noite de sono.
— Escute o que estou te dizendo, amiga... — Ísis olha para mim
como se todos os segredos do mundo estivessem escondidos embaixo do
seu colchão. — Um dia você e o Henrique vão se casar e aí, quando eu for
convidada para ser a madrinha de vocês, eu vou te lembrar dessa conversa.
— Você enlouqueceu de vez.
— Estou muito bem de saúde, viu? Nunca estive tão bem como
nestas últimas semanas — diz, em um tom debochado. — Inclusive, você
sabia que os ingleses acreditam que se a noiva encontrar uma aranha no seu
vestido, esse bichinho vai trazer sorte à união?
— Se esse é o seu jeito de me convencer a voltar para os encontros e
me casar, não está dando certo.
Ísis revira os olhos e retorna para o trabalho na cozinha. Já eu, me
dedico a atender os clientes que estão sentados nas cadeiras ao redor do
Açaísis.
Por estarmos no final da primavera, Santa Clara está com o turismo
aos poucos se aquecendo, mas ainda temos uma longa temporada de verão
pela frente. E como sou uma pessoa otimista, estou torcendo para que esse
ano seja tão bom quanto o anterior.
Afinal, quanto mais eu trabalhar nesses próximos meses, maiores
são as chances de conseguir guardar dinheiro para abrir o meu próprio
negócio. Sei que não é fácil, mas eu também não sou o tipo de pessoa que
desiste diante da primeira dificuldade.
Vou conseguir ter a minha própria confeitaria bem do jeitinho que
imaginei.
Nem que para isso eu tenha que vender todas as roupas do meu
guarda-roupa e arrumar dois empregos para pagar as dívidas acumuladas.
— Pronta para irmos embora, Ari? — Ísis pergunta horas depois,
quando o sol já está se pondo no horizonte e a praia se encontra
praticamente vazia. — Pensei na gente comer um pastel ali na dona
Agostinha. Ela disse que tem uns babados do filho dela pra contar pra
gente.
Estou exausta, morrendo de fome e louca para ir para casa, mas
existe algo que preciso fazer antes. As fofocas da dona Agostinha
envolvendo o seu filho podem esperar.
— Hoje vou dispensar o seu convite, amiga. Tenho um lugar mais
importante para ir.
— Hum... Vai se despedir da vida de solteira em busca do amor
bebendo alguns drinques acompanhada da solitude?
Dou risada diante do seu tom malicioso.
— Amanhã eu te conto, prometo!
Ela balança a cabeça repetidas vezes.
— Se precisar de qualquer coisa, me manda mensagem! Hoje não
tenho que trabalhar de babá.
Aceno em despedida, prometendo que vou manter o celular ligado,
mas dessa vez sei que não corro risco nenhum. Talvez só haja uma pequena
chance de eu ser chutada pra rua ou trancada dentro da despensa.
Afinal, nunca sei o que esperar de Henrique Fiore e do seu
maravilhoso humor contagiante.
INGREDIENTES:
250g de massa spaghetti
3 colheres (de sopa) de manteiga
3 colheres (de sopa) de suco de limão-siciliano
Raspas de 1 limão-siciliano
1 colher (de sopa) de orégano
½ xícara (de chá) de creme de leite fresco
2 colheres (de sopa) de queijo parmesão ralado
Sal e pimenta-do-reino a gosto

Hoje é um daqueles dias em que eu entendo o motivo pelo qual


tantas pessoas tiveram suas carreiras arruinadas diante de uma crítica ruim
nas redes sociais.
Estou com vontade de quebrar todos os pratos da cozinha.
E estou com mais vontade ainda de escrever um textão de 10
páginas explicando os motivos pelos quais o meu restaurante não é um lixo
ambulante e que aqui você só é tratado mal se fizer por merecer.
Conheço os meus funcionários.
Confio na minha equipe.
Treinei cada um deles até se tornarem quem são hoje dentro do
âmbito profissional.
Então eu sei, melhor do que ninguém, que nenhum deles serviu um
vinho estragado, trouxe uma comida azeda da cozinha ou destratou um dos
nossos clientes como se eles fossem um pedaço de cocô de cachorro preso
na sola do sapato.
É por isso que estou puto.
Porque tudo o que está escrito ali, naquela postagem desagradável
em um perfil anônimo do Instagram, é a mais pura mentira.
Qualquer dose de bom humor que eu ainda poderia ter dentro de
mim acabou de morrer.
— Não é assim tão ruim.
Ergo a cabeça diante da voz de Leana.
— Já são mais de 600 comentários em menos de 24h de postagem
— murmuro, a minha garganta já ficando dolorida de tanto engolir em seco.
— Se isso não é ruim, não quero nem imaginar qual é a verdadeira
definição no dicionário.
Os olhos de Leana se reviram enquanto o quadril se apoia na mesa
que estou sentado.
— Você está exagerando, Henrique. Não é como se as pessoas
decidissem que você é o pior chefe de cozinha da cidade só por causa de
uma postagem tendenciosa.
Encaro seu rosto.
Hoje estamos de folga, pois é segunda-feira, então Leana substituiu
o costumeiro uniforme por uma calça jeans larga, um tênis de solado baixo
e uma regatinha amarela que combina com o tom de sua pele negra-clara.
Os cabelos castanho-escuros estão soltos, caindo em cachos bem definidos
até a metade das suas costas.
— Não confio na capacidade de julgamento dos outros.
Recebo um tapinha de consolo no meu ombro.
Ela é o meu braço direito aqui dentro.
Leana Torres trabalha como subchefe de cozinha do Bacio Di Sole e
é uma das minhas melhores amigas desde a época da pós-graduação.
Quando ela estava insegura em assumir para a família que era lésbica,
ofereci um quarto no apartamento em que eu morava e dividimos o valor do
aluguel por um tempo.
Confio em Leana mais do que confio na minha própria sombra.
Nada do que o meu negócio é hoje seria se eu não a tivesse ao meu
lado desde que rascunhei a ideia no papel de ter o meu próprio restaurante.
— Quem te conhece sabe que você jamais trataria um cliente assim.
— Vou me lembrar disso quando nossa clientela cair pela metade.
As sobrancelhas grossas dela se franzem.
— Você acha que isso pode acontecer?
— Não faço ideia, mas você sabe que eu não gosto de brincar com a
sorte, então...
Leana coça a pontinha do nariz largo, pensando no assunto. Estamos
numa sinuca de bico que vai nos render uma dor de cabeça interminável.
Não vai ter analgésico nesse mundo capaz de me tirar desse furacão de
estresse.
Vou passar a noite inteira acordado, encarando o teto e pensando em
mil maneiras de resolver esse problemão que pode custar todos os anos que
venho me dedicando a esse restaurante.
O pior de tudo é que tenho uma desconfiança de quem foi que
reclamou e não posso fazer absolutamente nada a respeito. Sair chutando a
bunda das pessoas que detesto, infelizmente, ainda não é algo bem aceito
pela sociedade.
— Nós vamos dar um jeito, não precisa se preocupar com isso. —
Leana estende o braço e desfaz o meu cenho franzido com o dedão. —
Agora para de fazer cara feia, porque eu me recuso a ter um amigo cheio de
rugas antes dos 50 anos.
— Pé de galinha tá na moda.
— Desde quando?
Me levanto da mesa e desligo o computador.
— Desde que eu comecei a me estressar com todos os seres
humanos que habitam o planeta Terra.
A risada dela repercute pelo restaurante vazio e silencioso.
— Pé de galinha está na moda desde que você era um bebêzinho
chorando dentro do berço, então.
— Isso é pra você ver como eu sofro com a ignorância humana há
28 anos. — Caminho até a adega onde deixamos todos os vinhos expostos.
É uma coleção surpreendente, tenho que admitir. — Vai querer beber
também? Porque eu me recuso a passar mais uma hora desse dia infernal
sem uma gota de álcool na boca.
— Posso beber durante o meu expediente de trabalho?
Pego o saca-rolha na gaveta e duas taças.
— Você não está trabalhando agora, Leana.
— Você entendeu o que eu quis dizer, Henrique.
— Vai querer beber ou não?
— Claro que sim! — Saltita para fora da mesa e se aproxima de
onde estou, se acomodando em uma das banquetas do minibar. — Você já
me viu recusar uma boa e velha taça de vinho italiano? Estou acostumada a
beber o pobre e coitado vinho chileno.
— Com você falando desse jeito, até parece que eu te pago uma
mixaria de salário.
Abro o vinho e encho as nossas taças. É um Chianti Clássico
Castello di Brolio Gran Selezione, um dos meus favoritos.
— Você não paga mal, mas é que a Elisa sempre compra os vinhos
com as embalagens mais bonitas e chamativas.
— Normalmente, esses são os piores.
— Exatamente. — Bebe um golinho do vinho e solta um suspiro de
pura paixão. — Sério, o canalha que disse que só servimos vinho azedo
deveria estar com o paladar estragado. Você sabe quem foi que fez a
postagem?
— Tenho uma leve desconfiança.
Não preciso ser muito esperto para somar 1 + 1 e chegar a uma
conclusão.
O jeito que Murilo saiu daqui, totalmente transtornado e com fumaça
saindo pelos ouvidos, não me deixa dúvidas de que ele encontrou um jeito
de se vingar pelo que aconteceu.
E é claro que ele não colocaria a cara a tapa assim. É muito mais
fácil se esconder atrás de um perfil anônimo e descer o cacete no meu
restaurante através das redes sociais do que assumir que é um canalha que
trai a namorada sempre que pode.
— E o que a gente faz agora?
— A gente torce para não cairmos na miséria. Santa Clara não é uma
cidade grande como Nova Granelle, então pode ter certeza de que o povo
vai comentar sobre isso por semanas. — Olho para a taça, desejando não ter
tantas preocupações. Quem diz que ter o próprio negócio é um mar de
rosas, estava mentindo. — A única solução é esperar a poeira baixar e
torcer pra que isso não leve a gente pro buraco.
— Se você continuar com esses pensamentos negativos, aí sim que a
gente vai acabar no fundo do poço. Cadê o seu ânimo, Henrique?
Leana bate palmas, em um misto de empolgação e bom humor.
Já eu, permaneço com a expressão totalmente apática.
Estou prestes a beber um gole do vinho pra ver se a serotonina
retorna para o meu corpo quando escuto a porta da frente do restaurante ser
aberta. Não a tranquei porque sabia que ninguém seria desrespeitoso a
ponto de ignorar a gigante placa anunciando que estamos fechados.
Mas, aparentemente, eu estava enganado.
A primeira coisa que noto é a caixa grande que a pessoa está
segurando.
Depois, as sandálias de tiras que se enrolam ao redor de dois
tornozelos femininos, junto do vestido azul marinho esvoaçante que adere
ao corpo pequeno.
E, por último, vejo o rosto feliz e bonito de Ariela.
— Hum... — Ela prolonga as sílabas, olhando para mim, para Leana
e depois para as taças de vinho. — Estou interrompendo alguma coisa?
Leana abre um sorriso de orelha a orelha.
— De jeito nenhum! Eu só passei para encher um pouco o saco do
Henrique, mas já estava de saída. — A mentira dela é tão absurda que
estreito os olhos em sua direção. Ela me ignora, como sempre. — A Elisa
está de folga hoje do trabalho, então vamos aproveitar para assar uma
lasanha e assistir algum filme da Barbie com a Nina.
Ariela assente e se aproxima do minibar, deixando a caixa em cima
do balcão de mármore.
— Tem certeza? Eu posso voltar outra hora e...
— Não precisa se preocupar, Ari. — Leana dá uma piscadinha para
ela e depois outra para mim. Estou quase bebendo essa taça inteira de vinho
em um gole só. — Hoje nem estamos abertos, então o Henrique é todinho
seu.
Aperto a ponte do nariz.
A falta sutileza de Leana ainda vai me matar.
A pior parte é que nenhum de nós tem a chance de dizer alguma
coisa, porque ela pega a bolsa esquecida na cadeira e vai embora tão rápido
quanto surgiu, acenando para a gente com vários beijinhos. Quando a porta
de entrada bate e o silêncio retorna, Ariela apenas olha para mim.
Eu faço o mesmo.
Os cabelos estão presos em um tipo de laço que deixa evidente cada
parte do seu rosto. A pele branca está totalmente livre de maquiagem,
revelando as pequenas sardas que ela tem ao redor dos olhos.
Sempre a achei muito bonita, mesmo quando não deveria.
Ela é a irmã mais nova do meu melhor amigo, afinal de contas.
Mesmo que a gente nunca tenha conversado sobre, existe aquele
consenso básico entre amigos de que irmãs estão estritamente proibidas.
Sendo assim, Ariela sempre foi e sempre vai ser um território
proibido.
— Quer dizer então que hoje você é todinho meu?
Pressiono os lábios em uma linha reta.
— Se vai começar com piadinhas, já te aviso de antemão que não
estou para sorrisinhos hoje.
Ariela se acomoda em uma das banquetas e apoia o queixo na mão.
— Você nunca está para sorrisinhos, Henrique. Até parece que tem
cola Super Bonder na boca.
— Está dizendo que eu sou incapaz de sorrir?
Ela me olha com aquele ar de desdém que sempre me tirou de sério.
A Ariela de 20 anos era o meu Inferno na Terra, mas a de 24 anos
consegue ser muito pior. É como se, com o passar dos anos, a sua
personalidade atrevida tivesse triplicado de tamanho.
— Você é? Porque eu não vi até hoje.
— Eu reservo os meus sorrisos para as pessoas que fazem por
merecer.
— Ou seja... Ninguém.
Encho os pulmões de ar e solto um longo suspiro.
Ariela se diverte com a minha reação, porque uma risadinha escapa
dos seus lábios, fazendo os olhos diminuírem de tamanho e uma covinha
surgir do lado esquerdo da bochecha.
Se ela ainda está meio balançada pelo que aconteceu no final de
semana, já não demonstra mais. Os sorrisos e as piadinhas estão de volta. É
a Ariela de sempre que não se deixa ser derrubada por nada nessa vida.
— O que você está fazendo aqui, afinal de contas?
Ariela apruma os ombros na banqueta e puxa a caixa de papelão
para mais perto, empurrando-a na minha direção. Olho desconfiado para o
laço azul exagerado preso no topo.
— Trouxe algo para você.
— Meu aniversário é só dia 12 de junho.
— Não é um presente, Henrique — diz, meio acanhada. — É um
gesto de agradecimento pelo que aconteceu no sábado. Causei a maior
confusão e se você não tivesse ido atrás de mim lá no banheiro, eu
provavelmente teria me tornado amante de um babaca. Não falei nada
naquela noite, mas... Muito obrigada por me proteger, mesmo que não
tivesse nenhuma obrigação de fazer isso.
Olho de novo para a caixa e depois para a garota que agora me
encara com afinco.
Ariela sempre foi desse jeito, cheia de gestos bondosos e palavras
doces, mas mesmo assim fico surpreso com a sua atitude. Até porque,
depois do Murilo xingar a nós dois dos piores nomes possíveis, eu achei
que ela iria querer enterrar toda essa história dentro de um buraco e nunca
mais falar dela.
Também não comentei nada com o Gustavo e ainda tive que mentir
sobre o meu olho roxo para a minha avó.
As coisas que ando fazendo nesses últimos dias pela Ariela me
lembram do porque costumo manter uma certa distância dela.
Sei que fiz o certo em me afastar anos atrás.
Só não sei se agora esse espaço entre a gente está sendo o suficiente.
— A última coisa que você precisa fazer é me agradecer, Ariela.
— Eu sei disso, mas gosto de relembrar as boas maneiras que me
foram ensinadas ao longo da vida — provoca, me lançando um sorrisinho
de canto. — Alguém aqui precisa ser a pessoa educada, né?
— Mal-humorado, inimigo da diversão, entediante e sem educação
— enumero cada uma das coisas que ela já me chamou nesses últimos dois
dias. — Estou gabaritando todos os adjetivos da sua lista de insultos. Só
faltou o babaca, mesquinho e metido a arrogante.
— Esses são de uso exclusivo para o Murilo. — A mão dela
gesticula para a caixa. — Agora abre logo. Estou curiosa para a sua reação.
Estou até pensando em gravar e...
— Nem ouse, Ariela Melina Brado Machado.
Ela enruga a pontinha do nariz em um sinal de desgosto.
Ariela odeia quando a chamam assim.
— Com você me chamando pelo meu nome completo eu realmente
não vou chegar perto do meu celular. Só Deus sabe quais castigos eu terei
que enfrentar.
— Não sou esse tipo de pessoa.
— O que você faz, então? Dá tapinhas na bunda em repreensão?
Engulo em seco.
A imagem que se forma na minha cabeça não é nada boa.
Se Gustavo pudesse ler mentes, eu já estaria com o meu pescoço na
guilhotina.
— Se eu te responder, você provavelmente vai sair correndo daqui.
— Você é tão maldoso assim, Henrique?
Pressiono a têmpora direita e bebo um gole do vinho.
Ouvir essas baboseiras saindo da sua boca petulante é um atentado a
minha sanidade mental. É por isso que sempre fico longe dela. Quando
éramos mais novos, eu permiti que Ariela se infiltrasse por inteiro na minha
vida. Não vou cometer esse erro de novo. Até porque, não estou com tanto
dinheiro disponível assim para pegar um avião até a Itália do dia para a
noite.
— Com você? Sempre.
Ela me mostra a língua igual uma criança petulante.
— Só aceita logo o meu pedido de agradecimento e abre essa caixa.
Prometo que não tem nenhuma bomba-relógio, um cachorrinho de
estimação ou um palhaço que salta escondido aí dentro. É só uma coisinha
que fiz de coração.
Lanço um olhar desconfiado para ela, mas acabo cedendo.
Desfaço o laço azul horroroso e levanto a tampa de papelão.
Por um segundo, fico sem reação olhando para o que tem ali.
São trufas de morango.
Um punhado delas.
As mesmas trufas de morango que Ariela começou a fazer na época
da universidade. Elas sempre foram defeituosas, meio deformadas e
exageradamente cobertas de chocolate, mas hoje em dia estão
absolutamente perfeitas.
— Ariela...
Ela se remexe na banqueta.
— Eu te avisei que minhas técnicas melhoraram com o passar dos
anos. Agora você pode comer minhas trufas de morango sem correr o risco
de contrair uma intoxicação alimentar.
Sua frase me leva de volta para quatro anos atrás, quando ela me fez
provar um punhado de trufas de morango de uma nova receita que estava
aprendendo. Passei aquela noite no hospital tomando soro na veia enquanto
Ariela choramingava que era a pior confeiteira do mundo inteiro.
— Já te falei um milhão de vezes que eu não passei mal aquela vez
por sua culpa. Foi o açúcar em excesso que atacou o meu fígado.
— Açúcar que estava nas minhas trufas, ou seja: fui a culpada.
Tombo a cabeça para o lado, totalmente indignado com a sua
petulância.
— Não acredito que você continua insistindo nessa história.
— Shiu, são traumas que guardarei até o último dia da minha vida.
— Estica o corpo por cima do balcão e pousa o indicador sobre os meus
lábios, me impedindo de reclamar. — Agora, bem quietinho e bonzinho,
você vai experimentar as minhas trufas e dar o seu veredito. Apesar de te
achar um chato, ainda levo muito a sério a sua opinião.
Olho para a sua mão e depois para o seu rosto redondo.
— Não tem como eu provar qualquer coisa se você continuar com o
dedo na minha boca, Ariela.
Ela faz um biquinho fofo e escorrega a mão para longe.
O problema, então, acontece logo em seguida.
O corpo dela se desequilibra na banqueta.
Um gritinho escapa da sua garganta.
E antes que qualquer um de nós possa fazer algo, Ariela esbarra com
o cotovelo nas taças e na garrafa de vinho aberta.
INGREDIENTES:
18 uvas verdes
1 caixa de leite condensado
1 colher (de sopa) de manteiga
5 colheres (de sopa) de leite em pó

Ai meu Deus.
Ai meu Deus.
Ai meu Deus.
Não consigo parar de repetir isso enquanto olho para o estrago que
acabei de causar.
Henrique está com uma mancha enorme na camisa branca de botões.
Uma mancha causada pela garrafa de vinho que derrubei junto das
duas taças que agora são apenas caquinhos destruídos em cima do balcão de
mármore.
É um desastre.
Um desastre causado inteiramente por mim.
Cada dia que passa tenho mais certeza de que me esqueci de entrar
na fila das pessoas sortudas e acabei vindo ao mundo com uma dose extra
de azar.
— Deixa que eu limpo isso!
— Ariela...
— É sério! Não se mexe! — Me afasto para longe da banqueta e
contorno o balcão do minibar, até ficar de frente para Henrique. — Onde
tem um pano?
— Na segunda gaveta.
Me agacho e pego por dois panos, só para garantir. Quando fico
novamente de pé, ele está me olhando com um ar de diversão cintilando nos
olhos. Nem parece que acabei de destruir uma garrafa de vinho que
provavelmente deve custar metade do meu aluguel.
— Você está se divertindo às minhas custas, Henrique Fiore?
— Confesso que eu tinha me esquecido do quão desastrada você
consegue ser.
— É o meu maior charme, mesmo no meio do caos.
Pisco as pálpebras para ele do jeito mais brega possível, arrancando
de Henrique um grunhido esganiçado.
Como eu disse antes, ele nunca sorri, quem dirá dar risada diante das
minhas atrapalhadas, então vou me contentar com os barulhos esquisitos
que saem da sua boca.
Me aproximo mais dele e começo a enxugar o estrago que causei na
sua camisa. Henrique permanece de pé ao meu lado e, a cada vez que minha
mão sobe e desce pelo seu abdômen, sinto os olhos castanho-escuros
queimarem em minha pele.
Depois de cinco esfregadas e uns suspiros cansados sendo proferidos
da minha parte, chego a pior conclusão de todas. Fico com vontade de
chorar na mesma hora.
— Foi muito cara?
— O quê?
— A sua camisa... — Faço um biquinho ao olhar para a mancha. É
bem maior do que pensei e de uma coloração forte demais. O que diabos
tinha nesse vinho? Tinta permanente? — Nem mesmo se eu fosse a fada da
lavanderia conseguiria tirar essa mancha. Provavelmente você vai ter que
jogar no lixo. Se não custar mais de cem reais, talvez eu possa comprar
outra.
Ele passa a mão pelos pontinhos de barba que recobrem a sua
mandíbula e depois pelo bigodinho terrível.
Eu cometeria loucuras com uma navalha na mão só para deixá-lo
sem isso.
Não que seja feio, é só que eu acho que Henrique fica muito melhor
sem esse negócio.
Bigode é aquele tipo de charme que eu dispenso de bom agrado.
— Ariela... — Henrique estala a língua no céu da boca e tira o pano
da minha mão, que agora também está bordô. É um desastre que nunca
parece ter fim. — Você derrubou um vinho, quebrou duas taças e está
preocupada com a minha camisa?
Levo a mão à boca.
Ai meu Deus.
— Eu posso pagar também. Você aceita parcelamento em dez vezes
sem juros no cartão de crédito?
Ele sacode a cabeça em discordância e joga a garrafa dentro do lixo
atrás de nós. O barulho do vidro atingindo o fundo se assemelha muito ao
valor da minha conta bancária depois de hoje à noite.
E olha que eu achava que o pior que poderia acontecer neste mês de
outubro seria o meu encontro fracassado com o Murilo.
Eu não poderia estar mais enganada.
— Não. Eu não aceito.
Faço uma careta de desagrado.
— Posso fazer trufas de morango por cinco anos para você
totalmente de graça como forma de pagamento. O que acha? Sei fazer
também bombons de uva. Esses são os favoritos dos noivinhos.
Ele enxuga as mãos no pano que está limpo e começa a desabotoar
os primeiros botões da camisa.
— Não sei onde você está querendo chegar com essa conversa,
Ariela.
— Estou te dando opções de quitar a minha dívida depois desse
prejuízo que causei. Você ainda gosta de brigadeiros de maracujá? Eles
agora são a minha especialidade número um e...
As palavras morrem dentro da minha boca quando Henrique
simplesmente termina de desabotoar todos os botões e a joga no lixo.
Eu tento não olhar.
Juro que tento.
Mas é humanamente impossível.
A última vez que o vi sem uma peça de roupa cobrindo boa parte do
seu corpo foi a cerca de dois anos, quando o encontrei correndo na orla da
praia enquanto levava os cachorros da Cibele para passear. Mesmo de
longe, tive um pequeno vislumbre do que uma academia + aulas de Krav
Magá são capazes de fazer.
Henrique tem os músculos corporais bem definidos, com os
gominhos se destacando de um jeito tímido no abdômen e veias
proeminentes por toda a extensão dos braços. As tatuagens estão espalhadas
ao longo da sua pele, se concentrando principalmente nos bíceps e nos
antebraços.
É bem mais bonito do que eu gostaria de admitir.
Vou dormir hoje à noite pensando nisso e ter consciência desse
pensamento me aterroriza de dez mil jeitos diferentes.
Não vai ter jeito.
Vou ter que tomar um litro inteiro de chá de camomila.
— Você jamais vai ser um prejuízo para mim, Ariela — murmura
naquele tom monótono de sempre, totalmente alheio ao fato de que está sem
camisa na minha frente. — Não precisa me pagar nada.
— Eu insisto.
— Não, você não insiste.
Henrique se estica sobre o balcão, recolhendo os cacos das taças que
quebrei. Desvio o olhar na mesma hora pelo bem da minha saúde mental.
Não quero arruinar por completo as poucas horas de sono que ainda me
restam.
— Por que você nunca me deixa fazer as coisas do jeito que eu
quero?
Ele me lança um olhar de lado.
O roxo causado pelo soco, pelo menos, já não está mais tão terrível.
— Porque você tem uma tendência terrível de tomar as piores
decisões. — Ele coloca os cacos de vidro dentro do pano sujo de vinho e o
joga no lixo também. — Esqueça essa história de me pagar. As trufas de
morango já são o suficiente para mim.
— Nada de bombom de uva e brigadeiros de maracujá?
— Você está querendo que eu passe a noite no hospital de novo, por
acaso?
Meu rosto se contorce em uma expressão de mágoa. Então,
segundos depois, entendo o que Henrique acabou de fazer.
— Você está fazendo uma brincadeirinha comigo?
É algo inesperado e até um pouco estranho, porque essa versão de
Henrique é uma que não vejo há muito tempo.
Depois dele me jogar dentro do armário do esquecimento e retornar
como uma pessoa totalmente diferente da Itália, eu meio que obriguei a
minha cabeça a apagar qualquer memória feliz relacionada a amizade que
tínhamos.
No entanto, existem alguns momentos que me levam diretamente
para essa época que eu custei tanto para esquecer.
As noites que passávamos assistindo programas de culinária no meu
computador capenga.
As tardes em que eu o obrigava a experimentar as novas receitas que
eu estava tentando aprender.
As manhãs em que ele me dava carona até a universidade só porque
odiava me ver andando embaixo do sol logo cedo.
Esses momentos são um pesadelo.
Porque esse Henrique em específico não existe mais.
Agora ele faz mais o tipo que odeia tudo e todos.
Inclusive a mim.
— Estou enferrujado, né?
Mordo o interior da bochecha para refrear o sorriso que insiste em
crescer em minha boca.
— Enferrujado é pouco. Vou até tomar o reforço da minha vacina
antitetânica.
— Você se acha muito engraçadinha.
— Eu? — Aponto o dedo para o meu peito. — Você quem está
tentando relembrar o seu tempo de piadista comigo. Vai virar comediante,
Henrique? Porque, sendo bem sincera, acho que a carreira de chefe de
cozinha combina bem mais com você.
— Anos atrás você não tinha nenhuma dificuldade em rir das minhas
piadas.
— Anos atrás você era engraçado. — Aponto para o seu peitoral nu.
Não estou olhando, é claro. — Agora você só é taciturno e muito ranzinza.
— São os 30 anos batendo na minha porta. Quando você fizer 28
anos, vai entender do que estou falando.
— Eu sou naturalmente risonha, Henrique. Os anos amargos da
velhice jamais vão apagar o meu brilho.
Dou uma piscadinha divertida para ele.
A reação que recebo como sempre, é um revirar de olhos.
O dia que eu conseguir arrancar uma risada dele vai ser como ganhar
na loteria. Até porque, na minha concepção, é humanamente impossível
toda a dose de alegria e felicidade ter sido drenada de dentro do seu corpo.
A Itália não pode ser assim tão amarga, né?
— Vou me lembrar disso quando você estiver com 75 anos
alimentando o seu gato peludo e reclamando que não conseguiu ganhar um
liquidificador no bingo das amigas.
— Na verdade, quando a terceira idade bater eu quero ter um
pinscher chamado Alfredo. E eu só ficaria triste se não ganhasse uma
batedeira no bingo. Uma batedeira planetária, então... Me renderia três
noites de choro contra o travesseiro.
— Fico preocupado que você já tenha esses pensamentos aos 24
anos de idade.
— Gosto de planejar o futuro.
Henrique retorna para a adega de vinhos e pega de lá outra garrafa.
Pelo próprio bem dele, espero que essa garrafa seja mantida bem longe de
mim.
Quebrar uma foi azar.
Mas quebrar duas já pode ser considerada filha da putagem.
— E aquele seu sonho de se casar e ter uma casa com piscina? —
pergunta em um tom esquisito, de costas para mim. — Ainda continua de
pé?
Impulsiono o meu corpo para cima e me sento sobre o balcão de
mármore, as pernas balançando no ar. Daqui, consigo ver com perfeição
Henrique abrindo a garrafa de vinho e pegando duas taças limpas no
armário.
Quase solto uma risada quando noto que uma delas é de plástico.
— Eu não estaria aceitando sair com caras desconhecidos se não
estivesse em busca de um relacionamento — esclareço quando ele me
entrega a taça. — Então, sim. Esse sonho continua de pé.
Vejo a cabeça dele balançar em concordância e antes que eu possa
refrear a curiosidade que queima dentro de mim, acabo fazendo a temida
pergunta:
— E você? Ainda pensa em se casar e construir uma família?
As orbes inexpressivas se fixam em meu rosto.
É estranho pensar que um dia eu imaginei que seria Henrique o cara
que me esperaria no altar usando um lindíssimo terno e gravata e me faria a
mulher mais feliz do mundo inteiro.
A mente da gente às vezes viaja longe demais.
A minha, se eu não me cuidar, é capaz de ir até Júpiter.
— Não é o meu objetivo no momento.
— E qual é agora?
Henrique enche a minha taça de vinho até a metade.
— Focar no trabalho e tornar o meu restaurante mais reconhecido.
O Bacio Di Sole conquistou um espaço de respeito nos últimos dois
anos entre os moradores e turistas que visitam Santa Clara. Sei disso
porque, pelo menos uma vez por semana, escuto alguém comentar sobre os
pratos deliciosos que Henrique oferece no seu cardápio.
Minha mãe, por exemplo, é uma fã de carteirinha.
Se ela não passasse quase 90% do tempo viajando de cidade em
cidade com o meu padrasto, provavelmente estaria por aqui todos os finais
de semana exaltando o talento absurdo dele na cozinha.
E eu não discordo.
Henrique é muito bom.
Muito bom mesmo.
— Reconhecimento maior tipo cozinhar com a Ceci Braga?
— Esse é o seu sonho, Ariela — diz, enchendo a própria taça e
bebendo um gole do vinho. Os olhos permanecem grudados em mim. — Eu
gosto de manter os pés no chão. Conseguir conquistar uma clientela fiel já é
bom o bastante para mim. Ter um programa de televisão não faz muito o
meu tipo.
— Virou um cara tímido agora?
— Reservado, eu diria. Mas você provavelmente não vai concordar
comigo — murmura em um tom divertido que me deixa com vontade de
sorrir. — Deve haver uma definição terrível sobre esse meu traço de
personalidade de acordo com o seu dicionário.
— Vou te dar uma colher de chá porque estou te fazendo abrir dois
vinhos em uma única noite. Isso vai causar um rombo na minha conta
bancária. Já te falei que só tenho cinco reais no bolso.
— Não precisa se preocupar. Quem está pagando a conta hoje sou
eu.
— Está sendo cavalheiro comigo, italianinho?
O cenho dele se franze.
— Eu detesto quando você me chama assim.
Cruzo as pernas e solto uma risada nasalada.
— Eu te desafio a dizer algo que você não detesta, Henrique.
Como de costume, ele não me dá nenhuma resposta de imediato.
Henrique apenas me observa com aquela expressão impossível de
decifrar combinada com o cruzar dos braços sobre o peitoral que —
adivinha? — continua completamente nu.
Se ele quer me deixar com insônia, está conseguindo cumprir essa
tarefa com êxito.
— Cachorro salsicha, café preto sem açúcar, trufas de morango, lista
de compras do supermercado e Vasco da Gama.
— O quê?
— Fiz o que você me pediu — esclarece. — Essa é a minha lista de
coisas que eu não detesto. Sua vez agora, Ariela.
— Devo me sentir lisonjeada por você não odiar as minhas
maravilhosas e irresistíveis trufas?
— Sim, porque esse é o máximo de elogio que você vai receber de
mim na noite de hoje.
— Sempre um cavalheiro. Da próxima vez, vou trazer trufas de brita
— resmungo em um mau humor fingido. — Mas essa é fácil: chá de
camomila, bandeja de morangos, pizza de calabresa na promoção, imã de
geladeira e a lasanha de bolonhesa da sua avó.
— É um insulto você colocar a lasanha da minha avó e a tenebrosa
pizza congelada de supermercado na mesma frase. Chega a ser um crime
contra a culinária italiana, Ariela.
— Um crime que eu cometo de bom grado, tá? Mas não se
preocupe... — Dou um cutucão de brincadeira no seu ombro. — Quando eu
ficar milionária, vou te contratar como meu cozinheiro particular.
— E quem disse que eu vou aceitar?
— Vai deixar essa bela princesa aqui passando fome? Que homem
cruel você é, Henrique.
Henrique tensiona a mandíbula e desliza as íris para baixo, me
analisando quase em câmera lenta. Primeiro começando pelo rosto, depois
descendo para os ombros nus, se demorando nas pernas descobertas pelo
vestido azul marinho e por fim nas tiras da sandália que se enrolam ao redor
do tornozelo.
Quando os olhos retornam para cima, sinto como se estivesse
pegando fogo de dentro pra fora.
Minhas bochechas devem estar mais coradas que os tomates que ele
guarda na geladeira.
— Quem vai acabar passando fome vai ser eu, Ariela.
Passo a língua pelos dentes.
Se há segundas intenções por trás dessa frase, deve ser coisa da
minha cabeça.
Henrique não é do tipo que flerta.
Ainda mais se for comigo.
— Não precisa se preocupar, prometo te dar uns docinhos com
pouco açúcar como forma de recompensa — digo em um tom brincalhão.
— Seu fígado vai estar seguro comigo.
— Com você falando desse jeito, até parece que eu sou um cachorro
em fase de adestramento.
Eu até tento segurar, mas dessa vez a gargalhada me escapa em alto
e bom som, preenchendo todo o silêncio do restaurante vazio. Quando
consigo me recuperar, após enxugar algumas lágrimas que me escaparam,
Henrique está com o corpo apoiado contra o balcão e a sombra de um quase
sorriso brinca em sua boca.
— Tinha me esquecido de como pode ser divertido conversar com
você quando não está se metendo em um milhão de confusões.
Sua frase faz algo dentro de mim se agitar que prontamente afogo
com um gole da bebida alcoólica.
De novo não.
— Acho que posso dizer o mesmo. Quando você não está exibindo
por aí a sua personalidade emburrada, até que é legal aturar a sua presença.
A resposta dele é dar uma mordida na minha trufa de morango.
É só horas mais tarde, depois de ter bebido duas taças inteiras e
falado as aleatoriedades mais absurdas, é que percebo que Henrique não me
serviu qualquer vinho.
Ele me serviu o meu vinho favorito.
INGREDIENTES:
500g de carne moída
3 colheres (de sopa) de óleo
3 xícaras (de chá) de molho de tomate
120ml de polpa de tomate
240ml de água
1 ½ de cebola picada
4 dentes de alho
Cominho em pó, sal, pimenta-do-reino e orégano a gosto
300gr de massa de lasanha
250g de queijo mussarela fatiado
250g de presunto fatiado
50g de queijo parmesão ralado

Se eu não conhecesse a minha avó tão bem, até diria que ela está
devendo dinheiro para um agiota e o único jeito de pagar essa dívida é me
arrastar para o altar da igreja com uma das netas das suas amigas do bingo,
enquanto faço mil e uma promessas diante do padre Bentinho.
Porque somente isso é capaz de justificar a tortura que passei nessas
últimas quatro horas.
Como prometido na semana passada, vim almoçar na casa da tal
Dorotéia e conheci a sua filha Daniela.
Ela é professora de italiano em uma escola de idiomas e, no tempo
livre, é atendente na loja de uma amiga de infância. Gosta de ler o jornal
pela manhã, assistir filmes de romance após o expediente de trabalho e
visitar a sobrinha de cinco anos nos feriados.
Parando pra pensar, até que a gente tem algumas coisas em comum.
Mas é só isso.
Se saíssemos para um encontro de verdade, Daniela terminaria a
noite com a mesma certeza que a minha após esse almoço: é melhor
pararmos por aqui.
— Já sei o que você vai dizer e, como eu sou uma idosa de 80 anos,
vou fingir que não estou ouvindo — minha avó resmunga assim que
estaciono a caminhonete na garagem da sua casa. — Afinal, tenho que estar
sorridente e bem humorada pra ver o Silvio Santos na minha televisão hoje
à noite.
Ergo as mãos em rendição ao abrir a porta do carro para ela.
— Eu não falei absolutamente nada.
Ela arruma a bolsa de crochê ao redor do ombro e me direciona uma
careta de desgosto, as rugas causadas pela idade se acentuando em sua pele
branca.
— E você nem precisa abrir esse bico pra mim, Henrique. Consigo
ver através do rosto bonito que Deus te deu que você detestou a Daniela. —
Um choramingo fingido lhe escapa enquanto caminha até a porta de
entrada. — Do que adianta ser tão charmoso e bem sucedido se não quer ser
fisgado por nenhuma mulher?
Cruzo os braços.
Lá vamos nós ter a mesma conversa pela milésima vez.
Desde que fiz 28 anos, tenho essa discussão com a minha avó pelo
menos uma vez por semana. E, todos os meses, cedo às suas insistências e
acabo conhecendo uma das filhas ou netas das suas amigas. No final,
voltamos para casa com ela chateada porque mais uma vez a sua tentativa
de me arranjar uma namorada não deu certo.
— Detestar é uma palavra forte demais. Eu só não gostei, é diferente
— explico. — E nós já tivemos essa conversa, vovó. É claro que eu quero
me casar, mas não agora. Tenho a vida toda pra isso.
Ela revira os olhos e insere a chave na fechadura da porta.
— Você nunca gosta de ninguém, Henrique. Esse é o problema —
murmura em um tom sabichão e dá um passo para dentro. Faço o mesmo,
acendendo as luzes da cozinha. — Beleza não dura para sempre. É melhor
garantir o seu par enquanto ainda está com tudo em cima. Rugas e cabelo
branco afastam as melhores pretendentes, sabia disso?
— Existe uma solução hoje em dia pra isso: sugar daddy.
Quase que automaticamente, Matilda saí correndo do quarto,
abanando o rabo e pulando nas pernas da minha avó. Ela late, implorando
por atenção. Com um sorriso, Antonella a pega no colo e se senta em frente
a minúscula mesinha.
Matilda se acomoda entre as pernas da minha avó e olha para mim,
toda manhosa.
Ainda não me esqueci que dois dias atrás ela fez xixi em cima dos
meus sapatos.
Foi um péssimo jeito de começar a manhã.
Cachorros salsichas não tem muita educação mesmo.
— Tenho certeza que se eu perguntar o que significa vou perder os
poucos fios de cabelos que ainda me restam.
Balanço a cabeça em resposta e encho a chaleira de água para
preparar o seu chá.
Minha avó mora sozinha desde que saí de casa. Ofereci várias vezes
dar de presente para ela um apartamento para que ficássemos mais perto um
do outro, já que me mudei há alguns anos para a região gastronômica de
Santa Clara por conta do restaurante, mas Antonella é totalmente contra a
ideia.
E eu me preocupo demais com ela.
Afinal, Antonella é a única família que tenho.
Se um dia eu perdê-la por uma falha minha que poderia ter sido
evitada, jamais vou me perdoar.
— E a Sabrina?
— Quem?
— A Sabrina, a médica veterinária. — Ela faz carinho na cabeça de
Matilda. — O que você acha dela?
Aperto a ponta do nariz e solto uma longa lufada de ar, procurando
por qualquer dose de paciência que ainda possa restar dentro de mim.
Minha avó não vai desistir mesmo.
Estou quase contratando uma atriz para fingir ser a minha namorada
só para conseguir me livrar desse pepino que é ser um cara solteiro aos 28
anos.
Porque se continuarmos nesse ritmo — com Antonella me
carregando para os piores almoços de domingo já presenciados pela
humanidade — eu vou terminar o ano recluso dentro de uma caverna
cozinhando somente para mim mesmo.
E aí que não vamos ter casamento nenhum.
— Eu acho que é uma péssima ideia.
Minha avó leva a mão ao coração.
Matilda late, quase como se entendesse o rumo da conversa.
— Por que? Ela é tão parecida com você, Henrique... Vocês seriam
almas gêmeas perfeitas e me dariam os bisnetos mais lindos do mundo
inteiro. — Finge limpar uma lágrima que escorreu por sua bochecha. Se eu
já não estivesse acostumado com esse seu comportamento, até poderia ficar
comovido. — Você realmente vai me negar isso? Meu sonho é ter a minha
casa cheia de crianças de novo.
— Posso anunciar uma vaga de babá em seu nome na rádio, se esse
é o problema.
Antonella me lança um olhar de ultraje.
— Você é o meu pior neto de todos, Henrique.
— Eu sou o único neto que você tem, Antonella.
— Isso é pra você ver como eu sou azarada.
Solto um barulho pela garganta, nada semelhante a uma risada, e
encho uma das xícaras com o seu chá favorito. Logo em seguida, entrego o
líquido fumegante para ela. Matilda dá uma cheiradinha, mas ignora,
voltando a deitar a acomodar a cabeça entre as pernas da minha avó.
— Reclame menos e beba mais. — Beijo a sua testa. — Bem lá no
fundo sei que você ama me ter como seu único neto. Admitir isso não vai te
fazer perder cabelo.
— É claro que não. Só vou perder todas as minhas amigas se você
continuar chutando a bunda de cada uma das filhas e netas delas como se
fossem bolas de futebol.
Olho para ela com uma expressão chateada.
— Não estou chutando a bunda de ninguém.
— Mas também não está fazendo carinho, o que é mais péssimo
ainda.
— Você está fazendo todo esse drama só porque eu não convidei a
Daniela para um encontro?
— Ela ficou esperando...Você viu a carinha que ela fez assim que
entramos no carro? — Minha avó faz um biquinho semelhante aos que
Ariela me direciona quando minha resposta não lhe agrada. — Você partiu
o coração dela, Henrique. Quase pude ouvir os caquinhos se quebrando.
Não fico nem um pouco comovido.
As chantagens emocionais da minha avó não me enganam mais.
— Daniela vai se recuperar. Mas posso apresentar o Cadú para ela,
se isso for de alguma ajuda.
— Cadú? O filho da Margarida?
— Sim, ele próprio. O Cadú iria amar conhecer a Daniela. Eles dois,
sim, que seriam o par perfeito — digo, jogando esse pepino pra cima de um
dos meus melhores amigos de infância. Ele que lide com as expectativas
absurdas da minha avó em relação ao amor. — Posso perguntar o que ele
acha de um almoço de domingo na casa da Dorotéia. E aí você pode falar
com ela também. Pode ser?
Os olhos da minha avó se iluminam.
Quase posso ver os cenários se formando em sua cabeça: Cadú de
terno e gravata no altar, Daniela entrando na igreja com o maior buquê de
flores da floricultura e o bolo de dois andares enfeitado do jeito mais brega
possível.
Para ficar ainda mais emocionante, Antonella ainda faria um
discurso dizendo que foi a responsável por fazer duas almas perdidas
encontrarem o significado do amor verdadeiro.
Um arrepio me atinge só de pensar nesse assunto.
— Estou sentindo as energias voltando para o meu corpo depois
dessa notícia. — Antonella se abana com a mão, me lançando um sorriso
feliz. É fácil demais agradá-la. — Você até pode ser o padrinho! Mas você
sabe que vai precisar de uma acompanhante, né?
Ela balança as sobrancelhas grisalhas para mim.
É surreal o dom que a minha avó tem de fazer todos os assuntos se
voltarem para mim. Eu só queria ter um domingo de paz em que almoço
uma lasanha bolonhesa e esqueço todos os problemas envolvendo o Bacio
Di Sole.
— Vou levar a Leana. O que acha?
— A Leana está noiva da Elisa, Henrique. Seria muito deselegante
da sua parte.
— A Melissa, então?
— Ela está namorando com o Miguel. Ele fez o pedido na semana
passada enquanto eles dois faziam um passeio de barco em São
Bartolomeu. Não ficou sabendo?
Não.
As fofocas do bairro não me interessam nem um pouco.
Mas não digo nada disso.
Magoar o coração da minha avó é algo que jamais vou fazer.
— E a Lizi?
— Ela se mudou para Nova Granelle depois que conseguiu aquela
bolsa de estudos para fazer mestrado. — Bebe um gole do seu chá e me
observa através da borda da xícara. Fico até com medo de saber o que está
se passando na sua cabeça. — E a Ariela?
É como levar um chute nas bolas.
— Não. Eu não vou convidar a Ariela para ser minha acompanhante
no casamento do Cadú — resmungo, voltando para o fogão e preparando
um chá para mim também. Se vamos ter essa conversa, que seja com a
minha boca amortecida da água quente. — Casamento que nem vai
acontecer, pra começo de conversa.
— Daniela jamais negaria o pedido do Cadú. E a Ariela aceitaria de
bom grado o seu convite. Vocês ficam tão bonitinhos juntos... — divaga, me
lançando um olhar esperançoso. Matilda também me olha, me julgando
com seus olhinhos castanhos, que são idênticos a cor do seu pelo curto. —
Por que você nunca chamou ela pra sair? Se me lembro bem, vocês dois
eram bem amigos na época da faculdade.
Se o objetivo dela é acabar com o meu domingo, ela está tendo êxito
na sua tarefa.
— Ela é a irmã do Gustavo. Esse já é um motivo grande o bastante
para eu manter distância dela.
— Que bobagem. Romances proibidos são sempre os mais gostosos.
Encaro-a totalmente chocado.
— Você está querendo me contar alguma coisa?
— Já fui jovem que nem você, querido. É claro que tive minhas
aventuras proibidas também. Ou você acha que sou naturalmente idosa e
cansada desde sempre? — Bate com a língua no céu da boca, indignada. —
A beleza da juventude me caia muito bem. Eu era um colírio para os olhos e
tirei muito proveito disso. Se eu tenho essa casa hoje em dia, é porque eu
soube conquistar o coração do seu avô com o meu charme.
— Se você vai começar a falar das suas aventuras sexuais, eu vou
embora.
— Que bobagem, Henrique! Estou apenas dizendo que, de vez em
quando, vale a pena se arriscar no território inimigo.
— Não sei se estou entendendo as suas analogias.
Ela dá um longo suspiro e fica de pé, deixando Matilda deitada na
almofada e depois caminhando até mim. As mãos cobertas de anéis
repousam em meus ombros e os olhos esverdeados encontram os meus,
exalando aquela dose infinita de amor que nunca me faltou.
Minha avó pode ter vários defeitos, mas ela assumiu com maestria o
papel de me criar quase como o seu filho em todos esses anos.
É por causa de todos os sacrifícios que já fez por mim que não solto
um palavrão bem feio quando ela diz:
— Estou dizendo para levar a Ariela como sua acompanhante no
casamento do Cadú.
— Caso a senhora tenha se esquecido, o Cadú ainda nem saiu com a
Daniela.
— Eu sei disso, mas é tudo uma questão de tempo. Quando você
menos esperar, vai ter um convite de casamento batendo na sua porta.
Antonella me direciona uma piscadinha sabichona.
Matilda late, quase como se concordasse com a sua dona.
E o que eu faço? Apenas balanço a cabeça em um aceno, porque
discutir com a minha avó já se tornou uma tarefa falha há muito tempo.
Só me resta aceitar que, daqui alguns meses, Cadú e Daniela vão se
casar.
Mesmo que eu duvide muito que isso vá acontecer.

Ao final da tarde, estou dirigindo até o apartamento em que Gustavo


mora junto de Ariela.
Hoje é dia de jogo do Vasco, então costumamos nos reunir na sua
sala e assistir à partida do nosso time. Não sou tão ligado em futebol, mas
gosto de acompanhar qualquer coisa que não seja relacionada ao trabalho de
vez em quando.
Gustavo, diferente de mim, é completamente viciado, então não é
surpresa nenhuma quando ele me recebe usando uma camiseta preta e
branca com a cruz de malta estampada em vermelho do lado esquerdo do
peito.
— Que roupa feia é essa?
Olho para baixo automaticamente.
Estou usando calça jeans e camiseta.
Nada de diferente ou fora do comum.
— É a única que eu tenho, Gustavo.
Meu melhor amigo revira os olhos e me puxa para dentro do
apartamento, fechando a porta logo em seguida.
— Vou me lembrar disso quando for comprar o seu presente de
aniversário. Chega ser um crime você aparecer na minha casa sem estar
usando a camiseta do gigante da colina — reclama. — Poderia ter
comprado uma falsificada, eu não iria te julgar.
— E ser preso por pirataria? Eu dispenso. Vou ficar sem a camiseta
mesmo.
Gustavo solta uma risada.
— Você é a pessoa mais sem graça do mundo, Henrique. Não sei
como somos melhores amigos até hoje.
De fato.
Gustavo sempre foi o completo oposto de mim.
No dia em que nos conhecemos, que foi na tourada da faculdade, ele
estava em cima de um touro mecânico enquanto usava um chapéu de
cowboy e se negava a cair até completar os impossíveis trinta segundos em
cima do animal.
Ele conquistou a medalha de ganhador naquela noite, só pra variar.
Com o passar do tempo nós dois fomos nos tornando próximos, até
que, sem eu me dar conta, estava bebendo com ele em barzinhos insalubres
e me aventurando nas festas universitárias.
A diferença é que enquanto Gustavo estava flertando com metade
das garotas da nossa sala, eu só tinha olhos para uma em específico.
E mesmo depois de anos, esse sentimento continua sendo uma
maldição para mim.
Uma maldição que nunca vou contar para ele.
Acho que nossa amizade não sobreviveria a verdade.
— Deve ser porque eu sou o único que aguenta a sua presença —
murmuro ao me sentar no sofá de três lugares. — Nem a Elisa te aguenta
mais.
— Que mentira. A Elisa e a Nina me amam, apesar de todos os meus
defeitos — diz. — Sabia que na semana passada minha filha me fez
comprar mais um carrinho rosa para as suas bonecas porque uma delas não
gosta de dar carona para as outras? Esse foi o maior absurdo que já ouvi em
toda a minha vida.
— E você comprou?
— É claro. Já me viu negar algo para a Nina?
Aí está algo que Gustavo domina como ninguém: a arte de ser pai.
Ele pode ser péssimo administrando os relacionamentos pessoais da
sua vida, mas é excelente em dar tudo aquilo que Nina precisa para crescer
feliz e com a certeza de que é muito amada por seus pais.
Acho que o fato de Elisa ter engravidado na faculdade foi essencial
para que o meu amigo começasse a levar as coisas um pouco mais a sério.
E mesmo que Elisa e Gustavo não tenham nenhum vínculo amoroso
— afinal, ela está noiva de Leana —, eles ainda conseguem manter uma
ótima relação de amizade. Sorte grande pra Nina que nunca vai sofrer do
mal que é ter os pais eternamente brigados.
— O dia que você negar algo para ela, o mundo vai acabar.
— Fazer o que se sou viciado em mimar a minha menininha? — Ele
vai até a cozinha, que é integrada com a sala de estar, e abre a geladeira. —
Vou beber uma cerveja. Vai querer uma?
Concordo com um aceno.
Gustavo retorna e se senta ao meu lado carregando duas cervejas
long-neck e uma vasilha com amendoim. A televisão já está ligada, mas
ainda faltam quinze minutos para o jogo começar.
— E como estão as coisas no restaurante? Eu vi a postagem que
fizeram te detonando...
— Uma merda. Aquela crítica anônima já está dando os primeiros
sinais. Esse sábado foi a pior noite em anos. Não chegamos nem perto do
faturamento dos dias de semana.
Gustavo assovia em decepção.
É um desastre iminente.
Eu sabia que isso iria acontecer, mas não esperava que aquela
postagem pudesse viralizar a ponto de afastar metade da minha clientela.
Tenho os meus clientes fixos, como qualquer outro estabelecimento, mas
eles não são capazes de manter as minhas contas em dia. Quem dirá a
reputação do meu restaurante diante de mais de mil comentários negativos.
Estou atolado na merda.
Tenho tentado não pensar muito nisso, mas é difícil pra caralho
saber que não posso fazer nada a respeito. Furar os pneus do carro de
Murilo com milhões de pregos me daria satisfação em um primeiro
momento, só que no dia seguinte o problema ainda existiria.
É um pesadelo que parece não ter fim.
Leana disse que as coisas devem voltar ao normal com o passar do
tempo. A grande merda é que não sou tão otimista quanto ela. Para mim,
estamos condenados ao fracasso e é só uma questão de tempo até que meu
restaurante declare falência.
— Se eu puder fazer alguma coisa...
— Infelizmente não há muito o que ser feito, mas valeu mesmo
assim.
Gustavo dá um tapinha no meu ombro em sinal de consolo e abre a
cerveja. Estou prestes a beber um gole da minha quando ele despeja pra
cima de mim a pior informação de todas:
— A propósito, obrigado por defender a Ariela do Murilo naquela
noite.
Deixo escapar uma tossida.
— Ela te contou?
— É claro que não. Você conhece a minha irmã. Ela prefere pisar em
um ouriço do mar do que confessar pra mim que quebrou a cara mais uma
vez com um homem babaca. — A voz dele soa meio distante. Gustavo é
super protetor com a irmã e não ficar sabendo das coisas sempre o magoou.
A confusão com o Murilo deve ter mexido com ele. — Mas fico feliz que
você tenha cuidado dela.
— Não foi nada demais.
— Foi sim, cara. Nem sempre consigo bancar o papel de irmão mais
velho sempre presente, mas é bom saber que ela tem você também.
Engulo em seco.
Ariela pode ser um milhão de coisas para mim.
Mas ser a irmãzinha mais nova e indefesa é um cargo que ela nunca
vai ocupar na minha vida.
Nunca mesmo.
— Se ela ouvir você falando isso, pode apostar que amanhã todas as
suas cuecas estarão cortadas com um coração deformado na bunda.
Meu melhor amigo deixa escapar uma risada pelo nariz.
— Eu acho excelente. Um charme maior para a minha bunda
gostosa.
— Eu me recuso a falar sobre qualquer assunto envolvendo a sua
bunda.
— Tão amargurado, Henrique — profere um muxoxo. — E como
foi o seu almoço com a Daniela? Vou receber o convite do casamento daqui
três semanas?
— O máximo que você vai receber é um soco nesse seu nariz —
reclamo, consciente de que Gustavo está fazendo isso só pra me tirar do
sério. — E não vai ter casamento nenhum. Você sabe que eu me recuso a
colocar uma aliança no dedo antes dos 30 anos.
— Uma pena. Seria divertido ser o seu padrinho. Sou ótimo dando
discursos.
Arremesso a almofada em sua direção.
— Guarde os seus discursos para o casamento da sua irmã.
Ele arremessa a almofada de volta.
— Já que você tocou no assunto... Quando forem beber vinho
escondidos no seu restaurante, não se esqueçam de me chamar. — Me
direciona uma piscada ao mesmo tempo em que arregalo os olhos. Mas que
porra? — Eu tenho ouvidos por todos os lugares. Então, cuidado por onde
você anda levando a minha irmãzinha, Henrique.
— Vou me lembrar de fazer um convite formal da próxima vez
intimando a sua presença.
A resposta dele é semicerrar os olhos para mim e beber mais um
gole da cerveja.
Sinceramente, me nego a fazer qualquer comentário sobre essa
conversa que acabamos de ter.
Como eu disse, Ariela é um assunto proibido para mim.
E já saturei a minha cota do dia envolvendo o seu nome.
INGREDIENTES:
1 xícara (de chá) de açúcar
2 xícaras (de chá) de farinha de trigo
2 xícaras (de chá) de maizena
2 colheres (de chá) de fermento em pó químico
200g de manteiga gelada
3 gemas
1 colher (de café) de essência de baunilha
2 xícaras (de chá) de doce de leite pastoso
600g de chocolate meio amargo fracionado picado

— Você sabia que o recorde de voo de uma galinha é de 13


segundos?
Meu pescoço vira automaticamente na direção de Ísis.
Estamos no estacionamento do prédio que moro com Gustavo depois
de voltarmos do supermercado. Estou segurando várias sacolas, enquanto
Ísis fecha o porta-malas do carro. Minha maior felicidade do momento é
que consegui não somente uma pizza na promoção, mas quatro.
Hoje é um dia de felicidade para o mundinho Ariela Brado.
— Você está dizendo isso por causa dos frangos que compramos?
— Não! — Ísis ri consigo mesma, conforme subimos os degraus até
o terceiro andar. — Só me lembrei disso porque a Ceci estava cozinhando
um ensopado de galinha com batatas ontem à noite. Você não viu?
— Não consegui. Estava ocupada fazendo duzentos docinhos de
aniversário — explico. — Ela falou alguma coisa sobre o namoro com o
JP? Estou com o pressentimento de que eles dois ficaram noivos em
segredo.
Ceci Braga é, simplesmente, uma das estrelas do maior programa de
culinária do país.
João Pedro Gomes, carinhosamente apelidado pelo público de JP, é
um dos atacantes mais promissores dos últimos anos do time do Vasco.
Eles são o casal queridinho da mídia porque namoram desde
adolescentes e, como se não bastasse, ele dedica absolutamente todos os
gols para ela.
É um clássico clichê, eu sei, mas o meu coração se derrete toda vez
que vê.
Há algumas semanas está rolando um boato que ela foi pedida em
casamento e todo mundo está só esperando o anúncio oficial de que os dois
pombinhos vão subir ao altar e jurar amor eterno.
Se eu pudesse ser a confeiteira desse casamento, não tenho dúvidas
de que cairia dura no chão diante de tanta alegria.
Sou emocionada a esse ponto, fazer o quê.
— Fiquei sabendo dessa fofoca também, mas o JP só apareceu no
final do programa. Nada além do normal. — Ísis morde o cantinho do lábio
inferior. — Espero que eles televisionem o casamento inteiro igual ao da
Kate com o Príncipe William. Seria babado demais.
Solto uma risada.
— Babado vai ser se eles anunciarem o noivado esse final de
semana. Vou me sentir como se tivesse acertado os números da Mega-Sena
da virada.
— Você já acertou, amiga.
— Não fiquei sabendo, hein. Minha conta bancária continua zerada.
Quando isso aconteceu?
Ela me empurra de brincadeira com o cotovelo.
— Quando conseguiu fazer a proeza do Henrique aceitar de presente
as suas trufas de morango — diz, sacudindo as sobrancelhas. — Ainda não
acredito que vocês passaram a noite sozinhos no restaurante bebendo vinho
escondido.
— Você está tratando isso como se tivesse sido um encontro
romântico a luz de velas com direito a beijo de despedida — constato,
terminando de subir as escadas. Meus pulmões estão gritando de cansaço.
— Só fui lá agradecê-lo. Era o mínimo que eu poderia fazer depois de tudo
o que rolou naquele sábado.
— Nada de beijinhos, então?
— Bate na madeira, Ísis! — Finjo um arrepio e procuro pela minha
chave dentro da bolsa.
— Você é inimiga da diversão mesmo.
— Eu? Jamais. Você quem está enlouquecida com a ideia de me
trancar dentro de um quarto junto com o Henrique. Nós não temos mais
quinze anos, tá bom? E por falar nisso, tenta não causar uma Terceira
Guerra Mundial com o Guto hoje, por favor.
Ísis junta as mãos em oração e pisca os olhos em inocência.
Até parece que minha melhor amiga me engana.
Só Deus sabe todas as atrocidades que rolam entre ela e o Gustavo
quando eu não estou junto para apartar as discussões.
— Vou me comportar, eu prometo.
Ergo as sobrancelhas, desconfiada.
— Mas...
Os ombros dela desabam para baixo.
— Mas se ele me provocar, você sabe que vou revidar. Não engulo
sapo de ninguém. O sapo do Gustavo, menos ainda.
Movimento a cabeça de um lado para o outro e insiro a chave na
fechadura, destrancando a porta e entrando na minha querida e amada
casinha.
O apartamento que moro não é grande, mas tem um tamanho legal.
A sala de estar é conjugada com a cozinha e a pequena sacada oferece uma
vista bonita de Santa Clara. Cada um tem o seu próprio quarto e banheiro
individual, o que é perfeito.
Afinal, ninguém merece ter que lidar com a tampa do vaso erguida
logo de manhã.
Não moramos em um bairro bem localizado como o do Henrique,
mas a vizinhança é tranquila. E o melhor de tudo: a lanchonete que fica do
outro lado da rua do nosso prédio é o meu paraíso nos temidos dias da
TPM.
O hambúrguer deles é um dos melhores que já comi.
Minha barriga chega a roncar só de lembrar.
— Chegamos!
Assim que dou o primeiro passo para dentro, encontro meu irmão
em frente a televisão xingando vários palavrões para o juiz. Já Henrique
está sentado no sofá, bebendo a sua cerveja sem se importar que o seu time
esteja ganhando ou perdendo.
O espírito esportivo não combina muito bem com ele.
Mas a roupa que ele está usando...
É.
Até que combina bastante.
Tento não olhar para as tatuagens que se destacam nos músculos do
seu braço, mas é meio difícil. Elas estão praticamente na minha frente
implorando para serem encaradas. A pontinha do meu dedo coça de um
jeito esquisito para tocá-las.
Não acredito que minha cabeça está seguindo por esse caminho só
por causa de uma garrafa de vinho, uma camisa manchada e um punhado de
trufas de morango.
Devo estar passando por um período de carência muito grande,
porque somente isso é capaz de justificar as atrocidades que estão passando
pela minha cabeça neste exato momento.
— Quem está ganhando?
— O time rival, é claro — Gustavo resmunga e dá um pulo. Ele fica
fora de si quando o Vasco está jogando. — O dia que o futebol não me
matar do coração, eu vou ficar grato.
Reviro os olhos, achando graça, e deixo as compras em cima da
bancada. Ísis faz o mesmo, mas se aproxima sorrateiramente do sofá.
Uma coisa que minha amiga jamais vai admitir para o meu irmão é
que ela torce para o mesmo time que ele. Mas, só pra implicar, sempre finge
que é fã de carteirinha do Flamengo. Não entendo essa rivalidade entre eles,
mas quem sou eu pra julgar, né?
Já dizia aquele ditado: a língua é o chicote da bunda.
E esse tipo de chicote eu dispenso, obrigada.
Enquanto Ísis e Gustavo se implicam na sala, começo a tirar os itens
das sacolas. Estou na ponta do pé tentando guardar as caixinhas de creme
de leite no armário mais alto quando uma mão serpeia gentilmente ao redor
do meu pulso.
Paraliso.
— Deixa que eu faço isso, Ariela — Henrique sussurra atrás de
mim, a minha bunda roçando de leve contra o seu abdômen. Reprimo o
suspiro que se forma na garganta quando ele estica o braço e guarda as
caixinhas na prateleira. — Mais alguma coisa?
Solto um pigarro vergonhoso.
— As latas de leite condensando também.
Escuto-o murmurar em concordância e se aproximar novamente de
mim alguns segundos depois. O perfume masculino se infiltra em minhas
narinas, me deixando até meio zonza. É o contato mais próximo e íntimo
que já tivemos em anos. Não consigo nem mesmo me lembrar da última vez
em que Henrique esteve tão próximo assim.
Quase posso sentir a sua respiração no meu pescoço.
É perturbador.
— Só isso?
— Sim — confirmo e giro o meu corpo, ficando de frente para ele.
A diferença de altura me obriga a erguer um pouco o queixo para vê-lo
melhor. — Muito obrigada, mais uma vez.
— Já falei que você não precisa me agradecer por nada, Ariela.
— Eu insisto mesmo assim, italianinho. — Dou uma cutucada nas
suas costelas, determinada a lhe arrancar uma risada. Não acontece nada,
pra variar. — Você não vai nem me dar um sorrisinho? Essa sua cara
amarga está atacando a minha gastrite.
— Tome um antiácido.
Bufo.
— Você é a pessoa mais sem graça do mundo. — Me desvencilho da
sua presença e retorno para as sacolas de compras, agora guardando os itens
que vão na geladeira. — Deve ser extremamente entediante viver sem uma
única dose de diversão.
Henrique apoia o corpo contra o balcão da pia e cruza os braços
diante do peitoral.
— Quem disse que eu não me divirto?
— O que você faz pra esfriar a cabeça, então? Arremessa dardos,
tricota roupinhas de lã e coleciona espécies raras de cactos?
Posso jurar que os lábios dele se curvam em um minúsculo sorriso.
Por mais estranho que pareça, eu facilmente consigo imaginar
Henrique arremessando dardos em um alvo com o formato da minha
cabeça, tricotando roupinhas coloridas para a Matilda e visitando as mais
diferentes floriculturas em busca dos cactos mais estranhos possíveis.
É bizarro pensar que mesmo que ele tenha se tornado um
desconhecido para mim, ainda há um milhão de coisas que eu sei ao seu
respeito.
— Alguma coisa contra?
Balanço os ombros e fecho a porta da geladeira.
— Somente me soa extremamente entediante.
Ele me direciona uma expressão debochada.
— E o que você faz para se desestressar?
— Compro imãs de geladeira, maratono uma temporada inteira de
Cozinhando com Ceci Braga e saio em encontros desastrosos que me
deixam com vontade de desistir do amor — respondo em um tom
brincalhão, odiando a maneira intensa em que ele está me observando. —
Divertido demais, não acha?
Henrique passa a mão pelos fios castanhos meio bagunçados.
O roxo em seu olho, para a sua grande sorte, já desapareceu por
completo. Não sei que desculpa esfarrapada ele deu para o meu irmão, mas
sou muito grata por isso. Não sei se estou preparada para ouvir de Gustavo
mais um punhado de conselhos sobre corações partidos.
O Murilo nem era tão especial assim, afinal de contas.
— Tão entediante quanto a minha vida, Ariela. — Seu tom
debochado não me passa despercebido e eu quase solto uma risada. Quem
diria que as camadas antigas de Henrique Fiore ainda poderiam existir?
— Talvez você devesse bater um papo com a minha avó. Ela ia amar saber
que você está em busca de um amor.
— Estou dando um tempo nesse lance agora.
— Chega de encontros desastrosos?
— Com certeza. Agora vou fazer que nem aquelas princesas que
passam a vida inteira presas em uma torre escondida e esperar o amor
verdadeiro me encontrar.
Faço menção de ficar na ponta do pé para pegar uma vasilha no
armário, mas novamente, Henrique estica o braço e alcança o objeto para
mim. Meus dedos roçam de leve nos seus e, num ato involuntário, acabo
encarando os seus olhos.
Eles estão tão escuros que mal consigo identificar as pupilas.
E, como de costume, essas mesmas íris me encaram profundamente
como se pudessem decifrar todos os segredos que guardo para mim mesma.
Aposto que sua inconsciência já descobriu que estou usando um
conjunto de calcinha e sutiã que não combina e que a meia escondida dentro
do meu tênis é dos Ursinhos Carinhosos.
Que vergonha.
— Vou encarar isso como uma boa notícia, então. A saúde dos meus
olhos e a reputação do meu restaurante agradecem.
A sua frase rapidamente, me faz lembrar da conversa que tive com
Ísis no começo da semana.
Alguém criou um perfil anônimo no Instagram e fez uma postagem
extremamente tendenciosa sobre o Bacio Di Sole. A pessoa — que eu tenho
certeza que foi o Murilo — não somente insultou todos os funcionários,
como também disse que Henrique deveria enfiar o seu diploma de chefe de
cozinha naquele lugar.
Pois é.
A pior parte é que a postagem viralizou e agora as pessoas não
sabem comentar sobre outra coisa. Hoje mesmo, na fila do supermercado,
dois casais estavam cochichando entre si que jamais colocariam os pés lá
novamente porque sempre souberam que o Henrique era arrogante demais.
Me deu vontade de chutar a canela deles, confesso.
— Fiquei sabendo sobre a postagem. Eu sinto muito, Henrique —
digo, tristonha. — Uma parte disso é minha culpa e se eu puder fazer
qualquer coisa para consertar a situação ou me redimir de algum jeito com
você...
Henrique balança a cabeça em negação.
— Você não precisa fazer nada, Ariela. Nada do que aconteceu é
culpa sua. Nem o soco que levei no olho e muito menos a postagem.
Lanço um olhar de esguelha para ele enquanto coloco os grãos de
milho na pipoqueira.
— Todo mundo aqui te conhece e sabe que nada daquilo que falaram
é real — digo, porque é a verdade. Henrique é um dos melhores cozinheiros
que já conheci e jamais trataria alguém daquele jeito. — É mais provável
você oferecer um vinho estragado para mim do que para um dos seus
clientes.
Ele me lança um olhar zangado.
— Você é a minha cliente, Ariela.
— Você não cozinha para mim há séculos, Henrique.
Minha frase faz um silêncio estranho surgir.
Em um primeiro momento, demoro a entender o porquê, então uma
memória antiga me atinge. Uma lembrança que remete à primeira vez que
conheci a república de meninos em que Henrique morava na época da
universidade.
Eu estava com um mau humor terrível por ter bombado em uma
prova e o jeito que ele me consolou não foi me enchendo de frases
motivacionais ou dizendo que da próxima vez era só eu estudar o dobro que
iria conseguir gabaritar.
Não mesmo.
Henrique cozinhou para mim uma panna cotta com amoras.
Aquela noite terminou com nós dois sentados no chão da sala
assistindo um dos meus filmes favoritos e bebendo cerveja barata que
havíamos comprado em um mercadinho de esquina.
Pode parecer algo simples e até meio banal, mas consigo me lembrar
com clareza do quanto fui dormir feliz naquele dia mesmo com todas as
coisas ruins que haviam acontecido.
Henrique nunca vai saber, mas foi ali que os primeiros indícios da
minha paixão por ele começaram.
E o mais bizarro é pensar que ninguém jamais fez algo tão pequeno
e significativo assim por mim desde então.
— É só você aparecer com mais frequência no meu restaurante.
A sua frase me puxa de volta para a realidade.
Por um momento, me pego questionando se aquela noite foi tão
importante para ele quanto foi para mim.
Com certeza, não.
— Só quando eu me tornar milionária depois de dar o golpe do baú
em alguém. Porque, com o salário que eu ganho, não consigo nem mesmo
pagar um copo d’água — reclamo. — Seja mais modesto, Henrique.
— Você não vai gastar nada, Ariela.
— Não?
— Não mesmo. Quem faz o convite é quem paga. — Ele dá um
passo para frente, ficando próximo de mim. Estico o pescoço para trás,
observando-o. O bigodinho é mesmo tenebroso visto de baixo. De cima
então, deve ser pior ainda. — Ou seja: é tudo por minha conta.
— Posso até mesmo beber o meu vinho favorito?
— Desde que não quebre as minhas taças de novo, pode beber o
quanto quiser — murmura. — Sexta-feira é o dia perfeito para mim. Fico
te esperando por lá.
Ele não deixa espaço para que eu lhe dê uma resposta.
Henrique retorna para a sala onde Ísis e Gustavo se encontram
sentados em lados opostos do sofá e bebe um gole da sua cerveja. O pomo-
de-adão sobe e desce conforme o líquido desce por sua garganta e a visão é
bem mais atraente do que deveria ser. E quando ele passa as mãos pelo
cabelo, a barra da camiseta revelando um pequeno traço do seu abdômen,
meu joelho dá uma leve tremida.
Eu gostava bem mais quando ele era um homem de beleza mediana
que estava na Itália tirando fotos na Praça de São Marcos de Veneza e
ignorando todas as minhas mensagens.
Estamos tão próximos nos últimos dias que estou até ficando meio
zonza com a sua presença.
Desvio o olhar antes que eu seja pega no flagra e ligo a chama do
fogão, preparando a minha pipoca. Quinze minutos depois, vou até a sala
acompanhada da vasilha, de um pacote de balas de gomas e de uma latinha
de refrigerante.
— Já acabou o primeiro tempo?
Me acomodo no braço do sofá, ficando ao lado de Ísis.
— Faltam uns cinco minutos — Gustavo responde. Suas bochechas
estão um pouco vermelhas depois de tanto se estressar com os jogadores. —
Daqui a pouco a Ceci Braga deve aparecer pendurada no pescoço do JP
para anunciar que está noiva.
— Você também acha que eles noivaram em segredo?
— Eu não acho nada, Ari. Você quem entupiu os meus ouvidos com
essa especulação nos últimos dois dias. Agora até eu estou curioso para
saber se o JP aposentou as chuteiras de solteirice de vez.
— Com certeza ele fez o pedido — Ísis diz, apontando para a
televisão. — Eles são o casal mais amado do Brasil. Se um dia eles
ousarem se separar, o mundo dos relacionamentos amorosos vai colapsar.
— E o que você vai fazer? Chorar enquanto dorme abraçadinha no
seu ursinho de pelúcia a noite inteira, Ísis Maria?
— Por que está tão interessado, Gustavo? Se quer dormir abraçado
comigo na minha cama, é só me pedir.
— Prefiro a morte a dividir o mesmo espaço com você.
Ísis se estica no sofá, pronta para arremessar uma almofada na
cabeça dele, mas eu impeço os dois ficando de pé no meio da sala. Guto
olha de cara feia para mim, enquanto minha melhor amiga fuzila meu irmão
com todo o ódio possível que pode habitar o seu corpo.
Quem me dera poder trancar eles dois dentro de um quarto até se
resolverem.
Quando dizem que ser a irmã mais nova é só mil maravilhas é
porque nunca passaram um dia na minha pele dividindo o mesmo galho da
árvore genealógica com Gustavo Brado.
— Sério que vocês vão continuar discutindo como duas crianças da
quinta série? Nem parece que são dois adultos.
— Diga isso para a sua melhor amiga.
— Foi você quem começou, Gustavo — Ísis resmunga. — Eu estava
aqui bem quietinha no meu canto falando da Ceci e do Pedro. Você que não
consegue tirar o meu nome na boca nem por um segundo!
Ele rosna feito um cachorro para ela.
Já eu, me limito a sacudir a cabeça de um lado para o outro.
Eles são incorrigíveis e duvido que consigam se resolver.
Se esse milagre um dia cair sobre nossas cabeças, vou fazer questão
de soltar uma caixa de foguetes, pular de paraquedas e nadar com botos-
cor-de-rosa.
Ergo a mão para os dois.
— Vamos esquecer essa discussão e focar no...
A frase morre dentro da minha boca quando os rostos de Ceci Braga
e João Pedro Gomes surgem na tela da televisão.
Eles não só estão revelando para o Brasil inteiro o seu noivado de
milhões de reais.
Mas também estão anunciando a coisa mais louca e insana e
alucinante que já ouvi.
Quando o discurso dos dois acaba e a presença deles é substituída
pelo início do comercial, eu só consigo abraçar a minha vasilha de pipoca e
soltar o maior gritinho estridente de toda a minha vida.
INGREDIENTES:
1 lata de leite condensado
1 pacote de gelatina de morango
1 colher (de sopa) de margarina sem sal
Açúcar cristal para enrolar

Três dias depois da grande revelação, eu ainda estou me


recuperando.
Já refiz duas vezes o meu estoque de chá de camomila.
Já belisquei o meu braço quatro vezes só para garantir que não estou
presa em um tipo de sonho.
E já reli a porra daquele documento pelo menos quinze vezes antes
de dormir.
Ninguém deve estar entendendo nada, né?
Então, vamos às explicações.
Ceci Braga e João Pedro anunciaram durante o intervalo do jogo de
sábado que estão noivos — algo que todo mundo meio que já sabia que iria
acontecer —, mas a maior surpresa veio logo depois.
Não satisfeitos em trocarem alianças no altar, ao ponto de deixar
todos ansiosos com a mera possibilidade de poderem acompanhar de
pertinho cada detalhe da cerimônia, o casal de pombinhos teve uma ideia.
A porra da ideia mais maluca e maravilhosa que já ouvi em toda a
minha vida.
Um concurso de nível nacional para escolher um único confeiteiro
que ficará responsável por fazer o bolo de três andares do seu casamento.
E o prêmio? 800 mil reais em dinheiro para abrir o seu próprio
negócio e o convite mais do que especial para ser um dos cozinheiros fixos
do programa Cozinhando com Ceci Braga.
A mera possibilidade de conseguir chegar até a etapa final dessa
competição me dá calafrios que começam no primeiro fiozinho do meu
cabelo e terminam na ponta do meu dedinho do pé.
Até parece um sonho.
Um sonho que tem se tornado um pesadelo nesses últimos três dias.
É como se eu tivesse ido do céu ao inferno em um piscar de olhos.
— As regras são muito simples: conte a sua história de amor com o
seu parceiro ou parceira! — Ísis mantém os olhos atentos na tela do meu
celular enquanto lê em voz alta cada uma das palavras que já decorei. — As
três melhores histórias vão participar de uma competição acirrada para se
tornar o confeiteiro do casamento mais aguardado do Brasil inteiro.
Murcho na cadeira.
Minha amiga dá um cutucão no meu ombro diante do choramingo
que me escapa.
— Não me parece tão ruim, Ari. Você pode inventar um conto de
fadas sobre como conheceu o grande amor da sua vida. A sua imaginação é
bem criativa para essas coisas — diz, com uma esperança que já não me
pertence mais. — Não estou entendendo porque você está se comportando
como se tivesse tido a sua encomenda retida na alfândega.
— Inventar uma história é o de menos, Ísis. Lê as letrinhas no
rodapé da página que você já vai entender o motivo das minhas lágrimas.
— Com você falando desse jeito, até parece que...
Ela nem consegue terminar a frase.
Os olhos leem e releem as letras miúdas que tem sido o motivo da
minha insônia nos últimos dias.
Requisitos para inscrição e participação no concurso: ser casado
perante a lei.
Só de lembrar da existência dessa maldita frase já fico com vontade
de chorar.
Quando achei que a minha vida finalmente estava tendo uma
pequena chance de melhorar e conseguir conquistar o sonho de abrir a
minha tão querida e amada confeitaria, a realidade bateu na minha porta
com tanta força que até quebrou a maçaneta.
Bem que dizem que a alegria de pobre dura pouco.
Se o meu saldo no banco fosse um pouquinho melhor, é bem
provável que nada disso estaria acontecendo.
— Ari...
Enterro os dedos entre os fios do cabelo e solto um suspiro de quem
está cansada de só perder e nunca ganhar.
— Entendeu agora?
— É horrível, mas até que faz sentido. É um concurso para ser o
confeiteiro responsável pelo bolo de casamento da Ceci Braga e as
inscrições pedem que você conte a sua história de amor com o seu parceiro.
— Parceiro que, no caso, precisa ser o meu marido — fungo,
decepcionada. — Não acredito que vou perder a maior chance da minha
vida só porque não tenho a merda de uma aliança no dedo. O mais injusto é
que quero me casar! Cadê o cara lindo, perfeito e cheiroso que minha avó
prometeu para mim aos dez anos de idade?
Ísis ri baixinho e se acomoda na cadeira ao lado da minha.
Estamos no seu apartamento, um prédio com cômodos minúsculos e
com taxa de condomínio alto que não condiz em nada com o valor do
aluguel. É deprimente, mas assim como eu, minha melhor amiga não está
esbanjando dinheiro para morar nos bairros mais caros de Santa Clara.
É por causa de detalhes assim que eu gostaria muito de poder ganhar
os malditos 800 mil reais. Eu mudaria não somente a minha vida e a do meu
irmão, como também daria um jeito de Ísis trabalhar ao meu lado na
confeitaria.
Nós fizemos essa promessa na época em que entramos na faculdade
e vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para cumprir isso.
Não adianta de nada eu ter quase um milhão de reais se a minha
amiga não estiver ao meu lado.
— Talvez tenha algum jeito.
Lanço um olhar indignado para Ísis.
— É totalmente impossível conhecer alguém, se apaixonar e se casar
em um período de 45 dias, amiga. Sou uma pessoa que é facilmente
conquistada, mas acho que estamos indo longe demais. — Encosto a testa
na mesa e bufo. — Será que vou ser condenada por algum crime muito
horrível se eu burlar as regras do concurso e falar sobre a minha solteirice
na inscrição?
— O máximo que pode acontecer é a Ceci Braga vir até o seu
apartamento e te prender com algemas feitas de bolo.
Acabo soltando uma risada.
Embora, bem lá no fundo, eu esteja detestando a Ceci Braga com
todas as minhas forças.
E olha que ela é a minha ídola número um.
Será que ela não poderia ter esperado, sei lá, uns dois anos para se
casar? Talvez daqui 730 dias eu finalmente pudesse contar para o mundo
inteiro sobre como me apaixonei perdidamente pelo meu marido que traz
café da manhã na cama e me ajuda a escolher a cor de esmalte que vou
pintar as unhas.
Pois é.
Sou sonhadora desse jeito, infelizmente.
— Se isso no final me render metade do valor daquele prêmio, não
vou reclamar.
Ísis afaga o meu ombro em um gesto de consolo.
Porque é bem disso que preciso: de todos os gestos de consolo
possíveis para acalentar o meu coração que está sofrendo por algo que nem
perdi de verdade.
É bizarro como o emocional da gente funciona.
Estou prestes a pedir por mais uma caneca de chá para Ísis quando a
porta do apartamento é aberta. Igor entra na cozinha carregando uma
prancha pequena de surf debaixo do braço, uma bolsa de academia no
ombro e uma sacola do supermercado na mão.
Assim que ele vê nós duas sentadas na mesa, um assovio de
desagrado é proferido.
— Que clima horroroso é esse aqui? Por acaso algum famoso
morreu e eu não fiquei sabendo? Porque eu deletei o meu perfil no Twitter
faz umas duas semanas.
Ísis fica de pé e ajuda o irmão a guardar a prancha de surf no
armário ao lado da porta.
Igor é muito parecido com ela na aparência.
Os dois tem cabelo castanho, olhos na cor avelã, sobrancelhas
arqueadas e pele branca bronzeada do sol. A diferença é que ele tem um
corpo atlético de quem passa horas no mar e treina quase todos os dias na
academia, enquanto minha amiga é pequenina e a maior hater dos
exercícios físicos.
A única coisa que ela exercita mesmo é a língua.
Fofocando, é claro.
— Ninguém morreu, a gente só está curtindo a tristeza da Ariela.
As sobrancelhas dele se franzem quando olham para mim.
— É por causa do que rolou com o Murilo? Ari, eu juro pra você
que eu não sabia e...
— Ei! Nada disso é por causa do Murilo, eu juro — tranquilizo-o,
ficando de pé também. — Estou assim porque descobri que a melhor
chance que eu poderia ter na vida depende de uma aliança.
— O quê?
Passo então os próximos dez minutos explicando todos os detalhes
do concurso, desde o anúncio feito no sábado às regras envolvendo a
inscrição. Depois de despejar toda a minha frustração em cima dele, o
irmão de Ísis abre um sorriso e pousa a mão em meu ombro.
— A solução é simples, Ari. Você precisa se casar.
Arregalo os olhos.
— Agora?!
— Se você conhecer um noivo dando sopa por aí...
— É claro que não conheço, Igor. Se conhecesse, não estaríamos
tendo essa conversa.
Ele dá um peteleco no meu nariz, se divertindo com a situação.
— Então, precisamos encontrar um. As técnicas da família Ferreira
para arranjar encontros para você visivelmente são péssimas, mas ainda
temos outros meios.
— E o que você sugere que a gente faça, senhor sabichão? — Ísis
gesticula para o peitoral seminu dele. — Anunciar que a Ariela está em
busca de um príncipe encantado nos classificados do jornal da cidade? Isso
aqui não é um filme de comédia romântica, Igor.
— Vocês estão sendo muito extremistas.
— Eu não vou me casar com um desconhecido só para conseguir
ganhar o prêmio, Igor — me defendo, porque nem ferrando que vou correr
esse risco. — E ainda tem a chance de eu nem ser selecionada para a
segunda fase do concurso. O que vou fazer presa em um casamento sem
amor? Sentimentos são coisa séria.
Igor sacode a cabeça de um lado para o outro e indica a mesa em que
Ísis e eu estávamos sentadas até minutos atrás.
— Podem se acalmar descansando as suas bundas? Não vamos
chegar a lugar nenhum com vocês me atacando com dez pedras na mão.
— Você não vai meter a minha melhor amiga em outra confusão,
Igor Rafael Fontes Ferreira! — Ela bate com o indicador no estômago dele.
A reação dele é erguer as sobrancelhas castanhas em desdém. — Se está
sugerindo que ela se case...
Ele segura os ombros da irmã e a direciona até a cadeira.
— Sim, é isso mesmo que estou sugerindo. Ariela não quer o
prêmio? — Ele olha para mim e aceno em concordância. — Pois então. Ela
quer ganhar o concurso, receber os 800 mil reais e se tornar uma confeiteira
reconhecida. O único jeito de fazer isso é colocando uma aliança nesse dedo
e contando a história de amor mais inesquecível que todas as pessoas já
ouviram na vida.
Mordo a cutícula do dedão.
Sinceramente? Igor tem razão.
Não tem como eu conseguir todas essas coisas se não cumprir com o
único requisito que foi imposto por Ceci Braga.
Posso ter mãozinhas mágicas, um talento sobrenatural na cozinha e
as melhores receitas de bolo decoradas na mente. Mas nada disso vai servir
se eu não tiver um romance de tirar o fôlego para conquistar os jurados.
— E como, especificamente, vamos fazer isso?
Igor ergue as mãos para cima, como se estivesse no palco de um
programa de televisão, e lança um olhar sabichão para nós duas.
Se Ísis é famosa por sonhar alto demais, Igor é o mestre número um
em ter as piores ideias já vistas pela humanidade.
E as palavras que escapam da sua boca são a maior prova disso:
— Nós vamos forjar um casamento!
INGREDIENTES:
395g de leite condensado
1 gema de novo
15g de manteiga
150g de chocolate meio amargo fracionado
180g de damasco seco

Já cometi algumas loucuras na vida, confesso.


Minha mãe é a maior testemunha disso.
E a cicatriz que tenho na sola do pé, então... Nem se fala.
Mas essas loucuras tinham motivações específicas e justificativas
totalmente plausíveis. Não sou assim tão inconsequente. Penso nas
consequências e em como a soma delas podem afetar a minha vida.
Eu tenho um aluguel para pagar, afinal de contas.
Só que o mais louco de toda essa história é que estou considerando
— até mais do que deveria — em levar a sério o absurdo que Igor falou três
dias atrás no apartamento da Ísis.
Forjar um casamento.
Quantos anos de cadeia e reclusão será que isso me dá no Código
Penal?
Não quero perder a chance de concorrer aos 800 mil reais, mas de
nada adianta também receber o prêmio e comemorar a vitória dentro de
uma cela com visitas domiciliares a cada seis meses.
No entanto, se eu concordar com essa barbaridade e aceitar correr o
risco de ser descoberta, ainda tem a pior parte: encontrar um marido.
Falando desse jeito, até parece que estamos no século XIX, né?
Mas é a mais pura verdade.
A minha inscrição neste concurso só vai dar certo se eu, de fato,
estiver com uma linda e preciosa aliança pendurada no dedo e um charmoso
e elegante marido dizendo me amar mais do que ama carros antigos e
cerveja artesanal.
Até parece fácil.
Se isso aqui fosse um filme de comédia romântica, eu poderia pedir
a ajuda do meu melhor amigo e a gente se casaria em Las Vegas com o
Elvis Presley cantando Can’t Help Falling In Love enquanto eu entro na
capela com o vestido de noiva comprado de uma senhorinha de 90 anos.
Mas eu não tenho um melhor amigo.
A única pessoa que tenho é...
Não.
Não mesmo, Ariela.
Nem ouse completar esse pensamento!
— Você está viajando na maionese, Ariela Melina Brado Machado
— murmuro olhando para o meu reflexo no espelho do quarto. — Nem em
um milhão de anos você vai cogitar fazer uma atrocidade dessas.
— Você está falando com quem?
Levo a mão ao coração e dou um pulinho para trás.
Guto está com o ombro escorado no batente da porta e me
observando com um ponto de interrogação pairando acima da cabeça. Os
cabelos limpos e molhados do banho indicam que ele já está em casa faz
um tempo, só eu que não notei.
— Comigo mesma. Você não faz isso também?
— Em voz alta? Com certeza, não. — Ele arrasta os pés pelo chão e
esparrama o corpo na minha cama. — Gosto de manter os meus
pensamentos guardados a sete chaves. Imagina se alguém descobre todas as
atrocidades que se passam pela minha cabeça 24h por dia? Eu até perderia o
meu emprego.
Reviro os olhos e abro uma das gavetas da cômoda, pegando o meu
par de sandálias favoritas.
Se é para eu me humilhar hoje, que seja em grande estilo.
Não sei quem falou isso, mas a pessoa com certeza tinha razão.
Nada pode abalar uma mulher se ela estiver usando lindos saltos
altos.
— Pode escrever seus pensamentos proibidos em um diário também,
sabia? Ajuda a libertar a mente. Você vai se sentir um novo homem.
Meu irmão arrasta a mão pelo queixo e resmunga em concordância.
Estou colocando as argolas nas orelhas quando noto o olhar curioso
dele em cima de mim. Começando pelos pés, depois subindo em direção ao
vestido e terminando no meu rosto. A expressão que domina as suas feições
não é nem um pouco amigável.
— Pra onde você está indo em plena sexta-feira à noite?
Engulo o nó que se forma em minha garganta.
Não adianta de nada mentir para Gustavo depois do que rolou com o
Murilo. Querendo ou não, a informação vai chegar até os ouvidos dele. E
foi no sábado à noite, enquanto limpávamos a cozinha depois de Ísis e
Henrique irem embora, que aprendi essa lição da pior forma possível.
É só por causa disso que eu despejo a verdade em cima dele:
— Vou jantar com o Henrique no Bacio Di Sole.
Os olhos de Gustavo quase saltam para fora do seu rosto.
— O quê?!
— Em homenagem aos velhos tempos, irmãozinho. Quando
Henrique e eu...
— Quando vocês dois faziam tudo juntos e nunca me convidavam
nem mesmo para beber um copo de suco?
— Com você falando desse jeito, até parece que a gente te excluía
das coisas! — Dou um beliscão de brincadeira no seu pé descalço. Ele se
contorce inteiro na cama, fugindo de mim. — Quando, na verdade, você
estava ocupado demais metendo a língua na boca das meninas e quase
reprovando em todas as matérias do curso.
— Eu estava curtindo a vida universitária, Ari. É diferente.
— Eu também curti e muito a minha época de estudante, mas com o
dobro de consciência que você.
— Com o Henrique.
Pisco, sem entender.
— O quê?
— Você curtiu a sua vida universitária com o Henrique. Vocês
faziam absolutamente tudo juntos. Até dividiam o mesmo lanche quando
íamos comer na barraquinha do senhor Orlando — diz, cutucando na ferida
das minhas memórias sem ao menos saber como é doloroso se lembrar
delas. — E depois ele foi embora por um ano pra Itália e vocês dois nunca
mais dividiram nem mesmo o mesmo copo de cerveja no nosso barzinho
favorito.
— É por pura questão de higiene, só pra deixar claro.
Guto cruza os braços e arqueia uma das sobrancelhas para mim.
Nem fodendo que eu vou contar para o meu irmão que já fui
apaixonada pelo seu melhor amigo e que levei o maior ghosting da amizade
de toda a minha dura e cruel existência.
— Então não preciso me preocupar com você se arrumando
inteirinha para sair com Henrique?
— Não é um encontro, se é isso que você está pensando. — Pego a
bolsa que fica no cabide atrás da porta. — Já te falei que é como nos velhos
tempos... A gente saindo para comer alguma coisa enquanto você flerta com
alguma garota em uma festa universitária. Tudo sob controle.
— Eu não estou indo para uma festa universitária, Ariela.
Me faço de sonsa.
— Não? Eu podia jurar que sexta-feira era o dia de você curtir a sua
solteirice.
— Eu tenho uma filha. Essas coisas não rolam mais — diz, naquele
tom manhoso de quem quer ser o pai mais perfeito do mundo e depois me
lança um olhar duro. — Nada de beijos, então?
O grito fica preso na minha garganta.
Se Henrique me beijasse...
Não vou nem elaborar esse pensamento.
Como eu disse, tenho amor à minha vida.
— Vou voltar com a minha boca intacta, Guto. — Dou uma última
checada no espelho e me viro novamente para o meu irmão. — Agora estou
liberada para sair? Ou tenho que pedir uma autorização assinada e
oficializada em cartório?
Ele trava o maxilar.
— Ari...
— Brincadeirinha! — Me curvo sobre a cama e deposito um beijo
estalado na sua bochecha. — Relaxe, tá bom? Daqui umas três horinhas eu
estou de volta com o meu batom intacto, sem nenhuma passagem pela
polícia e zero envolvimento com homens comprometidos.
Gustavo assente repetidas vezes.
Estou prestes a sair do quarto quando ele chama o meu nome.
— Sim?
— Só tenta não colocar fogo na cozinha do restaurante do Henrique.
O seguro do estabelecimento não cobre contra mulheres desastradas e
incendiárias.
Minha resposta é dar uma risadinha forçada e fechar a porta do
quarto.
Porque se meu irmão realmente soubesse o que eu estou prestes a ir
fazer...
Faz quinze minutos que cheguei ao Bacio Di Sole.
E esse é o tempo exato em que Henrique está em completo silêncio.
Ele corta os ingredientes com maestria e uma rapidez invejável que
somente anos de prática poderiam lhe proporcionar. É uma cena
hipnotizante, não vou mentir, principalmente quando ele faz um movimento
em específico que acentua o contorno muscular dos seus braços
descobertos.
As tatuagens então...
Prefiro guardar os pensamentos para mim.
Porque se eu opinar sobre elas, vou ser chamada de safada.
— Se você me convidou pra gente brincar de o jogo do silêncio
poderia ao menos ter me avisado.
Henrique ergue o olhar para mim.
O cabelo castanho está penteado para trás e a barba foi aparada,
assim como o bigodinho assustador. Olhando-o arrumado desse jeito, com
as mangas da camisa dobradas até a altura dos cotovelos, o avental azul-
escuro recobrindo o seu peitoral e os sapatos ilustrados nos pés, até parece
que ele se arrumou para me ver.
O que, obviamente, jamais aconteceria.
— Sobre o que você quer conversar?
— Talvez sobre o fato de não ter ninguém aqui além de nós dois?
Estou curiosa sobre isso.
Esperava encontrar todos os funcionários de Henrique trabalhando,
já que hoje é um dos dias da semana em que o estabelecimento está mais
cheio. No entanto, quando cheguei, não havia ninguém aqui além de mim.
Todas as luzes estavam apagadas e todas as mesas estavam desocupadas.
— Você queria ter convidado alguém?
— O quê? Não!
Henrique liga o fogão e pega por uma frigideira pendurada ao lado
da coifa industrial.
— Então não estou entendendo qual é o problema, Ariela.
Lanço um olhar repleto de cinismo na sua direção.
— Onde estão os seus funcionários?
— Em casa.
— Em plena sexta-feira?
— Sou um chefe bonzinho. — Ele dá de ombros e acrescenta os
ingredientes na frigideira, para depois me lançar um olhar de cima. — Você
não concorda?
— Não acho que esse adjetivo deva ser acompanhado do seu nome,
Henrique. — Dou um passo para frente, diminuindo a distância entre nós
dois, e encosto o quadril na bancada de aço inox. — Malvado e taciturno
combina bem mais.
— E mal-humorado?
— Estou achando esse termo um pouco batido já. Meu objetivo
agora é inovar na minha maneira de te descrever — digo. — Talvez eu até
acabe comprando um dicionário na banquinha de revistas.
Ele sacode a cabeça de um lado para o outro.
— Você é terrível, Ariela.
Abro um sorriso.
— Vai dizer que não gostou?
A resposta dele é acrescentar um fio de azeite na frigideira e curvar
minimamente os lábios para cima.
Não é um sorriso, obviamente.
O silêncio retorna enquanto eu assisto cada um dos movimentos
diante de mim, apreciando a maneira em que Henrique cozinha. É quase
como se ele fizesse tudo de olhos fechados, nem precisando pensar na
receita ou nas etapas de preparação.
Não é de se surpreender que ele foi um dos alunos destaques do
nosso curso e o queridinho dos professores nas aulas de Culinária Clássica
e Cozinha Internacional.
— Então você realmente decidiu fechar o restaurante e dar folga
para os seus funcionários em um dos dias mais movimentados da semana?
Posso jurar que as bochechas dele ficam levemente avermelhadas.
— Sim.
Arrasto os pés pelo chão, até parar atrás de Henrique.
Dou uma leve espiada na frigideira.
Não faço ideia do que ele está cozinhando, mas a aparência é de dar
água na boca. Preciso controlar o meu estômago para ele não roncar em alto
e bom som e estragar todo o clima.
Seria deselegante até para mim.
— Se eu não te conhecesse, até poderia acreditar — murmuro. —
Mas eu te conheço, então...
Henrique gira sobre os calcanhares e fica de frente para mim.
A intensidade que emana das íris quase faz as minhas pernas
fraquejarem.
Eu vi esse olhar nele apenas duas vezes.
No dia em que nos conhecemos e na noite em que ele cozinhou para
mim pela primeira vez.
Apesar de um tempo gigante já ter passado desde esses dois
acontecimentos, sempre consegui me lembrar com clareza da sensação.
Só que agora as memórias não chegam nem perto da realidade.
É muito mais intenso e inquietante.
— Então você sabe muito bem porque meus funcionários não estão
aqui, Ariela.
Sim, eu sei.
Meu coração poderia participar de uma escola de samba neste exato
momento e ele seria a estrela número um do espetáculo.
Engulo em seco e tombo a cabeça para o lado.
— Só não consigo entender o motivo, Henrique.
— É como nos velhos tempos, Ariela — diz. — Eu cozinho uma das
minhas receitas que você ainda não experimentou e torço para que meus
dons culinários afoguem a sua tristeza e chateação com algo que não faço
ideia do que seja.
Vinco as sobrancelhas.
— Como você sabe que estou me sentindo desse jeito?
Porque eu, de fato, estou.
Há pelo cinco dias estou vivendo em um mar de pensamentos
conflitantes que envolvem momentos de tristeza, de chateação, de
felicidade e de euforia. Tudo isso porque, desde a conversa que Ísis e eu
tivemos com Igor, aquela maldita ideia não sai da minha cabeça.
— Porque você nunca conseguiu mentir para mim, Ariela.
— Tem certeza? Porque eu posso jurar que eu menti muito bem para
você naquele dia que organizei a festinha surpresa do seu aniversário de 24
anos.
— Você não me enganou.
Olho chocada pra ele.
— Você está me dizendo que sabia dos meus planos o tempo todo?
Ele sacode os ombros e retorna para o fogão.
— Eu te vi comprando balões azuis na internet e você ainda me
levou junto no supermercado quando fizemos as compras para o bolo. Era
meio difícil eu não adivinhar.
A decepção me atinge em cheio.
Eu era meio avoada aos 20 anos, confesso.
— E você ainda fingiu estar chocado quando aparecemos na
república de surpresa... — profiro um muxoxo, ainda abismada com a sua
ousadia. — Você é inacreditável, Henrique Fiore.
— Você estava feliz demais naquele dia. Não queria ser um estraga-
prazeres e dizer que sua festinha surpresa não tinha nada de surpreendente
— diz, acrescentando o vinho à mistura de tomate, alho e azeite. — Mas eu
me diverti, no final das contas. Mesmo detestando festas de aniversário ou
qualquer outro tipo de comemoração.
— Claro que você se divertiu. Fiz o seu sabor de bolo favorito e
ainda comprei um presente fofo. Se você não gostasse, eu ia passar duas
semanas inteiras chorando escondida no meu quarto.
— Eu tinha me esquecido do quão exagerada, dramática e petulante
você consegue ser.
— Posso ser tudo isso, mas sei que bem lá no fundo... — Cutuco as
suas costelas com os polegares. — Você não consegue viver sem a minha
companhia. Pode admitir, Henrique. Prometo não contar para ninguém, nem
mesmo para o meu irmão.
Ele semicerra os olhos, desconfiado, e tempera com sal os tomates
para logo depois limpar as mãos no pano de prato e se virar novamente para
mim.
— Seu irmão não faz ideia da metade das coisas que passam pela
minha cabeça, Ariela. Você contar ou não algo para o Gustavo é uma das
minhas menores preocupações no momento.
— Então você não fica nem um pouco preocupado que ele saiba que
nós dois estamos aqui sozinhos?
— Nós fazíamos isso o tempo todo anos atrás.
— Mas era diferente.
— Por que que era diferente, Ariela?
Porque eu gostava de você.
Porque eu queria que você me chamasse pra sair.
Porque eu achava que você estava apaixonado por mim.
Todas essas respostas passam pela minha cabeça e formigam na
língua para serem proferidas em voz alta, mas é claro que não digo nada
disso.
É passado.
E a Ariela de hoje em dia não sente mais nada — nadinha mesmo —
por Henrique Fiore.
— Porque...
Não consigo terminar a frase.
Porque a maneira que Henrique está me observando comprova que
as coisas não são mais nem um pouco parecidas como eram antes.
E todas essas mudanças começaram quando ele embarcou naquele
avião para a Itália. Quando não respondeu às minhas mensagens. Quando
voltou para o Brasil um ano depois e fingiu que nós dois nunca fomos
amigos. Quando me tratou da mesma maneira que tratamos um
desconhecido.
Só que mesmo assim, com o buraco gigante que existe em nossa
relação, ainda não consigo odiá-lo.
E sabe qual é a pior parte de toda essa história?
É que quando comecei a levar a ideia de Igor a sério — a ponto de
cogitar realmente forjar um casamento para ganhar o prêmio — a única
pessoa que passou pela minha cabeça que ousaria aceitar essa loucura é
justamente a que está diante de mim e que me conhece como ninguém.
Henrique é o único que sabe que coleciono imãs de geladeira por
causa da minha avó.
Henrique é o único que sabe que minhas meias favoritas são aquelas
com estampas dos meus desenhos favoritos da infância.
Henrique é o único que sabe que gosto de comer abacaxi na pizza,
mesmo que isso seja considerado um crime no mundinho italiano dele.
E Henrique é o único, entre todos os caras do mundo, que eu
deixaria colocar uma aliança no meu dedo, mesmo que de mentira.
É por causa de todos esses pensamentos que sigo em frente.
Que dou o primeiro passo em direção ao que realmente vim fazer
aqui esta noite.
Não se trata apenas de um jantar em memória aos velhos tempos.
É bem maior que isso.
É a chance da minha vida.
É a chance das nossas vidas.
— Porque eu vou te fazer uma proposta, mas você tem que prometer
que não vai surtar.
Henrique assente.
— Estou ouvindo.
— Você tem que prometer.
Ele respira fundo.
— Estou prometendo, Ariela.
Solto um suspiro.
Por que as coisas com ele são sempre tão difíceis?
— Não, Henrique. Você está prometendo errado — resmungo e
aponto para a sua mão. — Me dá o seu dedinho.
Ele reluta, mas como todas as outras vezes, acaba cedendo.
Enrosco o meu mindinho no seu e abro um sorriso.
— Não vai surtar e nem mesmo achar que enlouqueci de vez?
— Não. Eu não vou.
Concordo com um aceno e reúno o máximo de coragem possível
dentro de mim.
Porque o que eu estou prestes a fazer...
Vai ser a maior loucura de todas.
— Você quer se casar comigo, Henrique Fiore?
INGREDIENTES:
2 dentes de alhos amassados
1 colher (de sopa) de azeite de oliva
500g de tomate italiano sem pele e sem sementes
½ xícara (de chá) de vinho tinto
1 colher (de chá) de sal
1 xícara (de chá) de cogumelos frescos picados
1 colher (de sobremesa) de orégano seco
1 pacote de ravioli

Por um milésimo de segundo me pego questionando se ouvi certo.


Devo estar preso em algum tipo de alucinação ou ardendo em uma
febre que é desconhecida até por mim mesmo, porque somente isso é capaz
de explicar o absurdo que Ariela acabou de propor para mim.
— O quê?!
— Você prometeu que não iria surtar!
Ela ergue o mindinho em um lembrete da promessa que fiz instantes
atrás. Um erro tremendo da minha parte, diga-se de passagem.
— Não estou surtando, Ariela.
— Mentiroso — acusa, semicerrando os olhos para mim. — Quase
posso ver o seu olho tremendo de puro choque. Mas, eu juro, Henrique... Se
você me deixar explicar, vai perceber que não estou falando abobrinha ou
pirando na batatinha. É real e a maior chance da minha vida e da sua
também.
Duvido muito.
Não tem como um casamento com a irmã do meu melhor amigo
resolver todos os problemas que existem. Porque se fosse assim, pode ter
certeza que metade da população do mundo já estaria casada e a taxa de
divórcio não aumentaria ano após ano.
Mas não digo nada disso para ela.
Minha resposta, na verdade, é totalmente o oposto:
— Estou ouvindo.
Ariela abre um pequeno sorriso diante da minha frase e apruma os
ombros, assumindo uma posição de autoridade. O movimento me lembra da
época em que ela fazia discursos intermináveis para tentar me convencer de
que cortar o macarrão com a faca não era um crime contra a culinária
italiana.
Obviamente que é.
Mas ela cortava mesmo assim e ainda ria das minhas caretas.
— Você ficou sabendo do concurso nacional envolvendo o bolo de
três andares do casamento da Ceci Braga com o Pedro Henrique. — Não é
uma pergunta, porque eu estava lá com ela quando os dois anunciaram para
o Brasil inteiro que estavam noivos. Os olhos de Ariela quase saltaram para
fora das órbitas diante de tamanho choque. — São 800 mil reais em
dinheiro e o reconhecimento imediato na área da culinária, além de ser um
dos cozinheiros fixos do programa Cozinhando com Ceci Braga.
Concordo com um aceno.
Estou ciente disso tudo.
— E as regras do concurso são simples: contar sua história de amor
com o seu parceiro ou parceira. Os três romances mais inesquecíveis serão
selecionados para uma competição acirrada — Ariela discorre. — Eu até
pensei em inventar tudo isso. Dizer que conheci o homem mais perfeito do
mundo de um jeito bem clichê e encantar todos os jurados com a minha
história de amor de cinema.
A pior parte é que consigo imaginá-la com facilidade fazendo isso.
Afinal, ela tem uma imaginação fértil quando se trata do amor.
Ariela enganaria os jurados em um truque de mágica.
— E por que você ainda não se inscreveu?
Ela encolhe os ombros e repuxa um dos cantinhos dos lábios para o
lado.
A expressão que surge em seu rosto...
Não é sinal de coisa boa.
Mas Ariela sempre foi um imã natural para problemas.
Eu nem deveria estar assim tão surpreso.
— É aí que mora o grande problema, Henrique. Ainda não fiz a
minha inscrição porque preciso ser casada perante a lei para conseguir
participar do concurso. — Ela ergue a mão esquerda e aponta para o dedo
anelar que não exibe nenhum anel. Ainda. — É o bolo do casamento da
Ceci Braga, Henrique. É claro que ela não quer qualquer história de amor.
Ela quer uma história de amor que encante o público. Uma história de tirar
o fôlego. Uma história de quem amou de forma tão absurda que decidiu se
unir eternamente a outra pessoa.
Não formulo uma resposta de imediato, apenas encaro Ariela.
O entusiasmo, misturado com o medo, cintilam nas íris chocolate.
É visível o quanto ela quer conseguir ganhar esse concurso.
E o fato desse evento unir todas as coisas que ela mais gosta —
amor, casamento e confeitaria — me faz pensar que cada detalhe foi
pensado exclusivamente para transformá-la na grande ganhadora.
Não existe outra pessoa para desempenhar esse papel na festa de
casamento da Ceci Braga.
E quem sequer ousar duvidar disso é porque não conhece Ariela
como eu conheço.
— Qual é o seu plano, então?
Ariela abre um sorriso de orelha a orelha e dá um passo para frente,
se aproximando de mim e pousando as mãos em meus ombros. A diferença
de altura a obriga a erguer um pouquinho a ponta dos pés.
— Nós dois nos casamos.
Finjo não sentir o quanto essa frase mexe comigo e nem mesmo os
estragos que ela pode causar na minha vida.
— E o que mais?
— Nós bolamos a história de amor mais linda, emocionante e
inesquecível que as pessoas já ouviram e fazemos a minha inscrição no
concurso — declara, as mãos subindo alguns centímetros pela gola da
minha camisa. Os polegares de Ariela tocam, então, a pele nua do meu
pescoço. — Caso eu consiga ganhar o prêmio, dividimos o valor de igual
para igual e você conquista a vaga de cozinheiro fixo no programa da Ceci
Braga, além do reconhecimento para apagar qualquer crítica maldosa contra
o seu restaurante e o seu talento como chefe de cozinha.
O plano de Ariela é bom.
Bom não somente porque foi ela quem bolou.
Mas porque nós dois saímos ganhando.
Ela resolve o seu problema.
Mas também resolve o meu.
É uma via de mão dupla.
— E se nós perdermos?
— Você escolhe por qual humilhação eu terei que passar por um ano
inteirinho. Limpar o box do seu banheiro com uma escovinha de dentes,
levar a Matilda para passear todos os dias às cinco e meia da manhã, cortar
a grama do jardim da sua casa em um sol escaldante de quarenta graus... —
enumera uma coisa mais absurda que a outra. — As possibilidades são
imensas, Henrique. Deixo o prêmio dos fracassados nas suas mãos.
— De jeito nenhum que vou deixar você cuidar do meu jardim
depois do acidente com as orquídeas.
— É só manter os regadores longe de mim. — Me dá uma
piscadinha e depois assume uma expressão séria novamente, um pequeno
vinco se formando no meio da sua testa. — E então? O que me diz?
Sugo o ar das bochechas, pensando em uma resposta.
É loucura.
Uma das maiores loucuras que já ouvi.
No entanto, anos atrás quando perguntei até onde Ariela seria capaz
de ir para conquistar os seus sonhos, ela havia respondido que até
mergulharia em um aquário cheio de tubarões se isso significasse que, no
final de tudo, conseguiria conquistar aquilo que queria.
Ariela sempre foi assim.
Determinada.
Ambiciosa.
Ousada.
Perseverante.
Não deveria ser surpresa nenhuma da minha parte saber que ela está
disposta a se casar comigo e inventar um porção de mentiras sobre um
relacionamento entre nós dois só para conseguir ganhar o prêmio.
Prefiro que ela se case comigo do que com um desconhecido.
Mas ainda assim é arriscado demais e envolve um milhão de
burocracias.
Também tenho quase certeza que casamento por conveniência é
crime.
— Ariela...
Ela não me deixa terminar a frase, porque o dedo indicador repousa
sobre os meus lábios, me calando.
— Não me dê uma resposta ainda — pede, embora os olhos estejam
suplicando para que eu diga sim agora mesmo. — Tire alguns dias para
pensar e...
Enrolo os dedos ao redor do pulso fino, afastando a sua mão apenas
alguns centímetros do meu rosto.
A minha pele está formigando por inteiro.
Odeio essa sensação.
— Segunda-feira à noite. Na minha casa. Você vai ter a sua resposta.
Ariela assente.
Uma vez.
Duas vezes.
Três vezes.
Parece estar presa em um tipo de transe.
Eu também estaria se tivesse proposto um casamento de fachada
para a irmã do meu melhor amigo.
— Estamos combinados, Ariela?
— Estamos combinados, Henrique.
Concordo com um aceno e retorno para o ravioli al sugo italiano
que eu estava preparando até alguns minutos atrás.
Tento me manter concentrado enquanto executo a receita que já
decorei mentalmente, mas durante o tempo todo só consigo pensar que há
chances gigantescas de não somente Ariela terminar com uma aliança no
dedo.
Mas eu também.

— Você está com febre?


— Não.
— Você bebeu antes de vir pra cá?
— Não.
— Usou alguma substância ilícita?
— É claro que não.
Cadú dá um longo suspiro e cruza os braços na altura do peitoral.
É sábado de manhã e, depois de passear com Matilda por quase dois
quarteirões inteiros, vim até o apartamento em que meu amigo mora para
conversarmos.
Mal consegui dormir à noite depois da conversa que tive com Ariela.
Durante todo o tempo fiquei olhando para o teto e imaginando os
dez tipos de sermões que vou ouvir do Gustavo se aceitar essa loucura.
Existem grandes chances de eu acabar perdendo o meu melhor
amigo.
Mas essa também é a única chance que Ariela tem.
Estou me sentindo em uma encruzilhada.
Sem contar todas as implicações que um casamento traz consigo.
E quanto a minha avó... Acho que ela surtaria de felicidade, embora
existam grandes chances dela achar que é um casamento de verdade.
São coisas demais para lidar de uma vez só.
— Então não estou entendendo qual é o grande problema, Henrique.
Respiro fundo e despejo a bomba para cima dele.
— A Ariela me pediu em casamento.
Ele dá uma tossida.
— Ela fez o quê?!
Faço um resumo explicando os últimos acontecimentos, desde o
momento em que convidei Ariela para ir até o meu restaurante, o anúncio
do concurso, as regras para conseguir se inscrever e a proposta inusitada.
Quando termino de falar, ocultando a parte em que estou cogitando
altamente em aceitar o casamento só porque não quero ver Ariela com um
desconhecido, Cadú bate com a mão na testa, surpreso.
— Uau! 800 mil reais divididos entre vocês dois em troca de um
casamento de fachada? — Ele assovia, não sei se em aprovação ou em
repreensão. — Esses são os planos?
— Sim, embora eu não esteja me importando tanto assim com o
dinheiro. Meu objetivo no momento é recuperar a estabilidade do
restaurante e evitar que fechemos as portas por causa daquela crítica.
Porque a maldita postagem anônima ainda está sendo uma pedra no
meu sapato.
Acreditei que depois de semanas as coisas iriam se acalmar e tudo
voltaria como era antes, mas eu não poderia estar mais enganado. O
movimento caiu pela metade e outros comentários desagradáveis
começaram a surgir.
Quando fui ao açougue ontem de manhã, uma das funcionárias só
faltou me enxotar para fora do lugar.
O clima está péssimo.
— E você acha que pode dar certo?
— O programa da Ceci Braga é o mais famoso do Brasil, Cadú. Se
eu conseguir uma mínima participação, o Bacio Di Sole vai conseguir se
recuperar em um piscar de olhos — digo. — Odeio qualquer tipo de
exposição, mas se isso for preciso para recuperar o status do meu
restaurante, eu vou fazer.
Meu amigo de infância assente, pensativo.
Sei as coisas que estão passando na sua cabeça. Porque elas também
não pararam de martelar na minha consciência desde que deixei Ariela no
seu apartamento, quase vinte e quatro horas atrás.
Cadú pode ser engraçado, extrovertido e passar uma vibe de quem
não se preocupa com quase nada, mas ele também é aquele tipo de pessoa
que jamais vai deixar você tomar uma decisão ruim.
Ele pensa.
Ele aconselha.
Ele te ajuda.
E, bem lá no fundo, sei que ele está levando o assunto do casamento
tão a sério quanto eu.
Me casar com Ariela não traz implicações somente na minha vida
pessoal, mas também em todos os outros aspectos que envolvem o
restaurante. Se os meus funcionários já gostavam dela, agora vão passar a
amá-la ainda mais.
Se duvidar, vão até começar a chamá-la de senhora Fiore.
Não sei se estou preparado para isso.
— Acho que você já tomou a sua decisão, Henrique — diz, abrindo
a geladeira e pegando duas cervejas. — Sendo bem sincero, não sei porque
você veio até aqui.
— Queria ter a certeza de não estar cometendo uma loucura.
Ele ri e me entrega uma das latinhas.
— Você cometeu um erro quando me chamou para ser a sua dupla
naquele experimento de ciências na primeira série do ensino fundamental
— relembra com um sorriso. — Depois disso, você só tomou decisões ruins
e meio questionáveis. A Itália, por exemplo...
— Não vamos falar da Itália.
— Por que não? Não gosta da ideia de que eu saiba o verdadeiro
motivo pelo qual você aceitou de última hora fazer aquele intercâmbio?
Cerro a mandíbula.
Nos últimos anos, o assunto envolvendo a Itália se tornou um tópico
completamente proibido entre os meus amigos. No entanto, Cadú não é de
deixar pra lá. Ele faz questão de vez ou outra relembrar de quando peguei
aquele avião e fiquei um ano fora.
Eu precisava de um tempo longe de todas as pessoas.
Especialmente de uma em específico.
Sei que tomei a decisão certa na época.
O único problema é que eu também estraguei a melhor coisa que já
tinha acontecido na minha vida.
— Se você continuar enchendo o meu saco sobre isso, vou te
demitir.
— Vai me jogar na rua da amargura por falar umas verdades na sua
cara?
— Sim, porque eu não pedi por nada disso — reclamo. — Vim aqui
atrás de um conselho, não de um choque de realidade a respeito das minhas
decisões do passado.
— Então vê se, dessa vez, não saí correndo de novo — aconselha.
— Abandonar uma esposa no altar é insensível demais até para você.
— Nós não vamos nos casar da igreja, Cadú.
— Não?
Balanço os ombros em um gesto despretensioso.
Porque também pensei nesse assunto na noite passada.
Posso estar aceitando toda essa loucura para salvar o meu
restaurante da ruína que se aproxima e para ajudar Ariela a conseguir
ganhar o tão sonhado prêmio, mas não vou subir em um altar para uma
cerimônia religiosa.
E essa decisão nem é sobre mim.
Mas sobre Ariela.
— Todo mundo sabe que a Ariela quer se casar na igreja —
respondo, me lembrando da conversa que tive com ela no restaurante quase
um mês atrás. — Não vou ser eu a estragar esse sonho só por causa de um
concurso de confeitaria. E se esse lance entre a gente realmente for pra
frente, é bem provável que o casamento seja no civil.
Cadú assente e bebe um gole da sua cerveja.
— E você não está apavorado com isso?
— Com o casamento no civil?
— Não. Estou falando de colocar uma aliança no dedo, assinar um
punhado de papéis, inventar uma história de amor com a irmã do seu
melhor amigo... O Guto ao menos sabe o que você e Ariela estão tramando
juntos?
Duvido muito que Gustavo saiba de qualquer plano envolvendo esse
concurso, até porque Ariela sempre fez o tipo de quem apronta em silêncio
— a confusão com o Murilo é o maior exemplo disso. Se depender dela, é
bem provável que meu amigo só fique sabendo de toda a confusão quando
os papéis já estiverem assinados.
— Ainda não, mas eu tenho uma leve desconfiança que terei que ser
eu a contar para ele que vou me casar de mentira com a sua irmãzinha. —
Passo a mão pelo cabelo, odiando a mera possibilidade de ter essa conversa
com Gustavo. Ele protege Ariela como se ela fosse um cubo de açúcar no
meio de uma tempestade. — Se eu terminar levando outro soco na cara,
acho que ainda vou sair no lucro. Melhor um soco do que um nariz
quebrado.
Cadú concorda.
— Mas é melhor já ir se preparando, só pra garantir. Quer que eu
compre um saco de gelo no supermercado?
Preciso me esforçar muito para não mostrar o dedo do meio para ele.
Cadú ri da minha cara de desagrado, se divertindo horrores com essa
situação.
Quero só ver se ele vai continuar rindo assim quando souber as
atrocidades que minha avó está tramando envolvendo o nome dele e o da
Daniela.
Casamento de fachada é fichinha perto da mente geniosa de
Antonella Fiore.
A pior parte é saber que, além de ter que dar a notícia para Gustavo,
ainda terei que lidar com a minha avó e a paixão secreta que ela nutre em
segredo pela Ariela desde que a conheceu.
Já consigo até ouvir o discurso dela dizendo que sempre soube, do
fundo do seu coração de uma idosa romântica que já viveu as minhas lindas
histórias de amor, que Ariela e Henrique eram almas gêmeas.
Manoel Carlos e as suas novelas dos anos 2000 precisam parar de
ser reprisadas urgentemente ou Antonella vai acabar casando Santa Clara
inteira daqui uns três anos.
Nem a Ísis e o Gustavo vão passar ilesos.
— Vou me lembrar dessa conversa na hora de depositar o seu 13º
salário — aviso. — Depois não adianta reclamar.
Ele faz um biquinho e pisca os olhos para mim. As feições, junto do
cabelo loiro escondido pelo boné virado para trás, fazem Cadú parecer
aquelas crianças petulantes que tacam o terror na sala de aula.
Coitada da Daniela se esse relacionamento realmente vingar.
— Desde que me convide para ser o seu padrinho...
— Nem existe padrinho no casamento civil, Cadú.
Meu amigo bate com o dedo indicador do lado esquerdo da cabeça.
— Para um homem tão esperto no trabalho, até que você é bem
lerdinho se tratando da vida amorosa, né?
Não lhe dou uma resposta.
Apenas bebo mais um gole da minha cerveja, consciente de que terei
que me preparar psicologicamente para todas as coisas que vão acontecer
daqui para frente.
Até porque, ao que tudo indica, a aliança no dedo de Ariela vai ser o
menor dos meus problemas.
INGREDIENTES:
2 latas de leite condensado
2 colheres (de sopa) de manteiga
½ xícara (de chá) de chocolate branco picado
2 colheres (de sopa) de chocolate em pó
2 a 4 colheres (de sopa) de creme de leite
½ xícara (de chá) de chocolate meio amargo picado
Açúcar de confeiteiro ou açúcar cristal

Permaneço parada em frente à casa de Henrique por pelo menos uns


cinco minutos.
Estou pensando se vou em frente com esse plano ou simplesmente
desisto de tudo e retorno para a minha vidinha triste em que fico esperando
milagrosamente alguém errar a chave pix e depositar 1 milhão de reais na
minha conta do dia para a noite.
É meio óbvio que isso nunca vai acontecer.
E, se acontecer, as chances de eu ter que devolver o dinheiro são
gigantescas.
Então não tenho muita escolha.
Fiz uma proposta inusitada para o Henrique e agora, depois de três
dias, finalmente vou ter uma resposta.
Sair correndo não seria muito educado, mas também não vou negar
que estou com um pouco de medo. Se ele disser que não vai aceitar, minha
única escolha vai ser fazer um anúncio nos classificados do jornal que estou
em busca de um casamento por conveniência por causa de um bolo de três
andares.
E, sinceramente, não confio muito em desconhecidos.
Para fingir estar em um casamento, então...
Nem se fala.
Respiro fundo e abaixo o quebra-sol do carro, me olhando no
pequeno espelho acoplado ali.
Dispensei o costumeiro rabo de cavalo e hoje os meus cabelos estão
soltos, caindo ao redor do ombros e chegando até a metade das costas.
Tentei não me arrumar muito, até porque não é um encontro romântico em
que Henrique vai me beijar até a minha língua amortecer, mas pelo menos
tomei um banho caprichado e vesti a minha calça jeans favorita.
Estou bonitinha e é isso que importa.
Look para descobrir se vou me casar ou não: check.
Dou uma última checada na minha aparência e saio do carro.
É hora de enfrentar de uma vez por todas o monstro escondido
embaixo da minha cama — no sentido figurado da palavra, é claro.
Abro o portão que rodeia toda a residência de Henrique e subo as
escadas que levam até a porta de entrada. Inspiro profundamente uma
última vez e toco a campainha. O ressoar da musiquinha brega preenche o
silêncio da rua, fazendo o meu estômago se contorcer em posições
desagradáveis.
Sorte que não comi nada antes de vir.
O nervosismo quase borbulha para fora de mim.
Depois de alguns segundos Henrique abre a porta para mim.
— Você está vinte minutos atrasada, Ariela.
Faço um biquinho.
Como sempre, um poço de simpatia e elegância.
— É para você já ir se acostumando com o atraso da noiva no dia do
casamento. — Abro um sorriso, querendo afastar a sensação de tensão que
se espalha pelo meu corpo. — Que no caso, sou eu. Olha só que engraçado!
Henrique enruga as sobrancelhas.
— Não me lembro de ter dito sim.
— Você não teria me chamado aqui se não fosse algo positivo.
Eu espero, pelo menos.
Levar um pé na bunda é ruim.
Mas ser rejeitada em um pedido de casamento forjado é dez vezes
pior.
Eu precisaria de anos de terapia para recuperar a minha autoestima.
— Você está se achando muito espertinha.
— Eu sou espertinha, Henrique — pontuo. — Mas você vai me
convidar para entrar ou não? Sua varanda é muito bonita e seu jardim é de
dar inveja em qualquer vizinho, mas eu gostaria de uma recepção melhor,
sabe?
Henrique dá um passo para trás e indica o interior da casa.
— Sinta-se à vontade, Melina.
Faço uma careta.
— Eu odeio quando me chamam assim.
— Eu sei.
Semicerro os olhos para ele enquanto entro na casa.
— Vou me lembrar disso da próxima vez, italianinho.
Se Henrique me dá uma resposta, não escuto.
Porque estou completamente encantada pelo interior da casa. Eu já
sabia que ele morava em um dos melhores bairros da cidade e tinha juntado
uma grana boa nos últimos anos para conseguir comprar o próprio imóvel,
mas isso aqui é surpreendente até para mim.
As paredes são todas pintadas de um tom próximo ao cinza e a
decoração se assemelha muito a uma revista de arquitetura. O sofá da sala é
ótimo para dar aqueles cochilos da tarde e a cozinha, com uma ilha de
mármore, faz estrelinhas saltarem para fora das minhas órbitas. Sem falar
da vista surpreendente do jardim com a piscina e o deque de madeira que dá
acesso para a pequena área de festas.
É a casa dos sonhos de qualquer um.
Chega a ser crime Henrique manter esse lugar fechado a sete chaves.
— Não sei porque propus dividirmos o valor do prêmio, já que
problemas com dinheiro você obviamente não tem.
— Tenho tantas preocupações com a minha fatura do cartão de
crédito quanto você, Ariela.
— Não seja solidário comigo. Essa casa aqui deve valer o prédio
inteiro que Gustavo e eu moramos. — Passo a pontinha do dedo indicador
pela estante embutida que exibe livros de culinária e cozinha italiana. —
Quando pretendia me contar que ganhou na loteria?
Os lábios de Henrique se curvam minimamente para cima.
Queria muito que ele sorrisse de verdade.
Nem que fosse só uma vez.
Acho que a última vez que vi a sombra do seu sorriso foi na festa
surpresa do seu aniversário de 24 anos em que comprei para ele uma lata de
biscoitos italianos sortidos e um porta-retrato com a única foto que
tínhamos juntos — a qual Elisa tirou no primeiro amigo secreto que nossos
amigos fizeram.
Eu peguei o nome dele.
Ele pegou o meu.
Quando lembranças assim retornam, me dou conta do quanto
Henrique e eu nos afastamos nos últimos anos. Hoje em dia, se me
perguntarem, não devo nem saber qual é a sua marca favorita de vinho.
É estranho demais quando pessoas queridas se tornam completas
desconhecidas.
— Assim que você se tornasse a minha esposa.
Solto uma risadinha.
Gosto dessa versão descontraída dele.
— Isso quer dizer que você vai aceitar ser o meu marido?
Henrique aperta os lábios em uma linha reta e gesticula em direção à
cozinha iluminada. É neste momento que me dou conta da roupa que ele
está usando: calça de moletom e camiseta de malha.
É até estranho vê-lo tão informal.
Estou acostumada com as camisas de linho e os sapatos ilustrados.
— Não seja tão apressada, Ariela.
— Sou um poço de paciência. — Pisco minhas pestanas ao passar
por ele e seguir para a cozinha. — Se você pesquisar essa palavra no
dicionário, vai encontrar o meu nome lá do ladinho.
Henrique vem logo atrás de mim.
— Eu definitivamente não concordo com isso.
— Está me chamando de estressadinha?
— Prefiro o termo inconsequente. — Ele se movimenta pela
cozinha, pegando uma garrafa de vinho e duas taças na cristaleira. —
Afinal, está disposta a se casar comigo só para conseguir se inscrever em
um concurso que nenhum de nós dois sabe se você vai ganhar.
Deixo a minha bolsa em cima do balcão e cruzo os braços.
— Duvidando da minha capacidade, Henrique Fiore? Sei que você
não acredita muito em mim, mas posso te garantir que sou muito boa no que
faço — me defendo. — Minhas mãos são tão talentosas quanto a minha
língua.
Henrique dá uma tossida.
E eu, tarde demais, me dou conta que mais uma vez falei mais do
que deveria.
Alguém deveria colocar um filtro na minha boca urgentemente.
— Estou começando a desconfiar que você só quer se casar para
poder flertar comigo sem peso na consciência de estar fazendo algo
proibido.
Minhas bochechas esquentam.
A Ariela de 20 anos estaria dando gritinhos internos e
hiperventilando.
Mas a de 24 anos já matou esse sentimento há muito tempo.
O homem diante de mim com tatuagens espalhadas pelos braços,
descendência italiano e com habilidades de cozinhar os meus pratos
favoritos não é nada atraente.
Pelo menos, não para mim.
É isso aí, Ariela!
— Nem nos seus maiores sonhos, italianinho.
— Vou me lembrar disso quando o seu irmão aparecer na minha
casa prestes a quebrar o meu nariz quando descobrir que me casei com
você.
Gustavo é, de fato, um problemão.
Desde que fiz a proposta para Henrique — na sexta-feira à noite —
encontrei meu irmão me esperando no sofá da sala como um pai protetor
demais, tenho tentado encontrar uma maneira dócil, feliz e divertida de
contar que pedi o seu melhor amigo em casamento.
Em todos os cenários que criei na minha cabeça, Guto não gostou
nadinha da informação.
Mas ele nem precisa se preocupar tanto assim. Não é como se
Henrique e eu fossemos nos casar de verdade, dormir abraçadinhos na
mesma cama, dar uns amassos no banco de trás da sua caminhonete e
encher a casa de crianças barulhentas.
As chances de cada uma dessas coisas acontecerem estão bem
próximas de zero.
— Ele não vai fazer isso com você, Henrique.
— Eu não teria tanta certeza assim.
— Você é solteiro, não tem nenhuma passagem pela polícia, dirige
respeitando todas as leis de trânsito, é dono do próprio negócio e é o melhor
amigo dele há pelo menos uns quatro anos — enumero cada uma das suas
qualidades, mas mantendo a minha língua controlada para não dizer que ele
também é bonito demais da conta. Prefiro guardar esse detalhe para mim.
— Não tem motivo nenhum para o Guto ficar preocupado comigo.
— É o fato de sermos melhores amigos que complica tudo, Ariela.
Franzo o cenho, sem entender.
— Por que?
— Porque existe um combinado mútuo entre os caras em que as
irmãs dos seus amigos são território extremamente proibido. Quem quebrar
a regra, paga o preço.
Faço uma careta, ultrajada.
Meu irmão não pode ter estabelecido essa barbaridade arcaica pra
cima do Henrique, né?
Ele não seria assim tão ousado e cara de pau.
Mas, levando em consideração que nunca vi nenhum dos outros
amigos dele falarem comigo por mais de quinze minutos, já dá para ter uma
leve suspeita de que esse assunto já surgiu entre eles em algum momento.
A constatação disso, automaticamente, me leva para outro cenário.
E, antes que eu possa evitar, o questionamento que tenho guardado
para mim há tanto tempo acaba me escapando:
— Foi por isso que você parou de falar comigo quando foi para
aquele intercâmbio?
Posso jurar que Henrique prende a respiração.
Eu também.
Nunca falei nada sobre a Itália até este exato momento.
Depois que ele se recusou a responder qualquer uma das minhas
mensagens, eu fiz o que qualquer outra garota aos 20 anos teria feito:
apaguei o número dele e o deletei de todas as minhas redes sociais.
Quando Henrique voltou para casa um ano depois, recusei o convite
de Elisa para a festa de boas-vindas e todos os outros que vieram em
sequência.
A gente só foi se ver pessoalmente quase seis meses depois.
E não foi surpresa nenhuma quando Henrique me tratou como uma
completa desconhecida. Porque era isso que eu tinha me tornado para ele:
uma estranha. Qualquer carinho que um dia havíamos compartilhado um
pelo outro havia desaparecido.
E a pior parte dessa história é que em nenhum momento eu fui atrás
para saber o que tinha acontecido. Não implorei por sua atenção, não pedi
por justificativas e não procurei explicações.
Porque, se Henrique realmente quisesse dizer algo, ele teria dito.
Ele sabia onde eu estava.
Ele sabia onde eu morava.
E ele sabia o meu número de telefone.
É por isso que fazer esse questionamento em voz alta é um erro.
Não quero saber a resposta.
— Esquece que eu perguntei isso. — Pego a taça de vinho entre os
dedos e bebo dois goles imensos, quase esvaziando-a. Preciso engolir a
vergonha que quer crescer dentro de mim. — Do que estávamos falando
antes mesmo?
Henrique permanece em silêncio.
As íris se demoram em mim, me avaliando e enxergando as
pequenas fissuras que demonstram o quanto esse assunto ainda mexe
comigo.
Faço o mesmo com ele, analisando-o em busca de algo, mas a
expressão em seu rosto é impossível de decifrar. Henrique não esboça nada
além da taciturnidade costumeira.
É um balde de água fria que reforça que ele não se arrepende de
nada do que aconteceu.
Desvio o olhar para longe, quebrando o momento.
Ele pigarra em resposta, a voz soando distante quando pergunta:
— Você está com fome?
Forço meus lábios a se curvarem para cima.
— Está se oferecendo para cozinhar para mim de novo?
Sim, é isso mesmo que você pensou.
Vou fingir que nada aconteceu nesses últimos minutos, porque —
infelizmente — eu funciono desse jeito. Não gosto de cutucar nas minhas
feridas antigas e Henrique é uma que nunca sei se está cicatrizada de
verdade, então apenas finjo que ela não existe.
É a melhor coisa a ser feita.
Mágoas antigas não merecem ser revividas.
Passado é passado e falarmos sobre o que aconteceu não vai mudar
em nada.
— Para você ver como estou sendo bonzinho com você — diz,
naquele tom compenetrado. — Normalmente eu só cozinho para
desconhecidos quando estou sendo pago.
Empurro o queixo para cima e abro um sorriso convencido.
— Mas eu não sou uma desconhecida.
Ele me encara por alguns segundos.
— Não, Ariela. Você não é.
— Então... — Levanto o corpo da banqueta e contorno a ilha de
mármore, até parar ao seu lado. — Como eu sou a pessoa mais querida,
legal, amorosa e divertida do universo inteiro, eu mereço o melhor jantar de
todos. Você não acha?
— Eu acho que você está sendo exigente demais para quem come
pizza de supermercado duas vezes por semana.
— Elas estavam na promoção, tá? Leve 4, pague 3. — Saio em
defesa das minhas amadas pizzas congeladas. — É difícil resistir a uma
oferta imperdível como essa.
— Difícil é conviver com uma pessoa que comete trinta crimes por
dia contra a culinária italiana.
— Ei! — Empurro seu ombro de brincadeira com o meu. O clima
esquisito entre a gente já se dissipou. — Só porque eu corto o macarrão
com a faca, coloco abacaxi na pizza e uso creme de leite no molho à
carbonara não quer dizer que estou sendo uma criminosa.
— Lamento te informar, mas você está sendo sim uma grande e
terrível criminosa.
— E o que você vai fazer, hein? Me algemar na cabeceira da sua
cama e dar umas palmadas na minha bunda em forma de punição?
Henrique respira profundamente e tensiona a mandíbula.
E eu...
Bom, eu chego à conclusão de que apenas uma taça de vinho é o
suficiente para me deixar mais soltinha do que deveria. Prefiro nem
imaginar o que aconteceria se eu bebesse uma garrafa inteira sozinha.
— Essa sua boca ainda vai te meter em grandes problemas um dia
desses, Ariela — avisa. — E eu não vou estar lá para te salvar.
— Não precisa se preocupar, italianinho. Eu sei me cuidar muito
bem. — Aponto para a minha bolsa. — Eu tenho até um spray de pimenta,
sabia? Estou preparada para qualquer contratempo. Pode dormir tranquilo
com a cabeça no travesseiro.
— Se tem uma coisa que não tenho feito nos últimos dias é dormir
tranquilo, Ariela.
— Por que?
Não recebo uma resposta de imediato.
Henrique apenas vai até a pequena despensa e volta de lá com dois
aventais.
Estou prestes a perguntar o que significa quando ele passa o buraco
do avental pela minha cabeça e amarra o laço atrás da cintura. O
movimento acontece de forma tão repentina que fico zonza não somente
com a sua aproximação, mas também com o suave toque dos dedos na
minha pele coberta pela regata fininha.
Quando olho para cima, noto que Henrique já está com as íris
fixadas demoradamente em mim.
Engulo a espessa saliva que se forma em minha boca, não
entendendo porque, de repente, cada parte minha parece estar mergulhada
em brasas fumegantes.
— Eu...
Ele pousa o dedo indicador sobre os meus lábios.
O calor que emana do seu corpo, junto do seu toque, me lembram da
noite em que ele me pegou desprevenida no banheiro do Bacio Di Sole.
— Estou sem dormir direito há alguns bons dias porque você me
pediu para que pensasse em um certo assunto e eu pensei — diz, a voz
soando rouca e carregada de um jeito que nunca ouvi antes. — Pensei nos
pontos negativos, nos pontos positivos e nos problemas que podemos
enfrentar por causa dessa farsa. Se alguém descobrir...
Enrolo os dedos ao redor do seu antebraço.
— Ninguém vai, isso eu posso te garantir.
Ele semicerra as pálpebras para mim, meio desconfiado, mas segue
em frente com o seu discurso:
— Antes de mais nada, precisamos falar com o Gustavo. Não quero
perder o meu melhor amigo, mas também não quero que você se meta em
uma confusão ainda maior se casando com um desconhecido qualquer.
— O Guto é um problema meu. Deixa que eu me resolvo com ele. O
que mais?
Henrique desliza as mãos por minhas costas, até alcançar os ombros
e encaixar as palmas ali. Não sei se o movimento é genuinamente pensado
como uma forma de tentar manter nós dois calmos ou se é totalmente
involuntário.
— Casamento somente no civil. Sei que o seu sonho é se casar na
igreja e eu não quero tirar isso de você por causa de uma mentira que vamos
inventar — explica, as suas palavras atingindo um ponto sensível do meu
coração. — As regras do concurso dizem sobre ser casado perante a lei,
então cumpriremos com os requisitos, mesmo que de um jeito um pouco
incorreto.
Abro um pequeno sorriso.
Parando para olhar a situação como um todo, me dou conta que não
poderia ter escolhido uma pessoa melhor para esse casamento forjado. Eu
não conseguiria ir em frente com outro alguém. E, embora Henrique e eu
tenhamos um pequeno conflito não resolvido no passado, ele ainda é uma
das únicas pessoas que eu confiaria de olhos fechados.
Podemos não ser mais as nossas versões antigas, mas ainda existem
pequenos fragmentos delas.
E o Henrique de anos atrás nunca deixou de ser importante para
mim.
— Você aceita, então?
Ele sacode os ombros em um gesto descontraído que não combina
em nada com a sua pose de mal-humorado.
— Abrir mão do meu estado civil de solteiro não me parece uma
ideia tão ruim assim.
Solto um gritinho estridente e me jogo nos seus braços.
INGREDIENTES:
250g de tomate
250g de mussarela fresca de búfala
1 colher (de sopa) de azeite de oliva extra virgem
6g de manjericão
¼ colher (de chá) de orégano seco
Sal a gosto

Quatro dias após a conversa com Ariela, a pior coisa de todas


acontece.
Gustavo aparece no Bacio Di Sole.
Mais especificamente no meu escritório e a expressão em seu rosto
não é nada amigável.
Os braços estão cruzados em frente ao peitoral largo e musculoso.
A mandíbula encontra-se tão tensa que eu posso apostar que ele está
apertando os molares com tanta força que eles são capazes de quebrar ao
meio a qualquer momento.
E a expressão em seu rosto é de quem gostaria muito de desferir um
soco na minha cara, chutar o meu traseiro e depois me manter a pelo menos
100km de distância da sua irmã.
Mas entendo o lado dele.
Eu estaria do mesmo jeito se a minha irmã estivesse prestes a se
casar com o meu melhor amigo de anos.
É golpe baixo.
— A sua sorte é que eu gosto muito de você, Henrique — ele diz,
dando um passo para frente e fechando a porta. Pelo canto do olho, consigo
ver os meus funcionários bisbilhotando pela janela de vidro de um jeito
nada discreto. — E também porque sei que você não tem nenhum interesse
na minha irmã. Então, é apenas um acordo. Certo?
Meu cérebro, traiçoeiro do jeito que é, resolve justamente agora
trazer à tona todas as vezes em que pensei em Ariela bem mais do que
deveria.
Pensei nos seus sorrisos.
Pensei nas suas piadas.
Pensei no seu rosto bonito corado.
Pensei no calor do seu corpo junto do meu.
Praguejo mentalmente um palavrão e me remexo na cadeira
ergonômica.
— Certo. Nada além disso, posso te prometer.
Gustavo assente, satisfeito.
— Também não preciso me preocupar com mãos bobas e amassos
escondidos no banco de trás do seu carro?
Engulo em seco.
— Não. Você não precisa.
Agora ele abre um sorriso de orelha a orelha.
— Nem mesmo com uma lua de mel?
— Nada de lua de mel.
Meu melhor amigo assovia em aprovação e se acomoda em uma das
poltronas que ficam em frente à minha mesa.
O silêncio preenche o espaço.
A minha sorte é que estou tendo essa conversa com o irmão dela. Se
fosse com o seu padrasto, tenho certeza que seria dez mil vezes mais
constrangedor. Humberto é meio preso aos velhos costumes, então ele
jamais entenderia que tudo o que estamos fazendo é em nome de algo muito
maior.
Não tem nada a ver com a gente.
Mas sim com os nossos interesses individuais.
Ariela quer ganhar o prêmio.
Eu quero recuperar a estabilidade do meu restaurante.
E não há nada de errado em unirmos o útil ao agradável.
— Quando a minha irmã me contou que estava indo comer no seu
restaurante na sexta-feira passada, eu deveria ter desconfiado de que ela
estava aprontando algo — Gustavo diz, massageando a barba que recobre a
sua mandíbula. — Mas eu jamais, nem em um milhão de anos, imaginei
que fosse para inventar um casamento de fachada. Logo com você, a pessoa
que mais foge de qualquer compromisso que envolva uma aliança.
— Estou fugindo das netas das amigas da minha avó. É totalmente
diferente — explico. — Com a Ariela é apenas um acordo para
conseguirmos o que queremos. É melhor ela se casar comigo do que com
um desconhecido, não acha?
Sei que toquei em um ponto sensível dele.
Gustavo até pode bancar o irmão mais velho que é meio chato e
protetor além da conta, mas é porque ele se preocupa com a irmã. Ele não
gosta de falar sobre o assunto, mas tenho plena consciência que esse seu
comportamento é decorrente da ausência gritante do pai deles.
Gilberto foi embora de casa quando Ariela e Gustavo tinham quatro
e nove anos respectivamente. Ele não se despediu. Não deu explicações.
Nem mesmo abraçou os filhos uma última vez. Somente fez as malas e
sumiu.
Quando Angelina chegou em casa depois do trabalho, já não havia
mais nenhum rastro do marido.
Ariela me contou sobre essa história somente uma vez. Estou
esperando o momento em que Gustavo irá fazer o mesmo. Dá pra ver o
quanto esse assunto mexe com ele, mesmo depois de vinte anos.
Porque eu me sinto da mesma maneira quando penso em meus pais.
Eles podem ter falecido em um acidente de carro quando eu tinha apenas
três anos e mal me lembrar da aparência de cada um, mas a ausência deles é
algo que jamais vou esquecer.
— Eu odeio como você me conhece, Henrique.
— Sou o seu melhor amigo, Gustavo.
Ele solta um sopro de ar, fingindo estar chateado.
— Ainda não acredito que isso realmente está acontecendo. —
Balança a cabeça de um lado para o outro, alguns fios do cabelo escuro
caindo sobre a testa. — Você acabou de infringir a regra principal entre os
melhores amigos. Se eu fosse um cuzão, estaria colocando veneno de rato
na sua comida agora mesmo.
O senso de humor de Gustavo é terrível.
Nessas horas dá pra entender porque Ariela é dez vezes pior que ele.
— As regras não dizem nada sobre se casar com a irmã mais nova.
— Porque essa possibilidade nem deveria existir, Henrique.
— Você está sendo tão exagerado que estou considerando a
possibilidade de comprar um pacote promocional de dez dias de lua de mel
em Cancún só pra te irritar.
— Você não ousaria.
— Se você continuar enchendo o meu saco sobre esse casamento
forjado, pode apostar que eu vou — intimido-o, só para vê-lo direcionar
uma careta tenebrosa para mim. — E serão vinte dias de lua de mel em vez
de dez. Satisfeito?
Gustavo bufa e se levanta da poltrona em um pulo.
Em um gesto automático, empurro o porta-retrato que tenho ao lado
do meu computador para baixo.
Tem certas perguntas que a gente pode evitar de serem feitas.
— Vou acabar tendo uma síncope antes dos 40 anos e a culpa vai ser
inteiramente de vocês dois — reclama. — Guarde bem as minhas palavras,
Judas.
Reviro os olhos diante do apelido.
Ele é exagerado além do normal.
— Se continuar sendo dramático desse jeito, pode ter certeza que vai
acontecer com você tendo menos de 30 anos, o que é pior ainda.
Ele resmunga um palavrão e se vira de costas para mim, encarando a
cozinha industrial do Bacio Di Sole em completo silêncio.
Hoje o restaurante está com um movimento melhor, mas nada
comparado com a procura que tínhamos semanalmente antes daquela
maldita postagem. Era satisfatório olhar a agenda de reservas que Pierre
organizava, porque havia finais de semana que até tínhamos fila de espera.
Agora, no entanto, é fácil encontrar mesas vazias.
Esse pensamento me faz ter ainda mais certeza de que estou
tomando a decisão certa em ir frente com a ideia de Ariela.
Existem chances de nada disso dar certo no final? Sem sombra de
dúvidas.
Pelo menos estou tentando encontrar maneiras de solucionar o maior
problema que meu negócio já enfrentou. Obviamente já contornei situações
muito mais desagradáveis ao longo desses anos, só que nenhuma delas me
atrapalhou nesta proporção.
Eu sei que meus funcionários também estão percebendo.
Não posso fechar meus olhos diante disso e fingir que está tudo bem.
— Eu não vou voltar atrás.
Gustavo gira sobre os calcanhares, a confusão estampando a sua
face.
— O quê?
— Eu não vou voltar atrás com o casamento — declaro. — Mesmo
que você acabe me odiando e nunca mais nos falemos, seguirei em frente
com a minha palavra. Prometi que iria ajudar Ariela e eu vou,
independentemente do que você diga ou pense.
— Eu não esperava mesmo que você desistisse, Henrique —
murmura, em um tom resignado. — Não é do seu feitio fazer esse tipo de
coisa.
— Então por que você está aqui?
Ele aperta os lábios, massageia a região da nuca e dá um suspiro
cansado.
— Porque se você e a Ariela realmente vão em frente com isso, você
precisa prometer que não vai magoá-la de novo. Nem mesmo ousar causar
qualquer sentimento de tristeza ou chateação nela. Quando você foi pra
Itália e parou de falar com ela, eu deixei pra lá porque era um problema que
não me dizia respeito. Mas agora... — Se aproxima da mesa até ficar de
frente para mim. — Agora não é mais brincadeira, Henrique. Mesmo que
seja um casamento forjado com interesses próprios, ainda é um casamento.
Tenha a decência de se comportar como uma pessoa digna do amor dela,
porque Ariela jamais se casaria com você se não gostasse nem um
pouquinho da sua presença. Ela gosta. Então não seja um babaca de merda
de novo.
As palavras atingem em cheio o meu estômago em um único golpe.
Eu já tinha plena consciência que havia magoado Ariela no passado.
Só que ouvir em voz alta, com as palavras saindo da boca do seu
irmão, é ainda pior.
Não posso seguir por esse caminho de novo.
A mera possibilidade de ver Ariela triste por minha causa me
incomoda em níveis preocupantes.
— Não vou cometer nenhum erro dessa vez.
Ele apoia ambas as mãos na superfície da mesa, me encarando.
— Você também não vai se envolver com outras mulheres enquanto
estiverem casados e nem mesmo ousar oferecer menos do que ela merece
— declara, impondo a sua posição de irmão mais velho protetor sem
nenhum esforço. — Cuide bem da minha irmã, Henrique. Porque enquanto
esse casamento de conveniência durar, ela é sua.
— Vou ser o melhor marido do mundo.
Gustavo abre um sorriso de puro êxtase, dando a conversa por
encerrada. Mas antes mesmo que eu possa relaxar e voltar para o meu
trabalho, ele aponta o dedo em riste para mim enquanto saí do escritório e
faz a sua última ameaça:
— E nem ouse consumar o ato. Nesse casamento, a minha irmã
morre virgem.
É com essas exatas palavras que meu melhor amigo joga a última pá
de terra em mim.
INGREDIENTES:
1 lata de leite condensado
1 colher (de sopa) de manteiga
1 xícara (de chá) de amendoim sem pele e sem sal
1 colher (de sopa) de cacau em pó
1 xícara (de chá) de açúcar cristal
Amendoins inteiros para decorar

20 dias, 485 horas e 50 minutos.


Esse é o tempo exato que falta para as inscrições do concurso serem
encerradas.
E sei que parece muito, mas com a quantia de coisas que eu e
Henrique temos para organizar daqui para frente, estamos claramente
lidando com um prazo apertado.
Mas estou mantendo a calma.
Nada de surtos.
Pois já dizia aquele ditado super famoso: a pressa é a inimiga da
perfeição.
E eu preciso que as próximas semanas sejam as mais perfeitas
possíveis.
Então estou seguindo as dicas de Ísis que são: fazer meditação
guiada antes de dormir, comer o máximo de frutas possíveis, beber muita
água e ter uma linda e maravilhosa noite de sono.
Tem funcionado? Sinceramente, não muito.
Mas a culpa é inteiramente minha.
Estou uma pilha de nervos.
Pra isso passar só se eu comprar um hortifruti inteiro e beber todos
os estoques de chá de camomila disponíveis no supermercado. Mas como
nada disso é possível, estou me virando do jeito que posso.
E, neste exato momento, todas as minhas preocupações estão sendo
despejadas pra cima de Henrique.
— Daqui a pouco você vai abrir um buraco no chão se continuar
andando de um lado para o outro, Ariela.
Semicerro as pálpebras.
Meu futuro marido está sentado no pequeno sofá do meu
apartamento, com um dos braços esticados no encosto e uma das pernas
apoiadas na mesinha de centro. Pela segunda vez, ele dispensou as roupas
formais e está usando novamente calça jeans desbotada e camiseta.
É até estranho vê-lo assim tão despojado. Até a sua típica carranca
se desfez um pouco. Nada de sorrisos, mas ainda vamos chegar lá. Estou
confiante de que ao longo desses meses de casamento forjado irei conseguir
fazê-lo sorrir, nem que seja uma única vez.
Afinal, não quero que as fotos que serão enviadas na inscrição do
concurso entreguem logo de cara o quanto estamos bem longe de sermos
um casal.
Temos que estar apaixonados.
Tão apaixonados que no lugar das pupilas teremos corações
saltando.
E para isso acontecer as caretas feias do Henrique precisam ser
exterminadas o mais rápido possível.
— Estou pensando em tudo o que temos que fazer daqui pra frente.
Vinte dias não é tempo o suficiente para organizar um casamento — digo,
parando de caminhar e pousando as mãos na cintura. — Algumas noivas
ficam quase dois anos cuidando de todos os preparativos, sabia disso? É
maldade querer que eu dê conta de tudo em menos de um mês.
— Não é um casamento de verdade, Ariela.
— Eu sei, mas ainda precisamos da cerimônia e das fotos. Como
vamos convencer as pessoas que nos casamos sendo que não temos um
registro sequer?
Henrique cruza os braços e me mede da cabeça aos pés.
Por um breve segundo, me arrependo de não ter colocado uma roupa
mais ajeitada. Mas, em minha defesa, ele chegou quinze minutos adiantado
e esse era o tempo perfeito que eu tinha para passar uma leve maquiagem,
secar o cabelo e colocar a minha calça jeans favorita.
Como nada disso rolou, estou aqui sem nem um mísero rímel nos
cílios, com os cabelos ainda meio úmidos do banho e usando um pijama
que tem o rosto gigante do Edward Cullen estampado no centro.
Eu gosto sim de Crepúsculo e não aceito críticas contra isso.
Exceto se for para falar mal das atitudes babacas do Jacob Black.
— Não dá para gente usar Inteligência Artificial?
— Eu fico feia na Inteligência Artificial, Henrique.
— Impossível.
— Eu sei, todo mundo fica bonito. Mas eu fico feia e você não vai
querer comprovar isso com seus próprios olhos.
E não estou exagerando. Realmente fico feia de doer. Fui entrar
naquela brincadeira do aplicativo que estava todo mundo fazendo e terminei
o dia com a minha autoestima enterrada no fundo de uma caçamba de lixo.
As tecnologias te ajudam, mas elas também te humilham.
— Eles vão aguentar, não se preocupe.
Estreito as pálpebras em uma fenda.
Ele acabou mesmo de dizer o que eu estou pensando?
— Você está querendo insinuar alguma coisa?
— Já te vi fantasiada de melancia, Ariela. E acredite em mim, nada
pode superar esse dia, nem mesmo a Inteligência Artificial.
Mesmo não querendo, acabo soltando uma risada.
Porque a fantasia de melancia foi realmente insuperável.
Fico triste por não ter quase nenhum registro dessa festa, porque foi
uma das mais divertidas que fomos na época da faculdade. Nós dois
terminamos aquela noite voltando para casa com Henrique me carregando
nas costas porque eu, simplesmente, perdi a minha sapatilha favorita.
Sinto saudades dela até hoje.
— Disse o cara que foi fantasiado de Leôncio do Pica Pau.
— Nós temos o mesmo estilo de bigode.
Faço uma expressão de nojinho.
— Que é repugnante, caso você ainda não saiba.
— Isso é jeito de falar com o seu futuro marido, Ariela?
— Se continuarmos nesse ritmo, nosso divórcio vai sair antes
mesmo do previsto — digo em um tom brincalhão e me acomodo ao seu
lado no sofá. — Por falar nisso... Quanto tempo você acha que devemos
permanecer casados sem que as pessoas desconfiem da gente?
— Por questões lógicas, uns três meses depois do fim do concurso
ou quando você conseguir abrir sua confeitaria. Seria prudente eu estar no
dia da inauguração, já que provavelmente vamos aparecer no programa da
Ceci Braga — diz, em uma tranquilidade que não combina em nada
comigo. Estou em ponto de bala essa semana. — Se não formos
selecionados, acho que dois meses é perfeito. Casamentos não são mais tão
duradouros como antigamente.
Grunho em desacordo.
— Isso não é verdade.
— Dê uma olhada nas estáticas, Ariela.
— E perder toda a minha fé em ter um casamento lindo e feliz?
Obrigada, mas eu dispenso. Vou permanecer com a ideia de que irei me
casar e passar todos os anos da minha vida ao lado da minha alma gêmea
até sermos dois velhinhos aposentados que revivem as memórias do
passado tomando chá na varanda.
Henrique se remexe no sofá, ficando de frente para mim.
— Por que você quer tanto se casar, Ariela?
A pergunta me deixa um pouco inquieta.
Não sou como Ísis que foge de qualquer coisa relacionada ao amor.
E também não sou como Gustavo que curtiu cada segundo da sua
solteirice até se tornar pai da Nina.
Sempre fiz o tipo mais sonhadora, que quer amar intensamente e
construir uma família. Não quero só me casar na igreja, como também
quero ir às apresentações de balé da minha filha, nos jogos de futebol
infantil do meu filho, nas reuniões de pais e professores da escola e preparar
jantares especiais nos aniversários de casamento.
Sou desse jeitinho meio antiquado mesmo.
Mas é porque eu não tive nada disso quando criança.
— É por causa dos meus pais — explico, um nó desconfortável se
formando ao redor da garganta. — Angelina e Gilberto não tiveram um
casamento duradouro, você sabe disso. Meu pai foi embora quando eu ainda
era criança e mal consigo me lembrar dele. Ele não foi nas minhas
apresentações de dança na escola, não esteve presente na minha festa de
aniversário de 15 anos e nunca vai saber que tenho um diploma em
gastronomia.
Henrique não diz nada, ele apenas acaricia de leve o meu cotovelo
em um incentivo para que eu continue falando. Abraço uma almofada e
deixo os sentimentos virem à tona. É chato guardar tudo sempre pra gente.
— Quero muito construir uma família, porque não tive a
oportunidade de ter uma — fungo baixinho, odiando a maneira rouca em
que minha voz está soando. — Quero me casar com a certeza de que vou
passar cada segundinho da minha vida amando aquela pessoa. Quero ter
filhos e estar presente em absolutamente todos os momentos. Sei que parece
bobo e...
— Não é bobo, Ariela.
Olho desconfiada para ele.
— Você não pensa do mesmo jeito que eu.
— Muito pelo contrário. Eu quero sim me casar e construir uma
família, só acho que essa não é a melhor época da minha vida para fazer
isso. Tenho coisas mais importantes como prioridade no momento.
Cutuco o seu joelho com a ponta do pé.
— Mas mesmo assim você está aceitando fingir um casamento
comigo.
Ele enrola os dedos ao redor do meu tornozelo.
Se Henrique me encher de cócegas vou acabar rindo tão alto que a
vizinhança inteira do prédio vai poder ouvir os meus gritinhos.
— Devo ter enlouquecido de vez.
— Ah, não seja assim... — Me remexo de um lado para o outro
quando o polegar de Henrique aperta suavemente a sola do meu pé. As
cócegas estão começando a querer dar os seus primeiros sinais. — Vai ser
divertido, no final das contas. Daqui alguns anos você vai poder contar para
os seus filhos e a sua futura esposa que forjou um casamento só para
conseguir salvar a reputação do seu restaurante e alavancar os negócios.
Henrique não me direciona nenhuma resposta.
A única coisa que ele faz é repousar as íris castanhas
demoradamente em mim, absorvendo cada um dos detalhes do meu rosto
como se estivesse lutando para memorizar cada um deles.
Enquanto isso eu estou imaginando-o se casando com outra mulher e
criando uma família feliz naquela linda casa com piscina.
A ideia me desagrada tanto que até sinto um gosto de bile na boca.
— Bom... retornando aos planos — cantarolo as palavras, odiando o
clima esquisito que se estabelece entre a gente. — Nós precisamos de uma
história de amor inesquecível, de fotos, de um bolo e de uma comemoração,
além de agendar o casamento no civil.
— Quanto tempo você precisa para organizar tudo?
Abro um pequeno sorriso.
— Você está concordando em termos uma festinha meio íntima,
então?
Henrique dá um suspiro.
— Faço o que for preciso para convencer a Ceci Braga que estamos
tão apaixonados quanto ela e o João Pedro. E se o único jeito para
conseguirmos isso é seguir por esse caminho...
Ele mal termina de falar e eu já estou soltando um gritinho de pura
felicidade.
Ultimamente tenho abusado até demais da saúde das minhas cordas
vocais, mas a verdade é que tenho estado tão empolgada com os últimos
acontecimentos que simplesmente não consigo me controlar.
E, tudo bem, eu sei que não vai ser um casamento de verdade, no
entanto sou completamente apaixonada nos detalhes de uma cerimônia — a
minha pasta no Pinterest é a maior prova disso —, então é meio difícil
fingir que nada disso faz o meu coração acelerar.
Porque faz.
Quase tanto quanto a ideia de ter a minha confeitaria dos sonhos.
— Calma! Tenho que fazer uma lista para não nos perdermos! —
Saltito para fora do sofá, vou até o meu quarto e volto logo em seguida com
um caderno em mãos e uma caneta. De glitter, é claro. — Primeira coisa:
agendarmos o casamento no civil. Santa Clara não é como Nova Granelle,
então daqui duas semanas eu acredito que já estejamos com os papéis em
mãos e devidamente unidos perante a lei.
Henrique assente.
— O cartório não fica longe da minha casa. Então podemos ver isso
essa semana, se você quiser.
Concordo com um sorriso.
— Então... primeiro item: agendar o casamento. — Anoto a nossa
primeira tarefa com uma estrelinha do lado indicando prioridade. — Depois
disso, precisamos de uma festa para não levantarmos suspeitas de que
estamos nos casando por benefício próprio.
— Vinte convidados, no máximo.
— Poxa, Henrique... Eu queria convidar no mínimo duzentas
pessoas.
Ele puxa meus pés para cima do seu colo em um gesto automático.
De forma inconsciente, empurro a bunda para frente, até estar bem próxima
dele. O calor que emana do seu corpo, misturado com o perfume masculino,
me deixa com uma vontade absurda de me aconchegar ao seu redor feito
um bicho-preguiça.
Carência é foda. Carência próxima do período menstrual, então...
— Se você quer me matar para depois dar o golpe do baú é só
convidar duzentas pessoas para o nosso casamento.
— Cento e noventa e nove pessoas estão liberadas, então?
Ele bufa.
— Não vou nem mesmo responder essa pergunta, Ariela.
Dou uma risadinha e retorno para o meu caderno, anotando o
segundo item.
— Nada de festa de arromba, então. Será apenas uma comemoração
simples com nossos melhores amigos, um bolo de dois andares e alguns
docinhos — falo em voz alta cada uma das coisas que estou elencando no
papel. — Nesse dia vamos tirar algumas fotos, porque pelo menos uma
delas precisaremos enviar na inscrição do concurso.
— Eu ainda apoio o uso da Inteligência Artificial.
— E ficar com os dedos e os dentes deformados? Eu dispenso.
Henrique sacode a cabeça em negação e, tão suave quanto uma pena,
sinto a ponta dos seus dedos acariciarem os meus tornozelos outra vez. Não
é uma massagem nem de longe, mas é o suficiente para deixar o corpo
inteiro relaxado.
Ele fazia isso comigo várias vezes quando eu retornava de um dia
cansativo de trabalho no estágio. Era tão gostoso que eu acabava
adormecendo no sofá antes mesmo de escolhermos o que íamos assistir. No
dia seguinte, de algum jeito, eu acordava na sua cama enrolada em um
cobertor gostoso e com a sensação de ter tido a melhor noite de sono de
toda a minha vida.
Infelizmente, sinto falta desses momentos bem mais do que gostaria
de admitir.
Tenho estado muito solitária nos últimos anos.
E mesmo que eu more com meu irmão e ele cuide de mim como
cuidaria de um hamster dentro de uma gaiola, ainda não é a mesma coisa.
Desde que Henrique foi embora e nossa amizade escorreu
inteiramente pelo ralo, um vazio esquisito tomou conta do meu coração.
Um vazio no qual ninguém jamais chegou perto de conseguir preencher.
É horrível.
Em partes, é por isso que sempre concordei em sair naqueles
encontros desastrosos que a Ísis arranjava para mim. Acho que, lá no fundo,
eu só queria conseguir sentir alguma coisa, por menor que fosse, por
qualquer outra pessoa que não fosse o Henrique.
Obviamente que não estou mais apaixonada por ele. Mas Henrique
foi a primeira pessoa que gostei de verdade. Não dá para apagar esse
sentimento por completo. E eu juro que tentei.
— Precisaremos também de roupas adequadas, não?
Pisco, meus pensamentos se dispensando com o som da sua voz.
— É claro. Um vestido branco para mim e terno e gravata para você.
— Anoto o último item na nossa lista e adiciono também um coraçãozinho
cheio de glitter ao lado. — Sendo assim... Temos 19 dias para organizar
tudo, já que quero reservar um dia inteiro para fazermos a nossa inscrição.
Henrique assente, taciturno.
Olho curiosa para ele.
— Você quer acrescentar algo?
— Antes de fazermos qualquer outra coisa, precisamos contar para a
minha avó. Prefiro que ela fique sabendo pela gente do que por outra pessoa
— explica, meio acanhado. — Mas você conhece a Antonella... Não sei se
ela vai entender que estamos falando de um casamento por conveniência.
Na cabecinha dela, casamento é casamento. Não existe outro termo.
Coço a pontinha do nariz, pensando no assunto.
Também terei que contar para a minha mãe e para o meu padrasto. E
digamos que Humberto é preso demais aos velhos costumes. É claro que
não devo satisfação nenhuma da minha vida para ele, mas não quero que
todas as datas comemorativas sejam celebradas com os sermões dele
dizendo que forjei um casamento diante da lei com o melhor amigo do meu
irmão.
Seria uma chatice.
E de chatice já basta a proteção exacerbada do Gustavo pra cima de
mim.
A solução que surge na minha cabeça é insana.
Tão insana quanto se casar para conseguir participar de um concurso
de confeitaria.
— Não vamos contar pra ela.
— Ariela...
— Estou falando sério! — exclamo, deixando o caderno e a caneta
de lado. — É muito mais fácil dizer que estamos nos casando porque somos
completamente apaixonados um pelo outro do que explicar em detalhes que
vamos burlar uma das principais regras do concurso da Ceci Braga.
Henrique se recosta no sofá e dá um longo suspiro.
Aposto que por dentro está repensando se realmente foi uma boa
ideia se juntar a mim nesta loucura.
Espero que ele não volte atrás.
Não vou conseguir encontrar outro homem dando sopa por aí só
esperando pelo meu pedido inesperado de casamento.
— As pessoas não se apaixonam assim tão rápido.
Bato com a língua no céu da boca, discordando.
— Eu me apaixono. Sou viciada em amar. Se deixar, eu declaro
paixão à primeira vista por dez pessoas passeando de metrô em São Paulo.
Ele sacode a cabeça de um lado para o outro, desacreditado. Solto
uma risadinha e curvo o corpo para frente, até estar bem próxima do seu
rosto.
— Vai aceitar a minha ideia ou não, italianinho?
Henrique olha para a minha boca e depois para os meus olhos.
— Já me viu negando qualquer coisa para você, Ariela?
— Devo me sentir privilegiada?
Não recebo uma resposta de imediato.
Ele gentilmente coloca meus pés em cima de uma almofada e se
levanta do sofá, pegando sua jaqueta jeans quase esquecida na poltrona.
Automaticamente olho para o relógio na estante: são nove horas da noite.
Henrique já deveria estar no restaurante há pelo menos três horas,
mas ficou aqui comigo além do horário que havíamos combinado por
mensagem.
A constatação disso faz algo estranho despertar dentro de mim.
Não seja tão emocionada, Ariela.
— Sim, porque você é a única pessoa para quem abro essas exceções
— diz, pegando o celular e as chaves do carro de cima da mesinha. —
Domingo de manhã, na minha casa. Fico te esperando.
Concordo com um aceno curto.
No entanto, antes que Henrique possa sair do apartamento e ir
embora, chamo o seu nome. Ele se vira para trás, as orbes fixas em meu
rosto e as mãos enfiadas dentro do bolso da calça.
A pergunta que eu vou fazer...
Espero que ele não surte.
— Você vai me comprar um anel?
As sobrancelhas escuras quase alcançam o couro cabeludo em uma
mistura de choque com surpresa.
— De noivado?
— Sempre quis usar um.
— Você vai ficar noiva menos de três semanas, Ariela.
— Como vou convencer as pessoas que estou noiva se meu dedinho
está solitário?
Henrique respira fundo e assente.
Ele sabe que tenho razão.
Não existe nada mais convincente do que um anel brilhante.
Ninguém vai nem mesmo ousar duvidar da gente.
— Comprarei um anel.
Sorrio e abraço a almofada, quase pulando para fora do sofá de tanta
alegria.
— Só pra você saber, meu tamanho é 16. Não se esqueça disso!
Ele destranca a porta e se despede de mim sem dizer mais nada.
Mas eu nem fico brava por causa disso.
Porque aposto que, bem lá no fundo da sua alma mal-humorada,
Henrique está sorrindo tanto quanto eu.
INGREDIENTES:
2 batatas
1 abobrinha e 1 cenoura
80g de vagem
1 cebola e 2 dentes de alho
1 talo de salsão (com folhas) e 1 maço de couve
400g de tomate pelado em cubos
400g de feijão-branco cozido
1 litro de água
2 folhas de louro
1 colheres (de sopa) de azeite
Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

Fiz o que Ariela me pediu.


Quando ela me olhou com aquelas orbes brilhantes, cheias de
expectativa, felicidade e uma dose gigantesca de esperança, não consegui
negar.
Mas a verdade é que eu nunca consigo dizer não para ela.
É uma maldição do cacete.
E o fato de eu ter aceitado me casar com ela torna tudo ainda pior.
Vou ter que ser amarrado em uma camisa de força se não quiser
cometer ainda mais loucuras, porque ter ido até a joalheria e comprado o
anel mais caro de todos é a maior prova de que — de fato — estou seguindo
por um caminho tortuoso demais.
O recomendado seria ficar longe de Ariela.
Mas é impossível criar qualquer distância entre nós dois enquanto
ela canta animada uma música do Justin Bieber dentro do meu carro com as
janelas do vidro abertas e uma das mãos esticadas para fora.
Vou precisar passar dez anos recluso e escondido no fundo de uma
caverna depois desse casamento.
Não tenho outra saída.
— Sua avó não se esqueceu de mim, será? — Ariela estica o braço e
abaixa o volume do rádio quando a música acaba. — Faz anos que não a
visito mais.
Finjo não notar o tom de mágoa oculto na sua última frase.
Antes daquela terrível noite acontecer, Ariela almoçava todos os
domingos na casa da minha avó. Era uma tradição exclusivamente nossa
que não abríamos mão de jeito nenhum. Antonella cozinhava um dos pratos
do seu caderno de receitas e depois, ao final da tarde, jogávamos Banco
Imobiliário até cansarmos.
A lembrança me deixa com uma sensação esquisita no meio do
peito.
— Com certeza não — murmuro, apertando os dedos ao redor do
volante. — Ela me falou de você duas semanas atrás.
— O que ela disse?
— Que eu deveria te chamar pra ser minha acompanhante no
casamento do Cadú.
Ariela arregala os olhos e se vira assustada para mim.
— O Cadú também vai se casar?!
— Ainda não, mas é só uma questão de tempo até que a minha avó
consiga essa proeza — digo, me lembrando do almoço terrível que tive com
Dorotéia e Daniela. Todo esse desconforto poderia ter sido evitado se eu
conseguisse ser um pouco mais durão com a minha avó. O que, obviamente,
não consigo ser. — Você sabe como ela é. Vê amor por todos os lados.
Ariela abre um pequeno sorriso.
— É por isso que sempre gostei muito da sua avó. Me identifico
com ela — diz. — Antonella não vai achar estranho a gente aparecer assim
do nada?
— Assim como?
Ela dá um cutucão de leve no espaço entre as minhas costelas.
— Loucamente apaixonados um pelo outro — responde, como se
fosse óbvio. — Nós fomos amigos por anos, Henrique. E depois que você
voltou, nunca mais saímos juntos. Nenhuma vez sequer. Precisamos de uma
história convincente para contar, porque senão a sua avó nunca vai acreditar
na gente.
Suspiro, exausto.
— Se eu soubesse que aceitar um casamento por conveniência me
traria tanta dor de cabeça teria permanecido solteiro.
— Para de ser dramático. É só pensarmos nos detalhes mais
importantes: como a gente se apaixonou e porque não havíamos contado
nada para ninguém até agora. — Ariela se remexe no banco do passageiro,
até ficar de frente para mim. — É uma tarefa fácil e que vamos decidir em
menos de cinco minutos.
— A pessoa criativa nesse noivado é você, caso tenha se esquecido.
Não conte com os meus dotes imaginários, porque eles ficam bem próximos
de zero.
Pelo canto do olho, consigo vê-la revirando as íris chocolate para
mim.
— Como você se apaixona pelas pessoas?
Ergo as sobrancelhas.
— Que tipo de pergunta é essa?
Ariela sacode os ombros.
— Para eu inventar uma história, preciso saber como seu coração
funciona, Henrique.
Mantenho a atenção fixa no trânsito.
O movimento de carros em Santa Clara está quase nulo, não tendo
praticamente ninguém na avenida além de nós dois, mas mesmo assim
mantenho os olhos pregados no trânsito.
Essa conversa é estranha demais.
E olha que Ariela e eu já tivemos várias conversas estranhas nas
últimas semanas.
— Eu não me apaixono.
Minha resposta a faz grunhir.
— Para de ser mentiroso. Impossível em todos esses anos você
nunca ter se apaixonado por ninguém. — A incredulidade é visível no seu
tom de voz quando nego com um balançar de cabeça. — Nem mesmo um
calorzinho no coração? Uma vontade de passar as tardes de sábado e as
manhãs de domingo na companhia de uma pessoa em específico? Não é
possível que você seja assim tão amargurado, Henrique.
Mordo o interior da bochecha.
Tenho somente duas respostas para dar pra Ariela.
Posso negar, dizer que nunca me apaixonei por ninguém e que
desconheço qualquer coisa relacionada a esse sentimento que ela tanto
valoriza na vida.
Ou eu posso ser sincero.
E dizer que, sim, existiu por muito tempo uma única pessoa que eu
quis estar ao lado não somente aos sábados e domingos, mas também em
todos os outros dias da semana.
Só que agora nada disso importa mais.
Quando paro o carro no sinal vermelho, cometo o erro de olhar para
o seu rosto.
— Me apaixonei somente uma vez, Ariela — murmuro, enfatizando
o seu nome. — E já foi mais do que o suficiente.
— Quem foi?
Pisco.
— O que?
— Quem foi a garota?
Não acredito que ela está me perguntando isso.
— Ariela...
— Foi durante aquele um ano que você ficou na Itália. Acertei? —
Antes que eu tenha a chance de negar, ela ergue a mão, sacudindo-a de um
lado para o outro. — Na verdade, não sei porque perguntei. Isso nem é da
minha conta.
Solto um muxoxo.
— Você pode me perguntar sempre o que quiser, Ariela.
— Saber sobre as ex-namoradas do companheiro não é muito
saudável para um casamento. Li isso em um tweet ontem à noite —
murmura, naquele tom descontraído de quem está empurrando o assunto
sério para debaixo do tapete. Odeio quando ela faz isso. — Então, vamos
esquecer esse assunto, porque falar para a sua avó que você não está
apaixonado por mim seria deselegante para você e humilhante para mim.
Quero argumentar, mas Ariela já mudou totalmente de pose. Os
ombros estão empurrados para trás. Um sorriso convincente adorna seus
lábios bonitos. E o queixo pende um pouco para cima. Qualquer chance de
retornar ao assunto anterior já evaporou.
Então, apenas concordo a contragosto, dizendo:
— Não mesmo.
Ariela se remexe de novo no assento.
— Tenho uma ideia.
Piso no acelerador quando o sinal fica verde.
Só quero chegar logo na casa da minha avó e acabar com isso de
uma vez por todas.
— Estou ouvindo.
— Você pode dizer que se apaixonou no exato momento em que nos
conhecemos, mas preferiu manter esse sentimento guardado para não
estragar a amizade que tínhamos na época. — As frases escorregam da sua
boca tão rapidamente que me deixam zonzo. — Depois que você voltou da
Itália, nossa relação passou por idas e vindas. Até que, nas últimas duas
semanas, percebemos que estávamos cometendo um erro em negarmos os
nossos sentimentos e nos mantermos afastados um do outro.
— E então eu pedi você em casamento.
— Não parece algo ruim. Queremos recuperar o tempo perdido —
argumenta diante do meu nariz franzido. — E pessoas apaixonadas
cometem loucuras: invadem aeroportos, fazem declarações na frente de
desconhecidos, contratam bandas para cantarem no meio de um restaurante
lotado e tatuam apelidos fofos na virilha.
— Espero que você não esteja planejando que eu faça qualquer uma
dessas coisas só para convencer a minha avó de que estamos prestes a nos
casar.
— Todo mundo aqui sabe que a pessoa mais provável de fazer essas
coisas bregas sou eu, Henrique. O máximo que você faria seria escrever
uma mensagem romântica e postar uma foto de nós dois no seu Instagram.
Nego.
— Não tenho Instagram.
Ela arregala os olhos.
— Como assim você não tem Instagram?
Empurro os ombros para cima em um gesto de desinteresse.
— É indiferente para mim. Não vejo graça nenhuma em ficar
especulando sobre a vida dos outros ou saber o que a Elisa comeu no
almoço do hospital, qual sapato a Ceci Braga vai escolher para ir em um
evento e quão cedo o Pierre acordou para correr na praia ao som da banda
Panorama.
— Não é possível um negócio desses, Henrique — reclama. —
Vivemos em um mundo altamente conectado. Sem redes sociais é como se
você estivesse preso dentro de uma caverna.
— É meu maior sonho, acredite. Quanto menos interações com
pessoas eu tiver durante o meu dia, melhor.
Ela solta uma risada que quase faz meus lábios se curvarem para
cima.
— É desse jeito que você pretende participar do concurso da Ceci
Braga? Haverá entrevistas, câmeras, pessoas ao seu redor e um pouquinho
de atenção além do normal — relembra. — Não tem como passar
despercebido em um dos programas de maior audiência.
— As pessoas só terão olhos para você, Ariela — murmuro,
diminuindo a velocidade ao estacionar em frente à casa em que minha avó
mora. — Ninguém nem vai se lembrar que eu existo.
— Não conte com isso, porque eu farei questão de me lembrar de
você a todo momento. Se duvidar, irei até trocar a minha foto do WhatsApp
para uma de nós dois juntinhos no dia do nosso casamento.
Para o meu completo terror, Ariela me direciona uma piscadela
divertida e se livra do cinto de segurança, pegando a bolsa esquecida
embaixo do banco.
Espero que ela não esteja falando sério sobre esse assunto.
Por que eu terei que fazer o mesmo, certo?
Não quero ficar com a fama de não amar a minha esposa o
suficiente.
Que perturbação.
— Você está me aterrorizando, Ariela.
Ela abre um sorriso de covinhas.
— Deveria ter pensado nisso quando decidiu aceitar ser o meu
marido. — As sobrancelhas dançam para cima e para baixo em um gesto
que me relembra das vezes em que ela me desafiava a cantar Sandy &
Junior ao seu lado no karaokê. Eu nunca cedia, obviamente. — Agora lide
com as consequências, italianinho.
Massageio as minhas têmporas.
Hoje vai ser um longo dia.
— Sem apelidos, por favor.
Ela faz um biquinho, mas acaba concordando a contragosto.
— Nada de apelidos, então. Mas carinhos e abraços estão
permitidos?
— Sim, Ariela.
Afinal, não é como se nunca tivéssemos feito isso antes.
Ainda consigo me lembrar — apesar dos esforços para esquecer —
de quando ela se aconchegava em mim enquanto assistíamos programas de
culinária na televisão da república em que eu morava na época da
faculdade.
De quando estava chovendo e dividíamos o mesmo minúsculo
guarda-chuva, com cada parte do meu corpo pressionando o seu para que
nenhum de nós se molhasse.
Ou de quando ela estava triste com alguma coisa e me abraçava com
tanta força que eu sentia que nós dois éramos uma coisa só.
Toques afetivos jamais foram um problema durante a nossa amizade.
A questão é que agora a motivação por trás deles é outra.
— Abraços, carinhos, uma linda história de amor e um casamento
daqui algumas semanas — ela discorre, olhando de relance para a casa da
minha avó e depois para mim. — Estamos nos esquecendo de alguma
coisa?
Encaro a sua mão direita.
— Sim.
Ela me direciona uma expressão preocupada.
— O quê?!
Solto o cinto de segurança e tiro a caixinha de veludo de dentro do
bolso da jaqueta jeans.
Comprei o anel na manhã seguinte em que estive no apartamento de
Ariela. A vendedora me mostrou inúmeras opções, com diamantes
exagerados e pedras coloridas que não combinavam em nada com ela.
Foi somente duas horas depois de muita insistência em que encontrei
a jóia perfeita.
Eu sei que não deveria ter me dedicado tanto assim por causa de um
mísero anel para um noivado que não vai durar nem mesmo um mês, mas
simplesmente não consegui evitar.
Gosto de fazer as coisas bem feitas.
Mesmo aquelas que estejam envoltas de uma mentira.
— Você...
Ariela leva a mão à boca quando levanto a tampa da caixinha.
— Não sei se é do jeito que você pensou, mas deve ser o suficiente
para conseguirmos enganar uma pequena parcela de pessoas no meio do
caminho e...
— É lindo, Henrique. — Ri consigo mesma, os olhos encontrando
os meus. — Talvez a coisa mais bonita que eu já tenha visto na vida.
Faço um sinal para a sua mão.
— Você me dá a honra, então?
Ela semicerra os olhos daquele jeitinho petulante.
— Eu esperava um pedido formal, na verdade — diz, sapeca. — E
com você de joelhos para mim, é claro.
— Eu não vou me ajoelhar aqui.
— Uma boa garota gosta de sonhar, sabia disso? E você também não
pode me culpar por imaginá-lo de joelhos diante de mim.
A imagem que se forma na minha cabeça...
Pigarro.
Essa garota ainda vai ser o motivo da minha total ruína. Não vou
perder somente o meu restaurante e o meu melhor amigo. Vou perder
também a sanidade se continuarmos seguindo por esse caminho.
— Já falei para você ter cuidado com essa sua língua, Ariela.
As bochechas dela ficam levemente coradas.
— Nada de joelhos, então. Mas um pedido formal não vai te matar,
Henrique.
A sorte de Ariela é que tenho feito meditação guiada pelo menos
uma vez por semana para conseguir aguentar o seu espírito caótico. Se não
fosse isso eu já estaria desmaiado no chão de tanto estresse.
— Ariela Melina Brado Machado — começo dizendo, os olhos
pregados nos seus. — Sei que é um pedido feito de última fora e com vários
interesses pessoais envolvidos, mas você aceita se casar comigo?
Ariela abre o maior sorriso que eu já vi na minha vida. É como se,
por alguns pequenos segundos, ela se esquecesse que tudo aqui não passa
de uma grande mentira mirabolante.
— Eu achei que você nunca fosse pedir, mas... Sim, Henrique Fiore.
Eu aceito me casar com você.
Um som parecido com uma risada abafada escapa do meu nariz
diante da sua resposta.
Ela é terrível.
— Me dê a sua mão, então.
Ariela estende o braço para mim ao mesmo tempo em que o tiro o
anel de noivado da caixinha e deslizo a peça brilhante por seu dedo.
Quando ele está perfeitamente acomodado no anelar direito, levanto
o olhar.
Não sei se isso é possível, mas parece que ela acabou de ficar dez
vezes mais bonita.
— Agora estamos devidamente prontos! — anuncia, batendo
palminhas com o anel se destacando em seu dedo. — Vamos, maridão?
— Vamos, Ariela.
Ela faz um biquinho.
— Não vai me chamar de noivinha dos sonhos?
Não respondo.
Nem mesmo reclamo do apelido horroroso que ela acabou de usar.
A única coisa que espero depois de tudo o que já rolou nessa manhã
é que esse almoço com a minha avó não se torne um desastre maior além do
que já estamos vivendo.
INGREDIENTES:
1 gema
200g de coco ralado
1 lata de leite condensado
1 colher (de sopa) de margarina sem sal
1 colher (de sobremesa) de essência de baunilha
300g de ameixas pretas sem caroço
Açúcar cristal a gosto

Minhas bochechas estão doendo de tanto dar risada.


Desde que Henrique e eu chegamos para o almoço na casa da sua
avó, cerca de três horas atrás, não fiz outra coisa além de gargalhar de todas
as piadas, alfinetadas e reclamações que Antonella tem feito a respeito do
neto.
Mas a melhor parte, sem sombra de dúvidas, está acontecendo
justamente agora: o temido álbum de bebê.
— Está vendo como o Henrique já tinha carinha de mal-humorado
ainda criança? — Antonella aponta para a foto em que Henrique está
segurando um ursinho com o maior beiço de chateação que já vi. — Eu até
tentava fazê-lo sorrir, mas ele só sabia chorar, reclamar e ficar de bico.
— Talvez fosse um sinal de que eu já odiava festas de aniversário
com um ano de idade — Henrique se defende, o ombro encostado contra o
batente da sala de estar. — Vocês é que demoraram tempo demais para
entender.
— Crianças não opinam, meu querido — Antonella ergue o dedo
indicador, bancando a sabichona. Adoro esse traço da personalidade dela,
porque fico com vontade de rir a todo momento. — E como você não
poderia gostar das festinhas que eu fazia para você? Pica Pau, Bob
Esponja, A Turma do Pateta, Bananas de Pijama e Capitão Planeta eram
os seus desenhos favoritos.
— Para assistir, não para festejar.
Escondo uma risada atrás da palma da mão.
É engraçada a relação entre os dois.
Porque enquanto Henrique é mais fechado e 100% dominado pelo
espírito da não diversão, Antonella é como uma espírito livre que ainda vive
os anos dourados da sua juventude. Com ela, não tem tempo ruim. Todos os
dias são felizes, alegres e bem humorados. Duvido existir algum problema
que seja capaz de desanimá-la.
Ela é pura energia, mesmo aos 80 anos de idade.
— Você concorda com isso, Ariela? — Antonella se vira para mim,
os olhos esverdeados escondidos atrás da armação do óculos. Matilda, sua
cachorrinha, observa a nossa interação com as orelhas para trás, curiosa. —
Onde já se viu uma criança não gostar de festas de aniversário? Isso só é
possível se ela nasceu com o espírito de uma pessoa da terceira idade.
— Não fique triste, Antonella. Acho que a única festa em que o
Henrique se divertiu de verdade foi aquela em que fiz um bolo surpresa
para ele — consolo-a. — Também acho que foi a primeira e última vez que
ele sorriu para alguma coisa.
— Meu neto é terrível, não tem jeito.
Henrique bufa.
— Eu estou aqui, caso vocês tenham se esquecido.
Antonella sacode a mão no ar.
— Estou falando bem alto para você ouvir mesmo e ver se cria bons
modos... Mas você já tem quase 30 anos, então acho que não tem mais
conserto mesmo.
Aperto os lábios, impedindo que outra risada me escape, e lanço um
olhar na direção de Henrique.
Nós estamos nos saindo bem desde que contamos sobre o nosso
repentino noivado.
É claro que Antonella nos encheu de perguntas — me senti como se
estivesse em uma entrevista para ser selecionada para o Big Brother Brasil
—, mas no final das contas a historinha que inventamos acabou
convencendo-a.
E se ela ainda tinha qualquer dúvida sobre o nosso relacionamento
inesperado, Henrique deu a cartada final quando disse que sempre foi
apaixonado por mim.
Confesso que, bem lá no fundo da minha alma de 20 anos esquecida
pelo tempo, eu teria feito loucuras para ouvi-lo dizendo isso para mim
quatro anos atrás.
O bom é que o tempo passa e a gente supera as coisas. Seria terrível,
dada as circunstâncias, eu ainda estar apaixonada por ele. Isso bagunçaria
totalmente o nosso falso casamento.
E a última coisa que eu quero no momento é que a situação fique
ainda mais constrangedora do que já é.
O discurso que ouvi do meu irmão sobre me manter distante do
banco de trás da caminhonete do meu futuro marido já foi vergonhoso o
suficiente.
Tão vergonhoso que prefiro nem saber a conversa que Gustavo e
Henrique tiveram ao meu respeito há alguns dias, porque sei que ela
aconteceu. Só não quero saber dos detalhes, obrigada.
— A Ariela não está reclamando da minha educação, então... —
Henrique desliza a atenção da avó para mim, os olhos focando em meu
rosto. — Não vejo motivo para preocupação, vovó.
Antonella fecha o álbum de fotografias e se levanta do sofá com
uma facilidade surpreendente.
Acho que ela faz yoga e pilates no tempo livre, porque não é
possível que somente as discussões que acontecem no binguinho nos finais
de semana a deixe assim tão cheia de vitalidade.
Eu mal tenho 25 anos e já estou cheia de dores nas costas e nos
joelhos.
— Antes que qualquer um de vocês dois comecem a armar um
complô contra mim, vou buscar os biscoitinhos que fiz e passar um
cafézinho para a gente. — Ela beija a minha testa e depois dá um beijo
estalado na bochecha de Henrique. — E se comportem, viu? A Matilda vai
ficar de cão de guarda de vocês.
Ela nem espera que a gente dê alguma resposta.
Antonella sai da sala batucando com seus tamancos no chão e segue
em direção à cozinha.
Matilda, como se tivesse entendido cada uma das palavras ditas por
sua dona, ergue a cabeça da almofada e olha para a gente.
Segundos depois, Henrique se acomoda ao meu lado no sofá, o
braço se esticando no encosto e a ponta dos dedos tocando de forma quase
imperceptível o meu ombro.
Em um gesto automático, aconchego meu corpo ao redor do seu.
Não é um movimento estranho, já que desde que atravessamos a
porta da casa de Antonella, temos estado assim: bem grudadinhos um no
outro, como qualquer casal feliz, apaixonado e prestes a se casar se
comportaria.
A diferença é que a avó de Henrique não está mais aqui. Estamos
totalmente sozinhos na sala. Mas é melhor manter as aparências o tempo
inteiro, certo? Nunca se sabe o que pode acontecer se baixarmos a guarda.
— Até que estamos nos saindo bem, hein? — falo em um tom
brincalhão. — Para quem carrega a fama de não gostar de absolutamente
ninguém, você conseguiu enganar a sua avó direitinho.
Ele faz uma expressão de indignação.
— Todo mundo de Santa Clara sabe que eu tenho razão, Henrique
— retruco, meus dedos apertando o seu joelho em um tom de diversão. —
Você só gosta de si mesmo.
Henrique pigarra e se remexe no sofá, meu corpo deslizando ainda
mais em direção ao seu. Agora cada parte minha está pressionando a sua de
uma forma que consigo até sentir a sua respiração lenta batendo no meu
pescoço.
— Isso não é verdade, porque eu gosto de você.
Ergo a cabeça, mirando o seu rosto.
Fico esperando que essa informação se trate de uma brincadeira, de
uma mentira ou de uma pegadinha de algum programa de televisão que está
nos espionando.
Mas não é.
Porque Henrique não brinca com coisa séria.
— Você me detesta mais do que detesta abacaxi na pizza, Henrique.
As sobrancelhas dele se franzem.
— Quem que disse isso para você?
— Ninguém, eu mesma conclui. — Bato com o dedo indicador do
lado esquerdo da minha cabeça, como se a resposta fosse óbvia. — E você
não pode me culpar por pensar assim. Seu comportamento nos últimos anos
me fizeram chegar a essa conclusão rapidinho. Não responde minhas
mensagens e me trata como uma desconhecida: me detesta.
Henrique não diz nada.
Ele só fica lá.
Parado.
Me olhando de cima em um silêncio que nunca parece ter fim.
Quando estou prestes a fazer uma piadinha para quebrar o clima,
porque a tensão que se forma no ar me deixa com princípio de dor de
barriga, Antonella retorna para a sala. Ela segura uma bandeja cheia de
biscoitinhos, uma térmica com café e canecas de plástico coloridas que
devem ter sido lembrancinhas de aniversário.
Um clássico brasileiro.
— Tão comportadinhos, até parece que são anjinhos... — Ela se
acomoda no sofá novamente, ficando de frente para nós dois e aponta para
mim. — Se você conseguir convencer o Henrique a me deixar fazer uma
festa de 81 anos no clube aqui da cidade, prometo fazer os melhores bem-
casados para a festa de casamento de vocês dois.
Henrique respira fundo ao meu lado.
— Já falei que essa festa de aniversário não é uma boa ideia, vovó.
— Por que? Se o motivo é o fato de eu estar planejando convidar
todos os homens solteiros de Santa Clara, saiba que não vou voltar atrás.
Preciso encontrar um novo namorado. Sinto saudades de paquerar,
Henrique.
— E eu sinto saudades quando eu só tinha que me preocupar com a
quantia de dinheiro que você gastava comprando cartelas do bingo.
— Comprei vinte na semana passada. — Ela pisca o olho para mim,
divertida. Eu adoro essa mulher. Não tem jeito. — E consegui ganhar um
liquidificador cor de rosa, acredita? A Dorotéia ficou morrendo de inveja de
mim.
— Até eu estou começando a ficar com inveja de você, Antonella.
Ela cai na gargalhada diante da minha frase.
Uma das coisas que mais senti falta nesses anos afastada de
Henrique foi da presença contagiante da sua avó. Depois que ele foi para a
Itália e me ignorou tal como eu ignoro as ligações vindas de São Paulo,
meus almoços de domingo se tornaram um tédio completo.
Até coloquei para doação o meu Banco Imobiliário.
Não havia mais motivo para eu guardar um jogo que só me causava
lembranças dolorosas.
E é claro que pensei em visitar Antonella várias vezes ao longo
desses anos, mas senti que não era certo. Se Henrique me ligasse tirando
satisfações por causa das minhas visitas, eu iria me sentir ainda pior do que
já estava na época.
Então, só me afastei do mesmo jeito que ele se afastou de mim.
Sou despertada dos pensamentos com o toque suave de Antonella
em minha mão.
— Você é tão divertida, Ariela. Meu neto não poderia ter escolhido
pessoa melhor para se casar. — Abre um sorriso. — Desde que te conheci,
eu soube que um dia você e o Henrique se dariam conta de que sempre
foram apaixonados um pelo outro. Só não esperava que fosse demorar tanto
tempo assim.
Solto uma risada e entrelaço minha mão na de Henrique.
Ignoro a maneira em que seus dedos se encaixam com perfeição ao
redor dos meus.
Esse é um problema para a Ariela do futuro.
A Ariela do presente precisa bancar a noiva apaixonada.
— As melhores histórias de amor são aquelas que demoram para
acontecer — digo ao deitar a cabeça no ombro de Henrique. — E a nossa
aconteceu no tempo certo, mesmo com o seu neto achando que ficar longe
de mim durante um ano inteiro era uma ótima decisão.
— Ele comete esses erros feios de vez em quando.
— Se eu soubesse que isso aqui iria virar um complô contra mim,
teria ficado na minha casa — Henrique resmunga do meu lado, mas dá para
ver que ele não está magoado de verdade. É apenas implicância em sua
mais pura essência. — Não quero perder a minha noiva, então pare de
assustá-la, vovó.
A resposta dela é revirar os olhos e encher as nossas canecas com
café.
— Estou apenas garantindo que ela não fugirá de você antes do
casamento acontecer.
— Não irei a lugar nenhum, prometo. — Me curvo na direção de
Antonella e sussurro: — Seu neto pode me tirar do sério, mas eu consigo
ser dez vezes pior. Quem vai precisar beber dez litros de chá depois do
casamento vai ser ele.
A resposta dela é rir novamente.
— Senti saudades da sua sagacidade, Ariela.
— Eu também senti a sua falta, Antonella.
— Mas agora vamos falar de assunto sério. Quando vocês
pretendem se casar?
— Fomos ao cartório essa semana e agendamos o casamento para o
dia 21 de novembro — Henrique quem responde, o polegar agora brincando
com a palma da minha mão. — Antes que você reclame, nada de festa
exagerada, porque sou totalmente contra. E nem adianta tentar me
convencer do contrário, Antonella.
— Com você me chamando pelo meu nome, prefiro nem arriscar.
Mas e o casamento na igreja? Não vamos ter? É a celebração mais
importante de todas.
Dessa vez sou eu que me remexo no sofá.
Antonella segue os mesmos costumes religiosos da minha família.
Se é para se casar, que seja no altar com direito a vestido branco, alianças
abençoadas pelo padre e juras de amor que jamais deverão ser quebradas.
É uma celebração linda, não posso negar.
E também um dos meus maiores sonhos.
Mas não quero que esse sonho seja manchado por uma mentira.
Casamento feito na igreja não tem como voltar atrás.
É para sempre.
E Henrique e eu não somos para sempre.
Somos apenas uma mentira bem contada com um prazo de validade.
Daqui três meses, se tivermos sorte em sermos selecionados para o
concurso, esse casamento não vai passar de uma história que vamos contar
rindo para os nossos amigos em uma mesa de bar.
— A gente decidiu esperar um pouco — invento a desculpa mais
esfarrapada de todas. — Estamos os dois mega ocupados com nossos
trabalhos e queremos que o casamento na igreja seja ainda mais especial.
Daqui uns quatro meses, talvez.
Henrique concorda com um aceno.
— Queremos fazer as coisas com calma. Nosso noivado já está
sendo super rápido, não há motivo para apressarmos o restante. — Ele beija
a lateral da minha cabeça e me puxa para mais perto do seu corpo. Somos
agora um sanduíche de afeto. — E assim também temos mais tempo para
pensar na nossa lua de mel. O que você acha de Veneza, piccolina?
Pelo canto do olho, vejo Antonella abrir um sorriso imenso diante do
apelido.
Não sei o que significa.
Mas Henrique não estaria me chamando de feia em italiano, né?
Ele não seria assim tão sacana comigo.
— Eu iria adorar. Será que vou poder comer abacaxi na pizza?
A resposta de Henrique é proferir um grunhido irritado no meu
ouvido.
Já eu e Antonella caímos na gargalhada. Senti falta de momentos
assim. É bom saber que, mesmo por um curto período de tempo, meus
domingos não serão mais tão solitários.
INGREDIENTES:
1 lata de leite condensado
1 colher (de sopa) de manteiga sem sal
3 xícaras (de chá) de coco ralado fresco
1 xícara (de chá) de açúcar
Gotas de baunilha a gosto

— Seus dons de atuação são admiráveis, Henrique. — Chuto uma


pedrinha conforme caminhamos pela calçada de lajotas da pracinha, depois
de sairmos da casa de sua avó. — Com sorte, e talvez um pouco mais de
simpatia, a Globo acabe te contratando para ser o próximo ator revelação da
novela das nove.
Ele solta um barulho pelo nariz que vou fingir que é uma risada.
É o começo de algo pelo menos.
Se continuarmos neste ritmo, com sorte, daqui três semanas
Henrique vai estar rindo das minhas piadinhas e até tendo dor de barriga de
tanto gargalhar.
— Vou me matricular no curso de teatro essa semana mesmo.
Olho para ele, não conseguindo refrear o sorriso.
— Está fazendo uma brincadeira comigo de novo, italianinho?
— Não sou assim tão amargurado quanto você acha que sou.
— Oh, você tem que admitir que eu tenho uma grande parcela de
razão por achar isso. — Levanto o dedo indicador e depois aponto para ele.
— Você não ri das minhas piadas, está sempre de cara feia e tem um humor
de um senhorzinho de 90 anos que fura com um prego todas as bolas que
caem no seu quintal.
Henrique trinca os dentes.
— Minha personalidade é tão horrível assim?
Paro de caminhar e me viro na sua direção.
Os postes de luz iluminam boa parte do seu rosto. O cabelo castanho
escuro está penteado para trás e a barba foi aparada na medida, assim como
o horripilante bigodinho. Os lábios estão retesados em uma linha reta e os
olhos encaram demoradamente os meus.
— Dei uma exagerada, confesso. Digamos que você só é contra
qualquer tipo de felicidade que ultrapasse os limites da sua tolerância.
— Não é assim para todo mundo?
— Com certeza não.
— Entendi. Devo ser algum tipo de alienígena então.
Solto uma risada.
— Uma espécime rara, ainda por cima. Devo ser muito sortuda por
ter sido um dos seres humanos a apreciar a sua doce e enigmática presença.
— Desvio o olhar do seu e sorrio ao ver o mini trailer de sorvete a alguns
metros de distância. — E o que acha de um sorvetinho para adoçar a vida?
— Eu não gosto de sorvete, Ariela.
— Nem sei porque estou surpresa com essa informação. Mas eu sou
apaixonada, então...
Não espero para ouvir sua resposta.
Entrelaço meus dedos ao redor dos de Henrique e o puxo em direção
ao mini trailer, meus pés praticamente saltitando a cada passo. Ele
resmunga atrás de mim, mas acaba me acompanhando do mesmo jeito.
Caminhando, é claro.
— De qual sabor você vai querer? — pergunto ao pegar o cardápio,
a animação praticamente me consumindo por inteira. São tantas opções para
escolher que minha boca chega a salivar. — Menta com chocolate, passas
ao rum, chocolate suíço ou coco queimado?
Ele solta um longo suspiro atrás de mim.
— Todos parecem péssimos. — O atendente olha para a gente com
as sobrancelhas arqueadas e Henrique pigarra, envergonhado. — Perdão.
Não tenho nada contra o estabelecimento de vocês.
Engulo uma risada.
Ele é inacreditável.
— Olha só quem está se metendo em problemas agora por causa da
língua atrevida? — Estico o pescoço para trás, lhe direcionando um olhar
divertido. — No seu lugar, eu compraria pelo menos oito bolas de sorvete e
três potes de 2L só para compensar a ofensa feita de graça.
— E quem vai comer tudo isso de sorvete?
— Posso fazer uma festinha na minha casa... E em vez de pizza, vai
ser só sorvete. O que me diz?
— Você não tem jeito mesmo.
Sopro um beijinho para ele e retorno a atenção para o cardápio.
— Hum... Nós vamos querer duas casquinhas com duas bolas de
sorvete. Para mim pode ser de algodão doce com chiclete e para ele passas
ao rum com chocolate suíço.
O atendente assente e anota o nosso pedido, ao mesmo tempo em
que Henrique se abaixa um pouco e sussurra no meu ouvido:
— Não me lembro de ter concordado com o sorvete, Ariela.
Um arrepio delicioso se espalha por cada parte do meu corpo.
— Agora que estamos juntos, a minha opinião vale pela sua
também.
— Nós ainda não nos casamos.
Aperto os lábios.
— Considere o dia de hoje como um treinamento para os próximos
meses, então.
— Você ainda vai ser o motivo de eu ter cabelo branco antes dos 40
anos, Ariela.
— Eu acho charmoso demais. Se servir de consolo, vou continuar te
achando um marido bonito do mesmo jeito.
Não recebo nenhuma resposta, mas isso não é novidade pra
ninguém.
Minutos depois, o atendente retorna com as nossas casquinhas, mas
antes que eu tenha a chance de abrir a minha bolsa, Henrique tira a carteira
do bolso e paga por nossos sorvetes.
Não reclamo da sua atitude.
Meu cartão de crédito agradece, na verdade.
São tempos difíceis para as patricinhas pobres.
Dou a primeira lambida no sorvete e espero que Henrique faça o
mesmo. Ele imita o meu gesto, um vinco se formando no meio das
sobrancelhas logo em seguida. Se ele continuar fazendo caretas feias não
vai ter somente cabelo branco antes dos 40 anos, como também rugas e pé
de galinha.
Nada que um botox não resolva, certo?
— E aí? — Balanço as sobrancelhas, animada. — Qual nota de zero
a dez você dá pro melhor sorvete da cidade?
— Com certeza um 0,5 com muito esforço.
— O quê?!
— Não é tão ruim, mas eu não compraria de novo nem se essa fosse
a última comida disponível no mundo.
Reviro os olhos.
— Você não sabe aproveitar as melhores coisas da vida mesmo.
— É óbvio que sei. Gosto de comer Bucatini All Amatriciana no
jantar.
Involuntariamente, meus olhos descem em direção a sua boca.
O sotaque italiano ao proferir essas palavrinhas...
Meu Deus.
É de matar qualquer um.
Eu já estou quase falecida aqui.
E a imagem que se forma na minha cabeça, com ele cozinhando em
frente ao fogão sem camisa e usando somente um avental, faz a minha
pressão quase cair lá no pé.
Acho que vou precisar comprar um repelente contra esses
pensamentos.
É perigoso demais se levarmos em consideração a situação em que
estamos metidos.
— Eu...
Me atrapalho com as palavras.
Henrique continua me encarando daquele jeito difícil de decifrar.
Tomara que minha expressão não dê na cara as atrocidades
maliciosas que estou pensando.
Pare com isso imediatamente, Ariela.
Me recomponho aprumando os ombros.
— Sua definição de aproveitar a vida é bem tediosa, Henrique.
— Estou contando com a sua ajuda para melhorar isso.
— Ah, é?
— Não é você que diz que minha vida é tediosa, sem graça e até
meio desprovida de alegria?
— Você sabe que tenho razão.
Henrique bufa feito um cavalo.
— Não faça eu me arrepender das minhas decisões, Ariela.
Faço um biquinho e avanço alguns passos, caminhando de costas e o
encarando de frente. Seu sorvete já está na metade, assim como o meu. Para
quem disse que tinha odiado, até que ele está comendo bem rapidinho.
— Eu não irei, prometo. — Levanto o meu dedo mindinho em uma
promessa não selada. — Tenho um lugar em mente perfeito para irmos e
que vai enterrar de vez o seu espírito ranzinza. Você estará livre na terça-
feira à noite?
— Tenho que trabalhar no restaurante, mas consigo te encaixar na
minha agenda.
Abro um sorrisinho de canto.
— Você está dando prioridade para sua noivinha, Henrique?
— Não é assim que maridos apaixonados se comportam?
— Bom saber que estou te adestrando antes mesmo de assinarmos os
papéis.
— Estou tentando facilitar as coisas para que a gente não seja mais
um daqueles casais que se divorciam antes dos três meses de casamento.
— Eu detestaria fazer parte dessa taxa horrorosa. — Um arrepio me
atinge só de pensar nessa possibilidade. Para mim, não existe nada mais
triste do que um casamento fracassado. — Terça-feira. Oito horas da noite.
Fica bom para você?
— Não sei, mas vou dar um jeito.
Bato palminhas, animada.
O lugar que eu pensei para irmos... Henrique não vai só se divertir,
como também vai se esquecer de todos os problemas envolvendo o seu
restaurante.
Será uma noite maravilhosa.
No entanto, antes que possamos voltar a caminhar pela pracinha, os
dedos dele se enrolam ao redor do meu pulso e descem em direção a minha
mão. Fico com vontade de entrelaçar meu dedo mindinho no seu e não
deixá-lo escapar nunca mais.
— Só peço que, por favor, tente não fazer a nossa noite terminar na
Delegacia de Polícia.
Dou risada.
— Não se preocupe, italianinho. — Lambuzo o dedo indicador com
um pouco de sorvete de chiclete e sujo a pontinha do seu nariz. — O
máximo que pode acontecer é eu comprar umas algemas pra gente brincar
de polícia e ladrão.
Henrique apenas solta um grunhido de frustração.
Na segunda-feira pela manhã, começo a busca pelo vestido de noiva
perfeito.
Com o casamento agendado para o dia 21 de novembro, Henrique e
eu temos ainda duas semanas e meia para acertarmos todos os detalhes. Já
troquei algumas ideias de decoração com a Ísis e rascunhei a decoração do
bolo em um papel. Fiz também a lista de convidados e mandei uma
mensagem para a Leana montar o convite.
Sei que não é um casamento da verdade.
Mas precisamos fazer parecer que sim.
E se realmente formos selecionados para participar do concurso — o
que eu acredito muito que irá acontecer — nossa história precisa ser a mais
convincente possível. Não podemos levantar suspeitas. Henrique e eu nos
amamos e ninguém — absolutamente ninguém — vai sequer ousar duvidar
disso.
— Você sabia que existe uma crença que diz que o noivo deve levar
a noiva no colo até a nova casa para protegê-la dos maus espíritos que estão
à espreita no chão da porta?
Solto uma risada diante da curiosidade.
Ísis está viciada em ler essas aleatoriedades sobre casamento há pelo
menos duas semanas. Já ouvi sobre açúcar dentro das luvas, aranhas em
vestidos e que ferraduras são consideradas objetos de sorte devido ao seu
formato lembrar uma lua.
— Gostaria muito de saber onde você tira todas essas baboseiras.
— Estou trazendo conhecimento para a sua vida e você ainda
reclama... Você é uma péssima amiga, Ari. Sua sorte é que eu te amo muito.
— Você é a melhor amiga do mundo, Ísis Maria. — Dou um beijo
estalado na sua bochecha. — Só perde para o meu irmão e...
Ela empurra de brincadeira o meu ombro.
— Por favor, não vamos falar do babaca do seu irmão às nove horas
da manhã de uma segunda-feira. Eu poderia desmaiar aqui mesmo diante de
tamanho desgosto.
Reviro os olhos enquanto pago a taxa do estacionamento no
parquímetro.
— E posso saber o motivo pelo qual você e o Guto se odeiam tanto?
— Quando tínhamos sete anos o seu irmão afogou a minha Barbie
favorita dentro do vaso sanitário e depois deu a descarga, Ari — relembra,
magoada. — Não tem como esquecer um dos meus maiores traumas de
infância.
Esse evento gerou uma dor de cabeça gigante no encanamento da
nossa antiga casa. O encanador ficou semanas tentando descobrir o
problema, até que meu irmão finalmente confessou o que havia feito. No
dia seguinte, Ísis ganhou uma Barbie nova da minha mãe e Guto ficou três
meses de castigo.
Mas quem me dera se as implicâncias tivessem acabado ali.
Meu irmão era uma praga irritante.
Ele enchia tanto o saco da minha melhor amiga que, quando
chegamos na pré-adolescência, eu até fiquei com medo de que os dois
acabassem tacando fogo na casa um do outro ou fingindo um atropelamento
com as suas bicicletas.
Ísis era meio vingativa nessa época.
E, cá entre nós, era divertido ver meu irmão levando a pior algumas
vezes.
Mas nada disso justifica — pelo menos para mim — o ódio que Ísis
nutre por Gustavo e vice versa. De vez em quando até tenho a sensação de
que perdi uma parte da história.
— Isso aconteceu há mais de quinze anos, Ísis — argumento,
voltando a caminhar pelo calçadão de Santa Clara. — Não acha que está na
hora de superar e seguir em frente?
— Se o Henrique tivesse afogado a sua Barbie Princesa da Ilha
dentro de uma panela de molho você ia se sentir do mesmo jeito que eu.
— Henrique jamais faria isso.
— É claro que não, ele é completamente apaixonado por você.
Meu rosto se contorce em uma careta de desgosto.
— Lá vem você de novo com esse assunto sem pé e nem cabeça.
— E estou errada? Tá estampado na cara dele, amiga — argumenta,
empinando o nariz e cruzando os braços. — Só você e essa sua teimosia
infinita que não conseguem enxergar isso.
— Você enlouqueceu de vez, Ísis. Henrique pode sentir um milhão
de coisas por mim, mas paixão não chega nem perto.
Porque se ele gostasse mesmo de mim não teria feito o que fez.
Mas agora não é hora de pensar no passado ou no que Henrique
pode sentir ou não por mim. Tenho coisas muito mais urgentes para resolver
neste momento e perder tempo não é uma opção.
— Continue mentindo para si mesma e eu vou continuar fingindo
que não sei de nada.
Ísis aponta então para a fachada do Charme Atemporal, já cansada
de debater esse assunto comigo, embora ela saiba que tenho razão. No dia
que Henrique estiver apaixonado por mim, os dinossauros também terão
retornado à vida.
Entendeu quais as chances disso acontecer, né?
Com um sorriso no rosto e com um cartão de crédito com um limite
abaixo do esperado, entro no brechó com Ísis no meu encalço.
O espaço é generosamente grande, com inúmeras araras de roupas,
uma parede de sapatos e três provadores ao fundo. É um dos brechós mais
famosos da cidade e Helena Carreira, a proprietária, foi uma das minhas
professoras na época do ensino fundamental. Depois que se aposentou, ela
decidiu se dedicar inteiramente a uma das coisas que mais amava: roupas e
sapatos.
— Ariela! — Ela saltita para fora da cadeira de balanço assim que
me vê entrando na loja, e logo sou engolida em um abraço apertado. —
Quanto tempo, minha menina linda! A última vez que conversamos foi
naquela feirinha que teve na pracinha duas semanas atrás, certo?
— E você comprou todos os morangos, não deixando nenhum para
mim... — Faço um beicinho. — Tive que dirigir até o outro lado da cidade
para conseguir uma bandeja, sabia disso?
Helena leva a mão ao coração, os dedos magros brincando com o
pingente de olho-grego do seu colar.
— Sou uma vergonha, mas tenho os meus direitos como cidadã
idosa.
Ísis e eu caímos na gargalhada.
Só então que Helena se dá conta da presença da minha melhor
amiga.
— Ísis Maria! — Um gritinho escapa da sua garganta, os olhos
redondos e maquiados com delineador colorido se arregalando. — A
responsável pelo melhor açaí de Santa Clara e com o coração mais bondoso
que já tive o prazer de conhecer. Como você está, minha querida?
— Trabalhando todos os dias para continuar tendo o melhor açaí que
a senhora já experimentou. — Ísis dá uma piscadinha e Helena a puxa para
um abraço também. — E como a senhora está? Garimpando muitas peças
por aí?
— Fui para Bertina na semana passada em busca de alguns vestidos
que eu quase fiquei para mim de tão lindos! Querem dar uma olhadinha?
— Na verdade, eu precisava de um vestido de noiva.
O queixo de Helena pende para baixo em completo choque.
— Você vai se casar?
Ergo a mão direita com o anel de noivado, o pequeno diamante no
topo brilhando diante das lâmpadas do teto.
Se o objetivo de Henrique era fazer o meu dedo anelar parecer um
letreiro de estrada, ele conseguiu. Não tem como esse anel passar
despercebido aos olhos dos curiosos de plantão.
— Daqui a 16 dias, mais especificamente.
— Como que não fiquei sabendo disso? — Helena se abana com um
leque que surge misteriosamente do nada. — Vou contar para as amigas do
grupo do Facebook hoje mesmo! Ariela se casando... Quem é o sortudo?
Dessa vez é Ísis quem responde:
— Henrique Fiore. Você deve conhecê-lo, é dono do Bacio Di Sole
e...
— Um dos homens mais bonitos que já pus os meus cansados olhos.
Com todo o respeito, é claro. — Ela pisca um dos olhos para mim e abre
um sorriso. — Henrique é um verdadeiro cavalheiro. Ele sempre me ajuda a
colocar as compras no porta-malas quando nos encontramos no
estacionamento do supermercado e às vezes leva a minha cachorrinha para
passear. Você não poderia ter escolhido um parceiro melhor, Ariela.
Obrigo meus lábios a se curvarem para cima.
É uma mentirinha de nada. E eu também não vou parar na cadeia por
causa disso.
Afinal, Henrique e eu precisamos convencer o máximo de pessoas
possíveis de que estamos apaixonados um pelo outro há muito tempo para
não levantarmos suspeitas. Não quero ser selecionada para o concurso e
depois ser desmascarada na frente de todo mundo.
Eu jamais me recuperaria dessa humilhação.
— Ele é absolutamente perfeito, não tenho do que reclamar.
— Eles são almas gêmeas, Helena. Duvido existir alguém no mundo
que ame mais intensamente do que o Henrique.
Dou um cutucão discreto na costela de Ísis. Ela nem se abala.
Helena também não parece perceber, já que ela bate palminhas e dá um
rodopio, a saia cheia de babados acompanhando o movimento.
— Então, temos que encontrar o vestido perfeito para que o
Henrique se apaixone ainda mais pela Ariela! Afinal, não existe nada mais
lindo do que um noivo emocionado ao ver a noiva entrar na igreja, certo?
Não a corrijo sobre o casamento ser no civil.
E também não fujo do assunto quando ela pergunta sobre a viagem
de lua de mel.
Apenas deixo que Helena me carregue em direção às araras de
vestidos enquanto invento as maiores mentiras sobre o meu relacionamento
com o Henrique.
Só espero que, até o final do dia, meu nariz não esteja igual ao do
Pinóquio.
INGREDIENTES:
250g de chocolate meio amargo picado
1 xícara (de chá) de doce de leite em pasta
¼ caixinha de creme de leite
1 pacote de bolacha redonda
500g de chocolate ao leite derretido

Tenho uma confissão bem horrível para fazer: sou meio maldosa e
um pouquinho cruel de vez em quando.
Aos seis anos, depois do meu irmão roubar todas as figurinhas do
meu caderno da Barbie e colar na parede do seu quarto, arranquei a cabeça
do seu brinquedo favorito como vingança. Guto chorou por dois dias
seguidos, abraçado no corpo decepado do seu Max Steel.
Aos oito, quando meu irmão já estava entrando na fase de pré-
adolescente chato que me fechava dentro do quarto só para me ouvir
gritando até quase chorar, me vinguei furando a bola de futebol que ele
tinha ganhado de aniversário da nossa avó. Guto ficou sem falar comigo por
quase um mês.
Aos catorze, as nossas provocações já eram piores: falei para a
ficante dele na época que ele trocava de cueca somente uma vez por semana
e nunca lavava as meias que usava. Carol terminou com ele dois dias
depois. A vingança? Gustavo jogou no lixo a minha revista da Capricho
que tinha o Edward Cullen na capa.
E por que estou me lembrando de tudo isso?
Porque o meu irmão, irritante e protetor do jeito que é, está me
fazendo pensar em dez maneiras diferentes de me vingar dele assim que
chegar em casa.
Tacar fogo nas suas roupas?
Encher a sua cama de aranhas de plástico?
Colocar descolorante no seu shampoo?
Vender a sua coleção de carrinhos no Mercado Livre?
As possibilidades são imensas, mas nenhuma me parece boa o
bastante.
— É como nos velhos tempos, Ari — ele diz ao se sentar no banco
do passageiro e ligar o rádio. — Eu, você, Henrique, Leana, Elisa e a
desagradável da Ísis indo no Kantando Karaokê depois de um dia exaustivo
de aula.
Fico com vontade de bater com a minha cabeça no volante.
— Você não tem coisa melhor para fazer em uma terça-feira à noite?
Ele sorri, exibindo a covinha do lado direito da bochecha.
— Acompanhar a minha irmãzinha do coração é o plano perfeito
para me divertir logo no começo da semana.
Canalha.
Não vou só tacar fogo nas roupas dele, como também em todas as
cuecas, sapatos e meias. Guto só vai conseguir sair de casa com uma toalha
enrolada no quadril.
— Coloca a droga do cinto e vamos logo, então.
Dou a marcha ré e saio do estacionamento do prédio em que
moramos, seguindo em direção ao apartamento que minha melhor amiga
mora. Menos de dez minutos depois, estou buzinando em frente ao portão.
Ísis aparece logo em seguida, usando um shorts jeans desbotado,
uma regatinha fina que evidencia o contorno dos seus seios e um par de
sandálias com tiras. Ela entra no carro e se acomoda no banco de trás, tão
empolgada que me sinto como uma velha ranzinza que chuta crianças.
Será que estou passando tempo demais com o Henrique e ficando
tão mal humorada quanto ele?
— Fazia tanto tempo que não íamos mais ao Kantando Karaokê que
estou me sentindo como se tivesse 20 anos de novo. — Ísis praticamente
saltita de tanta animação e dá um cutucão no ombro do meu irmão. — Está
preparado para ser derrotado novamente no duelo de talentos, Gustavo?
— Você não vai me ganhar dessa vez, Ísis Maria — declara,
olhando-a sobre o ombro. — Aquela vez você trapaceou, porque a sua voz
de taquara rachada é capaz de quebrar todos os espelhos do banheiro.
— Pode continuar falando essas baboseiras, porque não vai me
afetar. Eu sei que sou talentosa e a Ari está de prova. Não é mesmo, amiga?
— A pessoa mais talentosa do Brasil — provoco, só para ver meu
irmão se contorcer de raiva. — O The Voice está só esperando você se
candidatar para entregar o prêmio em suas mãos.
Gustavo relincha feito um cavalo do meu lado.
— Você é minha irmã! Deveria estar do meu lado e não do lado
dela!
Dou de ombros e volto a dirigir, agora seguindo rumo a casa de
Leana e Elisa. Henrique vai ficar por último, já que mora próximo da área
gastronômica da cidade. Quero só ver a cara feia que ele vai fazer quando
ver o carro lotado de gente.
Se formos parados pela Polícia, vou acabar descumprindo a única
promessa que fiz de não acabarmos a noite em uma cela de prisão.
Ops.
— É o preço que você paga por se intrometer na minha vida feito
uma toupeira.
— Fico depressivo vendo que você não quer mais sair comigo, Ari.
Mordo o interior da bochecha.
Quando Gustavo decide apelar pro lado sentimental, fico com
vontade de dar um chute na minha bunda e depois na dele, porque sei que
ele tem razão. Estivemos tão ocupados nas últimas semanas que nem
saímos mais para beber cerveja no barzinho lá perto de casa ou para assistir
um filme brega de baixo orçamento enquanto comemos pizza congelada no
chão da sala.
Meu irmão pode ser meio chato na maior parte do tempo, mas eu
ainda o amo mais que tudo no mundo. Não sei o que seria de mim se não o
tivesse ao meu lado todos os dias.
Essa é a droga de ter irmãos. Ao mesmo tempo em que você quer
esganá-los, também quer abraçá-los e protegê-los de todas as desgraças do
mundo.
— Isso não é verdade, Guto.
— Então, não reclame de eu estar aqui com você hoje, irmãzinha.
— Você e mais três pessoas, né?
— Está estressadinha por que? A noite de hoje era para ser um
encontro romântico entre você e o Henrique?
Ísis se engasga atrás da gente.
— Como assim? A gente vai ficar de vela?
Gustavo olha para trás, assustado.
— Não tem como ficar de vela se eles não são um casal, Ísis Maria.
Ela ergue as sobrancelhas ao mesmo tempo em que estaciono o carro
rente ao meio-fio. Dou uma buzinada, torcendo para que Leana e Elisa
venham logo. Essa conversa precisa acabar o mais rápido possível.
— Eles vão se casar, Gustavo. É claro que eles são um casal.
— É um casamento por conveniência.
— Ainda é um casamento. Você já viu o anel gigante na mão dela?
Escondo a mão embaixo da bunda.
Gustavo semicerra os olhos na minha direção na mesma hora.
— Desde quando você tem um anel de noivado?
— Desde que ela ficou noiva, sabichão.
Ele ergue o braço em um sinal para que minha amiga fique quieta.
— A conversa ainda não chegou no galinheiro, Ísis.
Ela dá um gritinho irritado e enfia o dedo indicador dentro do
ouvido dele.
Gustavo se esquiva para o lado, soltando um palavrão.
Se eu conseguir sobreviver a essa noite, será um milagre.
Estou prestes a mandar os dois calarem a boca quando a porta
traseira é aberta. Leana e Elisa lançam um olhar curioso na nossa direção,
como se fossemos bichos de zoológicos que escaparam na calada da noite.
— O que está acontecendo aqui?
Ísis se afasta do meu irmão na mesma hora.
— Fui chamada de galinha.
Elisa franze as sobrancelhas loiras que são do mesmo tom do seu
cabelo liso.
— Tipo a Galinha Pintadinha?
Leana dá um cutucão no ombro da noiva.
— Eu diria que é mais a Ginger de A Fuga das Galinhas.
— O único que pode responder qual o tipo de galinha de que
estamos falando é o Gustavo — digo, fazendo um sinal para elas entrarem
no carro. Leana e Elisa se acomodam em seus devidos lugares e fecham a
porta. — E aí?
Todo mundo olha para o meu irmão.
Ele somente dá de ombros.
— Toda galinha não é igual?
— Existem diferentes raças de galinha — Leana começa. — Sedosa,
Brahma, Legorne, Polonesa, Serama e por aí vai...
Gustavo coça o queixo.
— Não existe galinha vira-lata? Tipo o cachorro caramelo?
— Claro que existe, Gustavo. A Galinha Pintadinha é uma delas.
Dessa vez eu não me aguento e acabo gargalhando.
Essa é, sem sombra de dúvidas, a conversa mais aleatória que já tive
em toda a minha vida.
— Posso saber como é que chegamos nesse assunto? — Elisa
pergunta quando começo a dirigir em direção a casa de Henrique. — Eu
ainda estou meio sonolenta porque acabei de voltar de uma plantão de 24h
no hospital, então não abusem demais dos meus poucos neurônios restantes.
Diferente da maioria de nós que seguiu na carreira gastronômica,
Elisa Campos é médica pediátrica no HGSC. Todo mundo achou que
quando ela engravidou da Nina na faculdade, o sonho de seguir na medicina
iria por água abaixo.
Não poderíamos estar mais enganados.
Elisa seguiu firme e forte com a ajuda da família, dos amigos e
também do meu irmão. Me lembro até hoje de quando fez o discurso na
noite de formatura agradecendo a todo mundo que contribuiu para que ela
conseguisse chegar até ali, mesmo sendo mãe tão jovem.
Tenho orgulho demais dela.
Tanto por ser considerada uma das melhores médicas pediátricas da
cidade, como também por não ter receio nenhum de assumir diante de todos
que foi mãe jovem, que se descobriu como uma mulher bissexual já adulta e
que possui um relacionamento estável com uma mulher lésbica.
— Tudo isso começou porque o Henrique comprou um anel de
noivado para a Ariela e...
Ísis não consegue terminar de falar, porque Leana solta um gritinho
estridente e Elisa dá um pulo no assento, quase batendo a cabeça no teto do
carro.
— O quê?!
— Não é nada demais. — Reprimo a vontade de esconder a minha
mão embaixo da bunda de novo. — Precisávamos de um anel para
convencer o máximo de pessoas que essa história de casamento de última
hora é real. Eu sugeri a ideia e ele comprou.
Noto, através do retrovisor interno, Elisa abrir um sorrisinho.
— Simples assim?
— Precisa ser burocrático?
— Ah, não sei... O Henrique nunca faz nada por ninguém — Leana
é quem responde, olhando para a minha mão que segura o volante. — É
surpreendente ele ter comprado um anel tão bonito para um noivado que vai
durar menos de um mês.
Gustavo bufa.
— Vocês podem parar de querer transformar isso em algo maior do
que realmente é? É somente um anel, garotas.
Ísis bate com a língua no céu da boca.
— Homens... Nunca vão entender a magnitude que é ganhar uma
joia de presente.
— E você já ganhou algo assim de alguém, Ísis Maria?
Reviro os olhos diante da Terceira Guerra Mundial que está prestes a
explodir aqui dentro do carro.
Se eu soubesse que a minha terça-feira à noite seria assim, eu teria
mandado uma mensagem para o Henrique e desmarcado o nosso encontro e
colocando a culpa na minha dor de barriga.
Mas não.
Dei com a língua entre os dentes ontem pela noite enquanto
colocava a roupa na máquina de lavar e, num passe de mágica, meu irmão
convidou todo o nosso grupo de amigos para a noite do karaokê que deveria
ser só minha e do Henrique.
Intrometido.
Aposto que ele só está fazendo isso porque morre de medo que eu
acabe no banco de trás da caminhonete do seu melhor amigo. Mas se
Gustavo soubesse as chances minúsculas que isso tem de acontecer, ele
estaria bem menos preocupado.
— E o lema de mais amor e menos ódio? — pergunto, virando na
rua em que Henrique mora. Como ele vai entrar no carro, ninguém sabe. —
Não vale para vocês dois?
Minha amiga revira os olhos.
— Seu irmão é incapaz de sentir qualquer tipo de amor, Ari.
— Acho que a carapuça serve para você também, Ísis Maria.
Antes que minha amiga tenha a chance de responder, estaciono o
carro e afundo a mão na buzina. O som estridente repercute por toda a rua,
fazendo até os meus tímpanos doerem. Meu irmão se contorce do meu lado.
— Não precisava disso, Ariela.
— Foi só para garantir que o Henrique ouviu que a gente chegou.
Ele só sacode a cabeça.
Henrique surge dois minutos depois, usando calça jeans e camisa de
linho. As mangas estão dobradas novamente, deixando à vista as tatuagens
que fazem coisas estranhas despertarem dentro da minha barriga. Abaixo o
vidro, acenando com um sorriso.
— Pronto para se divertir de verdade, italianinho?
Ele olha de soslaio para Gustavo, Ísis, Leana e Elisa.
— Por que está todo mundo no seu carro?
— Longa história... Te explico depois. — Destravo as portas e
indico o banco de trás. — Você vai ter que se espremer, mas aposto que
consegue entrar aí.
Henrique cruza os braços.
— Seu carro é somente de cinco lugares, Ariela.
— Eu sei.
— Seremos parados pela Polícia.
— Pelo menos você vai passar a noite ao lado da sua linda,
maravilhosa e gentil noiva. Quer final de rolê mais perfeito que isso?
Um longo e cansado suspiro é proferido.
— Ariela...
— Eu prometo que vai ser divertido. Posso até te pagar uma
caipirinha com os únicos vinte reais que tenho dentro da carteira. — Pisco
as pestanas. — Você não vai negar esse simples convite da sua noiva, certo?
Ele trinca os dentes.
Mas minutos depois, após uma insistência interminável da minha
parte e dos nossos amigos, meu futuro marido está espremido no banco de
trás do carro enquanto seguimos em direção ao Kantando Karaokê.
Henrique ainda não sabe, mas hoje vai ser a melhor noite das nossas
vidas.
O Kantando Karaokê encontra-se lotado em plena terça-feira.
Quando estávamos na faculdade, vínhamos aqui com uma
frequência absurda. Toda sexta-feira, sem exceção, Gustavo mandava o
emoji de um microfone no grupo e todo mundo já sabia o que significava:
era noite de beber alguns drinques coloridos e cantar até as cordas vocais
doerem.
Eu adorava, principalmente quando chegava a minha vez de exibir
os meus dons artísticos que provavelmente me garantiriam em um futuro
não tão longe um troféu de Melhor Cantora do Ano.
Só que não.
Mas mesmo diante da minha voz desafinada, sempre tentei
convencer o Henrique a subir no palco comigo e cantar Sandy & Júnior.
Ele nunca cedeu, é claro.
Mas hoje isso está prestes a mudar.
— Sem chance, Ariela — ele reclama ao meu lado, enquanto sugo
toda a bebida do meu copo pelo canudinho de guarda-chuva rosa neon. —
Eu não vou cantar Quando Você Passa.
Lanço um olhar chateado em sua direção sobre a borda do copo.
— Por que não?
— Não gosto de cantar.
— Isso chega a ser um crime, Henrique.
Ele recosta a coluna no estofado do banco e cruza os braços.
— Dez anos de cadeia para mim, então. Juntando com o fato de que
estamos prestes a nos casar por benefício próprio, talvez mais um cinco ou
seis anos de pijama laranja. — Ergue os dedos, fingindo contar. — Meus
próximos dezesseis anos estão condenados.
Balanço a cabeça de um lado para o outro.
— Você é muito chato.
— Você conhecia os riscos quando decidiu me pedir em casamento.
Abaixo o copo, deixando-o em cima da mesa.
— Os únicos riscos que estou correndo aqui é ficar tão mal-
humorada, ranzinza e taciturna quanto você — choramingo. — Se
continuarmos assim, vou terminar esse casamento sem qualquer resquício
de felicidade habitando o meu corpo.
— Agora você está sendo dramática, Ariela.
Faço um beicinho.
— Posso ficar dez vezes mais se você não aceitar cantar comigo. —
Olho de relance para o palco, onde Ísis e Gustavo performam Você Me Vira
A Cabeça da Alcione em um duelo. Ela vai ganhar de novo, porque meu
irmão é tão desafinado que dói. — É só uma musiquinha, Henrique... Não
vai te tirar pedaço.
Henrique respira fundo e bebe um gole da sua água com gás e limão.
Consigo sentir seus olhos queimarem em mim.
Desde que chegamos, cerca de quase duas horas atrás, estamos
sentados todos na mesma mesa. Gustavo e Ísis não pararam de se implicar
um segundo sequer, enquanto Elisa e Leana sumiam e voltavam a cada
vinte minutos. Elas já cantaram duas músicas e agora estão na fila para
comprar batata-frita e dadinhos de tapioca para a gente.
Apesar de todo mundo estar se divertindo, Henrique permanece tão
duro e travado quanto uma armadura de guerra enferrujada. Não sei como
ele consegue viver desse jeito.
— Minha resposta continua sendo não.
— Você não vai mudar de ideia nem mesmo se eu me ajoelhar aqui e
pedir por favor?
As íris de Henrique descem em câmera lenta pelo meu corpo até
chegarem na altura da barra do vestido que estou usando. O tecido subiu
alguns centímetros, revelando a pele nua das minhas coxas.
Involuntariamente, fico com vontade de pressioná-las uma com a outra
diante da intensidade que emana do seu olhar.
Cacete.
Deve ter sido a caipirinha de morango que bebi meia hora atrás que
está me deixando tão quente quanto um espetinho na churrasqueira, né?
Aposto que sim.
Não existe outra possibilidade além dessa.
— Não, Ariela. — Ele engole em seco e foca em meu rosto. — Eu
não vou.
— Nem mesmo se eu implorar?
Henrique pigarra.
— Pare com isso.
— De implorar?
Ele sacode a cabeça, negando.
— De fazer a minha cabeça pensar em coisas que eu jamais deveria
imaginar.
Abro um sorrisinho.
— Subir em um palco e cantar comigo te assombra tanto assim,
italianinho?
Escuto-o suspirar ao meu lado e se virar de frente para mim.
— Não é disso que eu estou falando, Ariela.
A expressão que vejo em seu rosto...
Ela vai me assombrar por longas e terríveis noites de carência
masculina.
E o arrepio que logo em seguida se espalha por cada uma das minhas
células...
Preciso urgentemente beber uma bombona inteira de água para
afastar essas sensações esquisitas e inexplicáveis que estão se apoderando
do meu corpo.
O morango do meu drinque está estragado.
Só pode.
Mordo o interior da bochecha e pergunto, as palavras arranhando a
garganta:
— Do que você está falando, então?
Antes que Henrique tenha a oportunidade de me responder, os
aplausos irrompem pelo espaço do Kantando Karaokê e Ísis e Gustavo
retornam para a nossa mesa. Minha amiga está com uma coroa de papel na
cabeça, anunciando a sua vitória. A careta de desagrado do meu irmão
quase me faz esquecer o fato de que um certo par de olhos castanhos
permanecem fixos em mim.
— Como eu disse, venci mais uma vez. — Ísis joga o cabelo
comprido para trás e aponta para o topo da cabeça. — Desista de me
derrotar, Gustavo. Você teve quase quatro anos para se preparar e mesmo
assim fracassou miseravelmente.
— Eu odeio você.
Ela sopra um beijo na direção dele e se vira pra gente.
— E vocês dois, não vão cantar?
— De jeito nenhum — Henrique resmunga.
— Sim, nós vamos! — Fico de pé, esticando um dos braços na sua
direção. — Não vai negar esse mísero pedido da sua futura esposa, né?
Dizem os antigos que isso pode dar verruga no pé.
— Você acabou de inventar isso, Ariela.
— Talvez sim, talvez não... Você não vai querer descobrir por conta
própria, né?
Henrique olha para o teto e depois novamente para mim.
— Não, Ariela. Eu não vou querer acordar amanhã com uma verruga
no pé.
Solto um gritinho e balanço os dedos em um convite.
— Vamos, então?
Depois do que parece uma eternidade, ele entrelaça as nossas mãos e
finalmente, depois de quatro anos, Henrique caminha junto ao meu lado em
direção ao palco do karaokê.
INGREDIENTES:
1/2kg de bucatini
1 xícara (de chá) de molho de tomate
400g de tomate pelado
150b de bacon
2 colheres (de sopa) de óleo de soja
2 colheres (de sopa) de manteiga
1 unidade de cebola
1 colher (de chá) de molho de pimenta
50g de pecorino
Sal a gosto

Existem certas humilhações nessa vida que prefiro esquecer que


passei.
Ter cantado Sandy & Júnior no karaokê na frente de um bando de
desconhecidos é uma delas.
Eu não iria.
Não iria mesmo.
Mas eu precisava de qualquer distração para esfriar a cabeça e
esquecer todas as atrocidades que se passaram pela minha cabeça enquanto
Ariela me encarava com aqueles lindos olhos brilhantes e aquela boca que
praticamente implorava para ser beijada.
Estou afogado até o pescoço em merda.
E, mais uma vez, a culpa disso tudo é de Ariela Brado.
Nessas horas, começo a me arrepender de ter me tornado o melhor
amigo do seu irmão. A situação seria dez vezes mais fácil se Gustavo,
simplesmente, não existisse.
Ele poderia fazer que nem eu e passar um ano fora do país também.
— Você se divertiu essa noite, hein! — Ariela cutuca as minhas
costelas, um sorriso delineando os lábios já livres de batom. — Viu como
não foi assim tão terrível cantar Quando Você Passa? Da próxima vez,
podemos tentar cantar Olha O Que O Amor Me Faz.
— Não foi só terrível, como também um pesadelo. — Tiro a carteira
do bolso e entrego o cartão de crédito para o atendente do caixa. — Vou
precisar de dez anos de reclusão da sociedade para conseguir me recuperar
de tamanha humilhação.
— Ei! Você foi ótimo, só faltou se entregar mais no ritmo da música
e dar uma quebradinha no quadril.
Sacudo a cabeça e insiro a senha na maquininha.
Não olho para o valor.
Depois que Ariela disse que tinha somente vinte reais dentro da
carteira, não vou permitir que ela pague qualquer outra coisa quando
estivermos juntos.
Esse é o papel de um bom marido, né?
Quanto menos dinheiro sair da conta dela, melhor.
Até porque ela precisa muito mais do dinheiro do que eu.
Meu restaurante pode não estar vivendo os seus melhores dias de
glória, mas tenho uma quantia suficiente guardada no banco para não ter
que me preocupar com o Serasa vindo atrás de mim.
— Dançar e cantar são habilidades que não possuo, Ariela.
Agradeço o funcionário pela noite e abro a porta do Kantando
Karaokê, fazendo um sinal para que ela saia primeiro. Os saltos batucam na
calçada e é somente quando Ariela se vira de frente para mim é que me dou
conta de que nossas mãos estão entrelaçadas.
Olho para baixo.
Ela também.
Em um gesto rápido, os dedos finos se desprendem dos meus e ela
cruza os braços na altura dos seios, abrindo então um sorrisinho
envergonhado para mim.
— Não vai me dizer que seus talentos se limitam à cozinha, né?
Aposto que essas mãos conseguem fazer muito mais do que apenas esticar
uma massa com um rolo de macarrão.
Trinco o maxilar.
Não há um segundo sequer de sossego dentro da minha mente.
Quando acho que finalmente terei um pouco de paz, no qual Ariela
vai controlar a língua inquieta, ela consegue dizer algo que faz a minha
imaginação seguir por um caminho nada respeitoso.
Devo ter pensado coisas indecentes pelo menos vinte vezes nas
últimas quatro horas.
É tão estressante que me sinto perto de cometer uma loucura a
qualquer momento.
— Minhas mãos conseguem fazer um milhão de coisas, Ariela —
murmuro, baixo. — Mas a maioria delas você não vai gostar de ouvir.
Uma tossida arranha a sua garganta.
— É tão ruim assim?
Olho para a sua boca.
Estou prestes a cometer um erro terrível quando a porta do Kantando
Karaokê é aberta e as vozes de Ísis, Gustavo, Elisa e Leana perfuram a
silenciosa tensão que se formava entre nós dois. Ariela dá um passo para
longe, se afastando de mim. Faço o mesmo, guardando as mãos dentro do
bolso da calça jeans.
— Estou tão, tão, tão feliz — Leana cantarola, uma mecha do cabelo
cacheado caindo na frente do seu rosto. A pele negra-clara está com
pontinhos de suor e o rímel escorreu um pouco ao redor dos olhos. — Bem
que dizem que quem canta, seus males espanta. Sinto que toda a
negatividade evaporou para longe de mim depois que cantei Kid Abelha.
— As melhores músicas fazem isso mesmo com a gente, meu amor.
— Elisa afaga o ombro da noiva e depois dá um beijinho. — Pelo menos
você vai trabalhar amanhã super inspirada. Talvez até crie um prato em
homenagem a mim...
Leana revira os olhos.
— Sua intolerância a glúten não me permite ser tão criativa quando
se trata da culinária italiana, Elisa.
Ela faz um biquinho de decepção e se vira para mim.
— Por falar em culinária... Como que vão os preparativos para o
casamento?
Pelo canto do olho, vejo Gustavo cruzar os braços.
Ainda não sei como ele concordou com toda essa loucura.
Ariela deve tê-lo chantageado, porque não há outra explicação para
ter cedido assim tão fácil. Afinal, conheço o meu melhor amigo. Por
Gustavo, sua irmãzinha só se casaria com um cara escolhido a dedo por ele
e que fizesse um juramento de nunca quebrar o seu coração ou abandoná-la.
Questões mal resolvidas na infância são assim, infelizmente.
Elas guiam boa parte das nossas decisões.
— Comprei o meu vestido de noiva ontem à tarde e essa semana vou
começar a elaborar a decoração do bolo. A festa vai ser na casa do
Henrique, então deixei a decoração nas mãos da Antonella — Ariela
explica, me lembrando da conversa que tivemos na casa da minha avó no
domingo. Ela está tão empolgada que até se esqueceu da dor no joelho. —
Vocês duas irão, né?
— É claro que sim! E a Nina também — Elisa confirma. — Ela não
para de falar que o tio Henrique e a tia Ariela vão se casar. Acho que está
sendo o maior evento da vida dela no momento. Disse que vai até fazer um
desenho para vocês dois.
Todos nós damos risada.
Nina é realmente uma peça.
No aniversário dela no ano passado, surpreendendo a todos nós, ela
pediu por uma festa com o tema de porquinho-da-índia. Acho que essa foi
uma indireta mais do que direta de que ela queria um bichinho de
estimação.
— Ah, que fofa! Quando eu me casar de verdade, prometo que vou
convidá-la para ser a minha daminha de honra.
A frase de Ariela me causa uma estranha sensação na boca do
estômago.
Uma sensação que continua me assombrando durante quase meia
hora enquanto levo todo mundo para casa no carro de Ariela, já que fui o
único que não bebeu. Gustavo e Ísis decidiram ficar na casa de Leana e
Elisa para passarem um tempinho com a Nina, então agora estou somente
com Ariela dentro do carro, seguindo rumo ao seu apartamento.
— Agora, sem brincadeirinhas, Henrique... — Ariela se vira no
banco, ficando de frente para mim. Suas bochechas estão coradas e o cabelo
um pouco bagunçado. — De zero a dez, o quanto você se divertiu essa
noite?
Olho de soslaio para ela.
Apesar dos pesares, a noite foi melhor do que eu poderia ter
imaginado.
Tenho que confessar que, desde que abri o Bacio Di Sole, deixei um
pouco de lado os momentos de lazer. Nos dois primeiros anos, me
comprometi tanto em fazer o restaurante dar certo que trabalhei
incansavelmente quase todas as tardes e noites.
Ter o próprio negócio é cansativo e querer que as coisas deem
resultado é mais cansativo ainda.
É por isso que fico extremamente chateado que, com uma simples
postagem anônima no Instagram, tudo o que construí durante anos possa
ser destruído.
— Oito, para não te deixar chateada. Mas saiba que seria um nove se
você não tivesse usado chantagem emocional para me obrigar a cantar
aquela música terrível do Sandy & Júnior.
— É a melhor música da carreira deles!
— Tenho ressalvas quanto a isso.
A resposta de Ariela é esticar o pescoço para trás e cair na
gargalhada.
— Do que você gosta de cantar, então?
— Não gosto de cantar, piccolina. Já te falei isso.
Os olhos de Ariela assumem um brilho diferente.
— Uhum, sei... Me fala então qual música você gosta de ouvir.
— Qualquer uma que não envolva refrões genéricos, dancinhas do
TikTok e batidas eletrônicas — murmuro, ainda mantendo a atenção no
trânsito. — Red Hot Chilli Peppers está ótimo para mim.
— É quase impossível cantar as músicas deles no karaokê,
Henrique.
— Agora você entendeu o X da questão.
Ela me mostra a língua igual uma criança birrenta.
— Definitivamente, você é a pessoa mais sem graça que já conheci.
Cadê o Henrique que tricotava roupinhas coloridas para a Matilda, cortava a
grama da casa da avó nos finais de semana e ia sempre ao cinema assistir os
últimos lançamentos?
— Eu ainda faço quase todas essas coisas.
As sobrancelhas dela se erguem, quase alcançando o couro
cabeludo.
— Inclusive ir ao cinema?
— Antes nós íamos juntos.
— E agora você vai sozinho?
— Não, Ariela. Eu não vou.
Evito olhar para ela. É melhor assim. Estou revelando mais do que
deveria esta noite. Se minha língua continuar nesse ritmo, vou acabar
dizendo mais do que devo. Isso já aconteceu uma vez e o resultado foi
péssimo. Não vou cometer esse erro novamente.
— Você parou de ir ao cinema por causa de mim?
Sim.
Não.
Parei de fazer uma porção de coisas por sua causa, Ariela.
Mas é óbvio que não digo nada disso.
— A pipoca salgada deles é péssima — minto, estacionando o carro
na vaga de garagem do seu apartamento. — Foi só por isso que deixei de ir.
— Se eu te convidar para ir comigo qualquer dia desses, você
aceitaria?
— Você está abusando demais da minha hospitalidade nos últimos
dias, Ariela.
— Eu? — Leva a mão ao coração e meus olhos automaticamente
recaem para o anel de noivado. — Jamais! Estou apenas te mostrando o
lado divertido de me ter na sua vida de novo.
— Vou tentar me lembrar disso quando os primeiros sinais de
estresse crônico começarem a surgir.
Ela dá risada e pega a bolsa esquecida debaixo do banco.
— Toma um chazinho de camomila que já resolve! — Ariela abre a
porta do carro e saltita para fora em um pulo. Faço o mesmo, lhe
devolvendo a chave com um chaveiro de cupcake logo em seguida. Ela olha
para mim, curiosa. — Não vai querer subir? Eu fiz alguns pirulitos de
chocolate que acabaram dando errado, mas ainda são metade comestíveis.
— Vou preservar pela saúde do meu fígado hoje.
— Vou fingir que você não acabou de insultar os meus dons
culinários.
— Eu jamais ousaria.
— Bom... Já que você se recusa a terminar a noite com um docinho,
eu vou subir. — Ela abre um sorriso, se balançando sobre os saltos da
sandália. — Muito obrigada por ter aceitado ir hoje no Kantando Karaokê,
mesmo com intromissão de última hora do meu irmão e dos nossos amigos.
Da próxima vez, prometo que vou trancá-los em um cativeiro.
— Isso não é nenhuma novidade se tratando deles, mas seria ótimo.
Talvez assim a gente conseguisse um pouco de sossego.
A risada dela preenche o estacionamento silencioso.
— Irei providenciar, não se preocupe. — Ela me direciona uma
piscadinha e depois ajeita a bolsa ao redor do ombro, os movimentos já
lentos por causa do cansaço. — Então... Boa noite, Henrique.
— Boa noite, Ariela.
Ariela se despede de mim com um aceno e entra no prédio. Peço um
Uber para a minha casa logo em seguida. Mas é somente horas depois,
quando já estou prestes a dormir, que me dou conta de que estou sorrindo.

Os dias seguintes passam como um borrão diante dos meus olhos.


Trabalho incansavelmente no Bacio Di Sole desenvolvendo novos
pratos, experimentando um novo cardápio com ajuda de Leana, ouvindo as
sugestões de Pierre para aumentarmos novamente a busca por reservas nas
datas comemorativas e atendendo as ligações animadas da minha avó sobre
o casamento que acontece daqui a menos de uma semana.
Estou meio nervoso, confesso.
O concurso anunciou ontem pela manhã que já bateram o recorde de
mais de 300 mil inscrições. É gente pra cacete se pensarmos que, desse
número gigante, serão selecionadas apenas três pessoas. A história de amor
que Ariela vai inventar não precisa ser apenas convincente, mas épica o
bastante para se destacar no meio de tantas outras.
Mas confio nela.
Confiei desde o início e vou confiar até o último segundo.
— Nervoso com o casamento?
É a voz grossa de Cadú que me puxa de volta para a realidade.
Estamos em uma loja de aluguéis de trajes de casamento.
Até pensei em comprar o meu próprio terno, mas acabei desistindo
por tanta insistência da minha avó. Creusa, a proprietária da loja, é uma de
suas amigas do bingo. Depois que ela ficou sabendo do meu noivado,
praticamente me encheu de mensagens implorando para que eu viesse até
aqui.
Tentei negar.
Não deu certo, obviamente.
Agora estou parado em frente ao enorme espelho ajeitando a gravata
ao redor do pescoço e pensando em como a minha vida conseguiu virar de
cabeça para baixo em menos de dois meses.
É surreal o que as redes sociais são capazes de fazer com a nossa
vida.
— Estaria mais se fosse um casamento de verdade.
— Não precisa fingir para mim que você não gosta da Ariela.
Fulmino-o pelo reflexo do espelho.
Às vezes, me arrependo de ter contado o plano de Ariela para os
meus amigos. Conhecendo-os como eu conheço, vários anos terão se
passado, nós dois já teremos nos divorciado e eles vão continuar enchendo
o meu saco.
Nessas horas, considero realmente a possibilidade de me isolar no
meio do mato e nunca mais ter contato com seres humanos.
— Não sei do que você está falando.
Ele revira os olhos e me entrega o paletó.
— Sua negação quase ataca a minha gastrite, tenho que confessar.
— Já falei para você ir fazer uma endoscopia, Cadú. Não tenho nada
a ver com os seus problemas de estômago.
Meu melhor amigo de infância explode em uma gargalhada.
— Eu irei, mas só se você admitir que gosta da Ariela.
Bufo.
— Gosto da companhia dela. Satisfeito?
— Não era exatamente essa confissão que eu gostaria de ouvir.
— Não tenho outra além dessa para fazer.
Agora é a vez dele de bufar feito um touro.
— É por isso que você segue solteiro até hoje.
— Se me recordo bem, seu estado civil é o mesmo há cerca de 28
anos.
— Não por muito tempo.
Paro de vestir o paletó na mesma hora.
— Você está saindo com alguém?
Cadú se senta no pequeno sofá ao lado do provador, estica as pernas
e tira o boné, espalhando os fios em diferentes direções.
— Sua avó me encontrou no supermercado na semana passada. Eu
estava comprando alguns ingredientes para experimentar umas receitas
novas e, depois de meia hora de conversa, eu tinha salvo no meu celular o
telefone de uma tal de Daniela.
Inacreditável.
Minha avó não sabe o significado da palavra limite.
Agora estou até com um pouco de medo de que Cadú termine o ano
realmente se casando com a filha da Dorotéia e embarcando em uma
viagem de lua de mel para Gramado, no Rio Grande do Sul.
— E você chamou ela para sair?
— É claro que sim. Vai que a Daniela e eu somos almas gêmeas
igual você e a Ariela?
— Sem comentários, Cadú.
— Você sabe que eu tenho razão, Henrique.
Não discuto com ele.
Volto a fixar a atenção no espelho, ao mesmo tempo em que a
atendente retorna. Quando me vê com o traje completo, incluindo os
sapatos e as abotoaduras, ela abre um sorriso de orelha a orelha.
— Ficou perfeito, senhor Fiore! Vai querer provar outros modelos ou
esse é o escolhido?
— Vai ser esse mesmo.
Ela assente, animada. Cadú entra na onda dela, batendo palmas e
assoviando com os dedos dentro da boca.
Ele é insuportável.
Reprimo a vontade de xingar um palavrão e pego o celular,
mandando uma mensagem para Ariela.

A resposta dela vem logo em seguida, acompanhada de uma quantia


exagerada de emojis.

Reviro as orbes diante do emoji de choro e bloqueio a tela do


celular. Quando ergo o olhar, Cadú está me encarando com um sorriso tão
esquisito que fico preocupado.
— Você está bem?
— Eu te faço a mesma pergunta, Henrique. A sua cara...
Deixo-o falando sozinho e volto para dentro do provador.
Ele já me estressou demais no dia de hoje.
INGREDIENTES:
400g de margarina
6 ovos
200ml de leite de coco
2 colheres (de sopa) de fermento
4 xícaras (de chá) de açúcar
6 xícaras (de chá) de farinha de trigo
200ml de leite
1 lata de leite condensado
1 xícara (de chá) de leite em pó
100ml de creme de leite
250g de chocolate derretido
Pasta americana para decorar

Se alguém tivesse me dito anos atrás que eu acabaria me enfiando


em um casamento de conveniência com o melhor amigo do meu irmão, eu
teria gargalhado na cara da pessoa até a minha barriga doer.
Mas, bom...
Aqui estamos agora.
Com os papéis assinados e devidamente casados perante a lei.
Loucura.
Loucura total.
Loucura gigantesca.
Não acredito que realmente acabei de forjar um casamento civil por
causa de um concurso de culinária.
Espero que, no final de toda essa maluquice, Henrique e eu não
acabemos sendo descobertos por burlar a lei. Ou, na pior das hipóteses,
atrás das grades. Chego a ficar arrepiada diante da possibilidade.
— Nós não seremos presos, Ariela.
Giro a gargantilha ao redor do pescoço em uma tentativa de afastar a
tensão que se espalha por cada pedacinho do meu corpo.
— Como você sabe que eu estou pensando sobre isso?
— Você está quieta desde que saímos do cartório.
— O gato pode ter comido a minha língua.
Ele me lança um olhar de canto.
Droga.
Henrique está muito bonito.
Tão bonito que me sinto um pouquinho sortuda por estar me casando
com ele — mesmo que de mentira.
Os cabelos castanhos foram penteados para trás e, suspeito eu,
arrumados com pomada para permanecerem no lugar. A barba também foi
aparada, mas ainda mantendo o bigode que me causa terríveis calafrios.
Como prometido, ele também alugou o traje completo para esse
casamento: camisa social branca, gravata lisa, colete de botões e terno na
cor preta. A calça segue a mesma cor, assim como os sapatos brilhosos.
Não é como se eu nunca o tivesse visto vestido assim, mas algo na
maneira como a aliança de ouro brilha agora em seu dedo anelar — com o
meu nome gravado na parte interna —, faz uma sensação estranha ressurgir
bem no meio do meu peito.
— Confie em mim, ninguém irá descobrir que nos casamos por
benefício próprio — garante. — O máximo que pode acontecer é fofocarem
que nós noivamos e assinamos os papéis rápidos demais. Mas se
conseguimos convencer a minha avó, convencemos qualquer outra pessoa.
— Ela não desconfiou de nada?
— Não — nega, enquanto as mãos grandes deslizam por meus
braços até alcançarem os meus ombros nus que estão cobertos apenas pelas
finas alças do vestido branco. Não é um vestido de noiva, nem de longe,
mas é bonito o bastante para se parecer com um. — Minha avó gosta muito
de você e tenho certeza que ela está nas nuvens em me ver finalmente se
casando.
— Acho que acabei com o sonho das netas das amigas dela de
conseguirem conquistar esse seu coração ranzinza e te arrastar até o altar.
— Eu agradeço, de verdade. Não aguentava mais aqueles almoços
no domingo.
Solto uma risada.
É difícil imaginar Henrique, todo quieto e taciturno, sendo carregado
pela avó em encontros arranjados com mulheres desconhecidas.
Afinal, ele nunca foi como o meu irmão que consegue flertar com a
maior facilidade do mundo. Na época da faculdade, enquanto Gustavo
estava no meio da farra, Henrique se mantinha no canto bebendo a sua
cerveja e conversando com poucas pessoas.
Até hoje não sei como eles dois ainda seguem sendo melhores
amigos.
— Ah, aqui estão vocês! Os recém-casados mais lindos de Santa
Clara! — Antonella abre a porta dos fundos da cozinha, entrando no
cômodo com o vestido esvoaçando ao redor das pernas. Ela se arrumou
inteirinha para a festa de casamento. — Ariela, você está linda! E Henrique,
pare de ser mal educado monopolizando a noiva inteirinha só para você.
Isso dá azar no matrimônio.
Meu marido cruza os braços.
— Estávamos apenas conversando.
— Você tem a vida inteira para conversar com ela — retruca, se
aproximando de mim e me entregando um buquê de flores cor de rosa. No
outro braço, Antonella tem um véu e uma grinalda. Não sei onde ela
conseguiu, porque não comprei nenhuma dessas coisas. Afinal, estou mais
pobre do que nunca. — Agora, se puder nos dar uma licencinha...
Queremos bater um papo de mulheres.
Henrique olha para mim.
A preocupação domina as suas feições.
Acho que ele está com medo de que sua avó acabe falando alguma
besteira ou revelando o seu segredo mais sujo de todos. Será que ele faz
xixi e esquece de abaixar a tampa do vaso? Seria bem chato descobrir isso
bem no dia do casamento.
Mas, parando pra pensar, quando duas pessoas estão em um
relacionamento, elas normalmente sabem dessas coisas. É nesse momento
que me dou conta de que as coisas que sei sobre Henrique devem estar
mega ultrapassadas. Duvido que ele ainda goste de comer pizza de
pepperoni acompanhada de uma latinha de Coca-Cola.
— Pode ir, italianinho. — Dou uma piscadinha para ele. — Eu vou
sobreviver.
Surpreendendo tanto a mim quanto a sua avó, Henrique dá um beijo
carinhoso na minha testa e depois sai pela porta dos fundos da cozinha, nos
deixando sozinhas. Quando a porta se fecha, Antonella se vira para mim
com os olhos levemente marejados.
— Só você para conseguir derreter o coração do meu neto, Ariela —
diz, enxugando a única lágrima que escorre por sua bochecha. — Fazia
muito tempo que eu não o via assim tão bem consigo mesmo. Depois que
Henrique voltou daquele intercâmbio da Itália, ele se fechou para tantas
coisas e focou apenas no restaurante. Fico feliz que vocês dois tenham se
reencontrado.
Mordo o interior da bochecha.
Gostaria muito de poder falar a verdade para ela.
Muito mesmo.
Mas Henrique tem razão.
Seria confuso e complicado demais.
E quanto menos pessoas souberem sobre nossas reais motivações
para esse casamento, menores são as chances de alguém acabar dando com
a língua entre os dentes e estragando com tudo.
No final, Henrique e eu vamos acabar nos divorciando mesmo.
Não precisamos tornar essa história mais complicada do que já é.
— Henrique é incrível, Antonella. Ter ele na minha vida, agora
como meu marido, é a melhor coisa do mundo inteiro.
— Tenho certeza que vocês vão ser muito felizes. Até porque,
sempre soube que você e o meu neto eram almas gêmeas. O jeito que ele te
olhava quando vocês dois iam almoçar lá em casa continua sendo o mesmo
até hoje.
Um frio estranho se apodera do meu estômago.
Pare com isso, Ariela.
Você não tem mais 20 anos.
— E como é o jeito que ele me olha?
— Como se você fosse o mundo dele, Ariela.
Tento esboçar a reação mais genuína de todas.
Como se eu já soubesse disso.
Como se a informação não fosse nenhuma novidade para mim.
Como se eu me sentisse exatamente da mesma maneira sobre ele.
— O sentimento é recíproco, caso você esteja na dúvida — digo,
segurando com mais força o buquê. — O tempo que passamos afastados
não mudou em nada os meus sentimentos por ele.
— Eu sei disso, querida. — Antonella se estica, colocando a
grinalda na minha cabeça junto do véu. É o traje completo de uma noiva
apaixonada, feliz e realizada. Tento não me apegar muito a esse detalhe. —
Meu neto nunca vai admitir, mas eu sei que ele despistou todas as outras
garotas da vida dele ao longo desses anos por sua causa.
Rio baixinho.
— Você acha?
— Intuição de avó. — Me direciona uma piscadinha e arruma o véu
ao redor dos meus ombros. Seus olhos estão brilhando de pura felicidade.
— E os seus pais? Não puderam vir no dia de hoje?
Mordo o cantinho do lábio inferior.
Não contei nada sobre o meu casamento com o Henrique para minha
mãe e muito menos para o meu padrasto.
No começo, adiei a ligação porque não queria incomodá-los na
viagem.
Semanas depois, adiei porque não queria dar a notícia por telefone.
Duas semanas antes do casamento, adiei porque não sabia como
contar.
E agora que o grande dia chegou, já é tarde demais.
Sei que parece meio insensível da minha parte mantê-los longe do
que deveria ser o dia mais emocionante dos meus 24 anos, mas vou
compensá-los quando me casar de verdade.
— Eles estão viajando — digo, optando pela versão resumida.
Desde que minha mãe se casou de novo, ela e meu padrasto decidiram
vender a casa em Santa Clara e viajar pelo Brasil inteiro acompanhados
apenas de um motorhome. Na semana passada, recebi uma foto deles dois
em Barreiras. — Minha mãe e o Humberto adoram o Henrique, então estão
mais felizes do que nunca pelo nosso casamento.
— E tem como não estar? Meu neto tem defeitos como todo e
qualquer homem, é claro, mas é um partidão de encher os olhos.
Nós duas caímos na gargalhada.
— Disso eu não posso discordar. Mas aquele bigodinho... Me dá
trinta tipos de arrepios diferentes.
— Se você conseguir convencer Henrique a tirar aquela coisa
horrível, prometo que irei cozinhar todos os domingos a sua sobremesa
favorita.
Pisco um dos olhos para ela.
— Pode contar comigo nessa empreitada, Antonella.
— Eu sabia que você era a pessoa certa! — exclama e depois aponta
para a porta dos fundos da cozinha. Todos os nossos amigos estão lá fora na
área de festas, só esperando pela gente. — O Henrique está te esperando ali
na antessala. Já dei os saquinhos com o arroz para todo mundo, então é só
vocês fazerem a sua entrada.
Sorrio.
— Muito obrigada.
— Me agradeça fazendo o meu neto feliz, Ariela.
Ela se despede com um beijo soprado no ar e saí pela porta dos
fundos da cozinha. Sigo em direção a antessala e, como prometido,
encontro Henrique me esperando com as mãos enfiadas dentro do bolso da
calça social.
Quando ele escuta os meus passos, vira-se de frente para mim.
Alguma coisa estranha acontece.
Não sei exatamente o quê.
Mas algo ao nosso redor parece mudar no exato momento em que
nossos olhares se encontram.
— Você está linda, Ariela.
Sinto minhas bochechas esquentarem e me aproximo dele.
— Você também não está nada mal, Henrique.
Estico os braços e arrumo a gravata ao redor do seu pescoço.
Minhas mãos deslizam pela lapela do terno até pararem na flor colocada ali.
É a mesma do meu buquê.
— Me esforcei um pouco para não parecer tanto que estou sendo
arrastado as forças para esse casamento.
Estreito os olhos em uma fenda.
— Continue fazendo isso e seremos descobertos pela maior
fofoqueira do bairro.
As sobrancelhas dele se franzem.
— A Dona Estefânia está aqui?
— Tive que convidá-la. Com ela aqui, pelo menos teremos certeza
que quase metade da população de Santa Clara ficará sabendo do nosso
casamento — digo, erguendo o rosto e o encarando. — Você não está bravo,
né?
— Eu jamais poderia ficar bravo com você, Ariela.
— Ufa! Não queria que nossas primeiras horas de casados já
começassem com uma DR.
Ele aperta os lábios em uma linha reta, como se estivesse contendo
um sorriso, e estende a mão para mim.
Evito olhar para a aliança em seu dedo anelar.
Ela me causa sensações desconhecidas que não estou a fim de
descobrir.
Problemas para a Ariela de amanhã.
— Vamos, então?
Entrelaço meus dedos ao redor dos seus.
— Achei que você nunca fosse perguntar. Eu estou morrendo de
fome!
Ele não diz nada.
Mas enquanto caminhamos em direção à festa do lado de fora da
casa, posso jurar que escuto baixinho o som da sua risada.

— Vamos lá! É somente uma foto — Leana insiste pela milésima


vez, quase arrastando Henrique pelo pé. — Vocês não podem se casar e não
ter nenhum registro sobre esse dia.
— O cérebro serve pra isso: para guardar memórias.
Leana bufa.
Assim como Elisa e Ísis, ela está usando um vestido verde-musgo
meia canela que contrasta perfeitamente com o tom da sua pele e dos
cabelos escuros. A gargantilha ao redor do pescoço, combinado com o
pequeno brinco de bolinha e a pulseira, a deixaram tão bonita quanto uma
pintura.
— Não seja um estraga-prazeres até no dia do seu casamento,
Henrique.
Ele não responde.
Leana olha para mim, quase implorando.
Estico a mão, repousando-a sobre a de Henrique.
— Por favorzinho?
As íris encontram o meu rosto e descem só um pouquinho em
direção a minha boca.
Henrique tem feito muito isso nas últimas horas, desde que a festa
começou. Primeiro, quando a chuva de arroz caiu sobre nossas cabeças.
Depois, quando cortamos o bolo de dois andares — que passei quase um
dia inteiro fazendo. Outra vez quando estávamos conversando com a
fofoqueira da Dona Estefânia.
E agora de novo.
Estou certa de que ele só está fazendo isso para conseguirmos passar
a vibe de um casal apaixonado.
O problema é que fico morrendo de vergonha.
Pois é.
Ariela Brado está com vergonha dos olhares de Henrique Fiore.
Definitivamente cheguei no fundo do poço.
— O que você não me pede sorrindo que eu não faço chorando...
Com um grunhido, ele fica de pé e me estende a mão em um
convite.
— Na verdade, o ditado é ao contrário, Henrique.
— É por isso que detesto ditados.
Leana ri e ergue o celular.
— Teremos fotos, então?
— Infelizmente, sim.
Dou um cutucão na costela de Henrique.
— Cadê o seu espírito feliz?
Escuto seu suspiro cansado.
Eu tinha me esquecido do quanto ele odeia tirar fotos.
Quanto mais tempo passo na sua presença, mais tenho certeza que
na vida passada ele foi uma pedra esquecida dentro uma caverna no fim do
mundo.
— Perdido em algum lugar bem distante.
Ignoro seu humor zero contagiante e puxo-o em direção ao painel de
madeira com florzinhas. Antonella, Ísis e Elisa arrasaram na decoração,
mesmo com o baixo orçamento. Não quis que Henrique gastasse com um
evento que nem é de verdade. Ele que guarde as economias dele para o que
realmente é importante.
— E aí? — pergunto para Leana, que está segurando o celular na
altura do rosto. — Como fazemos?
— Vi umas inspirações no Pinterest que fossem convincentes o
bastante... — Ela abaixa o tom de voz, se certificando que ninguém escute a
nossa conversa. — Henrique pode ficar ao seu lado e pousar uma das mãos
na sua cintura enquanto beija os seus cabelos, ao mesmo tempo em que
vocês dois erguem as mãos, mostrando as alianças.
Seguimos exatamente as suas palavras.
A mão direita de Henrique desliza em câmera lenta por minhas
costas, até alcançarem a minha cintura e se acomodarem ali.
Consigo sentir o calor da sua palma atravessando o tecido do vestido
e me pego querendo prender a respiração.
Com o coração galopando dentro do peito, abro um sorriso e ergo a
mão direita.
Ele faz o mesmo.
E como se eu já não estivesse com milhões de sensações
despertando em lugares desconhecidos do meu corpo, Henrique dá o golpe
final quando deposita um suave beijo nos meus cabelos.
A câmera do celular de Leana faz o primeiro clique.
Quando olho ao redor, vejo que todos os convidados estão nos
encarando.
A avó de Henrique, então...
Ela está chorando.
Um choro que eu espero que seja de alegria e não de quem acabou
de descobrir que seu neto e eu somos as pessoas mais mentirosas de Santa
Clara.
— Lindos demais! — Ela enxuga as lágrimas com a ponta dos dedos
e gesticula na nossa direção. — Agora precisamos de uma foto de vocês
dois se beijando! É um clássico em qualquer álbum de casamento e...
Não escuto o restante da sua frase. Ergo o rosto, focando nos olhos
de Henrique. Como de costume, suas íris já estão grudadas em mim. A
expressão em sua face é totalmente indecifrável.
— Eu...
Ele pousa o indicador sobre os meus lábios e diz, baixinho:
— Não é nada demais, Ariela.
— Não?
Não é possível que ele vá concordar com isso.
É um beijo.
É claro que não vai ser um beijo de verdade, mas ainda é um beijo.
Um beijo na frente da sua avó.
Um beijo na frente dos nossos amigos.
Um beijo na frente do meu irmão.
Socorro.
— Não, Ariela — murmura em um tom de voz que não reconheço.
— Não é.
Concordo com um aceno e olho para Leana. O jeito que ela está nos
observando... É difícil de compreender, como absolutamente tudo o que diz
respeito ao dia de hoje.
Ninguém havia me dito que fingir estar apaixonada por alguém era
tão difícil.
Mas o importante é que Henrique está interpretando bem o seu
papel.
Tão maravilhosamente bem que está até concordando com esse beijo
só para não levantar suspeitas. Afinal, seria muito estranho um casal não se
beijar no dia do seu casamento, certo?
A real é que quem está amarelando aqui e quase dando pano pra
manga sou eu.
Foco, Ariela.
— Tudo bem! Mas essa foto precisa ficar bonita, hein? — Uso um
tom brincalhão para distrair os convidados e evitar encarar o meu irmão.
Consigo sentir o olhar dele queimando em mim e quase atravessando o
corpo de Henrique. — Quero colocar na estante da nossa futura casa, então
capriche no clique, Leana!
Ela faz um joinha para mim.
O lado bom é que a amiga de Henrique consegue ser tão cara de pau
como nós dois.
Pelo menos isso, né?
Solto um suspiro e me viro novamente para Henrique.
Meu Deus.
Nós vamos mesmo fazer isso?
A resposta para essa pergunta fica perdida em algum lugar bem
distante do meu cérebro, porque a mão dele encaixa-se perfeitamente ao
redor do meu pescoço, com o polegar tocando o lugar exato em que minha
pulsação acelerada é possível de ser sentida. Involuntariamente, meus dedos
seguram as lapelas do seu paletó, enquanto os outros se acomodam na sua
nuca.
No entanto, antes de fechar as pálpebras, encaro Henrique.
O Henrique que eu me apaixonei quatro anos atrás.
O Henrique que comprou para mim uma coleção inteira de imãs de
geladeira no formato de comidas.
O Henrique que escreveu minhas receitas favoritas em uma folha de
papel para nunca se esquecer delas.
O Henrique que se sentava no meio-fio e comia cachorro-quente
comigo depois de um dia exaustivo de estágio.
O Henrique que me protegeu do Murilo.
O Henrique que aceitou se casar comigo.
O Henrique que está usando uma aliança idêntica à minha.
As memórias se misturam diante de mim quando fecho os olhos.
Então, a primeira coisa que sinto é a respiração aquecendo as minhas
bochechas. Depois, a suave carícia do polegar dele em minha bochechas. E,
por fim, os lábios se moldando ao redor dos meus.
Não é um beijo de verdade.
Nem de longe.
É mais um tímido encontro de bocas.
Mas ainda é algo.
Algo que faz um arrepio gostoso se espalhar pela minha coluna
quando Henrique me puxa para mais perto e pressiona os lábios contra os
meus, um gemido baixinho escapando de nós dois.
O momento não dura mais do que cinco segundos.
Então, nós nos afastamos.
Meu coração parece que está prestes a sair pela boca.
Fico esperando que Henrique diga algo, mas a única coisa que ele
faz é colocar uma mecha do meu cabelo atrás da orelha enquanto
permanece em completo silêncio.
Abro um sorriso.
Um sorriso de quem não se abala com beijos de um homem que, um
dia, chegou bem perto de ser o seu grande amor.
Desvio o olhar do seu e quando retorno à atenção novamente para as
pessoas ao nosso redor, chego à conclusão que, sim, nós conseguimos
convencer a todos que estamos apaixonados.
A pior parte?
É que talvez eu tenha chegado bem perto de convencer até a mim
mesma.
INGREDIENTES:
350g de farinha de trigo
300g de açúcar
300g de margarina
25g de chocolate em pó
250ml de leite
2 ovos
20ml de vinagre
1 colher (de sopa) de fermento químico
1 pitada de sal e de bicarbonato de sódio
2 colheres (de sopa) de essência de baunilha
1 colher (de chá) de corante em gel vermelho

Respiro fundo uma última vez e clico no botão de finalizar.


Meu coração quase salta para fora da boca quando o ícone de
carregando aparece na tela e, três segundos depois, confetes coloridos
explodem com a seguinte mensagem:
Inscrição enviada com sucesso! Esperamos te ver em breve como
confeiteira em nosso esplêndido casamento que terá o bolo mais delicioso
de todos!
Sem conseguir aguentar mais, solto um gritinho e sacudo meu corpo
de um lado para o outro de tanta alegria.
— Ai meu Deus! Ai meu Deus! Ai meu Deus!
— Você está surtando.
Viro o corpo na banqueta e olho para Henrique.
Como combinado, dedicamos um dia inteiro para inscrição no
concurso da Ceci Braga. Acordei pela manhã, tomei um café dos campeões
— pão com queijo na sanduicheira e café preto com muito açúcar — e
mandei uma mensagem para ele.
Henrique apareceu no meu apartamento logo depois do Gustavo sair
para o trabalho.
Depois de quase três horas preenchendo todas as informações,
anexando fotos e inventando a história de amor mais incrível, apaixonante e
inesquecível de todas, Henrique e eu estamos — oficialmente! — inscritos
no concurso que vai mudar as nossas vidas.
Porque, sim, estou pensando positivo.
Tenho certeza de que daqui alguns dias nossos nomes serão
anunciados durante o intervalo do programa dela e logo depois
embarcaremos em uma viagem para Nova Granelle para sermos os
queridinhos entre os participantes.
Estou sonhando alto, eu sei. Mas uma vez eu li que, quando
sonhamos muito com algo, é porque no futuro isso já é nosso. Deve ser por
isso que é tão fácil me imaginar abrindo a minha própria confeitaria e
cozinhando os docinhos mais irresistíveis de Santa Clara.
É com esse pensamento em mente que dou um peteleco no nariz de
Henrique e abro um sorriso ao dizer:
— Você não está?
— Estou mais preocupado em lidar com as câmeras, na verdade.
— O resultado do concurso não te assombra?
— Não, porque eu sei que vamos conseguir.
Ergo as sobrancelhas.
— Você tem tanta fé assim em mim, italianinho?
Os olhos dele descem para a minha boca.
— Sim, Ariela. Eu tenho.
Ainda não conversamos sobre o suposto beijo de ontem à tarde e
acho que nem iremos. Afinal, nem foi um beijo de verdade. Não teve língua
ou mãos deslizando pelo corpo. Não teve nem mesmo aquela mordidinha
no lábio para finalizar que é um dos meus maiores pontos fracos.
Nossas bocas apenas pressionaram uma à outra.
Nada além disso.
Mas não nego que me peguei desejando que fosse mais que isso.
A Ariela de 20 anos está despertando novamente dentro de mim e
não estou gostando nada disso.
Afinal, não quero que nosso casamento — por conveniência, sempre
bom lembrar — se torne algo confuso, esquisito ou constrangedor. É para
ser algo divertido, apesar da seriedade da situação. Não quero que ele me
traia, óbvio, porque isso seria bem humilhante. Mas também não quero que
o clima ruim, que convivemos por quatro anos, retorne.
Confuso, né? Mas, em minha defesa, eu também estou confusa.
Dou uma tossida, para quebrar o clima, e desligo o computador.
— Quer comer alguma coisa? — Me levanto da banqueta,
contornando o balcão da cozinha e abrindo o armário. — Ou tomar um
cházinho para acalmar os nervos?
— Quem está com as emoções no pico é você, piccolina.
Ignoro o apelido. Ainda não sei o que significa e não sei se quero
descobrir.
— Vou fazer um chá para mim, então. Nada pra você?
— Estou bem assim.
Concordo com um aceno e pego a caixinha com os saquinhos, como
também uma xícara. Pelo canto do olho, vejo Henrique acompanhar cada
um dos meus movimentos, até a atenção repousar na minha aliança.
Hoje é como se ela estivesse pesando mais de dez quilos no meu
dedo.
Como pode uma jóia tão pequena causar tantas sensações esquisitas?
— Tenho docinhos na geladeira que sobraram de ontem também, se
você quiser — sugiro, quando termino de preparar o meu chá, e dou o
primeiro gole. — Meus bombons de uva são a sensação do momento, então
essa é a sua última chance de comê-los.
— Eles vão entrar em extinção?
— Não?
— Então não será a minha última chance, Ariela.
— Você está se achando muito espertinho nos últimos dias,
Henrique.
Vejo a sombra de um minúsculo sorriso surgir.
— Deve ser porque estou passando tempo demais com você.
— Isso é um problema?
— Não estou reclamando, caso seja isso que você esteja pensando.
Balanço o quadril de um lado para o outro conforme me aproximo.
Quando paro diante dele, sou obrigada a esticar o pescoço um pouquinho
para trás para olhar o seu rosto. Como de costume, a expressão é difícil de
decifrar, mas estou certa de que há um pingo de diversão cintilando ali.
Senti falta demais desse lado dele.
E estou certa, que até o dia do nosso divórcio, ele estará distribuindo
sorrisos e flores até para os vizinhos intrometidos.
A alegria é o combustível da vida, afinal de contas.
E o tanque do Henrique tá bem vazio nestes últimos anos.
— Está insinuando que gosta de passar um tempo comigo, então?
— Eu nunca disse que não gostava.
— Hum... Não sei se eu teria tanta certeza assim.
Henrique cruza os braços na altura do peitoral.
— Por que, Ariela?
Olho para a minha xícara.
— A resposta não é óbvia?
— Se você não me falar, não tem como eu saber.
Suspiro.
Não acredito que vamos ter a nossa primeira DR com menos de 24h
de casamento.
— Por causa de todos esses anos — esclareço. — Você sabia onde
eu morava e tinha o meu número de telefone, mas nunca veio atrás de mim.
Nas festas de aniversário do Gustavo, da Elisa, da Nina e até da Ísis, você
sempre me evitava. Sei que posso ser meio irritante de vez em quando e...
Ele me interrompe tirando a xícara da minha mão e a colocando
sobre o balcão.
— Você não é irritante.
— Henrique...
— Estou falando sério.
Aperto os lábios e foco em seu rosto.
— Então por que fingiu que eu não existia depois que voltou da
Itália?
Os dedos dele se enrolam ao redor do meu pulso.
Queria muito ser o Edward Cullen agora para saber o que está se
passando na sua cabeça. Na minha, não há outra coisa além de uma mágoa
antiga que parece nunca se apagar. Sei que eu disse que algumas coisas não
tinham importância, mas não posso mentir dizendo que esse assunto não me
machuca.
Claro que machuca.
Assuntos mal resolvidos são machucados que nunca se cicatrizam.
— Era melhor desse jeito.
— Por causa do meu irmão?
— Por causa do Gustavo e por outros milhões de motivos que não
vem ao caso agora — diz, enquanto o polegar e o indicador dele giram a
minha aliança de um lado para o outro. — Mas o meu afastamento nunca
teve nada a ver com passar um tempo com você, Ariela. Eu sempre gostei.
Sempre vou gostar. Você é a única pessoa com quem eu toparia assistir um
programa inteiro de culinária acompanhado de uma pizza de congelador.
Solto uma risadinha.
— Me sinto lisonjeada desse jeito.
— É a verdade. Nunca te detestei e nunca vou te detestar.
— Nem mesmo se eu colocar abacaxi na nossa pizza?
Um grunhido escapa da sua garganta.
— Não abuse tanto assim de mim também, Ariela.
Sem conseguir me aguentar, caio na gargalhada.
— Nada de abacaxi na pizza, então. Mas ketchup tá liberado, né?
Ele fecha os olhos e respira fundo.
— Ariela.
Dou um cutucão de leve em seu ombro e pego novamente a minha
xícara de chá já quase esquecida em cima do balcão.
— Estou brincando! — Lhe direciono uma piscadinha e me sento no
sofá. — Eu cometo crimes culinários todos os dias, mas prometo pegar leve
quando estivermos juntos.
Henrique se aproxima e se acomoda ao meu lado. Nossos ombros
roçam um com o outro e, instintivamente, fico com vontade de me enroscar
ao redor dele feito um bicho preguiça.
— Minha expectativa de vida agradece a generosidade.
— Isso é pra você ver como sou uma esposa boazinha.
— Jamais duvidei da sua bondade, Ariela Fiore.
O sobrenome de Henrique acompanhado do meu nome sendo
proferido em voz alta é como engolir um saco inteiro de gelo.
É estranho, mas também soa quase como...
Certo.
— Já estão começando a me chamar assim?
— Antes de vir para cá, fui passear com a Matilda. Pelo menos cinco
senhorinhas amigas da minha avó me pararam na rua dizendo que gostariam
de conhecer a tal da Ariela Fiore que fisgou o meu coração.
— E o que você disse?
— Disse para elas te procurarem no Instagram.
Solto uma risada alta e vergonhosa.
— Não! Você não fez isso!
— O que você queria que eu dissesse?
— Poderia ter convidado elas para me conhecer, sabe... Um café da
tarde com biscoitinhos amanteigados e bolinho de cenoura. Você sabe que
eu adoro cozinhar para as pessoas.
Henrique passa a mão pelo bigode.
— Vou me lembrar disso da próxima vez.
— Eu agradeceria. — Sorrio e me estico, deixando a xícara em cima
da mesinha de centro. — Já que falamos em Instagram, acho que você deve
fazer um perfil.
— Já tenho um.
Aponto o dedo em riste na sua direção.
— Você me disse que não tinha!
— Eu não, mas o Bacio Di Sole sim — explica, com os olhos
grudados no meu rosto. Não consigo me lembrar se penteei o cabelo logo
depois que acordei. Que vergonha. — Vez ou outra entro para dar uma
olhada como estão as coisas por causa daquela crítica, mas tenho zero
interesse em ficar bisbilhotando a vida dos outros.
Isso é tão a cara do Henrique.
Chega até ser impossível imaginá-lo sendo uma pessoa ativa nas
redes sociais. Postar um stories? Jamais. Dump do mês? Zero chances.
Reels com os pratos que ele cozinha no restaurante? Impossível.
— Não precisa ficar fuxicando a vida dos outros, mas ainda acho
legal você ter um.
— Por que?
— Por causa do concurso. — Pego o meu celular esquecido entre as
almofadas e abro o perfil da Ceci Braga. Ela tem quase 30 milhões de
seguidores somente no Instagram e mais de cinco mil fotos publicadas. Um
fenômeno na internet, sem sombra de dúvidas. — Quando ela for ler o seu
nome na inscrição, vai ficar curiosa. E qual é a primeira coisa que a gente
faz quando quer saber algo sobre alguém?
— Contrata um investigador particular?
— Não! A gente procura essa pessoa nas redes sociais.
— Ela não vai encontrar nada de interessante sobre mim, Ariela.
— Se você não tiver um perfil, é claro que a Ceci Braga não vai. Na
real, nem ela e nem ninguém. Se duvidar, vão até achar que você é um
fantasma!
— Tenho CPF cadastrado na Receita Federal.
Solto uma risada.
— Você entendeu o que eu quis dizer. — Deixo o celular em cima da
mesinha. — Vamos fazer assim... Nós criamos um perfil e vamos
alimentando aos poucos. Uma foto aqui... Uma foto do seu restaurante...
Uma foto de nós dois... Se não formos selecionados, você pode deletar a sua
conta logo depois.
Henrique hesita.
Os olhos me analisam com atenção, provavelmente procurando por
uma brecha para cair fora dessa situação. Mas, depois de alguns segundos,
ele solta um longo suspiro e tira o celular de dentro do bolso, me
entregando.
— Tudo bem, só não...
Pego o celular, quase pulando de tanta alegria.
— Você topa?!
— Eu nunca lhe neguei nada, Ariela. Essa não seria a primeira vez.
Abro um sorriso que quase rasga minhas bochechas ao meio.
— Posso criar um perfil lindo e cheiroso para você, então?
— Sim, mas tenta não exagerar. Sou uma pessoa reservada e não
uma subcelebridade em busca de um programa de televisão.
— Não se preocupe, italianinho. Não vou postar semi-nudes seus. —
Henrique se engasga, enquanto eu apenas acendo a tela do celular e
pergunto: — Qual é a senha?
— 030600.
— Meio óbvio demais, não?
Ele dá de ombros.
— É fácil de me lembrar.
Concordo com um aceno e desbloqueio o celular.
O celular de Henrique é simples e bem organizado, assim como a
sua vida. O papel de parede é azul escuro, sem enfeites. Os aplicativos estão
todos organizados por pastas e o calendário é o ícone maior de todos, cheio
de bolinhas coloridas indicando os seus compromissos.
Aposto que, se eu abrir a sua galeria de fotos, não haverá
absolutamente nada.
Baixo o aplicativo do Instagram e crio seu usuário.
— Perfil prontinho e ativo. — Viro o celular para ele. O usuário
ficou como @henriquefiore. — Agora precisamos de uma foto de perfil.
As sobrancelhas dele se franzem.
— É necessário isso?
— É claro! Como as pessoas vão saber quem é você?
— Pelo meu nome?
— Podem existir outros Henrique’s Fiore’s no mundo — argumento,
embora eu duvide muito disso. Criar o usuário dele foi bem fácil. O
Instagram nem sugeriu aquelas opções horríveis com combinações de
números. — E você tem um rosto bonito. Não pode nem dar a desculpa de
ser feio.
Algo nos olhos de Henrique muda diante da minha frase.
Não sei dizer exatamente o quê.
Mas há ali uma mudança.
— Não tenho nenhuma foto, Ariela.
Mordo o cantinho do lábio inferior, com um sorriso lutando para
surgir, e ergo o celular na altura do seu rosto.
— Podemos tirar a foto agora mesmo! Sou uma excelente fotógrafa,
sabia disso? Se eu não tivesse feito curso de gastronomia, provavelmente
estaria fotografando o casamento de todos os casais de Santa Clara.
— Você está me fazendo passar por tantas situações ruins que vou te
cobrar com juros todas essas humilhações.
Dou uma risadinha.
— Você sabe que minha conta bancária tem um saldo bem limitado,
então já se prepare para o pagamento parcelado. Vinte e quatro vezes sem
juros me soa perfeito. Já compensamos também pela camisa estragada e o
vinho derrubado.
— Você me causou um prejuízo terrível.
Abro a câmera do seu celular na mesma hora em que solto um
grunhido.
— Ei! Você disse que aquela noite era por sua conta.
— Taças, vinhos e camisas estragadas não estavam inclusas no
pacote.
Um choramingo me escapa. Diante da minha reação, ele abre um
minúsculo sorriso sem descolar os lábios.
Eu tiro a foto neste exato segundo.
Olho para o celular, satisfeita com o resultado.
Henrique está olhando para a câmera, apesar de eu saber que — na
verdade — ele estava com a atenção fixa em mim. Há um pequeno traço de
diversão delineando as suas feições. A foto, estranhamente, me lembra do
dia do amigo secreto, anos atrás.
Algo estranho surge no meu peito diante desse pensamento.
Mas não deixo a sensação ir longe demais.
Coloco a foto de Henrique no pequeno ícone do seu perfil e mostro
para ele.
— Prontinho! Agora você, oficialmente, tem um Instagram.
— Preciso fazer mais alguma coisa?
— Precisamos seguir algumas pessoas para não parecer que você é
um perfil fake.
Henrique estica a mão na minha direção e entrego o celular para ele.
— Já sei quem eu quero seguir.
— Sabe?
— Sim.
Em silêncio, ele digita alguma coisa no teclado e depois devolve o
celular para mim.
— Pronto. Já é mais do que o suficiente.
Olho para o número de pessoas que ele decidiu seguir.
Duas.
Duas pessoas.
Como sou curiosa, fuxico para saber quem é.
Bacio Di Sole.
Ariela Brado.
Ele só pode estar de sacanagem comigo.
— Por que você seguiu somente eu e o seu restaurante?
Henrique olha para mim quando diz:
— Porque essas são as únicas coisas que importam para mim.
Não consigo responder.
Apenas pego a xícara e encho a minha boca de chá.
Horas mais tarde, depois que Henrique vai embora, é que me dou
conta de uma coisa.
A senha do seu celular é a data do meu aniversário.
INGREDIENTES:
250g de farinha de trigo
2 colheres (de sopa) de fermento biológico
½ colher (de sopa) de sal
150ml de água morna
1 colher (de sopa) de açúcar
1 colher (de sopa) de azeite de oliva
2 dentes de alho
2 tomates maduros e descascados
½ cebola picada
Salame italiano, finamente fatiado
Queijo mussarela
½ pimentão em rodelas
Pimenta calabresa

Hoje é um daqueles chatos dias que eu repenso se vale mesmo a


pena ter um restaurante.
As festas de final de ano estão se aproximando, o que é ótimo para
os negócios, mas também é uma incógnita terrível para mim. Não sei se o
Bacio Di Sole vai lotar a casa novamente. Não sei se o Natal será uma data
boa como foi nos anos anteriores. Não sei nem mesmo se iremos fazer um
cardápio especial para o Ano-Novo como fizemos em todos os outros anos.
Estou numa sinuca de bico.
E eu odeio sinuca.
— A gente pode tentar uma estratégia diferente do que já fazemos
— Leana sugere enquanto cataloga os vinhos do estoque. Recebemos cinco
novos lotes, então o depósito e a despensa estão um caos, sem contar que
Cadú ontem também fez a reposição de todas as outras mercadorias que
encomendamos. — O que acha de contratar alguém para cantar ao vivo? A
banda Panorama está ficando famosa nas redondezas.
— Eles cantam o quê?
— Tudo o que você quiser.
Olho para Leana.
Com os cabelos presos em um coque volumoso no topo da cabeça,
calça cargo verde-musgo, camiseta branca e um avental cinza cobrindo seu
corpo, é evidente o quanto ela está determinada a terminar todo o serviço
hoje. Eu também estaria se a minha cabeça não ficasse indo e voltando para
os problemas que não parecem ter fim.
Nunca torci tanto por alguém em um concurso como estou torcendo
por mim e por Ariela neste momento.
— Vou fingir que isso não é bem preocupante.
— Acho que eles têm mais uma pegada de rock nacional. Charlie
Brown Jr, talvez?
Sacudo a cabeça e deixo a prancheta em cima da prateleira.
— Não vou contratar alguém para cantar Charlie Brown Jr no meu
restaurante, Leana.
Ela revira os olhos.
— Decepcionante, porque tenho certeza que nossos clientes iriam
amar.
— E correr o risco de receber mais uma crítica ruim nas redes
sociais? Eu dispenso, obrigado.
Leana faz um barulhinho com a boca e se aproxima de mim,
pousando a mão no meu ombro. A diferença de altura significativa entre
nós dois me obriga a baixar a cabeça para ver o seu rosto redondo e com
bochechas bem preenchidas.
— Tire essa preocupação dos seus ombros, Henrique. Eu já te disse
que vai ficar tudo bem. Daqui alguns meses, vamos até rir dessa história
quando tivermos filiais do Bacio Di Sole espalhadas por todo o Brasil.
— Você está sonhando alto demais.
— Estou projetando, na verdade. — Abre um sorrisinho sapeca e
aperta a minha bochecha de brincadeira. — E, além do mais, tenho certeza
que depois que a Ariela ser anunciada como uma das participantes do
concurso, nós vamos ressurgir das cinzas como uma fênix.
Abro uma caixa de vinhos argentinos e anoto o código de barras no
computador.
— Estou confiando nisso também.
— E como vocês dois estão?
Ergo o olhar do vinho para ela.
— Casados.
Leana bufa e cruza os braços.
— Não é disso que estou falando, Henrique.
Solto um grunhido.
Eu sei que não.
E a pergunta que vem a seguir é a maior prova disso:
— Estou perguntando como vocês dois estão depois do beijo no
casamento.
Cerro o maxilar.
A maior qualidade de Leana também é o seu maior defeito. Ela não
tem medo de trazer assuntos desconfortáveis à tona. Ela fala mesmo, na
cara dura, doa a quem doer.
As tortas de climão rolam sempre, mas minha amiga não é do tipo
que se importa com isso. Leana apenas fica lá, tranquila, esperando que a
pessoa responda justamente à pergunta que mais está evitando.
Engulo em seco, guardo o vinho na caixa novamente e respondo:
— Exatamente iguais.
— Henrique...
— Não há nada o que mudar entre mim e a Ariela — respondo. —
Nós dois sabíamos que isso aconteceria em algum momento. Não tem como
você estar se casando com alguém e não ter nenhum tipo de afeto envolvido
no meio. Se não fizéssemos o que fizemos, as pessoas poderiam desconfiar.
— E o que aconteceu entre vocês anos atrás?
— Não sei do que você está falando, Leana.
Ela cruza os braços e bate com a sola do pé no chão.
— Ah, não se faça de sonso pra cima de mim! Aquela vez em que...
Leana não tem a chance de terminar a frase, porque Cadú enfia a
cabeça pela fresta da porta do depósito e faz uma dancinha estranha com as
sobrancelhas.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto.
Ele sacode a cabeça, negando.
Pelo canto do olho, vejo Leana com um bico de chateação. Lá no
fundo, ela sabe que não vai conseguir arrancar nada de mim depois que
voltarmos a ficar sozinhos. O que é um alívio. Falar sobre Ariela e da época
em que éramos universitários é uma grande e gigante merda. Prefiro fingir
que nada aconteceu do que ficar revivendo o passado.
Nada vai mudar de qualquer jeito.
— Nada de importante além da Ariela.
Uma sensação de preocupação me engole quase vivo e mil e um
cenários começam a se formar na minha cabeça.
Se tiver acontecido algo com ela...
Porra.
— Ela se machucou?!
— Não, ela só...
Dou um passo para frente, um nó se apertando ao redor da garganta.
— Ela o quê, Cadú?
Ele enfia as mãos dentro do bolso e abre um sorriso sabichão.
Odeio esse sorriso dele.
E odeio mais ainda o fato dele estar fazendo suspense.
— Ela está te esperando lá na cozinha.
Um suspiro de alívio me escapa, mas então franzo as sobrancelhas,
meio irritado.
— Você fez todo um suspense só para dizer isso?
Ele dá um tapinha no meu ombro.
— Queria ver se você estava comprometido mesmo com o papel de
marido que se preocupa com a esposa. Parabéns, você passou no teste!
Fecho a cara.
— Eu poderia te demitir agora mesmo.
— E passar o resto dos dias da sua vida sem a minha ilustre,
divertida e enigmática presença? — Um suspiro dramático lhe escapa. —
Eu sei que você não aguenta nem mesmo um minuto longe de mim,
Henrique.
Reviro os olhos e fecho a caixa com os vinhos argentinos.
— Não vou responder isso porque tenho coisas mais importantes
para fazer.
Ele abre um sorriso malicioso.
— Dar umas beijocas na sua esposa, por exemplo?
Leana ri baixinho atrás de mim.
Definitivamente, eu tenho os piores amigos do mundo.
Minha dívida de jogo não foi me casar com a irmã do meu melhor
amigo, mas aguentar Cadú e Leana quando estão juntos. E junto de Elisa,
eles formam o trio apocalíptico do século.
Lanço um olhar duro na direção dos dois e digo:
— Se precisarem de mim, não me chamem.
Não espero para ouvir uma resposta.
Saio do depósito e sigo em direção ao interior do restaurante. Como
ainda estamos fechados, quase todas as luzes estão apagadas, exceto a da
cozinha e do meu escritório. Empurro a porta e encontro Ariela parada em
frente a ilha, segurando uma garrafa de vinho em uma das mãos e uma
sacola de supermercado em outra.
Olho para o seu rosto procurando por alguma indicação de que
alguma coisa deu errado desde a última vez que nos vimos. Felizmente, ela
está como todos os outros dias: bonita e sorridente. Exceto por uma
minúscula linha de preocupação marcando o centro da sua testa.
— Aconteceu alguma coisa?
Ariela solta uma risadinha nervosa e ergue a garrafa na altura do
rosto.
— Contratempos no meio do caminho, talvez?
Meu estômago vira um bloco de gelo novamente.
— O que você aprontou?
— Ei! Eu não apronto nada! Está vendo esse negócio brilhando
acima da minha cabeça? — Aponta para cima. — É a minha auréola de
anjinho.
Um barulho de incredulidade me escapa pelo nariz.
— Não estou vendo nada, Ariela.
— Hum... Deve ser por causa da luz aqui da cozinha. — Me
direciona uma piscadinha, cheia de diversão. — Mas não aprontei nada, só
pequenos probleminhas que surgiram enquanto eu estava fazendo compras
no supermercado.
Cruzo os braços.
— E agora você precisa que eu te salve?
— Na verdade, nós dois precisamos ser salvos — diz, remexendo na
pulseira de bolinhas coloridas ao redor do pulso depois de deixar o vinho
em cima da ilha. — Você vai estar livre hoje à noite?
— Estou dedicando quase todas as noites da minha semana a você,
Ariela.
Ela solta uma risadinha nervosa.
Confesso que estou curioso para saber qual é o problema da vez.
Não parece algo tão sério. Soa apenas uma confusão comum da lista de
encrencas que Ariela se mete pelo menos uma vez por mês.
Aposto que dessa vez não tem nenhum babaca mentiroso e
comprometido envolvido.
— Então você vai estar livre?
— Só se você me contar qual é o grande problema.
Ariela suspira e empurra alguns fios de cabelo para trás das orelhas.
— Encontrei a sua avó no supermercado. Ela perguntou como estava
a nossa vida de casado e eu acabei inventando um monte de mentiras.
Afinal, você está dormindo na sua casa e eu na minha. Não temos rotina
nenhuma para adequar — diz, apontando o dedo para mim e depois para o
próprio corpo. — Então, quando me dei conta, eu estava convidando-a para
um jantar na nossa casa. Hoje à noite. Pizza com vinho e tiramisù de
sobremesa.
Aperto a ponte do nariz e elimino todo o oxigênio dos meus
pulmões.
Eu sabia que isso iria acontecer em algum momento.
Até posso ter casado e me livrado das netas das amigas da minha
avó.
Mas eu, definitivamente, não me livrei das tramoias de Antonella.
O jantar nesta quinta-feira e os almoços fixos de domingo são o
jeitinho nada sutil dela garantir de que Ariela e eu estamos vivendo a
história de amor mais romântica que ela já ouviu.
— Ela concordou?
— Ela não só concordou como disse que vai levar a Matilda.
É claro que minha avó não iria deixar a sua inseparável cachorra
salsicha em casa.
Será uma longa noite e mais um dia comigo longe do meu trabalho
por causa da minha vida de recém-casado.
Quem diria que ter uma esposa deixaria os meus dias tão agitados.
— Não temos escapatória.
— Você não vai poder se esconder debaixo da mesa, hein... —
Ariela se aproxima de mim, piscando os olhos igual o Gato de Botas. —
Não está bravo comigo, então?
Olho para a sua boca.
— Eu nunca conseguiria ficar bravo com você, Ariela.
— Nunquinha mesmo?
— Só se você me pedir para colocar abacaxi na pizza.
Ela dá risada, a covinha do lado esquerdo da bochecha surgindo.
— Eu com certeza vou pedir. É uma delícia, inclusive. Você deveria
experimentar um dia.
— Prefiro queimar a língua com um maçarico.
Ariela ri de novo.
— Por que você tem que ser assim tão sem graça?
— Eu te faço essa mesma pergunta, Ariela — murmuro. — Gostar
de abacaxi na pizza é o maior desvio de caráter da humanidade.
— Você está perdendo a maior experiência gastronômica da sua
vida, isso sim — rebate e depois estende a sacola do supermercado para
mim. — A propósito, fiquei meio nervosa quando sua avó me perguntou se
estávamos nos divertindo como recém-casados e acabei comprando as
primeiras coisas que vi pela frente.
Espio dentro da sacola.
Ali dentro só tem itens aleatórios: uns temperos, um pacote de
coentro picado, três berinjelas maduras e um saco de farinha de rosca.
Uma risada quase me escapa.
— O que você pretende fazer com tudo isso?
— Nada, pelo visto. Pode pegar para você, se quiser — diz, com um
biquinho. — Ou aproveitar para hoje à noite.
— Pizza de berinjela me parece péssimo.
— O pessoal fitness discorda, italianinho.
— Diga isso para a minha avó e ela vai fazer o almoço inteiro de
domingo com berinjela.
— Ela não seria assim tão cruel comigo. Sou a nora favorita dela.
Sacudo a cabeça, desacreditado com o rumo dessa conversa, e vou
até a despensa para guardar os ingredientes. Assim como o depósito, aqui
também está um pouco bagunçado.
Estou tirando os itens da sacola quando Ariela entra e apoia um dos
ombros no batente da porta.
— Você acha que a sua avó faria uma maldade dessas contra mim?
— Só se você não for a nora favorita dela.
— Você é a única família que ela tem, Henrique.
— Pra você ver a responsabilidade gigantesca que está carregando
nos ombros.
Ela solta um suspiro dramático.
— Não fale assim, porque senão eu vou ficar ainda mais nervosa
com o jantar de hoje à noite. — Balança o corpo, se arrepiando, e depois
arregala os olhos. — Será que a sua avó desconfia de que não estamos
morando juntos?
Guardo o saco de farinha de rosca na prateleira enquanto penso na
sua pergunta.
Minha avó é a pessoa com mais amigas que conheço. Toda semana
ela tem um aniversário, um chá de bebê, uma festinha surpresa ou um jantar
especial para ir. É difícil encontrá-la em casa além dos finais de semana.
Ou seja, existe sim uma grande possibilidade.
— Então...
— Não precisa nem terminar de falar, porque só de pensar na
possibilidade já estou começando a ficar com dor de barriga e olha que eu
tomei o meu remédio da lactase hoje.
— Não temos certeza de nada, Ariela.
Ela morde a cutícula do dedão, os olhos castanhos fixos em mim.
Instantemente, algo muda em sua expressão e antes mesmo que ela diga o
que está pensando, já sei que será uma péssima e terrível ideia.
— E se a gente passar algumas noites juntos?
Meus dedos se fecham ao redor da berinjela.
Ariela se aproxima de mim.
— Não surta antes de ouvir tudo, por favor — pede, erguendo o
dedo mindinho em uma proposta que já me meteu em apuros da última vez.
Acabo cedendo, porque sou bobo nesse nível quando se trata dela. — Nós
dois trabalhamos fora quase o dia todo e, seguindo por essa linha, a gente
iria querer passar as noites juntinhos. Podemos sair algumas vezes para dar
uma disfarçada. Posso até passar algumas horas na sua casa depois do
trabalho, se não tiver problema. Pode me trancar dentro da despensa, não
vou reclamar.
— Não vou te trancar na despensa.
— No banheiro?
— Não.
— No quarto de hóspedes, então?
— Não vou te trancar em lugar nenhum, Ariela — digo,
determinado. — Se realmente vamos passar alguns dias juntos, devemos
fazer isso do jeito certo. Daqui a quantos dias sai o resultado do concurso?
— Uma semana.
— Excelente. Se formos selecionados, podemos nos ver nas
segundas, quintas e domingos de manhã na casa da minha avó — sugiro. —
Fica bom pra você?
Ariela se estica e encosta o dorso da mão na minha testa.
— Você está com febre?
— Não. Por que?
Os lábios dela se esticam em um pequeno sorriso.
— Você está concordando rápido demais com as coisas que estou
sugerindo.
— Achei que era isso que você esperava do seu marido.
— Poderia até te dar um beijinho de parabéns depois dessa.
O clima descontraído entre nós dois se torna um bloco de gelo no
exato segundo em que essas palavras são proferidas. Ariela pisca as
pestanas, meio pega de surpresa pela própria ousadia, enquanto eu apenas
encaro o seu rosto em busca de um jeito de sair dessa encruzilhada.
— Me desculpa, eu...
Ela começa, mas interrompo-a.
— Hoje à noite eu te busco no seu apartamento — informo,
ignorando o assunto anterior. — E domingo podemos ir jantar em algum
restaurante, se você quiser. Conheço alguns que talvez nós dois vamos
acabar gostando.
Ariela assente, balançando a cabeça repetidas vezes.
O silêncio constrangedor cresce entre nós dois.
Quando acho que ela vai simplesmente se despedir de mim e ir
embora para se livrar dessa situação esquisita, Ariela fecha a porta da
despensa e se vira para mim, as feições do rosto exibindo uma combinação
de sentimentos que não consigo identificar.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Sim.
Ela apruma os ombros e respira fundo, quase como se estivesse
criando coragem. É a mesma expressão corporal de quando me perguntou
sobre o motivo de termos parado de conversar quando fui para a Itália.
— É uma dúvida que tenho guardado para mim há muito tempo e...
Sei que pode parecer uma loucura criada pela minha própria cabeça, mas eu
preciso saber. A circunstância também não é uma das melhores agora, eu
só...
— Estou ouvindo, Ariela.
Ela encara as próprias mãos.
— Por que você nunca me chamou pra sair?
Congelo.
Por um breve momento, até esqueço de como respirar.
Encaro suas feições, procurando por qualquer indicação de que não
está falando sério, mas não há nada ali. Ariela me encara com uma grande
dose de expectativa e uma pequena pitada de mágoa.
A memória de anos atrás, a qual me esforcei tanto para manter o
mais longe possível, retorna com força total, me lembrando do real motivo
pelo qual aceitei aquele intercâmbio de forma inesperada e embarquei em
direção a Itália.
Respondi as mensagens de todo mundo naquela época.
A única pessoa que sempre ignorei foi ela.
Não só enquanto estava lá.
Mas também depois quando voltei.
Me tornei mestre em ignorá-la e um especialista em fingir que sua
ausência não era como uma facada no meu coração já machucado.
Sugo o ar das bochechas e desvio o olhar para as prateleiras.
Aquela noite em específico... É a única que eu gostaria que jamais
tivesse acontecido.
— Eu te chamei, Ariela.
Agora é a vez dela de arquejar.
— O quê?!
Ergo o rosto, curioso.
Não é possível que ela tenha se esquecido.
Eu fiquei semanas e mais semanas pensando em como iria chamá-la
para sair sem despertar o lado super protetor do seu irmão. E quando
consegui encontrar um jeito, nada saiu como o esperado.
— Na noite da festa de aniversário do seu irmão, eu te chamei para
sair e você concordou — digo, a garganta arranhando diante da lembrança.
— No dia seguinte, fiquei te esperando. Te esperei por quase três horas na
nossa lanchonete favorita. E você não apareceu.
Foi o pior dia da minha vida.
Mas também foi o dia em que entendi que tudo o que eu sentia pela
irmã do meu melhor amigo naquela época não era recíproco.
Ela não ter aparecido no nosso encontro era a única resposta que eu
precisava para aceitar aquele intercâmbio e ficar o mais distante possível
dela.
Ariela arrasta os pés pelo chão, até ficar de frente para mim.
Seu rosto é puro choque.
E, se eu não estiver delirando, até pequenas lágrimas estão se
formando no canto dos seus olhos.
— Eu não apareci? — A voz dela soa como se estivesse machucada.
— Não apareceu — confirmo, odiando o gosto amargo dessa
conversa na minha boca. — Foi por isso que não falei mais com você e te
evitei durante tanto tempo. Não tinha como fingir que nada disso tinha
acontecido Ariela.
Ariela gesticula com as mãos e aperta os lábios em uma linha reta.
— Calma aí.
Sacudo a cabeça.
— Ariela...
Ela pousa as mãos trêmulas em meus ombros.
Seu rosto agora é uma bagunça de emoções.
— Eu não apareci naquele dia pelo motivo que você está pensando,
Henrique — esclarece, mirando o fundo dos meus olhos.
— Por que, então?
Ela respira fundo e despeja a pior revelação do mundo pra cima de
mim:
— Porque eu não me lembro de quase nada dessa noite.
INGREDIENTES:
6 claras em neve
6 gemas peneiradas
½ lata de leite condensado
500g de queijo tipo mascarpone
1 pacote de biscoito tipo champanhe
1 xícara (de chá) de café bem forte
1 dose pequena de licor de amêndoa
Chocolate em pó para polvilhar

Aqui vai um fato bem aleatório sobre mim: sou uma pessoa fraca
para bebida.
Quando experimentei álcool pela primeira vez — aos 18 anos, é
claro, porque nesta época eu ainda não era um criminosa que burla as leis
—, já comecei com o pé esquerdo tendo o pior porre da minha vida.
Acordei no dia seguinte no sofá da casa de Ísis com a mãe dela me
encarando com um copo de água e uma aspirina em cada mão.
Depois desse acontecimento, eu cheguei à conclusão que bastava
duas latinhas de cerveja para eu ficar molinha e felizinha além da conta.
Então, durante as festas universitárias, sempre cuidei para não ultrapassar o
limite e ser um incômodo para os meus amigos.
Afinal, ninguém gosta de ser o famoso estraga-rolê.
A única vez, em todos esses anos, que perdi um pouco a linha foi —
adivinha só? — na festa de aniversário de 25 anos do meu irmão.
As memórias que tenho dessa noite são meio bagunçadas.
Eu e Ísis se arrumando no quarto do Henrique na república em que
ele morava naquela época. Meu irmão fazendo uma jarra inteira de
caipirinha e eu enchendo o meu copo várias e várias vezes depois. Elisa
dançando forró com o Cadú enquanto a gente pulava ao lado deles batendo
palmas. Gustavo tirando a camisa e desenhando um coração no abdômen
com um batom vermelho. Henrique me encarando a noite inteira, quase
como se estivesse cuidando de mim.
A última lembrança que tenho é de acordar ainda com o par de
sandálias no pé e Ísis roncando baixinho do meu lado.
Passei aquela tarde inteira encolhida embaixo da coberta tomando
Gatorade, assistindo Bob Esponja e comendo bombons que Henrique tinha
comprado para mim na semana anterior.
Eu não sabia que tinha um encontro para ir.
Quero enfiar minha cabeça dentro de um buraco e chorar até ficar
com o nariz entupido.
— Tudo o que lembro dessa noite são fragmentos, Henrique. Sempre
fui meio fraca para bebida e dei uma exagerada. Passei o dia seguinte
inteiro enrolada na cama recarregando as minhas energias — prossigo
dizendo, minhas mãos ainda encaixadas ao redor dos seus ombros. Quero
puxá-lo para um abraço e enterrar o rosto no seu pescoço. — Se eu
soubesse... Eu teria ido. Porque eu...
Porque eu era louquinha por você.
Porque eu queria que você me beijasse.
Porque eu queria que a gente andasse de mãos dadas na pracinha.
Porque eu queria passar todos os meus finais de semana com você.
Miro o seu rosto.
Meu coração se aperta agora que sabe que se as coisas tivessem sido
diferentes — e eu não tivesse uma memória de peixinho —, provavelmente
Henrique jamais teria ido para aquele intercâmbio.
Jamais teria me ignorado.
Jamais teria se afastado.
Jamais teria achado que eu era uma cuzona sem sentimentos.
— Por quê, Ariela?
Engulo em seco e inclino a cabeça para o lado.
— Porque eu gostava de estar com você. Mas daí você foi embora e
quando finalmente voltou, já não fazia mais sentido nenhum sermos
amigos.
Henrique fica em silêncio.
Um estranho e gigante e assustador silêncio.
Mantenho as íris fixas nas suas, em busca de qualquer mudança de
expressão que possa indicar o que está se passando na sua cabeça.
Porque essa quietude vinda da parte dele está me matando por
dentro.
— Ariela, eu...
Ele não consegue completar a frase.
Eu quase grito por dentro quando Cadú abre a porta da despensa e
diz:
— Desculpa interromper o momento romântico entre o casal. —
Abre um sorriso malicioso. Mal sabe ele que Henrique e eu estávamos bem
longe de dar um amasso gostoso contra as prateleiras. — Mas tem uma
ligação importante de um fornecedor para você, chefe.
Henrique franze as sobrancelhas.
— Você nunca me chama de chefe.
As bochechas dele ficam rosadas.
— Estou querendo ser educado em frente a nossa querida senhora
Fiore.
Meu marido pressiona os lábios em uma linha fina e assente a
contragosto. Antes de sair da despensa, no entanto, ele se curva na minha
direção, os lábios roçando no meu ouvido ao sussurrar:
— Não ache que esse assunto acabou por aqui, Ariela. — Sinto a
ponta dos seus dedos tocar levemente os meus. — A gente termina essa
conversa hoje à noite. Sozinhos.
Dessa vez sou eu quem não respondo nada.
Nem consigo formular qualquer frase coerente, na verdade.
Apenas encaro o rosto de Henrique uma última vez enquanto ele sai
da despensa, me deixando sozinha com um milhão de questionamentos e
sem absolutamente nenhuma resposta.

Como prometido, Henrique veio me buscar no meu apartamento.


A viagem até a sua casa foi feita em completo silêncio, embora
minha língua estivesse formigando durante o caminho inteiro.
Eu queria falar um montão de coisas.
Mas, ao mesmo tempo, também não sabia o que dizer.
Passei as últimas horas processando o fato de que, assim como eu, o
Henrique do passado também tinha um pequeno interesse em mim.
O que será que teria acontecido se eu tivesse ido naquele encontro?
Estaríamos namorando até hoje? Teríamos nos casado na igreja aqui da
cidade e feito a nossa viagem de lua de mel para a Itália? Ou nada teria
dado certo e seríamos hoje dois completos estranhos com uma história de
amor fracassada?
Não saber a resposta de nada disso me aterroriza em níveis
preocupantes.
Como se eu já estivesse ansiosa o suficiente, também não posso
fazer nenhuma pergunta até que a avó de Henrique vá embora e, a julgar
pelo andar da carruagem, não acho que ela irá nos deixar sozinhos tão cedo.
Antonella está se divertindo horrores bebendo uma taça de vinho e
conversando com a gente enquanto Henrique e eu cozinhamos o jantar.
Eu bem que queria uma deliciosa pizza de morango com chocolate
branco e leite condensado, mas — é óbvio — que o italianinho decidiu
honrar as suas origens.
Então hoje o jantar será pizza al salame piccante com tiramisù de
sobremesa.
Chique, né?
Minha barriga chega até roncar de fome.
— E como está no trabalho, Ariela? — Antonella pergunta. Ela está
usando um vestido meia canela bordô, colar de pérolas e um lenço
estampado ao redor do pescoço. Elegante e simples ao mesmo tempo. —
Continua trabalhando como confeiteira?
— Todos os finais de semana — respondo, enquanto Henrique abre
a massa de pizza com o rolo de macarrão. Tento não olhar para os seus
bíceps abraçando perfeitamente as mangas da camisa cinza. — Minha
clientela de docinhos aumentou nessas últimas semanas, então estou
conseguindo juntar uma grana legal.
Sinto o olhar de Henrique queimar em minha pele.
Não o encaro de volta.
Cada vez que nossos olhares se encontram, é como mil borboletas
levantando voo dentro do meu estômago. Ou seja: aterrorizante.
— Vocês ainda pretendem passar a lua de mel em Veneza?
— Com certeza — respondo, embora a última coisa que vá
acontecer na minha vida seja uma viagem para a Itália. Nem se eu fizesse
dois milhões de docinhos e mil bolos de casamento conseguiria bancar algo
desse tamanho. Conhecer a Argentina já está de bom tamanho para mim. —
Estou contando os minutos para conhecer cada cantinho desse lugar.
Antonella sorri.
— Gosto muito de Veneza. Foi a cidade em que conheci o meu
falecido marido.
— O avô do Henrique?
— Ele mesmo. Francesco Fiore vai ser sempre o grande amor da
minha vida. — Ela ergue a mão esquerda na frente do rosto. — Eu uso a
aliança do nosso casamento até hoje. Vários anos já podem ter se passado
desde que ele partiu, mas, de vez em quando, sinto como se ele ainda
estivesse aqui. E não estou falando de fantasma, viu?
Solto uma risada.
— Fantasma é só para assombrar.
— Exatamente, minha querida, — Ela se remexe na cadeira, ficando
de pé e enchendo novamente a taça com vinho tinto. — Mas sabe o que me
assombra mais do que fantasmas?
— O quê?
Antonella inclina o corpo para frente, uma das mãos espalmadas na
bancada de mármore.
— A possibilidade de não ter bisnetos.
Uma tossida arranha a minha garganta.
Henrique pigarreia ao meu lado.
Em sincronia, Antonella solta uma risadinha, claramente se
divertindo às nossas custas.
— A ideia de filhos assusta vocês dois? — pergunta, olhando com
curiosidade para nós dois. — Sei que está na moda os casais demorarem
anos para terem filhos, ou nem mesmo terem, mas eu estou bem próxima
dos meus últimos anos de vida... Meu único desejo é conseguir segurar nos
braços o meu primeiro bisneto.
— Vovó...
Ela aponta o dedo em riste para ele.
— Você não vai me negar isso, Henrique.
— Nós acabamos de nos casar — murmura. — Ainda é cedo demais
para falarmos de filhos.
— Nunca é cedo para falar dos planos do futuro. — Os olhos
esverdeados dela, escondidos pela armação, retornam para mim. Engulo em
seco, porque em nenhum momento treinei respostas para esse assunto. — O
que você me diz, Ariela?
Encaro os meus pés.
É fácil demais me imaginar construindo uma família. Afinal, esse é
um dos itens principais da minha infinita lista de sonhos. Mas sabe qual é a
pior parte? É que a ideia de ter uma família com Henrique me agrada muito
mais do que deveria.
Ter consciência desse fato me deixa totalmente assustada.
— Nós pensamos, sim, em ter filhos — digo, enganchando meu
braço ao redor do de Henrique e deitando a cabeça em seu bíceps. — Um
menino e uma menina. Talvez Frederico e Martina? Ainda estamos
decidindo os nomes.
Henrique enrijece do meu lado.
Olho de soslaio para ele.
As íris castanhas já estão repousadas em mim.
Devolvo o olhar, abrindo um pequeno sorriso e dando uma
piscadinha.
Afinal, precisamos parecer convincentes.
A pessoa que jamais — em hipótese alguma — pode desconfiar do
nosso casamento por conveniência é Antonella. Não seria só uma confusão
tremenda para se explicar, como sei que ela também ficaria super chateada.
Não quero magoá-la e aposto que Henrique também não.
— Já vou começar a fazer os sapatinhos. Vai ficar uma graça!
Nenhum de nós tem a chance de responder.
Antonella sai da cozinha a passos rápidos, os saltos do tamanco
batucando no chão junto das patinhas de Matilda a seguindo. Dá para ouvi-
la conversando com a cachorrinha e, segundos depois, a cozinha fica em
completo silêncio.
Me viro lentamente na direção de Henrique.
Ele faz o mesmo.
Estamos os dois usando avental branco.
Para essa noite, escolhi um vestido amarelo com manguinhas
bufantes e um laço da mesma cor no cabelo, além das inseparáveis
sandálias. Henrique decidiu por uma camisa polo cinza e calça marrom. As
tatuagens, o bigodinho perfeitamente aparado e a aliança no dedo anelar são
pequenos detalhes que mexem comigo.
Sim, aos poucos estou me rendendo ao bigodinho.
Talvez até o final desse casamento eu acabe entrando para o fã clube
das Maria-Bigode.
— Então... — começo a dizer, odiando a quietude entre nós dois.
Henrique respira fundo e limpa as mãos no pano de prato.
— Eu provavelmente vou me arrepender disso, mas comprei duas
bandejas de morango, chocolate branco em gotas e uma lata de leite
condensado — diz, apontando para a geladeira. Eu já estou quase saltando
de alegria. — Dupliquei a receita da massa também, só pra você...
Não o deixo completar a frase.
Pulo em seus braços. Minhas mãos se entrelaçam ao redor da sua
nuca e um gritinho de pura felicidade escapa da minha boca.
— Você vai me deixar cozinhar uma pizza de sensação branca?
Um dos braços dele circulam a minha cintura, me puxando para
mais perto.
— Infelizmente, sim.
Reviro os olhos.
— Ah, para de besteira! Pode confessar que sempre quis
experimentar essa iguaria brasileira — digo, brincalhona. — Você vai
acabar se apaixonando do mesmo jeitinho que se apaixonou pelas minhas
trufas de morango.
— Você não entendeu ainda, né?
Deslizo as mãos por seus ombros.
— O quê?
O polegar acaricia de leve as minhas costas.
— Eu gosto de qualquer coisa feita por você, Ariela.
Mordo o cantinho do lábio inferior.
— Tudinho mesmo?
— Sim, Ariela. Gosto tanto que estou até deixando você cometer um
crime culinário bem diante dos meus olhos.
Solto uma risada baixinha.
— A maior prova de amor, hein.
Não recebo uma resposta.
A única coisa que Henrique faz é mover os olhos em direção a
minha boca. Involuntariamente, umedeço os lábios com a pontinha da
língua.
Há um milhão de assuntos não resolvidos entre a gente pairando no
ar.
O convite para o encontro que nunca aconteceu.
O fato de que eu gostava dele anos atrás.
O fato dele ter gostado de mim também.
O casamento em que agora estamos metidos.
O beijo (ou quase beijo) de dias atrás.
São tantas coisas que minha cabeça se encontra tão confusa quanto o
meu coração.
— Henrique, eu... — Me atrapalho com as palavras. O braço dele
continua enroscado ao redor da minha cintura, como se estivesse com medo
de que eu saia correndo. — O que nós estamos fazendo?
Ele abre a boca para responder.
Só que, mais uma vez, somos interrompidos.
Vou enlouquecer a qualquer momento por causa disso.
— Tive que mandar uma mensagem para Márcia avisando que, em
breve, vamos começar os preparativos para um certo chá de bebê aí —
Antonella diz sorridente, segurando Matilda em seu colo. — Qual a sua cor
favorita, Ariela?
— Amarelo e laranja.
Ela se vira pro neto.
Matilda abana o rabo, quase como se estivesse entendendo a
conversa.
— E você, Henrique?
— Cinza.
— A pior cor de todas. — Antonella bate com a língua no céu da
boca e se senta novamente. A cachorrinha salsicha se acomoda em seu colo,
deitando a cabeça entre os joelhos da dona. — Vou ver o que consigo fazer.
— Vovó... É cedo demais para pensar em chá de bebê.
— Só estou me preparando. Gosto de planejar as coisas com
antecedência. — Dá uma piscadinha e pega a taça de vinho, bebendo outro
gole. Acho que ela já quase bebeu a garrafa inteira sozinha. Se fosse eu no
seu lugar, já estaria dando piruetas em cima da mesa. — E o jantar quando
vai ficar pronto? Estou morrendo de fome.
Dou risada, incrédula com a sua ousadia.
Espero chegar aos 80 anos desse mesmo jeitinho: feliz, divertida e
sem papas na língua.
— Quem está cuidando do jantar hoje é seu neto, então...
Ela gesticula para Henrique.
— Ele está querendo me matar de fome, só pode. Eu posso te
denunciar para o Estatuto do Idoso, Henrique.
Dessa vez não me aguento e caio na gargalhada.
Essa está sendo, de longe, a melhor noite da minha semana.

Depois de comer a melhor pizza do mundo — de sensação branca, é


claro —, inventar um monte de histórias mirabolantes e quase implorar para
o Henrique cozinhar todos os dias um tiramisù para mim, Antonella
finalmente vai embora.
Aceno em despedida para ela, que está dentro do táxi, e logo depois
Henrique e eu retornamos para dentro de sua casa.
Quando ele fecha a porta e gira a chave, trancando-a, me dou conta
de que agora não tem mais escapatória. Não seremos mais interrompidos.
Afinal, não tem ninguém aqui além de nós dois.
Agora é somente Ariela Brado e Henrique Fiore.
Estalo os dedos da mão, aos poucos começando a ficar ansiosa.
Não sei o que dizer para ele.
Retornamos de onde paramos?
Caramba.
Nem consigo me lembrar da última coisa que falei na despensa antes
de sermos interrompidos pelo Cadú.
— Henrique...
Ele se recosta na porta e cruza os braços na altura do peitoral largo.
Henrique está lindo de doer esta noite.
E tenho que admitir, até que eu tenho bom gosto.
Os bíceps bem definidos, as tatuagens recobrindo a pele branca e as
veias proeminentes no antebraço. Ele também tem mãos bonitas, com os
dedos compridos e largos. O rosto, para mim, é a parte de Henrique que
mais se destaca. Os olhos puxam para um castanho-escuro. As sobrancelhas
são grossas, a barba recobre de leve a mandíbula e o bigodinho é algo que
estou começando a me acostumar.
Juntando tudo isso, temos o pacote Fiore perfeito.
— Estou ouvindo, Ariela.
Solto uma longa e pesada lufada de ar.
— Você não vai dizer nada?
— O que você quer que eu diga? — Ele dá um passo para frente,
encurtando a nossa distância. Encaro o seu rosto, lutando contra a minha
pulsação que já começa a acelerar. — Que, se eu pudesse, voltaria no
tempo e teria dado um jeito de te chamar para sair outras dezenas de vezes?
Balanço a cabeça de um lado para o outro.
É cruel demais imaginar que tudo poderia ter sido diferente se
aquela noite não tivesse acontecido.
— Por que você não me mandou uma mensagem naquele dia?
Ele se aproxima mais um pouco. A respiração quente agora toca as
minhas bochechas já coradas.
— Eu mandei, Ariela. Várias delas.
É com essa frase dele que a minha ficha cai.
Depois que acordei no dia seguinte a festa do meu irmão, não só
descobri que a bateria do meu celular tinha acabado, como eu também havia
conseguido — de algum jeito misterioso — quebrar a tela inteirinha dele.
Levei no conserto só dois dias depois, já que o aniversário aconteceu na
sexta-feira.
Quando meu celular voltou da assistência, eu perdi as conversas do
meu WhatsApp porque não tinha feito o backup de nenhuma delas por falta
de memória.
Droga.
A vida não foi sacana com a gente só uma vez.
Ela foi duas.
Se duvidar, até três.
— Eu não recebi nenhuma delas — esclareço. Ele continua com a
atenção fixa em mim, me olhando daquele jeito que faz a calcinha pinicar e
as coxas formigarem. — Mas eu teria topado qualquer coisa. Até mesmo
comer cachorro-quente no meio-fio e beber cerveja barata se isso
significasse que estaríamos juntos.
Ele não diz nada.
Henrique apenas estende o braço e coloca uma mecha do meu cabelo
para trás da orelha. A ponta dos seus dedos toca suavemente a curva do meu
pescoço. O toque queima, enviando descargas elétricas por todo o meu
corpo.
— O que nós fazemos agora?
O polegar dele brinca agora com um ponto sensível do meu pescoço.
Tenho que me controlar para não acabar soltando um gemido de
satisfação.
— Em que sentido, Ariela?
— Bom... Agora que fizemos essa grande revelação, como que as
coisas ficam entre a gente? A gente finge que nada nunca aconteceu? Ou a
gente passa uma borracha por cima e seguimos com nossas vidas separadas
até o resultado do concurso sair? — começo a falar de um jeito afobado, as
frases sendo despejadas para fora de mim. Sim, estou nervosa. Sim, não sei
o que fazer a partir de agora. E não, ninguém pode me culpar. — Ou você
prefere outra coisa? Podemos tentar ser amigos de novo... Infelizmente, eu
coloquei para doação o Banco Imobiliário que jogávamos antigamente,
mas...
Henrique sacode a cabeça de um lado para o outro e pousa o dedo
indicador na minha boca.
Agora são os meus lábios que estão pegando fogo.
— Ariela.
— O quê? — As palavras saem abafadas.
— Para de falar só um pouco.
Ergo as sobrancelhas e afasto a sua mão para o lado.
— Por que?
— Porque eu quero experimentar uma coisa.
Não consigo pensar no que dizer.
Porque os dedos de Henrique deslizam pelo meu pescoço, se
infiltrando nas mechas do meu cabelo, ao mesmo tempo em que a outra se
enrosca ao redor da minha cintura, me puxando para mais perto do seu
corpo.
Automaticamente, solto um suspiro de surpresa.
Um suspiro que logo é engolido por sua boca contra a minha.
Meu Deus.
Meu Deus.
Meu Deus.
Henrique Fiore está me beijando.
E dessa vez não é por causa de uma foto.
É de verdade.
É porque ele realmente quer me beijar.
Fico na pontinha dos pés e entrelaço minhas mãos atrás da sua nuca,
deixando que ele conduza o beijo enquanto mil e umas emoções despertam
dentro de mim.
Henrique brinca com o meu lábio inferior, dando uma mordidinha e
me arrancando um suspiro de surpresa, para logo depois movimentar os
lábios e infiltrar a língua dentro da minha boca.
Nessa hora eu quase vejo estrelinhas.
Ele me beija com uma necessidade latente.
Ele me beija como se tivesse esperado a vida inteira por esse
momento.
E acho que eu também.
Movimento os pés para trás, puxando-o para mais perto de mim, e
apoio minhas costas contra a parede. Henrique geme baixinho contra a
minha boca quando minha língua encontra a sua e estabelecemos um ritmo
que faz minha calcinha ficar cada vez mais molhada.
Inclino o rosto para o lado e Henrique move os lábios para o meu
queixo, distribuindo vários beijos molhados até alcançar o meu pescoço.
Quando a boca se fecha ali, sugando a minha pele e brincando com a
língua, eu enfio as unhas em seus ombros e solto um arquejo vergonhoso.
— Henrique...
— O que foi?
Solto um longo e pesado suspiro.
— Eu... — gaguejo, meio atônita ainda com o beijo. — Eu só...
Não consigo terminar a frase.
Porque Henrique sorri.
Ele.
Simplesmente.
Sorri.
Bem na minha frente.
Não consigo nem acreditar.
— Você está sorrindo?
Os lábios dele se esticam mais ainda.
É o sorriso mais bonito do mundo.
— Eu não deveria?
Solto uma risadinha.
— Desse jeito? Com certeza não.
Não deixo que ele formule qualquer tipo de frase.
Apenas esmago minha boca de encontro a sua.
Nossos lábios se encaixam com perfeição, como se tivessem sido
feitos sob medida um para o outro. Puxo-o ainda para mais perto e preciso
me controlar muito — muito mesmo! — para não roçar meu quadril de
encontro ao seu.
Ele tira o meu fôlego sem dó.
Quem diria que beijar o melhor amigo do meu irmão poderia ser tão
gostoso?
Com uma risadinha, me afasto um pouco.
Os olhos, com as pupilas dilatadas, encontram os meus. O semblante
é de quem, assim como eu, está querendo fazer as coisas com calma e não
colocar a carroça na frente dos bois. Um desafio difícil demais, diga-se de
passagem.
— Ariela, eu acho que a gente...
Movimento a cabeça de um lado para o outro diante do tom
hesitante da sua voz. Não quero que esse momento seja estragado com um
choque de realidade.
— Shiu! Não fala nada agora não — peço, tão manhosa quanto uma
gatinha. Ele assente, uma das mãos agora deslizando pelas minhas costas.
— Deixa pra pensar nos problemas só amanhã.
Porque as consequências do que acabamos de fazer vão surgir em
algum momento.
É claro que vão.
E elas vão vir pra cima da gente feito uma bola de neve gigantesca.
Mas, por enquanto, nada disso importa.
INGREDIENTES:
6 claras em neve
6 gemas peneiradas
½ lata de leite condensado
500g de queijo tipo mascarpone
1 pacote de biscoito tipo champanhe
1 xícara (de chá) de café bem forte
1 dose pequena de licor de amêndoa
Chocolate em pó para polvilhar

Ter beijado Henrique foi um erro.


Mas ter gostado de ter beijado o melhor amigo do meu irmão foi um
erro maior ainda.
E por que?
Bom...
Vamos começar por partes, porque a lista é imensa.
Agora que a nuvem vermelha do tesão foi embora e eu tive uma
noite inteirinha para pensar a respeito das minhas últimas ações — ao ponto
de que estou com uma olheira terrível que nenhum corretivo foi capaz de
encobrir —, consigo enxergar a tremenda e gigantesca e terrível e
assustadora confusão em que me meti.
Afinal, tem muita coisa em jogo aqui.
Então, vamos começar pelo primeiro tópico: o resultado do concurso
sai daqui exatamente seis dias. Durante o intervalo do seu programa, Ceci
Braga vai anunciar para o Brasil inteiro os três confeiteiros que foram
selecionados para competirem entre si e conquistarem o tão sonhado
prêmio.
Se Henrique e eu formos escolhidos, vamos continuar casados.
Se não formos, devemos assinar os papéis do divórcio dentro de dois
meses.
Dois meses os quais provavelmente vamos nos afastar por causa da
rotina cansativa das nossas vidas. A justificativa perfeita para um divórcio
tão rápido, né? Aposto que todo mundo já ouviu essa desculpa esfarrapada
de alguém.
E é aí que entra o segundo tópico: com ou sem divórcio, Henrique
ainda será o Henrique. Ainda estará presente na minha vida de algum jeito.
Afinal, ele é o melhor amigo do meu irmão. É o cara que assiste aos jogos
do Vasco com Gustavo, é a pessoa que é convidada para quase todas as
datas comemorativas na nossa casa e — para piorar — ainda é o tio favorito
da Nina.
A arte de evitar um ao outro é uma em que dominávamos muito bem
até uns meses atrás.
Mas agora eu não sei se consigo fingir que ele não existe depois de
tê-lo beijado.
Beijo, o qual ocupa o terceiro e último tópico da minha lista.
Okay.
Henrique fez a maior revelação de toda a minha vida. Ele queria sair
comigo. Eu também queria. Tudo deu errado. Conversamos. E nos
beijamos.
Mas e agora, o que acontece?
Não quero que o clima esquisito entre a gente se torne um bloco de
gelo gigantesco se conseguirmos a vaga no concurso. Porque não vai ser
somente cozinhar um bolo e cair fora. Conhecendo o programa da Ceci
Braga como eu conheço, é óbvio que haverá entrevistas. Ela vai perguntar
sobre a nossa história de amor. Vai querer saber detalhes do nosso
casamento. Vai querer que a gente mostre ser o casal que ela leu na
inscrição.
Como fazer isso se estivermos na maior torta de climão do século?
Estou tentando não me desesperar, mas está sendo difícil pra cacete.
É a maior chance da minha vida e não quero que nada dê errado.
— Se você continuar cortando os morangos desse jeito, vou achar
que está querendo cometer um assassinato — Ísis diz, interrompendo a
linha dos meus pensamentos confusos. — Mas, como sei que você não é
assassina, me conta o que está te tirando do eixo, Ari.
Respiro fundo e largo a faca.
Acordei determinada a experimentar uma receita nova para ver se
minha cabeça acalmava um pouco e me deixasse focar em qualquer coisa
que não fosse relacionada ao beijo de ontem à noite.
Deu certo? É claro que não.
Agora quero chorar em cima do escondidinho de morango e de toda
a louça suja que já acumulei.
Fungo baixinho e olho para a minha melhor amiga.
Ísis me conhece tão bem quanto conhece o mapa do metrô de São
Paulo.
Não adianta eu querer mentir e dizer que nada está acontecendo. Ela
me espremeria feito um limão só para conseguir arrancar a verdade de mim.
E, dada as experiências anteriores em que fiquei fazendo mistério, prefiro
eu mesma dizer o que rolou.
Então jogo a bomba em cima dela sem nem mesmo avisar.
— Henrique e eu nos beijamos ontem à noite.
Ela pisca os olhos.
Uma vez.
Duas vezes.
Três vezes.
Quando o choque momentâneo passa, Ísis abre um sorrisão.
— Eu sabia que isso iria acontecer! Sempre soube, na real. —
Aponta o dedo na minha direção, com um beicinho de chateação misturado
com uma pitada de eu avisei. — Mas você nunca acreditou em mim.
Droga.
Eu deveria saber que ela reagiria assim. Afinal, Ísis é a pessoa que
mais infernizou os meus ouvidos durante todos esses anos dizendo que
Henrique tinha uma paixão secreta por mim. E, para o meu completo
desespero, ela não estava tão errada assim.
Tudo bem que ele até pode ter um dia gostado um pouquinho de
mim, mas hoje em dia tenho certeza de que esse sentimento desapareceu.
Desapareceu para mim também.
Agora somos apenas duas pessoas casadas por conveniência e
metidas em uma situação esquisita com zero sentimentos um pelo outro.
— O que você tem, hein? Bola de cristal?
— Tenho um bom olho para identificar possíveis casais. Apenas
isso. — Dá de ombros como se não fosse nada demais. Já eu, estou
entrando em combustão com tantas emoções habitando o meu interior. —
Agora me conta... O beijo foi ruim?
— Não.
— Ele foi babaca com você depois?
— Também não.
— Ele terminou o beijo e te mandou embora?
— É claro que não, Ísis.
Ela cruza os braços.
— Não estou entendendo qual é o grande problema, Ari.
— Não é óbvio?
— A única coisa óbvia para mim é que vocês dois claramente
sentem algo um pelo outro, mas se negam a admitir isso.
Fecho a cara.
— Eu gostava dele. Não gosto mais — digo, porque é a verdade.
Não sou mais apaixonada por Henrique Fiore. Nem aqui e nem lá na China
que vou voltar a cair de amores por ele. — O beijo foi bom, é claro. Eu
gostei. Só que foi apenas isso, Ísis. Nada além.
— Então por que você está tão inquieta?
— Porque não sei o que fazer daqui pra frente — explico, limpando
as mãos no pano de prato. Já desisti de cozinhar o meu escondidinho de
morango. — Fingimos que nada aconteceu? Passamos uma borracha em
todos os problemas do passado e seguimos em frente? Ignoro o fato de que
ele me chamou pra sair anos atrás? Ou eu...
Ísis pousa as mãos em meus ombros.
— Calma aí! O Henrique te chamou pra sair? Quando?!
Suspiro.
— Na festa de aniversário de 25 anos do Gustavo. O encontro era no
dia seguinte na nossa lanchonete favorita.
— Ari... A gente ficou vendo desenho animado e comendo pizza
requentada no micro-ondas até cairmos no sono.
Concordo com um aceno.
Ter consciência que pisei na bola nesse nível me deixa um pouco
sensível. Não gosto de dar mancada com as pessoas. E, tudo bem, eu não
tenho culpa de ter esquecido de quase tudo sobre aquela noite só porque sou
uma pessoa fraca para bebida. Mas saber que metade das minhas mágoas
relacionadas a Henrique poderiam ter sido evitadas é desconcertante.
— Sim, Ísis. Eu não saí de casa naquela noite.
Ela morde o cantinho do lábio inferior quando se dá conta da
situação.
— Você não sabia que tinha que ir.
— Não.
— Puta merda.
Puta merda mil vezes.
Puta merda um milhão de vezes.
Essa é a maior confusão que já me meti em todos esses 24 anos de
vida, perdendo apenas para o casamento por conveniência que — adivinha?
— também tem relação com o Henrique.
— O que vocês vão fazer agora?
— Eu estou com essa mesma dúvida. Não quero que a gente fique
estranho um com o outro. O resultado do concurso sai daqui alguns dias e,
se formos selecionados, o que vamos fazer? — pergunto, insegura. — Não
quero perder a maior chance da minha vida. E ainda tem o meu irmão...
Como vou contar para ele que beijei o seu melhor amigo?
— Respira fundo primeiro, Ari — pede, em um tom carinhoso e
sereno. Faço o que ela diz, sentindo o corpo relaxar. — Você e o Henrique,
apesar do que aconteceu anos atrás, se entendem como ninguém. Você
confia nele. Ele confia em você. Nada vai dar errado, independentemente de
vocês terem se beijado ou não.
— Mas...
Ela segura meu rosto entre as mãos.
— Deixa para pensar nos problemas envolvendo o concurso quando
o resultado sair. Não adianta você criar mil e umas teorias se nem mesmo
sabe se você e o Henrique foram selecionados.
Concordo com um aceno.
Ela tem razão.
Não adianta eu me precipitar em um cenário que está fora do meu
controle.
— Tudo bem. Esses são problemas para a Ariela daqui seis dias
resolver e surtar até cair todos os cabelos — digo, arrancando uma risada de
Ísis. — Mas o assunto com o Henrique eu preciso resolver. Não posso
passar os próximos dias evitando a existência dele.
Nem teria como, na real.
Além dos almoços de domingo na casa da sua avó, ainda temos
aquele combinado de passarmos um tempo juntos para ninguém suspeitar
da tramoia em que nos metemos.
A parte mais engraçada dessa situação é que combinamos de nos ver
na quinta-feira da semana que vem, justamente o dia em que vai sair o
resultado do concurso.
Até parece coisa do destino.
Vou me sentir como em um chá de revelação.
Teremos divórcio ou não? Corte a primeira fatia do bolo e
descubra!
— Não precisa ser drástica a esse ponto, Ari. Mas sabe o que eu
acho? Que você deveria curtir um pouco a situação. Henrique gosta de você
e...
— Ele gostava de mim — corrijo-a.
Ela sacode a cabeça, ignorando.
— Você entendeu o meu ponto — murmura. — O que eu quero
dizer é que o Henrique topou entrar nessa confusão gigantesca somente por
sua causa. Para mim, não existe a mera possibilidade dele te magoar, te
tratar mal ou quebrar o seu coração em um milhão de pedacinhos.
— Mas e se ele for embora de novo?
Porque um lado ainda sensível meu tem receio demais que isso
aconteça de novo. É claro que agora entendo as razões dele ter ido embora.
Eu também teria sumido do mapa se tivesse ficado mais de três horas
esperando por alguém em um encontro.
Mas o silêncio que se seguiu por anos depois desse acontecimento é
uma ferida que ainda não cicatrizou por completo.
Confio em Henrique? Com certeza.
Se não confiasse, não teria pedido para ele se casar comigo e correr
o risco de passarmos alguns bons anos na cadeia.
No entanto, não consigo ignorar a sensação de que, diante da
primeira dificuldade que surgir, ele vai acabar virando as costas e me deixar
sozinha de novo.
— Ele não vai embora, Ariela.
— Ísis...
— Agora a situação é diferente. Ele sabe que você não deixou ele
esperando por horas naquela lanchonete porque era uma cuzona sem
coração. — As palavras agem como um balde de água fria sendo despejado
em cima da minha cabeça. — Vocês resolveram todos os assuntos do
passado. Agora é só seguir o jogo e marcar o gol.
— Essa analogia com futebol foi péssima, só pra você saber.
Ísis revira os olhos e me puxa para um abraço. Enlaço sua cintura e
apoio o queixo no seu ombro, já me sentindo um pouco mais calma.
— Pode julgar meus métodos, mas não os meus resultados. — O
tom irônico dela me arranca uma risada. — Vai ficar tudo bem, você vai
ver. Daqui alguns meses, vamos estar rindo de tudo isso e comemorando a
inauguração da sua confeitaria.
Sorrio.
— Profetiza, amiga. Porque não aguento mais perder nessa vida.
Sua gargalhada, alta e estridente, repercute pelo espaço vazio da
cozinha.
— Converse com o Henrique, viu? Vocês dois vão chegar em
consenso do que fazer daqui pra frente e... — Os olhos procuram os meus e
encaro o seu rosto. — Quanto ao seu irmão, pode deixar que eu cuido dele.
Será que o Gustavo gosta de ficar algemado na cabeceira da cama?
Arregalo os olhos, chocada.
— Meu irmão pode ser chato de vez em quando, mas ainda quero
ele vivo!
— Brincadeirinha! Mas não se preocupe com ele. Vamos só bater
um papinho de adultos pra ver se ele larga do seu pé. — Me direciona uma
piscadinha e se afasta, me entregando novamente a faca e apontando para a
bandeja de morangos. — Agora, vamos voltar para o nosso escondidinho.
Eu estou morrendo de fome.
Olho para a tábua de vidro. Me empolguei horas atrás com a receita,
mas agora estou caindo de preguiça.
— Já perdi o clima total, então se ficar ruim não adianta colocar a
culpa em mim.
— Nada do que você cozinha fica ruim, Ari. — Dá um tapinha no
meu ombro. — E encare isso como um treinamento para o concurso. Você
tem que deixar os outros dois participantes comendo poeira.
Solto uma gargalhada que faz o meu corpo inteiro vibrar.
— Você acredita mesmo que vou ganhar, né?
Ela me abraça de novo.
— Não só acredito, como tenho certeza. Ninguém é melhor do que
você.

No domingo de manhã, dia do tradicional almoço italiano na casa da


avó do Henrique, eu descubro que sou ótima em fingir que estamos
loucamente apaixonados um pelo outro.
Globo, me contrata!
Fiz o papel de uma esposa que está vivendo um sonho desde o
casamento: comentei sobre o jantar romântico surpresa que Henrique fez
para mim para comemorar nossa primeira semana de casados, sobre o
buquê de tulipas amarelas que recebi no trabalho e sobre os bilhetinhos que
ele deixa para mim todas as manhãs.
Quem me escuta falando todas essas coisas nem imagina que acordo
reclamando do barulho do despertador, que quase queimo meu pão na
sanduicheira por ficar vendo vídeo no celular e que esqueço de adoçar o
meu café porque dormi mais do que deveria.
Sou um desastre ambulante pela manhã.
Henrique já teria pedido o divórcio se estivéssemos morando juntos.
A nossa sorte é que Antonella não sabe que estamos bem longe de
sermos esse casal perfeito, então é muito fácil agradá-la com histórias e
fantasias que jamais se tornarão realidade.
Depois da nossa encenação de hoje, aposto que ela vai falar para
todas as amigas do bingo que nunca viu o neto tão feliz.
— Estamos nos saindo bem demais nesse lance de sermos casados,
hein? — digo para Henrique logo depois que saímos da casa de Antonella.
Estamos, novamente, andando na pracinha. — Se duvidar, daqui a pouco
sua avó vai estar tricotando um cobertor, um par de meias e um suéter com
as nossas iniciais.
— Eu não duvido de nada. Ela gosta muito de você.
Abro um sorrisinho orgulhoso e me viro para ele.
— A pergunta é... Quem que não gosta de mim? Sou uma pessoa
muito fácil de amar.
Henrique não me responde de imediato.
Ele apenas fica lá.
Parado.
Em silêncio.
Me encarando.
Sem dar uma mínima pista do que está se passando na sua cabeça.
Será que, assim como eu, ele está pensando que aquela conversa na
quinta-feira mudou absolutamente tudo entre a gente?
Estou tentando não pensar muito nesse assunto desde que ele me
buscou no meu apartamento pela manhã, mas é difícil. Não tem como você
seguir tranquilamente a sua vida depois de saber que o melhor amigo do seu
irmão, o qual você era super apaixonada, também gostava de você no
passado e que agora, anos depois, é o seu marido por conveniência.
Socorro.
Eu só me meto em confusões mesmo.
Se eu fosse um pouquinho mais esperta, teria me casado com o Igor.
A ideia de toda essa confusão foi dele, afinal de contas. Nada mais justo do
que fazer ele colocar uma aliança no meu dedo.
— Sim, Ariela. — Henrique finalmente interrompe o silêncio,
empurrando para longe os meus pensamentos. — Você é uma pessoa muito
fácil de amar.
Evito demonstrar o quanto as suas palavras mexem comigo. Apenas
solto uma risadinha e fico na ponta do pé, nivelando nossos olhares e dou
um peteleco no seu nariz.
— Você também seria se tirasse esse bigodinho.
— Você não gosta?
— Estou começando a me acostumar, mas acho que gostar é uma
palavra forte demais para definir.
Henrique balança a cabeça, incrédulo, e volta a caminhar.
Só que, dessa vez, ele entrelaça os dedos ao redor dos meus e me
puxa para mais perto. Não sei que malabarismo ele faz com os braços, mas,
de algum jeito, ele está me abraçando e ainda mantendo nossas mãos
unidas.
Meu coração dá uma acelerada, confesso.
Tanto por estarmos tão próximos, quanto pela sensação de
aconchego que me invade.
Estar com Henrique sempre parece...
Certo.
Quando estamos juntos, sinto como se todos os problemas do mundo
se tornassem insignificantes demais.
Me sinto desse jeito ao seu respeito desde a época da universidade,
quando ainda éramos amigos, mas fico surpresa que esse sentimento não
tenha desaparecido com o passar dos anos.
Esse pensamento, automaticamente, me faz lembrar da conversa que
tive com Ísis, na sexta-feira. Posso ter dado uma — leve — surtada por
causa de todas as coisas que estão em jogo, mas sei que Henrique jamais
faria algo para me prejudicar.
Até porque, se ele quisesse me ver metida até o pescoço em
problemas, poderia ter se recusado a casar comigo no dia em que fomos ao
cartório.
Mas ele ainda está aqui.
E ainda usando uma aliança com o meu nome gravado no interior.
Isso deve significar alguma coisa, né?
Claro que sim, Ariela.
— Henrique... — começo a dizer, minha voz soando meio insegura.
— Posso te perguntar uma coisa?
— Pode sempre me perguntar o que quiser, Ariela.
Mordo o interior da bochecha e viro a cabeça para o lado,
procurando por seu rosto. Como de costume, os olhos castanhos já estão
nos meus.
— Por que você aceitou se casar comigo?
Ele pondera por alguns segundos.
— Qual resposta você quer ouvir?
Fico confusa.
— Como assim?
— Tenho duas respostas para essa pergunta, Ariela.
— Eu só posso escolher uma?
— Sim.
Faço um biquinho.
— Não é justo, sabia disso? No manual do casamento feliz, diz que
não pode haver segredos entre o casal.
Agora é a vez dele ficar com o semblante confuso.
— Eu não sabia da existência de nenhum manual.
— Ele é novo no mercado.
Henrique semicerra os olhos na minha direção.
— Você não me engana, Ariela. Já conheço todas as suas técnicas
traiçoeiras.
— Ei! Eu não sou traiçoeira — me defendo. — Sou apenas uma
pessoa naturalmente curiosa, como qualquer ser humano.
— Mais uma vez você está me chamando de extraterrestre, então.
Reviro os olhos.
— Não sei como pode existir uma pessoa tão não-curiosa como você
— reclamo, mas acabo cedendo ao seus termos. — Eu escolho a primeira
resposta, então. Mas com uma condição.
— Qual?
Me desvencilho do seu abraço, mas ainda mantenho minha mão
entrelaçada à sua.
— Quando formos assinar os papéis do divórcio, você vai me contar
o outro motivo.
Henrique não diz nem sim nem não.
A única coisa que ele faz é olhar para os meus dedos juntos dos seus
e depois para o meu rosto.
— Aceitei me casar com você porque eu sabia que era a decisão
certa. Posso ter priorizado o meu restaurante no acordo em que fizemos,
mas nada disso adiantaria se eu não confiasse em você. E eu confio demais
em você, Ariela — declara, me deixando com uma vontade imensa de sorrir
até as bochechas doerem. — Não sei se vamos ser selecionados para o
concurso, mas quero que saiba que eu acredito no seu potencial. Acredito
no seu talento. Acredito que você é a pessoa certa para ser a confeiteira do
casamento da Ceci Braga. O seu lugar é no pódio, mesmo que às vezes não
acredite nisso.
Lágrimas traiçoeiras se formam no cantinho dos meus olhos.
— Você acha que sou tudo isso?
— Você é muito mais do que se permite enxergar, Ariela.
— O que aconteceu quinta-feira à noite não vai nos atrapalhar,
então?
— Especifique.
Minhas bochechas ficam coradas.
— Ah, bom... — gaguejo, igual uma adolescente conversando com o
seu contatinho. — O beijo e...
Ele aperta os lábios para evitar sorrir.
— Qual é o problema?
— Nenhum, eu acho. — Minha risada sai meio esganiçada. Meu
Deus, eu odeio ficar nervosa desse jeito. — Mas eu não quero que a
situação fique ainda mais estranha do que já é. Casamento por
conveniência, situações mal resolvidas do passado, beijos que me tiram de
órbita... Se conseguirmos passar para a próxima fase do concurso, não
quero que todas essas coisas atrapalhem. Quero que continuemos sendo
somente nós. Você entende?
— Sim, Ariela. Eu entendo.
— Não vamos viver a maior torta de climão do século, então?
Ele abre um pequeno sorriso.
Um sorriso que eu não perceberia se não tivesse visto o verdadeiro
depois dele me beijar contra aquela parede.
Essa vai ser uma imagem difícil pra caramba de esquecer.
— Não, Ariela. Nós não vamos. Pelo menos, não se depender de
mim.
Dou uma risadinha envergonhada.
Definitivamente, me tornei uma adolescente de 15 anos de novo.
— Eu posso continuar te chamando de maridão e italianinho?
Henrique revira os olhos, daquele jeito entediado dele de sempre, e
se aproxima de mim. De forma involuntária, entrelaço meus braços atrás do
seu corpo, me aconchegando em seu abraço. O perfume masculino invade
minhas narinas e preciso me controlar muito para não dar uma fungadinha
no seu pescoço.
— Sim, piccolina. Você pode me continuar chamando do que quiser.
Abro um sorriso.
Um sorriso que se torna ainda maior quando Henrique deposita um
suave beijo na minha testa.
Estamos bem.
Mais do que bem, na real.
E, por enquanto, isso basta.
INGREDIENTES:
100g de carne de lagarto
50g de queijo ralado grosso
1 cereja a gosto
3 colheres (de sopa) de azeite
½ limão espremido
Pimenta-do-reino moída a gosto
Sal a gosto
1 colher (de sopa) de ervas finas desidratadas

— O que você acha de Carpaccio e Arancini Pomodoro como


entrada? Bucatini All Amatriciana e Polpettone como prato principal? E de
sobremesa... — a voz de Leana é substituída pelo barulho do teclado do seu
computador. — Bonèt e Pardulas?
Os feriados de final de ano estão se aproximando, então minha
equipe inteira está dedicada em fazer o restaurante lotar com um cardápio
novo e música ao vivo. Eu também quero que a data seja memorável,
embora minha cabeça esteja com dificuldade para se concentrar em
qualquer outra coisa desde que Ariela e eu nos beijamos — exatamente uma
semana atrás.
Eu acordo e durmo todos os dias pensando nisso.
É uma lembrança terrível que não consigo me livrar de jeito
nenhum.
— O que você decidir está ótimo para mim, Leana — digo, meio
aéreo, enquanto estaciono o carro em frente ao prédio em que Ariela mora.
— Você é meu braço direito lá dentro, então confio em qualquer coisa que
decidir fazer.
Escuto-a proferir um muxoxo do outro lado da linha.
— Quem é você e o que fez com o Henrique Fiore pé no saco?
— Não sei do que você está falando.
— Ah, para de bancar o bobinho para cima de mim, Henrique —
Leana diz, naquele tom sabichão tão característico dela. — Faz, sei lá, uma
semana que você está bonzinho e alegrinho demais. Cadú recebeu um lote
inteiro de champanhe errado e você nem mesmo ficou bravo. E conhecendo
você todos esses anos como eu conheço, sua reação é no mínimo suspeita.
— Estou normal, Leana.
Minha amiga bufa.
— Eu ouvi você cantarolando hoje de manhã no escritório, Henrique
— aponta. — E. Você. Não. Canta.
Merda.
Eu sabia que, em algum momento, teria que contar para alguém o
que aconteceu entre mim e Ariela na minha casa. Cadú, Elisa e Leana já
sabem, há anos, o verdadeiro motivo pelo qual eu fui embora do Brasil e
passei aquele ano inteiro na Itália.
Quando o avião pousou, eu liguei para Cadú e Elisa de imediato.
Cadú não disse nada.
Já Elisa queria que eu mandasse uma mensagem para Ariela
perguntando porque ela nunca apareceu no nosso encontro.
Quando pensei em mandar, três semanas depois de ter ido embora,
Ariela já tinha me excluído de todas as suas redes sociais.
Era resposta o bastante na época.
Pelo menos, parecia ser.
Agora consigo entender que tudo não passou de um mal entendido
imenso que poderia ter sido resolvido se tivéssemos sentado e conversado.
Mas é difícil pensar assim quando se está magoado.
E eu estava muito magoado.
Tanto por ter sido deixado sozinho esperando naquele lanchonete
por horas, quanto por Ariela não ter dito absolutamente nada nos dias
seguintes que vieram após o aniversário do seu irmão.
Não me arrependo nem um pouco de ter ido para a Itália, mas me
arrependo de não ter insistido mais em fazer as coisas darem certo e
entender o verdadeiro motivo pelo qual Ariela nunca apareceu no nosso
encontro.
Agora eu sei.
No entanto, me questiono se já não é tarde demais para tentar
consertar a bagunça que fizemos na vida um do outro.
— O que você quer saber, Leana?
Ela solta um gritinho estridente.
Os alto falantes do carro quase me deixam surdo com o barulho.
— Você contou para ela sobre a Itália?
— Sim.
— Você descobriu por que ela não apareceu?
— Sim.
— Vocês se resolveram?
— Sim.
— Vocês vão tentar de novo?
— Não sei, mas...
— Mas o quê?
Olho de soslaio para o portão do prédio.
Eu tinha planejado sairmos em algum restaurante na noite de hoje,
mas Ariela decidiu ficar em casa não só para assistir o programa da Ceci
Braga, como também para cozinhar algo para mim. Estou torcendo para que
seu irmão não esteja em casa, porque estou meio que evitando as suas
mensagens.
Não estou preparado para contar para ele que beijei a sua irmã.
A conversa que tivemos no dia em que Gustavo descobriu sobre o
casamento já foi ruim o bastante e a careta que ele fez no dia da foto foi um
aviso gritante que eu deveria ficar longe de Ariela.
Um aviso que eu não ouvi, obviamente.
— Nós nos beijamos alguns dias atrás.
— Mentira!
— Por que eu mentiria?
— É modo de dizer, Henrique — murmura, entre uma risada e outra.
— E como foi? Sentiu como se ela fosse a sua alma gêmea? Decidiu parar
de perder tempo e finalmente vai pedi-la em casamento?
— Nós já somos casados, caso tenha se esquecido — retruco,
pegando a minha jaqueta jeans do banco de trás e o presente que comprei
para ela. — E a Ariela não é a minha alma gêmea.
Dessa vez, Leana bate com a língua no céu da boca, discordando.
— A tampa da sua panela?
— Não.
— A metade da sua laranja?
— Também não.
— Vou fingir que acredito.
Reviro os olhos.
— Eu agradeço do fundo do meu coração de gelo se você fizesse
isso. — Pego o telefone e desconecto do bluetooth, deixando-o somente no
viva-voz. — Agora eu realmente preciso ir. Se precisar de qualquer coisa,
não me ligue. Só se o restaurante estiver pegando fogo. Confio em você.
Leana gargalha.
— É claro que você confia. Mal tem aparecido no trabalho de tanto
tempo que passa paparicando a Ariela...
— Leana — advirto em um tom frio, embora eu jamais vá conseguir
ficar bravo com ela.
— Tá bom, tá bom! Já estou desligando. Aproveite a noite,
Henrique. — Estou prestes a encerrar a chamada, quando ela diz: — E boa
sorte com o resultado hoje. Tenho certeza de que você e a Ariela vão
conseguir.
— Obrigado.
— Só não esquece de usar a cami...
Aperto o botão de desligar antes que ela termine de falar. As
atrocidades que meus tímpanos aguentam ouvir é limitada e meus
funcionários, junto de Ariela, conseguem ultrapassar essa minúscula
quantia todos os dias.
Respiro fundo uma última vez e saio do carro, segurando a jaqueta
jeans em uma mão e a caixa com o presente na outra. Falo com o porteiro, o
senhor Betinho, que libera a minha entrada sem hesitar. Afinal, mais do que
marido da Ariela, sou também o melhor amigo do seu irmão.
Por quanto tempo ainda carregarei esse título isso já ninguém sabe.
Mas é um risco que eu estou disposto a correr.
Subo as escadas em direção ao apartamento e paro em frente a porta
com a plaquinha indicando o número 301. Aperto a campainha, me sentindo
estranhamente nervoso enquanto a música brega ressoa no silêncio do
corredor.
Ariela abre a porta pouco tempo depois.
Eu meio que esperava vê-la com aquele estranho conjunto de pijama
com o rosto gigante daquele vampiro entediante estampado no centro e
pantufas bregas de bichinho, mas ela não está usando nada disso.
Ariela, na verdade, está maravilhosa.
Nos pés, ela usa aquelas inseparáveis sandálias de salto que a fazem
parecer muito mais alta do que realmente é. No corpo, exibe um shorts bege
de cintura alta e uma blusinha verde-musgo que combina com o seu cinto
marrom. Os cabelos caem em ondas feitas ao redor dos seus ombros,
alcançando a metade das costas. Uma tiara de tecido mantém alguns fios
afastados do rosto, permitindo-me ver com clareza cada um dos detalhes
que o compõem, desde as bochechas coradas aos lábios pintados com
alguma coisa brilhante.
Abro a boca para fazer um elogio, mas ela me interrompe no meio
do caminho ao perguntar:
— Eu estou com a cara toda suja de farinha de trigo, né?
Pisco, confuso.
— O quê?
— Não?
— Não estou vendo sujeira nenhuma, Ariela.
Ela suspira, aliviada, e me puxa para dentro do apartamento.
Já estive aqui uma dezena de vezes.
Sei onde Gustavo guarda sua coleção de miniatura dos jogadores do
Vasco. Sei que o quadro em cima da mesa da pequena mesa de jantar foi
desenhado pela Nina no ano passado. Sei que as almofadas coloridas no
sofá foram presente da minha avó. E sei também que no porta-retrato que
fica na estante da sala tem uma foto minha com Ariela, Gustavo e Ísis.
Mas hoje a sensação que tenho é que estou colocando os pés aqui
pela primeira vez.
Talvez seja por causa do pinheirinho de Natal montado ao lado da
televisão.
Ou pelo fato de que essa é a primeira vez que Ariela e eu ficamos
completamente sozinhos em uma semana.
— Graças a Deus, porque eu estava aprendendo uma receita nova e
você vai ser a primeira pessoa a experimentar.
Abro um sorriso de canto.
— Vou terminar a noite no hospital?
— Claro que não! Isso só aconteceu uma vez e...
Ela para de falar quando se dá conta de que estou segurando uma
caixa com um laço generosamente grande no topo.
— Você trouxe um presente?
— Sim.
— Para mim?
— Para quem mais seria?
Ela ergue as sobrancelhas, desafiadora.
— Para o meu irmão, quem sabe? Vocês são melhores amigos, afinal
de contas.
— E você é a minha esposa — digo, encarando o seu rosto. — Na
escala das prioridades, você está em primeiro lugar.
Ela solta uma risadinha envergonhada e aponta para a caixa.
— Posso abrir, então?
Entrego-lhe o presente.
— É todo seu, Ariela.
Ela dá um pulinho animado quando desfaz o laço e rasga o
embrulho.
O silêncio que se segue após isso é ensurdecedor.
Ariela olha para a caixa do Banco Imobiliário.
Depois para mim.
E depois de novo para o jogo de tabuleiro.
— Você não fez isso, Henrique.
Deixo a jaqueta em cima da cadeira e enfio as mãos dentro do bolso
da calça.
— Você disse que tinha mandado para doação o seu, então achei
justo comprar outro de presente. Continuo sendo péssimo em qualquer tipo
de brincadeira, mas sei que você sempre gostou dessas coisas e...
Ariela não me deixa terminar de falar.
Ela me puxa para um abraço, enterrando o nariz no meu pescoço e
apertando os braços ao redor do meu corpo. Eu não hesito em fazer o
mesmo. O seu perfume, uma combinação entre cereja e baunilha, me deixa
com uma vontade imensa de não deixá-la escapar para longe de mim.
Sei que errei quando decidi ignorá-la por anos.
Mas isso jamais vai se repetir.
Não vou deixar Ariela sozinha nunca mais.
— Esse é o melhor presente que já recebi, Henrique — diz,
erguendo o rosto e me olhando. — Só perde para o anel de noivado. Acho
que nenhum outro presente vai conseguir superar ele.
— Não paguei barato, então era o mínimo que eu esperava.
As sobrancelhas dela se franzem.
— Quanto que foi?
— Eu não vou falar.
Ela pisca as pestanas para mim.
— Por favorzinho?
— Nem adianta insistir, Ariela — declaro, minhas mãos acariciando
as suas costas. — Esse segredo eu levo comigo até o caixão.
— Você é tão sem graça, Henrique. — Finge estar chateada, fazendo
aquele típico biquinho. — Para um chefe de cozinha, às vezes te falta um
pouco de tempero.
Tenho que me segurar para não soltar uma risada com a analogia.
Ariela e suas pérolas inesquecíveis.
— Vou me lembrar disso quando você me pedir para cozinhar o seu
prato favorito.
— Você nem sabe qual é!
Encaixo o indicador embaixo do seu queixo e o ergo, nivelando
nossos olhares.
— Um bom tempo pode ter passado, mas eu ainda sei um milhão de
coisas sobre você, Ariela.
A expressão em seu rosto se torna desafiadora.
— E o que tudo você sabe sobre mim, hein, italianinho?
Passo a língua pelos dentes e coloco uma mecha do seu cabelo atrás
da orelha. Ariela olha para mim com expectativa, os lábios levemente
entreabertos e a respiração um pouco ofegante.
Eu poderia facilmente beijá-la de novo agora.
Mas não beijo.
Apenas me inclino na sua direção e deixo que meus lábios resvalem
no seu ouvido quando sussurro:
— Sei o jeito que você gosta de tomar o seu café: com bastante
açúcar e pouco leite. Sei que você não gosta de almoçar depois do meio-dia.
Sei que seu filme favorito é Vestida Para Casar, e que você nunca consegue
ver somente um episódio de qualquer programa de culinária. Sei que você
anota as suas receitas no bloco de notas de celular porque nunca sabe onde
está o seu caderno. Sei também que sua cor favorita é amarelo, sua
sobremesa favorita é panna cotta com amoras, e que Justin Bieber nunca
sai do repeat do seu Spotify. — Ariela se arrepia por inteira, um barulhinho
escapando de sua boca quando solto um sopro de ar contra a sua pele e me
afasto um pouco para observar o seu rosto. — Então, sim, pode apostar que
eu ainda sei bastante coisa sobre você.
Fico esperando que ela diga alguma coisa.
Qualquer coisa.
Que faça até mesmo uma piadinha terrível.
Mas a resposta que recebo é totalmente inesperada.
Ariela profere uma risada baixinha e, antes que eu possa perguntar o
que significa, ela fica na ponta dos pés e me beija.
Seus lábios estão grudentos por causa do gloss, mas eu não me
importo nem um pouco. Puxo-a para mais perto, pressionando seu corpo
contra o meu, e infiltro os dedos em seu cabelo, inclinando a cabeça dela
um pouco para trás. Ariela geme contra os meus lábios, ao mesmo tempo
em que peço passagem com a minha língua.
Ela cede de bom agrado.
Evito sorrir.
Mas é difícil.
Principalmente quando ela brinca com a minha língua, me deixando
ansioso não só para sentir cada parte do seu corpo, mas também para que
todas essas camadas de tecido entre a gente desapareçam.
Sem pensar nas consequências, desço com as mãos por seu quadril e
impulsiono o seu corpo para cima. Ariela entende de imediato, encaixando
as coxas ao meu redor. Ela arfa contra os meus lábios quando meus dedos
afundam na carne macia da sua bunda e depois a coloco sentada sobre a
mesa.
Ela empurra o Banco Imobiliário para o lado, quase o derrubando no
chão.
Uma risada acaba arranhando a minha garganta.
Ariela se afasta, as pupilas dilatadas encontrando as minhas.
— Você decidiu rir pela primeira vez enquanto me beija? Você tinha
todos os outros momentos do mundo para fazer isso, Henrique.
— Foi inevitável. Me desculpa.
Os olhos castanhos dela se reviram enquanto os dedos brincam com
a gola da minha camisa. A aliança de casamento brilha no anelar, me
causando uma estranha sensação de orgulho.
— Posso saber qual é a piada, então?
— Só não quero que você estrague o presente que acabei de te dar.
Ariela olha para a caixa do Banco Imobiliário e abre um sorrisinho
arrogante que faz a covinha na bochecha aparecer.
— Não se preocupe, eu vou cuidar muito bem dele.
Sacudo a cabeça, incrédulo com a sua resposta, e volto a beijá-la.
Dessa vez, me acomodo entre as suas coxas enquanto minha boca
desliza sobre a sua, nossas línguas voltando a se encontrar. Ariela tem um
gosto doce, como se tivesse comido balas de goma e mascado chiclete de
morango antes de eu chegar aqui.
Vai ser meio difícil não ficar viciado nela depois disso.
Mordisco o seu lábio inferior e desço com a boca por seu pescoço,
distribuindo vários beijos molhados até alcançar novamente os lábios.
Agora minha mão passeia por sua coxa exposta, a ponta dos dedos
brincando com a pele arrepiada. Ariela arqueja baixinho e afunda os
calcanhares em minhas costas, me prendendo contra o seu corpo.
Se continuarmos nesse ritmo...
Não sei se essa mesa vai sobreviver até o final da noite.
Quase como se Ariela pudesse entender o rumo dos meus
pensamentos, ela se afasta alguns centímetros e pousa o dedo indicador em
meus lábios. Sua pele está rosada, sua respiração se encontra ofegante e
qualquer resquício do gloss desapareceu por completo.
— Não fala nada não — pede, baixinho.
— Eu não ia dizer nada.
Ela semicerra os olhos para mim.
— Eu senti que você iria falar.
— Ariela...
Sua resposta é dar uma risadinha.
— Não te contaram que eu tenho o dom de ler mentes?
— Você está assistindo demais aquele filme com vampiros feios.
— Ei! — Me lança um olhar magoado. — Eles não são feios.
— Qualquer pessoa que brilha no sol não pode ser chamada de
qualquer coisa além de feia.
— É o conceito dos vampiros! Você que não está entendendo.
— E acho que nem quero entender. — Finjo um arrepio. — Prefiro
passar bem longe desse povo esquisito.
Mesmo a contragosto, Ariela acaba soltando uma gargalhada.
— Eu ainda vou te convencer a assistir todos os filmes comigo um
dia desses, Henrique — declara, apontando o dedo em riste para mim. — E,
quando você menos esperar, vai estar comprando um pijama idêntico ao
meu.
— Espero que esse dia demore décadas para chegar.
Ela ri de novo.
Acho que sua risada está se tornando o meu som favorito no mundo.
— Vou me lembrar disso quando for comprar o seu presente de
aniversário.
— Falta ainda meses para isso, Ariela.
— Mais especificamente, seis meses.
— Bastante tempo.
— Tempo o bastante para eu planejar uma festinha surpresa de
novo...
Eu bem que tento retrucar, mas não faço. Porque, no final das
contas, sei que vou acabar cedendo. Não consigo dizer não para Ariela.
Solto uma lufada de ar e acaricio seus joelhos.
— Mas sem balões de gás hélio, por favor.
— O que você tem contra eles?
Dou de ombros.
— Poluem o meio ambiente.
— Você não pode estar falando sério...
Interrompo-a no meio da frase, colando meus lábios contra os seus
novamente. Ariela suspira em minha boca, de um jeito que interpreto como
um sinal positivo para aprofundar o beijo. Ela se derrete em meus braços,
entrelaçando os dedos ao redor da minha nuca e abrindo um sorriso bonito
quando me afasto.
— Se continuarmos assim, o nosso jantar nunca vai ficar pronto e
você nunca vai experimentar a receita nova que aprendi só para essa noite.
Dou um passo para trás e ajudo-a a ficar de pé.
— Então, vamos para a cozinha, piccolina.
Ela segura a minha mão e me puxa em direção ao cômodo.
Dessa vez, não preciso disfarçar o meu sorriso.

Horas mais tarde, estamos os dois sentados no sofá enquanto Ceci


Braga cozinha uma torta folhada de maçã com a ajuda do seu noivo. João
Pedro é excelente no futebol, mas jamais deveria chegar perto de um fogão.
Em meia hora de programa, ele já quase conseguiu queimar as maçãs e
quebrar a batedeira.
Ceci está rindo o tempo inteiro, tão feliz que nem parece se dar
conta que essa vai ser a pior receita do seu programa. Mas acho que ela nem
precisa se preocupar com isso. Cozinhando com Ceci Braga é atualmente
um dos programas de culinária mais famosos da televisão. Até quem não
sabe nem cozinhar um ovo acaba assistindo um dos seus episódios vez ou
outra.
Ceci tem uma afinidade gigantesca com as câmeras.
E, mesmo querendo evitar, não consigo controlar o pensamento que
Ariela se daria bem demais na televisão. Ela tem carisma, é divertida e
consegue sempre ter uma resposta na ponta da língua. Ariela, junto de Ceci,
seriam a dupla perfeita para um futuro programa.
— Você já se imaginou tendo uma carreira como a da Ceci Braga?
Ariela vira o rosto diante da minha pergunta.
— Em que sentido?
— Um programa só seu na televisão, entrevistas em várias
reportagens famosas e ser convidada para diversos eventos do ramo... Esse
tipo de coisa.
— Gosto de pensar pequeno antes de almejar algo assim tão grande.
Quero ter a minha própria confeitaria e conquistar a minha clientela aqui
em Santa Clara.
Noto uma hesitação no tom da sua voz.
— Mas...
— Mas, tenho que confessar... Às vezes me pego imaginando tendo
uma carreira que nem a dela. Não preciso de um programa com o meu
nome, mas seria legal aparecer de vez em quando na televisão — confessa,
olhando para as próprias mãos. — É por isso que quero tanto ganhar esse
concurso. Uma oportunidade como essa não costuma aparecer com
frequência na vida da gente, então sinto que preciso me agarrar com unhas e
dentes a isso. Se não for escolhida...
— Você vai ser, Ariela.
Ela ergue o olhar para mim. Há muita vulnerabilidade ali. Se
pudesse, eu mesmo construiria a sua confeitaria dos sonhos tijolo por tijolo.
— Como você pode ter tanta certeza?
— Porque não existe ninguém melhor do que você.
— Não precisa me encher de elogios só porque você se casou
comigo, Henrique.
Inclino a cabeça para o lado e olho para a sua boca.
— Não é por isso que estou elogiando você, Ariela.
— Por que, então?
— Porque se tem uma pessoa que acredita no seu potencial, essa
pessoa sou eu.
As bochechas dela ficam coradas.
— Então, vou acreditar em você — cede, mas ainda mantendo o
queixo erguido. — Mas saiba que se a Ceci Braga não anunciar hoje o meu
nome, quem vai contar para Antonella que vamos nos divorciar daqui dois
meses será você.
Engulo em seco.
Odeio pensar no divórcio.
No começo desse casamento, achei que o grande problema seria
contar para a minha avó que escondi o meu relacionamento por semanas.
Mas não.
Agora, o que mais me incomoda é imaginar Ariela e eu assinando os
malditos papéis que vão mudar o nosso estado civil pela segunda vez.
— Tudo bem, mas nada disso vai ser necessário.
— Você está tão confiante assim?
— Sim, Ariela — confirmo, minha mão descansando em sua coxa.
— Eu estou. Já te falei que não existe ninguém melhor para ganhar esse
concurso do que você.
— Vamos fazer um combinado, então.
— Estou ouvindo.
Ela vira o rosto para mim, os olhos me encarando.
— Se eu perder, você vai, não só contar sobre o divórcio para a sua
avó, como também vai assistir todos os filmes de Crepúsculo comigo.
— E se você ganhar?
— Eu deixo você escolher o que fazer comigo.
Travo a mandíbula.
Quando Ariela fala essas coisas...
Fica difícil pra cacete controlar a linha dos meus pensamentos.
As coisas que estou imaginando não podem nem mesmo serem
descritas em palavras.
Desvio o olhar do seu e foco na televisão. A propaganda acaba de
começar. O intervalo com o anúncio do concurso deve vir logo em seguida.
— Estamos de acordo, Ariela.
Ela solta um gritinho feliz e pega o controle remoto, aumentando o
som ao dizer:
— Bom, vamos para a grande revelação, então.
Ceci Braga e João Pedro retornam, cada um segurando um
cartãozinho.
— É com muita alegria que hoje eu e o JP vamos anunciar para o
Brasil inteiro as três pessoas que irão competir entre si para ser a
confeiteira ou confeiteiro responsável pelo nosso bolo de casamento.
Afinal, como vocês sabem, eu e o João Pedro vamos nos casar em breve! —
A voz animada de Ceci preenche o silêncio da sala. — E tenho que
confessar pra vocês… O número de inscrições foi surpreendente. Foram
mais de 400 mil pessoas contando as suas histórias de amor. Foi difícil, não
nego. Mas houve três em especial que chamaram a minha atenção. — Ela
balança o cartãozinho. Ariela respira fundo do meu lado. — Vamos à
grande revelação! Está ansioso, JP?
— Me sinto como se estivesse prestes a bater um pênalti contra o
Flamengo.
Os dois riem entre si e depois a câmera foca no rosto de Ceci.
Ela anuncia o primeiro nome.
Depois o segundo.
Nenhum deles é o de Ariela.
— E agora a última escolhida…
Ariela estica o braço e aperta os dedos ao redor dos meus.
Meu coração bate com força contra a caixa toráxica.
Ceci faz suspense, e então, diz:
— Ariela Melina Brado Machado.
INGREDIENTES:
1 xícara (de chá) de água
5 colheres (de sopa) de manteiga
1 pitada de sal
2 colheres (de chá) de açúcar
1 xícara (de chá) de farinha de trigo
4 ovos tipo extra
800g de doce de leite
250g de chocolate meio amargo

Eu consegui!
Eu consegui!
Eu consegui!
Quatro dias já se passaram desde que Ceci Braga anunciou o meu
nome e mais o de outros dois confeiteiros no seu programa e ainda sinto
como se estivesse vivendo dentro de um sonho. Naquela primeira noite, mal
consegui dormir direito. Acabei tendo que enfrentar o elefante gigante no
meio da sala e liguei para minha mãe contando sobre o casamento. Ela
ficou abismada, mas feliz ao mesmo tempo. Humberto nos desejou os
parabéns, embora eu tenha sentido uma pontada de mágoa em sua voz por
não ter sido convidado, mas — para mim — foi melhor assim. Menos dor
de cabeça no futuro.
Depois de me despedir deles, Ísis me ligou poucos minutos depois e
Gustavo, quando chegou em casa, até trouxe uma pizza para
comemorarmos.
Henrique já tinha ido embora, é claro.
Mas o jeito que ele me parabenizou fez compensar a sua ausência...
Sim, ele me beijou.
De novo.
E de novo.
E de novo.
A gente se beijou até que as coisas começaram a esquentar de novo.
Se continuarmos nesse ritmo, a minha calcinha provavelmente não
vai sobreviver.
O lado bom de tudo isso é que Henrique prometeu que nada do que
aconteceu entre a gente vai nos atrapalhar no concurso. Estou confiando de
olhos fechados na sua palavra. Até porque, a última coisa que eu quero que
aconteça daqui pra frente é que algo dê errado.
Nada pode dar errado.
Essa é a minha única chance em um milhão e vou fazer de tudo para
conquistar esse prêmio e realizar um dos meus maiores sonhos.
Ter Henrique ao meu lado me enchendo de beijos e me deixando
mais molinha que gelatina é um bônus que vou aproveitar de muito bom
grado.
Mas não estou apaixonada por ele.
Não mesmo.
Esse é um problema que eu não quero ter que lidar.
— Esse é o quarto dos senhores — o atendente do hotel diz
enquanto insere o cartão na fechadura e abre a porta, indicando que
Henrique e eu entremos primeiro. Solto um suspiro de surpresa assim que
meus pés tocam o carpete fofinho na cor creme. — O café da manhã
começa às sete horas da manhã e se encerra às dez e meia. No último andar,
temos SPA, sala de jogos, piscina aquecida com borda infinita, academia e
bar com atendimento 24h à disposição. E para maior comodidade, a
senhorita Braga garantiu que todas as despesas relacionadas ao quarto serão
por conta de sua equipe.
— Agradecemos a hospitalidade, Luigi.
Ele dá um curto aceno de cabeça.
— Se precisarem de qualquer coisa, é só discar o número da
recepção — diz, cordial. — E sejam muito bem-vindos ao Hotel Riviera.
Henrique agradece mais uma vez e então Luigi vai embora,
fechando a porta em um clique. Quando o silêncio retorna, solto um
gritinho e me jogo de costas na cama, sacudindo os pés no alto.
— Você acredita que isso é real, Henrique? — pergunto, olhando
para o teto e sorrindo de orelha a orelha. Acho que minhas bochechas vão
se rasgar ao meio de tanta felicidade. — Será que não estou apenas
sonhando e vou acordar daqui cinco minutos com o barulho do despertador?
— Não, Ariela. Você não está sonhando — murmura e ergo a cabeça
para vê-lo. Ele também está sorrindo, daquele jeito que faz borboletas
baterem as asinhas dentro do meu estômago. — Você, mais do que
ninguém, merece estar aqui. Os outros participantes nem chegam aos seus
pés.
— Você pesquisou sobre eles?
Ele dá de ombros.
— Talvez.
Dou uma risadinha.
— Aprendeu a usar o Instagram, então.
— Tive que ver um tutorial no YouTube sobre como stalkear
alguém.
Ergo as sobrancelhas.
— Isso é sério?
— Claro que não, Ariela. Eu não sou assim tão da idade da pedra
também, sei como usar um celular e sei também para que serve aquela lupa
no Instagram.
Finjo um suspiro de alívio.
— Menos mal. Já estava começando a ficar assustada.
Henrique ri baixinho, um som que ainda estou me acostumando a
ouvir, e se senta ao meu lado na cama.
O quarto, realmente, é de tirar o fôlego. A varanda oferece uma linda
vista do décimo oitavo andar da cidade de Nova Granelle, uma espaçosa
sala de estar, uma cama quase do tamanho do meu quarto em Santa Clara
com vários travesseiros, um minibar privativo e o melhor de tudo: uma
banheira de hidromassagem.
Se a Ceci Braga queria me convencer a gostar ainda mais dela...
Bom, ela conseguiu.
Estou me sentindo nas nuvens.
Me viro na cama, ficando agora de barriga para baixo e com as mãos
apoiadas no queixo.
— Agora me conta... O que você descobriu sobre a história dos
outros dois participantes? Eu tentei não fuxicar nada, mas já que você
falou...
Henrique se acomoda entre os travesseiros e cruza as mãos atrás da
cabeça.
Tento não olhar para as tatuagens.
Tento também não olhar para os bíceps.
Mas é uma tarefa difícil pra cacete.
Meus hormônios estão fervendo dentro de mim como a água quente
em uma chaleira.
Vou acabar entrando em ebulição daqui a pouco
— O primeiro escolhido é Nicollas Moreau. Ele e Ana Liz se
conheceram em uma aplicativo de namoro. Ela tinha acabado de terminar
um relacionamento, então estava querendo conhecer pessoas novas. Eles
começaram a conversar com frequência, mas Ana Liz sentia que Nicollas
não estava muito interessado nela. Meses depois, ela acabou voltando com
o ex-namorado e deixou de seguir Nicollas em todas as redes sociais. Um
ano depois, Ana Liz descobriu que estava vivendo um relacionamento
abusivo.
Tapo a boca com a mão.
— Ah, não.
Henrique assente.
— Foi um tempo difícil para ela, mas depois que tudo passou, Ana
Liz mandou uma mensagem para ele, porque sentia saudades das conversas
que tinham juntos. Mas Nicollas estava na França, se especializando na
culinária francesa e passaria pelo menos mais seis meses por lá.
Arregalo os olhos, surpresa.
— E o que aconteceu depois?
— Mesmo com a imensa distância e o fuso horário, Nicollas fez de
tudo para se manter o mais presente possível na vida de Ana Liz. Eles
conversavam todos os dias por vídeochamada, ele mandava entregar bolos
da confeitaria favorita dela com bilhetinhos que diziam que logo se veriam
pessoalmente e até assistiam filmes juntos. Nesse mesmo período, Nicollas
confessou para Ana Liz que, durante aquele ano inteiro que passaram sem
se falar, ele nunca deixou de pensar nela.
Um soluço me escapa.
— Quando Nicollas finalmente voltou para o Brasil, ele saiu do
aeroporto e foi direto para o apartamento em que a Ana Liz morava —
Henrique continua a dizer. — Não precisou nem pensar no que iria dizer,
mas sabia que a amava mais que tudo no mundo. Eles se casaram seis
meses depois em uma cerimônia íntima em Paris, a cidade que ela tinha o
sonho de conhecer.
— É fofo.
— Não deveria pensar isso sobre seu concorrente.
— Estou falando do casamento deles — resmungo com um
beicinho. — Você sabe que histórias de amor são o meu ponto fraco.
Henrique sacode a cabeça naquele gesto de sempre e continua a
dizer:
— A segunda escolha da Ceci Braga foi a Pérola Garcia. O
namorado da melhor amiga dela tinha um melhor amigo, o Caíque. Foi
assim que eles dois se conheceram. Ela descreveu que, quando ele colocou
os olhos nela naquela noite, sentiu algo muito diferente — diz. — Eles se
deram bem logo de cara, mas ele disse que não iria beijá-la naquele noite
porque não precisavam ter pressa. Acabou que a Pérola acabou passando
por uma situação difícil e parou de falar com ele. Só que, meses depois, ela
se arrependeu e decidiu ir atrás dele.
— E o que aconteceu?
Henrique olha para mim e dá de ombros.
Não sei como ele não está mexido com essa história.
— Caíque estava com outra garota.
— Não!
Os olhos dele se reviram em diversão com o meu tom incrédulo.
— Mas ele não gostava dela como gostava da Pérola. Então, numa
noite, ela ligou bêbada para ele. Caíque não entendeu. Mas, no dia seguinte,
apareceu de surpresa na casa da Pérola. Depois disso, nunca mais se
separaram de novo.
Que droga.
É uma história fofa até demais.
Gostava mais quando não sabia nada sobre os outros dois
participantes. Agora estou me sentindo em uma corda bamba.
— Você acha que um deles pode ganhar?
— A única que pode ganhar esse concurso é você, Ariela.
Faço uma expressão tristonha.
— Mas se eu perde... Você vai me detestar?
— Por que eu te detestaria?
— Por te fazer perder tempo? Por te afastar do seu restaurante
enquanto poderia estar lá trabalhando junto com os seus funcionários? Por
te dar esperança de que as coisas iriam melhorar no Bacio Di Sole e...
— Ariela.
Pisco os olhos.
— O quê?
— Vem aqui.
Olho para o seu corpo.
As pernas estão esticadas e cruzadas em cima da cama, assim como
os braços atrás da cabeça. A camisa abraça os seus músculos, enquanto a
calça ostenta um caimento perfeito. Por um segundinho, me pego
imaginando-o sem todas essas camadas exageradas de tecido.
A imagem que se forma na minha cabeça é agradável até demais.
Até porque já o vi sem camisa.
Henrique tem um abdômen de tirar o chapéu, não nego.
Com as bochechas coradas, me arrasto pela cama e fico de joelhos
ao seu lado.
Ele nega com um estalar de língua no céu da boca.
— Mais perto.
Me aproximo um pouco.
Henrique balança a cabeça.
— Mais perto, Ariela.
Mordo o cantinho do lábio inferior.
Se eu me aproximar mais um pouquinho...
Não consigo terminar a linha de pensamento.
Com uma agilidade surpreendente, Henrique encaixa as mãos ao
redor da minha cintura e me coloca sentada em seu colo. Um suspiro de
surpresa me escapa, ao mesmo tempo em que minha bunda se acomoda
bem acima do seu quadril. Espalmo as mãos em seu peitoral, sentindo seu
coração bater por debaixo da minha palma.
Quando encaro novamente o seu rosto, vejo que há um sorriso
brincando em sua boca.
Essa versão descontraída de Henrique ainda é novidade para mim.
Mas eu gosto dela.
Gosto demais.
— Estou perto o bastante agora?
Seus dedos tocam de leve a ponta do meu queixo.
— Sim, você está.
Concordo com um aceno.
— E agora?
— Agora eu posso continuar o que eu estava dizendo. — Sinto o
calor do seu olhar queimar em mim. Tenho que me segurar muito para não
desviar as íris das suas. Mas permaneço paradinha, a atenção fixa em sua
face. — Você nunca vai ser uma perda de tempo para mim, Ariela.
Ganhando ou não esse concurso, embora eu saiba que você vá ganhar, os
meus sentimentos ao seu respeito não irão mudar.
— Não vai me odiar?
— Não.
— Não mesmo?
— Nunca, Ariela. Nunca vou te odiar. — Henrique coloca uma
mecha do meu cabelo atrás da orelha e depois acaricia a minha bochecha.
— Não te odiei nem mesmo quando você me deixou esperando por horas
naquela lanchonete.
Empurro seu ombro de brincadeira.
— Já te falei que eu não sabia de nada!
— Agora eu sei que não foi de propósito. — Ele se curva para
frente, os lábios tocando de leve os meus. Não é um beijo. É mais uma
provocação que deixa o meu quadril inquieto e meu ventre formigando. —
Mas tem algo que eu preciso saber... Se eu te convidasse de novo para um
encontro, você iria?
Meu coração dá uma galopada dentro do peito.
— Sim, italianinho — digo baixinho. Ele ainda está tão próximo de
mim que consigo sentir o calor da sua respiração e os pontinhos da barba,
junto do bigode, fazendo cosquinhas em minha pele. — E dessa vez eu
prometo que não vou me esquecer de aparecer.
Henrique não diz mais nada.
Mas nem é preciso.
Porque quando sua boca toca a minha, a língua pedindo passagem
entre os meus lábios e os dedos afundando em meu cabelo enquanto
aprofunda o beijo, ele já me dá a sua resposta.
E eu respondo de volta.

As luzes fortes dos refletores me deixam um pouco zonza em


primeiro momento. São informações demais para processar em um curto
espaço de tempo. Além de todas as câmeras, ainda há o pessoal da direção,
da produção, da edição, técnicos de som e uma porção de assistentes
perambulando de um lado para o outro.
E ainda há a Ceci Braga, é claro.
Linda e exuberante caminhando pelo estúdio usando um vestido
meia canela vermelho bordô e um avental com a logo do seu programa
estampada no centro. Enquanto fala com o operador de câmera e aponta
para o cenário, uma cozinha com bancada branca e armários rosas, consigo
entender porque ela é tão famosa.
E me perdoe a analogia culinária, mas Ceci Braga tem o molho.
Ela não é água de salsicha.
Ela é cativante, carismática, sorridente e extremamente profissional.
Não posso negar que sua presença me deixa meio intimidada.
— A dinâmica do dia de hoje é simples — Tiffany, sua assistente de
palco, diz enquanto ajeita o meu microfone. — Ela vai te entrevistar
enquanto vocês duas cozinham juntas o clássico manjar branco. Depois
vamos chamar o Henrique e a entrevista vai prosseguir. É simples. Não tem
segredo.
Concordo com um aceno.
Durante a manhã e começo da tarde, Ceci Braga entrevistou os
outros dois participantes. Como fui a última a ser anunciada no concurso,
também sou a última a ter o seu quadro gravado. O episódio vai ao ar
durante as próximas duas semanas de dezembro.
Por isso a escolha do manjar branco.
Receitas de Natal e Ano Novo, uhul!
— E não se preocupe com as câmeras. Você não vai falar
diretamente com o espectador, então, se quiser, pode até fingir que elas não
existem — aconselha. — Mais alguma dúvida, Ariela?
Nego com uma cabeça.
Tiffany assente, satisfeita.
O pessoal volta a trabalhar, posicionando as câmeras e acendendo os
refletores. Uma voz, que julgo ser da produção, ecoa pelo microfone do
estúdio. A gravação deve começar daqui a poucos instantes.
— Ah, só mais uma coisinha.
— Você vai me dar um super conselho agora?
Ela ri baixinho.
— Na verdade, eu só ia dizer que entre o Nicollas e a Pérola, você é
em disparada a minha participante favorita. Quando li a sua história de
amor com o Henrique, senti como se estivesse dentro de um livro, sabe? Me
tocou de um jeito inexplicável. — Tiffany enxuga uma lágrima com a ponta
dos dedos. — Não sou muito de acreditar nesse papo de almas gêmeas, mas
tive a sensação de que vocês dois estavam predestinados um para o outro.
Abro um sorriso envergonhado.
Boa parte das coisas que escrevi na inscrição eram mentiras. Mas
uma pequena parcela era verdade. Acho que, enquanto colocava as palavras
para fora e inventava a história de amor mais inesquecível de todas, deixei
que a Ariela do passado viesse um pouco à tona e se misturasse com a
Ariela de 24 anos.
Posso ter quebrado a cara nesses últimos anos de várias maneiras,
mas ainda continuo sendo uma pessoa que acredita no amor verdadeiro.
Não sei se algum dia vou viver um romance assim tão inesquecível,
mas só o fato de encontrar alguém que me ame — com todos os meus
defeitos e qualidades — já vou ficar imensamente feliz.
— Acho que você definiu tudo o que eu penso sobre o meu marido.
Tiffany solta um suspiro apaixonado e olha para trás de mim.
Giro o pescoço para trás, encontrando Henrique a poucos passos de
distância.
Com as mãos enfiadas dentro do bolso da calça cáqui e usando uma
camisa do mesmo tom que o meu vestido, ele se parece muito com o
personagem de um filme de comédia romântica. Se estivesse segurando um
buquê de flores, seria o golpe final para a mocinha se render de amores.
Eu me rendo um pouco, confesso.
— Vou deixar vocês a sós — Tiffany diz, mas aponta para o meu
microfone de lapela. — Você entra daqui cinco minutos. Ceci só vai gravar
a introdução e depois vamos te chamar. Qualquer dúvida, estarei com o
Gabriel. É só perguntar por ele que você me acha.
Concordo com um aceno e então somos deixados sozinhos.
Olho para Henrique, cheia de expectativa.
Um sorriso tímido brinca em sua boca.
Boca a qual passei as últimas horas beijando enlouquecidamente.
Meu Deus.
Será que estou ficando viciada em ser beijada por ele?
— Você está bonita — diz, se aproximando de mim.
Balanço a saia do meu vestido.
É um modelo de alcinhas, com o busto bem justo e a saia em um
formato arredondado, me deixando parecida com aquelas modelos dos anos
50. O tom é amarelo, óbvio. Essa foi a minha única exigência com o pessoal
da direção.
— Você gostou?
— Gosto de tudo em você, Ariela.
Abro um sorrisinho e pouso as mãos em seu ombro. Ele faz o
mesmo, deslizando os dedos pela minha cintura e aproximando os nossos
corpos até que seus lábios estejam tocando a minha testa.
— Está nervoso?
— Não sou um grande fã de estar em frente às câmeras, mas consigo
fazer esse esforço por você — murmura, a barba resvalando de leve em
minha pele. — E você? Como está se sentindo?
— Eufórica. Afinal estou prestes a conhecer a minha ídola.
Henrique dá uma risada baixa pelo nariz.
— É melhor já ir se acostumando, porque daqui alguns meses você
vai estar nesse palco junto com ela.
— Não mesmo. Quem vai ser o cozinheiro fixo do programa dela
será você.
— Já estou contente o bastante sendo o chefe de cozinha do meu
restaurante. — Abaixa a cabeça, os olhos fixos em minha boca. — Não
preciso de mais nada.
Ergo o dedo indicador.
— Só recuperar o status do Bacio Di Sole.
Algo muda em seu semblante. É tão rápido que eu não notaria se não
estivesse atenta a cada um dos seus detalhes. Henrique assente, meio
taciturno, e beija suavemente a ponta do meu nariz.
— Sim, somente isso.
Murmuro em concordância e olho para o cenário iluminado.
Ceci Braga já está gravando.
Ou seja, meu momento com Henrique está chegando ao fim.
— Posso te pedir só uma última coisinha?
— Estou ouvindo.
Aperto os lábios, meio envergonhada, mas acabo perguntando
mesmo assim:
— Um beijo de boa sorte?
— Isso é algo que você nunca vai precisar pedir para mim, Ariela.
Henrique, então, elimina a distância entre as nossas bocas e sela os
lábios nos meus. Sua mão se encaixa ao redor do meu rosto, comandando o
beijo, enquanto meus dedos se infiltram em seu couro cabeludo. O
bigodinho pinica na minha pele, mas é uma sensação gostosa demais
quando combinada com a língua entrelaçada à minha.
É.
Acho que realmente estou viciada em seus beijos.
Mas ninguém pode me julgar.
É gostoso demais.
Estou quase gemendo baixinho quando escuto chamarem o meu
nome pelos alto-falantes. Henrique se afasta, encerrando o beijo com um
selinho.
— Boa sorte, piccolina.
Sorrio.
E continuo sorrindo enquanto caminho em direção a Ceci Braga e
cozinho o melhor manjar branco que ela já experimentou na sua vida
inteira.

— Mas todo mundo aqui quer saber, Henrique... — Ceci direciona


um olhar divertido na direção de nós dois. Estamos sentados todos em uma
mesa redonda, comendo o manjar branco que fiz e outros doces preparados
por sua equipe de cozinheiros. Está tudo uma delícia. — O que tinha
naquelas cartas que você nunca enviou para a Ariela?
Pois é.
Inventei esse pequeno detalhe sobre a nossa história.
Quando Henrique foi para a Itália — esse fato é verdade, para a
nossa sorte —, ele me escreveu uma carta para cada dia em que ficamos
separados.
Sim.
365 cartas.
Dei uma exagerada, confesso.
Mas tenho certeza de que foi por causa dessas cartas, junto do fato
delas nunca terem sido enviadas, que conquistamos tantas pessoas. Foi
notável, conforme o programa se desenrolava, que boa parte da equipe de
Ceci também se apaixonou por esse pequeno detalhe.
Cartas mexem com todo mundo, não tem jeito.
E cartas jamais enviadas e nunca lidas mais ainda.
— Acho que eu contar sobre elas perderia toda a graça.
Ceci olha curiosa para a gente.
— E podemos saber o porquê?
Espalmo a mão na coxa de Henrique e abro um sorriso
envergonhado.
— Porque nem eu ainda tive a chance de ler essas cartas — minto,
com uma facilidade que fico até chocada. — Henrique está fazendo
mistério para mim desde que descobri sobre elas. Isso é maldade, sabia?
Ceci dá risada, enquanto Henrique argumenta:
— Estou esperando um momento especial.
— E qual seria esse momento?
— O nosso casamento na igreja, obviamente — ele responde, me
direcionando um olhar tão apaixonado que até me esqueço que estamos
enganando para uma porção gigantesca de pessoas. — Nos casamos há
pouco tempo, em uma celebração mais íntima no civil, mas estamos
avançando nos preparativos para o casamento religioso.
— E aquela música? — menciona, os olhos até aumentando de
tamanho. — Vocês não vão me falar dela?
Dou uma risadinha.
Não menti só sobre as cartas.
Mas também sobre uma música que Henrique compôs e cantou para
mim no dia em que me pediu em casamento. É totalmente utópico vindo
dele, eu sei, mas Ceci não conhece a versão ranzinza do meu marido,
então...
— O que você quer saber?
— Tudo! — Ceci abre um sorriso. — Como o Henrique teve a ideia?
Como foi a sua reação? O que você respondeu depois? Estou morrendo de
curiosidade!
Apoio a mão no ombro de Henrique e conto detalhe por detalhe.
É incrível como estou me tornando uma ótima mentirosa.
— Eu sempre soube que fomos feitos um para o outro, então
escrever aquela música para ela foi como colocar os meus sentimentos no
papel — Henrique diz, os olhos mirando os meus. Se eu estou boa em
mentir, ele está ainda mais. — Ariela é a mulher da minha vida. Se fosse
possível, eu me casaria com ela um milhão de vezes.
Ceci dá um longo suspiro.
— E você já escolheu o seu vestido para o casamento na igreja,
Ariela?
— Ainda não, mas tenho algumas ideias em mente — falo, jogando
verde na sua direção. Não vou perder a oportunidade de ouro que tenho
bem diante de mim neste momento. — Posso te mostrar depois, se quiser.
— É claro! O que acha de tomarmos um café depois que sairmos
daqui?
— Eu iria adorar!
Ceci bate palmas, animada, e se vira novamente para Henrique.
Acho que ela está encantada por ele. Mão no sentido romântico, é
claro. Até porque ela e o João Pedro são um casal lindo. Mas Henrique tem
algo marcante na sua presença. Ele até pode não se dar tão bem diante das
câmeras e não ser uma pessoa extrovertida, mas Henrique consegue fisgar a
atenção das pessoas com facilidade.
Eu poderia passar horas vendo o cozinhar e falar sobre suas receitas
favoritas italianas.
— E o seu restaurante? Fiquei sabendo que ele passou por uns
momentos meio complicados nos últimos meses. — A voz dela se torna
mais mansa. — Como você está com isso?
Henrique dá de ombros em um gesto despretensioso.
— Meus funcionários e eu estamos lidando da melhor forma
possível. Foi difícil no começo, mas tenho certeza de que o Bacio Di Sole
vai conseguir passar por cima disso — explica, tão confiante que abro um
sorriso orgulhoso. Eu sei, melhor do que ninguém, o quanto o restaurante é
importante para ele. — E eu também tenho a minha linda esposa ao meu
lado, me apoiando e me ajudando no que for necessário. Não tem como dar
errado.
Deito a cabeça em seu ombro.
Se o programa da Ceci fosse um programa de auditório, seria nesta
hora que iríamos ouvir o famoso coro apaixonado do público.
— Já que você mencionou o nome do seu restaurante... Tenho que
confessar, tanto eu quanto a minha equipe ficamos muito curiosos para
saber de onde surgiu o nome Bacio Di Sole. É diferente.
Henrique assente.
— Sim, essa foi a ideia desde o começo. Se destacar com um nome
que fosse divergente de todos os outros restaurantes de Santa Clara.
Ceci se curva um pouco na nossa direção.
— Qual é a tradução?
— Beijo de sol.
— E de onde surgiu esse nome?
Henrique se remexe ao meu lado.
A mão dele desliza por sua coxa e entrelaça os nossos dedos.
O silêncio se prolonga.
Ceci olha para nós dois, cheia de expectativa.
Eu mantenho os olhos nele, curiosa também para ouvir a resposta.
— É uma homenagem a Ariela.
Prendo a respiração.
Não pode ser.
Não pode ser.
Não.
Pode.
Ser.
Ele está dizendo isso apenas para agradar ao público, não é?
— Quando não está preocupada com algo, Ariela consegue ser como
um beijo de sol — continua a dizer, com as íris fixas no meu rosto. Não
consigo saber se ele está mentindo ou falando a verdade. — Alegre.
Divertida. Desinibida. Com um sorriso iluminado. Nada mais justo do que
homenagear todas as qualidades dela. Foi aí que surgiu o Bacio Di Sole.
Ceci bate palmas.
Na verdade, a equipe inteira bate palmas.
É a maior revelação de todas.
Não consigo esboçar nenhuma reação.
Nem mesmo formular alguma resposta.
Mas quando Henrique sorri para mim, aquele mesmo sorriso que me
direcionou quando nos beijamos na sua casa pela primeira vez, não tenho
mais nenhuma dúvida.
Ele está falando a verdade.
INGREDIENTES:
300g de farinha
30g de açúcar refinado
2 ovos
1 colher (de sopa) de cacau
30g de manteiga derretida
2 colheres (de sopa) de vinho Marsala
50ml de vinho branco seco
Sal a gosto
500g de creme de ricota
180g de açúcar de confeiteiro
2 colheres (de sopa) de água de flor de laranjeira
80g de laranja e cidra cristalizadas
50g de chocolate em gotas

Eu tenho um jeito meio peculiar de reagir diante de determinadas


situações.
Algumas pessoas permanecem em silêncio. Outras preferem ficarem
sozinhas enquanto lidam com os próprios pensamentos. Já uma pequena
parcela delas reage dando uma leve surtada.
E eu...
Bom.
Quando fico nervosa, começo a falar freneticamente e andar de um
lado para o outro.
E é exatamente isso que estou fazendo neste exato momento.
Depois do fim da gravação do programa, Ceci Braga abraçou a mim
e ao Henrique e disse que estava animada para nos ver novamente daqui
três semanas. Ela me entregou a pasta com tudo o que preciso saber sobre o
concurso e se despediu com um aceno.
Henrique e eu voltamos para o hotel com a revelação dele pipocando
na minha cabeça.
E agora estou aqui, perambulando de um lado para o outro e falando
tantas palavras de uma vez só que minha língua está até começando a ficar
dormente.
Seria isso um pedido de socorro?
— A gente se saiu bem demais hoje, hein? — comento, enquanto
tiro os sapatos e os deixo caídos no chão. Enquanto Henrique arrumou todas
as suas roupas no armário, as minhas continuam socadas dentro da mala. —
Quando a Ceci Braga perguntou sobre as cartas, confesso que dei uma
gelada. Mas você contornou bem a situação e...
Henrique olha para mim.
— Ariela.
Tiro os brincos e o colar, abandonando-os em cima do aparador com
o grande espelho iluminado.
— Foi ótimo ter falado sobre o nosso casamento na igreja. Menores
as chances de alguém desconfiar que planejados tudo, né? Porque não sei o
que eu faria se alguém descobrisse que nos casamos por conveniência. —
Coço a pontinha do nariz, apavorada só de pensar na possibilidade. — Só
acho que a gente deveria ter comentado sobre a lua de mel em Veneza.
Tenho certeza de que isso teria fisgado a atenção da Ceci e...
— Ariela.
Nego com um balançar de cabeça e me livro também da pulseira.
— Bom, não tem mais como voltar atrás. Mas ainda acho que
conseguimos ser a dupla perfeita. Todo mundo vai adorar assistir a nossa
entrevista — murmuro, convicta de que Ísis e Igor vão se divertir horrores
quando verem nós dois na televisão. — E sobre o nome do seu restaurante...
Foi genial a mentira que você inventou. Pegou todo mundo de surpresa.
— Eu não inventei nada.
— Você planejou, então.
— Ariela.
Ergo a cabeça diante do tom da sua voz.
Henrique está parado exatamente atrás de mim.
Olho para o nosso reflexo.
Além da luz proveniente do espelho, somente os abajures estão
acesos, criando uma atmosfera intimista até demais. A baixa claridade cria
sombras em nossos rostos, mas não o suficiente para esconder a expressão
que Henrique exibe.
Os lábios estão pressionados em uma linha reta. As sobrancelhas,
levemente franzidas. E o pomo-de-adão se movimenta para cima e para
baixo quando ele engole em seco, os olhos fixos na minha imagem
refletida.
Fico inteirinha arrepiada.
Esse olhar...
Eu o vi no rosto de Henrique pouquíssimas vezes.
Mas é o suficiente para eu saber o que ele significa.
— O que foi?
— Não planejei mentira nenhuma — declara, mandando para longe
qualquer mísera dúvida que eu ainda poderia ter sobre o Bacio Di Sole ter
sido uma homenagem para mim. Ele realmente fez isso e não tem vergonha
nenhuma de admitir. — Falei somente a verdade.
Em câmera lenta, giro sobre os meus calcanhares descalços e fico de
frente para ele. Os primeiros botões da camisa foram abertos, revelando a
pele branca das suas clavículas e o começo do seu peitoral. Mesmo com o
tecido o mantendo coberto, minhas memórias ainda são vivas o bastante
para saber o que ele esconde ali embaixo.
De repente, minha boca fica estranhamente seca.
— Você realmente deu o nome do seu restaurante em homenagem a
mim, então?
Henrique assente.
— Sim.
Mordo o interior da bochecha.
Não sei o que fazer com essa informação.
Por muitos anos, sempre tive curiosidade para saber de onde surgiu
o nome Bacio Di Sole. Ísis até brincou um dia, dizendo que ele devia ter
achado as palavras bonitas e decidiu nomear o seu restaurante assim. Mas,
conhecendo Henrique como eu conheço, eu sabia que havia uma explicação
maior por trás.
Só não imaginava que essa explicação teria algo a ver comigo.
Caramba.
Passei os últimos quatro anos da minha vida achando que Henrique
me detestava. Eu não poderia ter estado mais enganada. E, de fato, ele não
mentiu quando disse que ódio e desprezo eram as últimas coisas que sentia
por mim.
Então, faço a pergunta que — provavelmente — vai mudar tudo
entre nós:
— Por que, Henrique?
Ele dá um passo para frente.
Mais um.
E depois mais um.
Até parar a poucos centímetros de distância de mim.
Consigo ouvir o som da sua respiração acelerada.
Consigo sentir o calor da sua presença.
E consigo, mais ainda, sentir o meu coração mudar de ritmo
drasticamente quando ele encaixa o polegar embaixo do meu queixo e ergue
o meu rosto, nivelando os nossos olhares.
— Não é possível que, depois de todo esse tempo, você ainda não
saiba o porquê.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, negando.
— Não, eu não sei.
Ele suspira baixinho.
— Ariela.
Enrolo meus dedos ao redor do seu antebraço.
— Se você não me falar, não tem como eu saber, Henrique.
Henrique paralisa. Na verdade, acho que ele até hesita. As íris
recaem para a minha boca, se demorando ali por alguns segundos, para logo
depois subirem em direção aos meus olhos novamente.
Não faço ideia do que está se passando na sua cabeça.
Mas consigo ver com clareza o exato momento em que Henrique
toma uma decisão.
E depois disso...
Depois disso não há mais espaço para nenhuma pergunta.
A boca esmaga a minha em um beijo tão cheio de necessidade e
desejo que perco o fôlego, pega de surpresa pela urgência de sua atitude.
Entreabro os lábios, deixando que a sua língua encontre a minha, ao mesmo
tempo em que o puxo para mais perto, não querendo que haja
absolutamente nenhuma distância entre nós.
A mão de Henrique serpenteia por meu pescoço, encaixando os
dedos ali e fazendo uma mínima pressão. Em sincronia, ele me beija com
ainda mais exigência, me deixando totalmente perdida em um mar de
sensações.
Controlar o gemido baixinho que me escapa é impossível.
— Henrique...
Minha voz não passa de um sussurro quando ele se afasta para beijar
o meu pescoço, o bigode e a barba resvalando contra a minha pele. Afundo
as unhas contra o seu ombro ao sentir os dentes me mordiscarem,
provavelmente deixando uma marca que vai ser impossível de esconder
amanhã.
Filho de uma mãe.
— Você...
Henrique volta a me beijar, agora prendendo o meu lábio inferior
entre os dentes e depois sorrindo para mim.
Aquele maldito sorriso que ele manteve escondido de mim e que faz
coisas estranhas acontecerem em partes quase esquecidas do meu corpo.
Quero que ele responda o meu questionamento de minutos atrás.
E quero fazer mais um milhão de outras perguntas sobre o Bacio Di
Sole.
Mas não consigo.
Não consigo fazer nada além de pensar nele.
— Estou ouvindo, Ariela.
Inclino a cabeça para o lado.
— Não consigo raciocinar direito com você me beijando assim.
— Quer que eu pare?
Agarro o colarinho da sua camisa.
— Não.
Posso jurar que escuto sua risada baixinha.
— Então pare de pensar.
— Promete que depois vai responder a minha pergunta?
Henrique afasta meu cabelo para longe do rosto e resvala os lábios
contra a minha pele. Fico arrepiada de imediato. E, se eu já não tivesse me
livrado das sandálias, meus dedinhos do pé teriam se contraído diante da
sensação.
— Eu já estou respondendo absolutamente a todas as suas perguntas,
Ariela — murmura, em um tom de voz rouco. — Só você que ainda não se
deu conta disso.
Franzo as sobrancelhas.
— Continuo não entendendo, Henrique.
Ele aproxima a boca do meu ouvido e sussurra:
— Deixa eu te mostrar, então.
Não formulo nenhuma resposta.
Apenas inclino a cabeça para trás e deixo que seus lábios envolvam
os meus novamente.
Sempre fui uma pessoa que precisava ouvir todas as afirmações
possíveis.
Mas talvez — só dessa vez — eu possa me contentar com atitudes.
E Henrique faz exatamente isso.
Ele não diz.
Ele demonstra.
Solto um gritinho de surpresa quando as mãos dele se encaixam ao
redor da minha bunda e erguem o meu corpo. Ele dá somente cinco passos
para frente até que minhas costas toquem o colchão. Sou gentilmente
deitada entre os travesseiros. Abro as pernas e Henrique se acomoda entre
elas, ainda me beijando de um jeito que faz todo e qualquer pensamento
sobre o dia de hoje desaparecer.
Ceci Braga desaparece.
O concurso desaparece.
O prêmio de 800 mil reais desaparece.
Até mesmo a mentira que inventamos desaparece.
Todas as outras coisas ao nosso redor se tornam inexistentes.
Resta agora somente a Ariela Brado e o Henrique Fiore.
É difícil controlar o sorriso que luta para surgir diante dessas
constatações.
Com uma agilidade, até então desconhecida por mim, empurro o
ombro de Henrique para trás. Ele cai entre os travesseiros, me olhando com
um ponto de interrogação gigante pairando acima da cabeça. Abro um
sorriso arrogante e me acomodo em seu colo, mantendo as pernas abertas e
as mãos apoiadas em seu peitoral.
— Se vamos fazer isso... Vamos fazer do meu jeito, italianinho.
Ele me olha com as íris nubladas de desejo.
— Você quem manda, esposa.
— Você gosta de me chamar assim?
Ele espalma as mãos em minhas coxas nuas.
Nunca agradeci tanto por estar de vestido.
— Gosto bem mais do que deveria.
Passo a língua pelos lábios e me curvo sobre o seu corpo. Só para
provocá-lo, movimento o quadril em um círculo perfeito, sentindo a sua
longa ereção pressionar o tecido da calça jeans.
— Quer saber de uma coisa?
— Hum?
— Eu também gosto de te chamar de meu marido.
Dito isso, beijo-o novamente.
Minhas mãos deslizam por seu abdômen e começo a desabotoar
cada um dos botões da sua camisa, até me livrar dela por completo. Jogo-a
no chão e admiro de cima a obra de arte diante dos meus olhos.
Henrique é perfeito.
Absolutamente perfeito.
As tatuagens se destacam em sua pele branca. No braço esquerdo, há
um fantasma, um olho com lágrimas, um tubarão, uma galinha andando de
skate e um leopardo. No braço direito, uma faca com corações, um pássaro,
um conjunto de dados, um escorpião, um cadeado e um anjo de cupido.
Sem um pingo de vergonha, empurro levemente meu corpo para trás
e faço o que tenho ansiado em fazer há muito tempo: beijo cada uma das
suas tatuagens.
Henrique fecha uma das mãos em punho, enquanto a outra desliza
pela minha coxa até alcançar a minha bunda, afundando os dedos ali.
Continuo a deslizar a boca por seu corpo, até alcançar os gominhos
proeminentes do abdômen. Abençoada seja as atividades físicas e mais
abençoada ainda seja a disposição de Henrique para praticá-las.
Brinco com a língua em cada um deles e, cada vez que vou
chegando mais perto do cós da sua calça, Henrique profere um gemido.
Balanço a minha bunda, adorando me divertir, e abro o primeiro e único
botão, deslizando também o zíper para baixo.
— Ariela.
Seu tom de aviso me faz erguer a cabeça e sorrir.
— O que foi?
— Se você quer me matar, é só avisar antes.
Profiro uma risadinha e empurro o tecido da calça até a metade das
suas coxas malhadas.
— Não se preocupe, Henrique. — Olho para o seu pau, ainda
escondido pela cueca boxer e acaricio-o com a palma da mão. Está tão duro
que minha boca chega a salivar. — Vou te matar apenas de felicidade.
Henrique me responde apenas com o seu silêncio, mas ainda
mantendo a atenção completa em meu rosto. Lhe direciono uma piscadinha
e umedeço os lábios com a ponta da língua. Então, engancho os polares ao
redor do elástico da cueca e empurro para baixo.
Seu membro salta para fora, quase aliviado.
As veias proeminentes se destacam em sua longa extensão e gotas de
pré-gozo se acumulam na glande.
A visão, de Henrique esparramado na cama e com o pau implorando
para ser chupado por mim, faz a minha boceta se contrair em desejo, louca
para senti-lo por inteiro.
— Nada mal, hein.
Ele me lança um olhar duro.
— Não banque a engraçadinha para cima de mim, Ariela.
Estico o braço e fecho os dedos ao redor do seu pau.
— Se não o quê?
Henrique respira fundo e contrai o abdômen quando começo a
movimentar a minha mão para cima e para baixo por toda a sua extensão.
— Se não, pode ter certeza que aquele tapa na sua bunda como
punição vai rolar.
Me curvo sobre o seu corpo e aproximo meus lábios da sua orelha,
dizendo baixinho:
— Eu não iria reclamar nem um pouco.
Ele agarra o meu cabelo e afunda a boca contra a minha.
Continuo a movimentar a minha mão ao redor do seu pau em uma
carícia lenta que faz o beijo se tornar uma competição. Minha boca é
praticamente engolida pela sua e, quando me afasto, sinto meus lábios e a
minha pele formigarem.
Com o olhar fixo no seu, volto a me abaixar. Distribuo beijos
molhados por sua pele nua até finalmente chegar ao seu pau ereto. Pisco as
pestanas de um jeitinho inocente que eu sei que vai deixá-lo fora de órbita e
espalho o líquido por sua glande inchada, deixando-o ainda mais molhado.
Então, entreabro os lábios e empurro o seu pau para dentro da minha
boca.
Henrique ruge feito um animal e dá um puxão no meu cabelo.
Preciso me controlar muito para não sorrir.
— Porra, Ariela. Você...
Ele não consegue terminar a linha de pensamento, porque brinco
com a língua ao redor da sua glande, enquanto minha mão continua a subir
e descer por toda a extensão. Quando a paciência de Henrique parece estar
no limite, volto a engolir o seu pau, meus olhos fixos nos seus.
Henrique arqueia o pescoço para trás e geme, os dedos ainda
fechados ao redor do meu cabelo.
— Você fica tão linda assim... — grunhe, lutando para manter os
olhos abertos. — Com o meu pau dentro dessa sua boca petulante...
Enquanto me chupa como se eu fosse o seu sabor de sorvete favorito...
Porra, Ariela. Se você...
Chupo com mais intensidade, o barulho do seu pau entrando e
saindo da minha boca dominando o silêncio do quarto. Lambo a sua
extensão, começando pela glande e terminando em suas bolas.
Nessa hora, Henrique praticamente perde o controle.
Ele empurra a pélvis na minha direção.
Sorrio com a minha boca já inchada e volto a chupá-lo por inteiro.
Definitivamente, não estou viciada somente nos seus beijos.
Estou viciada nele por completo.
Henrique incha em minha boca, indicando que está muito perto de
gozar.
Continuo a sugá-lo, levando-o até o fundo da minha garganta e
depois rodeando minha língua naquele ponto que o faz revirar os olhos e
apertar o meu cabelo com mais força.
O seu sabor já está impregnado em toda a minha boca.
— Ariela.
Resmungo uma resposta impossível de ser compreendida.
— Se você continuar... — Ele luta contra as próprias palavras, a
atenção fixa no meu rosto. — Eu vou acabar gozando na sua boca.
Me afasto só um pouquinho.
— E isso é um problema?
— É sim, porque o único lugar que eu quero gozar é dentro de você.
Henrique interpreta o meu silêncio de puro choque como uma
resposta.
Então, antes mesmo que eu possa protestar, ele gira os nossos
corpos, de forma que agora está novamente acomodado entre as minhas
coxas e com as mãos espalmadas ao redor da minha cabeça.
Olho para seu rosto. A visão dele em cima de mim é bem mais
deliciosa do que eu gostaria de admitir. Vai ser difícil demais me esquecer
desse momento.
— Não tem graça isso, sabia?
— O quê?
— Você não querer gozar na minha boca.
Henrique me direciona um sorrisinho arrogante.
— Eu quero, mas ainda teremos outras oportunidades.
— Ah, é?
Seus lábios beijam suavemente o meu queixo, enquanto a mão
desliza por minha coxa em uma carícia deliciosa que deixa a minha boceta
ainda mais impaciente.
— Ingenuidade sua achar que vou me contentar em ter você só para
mim uma única vez — murmura, o polegar brincando com a alcinha do
meu vestido. A boca continua passeando por minha pele, deixando um
rastro de calor para trás. — Uma vez nunca será o suficiente para mim,
Ariela.
— De quantas vezes você precisa, então?
— Um milhão delas, se for possível.
A risadinha que eu estava prestes a soltar é engolida por sua boca.
Eu até posso estar viciada em ser beijada.
Mas aposto que Henrique está viciado dez vezes mais.
Acho que é isso que acontece quando você acaba se casando, né?
Você se vicia na pessoa.
E eu não tenho vergonha nenhuma de admitir que entrei para essa
estatística.
Henrique afasta a boca da minha e desce com os lábios pelo meu
pescoço. Sua mão agora desliza para o interior da minha coxa, me
provocando. Abro mais as pernas, em um convite mais do que bem-vindo.
Sinto o seu sorriso em minha pele quando o polegar toca de leve a minha
boceta por cima da calcinha.
— Você está tão molhada quanto eu desconfio que esteja?
Arranho as suas costas.
O polegar continua a brincar comigo, me deixando na beira do
precipício do desejo.
Não quero implorar por sua boca na minha boceta.
Mas se ele continuar me testando assim...
Não vai ser só por sua boca que vou implorar.
— Por que você mesmo não checa?
Henrique sorri.
— Quer que eu tire a sua calcinha?
Concordo com um aceno.
— E o que mais você quer que eu faça?
— Você sabe, Henrique.
Ele se abaixa um pouco, ficando de joelhos entre as minhas pernas, e
resvala o nariz entre as minhas coxas.
Meu Deus.
A cena em si me deixa ainda mais molhada.
E eu nem sei se isso é humanamente possível.
— Se você não me disser, não tem como eu saber, Ariela.
Ranjo os dentes diante da frase.
— É jogo sujo o que você está fazendo comigo, Henrique.
Henrique sopra o ar e deposita um beijo sobre a minha boceta.
Meu corpo inteiro se contrai em resposta.
— Estou apenas descobrindo do que você gosta.
Fecho os olhos e arqueio o pescoço para trás. O polegar dele
continua a brincar comigo, agora deslizando sobre o tecido do elástico da
calcinha, mas nunca empurrando a peça para longe do meu corpo.
Isso é tortura.
Quem diria que um cara tão ranzinza e mal-humorado poderia ser
um cretino entre quatro paredes.
— Estou esperando você me dizer, Ariela... O que você quer que eu
faça além de tirar a sua calcinha?
Bufo e ergo levemente a cabeça, focando em seu rosto.
O semblante de Henrique é de quem está se divertindo horrores com
essa situação. Enquanto estou aqui, ardendo de desejo e quase fazendo eu
mesma o trabalho.
Deveria ter trazido junto o meu vibrador. Eu não estaria passando
por esse momento sombrio se tivesse ele ao meu lado.
— Quero que você me chupe e depois quero que você me foda com
o seu pau — confesso, minha voz soando irreconhecível aos meus ouvidos.
— Satisfeito com a resposta?
Vejo o seu sorriso surgir e elevar as bochechas.
— Muito mais do que satisfeito, Ariela.
Então, para o meu grande e completo alívio, Henrique faz
exatamente o que pedi segundos atrás.
Ele ergue o meu vestido na altura da minha barriga, engata os
polegares ao redor da calcinha e finalmente a desliza por minhas pernas.
Minha boceta agora está descoberta, totalmente exposta e pingando de
desejo pela única pessoa que jurei que me detestava mais que tudo nesse
mundo.
A vida é bem engraçada de vez em quando.
— Não preciso nem mesmo comprovar com os meus dedos, Ariela.
Você está molhada pra cacete.
Não tenho tempo para pensar em uma resposta.
Henrique abre mais as minhas pernas, se abaixa e desliza a língua
por minhas dobras molhadas. Afugento um gemido alto demais e agarro o
travesseiro ao meu lado, segurando-o com tanta força que os nós dos meus
dedos ficam brancos.
A sensação é esmagadoramente deliciosa.
Rebolo contra a sua boca, praticamente implorando por mais.
Ele desliza a língua para cima e para baixo, me saboreando, para
logo depois fechar os lábios ao redor do meu clitóris inchado e sugá-lo.
A intensidade é perfeita.
A sensação, combinando-se com o seu bigode resvalando contra
minha intimidade, então...
Dessa vez, deixo que barulhos incompreensíveis escapem da minha
boca.
Henrique segue uma sequência de movimentos: primeiro, dedica-se
exclusivamente ao meu clitóris, chupando-o e rodando a língua ao redor
dele. Depois, ao perceber que estou perto de gozar, ele se afasta e volta a
lamber toda a minha extensão. Quando acho, então, que não irei mais
aguentar nenhum segundo, seus dois dedos deslizam para dentro de mim.
Quase me desfaço em mil pedacinhos.
O vai e vem é rápido e lento ao mesmo tempo.
Estou tão molhada que ele me fode com uma facilidade
surpreendente.
E, quando Henrique insere mais um dedo, curvando-os dentro de
mim e chupando o meu clitóris, me sinto completamente nas nuvens.
Rebolo o quadril contra a sua boca.
Agarro o seu cabelo.
Gemo em alto e bom som.
Estou tão perto de gozar.
Tão, mas tão perto, que...
De repente, Henrique para.
Ele.
Simplesmente.
Para.
Ergo a cabeça, fuzilando-o com o olhar.
Seus olhos encontram os meus, as pupilas dilatadas e os lábios
molhados da minha excitação.
— Eu estava tão perto...
— Eu sei.
Gemo, desapontada.
— Então por que você parou?
Henrique se curva para cima de mim novamente, o membro ainda
duro roçando em minha intimidade sensível. O orgasmo negado me queima
de dentro para fora.
— Porque o único lugar que eu quero que você goze é ao redor do
meu pau, Ariela.
Se o objetivo dele ao longo dessa noite é me chocar com as
sacanagens que saem da sua boca, parabéns, ele está conseguindo cumprir
essa tarefa com maestria.
Não esperava que Henrique fosse assim.
Mas confesso que gosto desse lado sem vergonha dele.
Gosto demais.
Me acomodo melhor entre os travesseiros e foco em seu rosto.
— Então posso saber por que ainda estamos vestidos?
Minha pergunta arranca uma risada dele.
Uma risada que logo se transforma em beijos castos que começam
no meu pescoço e seguem em direção às clavículas. Com as mãos,
Henrique vai erguendo o meu vestido até a altura dos seios. Fico de joelhos
e ergo os braços, deixando que a peça deslize pela minha cabeça e seja
jogada no chão.
Estou sem sutiã.
Ou seja: completamente nua diante dos olhos de Henrique.
Ele me analisa com cuidado, as íris se demorando em cada uma das
partes descobertas do meu corpo. Os seios, de um tamanho médio, estão
com os bicos intumescidos e um pouco arrepiados. Já a boceta está molhada
e ainda um pouco frustrada por causa do orgasmo negado.
— Você é linda, Ariela — diz, baixinho, afastando o meu cabelo
para trás. — Eu poderia ficar aqui, horas e mais horas, apenas te admirando.
— Vou te lembrar dessa frase quando eu acordar toda descabelada
ao seu lado amanhã de manhã.
Ele nega.
— Minha opinião não vai mudar em absolutamente nada.
Coço a pontinha do nariz, odiando me sentir envergonhada diante de
sua sinceridade, e aponto para a calça e a cueca que ele ainda está usando.
— Sua vez agora, italianinho.
Ele segue meu comando sem reclamar.
Henrique fica de pé e tira cada uma das peças em câmera lenta,
atento às minhas reações. Quase como se para me provocar, sua mão segura
seu pau e começa a masturbá-lo bem diante de mim. Minha boca se enche
de saliva de novo, odiando o fato de que nenhum de nós ainda gozou.
É maldade demais.
— Henrique...
— Vira de costas.
— O quê?
— Vira de costas, Ariela.
Faço o que ele pede.
— Agora, empina essa bunda gostosa para mim.
Socorro.
Apoio os cotovelos no colchão e sigo o seu comando.
Minha boceta está totalmente exposta para ele.
Na verdade, eu inteira estou à mercê dele.
— Agora me responde, Ariela.
Inclino meu rosto para trás, procurando por ele. Henrique continua
de pé atrás de mim, ainda se masturbando. Meu clitóris incha em resposta.
— O quê?
— Como você quer que eu te foda essa noite?
Engulo a espessa saliva.
— Duro.
— E o que mais?
— Forte.
Ele assente.
— Mais alguma coisa?
— Não. Eu só... — Fecho os olhos quando sinto seu polegar se
infiltrar entre minhas dobras e brincar com a minha entrada. — Só me deixa
gozar de uma vez por todas, Henrique.
— Abre mais as pernas, então.
Me espicho na cama feito uma gatinha manhosa.
Logo em seguida, um tapa estala na minha bunda.
— Eu vou te comer bem do jeito que você merece, Ariela — ele
sussurra em meu ouvido, inclinando o corpo sobre o meu e roçando a
cabeça do seu pau contra a minha entrada. Rebolo o quadril, ansiosa. — E
amanhã, quando você estiver caminhando pelos corredores desse hotel, a
única coisa em que vai conseguir pensar vai ser no meu pau te fodendo bem
fundo de novo.
Mordo os lábios com força.
Ele entra só um pouquinho dentro de mim, para logo depois sair e
continuar me torturando.
— Não vai falar nada?
Gemo baixinho.
— Não sei o que você quer que eu diga.
— Pede por favor, Ariela.
Cretino.
Cretino ao cubo.
Cretino master.
— Por favor...
Henrique sorri com a boca em minha orelha.
— Por favor, o quê?
Agarro o travesseiro com mais força.
— Por favor, me fode e me deixa gozar no seu pau.
Um novo tapa estala na minha bunda.
E, em um único impulso, Henrique me penetra.
Minhas paredes internas se abrem, acomodando toda a sua extensão
até ele estar inteiro dentro de mim.
Um arquejo de satisfação arranha as minhas cordas vocais.
Henrique começa a se movimentar, deixando que meu corpo se
acostume com a sua largura. Empino mais o quadril e rebolo a bunda,
acompanhando o vai e vem que quase acontece em câmera lenta. Quando os
primeiros sinais de impaciência começam a surgir dentro de mim, a mão
dele se fecha ao redor do meu cabelo, em um tipo de rabo, e puxa minha
cabeça para trás.
— Como você quer que eu te foda mesmo?
Umedeço os lábios com a pontinha da língua.
— Duro, forte e rápido.
Henrique não hesita.
Ele faz exatamente o que eu peço.
Seu pau é empurrado para dentro e para fora de mim, estocando com
força.
Minha boceta molhada engole seu membro e eu acompanho os
movimentos com o meu quadril.
Quando outro tapa estala contra a minha bunda, o gemido alto me
escapa sem que eu possa evitá-lo.
Henrique me fode.
Bem do jeito que eu pedi.
Fecho os olhos, deixando que as sensações me inundem como um
tsunami.
Seu pau entra e sai de dentro de mim com facilidade, minha
excitação escorrendo ao redor dele.
Mordo o travesseiro, muito perto de gozar.
— Fala para mim, Ariela — manda, tocando um ponto que me faz
revirar os olhos. A mão dele desliza por minha intimidade, até encontrar o
clitóris. O polegar o massageia, me deixando enlouquecida. — Fala a quem
você pertence.
— A você. Somente a você.
— Sim, Ariela. Somente eu posso te fazer gozar com o meu pau —
declara, suas estocadas combinando-se com a pressão e meu clitóris
inchado. — Agora goza bem gostoso. Quero sentir você se desfazendo
inteira ao redor de mim.
Não demoro para fazer exatamente o que ele me pede.
Com uma última impulsionada dentro de mim, contraio minhas
paredes internas e explodo em mil pedacinhos. O orgasmo me domina,
fazendo pequenas estrelas surgirem no canto dos meus olhos e todos os
músculos relaxarem.
Henrique continua a se movimentar, uma das mãos agora apoiadas
na minha cintura, então ele empurra uma última vez em minha boceta e
goza. O jato quente de seu esperma me inunda e escorre por minhas dobras.
Entre uma ofegada e outra, sinto-o sair de dentro de mim e depois
me puxar para deitar-se ao seu lado. Me aconchego ao redor dele feito um
bichinho preguiça e abro um sorriso de pura satisfação de quem acabou de
ter o melhor sexo de toda a sua vida.
— Posso te confessar uma coisa?
Henrique enterra o nariz em meu pescoço, inspirando o meu
perfume misturado com o suor das nossas peles.
— O quê?
— Até que o seu bigodinho não é assim tão ruim.
Ele gargalha, o som preenchendo a atmosfera quente do quarto.
— Devo interpretar isso como um elogio?
Movimento o meu corpo, deitando a cabeça em seu peitoral.
— Acho que podemos considerar como um. — Sorrio, mais feliz do
que nunca. — E agora você também está proibido de tirá-lo.
— Eu não tinha pretensão de me livrar dele mesmo.
Ergo a cabeça.
— Por que não?
Henrique beija suavemente a minha boca.
— Porque eu sabia que, no final das contas, você iria acabar
gostando do meu bigode.
Faço um biquinho.
— Hum... Talvez você tenha razão.
Ele ergue a minha mão esquerda, a que está com a aliança, e
distribui vários beijos em meus dedos.
— Eu sempre tenho razão, piccolina.
Mostro a língua igual uma criança birrenta.
Henrique ri de novo.
E, antes que eu possa fazer qualquer reclamação, ele está me
beijando de novo.
E de novo.
E de novo.
E eu o beijo de volta.
INGREDIENTES:
1 folha de gelatina vermelha sem sabor
1 caixa de leite condensado
1 colher (de sopa) de manteiga
1 caixinha de creme de leite
1 kiwi
12 cerejas em calda

— Posso encher a sua taça de novo, Ari?


Faço um biquinho.
Já devo estar na minha terceira.
Ou quarta.
Não sei.
Sou meio ruim de matemática.
— Se você continuar me embebedando desse jeito, vou terminar a
noite tomando soro na enfermaria do hospital, Elisa.
Ela cai na gargalhada, as bochechas magras ficando coradas e uma
mecha do cabelo loiro escapando do penteado.
— Não vai ser necessário. Eu sou médica, se esqueceu?
Olho para a minha taça de champanhe e depois para o rosto dela.
— Você cuida de criancinhas, Elisa.
— Não tem muita diferença, eu te garanto.
Ela me direciona uma piscadinha e nós rimos em uníssono.
Cinco dias depois da viagem até Nova Granelle e a gravação do
programa da Ceci Braga — como também a melhor noite que já tive na
minha vida ao lado de Henrique —, finalmente estamos comemorando a
minha data festiva favorita: o Natal.
Como de costume, estamos todos reunidos na casa de Elisa,
enquanto Gustavo e Ísis arrumam os presentes embaixo do pinheirinho e
Henrique e Leana cozinham a melhor ceia de Natal de todas. Meu estômago
ronca de expectativa, porque o cheiro que vem da cozinha é delicioso.
— Acho que vou acabar morrendo de fome a qualquer momento —
Antonella reclama ao meu lado, naquele tom dramático dela que me deixa
com vontade de rir. — Quanto tempo ainda será para o jantar ficar pronto?
Elisa se acomoda na poltrona em frente ao sofá e bebe um gole do
seu champanhe.
— Só mais umas cinco horas.
Antonella estica o pescoço para trás e finge um choramingo.
— Até lá já terei falecido.
— Ei! Não fale assim! — Afago o seu ombro coberto por uma blusa
amarela de florzinhas. Ela está arrumada, com os cabelos grisalhos
penteados para trás e com brincos de pérolas nas orelhas. — A espera vai
valer a pena no final.
Antonella afaga a cabeça de Matilda, que está sentada em seu colo.
Assim como a dona, a cachorrinha salsicha exibe uma coleira com
florzinhas estampadas.
— Esse é o maior defeito do meu neto. Ele só me faz esperar... Tive
que esperar pelo noivado e pelo casamento. Agora estou esperando por um
prato de comida e que você, Ariela, encha a minha casa de bisnetos
barulhentos.
Meu irmão vira a cabeça na nossa direção na mesma hora.
Pois é.
Ele ainda não sabe de metade das coisas.
Preciso, urgentemente, conversar com ele sobre tudo o que está
rolando na minha vida amorosa. Só que essa semana passou praticamente
voando diante dos nossos olhos. Mal tive tempo de ver Henrique. Passar
uma noite comendo pizza com o meu irmão em frente a televisão, então,
nem se fala.
Também preciso pensar em como começar o meu discurso.
Você sabia que o Henrique me chamou para sair anos atrás e que eu
não apareci porque tinha bebido demais no dia anterior? Pois então... Ele
me contou e a gente se beijou. Depois, fomos para Nova Granelle e fizemos
várias coisinhas proibidas entre quatro paredes. O que você acha de tudo
isso?
Um arrepio me atinge só de pensar nessa conversa.
Meu irmão é legal, divertido e um ótimo pai para a Nina.
Mas também é a pessoa mais super protetora que conheço.
Não quero nem imaginar o terror que vai ser quando a sua filha se
tornar adolescente.
Aposto que Gustavo vai comprar uma matilha de cães de guarda só
para que ninguém chegue perto da sua filhinha com segundas intenções.
— Bisnetos?! — As sobrancelhas dele se arqueiam. — Desde
quando a Ariela está planejando ter filhos? E com quem?
— Com o Henrique, oras! — Antonella responde, como se fosse
óbvio. — Com quem mais seria, Guto?
Meu irmão trinca o maxilar e olha para mim. Escondo o meu rosto
atrás da taça de champanhe, ao mesmo tempo em que Ísis dá um cutucão no
ombro do meu irmão.
— Para de ser insuportável, Gustavo — diz, com uma expressão
sapeca no rosto. — Sua irmã se casou com o seu melhor amigo. É claro que
eles vão ter filhos. Dois, quem sabe? Não! Melhor ainda... Quatro! Dois
meninos e duas meninas.
Gustavo resmunga baixinho um palavrão.
— Eu prefiro a morte.
Antonella arregala os olhos e inclina o corpo na direção dele.
— O que você disse? Não ouvi direito, meu querido.
— Que estou contando os minutos também para esse momento,
Antonella — mente, daquele jeito descarado que faz Elisa soltar um
grunhido baixo. — Mal vejo a hora de ser titio. Quando você pretende
engravidar, Ari? Preciso estar preparado para quando receber essa grande e
inesperada notícia.
Não acredito que Guto está sendo descarado a esse ponto.
Fuzilo-o com o olhar.
Ele me fuzila de volta.
Canalha.
— Vai demorar um pouco ainda. Henrique e eu queremos primeiro ir
para a lua de mel. — Solto uma risadinha, só para provocar meu irmão. Dá
certo, porque ele trinca os dentes e cruza os braços. — Queremos aproveitar
primeiro a nossa vida como um casal e depois vamos pensar em formar uma
família.
Antonella suspira, toda apaixonada.
— Estou contando os minutos para esse dia chegar. Já compraram as
passagens para Veneza?
Como de costume — e com a língua já treinada para essas situações
—, invento as maiores mentiras para Antonella. A cada frase que falo, o
sorriso dela se torna ainda maior. Meu irmão, no entanto, vai ficando cada
vez mais mal-humorado. Ísis o cutuca vez ou outra, mas ele continua com
aquela cara feia de quem comeu e não gostou.
Se ele soubesse a verdade...
Preciso me preparar psicologicamente para enfrentá-lo.
É claro que meu irmão não manda em mim. Ele não é o meu pai e
muito menos a minha mãe, mas Gustavo é intrometido e gosta de dar pitaco
nos meus relacionamentos.
Eu sempre compreendi os motivos dele — e sempre os respeitei —,
só que, na minha opinião, as coisas são totalmente diferentes agora. Não
estou mais me metendo em furadas, nem mesmo saindo com caras babacas.
Eu só me casei por conveniência com o seu melhor amigo.
E beijei o seu melhor amigo.
E transei com o seu melhor amigo.
Acontece, né?
Ninguém pode me julgar.
Afinal, estamos falando do Henrique.
Ele não é só o melhor amigo do meu irmão.
Henrique Fiore representa muito mais do que somente isso na minha
vida.
Quase como se meus pensamentos pudessem ser ouvidos, ele retorna
da cozinha a passos lentos segurando uma bandeja em uma das mãos e uma
garrafa de champanhe na outra. Usando um avental bege, calça social,
camisa de botões na cor azul marinho com as mangas dobradas até a altura
dos cotovelos e sapatos brilhantes, eu quase não consigo desviar o olhar
dele.
— Consigo ouvir você reclamando lá da cozinha — murmura,
direcionando a atenção para Antonella, enquanto enche a própria taça de
champanhe. — Qual o problema dessa vez?
— Você está deixando todo mundo morrendo de fome.
Henrique revira os olhos e deixa a bandeja em cima da mesinha de
centro. Ali, há uma porção de barquetes recheadas com maionese e canapés
de ricota com azeitona.
— Agora não mais.
Antonella bate palmas, feliz, e leva um canapé até a boca,
saboreando e proferindo um gemido de satisfação. Elisa, Gustavo e Ísis
fazem o mesmo. Já Henrique se acomoda ao meu lado no sofá, esticando o
braço por meus ombros e me puxando para mais perto.
— Com fome também?
— Daqui a pouco vai abrir um buraco imenso dentro do meu
estômago e a culpa vai ser inteiramente sua, italianinho.
Ele discorda.
— Não mesmo. Leana também está na cozinha. Sou responsável
apenas por metade do cardápio desta noite.
— E o que você está cozinhando?
Ele ergue a minha mão na altura dos nossos rostos e entrelaça os
dedos ao redor dos meus.
— Arroz com amêndoas e passas, farofa de coco e laranja, salada
fatuche e canelone de cenoura.
— Achei que você só gostava de cozinhar pratos italianos.
— Mas esses são os seus pratos favoritos, não?
Farofa de coco e laranja é um dos meus maiores pontos fracos
quando se trata de receitas natalinas.
A salada fatuche, então...
Minha boca chega até salivar.
— Sim.
— Então não vejo problema nenhum em cozinhá-los para você.
— É sério?
— Sim, Ariela. Por que seria diferente?
Abro um sorriso, meio envergonhada, e deito a cabeça em seu
ombro.
Quem vê a gente assim, abraçadinhos, com certeza deve achar que
somos um casal.
Mas o objetivo é esse, né?
Afinal, Antonella está aqui e a última coisa que queremos é levantar
suspeitas. No entanto, o gesto é tão natural, que eu até me esqueço de que
estamos mentindo.
— Posso saber sobre o que os dois estão cochichando aí? —
Gustavo pergunta, do outro lado da sala, com a carranca mais feia que já vi.
— Não gosto que guardem segredos de mim.
Antes que eu responda, Ísis faz isso por mim, dizendo:
— Tá achando que é o William Bonner agora? — Ergue a taça de
champanhe, quase derrubando todo o líquido na camisa do meu irmão. —
Você não precisa ficar sabendo de tudo, Gustavo.
— Gosto de me manter informado sobre as coisas que estão
acontecendo, Ísis Maria.
Ela revira os olhos.
— Vai assistir um jornal, então.
Henrique ri baixinho do meu lado.
— Eles vão continuar implicando um com o outro até quando?
— Eu me pergunto isso todos os dias — respondo, atenta nos
olhares atravessados que Gustavo e Ísis trocam entre si. Eu faria de tudo
para entender qual o verdadeiro motivo dos dois se detestarem tanto. Não
pode ser culpa apenas daquela Barbie afogada no vaso sanitário. —
Qualquer dia desses, meu irmão vai acordar com todos os pneus do carro
dele furados.
— Acho que é mais provável a Ísis acabar envenenando a comida
dele.
— Ele meio que merece, viu? Gustavo enche o meu saco desde que
me tornei adolescente. É bom que a minha melhor amiga faça o mesmo
para ele sentir na pele o que passei durante todos esses anos.
Henrique inclina a cabeça para o lado, me olhando.
— É que você tem o maior dedo podre para relacionamentos que já
vi, Ariela — argumenta. — A preocupação do seu irmão é válida.
— Eu tenho me mantido bem quietinha nesses últimos meses.
Nenhum encontro desastroso... Nenhum cara de origem suspeita...
Nenhuma ligação no meio da noite pedindo por ajuda...
Pisco os olhos, inocente.
— Era o mínimo que eu esperava, já que estamos casados.
— Não havia nenhuma cláusula de exclusividade no nosso contrato.
Henrique encaixa o polegar embaixo do meu queixo e vira o meu
rosto na sua direção. Nossos narizes se resvalam e, por um pequeno
momento, até acho que ele vai me beijar na frente de todo mundo.
— Posso fazer uma agora mesmo.
Umedeço os lábios com a pontinha da língua. O olhar de Henrique
segue o meu movimento.
— E o que vai estar escrito nela?
O pomo-de-adão dele sobe e desce. Me pego encarando a sua boca
também. Como eu queria que estivéssemos sozinhos agora. Toda essa
plateia é um saco.
— Que você é minha — declara, baixinho, se certificando que
ninguém mais ouça sua voz além de mim. — E que ninguém,
absolutamente ninguém além de mim, pode te tocar.
— Não sabia que você era do tipo possessivo.
Henrique encosta os lábios em minha orelha e sussurra:
— Apenas gosto de cuidar do que é meu, piccolina.
É com essa frase que Henrique me leva do Céu ao Inferno em um
piscar de olhos.
Se antes eu queria que estivéssemos sozinhos, agora quero ir embora
daqui o mais rápido possível.
E olha que o Natal é o meu feriado favorito do ano, perdendo apenas
para o dia do meu aniversário.
Sim.
Três de junho, o dia em que nasci, é feriado nacional.
Ninguém te contou, não?
Pelo menos, no meu mundinho faz de conta, nesse dia ninguém deve
fazer nada além de comemorar o meu aniversário comendo bolo de
morango e se empanturrando de docinhos.
— Henrique... — murmuro baixinho, apertando a mão em sua coxa.
— Não brinque desse jeito, porque a carne é fraca e o coração é vagabundo.
Surpreendendo não somente a mim, mas a todos aqui, Henrique
explode em uma gargalhada. Um som que, até então, eu achava que ele era
incapaz de produzir.
— Quero saber a piada também! — Elisa pede, erguendo a taça de
champanhe e bebendo mais um gole. Ela já está animadinha, os primeiros
efeitos do álcool surgindo. Até o final da noite, não duvido que esteja
chamando todo mundo para brincar de Just Dance. — Porque, se o
Henrique está rindo desse jeito, só pode ter sido a melhor do século.
Henrique fecha a cara.
— Você está me chamando de ranzinza?
— Não estou chamando. Estou afirmando. — Ela ergue o dedo
indicador, apontando-o para o teto.
— Não sou ranzinza.
— Sim, italianinho. — Afago o seu ombro, abrindo um sorriso
sapeca. — Você é a pessoa mais ranzinza do mundo inteiro.
Antonella assente, dizendo:
— Posso contar nos dedos as vezes em que você deu risada de
alguma coisa.
— Não achei que estivéssemos no circo.
Agora todo mundo ri junto, o som ecoando pela sala.
Leana surge da cozinha logo em seguida, segurando Nina no colo.
Minha sobrinha, assim como todos nós, está usando uma toquinha de Papai-
Noel na cabeça que combina com o seu vestido vermelho e sapatinhos de
lacinho. Está adorável, como sempre.
Meu útero até chega a coçar.
Não menti para Antonella naquele dia.
Eu realmente quero ter filhos.
Quero ser mãe. Quero construir uma família. Quero ir às reuniões de
pais na escola, fazer marias-chiquinhas no cabelo da minha filha, comprar
gibis da Turma Mônica, fazer coleção de carrinhos Hot Wheels com o meu
filho e brincar de jogar bola na quadra de areia nos finais de tarde.
Sou sonhadora nesse nível mesmo.
Só preciso encontrar alguém que esteja disposto a viver todas essas
coisas comigo.
O que, no momento, está sendo difícil.
Henrique não mentiu, afinal de contas.
Eu realmente tenho o maior dedo podre desse Brasil.
Se existisse uma competição de dedos podres, eu certamente
ganharia em primeiro lugar.
— Deixei o lombo recheado assando lá no forno só para vir saber
sobre o que vocês estão debatendo — Leana diz, enquanto se acomoda no
braço do sofá e deixa Nina no chão. Ela corre e pula no colo de Gustavo, o
enchendo de beijos. A relação de pai e filha dos dois é linda. — Como
posso contribuir com a minha sábia opinião?
Ísis gesticula para o meu marido.
— Henrique dando risada.
Leana ergue as sobrancelhas bem preenchidas.
— O Henrique não dá risada.
— Exatamente! — Elisa concorda, batendo com a palma no joelho.
— Mas ele acabou de soltar a maior gargalhada que já ouvimos a vida
inteira. Não é estranho?
— Atípico, na verdade. Mas umas semanas atrás eu o ouvi
cantarolando no escritório.
— Eu não cantarolei, Leana — Henrique retruca.
Ela aponta o dedo em riste na direção dele.
— Cantarolou, sim! E nem adianta tentar me enganar, porque eu uso
cotonete todos os dias.
Henrique bufa ao meu lado.
— Não sei aonde vocês querem chegar com essa conversa.
— Só queremos dizer que... — Elisa se ajeita no sofá, ficando com a
coluna ereta. Matilda olha para todos nós, curiosa. Acho que, bem lá no
fundo de sua alma canina, ela está entendendo sobre o que estamos falando.
— Desde que se casou com a Ariela, você está mais feliz. Mais animado.
Até um pouquinho mais simpático. A gente não te via assim desde...
Sempre?
Antonella e Ísis concordam.
— Você renasceu das cinzas, Henrique.
Ele franze as sobrancelhas.
— Não sou uma fênix, Elisa.
Elisa revira os olhos e bebe mais um gole do seu champanhe.
— Foi apenas uma analogia. Até porque eu morro de medo de
pássaros. Fênix, então, nem se fala.
Henrique suspira pesadamente e olha para mim.
Retribuo o seu olhar.
E de fato, Henrique está diferente comparado com meses atrás.
Ainda não é o Miss Simpatia e muito menos a pessoa mais bem
humorada do mundo inteiro, mas, de alguma forma, ele tem estado mais
feliz e animado.
Posso não tê-lo ouvido cantarolar no trabalho como Leana disse, só
o que simples fato dele ter aceitado cantar Sandy & Júnior comigo no
karaokê já foi um grande acontecimento.
Eu estava tentando convencê-lo há anos e quase tinha desistido de
vez.
Foi bom que não fiz isso, porque essa noite está na lista das
melhores noites da minha vida.
Perdendo somente para a noite em que nos beijamos pela primeira
vez e a noite em que ele me colocou de quatro na cama e me fodeu como se
eu fosse a única mulher da sua vida.
A lembrança me deixa com as bochechas vermelhas.
Henrique abre um minúsculo sorriso e beija a lateral da minha
cabeça, um brilho diferente iluminando as suas íris.
— Querem saber a verdade por que ando me comportando assim,
então?
Antonella arregala os olhos.
Um frio estranho atinge a minha barriga de imediato.
Henrique não vai mentir sobre eu estar grávida, né?
Mentir sobre um casamento é fácil, mas enganar as pessoas sobre
uma gravidez é humanamente impossível.
Não vou comprar uma barriga falsa!
Abro a boca para argumentar, porque a última coisa que quero é que
essa mentira sobre o nosso casamento se torne um problemão imenso, mas
Henrique me surpreende por completo quando encaixa a mão ao redor do
meu rosto e diz, em um tom de voz que, até então, eu nunca havia ouvido:
— Por causa da minha esposa — declara, olhando no fundo dos
meus olhos. Minha preocupação de segundos atrás desaparece, dando
espaço para outro sentimento que não reconheço. É estranho. — Somente
por causa dela. Quando estamos juntos, nada mais importa.
Elisa e Leana assoviam com os dedos dentro da boca. Ísis bate
palmas, animada. Antonella leva a mão ao coração, dando aquele suspiro
exagerado de quem acabou de ouvir a maior declaração de amor de toda a
sua vida. Meu irmão permanece do mesmo jeito que antes, talvez só com
uma ruguinha a mais no centro da testa.
E eu?
Bom...
Eu preciso me segurar ao máximo para não beijar Henrique na frente
de todo mundo.
Se ainda tínhamos dúvidas sobre nossa capacidade de sustentar esse
casamento por conveniência, acho que acabamos de comprovar que somos
mestres em mentir.
A parte mais estranha é que ter consciência desse fato não me
deixou tão feliz quando achei que ficaria.
O que está acontecendo comigo?
INGREDIENTES:
600ml de creme de leite
250ml de leite
200g de açúcar
1 colher (de sopa) de essência de baunilha
1 pacote de gelatina sem sabor
200g de amora
¾ xícara (de chá) de açúcar
2 colheres (sopa) de uísque
2 colheres (de sopa) de água

— O que você acha de duas camadas de recheio? Ou quem sabe...


Uma combinação entre ganache de chocolate branco, com geleia de amora
e merengue? — Ariela aperta a ponta da caneta contra o papel, me
enchendo de perguntas que nunca consigo responder. — Se bem que, creme
de confeiteiro com chocolate e castanhas é um dos meus favoritos de todo
mundo. Será que combina com o casamento da Ceci Braga?
— Ela gosta de castanhas?
Ariela morde o cantinho do lábio inferior.
— Gosta sim. Naquele documento imenso que ela entregou para
mim naquele dia, tinham várias opções. Recheio de doce de leite, leite
condensado cremoso, mousse de chantilly e leite ninho... — A pontinha do
nariz dela se franze, de tanto pensar. — Esses são os sabores clássicos, mas
eu queria inovar. Bolos assim a gente come em qualquer aniversário.
Concordo com um aceno, pensativo.
Depois de comemorarmos o Natal, Ariela entrou em um frenesi
constante de fazer o bolo de casamento mais perfeito de todos. Ela tentou
seguir as sugestões de sabores que tinham no documento oficial do
concurso, mas se decepcionou com todas.
Ariela não gosta do básico.
E se o objetivo da Ceci Braga é ter um casamento com um simples
bolo de três andares... Digamos que Ariela não vai cumprir muito bem esse
papel.
Compreendi, desde o primeiro momento, que ela gosta de ser
desafiada. Experimentar coisas novas. Aprender receitas diferentes. Se
decepcionar várias vezes até alcançar o sabor perfeito. Todas essas coisas
não serão possíveis se ela optar pelo óbvio.
A última fase do concurso vai acontecer daqui dez dias. O episódio
da nossa entrevista já foi ao ar na semana do Natal e todo mundo adorou.
Meu restaurante até triplicou o número de seguidores no Instagram. O meu
perfil pessoal também deu uma guinada nesses últimos dias, mas ignorei.
Não preciso de milhões de fãs me acompanhando nas redes sociais.
Até porque, só tenho postado sobre alguns pratos que tenho feito e fotos
com Ariela — tudo sob a insistência dela. Por mim, manteria todos esses
momentos só para mim. Mas sei que a situação exige um jogo de cintura,
então estou fazendo o máximo que posso.
E sei que não tenho dons para a confeitaria como a Ariela — afinal,
me especializei na área da culinária italiana —, mas ainda posso ajudá-la
com o pouco que sei.
— O que você realmente está pensando em fazer?
Os olhos de Ariela se iluminam feito um céu estrelado e, entre a
pilha gigantesca de papéis que ela tem carregado para cima e para baixo nos
últimos dias, encontra-se uma folha cheia de rabiscos, setas, desenhos e
anotações coloridas do que deve ser a ideia do seu bolo do concurso.
— Não pensei em nada exagerado, mas com uma combinação de
ingredientes que nunca experimentei antes — diz, empurrando o papel na
minha direção. O bolo desenhado tem três andares, exatamente como Ceci
está pedindo. — A massa seria amanteigada de limão siciliano, o recheio de
lavanda inglesa com creme de manteiga Earl Grey, e decoração de glacê
real com técnicas de ponto cruz, renda renascença e bordado brother. Eu
não sei se é a escolha perfeita, mas...
A ideia dela é ótima.
Na verdade, mais do que ótima.
É excelente.
— Não sei porque você está hesitando, Ariela.
Os ombros dela descem em derrota.
— Ninguém vai seguir por essa linha, Henrique.
— Azar o deles.
Ela franze as sobrancelhas.
— Nenhuma das opções que listei para você estão na lista que a Ceci
Braga me mandou.
— Azar o dela agora.
Ariela solta um gritinho de tristeza e arremessa uma bolinha de
papel na minha direção. Desvio para o lado, ao mesmo tempo em que ela se
enrola em posição fetal no sofá do meu escritório e enterra o rosto entre as
mãos.
— Sou um fracasso completo! — choraminga, a voz abafada. —
Nicollas e Pérola vão me massacrar viva com os mil anos de experiência
que eles têm contra mim. Ceci Braga também vai odiar, porque o meu bolo
vai ser o pior de todos. Todo mundo vai ficar com vergonha de dizer, mas
eu vou saber quando acabarem cortando a minha participação na edição
final do programa.
— Ariela.
Ela me olha por um espaço entre os dedos e continua a se lamentar:
— Seu restaurante vai pro fundo do poço de vez e tudo o que
lutamos tanto para conquistar vai ser estragado porque eu sou uma zero à
esquerda quando se trata de confeitaria. Aonde eu estava com a cabeça
quando achei que participar de um concurso seria uma ótima ideia?
— Pare de falar tantas besteiras.
— Estou falando a verdade. — Se vira agora de costas para mim,
enterrando o nariz no estofado do sofá. — Pode voltar lá pro seu trabalho,
enquanto você ainda o tem. Eu claramente não sou a melhor pessoa do
mundo mesmo. Não quero assistir seus sonhos se arruinando junto com os
meus.
Balanço a cabeça em negação e deixo o papel em cima da mesinha.
— Eu não vou a absolutamente lugar nenhum, Ariela — murmuro,
flexionando os joelhos no chão e ficando na sua altura. Ela continua
enrolada do mesmo jeito, escondendo o rosto de mim. Acaricio o seu cabelo
que hoje está totalmente solto. — Nenhum sonho vai ser arruinado, porque
não tem a mínima possibilidade de você não ser a vencedora desse
concurso.
— Para de mentir para mim.
— Não estou mentindo. — Afasto uma mecha do seu rosto,
revelando os olhos fechados e os lábios pressionados em uma linha reta. —
Pode tentar, mas nada nesse mundo vai me convencer que você não é boa
no que faz. Você é, Ariela. Uma das pessoas mais talentosas que conheço.
Só falta você mesma enxergar isso também.
Ariela entreabre os olhos e faz um beicinho.
— Você acha que a ideia do bolo é boa, então?
— Não é somente boa, é uma ideia extraordinária, como tudo o que
você se propõe a fazer.
— Henrique...
Fecho a cara.
— Posso ser uma porção de coisas, mas não me diga que sou
mentiroso, Ariela.
— Você derrubou todos os meus argumentos, como sempre.
— Fico feliz em ser útil nessa tarefa.
Ariela mordisca o lábio inferior e me olha demoradamente.
Faço o mesmo com ela, observando todos os detalhes da sua
presença.
Nesta noite de Ano-Novo, ela está usando um vestido longo branco
de alcinhas com uma fenda na coxa. Não é nada muito exagerado, mas que
consegue chamar a minha atenção por mais tempo do que o apropriado. Nas
orelhas, exibe brincos de flores. As sandálias inseparáveis seguem em seus
pés e a maquiagem é leve, evidenciando o contorno do seu rosto.
Ariela não precisa fazer esforço nenhum para ficar bonita.
Mas hoje ela está muito mais do que apenas bonita.
Está se parecendo muito com a futura mãe dos meus filhos.
E eu nem sabia da existência desse pensamento até este exato
momento.
— Você me ajuda a testar a receita, então?
Pisco, voltando para a realidade.
— Sim, eu ajudo — concordo. — Mas desde que eu não termine a
noite no hospital de novo tomando soro, enquanto você tem uma crise de
riso no banheiro.
Quase em sincronia, Ariela solta uma risadinha pelo nariz.
— Você sabe que não consigo prometer isso.
— Sei que não, mas ainda tinha esperança.
Ariela ri de novo e dessa vez encaixo meus lábios ao redor dos seus.
Ela me beija de volta, enrolando os braços ao redor da minha nuca e
soltando um barulhinho de satisfação quando minha língua encontra
suavemente a sua. Me afasto logo em seguida, beijando sua testa e mirando
o rosto levemente corado.
— Vai dar tudo certo no final e, quando você menos esperar, vamos
estar comemorando a inauguração da sua confeitaria. Confie em mim,
piccolina.
— Eu confio, italianinho.
— Então não teremos problemas.
Ela sorri, emocionada, e me puxa para um abraço meio
desengonçado, mas que ainda assim consegue ser o melhor abraço do
mundo.
Ariela tem esse dom de fazer até as pequenas coisas se tornarem
incríveis e eu irei lembrá-la disso todos os dias até a data do concurso
chegar.
Ela vai ganhar.
Tenho certeza disso.
E, mesmo que não ganhe, vai continuar sendo para mim a pessoa
mais talentosa do mundo inteiro.

Às onze e meia da noite, o Bacio Di Sole está completamente vazio.


Minha equipe e eu até pensamos em criar um espetáculo particular
com fogos de artifícios quando o relógio batesse meia-noite, mas como o
restaurante ainda não se recuperou financeiramente daquela crítica,
seguramos as pontas e investimos em um cardápio personalizado e — a tão
temida — música ao vivo.
Incrivelmente, deu certo.
O jantar de hoje à noite foi um sucesso e, por pelo menos um mês,
estaremos um pouco mais sossegados no pagamento das contas.
Estou olhando a planilha de gastos quando noto a silhueta
parcialmente iluminada de Ariela na porta do meu escritório.
Depois que seu momento de insegurança foi superado, ela vestiu o
uniforme de um dos meus funcionários e passou a noite ajudando a todos
nós na cozinha. Vez ou outra eu a via dando risada dos comentários de
Leana, das piadas de Cadú e respondendo às perguntas — nada discretas —
de Lucas de quando finalmente iríamos ter um bebê.
As pessoas estão obcecadas com a ideia de vê-la grávida.
Sei que esse é o sonho dela: ser mãe.
Mas não sei se gosto de imaginá-la criando uma família com outro
homem.
— Falta meia hora para o Ano-Novo — declara, de braços cruzados
e com o ombro apoiado no batente. Ela trocou de roupa e agora está usando
novamente o vestido com a maldita fenda que me tira do eixo. — A Ísis já
me mandou uma mensagem perguntando se já fechamos o restaurante.
Concordo com um aceno, teclando no computador.
— Só mais cinco minutos.
Ariela entra no escritório, os saltos da sandália ecoando pelo silêncio
sepulcral.
— Você já disse isso mais de cinco vezes na última meia hora.
— Tenho que compensar o fato de que nem eu e nem a Leana
trabalhamos na noite de Natal.
Ariela acomoda o quadril na mesa. Meu olhar recai para a pele
exposta da sua coxa. O quanto essa mulher mexe com a minha cabeça...
— Você tem duas equipes justamente por isso.
Desvio o olhar do seu corpo e volto para a tela do computador.
A planilha é um saco, mas quero me livrar disso de uma vez por
todas antes de ir para o apartamento de Ísis beber champanhe e comemorar
o Ano-Novo.
— Ainda assim, trabalho é trabalho.
Ariela ronrona feito uma gatinha manhosa. O barulho faz meus
olhos focarem nela novamente. Ainda é loucura pensar que me casei por
conveniência com essa mulher.
— Você trabalha demais — diz, girando a aliança de um lado para o
outro. — Merece um descanso. Um dia de SPA, quem sabe? Eu sei fazer
uma ótima máscara de argila.
— Não acho que passar terra no rosto seja algo saudável.
Ariela ri baixinho e fica de pé, parando atrás da minha cadeira.
Gentilmente, as mãos deslizam por meus ombros e começam uma
massagem, pressionando os pontos tensos.
— Não é terra — argumenta, a voz sussurrando em meu ouvido. —
É argila roxa.
Digito alguns números na planilha.
Minha concentração está se desfazendo aos poucos.
— Não sabia que a ciência tinha inovado ao ponto de conseguirem
mudar a cor da terra — murmuro. — Na verdade, acho que eles apenas
colocam corante. Pura enganação.
Ariela não se aguenta e vira a cadeira, me deixando de frente para
ela. Há um biquinho fofo adornando os lábios.
— Você está muito engraçadinho nesses últimos dias.
— Você não gosta?
— Não estou acostumada com esse seu lado.
— Entendi — murmuro, baixo, e acaricio a sua cintura com a ponta
dos dedos. — Vou voltar a ser um velho ranzinza de 85 anos que fura todas
as bolas que caem no seu quintal e que reclama de dor no joelho quando vai
chover.
— Assim eu também não quero — diz, manhosa. — Só estou
surpresa. Eu não te via desse jeito desde... Bom, desde a época em que
éramos universitários.
Assinto e entreabro as pernas, puxando-a para mais perto. Ariela se
encaixa entre as minhas coxas, as mãos repousando em meus ombros e o
perfume adocicado inundando as minhas narinas. Meus dedos continuam a
passear por sua pele, como se estivesse teclando um piano.
— Por mim, a gente abandonava essa ideia de festa no apartamento
da Ísis e comemorávamos o Ano-Novo na minha cama.
Ariela solta uma risadinha, seu corpo vibrando embaixo da minha
palma.
— Não banque o antissocial.
— Você sabe que não gosto de festas.
— Não é uma grande festa. — Estica o braço, brincando com os
primeiros botões da minha camisa. — É apenas uma confraternização com
os nossos amigos e familiares. Até a sua avó topou a ideia.
Ergo a sua mão e beijo o interior do seu pulso.
— Minha avó é a pessoa mais festeira de Santa Clara, então ela não
conta.
— Seu melhor amigo vai estar lá também.
— O qual estou evitando desde que te beijei.
Se conheço bem Ariela, aposto que suas bochechas estão coradas
agora.
— A Nina vai estar lá.
— Dormindo, você quer dizer.
Agora Ariela dá um peteleco de brincadeira no meu ombro, me
arrancando uma curta risada.
— O que foi?
— Você está dando todas as desculpas do mundo para não ir à festa
da Ísis.
— Sim, eu estou. Vai me prender por isso?
— Talvez só te algemar no pé da minha cama.
Reviro os olhos e então, com um puxão, coloco Ariela sentada em
uma das minhas coxas. Ela sorri, sapeca, e acaricia o meu cabelo com a
ponta dos dedos. Preciso me controlar muito para não enchê-la de beijos.
Mas, antes, tenho que terminar essa planilha.
— Eu prometo que daqui quinze minutos a gente vai embora —
declaro, mexendo com a mão livre no mouse do computador. — Se eu fizer
isso hoje, não terei que fazer amanhã. Pensa por esse lado.
Ariela dá um suspiro dramático.
— Vou cronometrar. — Ela pega o meu celular esquecido em cima
da mesa e desbloqueia a tela, procurando pelo aplicativo do relógio. — Vou
te dar uma colher de chá e colocar 16 minutos.
— Vou terminar rápido, eu prometo.
Ela concorda com um aceno.
— Tudo bem. Vou esperar bem quietinha aqui.
Por um momento, me ocorre o pensamento que ela cedeu rápido
demais.
Depois de cinco minutos, comigo concentrado na tela do
computador e nos inúmeros números ali, descubro as reais intenções de
Ariela.
Primeiro, ela remexe o quadril.
Depois, cruza as pernas, revelando a coxa nua.
Meio minuto depois, inclina um pouquinho o corpo para frente.
Meu pau automaticamente fica inquieto.
Tento voltar a atenção para a planilha, mas fica impossível quando
Ariela empurra o cabelo para o lado, revelando o pescoço nu com uma
marca vermelha que eu deixei na noite anterior.
Minha língua coça para chupá-la e beijá-la bem ali de novo.
Aperto o mouse com mais força do que deveria.
— Eu sei o que você está fazendo, Ariela.
— Não estou fazendo nada — diz, as unhas da mão direita
arranhando de leve o meu antebraço.
Minha cueca fica cada vez mais desconfortável.
— Não banque a inocente pra cima de mim.
Ela ri novamente e depois remexe o quadril naquela provocação que
já conheço muito bem.
Com os olhos ainda pregados na maldita planilha, começo a fazer
com Ariela o mesmo que ela está fazendo comigo.
Começo dedilhando a sua coxa nua, meus dedos indo e voltando por
sua pele arrepiada. Deslizo o nariz por seu pescoço, meus dentes
mordiscando de leve a região. Em resposta, o corpo dela dá uma leve
tremida, enquanto um gemido baixo lhe escapa quando mordisco o lóbulo
da sua orelha.
Preciso fazer um esforço absurdo para teclar os números na planilha
e um esforço ainda maior para digitar as informações que depois serão
repassadas para a contabilidade.
— Agora quem está me desconcentrando é você, Henrique — Ariela
reclama, as unhas afundando em meu antebraço quando minha mão desliza
para dentro da sua coxa. Ela não poderia ter escolhido uma roupa melhor
para a noite de hoje. — Não consigo focar nos meus pensamentos.
Emito uma risada contra os seus cabelos.
— Não estou fazendo nada, Ariela. Só estou trabalhando.
Para comprovar as minhas palavras, subo com a mão por sua coxa.
Ela entreabre mais as pernas e acaricio a boceta coberta pelo tecido rendado
da calcinha que está levemente molhada de sua excitação.
Qualquer plano que ainda tivéssemos de chegar a tempo da festa de
Ano-Novo acabou de se desfazer.
— Você ainda tem dez minutos para terminar a sua planilha — ela
resmunga, olhando para o cronômetro do celular.
— É tempo o suficiente para fazer tudo o que quero fazer —
sussurro, meu polegar subindo e descendo por sua boceta coberta. A cada
segundo que passa, sinto-a ficar mais molhada para mim. — Sobre o que
você estava pensando mesmo?
Ariela fica confusa.
— O quê?
— Você disse que não estava conseguindo focar nos seus
pensamentos.
O pescoço dela arqueia para trás.
— Não me lembro mais.
Rio em seu pescoço.
— Me fala sobre o que você está pensando agora.
Ariela solta a respiração.
Continuo a torturá-la, mas ainda mantendo a calcinha no mesmo
lugar. Faço uma pequena pressão com o polegar sobre o seu clitóris e isso é
o suficiente para que ela espace mais as pernas, o corpo implorando por
mais.
— Estou pensando em você.
— E o que mais?
— Em você me tocando.
— Tocando em que lugar?
A mão dela aperta o meu joelho coberto pela calça de alfaiataria.
— Henrique...
Beijo o seu pescoço.
— Você precisa ser mais específica, amor.
O apelido carinhoso faz o corpo dela amolecer em meus braços.
— Tocando a minha boceta — confidencia, a voz não passando de
um sussurro. — É isso que eu estou pensando... E também em você me
fazendo gozar, bem aqui... — Ela engole um gemido quando faço mais
pressão com o polegar. — No seu escritório imaculado.
As palavras dela me desestabilizam.
Porque estou pensando exatamente a mesma coisa.
Olho de relance para o cronômetro do celular.
Temos ainda seis minutos.
Não é tempo o bastante, mas é o tempo que preciso para fazê-la
gozar em meus dedos. Determinado, empurro a cadeira de rodinhas para
trás e afasto a minha mão. Ela choraminga com a ausência dos meus dedos
em sua intimidade.
— Henrique...
Viro o seu rosto na minha direção. As pupilas dilatadas imploram
por um milhão de coisas que estou mais do que disposto a dar a ela esta
noite.
— Tira a calcinha, Ariela.
Ela demora apenas um segundo para compreender as minhas
palavras.
Ariela fica de pé e então faz o que peço.
O tecido rendado desliza por suas coxas e depois é erguido por seu
dedo indicador. Ela gira a peça de um lado para o outro até a calcinha cair
em cima do teclado do meu computador.
— E agora?
— Agora você senta no meu colo de novo.
A bunda dela se acomoda entre as minhas coxas com satisfação.
Enlaceio a sua cintura com o meu braço, puxando-o para mais perto até as
suas costas tocarem o meu peitoral.
— E o que mais?
— Ergue a perna e apoia ela ali. — Indico a mesa de mogno. Não
acredito que vou fazer mesmo isso no meu escritório. A sorte é que todas as
câmeras de segurança estão desligadas e todo mundo já foi embora. — E
quando for gozar, Ariela... Lembre-se de gemer o meu nome.
Não espero para ouvir a sua resposta.
Empurro para o lado a saia do seu vestido e deslizo os meus dedos
por suas dobras.
Ela está molhada.
Praticamente pingando para mim.
Mordisco a sua orelha e começo uma carícia lenta, descendo e
subindo por sua boceta. Ariela agarra o braço da cadeira com uma das
mãos, enquanto a outra se infiltra em meus cabelos. Um gemido baixinho
arranha a sua garganta quando brinco com o indicador em sua entrada, mas
nunca a penetrando de fato.
— Foi assim que você imaginou? — questiono, meu polegar
tocando suavemente o clitóris que começa a inchar. — De pernas abertas na
cadeira do meu escritório, sem calcinha e com a boceta melada de tanto
desejo?
Ariela arqueja.
— Sim, Henrique.
Sorrio contra a sua pele já quente e deslizo o primeiro dedo para
dentro dela. Ela está tão excitada que não encontro nenhuma dificuldade em
movê-lo para dentro e para fora, como se fosse o meu pau a fodendo.
As costas dela arqueiam.
— Por favor...
Acaricio o seu clitóris. Ariela remexe o quadril, acompanhando os
movimentos de vai e vêm do meu dedo dentro dela.
— Por favor, o quê?
Não recebo nenhuma resposta verbal.
Ariela apenas entreabre mais as pernas, aumentando o ângulo para
que meu dedo vá ainda mais fundo. Quando toco aquele ponto que a faz
revirar os olhos todas as vezes, decido afastar a mão. O arquejo de
reclamação dela é engolido quando faço um sinal para o seu rosto.
— Abre a boca, Ariela.
Ela entreabre os lábios e meus dois dedos deslizam para dentro.
Ariela os suga, girando a língua ao redor.
Meu pau se aperta ainda mais dentro da cueca.
Preciso refrear as imagens que surgem na minha cabeça.
— Sua cachorra sem vergonha — murmuro baixo, ao afastar os
dedos da sua boca e deslizá-los novamente por sua boceta. — Se você
soubesse todas as coisas que estou imaginando... Nós iríamos sair daqui só
de manhã.
Ariela ri baixinho.
— Não quero perder a festa de Ano-Novo da Ísis.
Sacudo a cabeça e brinco com os dedos em sua entrada.
— Nós só vamos sair daqui quando você gozar, Ariela.
Ela arranha o meu braço.
— Então faça o seu trabalho, Henrique.
Rio maliciosamente e meto com os meus dedos bem fundo dessa
vez.
Ariela se contorce em meu colo quando, em sincronia, aumento a
pressão em seu clitóris.
Os gemidos dela preenchem o escritório quase como música.
Beijo o seu pescoço, resvalando os dentes na pele já vermelha, e
curvo os dedos dentro dela, atingindo aquele ponto que faz o seu corpo
inteiro colapsar. Ariela segura o meu braço com força e rebola contra a
minha mão, o orgasmo se aproximando cada vez mais.
— Henrique...
Diminuo a intensidade dos meus movimentos, agora apenas
entrando e saindo em câmera lenta de dentro dela. Sua excitação escorre
pelos meus dedos.
— O quê?
Ela tomba a cabeça para o lado e olha de relance para o relógio.
— Você só tem mais um minuto.
— Está me desafiando?
— Você sabe que sim.
Viro o seu rosto para o lado e abocanho os seus lábios em um beijo.
Em sincronia, volto a fodê-la com os meus dedos.
Aplico a pressão perfeita em seu clitóris, fazendo o movimentos de
círculos, enquanto ela rebola em sincronia, os gemidos baixos e agudos
sendo engolidos por minha boca.
Penetro uma última vez, suas paredes internas me apertando.
Ariela interrompe o beijo e — finalmente — geme o meu nome em
alto e bom som, enquanto goza em minha mão. Seu corpo dá uma leve
tremida, as pernas ficam molengas e um sorriso de pura satisfação surge.
Afasto a mão para longe da sua boceta e chupo os meus dedos
melados do seu orgasmo.
Um segundo depois o cronômetro do relógio apita avisando que
nosso tempo acabou.
Ariela olha para mim, as pálpebras pesadas.
— Mais pontual que isso, impossível, senhor Fiore.
Sorrio, beijando-a de novo.
— Tenho meus talentos, senhora Fiore.
Ariela solta uma risadinha envergonhada e fica de pé. Ela arruma o
cabelo bagunçado, tenta desamassar a saia do vestido e depois faz menção
de pegar a calcinha caída em cima do meu teclado, mas balanço a cabeça
em negação.
— Não.
Ela ergue as sobrancelhas, surpresa.
— Não?
— Sua calcinha vai ficar comigo.
Fico esperando que ela faça alguma reclamação, mas Ariela me
surpreende ao virar de costas e dizer sobre o ombro, os olhos fixos nos
meus, enquanto caminha em direção a porta do escritório:
— Tudo bem... Eu sempre quis saber como seria a experiência de
passar o Ano-Novo sem calcinha.
Sem conseguir me controlar, solto uma risada.
Ariela é inacreditável.
Mas é a minha Ariela.
E eu jamais vou reclamar disso.
INGREDIENTES:
395g de leite condensado
1 colher (de sopa) de manteiga
4 colheres (de sopa) de coco seco ralado
40 cravos-da-índia para decorar

Uma semana após o Ano-Novo, a data do concurso finalmente


chega.
Passei os últimos dias — até mesmo as madrugadas —
aperfeiçoando a receita do bolo perfeito. Não vou mentir dizendo que essa
tarefa foi fácil, porque não foi. Em vários momentos me peguei querendo
desistir e me render a dura e cruel derrota.
Henrique não deixou, obviamente.
Nos dias em que eu estava tão cansada que mal conseguia me
manter de pé, Henrique me buscava no apartamento, me levava até a sua
casa e preparava o jantar mais maravilhoso de todos. Experimentei as mais
diferentes massas, molhos e sobremesas italianas enquanto ele massageava
os meus pés e me beijava como se nada importasse além de nós dois.
Nesses momentos, eu me esquecia do concurso.
Me esquecia até da fatura exorbitante do meu cartão de crédito, do
meu irmão bisbilhotando cada cantinho da minha vida e das milhões de
consequências que me aguardam se eu fracassar amanhã na execução do
bolo.
Estou tentando me manter tranquila, mas é difícil pra cacete.
Se eu desse voz aos meus pensamentos intrusivos, estaria nesse
exato momento correndo pelo hotel inteiro e gritando o quanto estou
apavorada com o futuro.
— Está nervosa?
Olho para Henrique.
Ele acordou de bom humor e sorriu durante a viagem inteira até
Nova Granelle. Até me deixou colocar Justin Bieber para tocar no rádio do
carro. Um milagre, sempre bom lembrar. Ainda mais ele que detesta 99%
das músicas no geral e gosta de ficar no grande e completo silêncio pelo
máximo de tempo possível.
— Acho que vou acabar vomitando nos sapatos caríssimos da Ceci
Braga.
Henrique dá uma curta risada e me puxa para o seu colo.
Me acomodo entre as suas pernas, encaixando meus braços ao redor
do seu pescoço e encostando a minha cabeça contra a sua. Sua mão brinca
com o meu joelho descoberto enquanto olhamos para a vista bonita de Nova
Granelle através da porta de vidro do nosso quarto de hotel.
— Tente pensar que o prêmio já é seu — aconselha, a voz baixa. —
Talvez te ajude a controlar o nervosismo.
— Pérola e Nicollas são ótimos — argumento, me lembrando da
pesquisa que fiz nos últimos dias. Pérola é muito elogiada em qualquer rede
social que você a procure, enquanto Nicollas coleciona uma série de
especializações na confeitaria. Fico um pouco triste, porque não tive essas
mesmas oportunidades. Conseguir o meu diploma já foi uma sorte do
cacete. Me especializar em outras áreas nunca foi um objetivo, porque eu
sabia que não conseguiria arcar com todas as despesas. — Se a Pérola
ganhar, vou ficar feliz.
— Eu não.
— Não fala assim!
— Estou sendo sincero — responde, olhando para mim. — Só vou
ficar feliz se você ganhar. Caso contrário, me tornarei de novo o homem
mais taciturno e ranzinza que você já conheceu.
— Eu achei que você tinha deixado para trás essa vida de mau
humor.
— Conviver com seres humanos ainda me estressa dependendo do
dia, não tem jeito.
— Eu te estresso?
Henrique pousa o indicador embaixo do meu queixo, virando o meu
rosto na direção do seu. Seus olhos encontram os meus, exalando aquela
infinidade de sentimentos que eu nunca consigo decifrar.
— Não, Ariela. Você não me estressa de jeito nenhum.
Sorrio.
— Nem mesmo quando eu quebro suas taças?
— Não.
— Nem mesmo quando eu estrago a sua camisa favorita?
— Não.
— Nem mesmo quando eu te convido para cantar Sandy & Júnior
comigo no karaokê?
— Não, Ariela. Não importa o que faça, você nunca vai conseguir
me estressar.
— Nunca mesmo?
Ele abre um minúsculo sorriso.
— Nunca.
Afundo minha boca de encontro a sua logo em seguida.
O beijo começa lento, com os nossos lábios se movendo em
sincronia enquanto saboreamos a sensação. Depois, timidamente, minha
língua procura pela sua. Henrique, então, segura meu rosto entre as mãos e
curva meu pescoço só um pouquinho para trás. Sua boca desliza por meu
pescoço, distribuindo beijos molhados até finalmente retornar para os meus
lábios.
— Se lembra daquele encontro que te convidei semanas atrás?
Concordo com um aceno, acariciando o seu rosto coberto pela barba
recém crescida.
— Sim, eu me lembro.
— Ele vai acontecer hoje à noite.
— Vai me levar para jantar em um lugar especial, italianinho?
Henrique beija a pontinha do nariz e sorri. Acho que estou viciada
nos seus sorrisos também. É a coisa mais linda do mundo inteiro. Perdendo
somente para...
Bom, você sabe.
Henrique Fiore por inteiro.
A verdade é que estou viciada nele.
De um jeito que nem deveria ser permitido.
— Vou fazer algo ainda melhor, piccolina.
Abro um sorriso de orelha a orelha.
— Me surpreenda, então.
Ele fica de pé, me segurando no colo, e me beija de novo antes de
dizer:
— E alguma vez eu não te surpreendi?
Pois é, Henrique.
Você está sempre me surpreendendo.

Dessa vez eu não me atraso.


Tampouco me esqueço de que tenho um encontro.
Na verdade, fico pronta cinco minutos mais cedo do que o previsto.
O que é um milagre, né?
Só por via das dúvidas, dou uma última checada no espelho. Estou
usando um vestido azul marinho com um corpete bem destacado, com
alcinhas finas nos ombros e pequenas borboletas bordadas na barra da saia.
Nos pés, exibo as minhas sandálias favoritas.
No rosto, tentei não exagerar muito na maquiagem, mas caprichei na
máscara de cílios. No cabelo, fiz algumas ondas com a chapinha — em
manobras arriscadas até demais — e finalizei tudo com um par de brincos
de florzinhas.
Estou bonita.
Mas também estou nervosa.
Não consigo parar de pensar que a noite de hoje é quase como um
pequeno vislumbre do que teria sido o meu primeiro encontro com
Henrique anos atrás se eu não tivesse me esquecido de tudo.
— Uau! Você está de arrasar!
É a voz animada de Ísis, vinda da nossa chamada de vídeo, que me
puxa de volta para a realidade.
— Você acha?
— É claro! — responde, o rosto se aproximando da câmera do seu
celular como se estivesse tentando me ver melhor. — Aonde você comprou
esse vestido mesmo?
— Em um brechó beneficente de Dia das Mães.
— Esses são sempre os melhores. — Dá risada, voltando a
acomodar o celular na altura do seu rosto. — Mas, sério, Ari, o Henrique
vai cair duro no chão quando te ver arrumada assim. Se duvidar, o coração
dele vai até sair pela boca.
Solto uma gargalhada.
— Você é exagerada demais.
— Eu? Jamais! Imagina quando ele te ver vestida de noiva no altar?
— Ele já me viu de noiva, Ísis.
Ela semicerra os olhos.
— Não do jeito que estou falando.
Balanço a cabeça.
— Você está viajando na maionese, até porque nem vai existir
casamento nenhum na igreja. — As palavras têm um gosto amargo na
minha boca. — Se esqueceu que daqui dois ou três meses nós vamos
assinar os papéis do divórcio?
— Você realmente acredita que isso vai acontecer?
Olho para minha aliança.
— Por que seria diferente?
Vejo-a mordiscar o cantinho do lábio inferior.
— O Henrique gosta de você, Ari.
Nego.
— Ele gostava. Não gosta mais — retruco. — Ele mesmo me falou
isso, Ísis. No verbo do passado. Eu ouvi muito bem.
Ela bufa.
— E você?
— O que tem eu?
— Você também vai me dizer que gosta dele somente no passado?
Prendo a respiração.
O questionamento de Ísis é como uma bomba quente jogada em
cima do meu colo. Eu sei o que sinto por Henrique. Sei desde sempre. Só
que, nos últimos meses, tenho negado a mim mesma o que isso significava.
Até porque, a situação em si pedia por isso.
Nunca quis misturar as coisas. Eu mesma falei isso para ele. O
grande problema é que eu misturei. Misturei tanto que não sei mais o que é
real, o que é mentira e o que é encenação.
Quando o concurso acabar, o que vai se manter?
Nossas mentiras ou nossas verdades?
Sendo bem sincera, não faço a mínima ideia.
— Não vamos complicar as coisas, tá bom? — peço, desviando do
assunto. — Como estão as coisas por aí?
Ísis olha de cara feia para mim. Cara feia a qual eu ignoro.
— Estão ótimas. Levei a Nina para passear hoje no parquinho —
diz, mas ainda mantendo aquela expressão de quem está doida para voltar
no assunto anterior. Já eu, quero trancar o assunto Henrique Fiore dentro de
uma caixa novamente e jogá-la no fundo do Oceano Atlântico. — Aliás,
você sabia que a aliança de casamento é usada no dedo anelar da mão
esquerda porque os gregos acreditavam que por esse dedo passava a veia do
amor?
Semicerro os olhos.
Ela é terrível.
— Ísis.
— Estou apenas compartilhando uma informação com você...
Sua voz, de repente, muda de tom.
Escuto um grunhido masculino.
Depois, uma risadinha baixa.
Ela está...
— Você está com alguém?!
— O quê? Claro que não!
Aproximo o rosto da tela do meu celular, tentando enxergar alguma
coisa além do seu rosto.
A parede no fundo é branca, nada de diferente. Do lado esquerdo, há
um pedaço de madeira que julgo ser o guarda-roupa. Nada que dê alguma
pista de onde ela está.
Mas então, por um milésimo de segundo, o celular de Ísis desliza em
sua mão.
A câmera oferece um ângulo diferente da parede e, de repente,
reconheço onde ela está.
Eu reconheceria aquele quadro horroroso de Vingadores: Ultimato
há milhões de quilômetros de distância.
Eu o vejo praticamente todos os dias, afinal de contas.
— Ísis...
Ela olha meio nervosa para mim.
— O quê?
— Por que você está no quarto do meu irmão em uma sexta-feira à
noite?
Minha amiga hesita só por um segundo.
— O quê?! De onde você tirou isso?
— O quadro na parede.
Ela olha para trás.
No fundo, escuto alguém xingar.
Só pode ser o Gustavo.
— O que tem ele?
— É idêntico ao do meu irmão.
Ela solta uma risada nervosa.
— Deve ser só coincidência — argumenta, de um jeito nada
convincente. Se eu não a conhecesse desde criança, até poderia acreditar. —
Existem centenas de quadros iguais por aí.
Franzo o cenho.
— Ísis.
— Eu tenho que desligar, tá bom? — diz, afobada. — Se cuida, viu?
Qualquer coisa me liga!
Abro a boca para responder, mas ela desliga na minha cara.
Inacreditável.
Mas deve ter sido realmente só uma coincidência.
Em que mundo minha melhor amiga, que diz detestar meu irmão
mais do que tudo no mundo, estaria passando a noite de sexta-feira na sua
companhia?
Impossível.
Só se ela tivesse sido abduzida por um extraterrestre.
E, como se não bastasse, Gustavo também não suporta Ísis de jeito
nenhum.
Ele jamais, em hipótese alguma, nem mesmo sob ameaça, passaria
uma noite sequer ao lado dela por livre e espontânea vontade.
Então...
Meu pensamento é interrompido pelo toque do meu celular. O nome
de Henrique — acompanhado de vários emojis — brilha na tela.
Cacete!
Olho para o relógio.
Meus cinco minutos de folga acabaram de se tornar dez minutos de
atraso.
Atendo a ligação com uma voz manhosa.
— Ariela.
— Eu sei... Dez minutos atrasada — choramingo, apagando todas as
luzes e saindo do quarto do hotel. — Mas, em minha defesa, fiquei pronta
no tempo certo, só acabei me enrolando enquanto conversava com a Ísis.
— Vou te dar um desconto porque ela é a sua melhor amiga.
Finjo um suspiro de alívio.
— Você é o melhor do mundo. Agora, onde você está?
— No terraço do hotel.
— O quê?
— Estou no terraço do hotel — repete, com um sorriso na voz. —
Vem pra cá.
Horas atrás, Henrique me deixou sozinha no quarto para cuidar de
todos os detalhes do nosso encontro. Achei um pouco estranho, confesso,
porque na minha cabecinha nós iríamos sair para comer em algum lugar
como a maioria dos casais fazem nos primeiros encontros.
Eu não poderia estar mais enganada.
— Não vamos jantar em um restaurante chique a luz de velas com
direito a música romântica e sobremesa de chocolate?
— Eu mesmo posso fazer o nosso jantar, Ariela — retruca, naquele
tom mal-humorado que já estou começando a apreciar. — Só vem logo,
porque a comida já vai esfriar.
— Você cozinhou?!
— Se você não vir, você não vai saber.
Bufo.
— Tudo bem, estou indo. Mas tem sobremesa?
A última coisa que escuto é a risada de Henrique antes dele desligar.
Como sempre, faço o que ele pede. Entro no elevador, apertando o
botão do último andar. Conforme os números vão aumentando, a
expectativa para a noite de hoje cresce dentro de mim. Já tivemos outros
momentos sozinhos, é claro, mas a situação agora é diferente.
Não estamos mentindo.
Não estamos fingindo estar apaixonados.
Não estamos nem mesmo na frente das câmeras.
É somente nós dois.
Eu diria até que a noite de hoje é como uma segunda chance para as
nossas versões do passado: a Ariela de 20 anos com um milhão de sonhos
para o futuro e o Henrique de 24 anos que era apenas o melhor amigo do
meu irmão.
Abro um pequeno sorriso diante desse pensamento.
Em sincronia, as portas do elevador se abrem. Dou os primeiros
passos pelo piso de mármore. O terraço está completamente vazio e meio
escuro. Mas a visão de Nova Granelle daqui de cima...
Cacete.
É de tirar o fôlego.
Estou tão encantada com a vista que acabo não percebendo o
momento em que Henrique se aproxima por trás de mim, as mãos se
enrolando ao redor da minha cintura e os lábios descendo por meus cabelos
até alcançarem a minha orelha.
Solto um suspiro feliz e me aconchego contra o seu corpo.
— Agora você está quinze minutos atrasada, piccolina.
— O elevador é meio demorado, sabia?
— É claro — finge concordar, depositando pequenos beijos em meu
pescoço. Quase me derreto em seus braços. — E como você está?
— Ansiosa, animada, meio nervosa, meio inquieta. Um milhão de
sentimentos ao mesmo tempo. — Giro sobre os saltos, ficando de frente
para ele. Henrique está usando uma camisa verde-musgo, calça de
alfaiataria e sapatos de cadarço. Bonito, elegante e pronto para conquistar
todos os corações do mundo (inclusive o meu). — E você?
Ele beija a pontinha do meu nariz.
— Feliz porquê dessa vez você não se esqueceu de mim.
Faço um biquinho.
— Não faça eu me sentir ainda mais culpada do que já me sinto.
— É passado, Ariela — diz, dando um pequeno passo para frente e
encurtando totalmente a distância entre nossos corpos. Seu perfume
masculino me abraça por inteiro. — O que importa é que hoje você está
aqui... — Os olhos descem por meu vestido, se demorando em minhas
pernas descobertas e depois sobem para o meu rosto, focando em minha
boca. Não acredito que ele ainda não me beijou. Meus lábios estão
formigando para serem tocados pelos seus. — Linda, maravilhosa e
totalmente minha.
Arqueio as sobrancelhas, brincalhona.
— Sou sua, é?
— Você é, Ariela — afirma, a respiração batendo em minhas
bochechas. — Você é minha desde o momento em que decidiu que era uma
boa ideia burlar todas as regras do concurso e me pedir em casamento.
Fico na pontinha dos pés e entrelaço minhas mãos atrás da sua nuca.
— Mas valeu a pena, não é? Porque estamos aqui e...
Ele não me deixa terminar a frase.
Os lábios macios encontram os meus em um beijo que tira
totalmente o meu fôlego. Até o meu coração bate com mais força entre as
costelas, me deixando fora de órbita e desejosa por muito mais. Gemo
baixinho em sua boca, puxando-o para mais perto. Tenho que me controlar
muito para não arrancar a sua camisa para fora do corpo.
Pois é.
Me tornei o pior tipo de pessoa impaciente.
Não basta a calcinha que Henrique ainda não me devolveu.
Ainda quero deixá-lo seminu logo no nosso primeiro encontro
oficial.
— Ariela. — Ele afasta a boca da minha só alguns centímetros, mas
ainda mantendo os lábios próximos dos meus. — Não faça essa noite acabar
antes do previsto.
Dou uma risadinha.
Merda.
Já estou imaginando os seus dedos dentro de mim novamente e...
Empurro o pensamento para longe.
Não.
Ainda não.
— Vou me comportar, eu prometo. — Henrique semicerra as
pálpebras para mim, meio desconfiado, mas acaba concordando. — Mas
depois da sobremesa, eu já não garanto nada.
Ele ri, daquele jeito que ainda não me acostumei totalmente, e me
puxa para o outro lado do terraço, dizendo:
— E quem disse que vai ter sobremesa?
INGREDIENTES:
1 xícara (de chá) de água
1 e ½ xícara (de chá) de farinha de trigo
¼ xícara de manteiga
5 ovos
1 pitada de sal
1 xícara (de chá) de leite
¼ xícara (de chá) de creme de leite
1 colher (de sopa) de amido de milho
½ xícara (de chá) de açúcar
2 colheres (de sopa) de extrato de baunilha

Planejei a noite de hoje nos mínimos detalhes.


De prato de entrada, uma típica Caponatta acompanhada de uma
vasilha de torradas e mini pães. Já para o prato principal, reuni os
ingredientes favoritos de Ariela em um Penne in Salsa Alfredo con
Scaloppa Di Filet Mignon. Tudo isso acompanhado do seu vinho favorito.
Também subornei o chefe de cozinha do hotel para conseguir
cozinhar o jantar de hoje à noite e depois o gerente de hospedagem para
conseguir ter o terraço só para nós dois.
Mas dentre todas essas coisas, só não planejei a parte em que não
conseguiria tirar os olhos de Ariela durante a noite inteira de tão bonita que
ela está.
Até parece uma miragem diante dos meus olhos.
Por um breve momento, me pego pensando se não estou preso em
um tipo de sonho no qual, quando acordar, estarei de volta trabalhando
durante mais uma noite no meu escritório.
Posso ter milhões de arrependimentos nessa vida, mas se tem algo
de que nunca vou me arrepender é de ter aceitado a proposta de me casar
com Ariela.
Foi uma ideia insana e inconsequente? Com certeza.
Vou perder meu melhor amigo quando toda a verdade vir à tona?
Talvez.
Mas por ela eu corro esse risco sem pensar duas vezes.
— Acho que esse foi o melhor jantar de toda a minha vida. — Ariela
interrompe a linha dos meus pensamentos ao beber o último gole de vinho
da sua taça e soltar um suspiro de satisfação. Nossos pratos já estão vazios
há quase uma hora. — Superou até mesmo o jantar no Étienne.
Faço uma careta.
Conheci o irritante Antoine Étienne em um evento realizado por
Javier, um conhecido nosso em comum. Assim como eu, Antoine é
especializado em culinária italiana. A grande diferença entre nós dois é que
ele tem um ego tão grande quanto o seu nariz.
É insuportável estar no mesmo ambiente que ele e mais insuportável
ainda é frequentar o seu restaurante e elogiar os seus pratos.
— Não acredito que você está comparando a minha comida com a
do Antoine — reclamo. — Quando que você foi lá?
— Quando sai com o Bernardo.
Cerro os dentes.
— Eu deveria saber quem é Bernardo?
Ariela fica de pé e contorna a mesa. Ela empurra os nossos pratos
para longe, junto das taças, e acomoda a bunda no tampo de madeira. Meu
olhar recai para as suas pernas bonitas e depois para o seu rosto sorridente.
A malícia brilha nas íris cor de chocolate.
— Um cara com quem saí no ano passado.
Cruzo os braços, detestando saber da existência desse ser humano.
— Foi bom?
— O jantar estava ótimo, mas nada comparado com o seu.
— Ariela.
Ela olha para as próprias unhas e depois para mim.
— O quê?
— Estou perguntando sobre o encontro.
Ela ri em um tom baixo e curva o corpo na minha direção. A
provocação domina as suas feições, juntamente da cor rosada das bochechas
causada pelo vinho.
— Está com ciúmes, italianinho?
Infelizmente, sim.
Estou me tornando a pior pessoa de todas, porque sei que Ariela teve
uma infinidade de encontros nesses últimos anos. Mas a ideia de saber que
ela gostou de sair com outra pessoa, que não seja eu, me deixa
extremamente incomodado.
A sensação é mil vezes pior que ter Matilda fazendo xixi nos meus
sapatos.
— E se eu estiver?
Os lábios dela se esticam em um pequeno sorriso.
— Não tem motivo nenhum — murmura, a boca pairando a poucos
centímetros da minha. — Primeiro, porque o encontro foi péssimo. Um dos
piores da minha vida. Voltei para casa com a certeza de que morreria
solteira.
— E o segundo motivo?
Ariela se afasta minimamente só para depois sussurrar no meu
ouvido:
— Agora nós estamos casados. Não vou sair em mais absolutamente
nenhum encontro que não seja com você. — Os olhos, então, procuram
pelos meus. Há um milhão de sentimentos expostos ali. — Você não
concorda?
Empurro a cadeira para trás e a puxo para o meu colo.
Ela dá um gritinho, pega de surpresa pelo meu movimento
repentino. Aperto a sua cintura e resvalo os lábios ao redor dos seus. Ariela
se agarra em mim, feito um bicho preguiça, e infiltra as mãos no meu
cabelo, soltando um arquejo quando meus dentes mordiscam de leve a sua
boca.
— Não me provoque.
— Por que não? — Estica o pescoço para trás enquanto distribuo ali
vários beijos. A pele dela se arrepia em resposta. — Vai me punir dando
umas palmadas na minha bunda e me amarrando na cabeceira da sua cama?
Grunho diante da imagem que se forma na minha cabeça.
Ela está de bruços, com os braços algemados e a bunda empinada
para cima, a pele já vermelha dos tapas que lhe dei. A boceta está
descoberta, com os lábios molhados de sua excitação e o clitóris
implorando para ser chupado por minha boca.
Minha cueca fica apertada na mesma hora.
— Ariela. — Fecho os dedos ao redor do seu pescoço, fazendo uma
leve pressão. — Sua mente é suja demais e está fazendo a minha seguir pelo
mesmo caminho.
Ela rebola o quadril em resposta.
Filha da mãe.
— Agora a culpa é minha?
— Com certeza.
Não espero para ouvir sua resposta.
Apenas mergulho minha boca de encontro a sua.
Beijar Ariela está entre as minhas coisas favoritas do mundo e olha
que essa minha lista é minúscula. Mas ela está lá, orgulhosamente ocupando
o primeiro lugar, embora ainda não saiba disso.
Infiltro os dedos em seu couro cabeludo e curvo a sua cabeça um
pouco mais para trás, aprofundando o beijo. Em resposta, os seios dela
pressionam o meu peitoral, praticamente implorando por mais contato.
Desço a mão do seu pescoço para a coxa descoberta e dedilho a pele macia.
Ariela espaça as coxas, pedindo por mais.
Sorrio contra seus lábios e chupo a sua língua com a minha.
Estou doido para virá-la de bruços, curvá-la sobre essa mesa, erguer
o seu vestido e fodê-la por trás enquanto ela geme o meu nome para o hotel
inteiro ouvir.
Se o gerente de hospedagem descobrir todas as atrocidades que
estou pensando em fazer, ele provavelmente nunca mais vai deixar nenhum
de nós se hospedar novamente aqui.
Ariela solta um suspiro e se afasta minimamente, mas ainda
mantendo as mãos apoiadas em meus ombros.
— Ainda falta a sobremesa, Henrique.
Olho para os seus seios. Mesmo cobertos pelo vestido, dá para ver
os mamilos intumescidos se destacando no tecido. Minha boca saliva para
chupá-los.
— Eu disse para você que não tinha sobremesa.
Ela faz um biquinho fofo.
Aproximo meu rosto do seu para beijá-la novamente, mas Ariela
pousa o dedo indicador em meus lábios e fica de pé, minhas mãos
escorregando para longe do seu corpo. Olho para o seu rosto, curioso. Com
um sorriso elevando as suas bochechas e revelando a covinha, Ariela ergue
um dos pés e o pousa em meu joelho, indicando o fecho da sandália.
— O que você está fazendo?
— Tira para mim.
Olho para as unhas pintadas de rosa-bebê.
— Agora?
— Esses saltos estão me matando.
Faço o que ela me pede sem reclamar.
Depois de se livrar das sandálias, Ariela faz algo totalmente
inesperado.
Ela simplesmente empurra as alças do vestido para baixo e o desliza
por seu corpo até atingir o chão em um amontoado de tecido. Contemplo,
em choque, cada detalhe que a compõe, desde os seios cobertos pelo sutiã
rendado à calcinha com um mini lacinho no topo.
— Ariela.
Ela empurra o cabelo para o lado.
— O que foi? — pergunta, naquele tom inocente que me deixa
ansioso para fazer um milhão de indecências. — Estou morrendo de calor...
— Se abana e elimina um sopro de ar. — Deve ser por causa da
temperatura. Eu sempre fico assim no verão.
Arqueio as sobrancelhas.
— Seminua?
Ela solta uma risadinha e leva as mãos às costas, se desfazendo do
sutiã até a peça cair no chão também. Olho para os seus seios, que são do
tamanho perfeito para caber em minhas mãos e serem chupados por minha
boca. Os mamilos são rosados e estão intumescidos, clamando pelo mínimo
de atenção. Algo que estou mais do que disposto a dar.
Faço um movimento com a mão.
— Vem aqui.
Ariela discorda, estalando a língua no céu da boca.
— Quais são as palavrinhas mágicas?
— Por favor, Ariela.
A risada maliciosa dela repercute no silêncio do terraço.
— É bonitinho ver você implorar... — murmura, soprando um beijo
na minha direção e virando de costas. — Mas vai ter que se esforçar um
pouco mais, Henrique.
Não respondo.
Apenas permaneço sentado enquanto a vejo caminhar em direção a
piscina. Na metade do caminho, Ariela engata os polegares ao redor da
calcinha e a desliza por suas pernas, flexionando os joelhos para baixo de
propósito quando a peça alcança os seus pés e é deixada para trás.
Encaro a sua bunda, completamente fascinado com a sua ousadia.
Espero que não tenha nenhuma câmera de segurança por aqui.
Ainda com a atenção fixa nela, vejo o exato momento em que Ariela
mergulha na piscina.
Nua.
Sem nenhuma maldita peça de roupa a mantendo coberta.
É demais para mim.
Fico de pé, indo até onde ela está e paro a poucos passos de distância
de onde fica a hidromassagem integrada. Ariela olha para mim, com os
cabelos molhados e as pupilas dilatadas ao apoiar os ombros na borda da
piscina.
— Você não vem?
— Não tenho roupa de banho, Ariela.
— Quem disse que você precisa disso?
— Não vou correr esse risco.
Ela mordisca o lábio inferior e olha para as portas fechadas atrás de
mim.
— Você fechou o terraço só para nós dois?
— Sim.
— Então não vejo problema nenhum em você tirar a roupa também
— diz, se afastando da borda e boiando de costas. A iluminação azul,
misturada com amarelo, destaca cada uma das partes do seu corpo. — Está
meio solitário aqui sem você...
Engulo em seco.
Não acredito que estou prestes a fazer isso.
É loucura demais.
É insano demais.
É inconsequente demais.
Mas, quando se trata de Ariela, eu nunca penso demais nas
consequências.
Empurro o bom senso para longe e tiro os sapatos, depois o cinto, a
calça e a camisa. Faço menção de entrar na piscina, mas Ariela aponta para
a minha cueca boxer.
— Está faltando uma coisinha...
Cerro os dentes.
— Ariela.
— Temos que ser justos, italianinho.
Praguejo um palavrão e me livro da maldita cueca.
Ariela está sorrindo de orelha a orelha quando me junto a ela na
piscina, minhas mãos puxando-a para mais perto. Os seios pressionam o
meu peitoral e as pernas dela se engancham ao redor da minha cintura, meu
pau ereto praticamente tocando a sua barriga.
— Está satisfeita agora?
— Quase, Henrique. Quase...
Sacudo a cabeça em negação e afundo minha boca de encontro a
sua. Minha língua pede passagem por seus lábios, ao mesmo tempo em que
aperto as mãos em sua bunda. Ariela remexe o quadril, aprofundando o
beijo e arranhando os meus ombros.
Afasto a boca da sua e começo a beijar o seu pescoço, sugando a
pele molhada e depois mordiscando a região. Ariela se contorce de prazer
em meus braços quando inclino as suas costas para trás e abocanho um dos
seus seios. O corpo inteiro se arrepia, um gemido gostoso lhe escapando.
Rodo a língua ao redor do mamilo intumescido e, com a outra mão,
desço por sua barriga, até alcançar a boceta. A excitação, combinada da
água da piscina, faz os meus dedos deslizarem com ainda mais facilidade
para dentro dela. As paredes internas me apertam, fazendo com que o pau
fique ainda mais duro.
Movimento nós dois pela água, até alcançar a área da
hidromassagem. Ariela arqueja quando insiro mais um dedo, começando
movimentos de vai e vem. Dou atenção ao outro mamilo e, quando sinto
que ela está prestes a gozar, me afasto.
— Senta na borda, Ariela.
Ela pisca, ainda entorpecida pelo orgasmo negado.
— O quê?
— Senta na borda e abre as pernas para mim.
Ela faz o que eu peço, como sempre.
Apoio os seus pés em meus ombros e deslizo o nariz pelo interior da
sua coxa molhada, até chegar na boceta. Ariela se contorce quando solto um
sopro de ar contra a sua intimidade, para logo depois pressionar o clitóris
inchado com o polegar.
O quadril dela se remexe.
— Henrique...
— Fique quietinha — ordeno, passando a língua por suas dobras e
depois beijando o clitóris. Ela agarra os meus cabelos, empurrando a minha
cabeça em direção a boceta sedenta. — Ou o hotel inteiro vai saber que eu
estou prestes a te fazer gozar na piscina deles.
A resposta dela é mordiscar o lábio inferior com força e abrir ainda
mais as pernas.
Sua boceta está implorando por mais.
Sorrio, satisfeito.
— Boa garota — elogio-a, brincando com o indicador na sua
entrada. Ariela está tão molhada que meus dedos se lambuzam com
facilidade. Meu pau incha ainda mais, louco para estar dentro dela. — Você
quer gozar assim, com os meus dedos te fodendo? Ou com o meu pau indo
bem fundo nesta sua boceta gostosa?
Ariela geme baixinho e ergue o quadril.
Meu nariz roça em seu clitóris.
— Quero gozar dos dois jeitos.
— Não sabia que você fazia do tipo gulosa.
— Eu não faço... — Fecha os olhos, esticando o pescoço para trás e
massageando o próprio mamilo. — Mas com você, se torna inevitável.
Solto uma risada baixa e afundo a boca em suas dobras molhadas.
Ariela empurra a minha cabeça em direção a sua boceta e aperta as
pernas ao redor do meu pescoço, não me deixando escapar para lugar
nenhum. Sorrio internamente e começo a fazer movimentos circulares,
depois penetrando-a com a língua, como se fosse o meu pau.
Entro e saio, repetidas vezes, e depois retorno para o seu clitóris.
Uso dois dedos, curvando-os dentro dela e depois acrescento mais um.
Ariela vai à loucura, gemendo entredentes e rebolando contra a minha boca
incansavelmente.
Sei que ela está muito perto de gozar.
Por isso, intensifico os movimentos, fodendo sua boceta com os
meus dedos e chupando o clitóris com a minha língua. As paredes internas
dela esmagam a minha mão e, segundos depois, Ariela estica o pescoço
para trás e geme em alto e bom som quando o orgasmo a atinge em cheio.
Passo a língua uma última vez por suas dobras e me afasto,
chupando os meus dedos. O gosto de sua boceta se intensifica em minha
língua quando a puxo para um beijo. Ariela solta um gemido de satisfação
e, com uma agilidade surpreendente, me empurra em direção a borda da
hidromassagem.
Suas mãos agarram o meu cabelo e, quando me sento em um dos
degraus, exatamente como ela estava até segundos atrás, a sua bunda
desliza para frente e para trás contra o meu pau. Estou tão duro que posso
gozar a qualquer momento.
— Não me torture, Ariela — aviso, afundando os dedos na carne
macia da sua bunda.
Ela continua a se movimentar.
Olho para baixo.
A minha glande masturba o clitóris inchado.
— Por que não? — pergunta, naquele tom cheio de malícia. Ela
mordisca o lábio inferior e empurra os seios contra o meu rosto. — Você
não gosta?
Encaixo os lábios ao redor do seu mamilo e o chupo.
O gemido dela invade os meus ouvidos logo em seguida.
Em sincronia, dou um tapa estalado na sua bunda.
A água se agita ao nosso redor.
Estou doido para fodê-la na merda dessa piscina.
— Gosto pra caralho.
— Então... — Ela desce a língua pelo meu pescoço, o mordiscando e
depois me beijando com boca inchada e um pouco avermelhada. — Por que
você está reclamando?
— Porque você não vai aguentar as consequências.
Ela ri baixinho e espicha a coluna.
Meu pau agora está perfeitamente acomodado entre as suas dobras.
— Quem disse que não?
— Ariela.
Meu tom de aviso faz um sorriso de covinhas surgir.
Sem conseguir aguentar mais um segundo, esmago a sua boca de
encontro a minha em um beijo que exprime todo o desejo que sinto por ela.
Ariela massageia a minha língua com a sua, ainda rebolando o quadril, e
com uma das mãos, aperto seu mamilo entre os dedos.
Essa é a gota d’água para ela.
Ela se acomoda com agilidade em meu colo, segura o meu pau com
uma das mãos e o empurra para dentro de sua boceta molhada e um pouco
apertada. A água da piscina faz o movimento se tornar ainda mais fácil.
— Henrique...
Seguro seu quadril com as ambas as mãos.
— Rebola no meu pau, Ariela — murmuro em um tom no qual mal
reconheço a minha voz. — Eu quero sentir você... Quero sentir a sua boceta
me envolvendo e...
Ela não me deixa terminar a frase.
Apenas faz exatamente o que eu lhe peço.
Ariela cavalga contra o meu pau.
Estapeio a sua bunda a cada vez que ela desce em meu membro.
Abocanho o seu mamilo, chupando-o e mordiscando.
Os seios balançam em frente ao meu rosto.
É tão erótico que quase gozo só diante da visão.
Sincronizo nossos movimentos e beijo a sua boca atrevida. Ela
praticamente choraminga de prazer. A água nos envolve, criando pequenas
ondinhas e espirrando gotas em nossas pele suadas. Entreabro os olhos,
encarando o rosto bonito da minha mulher diante de mim.
— Goza para mim, Ariela.
Os lábios se apertam em uma linha reta, reprimindo que o gemido
seja proferido alto demais, e seu corpo inteiro estremece quando o segundo
orgasmo da noite lhe atinge. Ariela joga a cabeça para trás e aperta o meu
pau dentro de si.
É o suficiente para mim.
Penetro-a uma última vez e gozo dentro dela.
Cada uma das gotas do meu esperma são engolidas por sua boceta
sedenta.
Estou ofegante.
Ariela solta um suspiro cansado e deita a cabeça em meu ombro,
ainda sentada em meu colo. Abraço-a, beijando a curva suave do seu ombro
nu. Permanecemos em um silêncio confortável, com somente o som das
nossas respirações e corações acelerados.
— Henrique...
— O que foi?
Ariela se movimenta, agora encarando o meu rosto.
As bochechas dela estão avermelhadas e as pupilas se encontram tão
dilatadas que mal consigo identificar o costumeiro castanho-chocolate ao
redor delas.
— Posso te confessar uma coisa?
— Estou ouvindo, piccolina.
Ela dedilha a ponta dos dedos em meu peitoral.
— Acho que sei porque você não cozinhou nenhuma sobremesa para
o encontro de hoje.
Ergo as sobrancelhas.
— Ah, é?
— Sim. Porque a sobremesa, esse tempo todo, era eu.
Estico o pescoço para trás, caindo na gargalhada.
— Que bom que você aprende rápido, Ariela.
Ela revira os olhos, daquele jeito teimoso de sempre, e puxo-a para
um abraço, beijando-a pela milésima vez na noite.
Bolo com massa amanteigada de limão siciliano
e recheio de lavanda inglesa
com creme de manteiga Earl Grey
Decoração de glacê real com técnicas
de ponto cruz, renda renascença
e bordado brother
Receita exclusiva de Ariela Melina Brado Machado

Hoje é o grande dia.


O grande e temido dia pelo qual eu me preparei incansavelmente nas
últimas semanas.
Aprimorei a receita nos mínimos detalhes. Treinei as minhas
técnicas até as mãos ficarem dormentes e as costas doloridas. Repassei
mentalmente, nas últimas vinte e quatro horas, cada etapa do preparo do
bolo de três andares como se estivesse estudando para uma prova.
Não tem como dar errado, porque estou mais preparada do que
nunca.
Certo? Certo.
Você vai arrasar, Ariela.
Sacudo as mãos e dou um pulinho. Estou até usando as minhas
sandálias da sorte.
— Preparada para acabar com eles?
Olho para Henrique.
Ele está usando uma camisa polo azul bebê, calça de alfaiataria,
sapatos de cadarços e um mini broche com o meu nome escrito ao lado do
seu. É bonitinho, não posso negar. E o sorriso estampado em seu rosto... Me
deixa com uma vontade imensa de enterrar o rosto em seu peitoral e não
deixá-lo ir embora da minha vida nunca mais.
Porque depois de hoje, nós dois sabemos o que vai acontecer.
Independentemente do resultado, o divórcio se aproxima semana
após semana. É só uma questão de tempo até colocarmos um ponto final
nesse nosso casamento de conveniência e voltarmos a viver nossas vidas
separadamente.
A constatação desse fato faz algo estranho se apertar dentro do meu
peito.
Não sei se estou pronta para dar adeus aos sorrisos raros de
Henrique e aos almoços animados de domingo na casa de Antonella. Vou
sentir saudades até das pizzas não-congeladas. E olha que, por muito tempo,
achei que nada poderia superá-las.
— Vou batalhar com eles com a minha batedeira imbatível e meu
liquidificador barulhento — digo, disfarçando o meu nervosismo com um
comentário engraçadinho. — Ninguém vai conseguir me deter. E ainda
tenho uma carta na manga: o meu incrível conjunto de facas.
— Você é terrível, Ariela.
— Vale tudo na guerra dos bolos.
Dessa vez, uma risada lhe escapa pelo nariz.
— Você está nervosa?
Solto um sopro de ar e abraço meu próprio corpo.
As câmeras já estão todas posicionadas e Ceci Braga está do outro
lado do estúdio de gravação conversando com João Pedro. Até então, eu
nunca o havia visto pessoalmente, mas não dá pra negar que eles combinam
muito juntos. São, sem sombra de dúvidas, a tampa da panela um do outro.
Será que, um dia, vou encontrar a minha tampa também?
Estou meio cansada de ser uma panela vazia e solitária.
— Muito mais do que você imagina. Acho que quando voltarmos
para casa, vou acabar bebendo o estoque inteiro de chá de camomila dos
supermercados de Santa Clara.
— Não vai ser necessário, porque esse prêmio já é seu — Henrique
afirma, pousando as mãos em meus ombros. Dou um passo para frente,
enrolando os braços ao redor do seu corpo e deitando a cabeça bem em
cima do seu coração. — Iremos beber o estoque inteiro de champanhe, isso
sim.
— Vai comprar taças de plástico para mim?
— Com certeza. Ariela e taças de cristal são duas coisas que não
combinam.
Faço uma careta, embora ele não possa ver, e fecho os olhos,
abraçando-o com mais força. Henrique descansa o queixo no topo da minha
cabeça e serpenteia os braços ao redor da minha cintura. Permanecemos
assim por alguns segundos, em silêncio e apreciando a companhia um do
outro.
Vai ser estranho não ter mais os seus abraços.
Mais estranho ainda vai ser saber que, lá no futuro, quando Henrique
se casar de novo, haverá outra pessoa o abraçando desse jeito.
O pensamento me desagrada em níveis gigantescos.
Eu não queria seguir por esse caminho.
Não queria mesmo.
Porque é uma merda colossal saber que fiz justamente o que prometi
que nunca mais iria fazer de novo: me apaixonar por Henrique Fiore.
E eu me apaixonei.
A Ariela de 24 anos cometeu o mesmo erro que a Ariela de 20 anos:
se apaixonou pelo melhor amigo do seu irmão.
O problema é que agora não estou somente apaixonada, como
também estou casada com ele.
Sou mesmo um desastre ambulante.
Faço menção de me afastar de Henrique, mas ele segura minhas
mãos entre as suas. Ergo o olhar, mirando o seu rosto. É difícil demais saber
o que está se passando na sua cabeça mal-humorada. Será que, assim como
eu, ele está ciente de que hoje pode ser a nossa última noite juntos?
— Tenho um presente para você.
Ergo as sobrancelhas, surpresa.
— Mais um?
— Esse é diferente — diz, tirando um pacotinho de dentro do bolso
traseiro da calça e me entregando. — É um presente de boa sorte. Eu
comprei para você quando estava na Itália, mas nunca tive a chance de te
entregar e...
— E aí você achou que era uma boa ideia guardar o meu presente
durante esses quatro anos?
— Sim.
Olho para o pacotinho, morrendo de curiosidade para saber o que é.
— Posso abrir?
— É todo seu, piccolina.
Mordo um sorriso e puxo o lacinho de cetim, desfazendo o papel
presente. Quase perco o fôlego quando me dou conta do que ele comprou
para mim.
É um ímã de geladeira.
Mas não qualquer ímã de geladeira.
É um ímã de geladeira no formato de uma panna cotta.
Uma panna cotta com amoras, a mesma sobremesa que ele preparou
para mim tantos anos atrás e se tornou uma das minhas favoritas.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Henrique...
— Não é nada demais, mas...
Não o deixo terminar de falar.
Fico na ponta dos pés e esmago minha boca de encontro a sua em
um beijo que expressa em palavras não ditas o quanto estou feliz por tê-lo
ao meu lado. O quanto estou apaixonada por seus pequenos e gigantes
gestos. O quanto sou agradecida por ele ter aceitado não só se casar comigo,
como também mentir para uma porção imensa de pessoas de que estamos
completamente apaixonados um pelo outro.
Henrique retribui o meu beijo, mergulhando os dedos no meu couro
cabeludo e pedindo passagem com sua língua por entre os meus lábios.
Eu cedo.
E acho que esse é o melhor beijo que já trocamos um dia.
É diferente de todos os outros.
É tão intenso, necessitado e urgente que sinto que, se não
estivéssemos prestes a começar a gravar o concurso a qualquer momento,
acabaríamos enrolados no banco de trás da sua caminhonete.
— Muito obrigada — sussurro, ao me afastar e terminar o beijo com
um selinho. — Não só por isso, mas por tudo o que fez por mim. Eu não
poderia ter escolhido um marido de mentira melhor.
— Não há ninguém no mundo melhor do que você, Ariela.
Abro a boca para responder, mas sou interrompida por um pigarro
vindo de trás de nós. Olho sobre o meu ombro, encontrando Tiffany parada
a poucos passos de distância.
— Desculpe interromper, mas já vamos começar a gravação.
Henrique assente e abaixa os braços, afastando as mãos do meu
corpo.
— A gente conversa daqui algumas horas — murmura baixinho,
depositando um beijo na minha testa e outro na ponta do meu nariz. — Já
pode ir pensando em qual vestido vai usar hoje à noite, porque depois daqui
nós vamos comemorar a sua vitória.
Sorrio, mais emotiva do que gostaria.
— Henrique, eu...
— Eu amo você, está bem? — Olha no fundo dos meus olhos e me
pego questionando se ele está falando isso só porque temos companhia ou
porque, lá no fundo da sua alma completamente taciturna, ainda há algum
espaço disponível para me amar. — Quando se sentir insegura, lembre-se
que estarei durante todos os segundos e minutos dessa gravação torcendo
por você.
— Eu também te...
Ele me silencia com um último beijo.
E, antes que eu possa implorar para que ele fique só mais um pouco,
Henrique vira as costas e segue em direção ao outro lado do estúdio. Com
um choramingo preso na garganta e um milhão de coisas não ditas
queimando na minha língua, olho para o ímã em minhas mãos e depois para
Tiffany.
Ela está segurando o microfone de lapela em uma das mãos e o
avental com a logo do concurso em outra.
É agora.
Não tem mais volta.
Hoje é o dia em que vou finalmente descobrir se serei uma
confeiteira de sucesso.
— Pronta, Ariela?
— Mais do que pronta, Tiffany.

As palavras de Ceci Braga ao experimentar o meu bolo continuam se


repetindo na minha cabeça em um looping que nunca parece ter fim.
Fui ousada demais.
Sei disso.
A surpresa no rosto de Nicollas e Pérola, quando falei sobre o meu
bolo, foi a maior prova disso.
Afinal, Nicollas optou por um bolo de massa de chocolate meio
amargo com recheio de creme de confeiteiro e geleia de morango com
hortelã e decoração de pasta americana e flores de cerejeira.
Já Pérola seguiu o clássico através de uma massa amanteigada de
baunilha com damasco, recheio de ganache de chocolate e café com leite
baunilhado e cobertura de buttercream suíço com decoração de pasta
americana.
E eu...
Eu fui contra tudo o que estava nas regras.
E agora, meia hora depois de termos sido julgados não somente pela
Ceci Braga, mas também por outros dois jurados que são especializados em
técnicas de chocolateria e confeitaria artística, estamos todos reunidos
novamente no palco principal do concurso.
Todas as câmeras estão posicionadas. As luzes refletem por todos os
lados. É o último bloco da gravação e também o momento em que vamos
descobrir quem é o grande vencedor.
Nicollas está seguro de si que irá voltar para casa com o grande
prêmio.
Pérola é mais contida, mas sei que também está otimista que irá
conseguir abrir uma filial da sua confeitaria se for a vencedora.
Eu estou mantendo os pensamentos positivos, é claro, mas também
precisamos ser realistas. Ir contra as regras nem sempre te faz ganhar as
coisas e o que eu mais fiz ao longo deste concurso foi justamente isso.
Me casei por conveniência com o melhor amigo do meu irmão.
Menti para várias pessoas que ele era o amor da minha vida.
Beijei Henrique Fiore não somente uma vez.
Mas dezenas delas.
E ainda fiz um bolo que ia contra tudo o que esperavam de mim.
Eu sempre soube que era um ímã natural para problemas.
Só não imaginei que algum dia conseguiria chegar nesse nível.
Caramba, Ariela!
O assistente de direção grita o característico comando e, para o meu
completo terror, a gravação final se inicia. Ceci abre um sorriso enquanto
conversa com a câmera e, então, se vira para nós três. Contorço as mãos
uma na outra.
É agora ou nunca.
— E finalmente chegou o grande momento de revelarmos para o
Brasil inteiro quem é o confeiteiro ou confeitaria que ficará responsável
pelo bolo do casamento mais aguardado de todos! Tenho que confessar para
vocês, quando a ideia do concurso surgiu, achei que era ousado demais. Até
mesmo um pouco arriscado. Mas então o João Pedro olho para mim e disse:
eu confio que você irá escolher a pessoa certa. E então, no dia seguinte,
começamos todos os preparativos para abrir as inscrições do concurso.
Foram mais de 400 mil pessoas. E vocês... Nicollas, Pérola e Ariela. — Ela
aponta para nós três. — Vocês foram os três participantes que mais se
destacaram. A história de amor de vocês me comoveu. Comoveu o meu
noivo. Comoveu todo mundo da minha gigante equipe.
Minha garganta se aperta com o choro iminente.
— Todos vocês aqui são muito talentosos. Possuem um dom gigante
nas mãos e sabem como fazer uso deste talento de forma primordial — diz
enquanto as câmeras a nossa frente se movimentam, cada uma focando em
nossos rostos. — Eu declarei as regras e alguns de vocês seguiram elas.
Uniram os ingredientes que eu mais gostava em um único bolo com
técnicas surpreendentes. Se eu pudesse, levaria os três para o meu
casamento. Mas o concurso pede por somente um vencedor.
Nós três concordamos com um aceno.
Meu coração está batendo loucamente contra as minhas costelas.
Aposto que daqui a pouco até Ceci Braga vai conseguir ouvir.
— E vencer não é somente sobre ter o melhor bolo de casamento de
todos, as melhores técnicas ou saber a combinação perfeita de ingredientes.
É, mais do que tudo, sobre se arriscar. É fazer diferente. É ser capaz de
surpreender nos detalhes e ter a confiança para ousar. — Ceci olha para
Nicollas, depois para Pérola e finalmente para mim. Os lábios dela se
esticam em um sorriso imenso. — É por isso que a vencedora do concurso é
você... Ariela Melina Brado Machado!
Os balões amarelos, junto de vários papéis picados coloridos, caem
sobre a minha cabeça e a produção inteira bate palmas enquanto solto o
gritinho de felicidade mais alto de toda a minha vida.
Eu consegui!
Eu consegui!
Eu consegui!
Eu sou a confeitaria do casamento da Ceci Braga e do João Pedro!
As lágrimas escorrem por minhas bochechas e, sem pensar, corro na
direção de Henrique do outro lado do palco. Pulo em seus braços e ele me
segura, rodando a nós dois no ar.
Estou rindo e chorando ao mesmo tempo quando ele beija
rapidamente os meus lábios, depois a ponta do meu nariz, minha testa e
depois novamente a minha boca.
Os sentimentos borbulham para fora de mim.
— Você conseguiu, piccolina.
Sacudo a cabeça de um lado para o outro.
— Consegui só por sua causa.
Ele nega.
— Não, Ariela. Você conseguiu porque é a mulher e a confeitaria
mais incrível do mundo inteiro.
Enxugo as lágrimas com os dedos trêmulos e puxo-o para outro
beijo. A câmera foca em nós dois. Mas eu não ligo para o fato de estarmos
sendo gravados.
Agora só consigo pensar que consegui conquistar o meu maior
sonho ao lado da pessoa que sempre acreditou em mim desde o começo
dessa loucura.
— Eu amo você, Henrique — confesso em um tom baixo quando os
lábios de Henrique se afastam dos meus. Os olhos dele recaem para a minha
boca, com um pequeno sorriso espreitando ali. — Sei que fiz uma confusão
inteira e...
Ele me interrompe pousando o dedo indicador em minha boca.
— Eu também amo você, Ariela.
E, com essas palavras, ele me beija de novo.
É o beijo da vitória.
É o beijo de milhões de promessas.
É o beijo de um novo começo.
INGREDIENTES:
25 unidades de casquinha de wafer de sorvete
750g de chocolate branco
200g de creme de leite
1 colher (de sopa) de glucose de milho
6 colheres (de sopa) de licor de amarula
1 colher (de chá) de essência de amarula
250g de chocolate ao leite

Os dias seguintes à vitória do concurso são uma confusão tremenda.


Mal tenho tempo de fazer xixi em paz.
Quem dirá de responder as mensagens no meu WhatsApp e as
milhares de notificações no meu Instagram. Meu número de seguidores
triplicou e o meu perfil, que antes era habitado somente por familiares e
amigos, agora conta com mais de 10 milhões de pessoas.
Loucura, né?
Ceci Braga não mentiu quando disse, durante o jantar de
comemoração, que a minha vida iria mudar da água para o vinho em um
curto espaço de tempo.
Tenho estado em Nova Granelle quase todos os dias, gravando
participações especiais ao lado de Ceci, dando entrevistas para outros
programas e contando, vez ou outra, a minha história de amor ao lado de
Henrique.
E por falar nele...
As coisas estão esquisitas entre a gente, mas também estão
exatamente iguais.
Não sei explicar ao certo, mas é como se nenhum de nós dois tivesse
coragem de admitir que nosso tempo juntos — nesse casamento por
conveniência — está próximo demais da linha de chegada.
E a vitória não é nada mais do que os papéis assinados oficializando
o nosso divórcio.
O pensamento me dói.
Antes, era fácil fingir para todo mundo que eu estava apaixonada por
ele. Eu entrava no modo automático. Agora, sentar na frente das câmeras e
contar a nossa história de amor para o Brasil inteiro é como uma faca de
dois gumes perfurando o meu coração.
— Terra chamando Ariela.
Pisco, focando no rosto de Tiffany diante de mim.
Estou a semana inteira na companhia dela durante as pausas de
entrevistas, gravações e chás da tarde com a sua chefe. Tiffany até já
decorou de como eu gosto de tomar o meu café, qual é o meu lanchinho
favorito e que preciso de pelo menos quinze minutos de cochilo no camarim
para repor as energias.
Estou cansada.
Mas também estou com saudades de Henrique.
— Desculpe. Estou com a cabeça meio avoada hoje. — Balanço a
cabeça de um lado para o outro e abro um sorriso meio forçado. — Quando
que vou poder voltar para Santa Clara mesmo?
Tiffany dá uma risada.
— Hoje mesmo. Temos somente essa última gravação e você estará
livre pelos próximos dias — explica. — A Ceci vai se casar no final da
semana que vem, então você só vai precisar se preocupar com o bolo. Mas
nem precisa se estressar, porque vamos contratar uma equipe inteira para te
ajudar no dia anterior. O mais importante de tudo é você estar lá com ela.
— Ainda não acredito que consegui ganhar.
Tiffany afaga o meu ombro.
Nós duas estabelecemos uma sintonia legal nos últimos dias. Ela é
quase como uma versão mais velha e cheia de sabedoria de Ísis. A única
diferença é que Tiffany detesta açaí e não coloca os pés na areia da praia
nem por um milhão de reais.
— Você sempre foi a favorita, Ariela. Acho que só você que não se
deu conta disso esse tempo todo. Bem lá no fundo, acho que até a Ceci
sabia que você era a escolhida.
Faço um biquinho.
— Sou meio lerdinha para essas coisas mesmo.
— Você é mesmo. — Revira os olhos, dando uma risadinha e depois
arrumando os meus cabelos para nenhum deles ficar na frente do
microfone. — Agora, vamos logo começar essa gravação, porque eu estou
morrendo de fome e preciso almoçar logo.
Solto uma gargalhada.
— Só por causa disso, vou errar mil vezes as respostas da entrevista.
— Nem ouse fazer isso, Ariela Fiore! Eu quero comer logo o meu
risoto de camarão!
Assopro um beijinho na sua direção, entre uma risada e outra, e sigo
em direção ao palco com o maior sorriso já visto pela humanidade.
Mas, por mais que eu esteja vivendo nas nuvens nesses últimos dias,
não consigo ignorar a sensação de que ser chamada por Ariela Fiore está
com os seus dias contados.

Na noite seguinte, toco a campainha do apartamento de Ísis


acompanhada de uma caixa de pizza congelada, uma garrafa de vinho que
comprei na promoção e um pacote gigante de balas de jujuba.
Minha melhor amiga abre a porta segundos depois com um ponto de
interrogação gigante pairando acima da cabeça.
— Ari? — Ela me mede da cabeça aos pés, preocupada. Afinal, vim
até aqui sem avisar. Apenas calcei minhas pantufas de ursinho, passei no
supermercado e dirigi até o seu apartamento acompanhada do meu kit de
guerra. — Aconteceu alguma coisa?
Abraço a sacola com mais força.
— Fiz uma coisa horrível.
Ísis arregala os olhos.
— Uma tatuagem na virilha?
— O quê? Não!
— O que você fez, então? Porque, para mim, nada pode ser pior do
que uma tatuagem na virilha. Talvez um piercing no clitóris e...
Interrompo-a jogando a bomba no seu colo de uma vez. Nem mesmo
aviso. Só despejo a cruel verdade que tenho guardado para mim há vários
dias e que daqui a pouco vai me comer viva.
— Me apaixonei de novo pelo Henrique.
Minha amiga franze as sobrancelhas.
— Você nunca deixou de ser apaixonada por ele, amiga.
Um choramingo me escapa pelo nariz.
— Não fala assim, eu...
Ísis balança a cabeça de um lado para o outro e fecha uma das mãos
ao redor do meu pulso, me puxando para dentro do seu apartamento.
— Vem aqui. — Me coloca sentada no pequeno sofá e pega pela
sacola do supermercado. — Se você quiser, pode chorar no meu colo,
escolher um filme meloso para a gente assistir e beber essa garrafa de vinho
inteira sozinha, mas antes vamos conversar. O que aconteceu?
Conto tudo para ela.
A noite de Ano-Novo.
Os jantares após um dia exaustivo de trabalho.
As massagens nos pés.
O encontro no terraço do hotel.
O ímã de geladeira que Henrique me deu.
Ele dizendo eu te amo para mim.
Eu dizendo eu te amo para ele após ganhar o concurso.
Os beijos que trocamos que significam muito mais do que deveriam.
Falo até mesmo sobre a minha calcinha nunca devolvida e o
orgasmo na piscina.
— Ari...
Enterro o rosto na almofada e dou um gritinho.
— Estraguei tudo de novo, Ísis — murmuro, a voz abafada. — Fui
eu quem disse que não queria confundir as coisas. Fui eu quem disse pra
gente tomar cuidado e não deixar o clima ruim. Fui eu quem fez ele
prometer que não deixaria aquele beijo estragar tudo e... Nem foi o
Henrique que pisou na bola. Fui eu!
— Você não estragou nada, Ari.
— Estraguei sim! — Ergo a cabeça da almofada e choramingo de
novo. — Como que eu vou assinar o divórcio daqui a menos de dois meses
se estou apaixonada por ele?
— É simples. É só você não assinar.
Sacudo a cabeça.
— Você está falando abobrinha agora.
— Eu? — Aponta para o próprio peito e revira os olhos. — Qual
parte do “Henrique também é apaixonado por você”, você ainda não
entendeu?
— Ele não é.
— Como pode ousar pensar isso? Ele guardou um ímã durante
quatro anos, Ari. Ninguém guarda um ímã durante quatro anos se não gosta
da pessoa — argumenta. — Eu colocaria fogo se tivesse guardado o
presente de alguém que detesto.
Mordo a minha língua para não comentar sobre o meu irmão. Ainda
não conversamos sobre esse assunto. Mas quando finalmente chegar a vez
dele... Ísis não vai poder desligar na minha cara de novo.
— Você não é parâmetro. O Henrique é gentil e...
Ela cruza os braços. Sinto que estou prestes a levar uma almofadada
na cabeça.
— Ele é gentil porque gosta de você — aponta, olhando no fundo
dos meus olhos. — Henrique gosta tanto que não só aceitou se enfiar em
um casamento por conveniência, como comprou um anel de noivado,
mentiu para a avó, arriscou a amizade com o seu irmão e ainda aceitou vir
na minha festa de Ano-Novo só porque estaria com você.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, negando.
— Tudo isso fazia parte do nosso acordo, Ísis. Não sei até onde
estávamos mentindo e...
— Você poderia estar fingindo um milhão de coisas, mas pode ter
certeza de que ele não fingiu absolutamente nada, Ariela.
Ela nunca me chama de Ariela.
Ou seja: está brava comigo.
E eu, apaixonada pelo melhor amigo do meu irmão.
Pela maldita segunda vez.
Que desastre.
Eu só posso ter jogado pedra na Cruz na vida passada para ser assim
tão azarada. Nesses últimos dias, até achei que a fadinha da boa sorte
finalmente havia me encontrado. Eu não poderia estar mais enganada.
— O que você sugere que eu faça, então?
— Você precisa dizer para ele, Ariela.
A possibilidade de me declarar para Henrique é assombrosa.
Nunca me declarei pra ninguém.
Quando estávamos na faculdade e passávamos quase 24h juntos,
fosse estudando, assistindo programas de culinária, conversando ou
frequentando as piores festas universitárias que Gustavo e Ísis nos
convenciam a ir, eu até cogitava a possibilidade de confessar os meus
sentimentos.
Naquela época, não parecia tão difícil. Mas agora me parece muito
com um filme de terror. Levar um pé na bunda é ruim, é claro. Mas levar
um pé na bunda do cara que você está casada...
Não vai ter pizza congelada suficiente para curar o meu coração
machucado.
— Agora?
Ísis olha para o relógio pregado na parede. São nove horas da noite.
Henrique ainda está trabalhando no restaurante e deve chegar em casa só
por volta da uma da manhã. Minha vida profissional melhorou
consideravelmente depois que me anunciaram como vencedora do
concurso, mas a dele também subiu em níveis gigantescos.
O Bacio Di Sole não só recuperou os clientes perdidos, como
também aumentou consideravelmente o número de reservas nos últimos
dias. Todo mundo está curioso para conhecer os pratos italianos do chefe
Fiore, e aquela crítica horrorosa, que o perturbou durante tantos meses,
agora foi totalmente esquecida.
— Você pode aparecer no restaurante de surpresa e...
Fico de pé.
Ísis abre um sorriso.
Um sorriso que logo murcha quando digo:
— Não mesmo.
— Ari...
Pego o vinho já quase esquecido na sacola do supermercado.
— Falta ainda uma semana pro casamento da Ceci Braga e do João
Pedro — informo, me lembrando do convite que Tiffany me entregou
ontem no final da gravação. — Henrique e eu estaremos lá. Se eu confessar
os meus sentimentos antes e levar um pé na bunda, o clima entre a gente vai
ficar um cocô fedorento. Não vai ter como disfarçar. Vou até estar com
olheiras de tanto chorar.
Ísis faz um biquinho.
— Infelizmente você tem razão, mas...
— Está decidido — declaro, caminhando até a cozinha e procurando
pelo saca-rolha na gaveta. — Vou conversar com ele na noite do casamento.
É a nossa última aparição pública, além da festa de abertura da minha
confeitaria daqui um mês. Depois disso, não tem mais motivo para
continuarmos fingindo.
— Você vai mesmo falar que está apaixonada por ele?
Engulo em seco.
O cenário é horrível.
Só que, ao mesmo tempo em que estarei morrendo de vergonha,
também preciso saber a verdade. E, tudo bem, sei que Henrique nutria
alguns sentimentos por mim no passado. Eu também. Mas quatro anos se
passaram.
As coisas mudaram.
Eu mudei.
Ele mudou.
A nossa situação, então, mudou mais ainda.
— Eu vou, mas se mesmo assim ele decidir assinar o divórcio, já
pode ir se preparando, porque vou passar todas as noites na sua companhia,
comendo pizza e bebendo vinho no seu sofá.
Minha melhor amiga nega e fica de pé, caminhando até a cozinha e
enrolando os braços ao redor dos meus ombros em um abraço apertado.
— Acredite em mim, Ari. Nada disso vai ser necessário — diz. —
Na verdade, a gente vai beber champanhe e comer aqueles pratos italianos
chiques do Henrique enquanto planejamos o seu casamento na igreja. Eu
serei a madrinha, é claro.
Rio baixinho.
— E quem vai ser o seu acompanhante? O meu irmão?
Ísis se solta do abraço e me lança um olhar de ultraje.
— Que nojo, Ariela! Prefiro contratar um ator para fingir ser o meu
namorado do que me sujeitar a qualquer interação com o Gustavo.
Semicerro os olhos na sua direção.
— Ainda não me esqueci daquela conversa que tivemos no telefone,
Ísis.
Ela se vira de costas para mim e vai até o armário, pegando por duas
taças.
— Já te falei que existem milhões de quadros iguais aquele por aí.
— Uhum. Então se eu pedir pro porteiro do prédio verificar as
câmeras de segurança de acesso, não vou encontrar você lá, né?
Os olhos dela quase saltam para fora das órbitas.
— O prédio de vocês têm câmeras?!
Não.
Não tem.
Mas Ísis não precisa saber.
— É claro que sim.
Ela sacode a cabeça e me entrega uma das taças.
— Até parece que você não me conhece. Eu jamais, em hipótese
alguma, nem mesmo sob ameaça, passaria a minha noite de sexta-feira com
o chato e insuportável do seu irmão.
— Nem mesmo por um milhão de reais?
Ísis revira os olhos.
— Nem mesmo por dez milhões de reais, Ariela.
Resmungo em concordância.
Até quero acreditar nela.
Quero mesmo.
Mas a jaqueta masculina pendurada na cadeira da cozinha faz a
pulga atrás da minha orelha saltitar.
E por que?
Porque meu irmão tem uma igualzinha.
INGREDIENTES:
2 latas de leite condensado
1 colher (de sopa) de manteiga
200g de chocolate em pedaços
2 colheres (de sopa) de champanhe
3 colheres (de sopa) de creme de leite
Confeitos perolados

Ceci está deslumbrante em seu vestido de noiva.


Desde o momento em que ela atravessou as portas da igreja ao lado
do seu pai e caminhou até o altar ao encontro de JP, se tornou impossível
parar de olhar para ela.
Com um sorriso radiante nos lábios, olhos marejados e uma
celebração que me fez limpar uma lágrima ou outra, Ceci Braga e João
Pedro Gomes estão oficialmente casados.
Quem diria que eu, a pessoa que passava os finais de semana
fazendo docinhos por encomenda, estaria presente no casamento mais
televisionado do Brasil? E ainda como a confeiteira responsável pelo tão
esperado bolo de três andares?
É um sonho muito louco.
Já me belisquei uma porção de vezes, só para ter certeza de que não
estou sonhando acordada, porque a minha vida deu uma reviravolta
inesperada.
Em outubro eu estava em um encontro péssimo com o Murilo e
agora, três meses depois, estou aqui comendo um brigadeiro de champanhe
enquanto Ceci e JP dançam a milésima música juntos ao som do piano de
cauda.
Estico o braço, prestes a pegar mais um docinho da torre gigantesca,
quando sinto uma mão masculina rodear a minha cintura.
Prendo a respiração.
Eu reconheço esse toque.
Senti uma falta imensa dele nesses últimos dias.
Uma falta tão grande que até cogitei a possibilidade de estragar
todos os meus planos e bater na sua porta implorando para que adiássemos
o divórcio em pelo menos seis meses.
Foi por isso que me apeguei tanto aos últimos momentos que
passamos ao longo dessa semana.
Fingi que o divórcio eminente não estava batendo na nossa porta.
Fingi que o almoço de domingo na casa de Antonella não era o
último.
Fingi que os beijos que Henrique me dava não tinham gosto de
despedida.
Não estou pronta para dizer adeus.
— O quanto terei que me esforçar para te convencer a irmos embora
desse casamento mais cedo que o previsto? — Henrique sussurra, os lábios
mordiscando de leve o lóbulo da minha orelha. — Porque, sinceramente,
Ariela, é um crime você estar usando esse vestido e eu não poder fazer nada
a respeito.
Dou uma risadinha e me aconchego nele.
— Você vai ter que se esforçar muito, porque ainda não estamos
nem na metade da festa.
Henrique solta um suspiro dramático.
— Não era bem essa a resposta que eu estava esperando.
Reviro os olhos e giro sobre os calcanhares, ficando de frente para
ele.
Henrique usa o traje passeio completo, com direito a gravata da
mesma cor do meu vestido e abotoaduras douradas. O cabelo está penteado
para trás e o bigodinho foi aparado, junto da barba. A visão dele diante de
mim com um sorriso ladino brincando nos lábios e os olhos fixos no meu
rosto fazem os meus sentimentos por ele ficarem ainda maiores.
— Não foi dessa vez que você me convenceu a sair de fininho —
digo, me lembrando da festa de Ano-Novo. As coisas que fizemos no
banheiro do apartamento de Ísis quando estava todo mundo comemorando a
queima de fogos... Só de lembrar, já fico com as bochechas vermelhas. —
Imagina se a gente vira notícia em um Instagram de fofocas?!
Henrique torce o nariz.
— É por causa de baboseiras como essa que eu sou totalmente
contra redes sociais. Não posso nem mesmo ir embora cedo de uma festa
qualquer.
Empurro seu ombro de brincadeira.
— É a festa de casamento da Ceci Braga!
— Se não fosse por sua presença, eu nem estaria aqui, Ariela.
Ergo as sobrancelhas, surpresa.
— Você não iria vir se eu não estivesse aqui?
— Não.
— Não mesmo?
Henrique olha para as pessoas ao nosso redor e depois para mim
novamente.
— Ninguém aqui é mais importante para mim do que você.
Engulo em seco.
Ai meu Deus.
Ai meu Deus.
Ai meu Deus.
É agora que eu digo que eu penso a mesma coisa sobre ele?
Que digo que cometi um erro terrível e estraguei as coisas entre a
gente?
Que estou cansada de fingir e que quero que tudo se torne verdade?
Contorço minhas mãos umas nas outras. Olho para o chão. Depois
para a sua gravata. E finalmente para o seu rosto. Henrique continua me
encarando, as íris mudando de foco entre os meus olhos e a minha boca.
Entreabro os lábios.
Vamos lá, Ariela.
Engulo o nó invisível que se aperta ao redor do meu pescoço e sigo
em frente.
— Henrique, eu tenho...
Não consigo terminar de falar.
Um segundo atrás, eu estava encarando o rosto de Henrique.
Agora a única coisa que vejo são os cabelos castanhos e levemente
ondulados de Ceci Braga presos em um penteado elaborado diante de mim.
— Ariela! — Ela me chama, abrindo um sorriso de orelha a orelha.
JP está a alguns passos de distância atrás dela. — A gente vai cortar o bolo
daqui alguns minutos. A minha cerimonialista vai te orientar no
posicionamento das câmeras para gravarmos, tudo bem?
Pisco, meio perdida.
Eu tinha me esquecido do corte do bolo.
Dias atrás, Tiffany me mandou um documento imenso com todas as
orientações. Afinal, a noite de hoje está sendo gravada em todos os detalhes
por uma equipe imensa. Há celebridades por todos os lugares e a imprensa
veio em peso para esse casamento.
E eu sou uma peça importante de tudo isso.
Sou a confeiteira.
Sou a vencedora do concurso.
Sou a responsável pelo tão esperado bolo de três andares.
— Claro! Eu vou só...
Olho para Henrique. Ele está com as mãos enfiadas dentro do bolso
da calça social e com um sorriso de canto direcionado somente para mim.
Droga.
Agora estou cogitando consideravelmente aceitar aquele seu convite
para sairmos de fininho daqui.
— Vai lá, Ariela. A gente conversa depois.
Faço um biquinho.
— Tem certeza?
— Sim — confirma, apertando de leve meus dedos contra os seus.
— Eu continuarei aqui esperando por você.
Abro um sorriso de desculpas enquanto caminho para longe dele.
Para o meu completo terror, as próximas duas horas então se tornam
infinitas. Faço vários takes de gravação, tiro inúmeras fotos, respondo as
perguntas dos jornalistas e explico detalhes da confecção do bolo.
Quando tudo — finalmente! — termina, minha garganta está seca e
meus pés estão latejando dentro dos sapatos de salto agulha. Eu daria de
tudo para estar usando minhas pantufas de bichinho e o meu pijama do
Edward Cullen agora.
Desejo a equipe de Ceci uma ótima noite e sigo discretamente em
direção a área externa do casamento.
O local é imenso, com um jardim perfeitamente cuidado, estátuas
ornamentais e um chafariz que deve ser do tamanho do meu quarto. A
música aqui fora ressoa mais baixa e, além de um casal conversando a
vários metros de distância, não há ninguém além de mim.
Estou prestes a me livrar dos sapatos assassinos quando escuto um
pigarro masculino.
Me viro para trás, encontrando Henrique no topo das escadas.
Ele se livrou da gravata e agora a pequena faixa de tecido descansa
ao redor do seu pescoço junto dos primeiros botões da camisa branca
abertas. O paletó também foi dispensado, de forma que consigo enxergar a
maneira como o tecido abraça perfeitamente cada um dos seus músculos.
Mordisco o lábio inferior.
É tortura saber o que ele esconde por debaixo dessas roupas.
— Fugindo de mim, piccolina?
Nego.
— Só precisava de um pouco de ar. Todas essas entrevistas... Toda
essa comoção... — Solto um sopro de ar pelos lábios. — Ainda não estou
acostumada a ser o centro das atenções.
Henrique desce os degraus até parar de frente para mim. As mãos
pousam em meus ombros descobertos pelo vestido. Estou usando um
modelo tomara que caia com babados na saia e um corpete texturizado em
diferentes tons de amarelo queimado.
— A vida de uma super estrela não é fácil — diz, em um tom
divertido que me arranca uma risada. Os dedos dele deslizam por minhas
clavículas em um gesto de carinho. — Cansada?
— Mais do que você imagina — confesso, fechando os olhos. —
Faria loucuras por um banho quente, uma caneca de chá de camomila e uma
massagem nos pés.
— Não vai ser preciso, porque quando voltarmos para a nossa casa,
vou cuidar de você.
Mordo o interior da minha bochecha.
Nesses últimos dias que antecederam o casamento, não dormi
nenhuma noite no meu apartamento. Eu voltava exausta das reuniões com
os arquitetos e engenheiros sobre a confeitaria e ia diretamente para a casa
de Henrique. Ele manteve a tradição de cozinhar um jantar especial para
nós dois, abrir uma garrafa de vinho e ficar deitado comigo no sofá
enquanto conversávamos sobre o nosso dia.
Na maioria das vezes, terminamos a noite com nossas roupas caídas
no chão e os meus gemidos preenchendo o silêncio da sua casa.
Quando estávamos assim, abraçados e apreciando apenas a
companhia um do outro, pensei em falar tudo o que estava pensando e
desabafar todos os sentimentos que estavam entalados na minha garganta.
Mas eu me contive, porque não queria estragar o pouco tempo que ainda
tínhamos juntos.
Agora, no entanto, não tenho mais escapatória.
— Nossa casa?
Os dedos de Henrique acariciam a minha bochecha.
— Minha casa tem sido também a sua nesses últimos dias, Ariela.
Aperto os lábios e faço o pior questionamento de todos:
— Mas até quando, Henrique?
A expressão dele se torna confusa.
— Como assim?
— Você sabe do que eu estou falando — murmuro, a voz falhando
no final. — Depois da inauguração... Vamos assinar os papéis do divórcio e
seguirmos com nossas vidas? Vamos fingir que nada aconteceu? Porque
esse foi o nosso combinado desde o começo, e sei que a gente ainda não
conversou sobre nada disso, mas acho que...
— Ariela.
Balanço a cabeça e dou um passo para trás. A mão dele desliza para
longe do meu braço até descansar ao lado do seu corpo.
— Eu fiz uma cagada imensa, Henrique — continuo a dizer, olhando
no fundo dos seus olhos. — Falei para não estragarmos tudo envolvendo os
nossos sentimentos no meio porque queria que as coisas continuassem
tranquilas entre a gente, mas não tem como. Não dá mais pra mim e...
Henrique dá um passo para frente.
— Ariela.
— Se você quiser assinar o divórcio na semana que vem, eu vou
entender. Só...
— Ariela — ele me chama mais uma vez, agora pousando o dedo
indicador em meu queixo e erguendo o meu rosto até nossos olhares
estarem na mesma altura. — Eu não quero assinar nenhum divórcio.
Paraliso.
Meu coração acelera.
Até meu joelho dá uma fraquejada.
— Não?
Ele nega e segura o meu rosto entre as duas palmas da mão.
— Não é possível que, depois de todo esse tempo, você ainda não
tenha entendido. — A voz baixa de tom, quase como se ele estivesse
contando um segredo para mim. — Durante todos esses anos, não houve
um maldito segundo que eu não tenha pensado em você. Quando fui para a
Itália, tentei te esquecer de todas as formas possíveis. Tentei ignorar a falta
que você fazia na minha vida. Não deu certo. Mas eu segui fazendo o
possível para esquecer os meus sentimentos. Até que você apareceu no meu
restaurante com aquela proposta insana de nos casarmos.
— Henrique...
Ele coloca uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
— Eu não deveria ter aceitado. Sabia que não. Mas nunca consegui
negar algo para você, então fui em frente, mesmo sabendo que era uma
péssima ideia estar tão perto de você de novo — diz, os olhos focados nos
meus. — Prometi a mim mesmo que manteria a situação controlada. Não
iria deixar as coisas irem longe demais. Só que quando você me perguntou
porque eu nunca tinha chamado você para sair... Foi demais, Ariela. Depois
desse dia, não teve mais volta.
Henrique respira fundo e encosta a minha testa na sua.
— Não quero assinar nenhum divórcio, porque sou apaixonado por
você desde sempre, Ariela — confessa, me arrancando o fôlego. — Estava
apaixonado por você quando ainda éramos amigos na faculdade. Quando
você fazia aquelas trufas horrendas e me pedia para experimentá-las.
Quando comíamos cachorro-quente no meio-fio. Quando passávamos a
noite no chão da sala da república que eu morava. E continuei apaixonado
por você mesmo quando não havia mais nenhuma chance de voltarmos a
conversar.
Meus olhos estão marejados agora.
— Você não fingiu nada, então?
— Nunca precisei fingir nada para ninguém, porque meus
sentimentos por você sempre foram verdadeiros — afirma, roçando de leve
os lábios nos meus. — Você é a única pessoa que eu quero, Ariela. Meu
restaurante era uma peça-chave nesse casamento, mas você era dez mil
vezes mais.
Uma risada incrédula me escapa.
— Não acredito que fui boba no nível de acreditar que tudo era
mentira.
— Você é bem espertinha para algumas coisas, mas para outras...
— Ei! — Empurro seu ombro de brincadeira, lhe arrancando uma
risada. — Sou a pessoa mais inteligente dessa relação! Se não fosse por
mim, você nem teria se casado comigo!
— Eu provavelmente teria recorrido a outros métodos nada
convencionais... — provoca, beijando o canto da minha boca. — Será que
chantagem emocional com intenções matrimoniais é crime aqui no Brasil?
Faço um biquinho.
— Acho que estaríamos burlando a lei do mesmo jeito.
Henrique abre um sorriso.
— Ariela?
— O quê?
— Eu amo você — repete as mesmas palavras que disse naquele dia
no estúdio de gravação. — Eu te amo desde o primeiro momento e vou
continuar amando até o último dia da minha vida. E eu prometo que não irei
embora. Nunca mais. Não quero estar em mais nenhum outro lugar que não
seja com você.
Um soluço me escapa.
Eu só posso estar vivendo um sonho.
Não há outra explicação para tudo o que está acontecendo.
— Eu também amo você, Henrique — confesso, dessa vez com a
certeza de que não há mais nenhuma mentira pairando acima das nossas
cabeças. — Mesmo que você deteste abacaxi na pizza e seja hater número
um de ketchup, eu ainda vou continuar te amando com todo o meu coração.
Na verdade... — Brinco com a ponta da sua gravata. — Acho que eu sou
apaixonada por você desde a noite em que cozinhou aquela panna cotta
com amoras para mim e disse que eu era a pessoa mais especial do mundo.
— Posso continuar cozinhando se isso significar que você vai
continuar apaixonada por mim.
Abro um sorrisinho sapeca.
— Não vai ser preciso, mas eu aceito do mesmo jeito.
— É claro que você aceita.
— É o meu jeitinho e...
As minhas palavras são engolidas pelos lábios de Henrique se
encaixando com perfeição ao redor dos meus e uma das mãos apertando a
minha cintura, me puxando para mais perto do seu corpo. Infiltro os dedos
em seu cabelo, bagunçando-o em diferentes direções, e deixo que sua língua
procure pela minha.
Esse beijo...
É o beijo de cena final de um filme de comédia romântica.
É a junção de todo o tempo em que passamos separados.
É pelos instantes que dividimos juntos no passado.
É pelas novas memórias que construímos juntos nos últimos meses.
Sorrio, com a sua boca ainda na minha, e solto uma risadinha de
pura satisfação quando Henrique mordisca o meu lábio inferior, para logo
depois voltar a me beijar daquele jeito que faz todas as minhas borboletas
internas despertarem.
Henrique se afasta segundos depois, mas ainda mantendo as mãos
em meu corpo. Eu mantenho as minhas também ao seu redor. Não vou me
afastar dele nunca mais.
— Nada de divórcio, então?
Meu questionamento o faz abrir aquele sorriso que me deixa fora de
órbita.
— Não, Ariela. Não haverá nenhum divórcio — garante. — Não se
depender de mim, pelo menos.
Elimino uma risada baixa. Henrique faz menção de me beijar de
novo, mas pouso o indicador sobre os seus lábios.
— Só temos um probleminha...
— Qual?
— O meu irmão.
Henrique me dá uma piscadinha.
— Eu cuido dele, não se preocupe. Mas agora... Eu posso beijar a
minha mulher?
Enrosco as mãos ao redor do seu pescoço e fico na pontinha dos pés.
— Sim, italianinho. Você pode.
Então, depois de quatro anos de tantas idas e vindas, Henrique Fiore
finalmente me beija.
E, dessa vez, é para sempre.
INGREDIENTES:
½ xícara (de chá) de açúcar
6 ovos
1 e ½ xícara de farinha de trigo
1 colher rasa (de sopa) de fermento em pó
1 caixinha e ½ de creme de leite
1 lata de leite condensado
400g de açúcar de confeiteiro

Ariela solta um gemido baixinho de satisfação quando meus lábios


envolvem os seus.
Ela se desmancha durante o beijo, se moldando ao redor do meu
corpo e enroscando as pernas entre as minhas. Os mamilos descobertos e
um pouco arrepiados pressionam o meu peitoral, ao mesmo tempo em que
minhas mãos se enroscam ao redor da sua cintura nua e a puxam para mais
perto.
Estou prestes a virá-la de costas quando Ariela interrompe o beijo e
se senta no meu colo. A luz da manhã vinda da janela ilumina a sua pele
branca bronzeada do sol e o rosto levemente corado. O cabelo, mesmo
bagunçado, ainda a faz ser a mulher mais linda do mundo inteiro.
— Se continuarmos assim, a gente vai se atrasar.
Olho para o relógio em cima da mesinha de cabeceira. São dez horas
da manhã.
— Ainda temos tempo o bastante... — Mordisco o seu mamilo
levemente, lhe arrancando uma risadinha. — Não vou demorar mais que
quinze minutos. Eu prometo.
Ariela infiltra as mãos no meu couro cabeludo enquanto continuo a
dar atenção ao seu corpo, agora massageando o seu outro seio. O quadril
dela cria vida própria, rebolando contra o meu pau. Não estou usando
nenhuma peça de roupa, então consigo senti-la aos poucos, ficando
molhada para mim.
— Você disse isso da última vez... — murmura, reprimindo um
gemido quando rodeio a língua ao redor do mamilo intumescido. — E
adivinha? Chegamos duas horas atrasados na festa de aniversário da Elisa.
Sorrio.
— Foi um pequeno erro de percurso.
— Henrique.
— O que foi?
— Se você continuar fazendo isso comigo, eu vou acabar gozando.
Beijo a sua barriga.
— A intenção é essa mesmo.
Ela revira os olhos, daquele jeitinho petulante de sempre, e foge para
longe de mim até ficar de pé. Ariela pega a camisola caída no chão,
vestindo-a, e depois calça as terríveis pantufas de bichinho. Assisto cada um
dos seus movimentos, com ambos os braços apoiados atrás da cabeça.
Estamos morando juntos desde a festa de casamento da Ceci Braga.
Ariela bem que tentou adiar a mudança, mas a cada dia que passava,
mais coisas suas apareciam na minha casa. Uma escova de dentes no meu
banheiro. Uma caneca de florzinhas na minha cozinha. Um pijama no meu
guarda-roupa. Um par de sapatos na minha sapateira. Um ímã na minha
geladeira.
Duas semanas depois, ela desistiu de lutar e trouxe todas as suas
coisas para cá.
E, desde então, minha casa mudou por completo.
Quando saio para trabalhar, sempre deixo um bilhetinho para ela
junto com o café quentinho na garrafa térmica. Quando chego do trabalho,
perto da meia-noite, encontro o jantar esperando por mim na geladeira.
Quando estou de folga, faço questão de cozinhar sempre o seu prato
favorito enquanto ouvimos uma playlist inteira do Justin Bieber no Spotify.
Eu não sabia que levava uma vida tão solitária até que Ariela ocupou
todos os espaços dela.
— Que sorriso é esse?
Pisco, focando no rosto de Ariela.
— Estou sorrindo porque sou casado com a mulher mais
maravilhosa do mundo.
As bochechas dela ficam coradas e uma almofada é arremessada na
minha direção.
— Seus elogios não vão me convencer a voltar para a cama,
Henrique Fiore!
Dou de ombros.
— Já aceitei a ideia de que você está me desprezando na cara dura.
Mas vou superar, não se preocupe.
Os olhos castanho-chocolate se semicerram na minha direção e as
mãos pousam na sua cintura em um gesto de incredulidade.
— Chantagem emocional não vai funcionar comigo hoje.
— Amanhã posso tentar de novo, então?
Ariela caminha em direção ao banheiro do quarto e me lança um
olhar malicioso sobre o ombro ao dizer:
— Se você não tentar, você não vai saber.
Minutos depois, estou no chuveiro fazendo-a gozar com a minha
língua enquanto ela rebola loucamente em minha boca, implorando por
mais ao mesmo tempo em que geme o meu nome entre uma ofegada e outra
de ar.
E é claro que, mais uma vez, nos atrasamos.

A confeitaria de Ariela levou cerca de um mês e meio para ficar


pronta.
Com a ajuda de Ceci Braga e da sua equipe, ela encontrou o
endereço perfeito na região gastronômica de Santa Clara: exatamente em
frente ao meu restaurante.
Até pareceu destino.
Nem eu mesmo acreditei quando fomos assinar a escritura do imóvel
no cartório.
Nesse dia, comemoramos no meu restaurante com o Cadú
cozinhando para a gente a tão temida pizza de lombo canadense com
abacaxi. E, sendo bem sincero, espero que ninguém me peça para
acrescentar essa iguaria no meu cardápio. Eu não aguentaria a tortura.
Uma vez já foi o suficiente, obrigado.
Depois que os papéis foram assinados, o espaço passou por uma
reforma da cabeça aos pés. Acompanhei, de perto, cada detalhe ganhar vida.
Ariela idealizou o espaço e os arquitetos projetaram tudo do jeito que ela
imaginou, desde a cor das paredes aos itens de decoração.
E hoje, depois de muita ansiedade, é o dia da grande inauguração.
— Está nervosa?
Ariela me direciona um sorriso de canto.
A camisola da manhã foi substituída por uma calça de alfaiataria
verde pastel de cintura alta e uma blusinha branca que evidencia o contorno
das suas clavículas. Nos pés, ela mantém as inseparáveis sandálias de salto.
Ainda é a Ariela de sempre, mas com um ar muito mais profissional.
Estou orgulhoso pra cacete dela.
Acompanhei cada etapa desse sonho, desde a época em que ela
estava lutando para conseguir um diploma até conquistar o tão merecido
primeiro lugar no concurso.
— Quando fui te pedir em casamento, eu estava bem mais.
Olho para a sua boca pintada de batom vermelho.
— Ariela.
— É desafiador pedir o melhor amigo do seu irmão em casamento,
sabia? — Dá uma risadinha, a covinha surgindo na bochecha. — Eu jurava
de pé junto que você iria negar.
— Eu bem que tentei, mas nunca vou conseguir dizer não para você.
— Nunquinha mesmo?
— Nunca mesmo.
Ariela fica na ponta dos pés e deposita um rápido selinho nos meus
lábios. Quando se afasta, há um sorriso apaixonado adornando a sua boca.
Se a situação fosse diferente, eu facilmente a pediria em casamento aqui na
frente de todo mundo.
— Vou me lembrar disso da próxima vez que formos sair para
comer.
Faço uma careta.
— Nada pode ser mais criminoso do que abacaxi na pizza.
Ariela faz uma expressão malvada.
— Já ouviu falar de sushi burguer?
Um arrepio me atinge.
— Não acredito que inventaram isso.
— Inventaram, sim! E é uma delícia!
— Estou começando a ficar preocupado com os seus gostos
alimentares, Ariela.
Ela inclina o pescoço para trás e gargalha.
Meu som favorito no mundo, sem sombra de dúvidas.
— Sobre o que os queridinhos estão rindo?
Viramos o rosto para trás.
Leana se aproxima da gente com seus elegantes sapatos de salto e
uma roupa semelhante à de Ariela. Os cabelos cacheados caem em ondas
bem definidas ao redor dos seus ombros e a maquiagem evidencia o tom de
sua pele negra-clara, junto do formato dos olhos. Nas orelhas, ela usa
brincos dourados e o anel de noivado foi substituído por uma aliança
semelhante à que Ariela e eu usamos.
Leana e Elisa se casaram três semanas atrás em uma cerimônia
íntima na praia de Santa Clara. Não houve muitas pessoas presentes além de
familiares e amigos, mas foi emocionante o bastante para que Ariela
deitasse a cabeça em meu ombro e chorasse discretamente na leitura dos
votos.
Fico feliz demais por elas.
— Já comeu sushi burguer, Leana?
Ela franze a pontinha do nariz.
— Não vou comentar sobre esse crime culinário, porque a Elisa é
completamente viciada em comer esse negócio pelo menos uma vez por
semana — diz. — E eu ainda preciso manter a Nina longe para que ela não
acabe gostando também.
Ariela faz um beicinho.
— Vocês dois realmente não sabem aproveitar as melhores coisas da
vida.
Enrosco minhas mãos ao redor da sua cintura e beijo o seu pescoço.
— Claro que sei — murmuro próximo do seu ouvido. — Porque a
melhor coisa da minha vida é você.
Ariela solta um suspiro apaixonado. Estou prestes a beijá-la quando
escutamos um pigarro. Quando olhamos para o lado, Elisa, Gustavo e Ísis
se aproximam.
Elas duas exibem sorrisos radiantes.
No entanto, o meu melhor amigo está com a pior carranca de todas.
Ele se supera a cada dia nas suas expressões de desgosto.
Afinal, ele não reagiu assim tão bem quando contei sobre mim e
Ariela. Terminei a noite com um soco no nariz. Mas eu mereci, afinal de
contas. Desrespeitei o combinado silencioso entre amigos não só uma vez,
mas duas.
Me casei com a sua irmã.
Me apaixonei pela sua irmã.
E, para piorar, ainda me recusei a assinar o divórcio que ele passou
meses esperando ansiosamente.
Sou um péssimo melhor amigo.
Mas sou um excelente marido.
Infelizmente, não dá para ser perfeito em tudo.
O lado bom é que depois do gancho de direita que me rendeu um
roxo por quase uma semana inteira, a gente voltou a conviver
pacificamente. Gustavo superou a situação, em partes. Lá no fundo, sei que
ele vai levar um tempo para se acostumar com a nova dinâmica.
Afinal, agora ele está morando sozinho. Eu acho. Estou com a leve
sensação de que ele e Ísis estão escondendo alguma coisa e que, em breve, a
bomba vai explodir bem na nossa cara.
— Estou tão animada! — Ísis saltita na direção de Ariela e a puxa
para um abraço. — Nem acredito que depois de tanto tempo, você
finalmente está realizando o seu sonho, amiga. Sinto como se essa vitória
fosse minha, de tão feliz que estou por você!
As quatro engatam em uma conversa animada logo em seguida.
Gustavo então cruza os braços e olha para mim de canto. Empurro seu
ombro de encontro ao meu.
— Está feliz pela sua irmã também?
— É claro que estou. Que tipo de irmão eu seria se não estivesse?
— Sua cara feia diz ao contrário.
Gustavo enruga a ponta do nariz.
— É o preço que pago por ter você como meu cunhado.
Engulo uma risada.
— Você vai se acostumar.
— Daqui trinta anos, talvez.
Reviro os olhos, me divertindo com a sua reclamação.
— Vai ficar bravo se eu disser que pretendo pedir a Ariela em
casamento daqui alguns meses?
Gustavo não diz nada de primeiro momento. Mas, se você olhar com
atenção, vai conseguir perceber a sombra de um sorriso.
— Desde que não tenha lua de mel...
— Tenho a sua benção, então?
Ele solta um sopro de ar.
— Não tenho muita escolha mesmo, certo?
Balanço a cabeça de um lado para o outro e puxo-o para um abraço.
— Também estou feliz de te ter oficialmente na minha família,
Gustavo — murmuro, dizendo as palavras que ele não tem coragem de falar
em voz alta. O irmão de Ariela é duro na queda. — Agora, podemos nós
três assistir ao jogo do Vasco na minha casa.
— Finalmente vai deixar eu sentar a minha bunda suja naquele seu
sofá imaculado?
— Não mesmo. Vou comprar um tapete para você se sentar.
Ele ri alto.
— Só cuide bem da minha irmã, tá bom? — pede, o rosto assumindo
agora uma expressão mais séria, muito semelhante ao do dia em que ele
apareceu no meu escritório depois de saber do casamento. — Não a magoe,
não quebre o coração dela e não seja um péssimo marido. Ela merece todas
as coisas boas do mundo. Diante da primeira lágrima que eu ver ela
derrubando por sua culpa...
— Vou receber outro soco no nariz — concordo com um aceno,
compreendendo a ameaça oculta por trás das suas palavras. — Já entendi.
Gustavo me puxa para outro abraço e dá um tapa amigável nas
minhas costas.
— Estou feliz por vocês — confessa, baixo. — Mas não conta nada
pra minha irmã. Eu gosto de vê-la se esforçando para me arrancar nem que
seja um sorriso forçado.
Reviro os olhos.
Eles dois são realmente inacreditáveis.
— Preparados para o corte da fita?! — Ísis grita em alto e bom som,
erguendo a tesoura no ar. Gustavo faz uma careta de repulsa ao ouvir a voz
dela. — Espero que sim, porque estou morrendo de fome!
Todo mundo dá risada e eu me aproximo novamente de Ariela,
enroscando minhas mãos ao redor da sua cintura e beijando a sua bochecha.
Ela inclina o pescoço só um pouquinho para trás, os olhos encontrando os
meus.
Eles brilham de entusiasmo e animação.
— Pronta para fazer as honras?
Ela pega a tesoura e sorri.
— Mais do que pronta.
— Então...
Ariela apruma os ombros, dá uma olhadinha para trás — onde estão
todos os nossos amigos, familiares, conhecidos e convidados especiais — e
encaixa a tesoura na fita vermelha.
Ela é cortada quase em câmera lenta.
Quando o laço se desfaz, caindo no chão, todo mundo se une em
uma salva de palmas e gritinhos animados que preenche todo o espaço da
rua.
Eu me junto a eles, assoviando bem alto e depois puxando Ariela
para um beijo. Os lábios macios pressionam os meus e as mãos pequenas
apertam os meus bíceps, me mantendo o mais perto possível do seu corpo.
Minha língua brinca timidamente com a sua, em uma provocação que
somente ela vai entender.
Quando me afasto, Ariela está ofegante e risonha.
— Posso confessar uma coisa?
— Estou ouvindo.
— Acho que nunca estive tão feliz na minha vida quanto agora.
Sorrio com a sua boca ainda próxima da minha.
— Eu também, piccolina.
— Por causa do sucesso do seu restaurante?
Coloco uma mecha do seu cabelo atrás da orelha e acaricio a sua
bochecha, balançando a cabeça em um gesto negativo.
— Não.
— Por que, então?
Ergo o seu queixo, nivelando os nossos olhares e confesso a maior
verdade de todas:
— Porque eu estou muito bem casado com a mulher da minha vida.
Henrique me pediu em casamento no dia vinte e um de maio.
Exatamente seis meses depois de nos casarmos pela primeira vez.
Eu sei.
É confuso.
No entanto, quando decidimos embarcar na loucura de um
casamento por conveniência, decidimos que não iríamos nos casar na igreja.
Até porque, esse sempre foi um dos meus maiores sonhos: uma
celebração religiosa com direito a véu arrastando no chão, um imenso
buquê de rosas e alianças de ouro abençoadas pelo padre.
Um sonho o qual Henrique não queria estragar por causa de uma
mentira.
Mas adivinha o plot twist? Estou prestes a me casar na igreja com
ele.
A vida é realmente uma caixinha de surpresas.
O sucesso absurdo da minha confeitaria é a maior prova disso.
Depois da festa de inauguração que aconteceu há quatro meses,
conquistei uma infinidade de clientes e fui convidada para ser a confeiteira
de diversos casamentos e eventos em Nova Granelle. O bolo que fiz para o
casamento da Ceci Braga se tornou um dos itens mais famosos do meu
cardápio e recebo cerca de cem encomendas dele por mês.
A demanda cresceu tanto nas últimas semanas que acabei tendo que
contratar uma equipe maior e reformar o meu espaço. Os planos para os
próximos meses são ampliar a confeitaria em um espaço de três andares e
instalar um jardim de inverno na parte dos fundos.
Confesso que estou animada demais.
Entretanto, a melhor parte, sem sombra de dúvidas, é que depois de
tantos pedidos — ao ponto de rolar até mesmo uma enxurrada de
comentários no Instagram —, Henrique e eu temos o nosso próprio
programa de culinária.
Ainda não gravamos nenhum episódio, porque estamos acertando
todos os detalhes antes de irmos para o estúdio, mas tenho a sensação de
que será um grande sucesso.
Inclusive, acho que sucesso é a melhor palavra que define as nossas
vidas profissionais nesses últimos meses.
O Bacio Di Sole está na boca do povo de um jeito absurdo. A agenda
de reservas está tão requisitada que Henrique está até mesmo cogitando
abrir mais uma filial em Santa Clara e outra em Nova Aurora, cada uma
delas sob os cuidados de Leana e Cadú.
Se os planos realmente se concretizarem, tenho certeza de que será
maravilhoso.
O que também significa que haverá mais tempo para nós dois.
Porque, sim, carreiras promissoras requerem o dobro de atenção.
A minha sorte é que Henrique está me recompensando com uma lua
de mel de vinte dias em Veneza.
Sim.
Na Itália!
Quem se lembra que, até ano passado, eu mal tinha dinheiro para
pagar a fatura do meu cartão de crédito?
Agora estou aqui, com um limite três vezes maior do que deveria ser
permitido para uma mulher viciada em fazer comprinhas na internet, com
passagens compradas para a Europa e proprietária do próprio negócio.
— Espero que não esteja pensando nas sacanagens que vai fazer
hoje à noite com o Henrique. — Gustavo interrompe a linha dos meus
pensamentos ao abrir a porta do carro, em que estou esperando há cerca de
quinze minutos, e me lançar um olhar de desgosto. — Porque eu vou me
recusar a entrar na igreja com você se for assim.
Dou risada e puxo-o para dentro do carro.
Meu irmão se acomoda ao meu lado no banco de trás e abre um
sorriso emocionado, embora esteja se esforçando para disfarçar.
Assim como os outros padrinhos, ele está usando terno e calça social
na cor azul escuro, camisa branca, gravata amarela e uma florzinha no
paletó que é idêntica à do meu buquê. Os cabelos, no mesmo tom que os
meus, foram arrumados com pomada e a barba está perfeitamente aparada,
preenchendo perfeitamente a sua mandíbula.
Ele está muito bonito.
— Não estou pensando em sacanagem nenhuma — murmuro,
entrelaçando minhas mãos ao redor do seu braço. — Eu sou uma mulher de
respeito, Guto.
Meu irmão balança as sobrancelhas.
— Não foi isso que fiquei sabendo.
— O que andaram fofocando para você?
— Nada demais... Só ouvi sobre a frequência em que as cortinas das
janelas do seu escritório ficam fechadas quando o Henrique vai te ver na
hora do almoço.
Minhas bochechas automaticamente ficam vermelhas.
A minha sorte é que comprei uma mesa bem resistente para o meu
escritório.
Porque caso contrário...
Afasto o pensamento para longe.
Não vou pensar em Henrique me fodendo por trás e voltando para o
seu restaurante com a minha calcinha no bolso da sua calça jeans.
Não mesmo.
Seria deselegante demais.
Pare, Ariela.
— Eu não vou falar da minha vida de casada com você, Gustavo —
reclamo, empurrando o seu ombro de brincadeira. — Até porque, se me
lembro bem, até meses atrás você nem queria ouvir o nome do Henrique na
minha boca.
— Eu precisei de um tempo para me acostumar com a ideia de que
vocês dois tinham se casado pra valer.
Arqueio as sobrancelhas, curiosa com as suas palavras.
— Não foi por que ele tinha quebrado a regra de melhores amigos e
se apaixonado por mim?
Gustavo tomba a cabeça para o lado e olha para mim.
— Ariela.
— O quê?
— Eu meio que sempre soube.
Meu coração erra uma batida.
Eu só posso ter entendido errado.
Não é possível que...
— Como assim?
— Ele tem uma foto sua na carteira desde que éramos universitários,
Ariela — esclarece, apontando para o meu rosto. — E, embora ele tentasse
esconder de todo mundo, também havia uma foto de vocês dois no
escritório dele. Hoje a foto é do dia do casamento de vocês, mas antes era
outra.
Fico sem reação.
Sobre a foto no seu escritório, suspeitei que ela havia sido colocada
logo depois de eu me mudar para a sua casa e contarmos para o meu irmão
que não haveria divórcio nenhum.
Eu fiz o mesmo um tempo depois, colocando não somente a nossa
foto do casamento, como também todas as outras que tiramos recentemente:
no aniversário da Elisa, na inauguração da minha confeitaria, na viagem até
Nova Aurora na Páscoa e no aniversário de 29 anos de Henrique.
Meu escritório está recheado de momentos nossos.
Eu só não esperava que Henrique já tivesse feito isso bem antes.
— Qual era a outra foto?
— De vocês dois abraçados no amigo secreto que fizemos há cinco
anos.
Meu Deus.
Justamente a única foto que tínhamos juntos anos atrás.
Inacreditável.
Henrique é completamente inacreditável.
Sacudo a cabeça de um lado para o outro.
— Não consigo acreditar nisso.
Gustavo ergue as sobrancelhas.
— Você não sabia?
— Não.
Ele assente diversas vezes e depois afaga o meu joelho coberto pelo
vestido de noiva.
— Bom saber que acabei de revelar o maior segredo do meu melhor
amigo bem no dia do casamento dele. Será que isso me livra de fazer o
discurso do padrinho?
A risada alta me escapa.
— Não mesmo, porque eu quero ouvir você lendo o textinho
emocionante que escreveu para nós dois! — Aponto o dedo em riste para o
seu rosto. — Aliás, não quero piadinhas de mau gosto sobre o soco que
você deu no nariz do Henrique. Aquilo foi muito feio.
— Ele mereceu, Ariela.
— Quem está merecendo um soco no nariz é você, isso sim!
Ele revira os olhos, ignorando a minha provocação, e depois
gesticula em direção às portas fechadas da igreja. Todos os convidados
estão esperando por nós, até mesmo a minha mãe e o meu padrasto que
decidiram dar um período de folga as suas intermináveis viagens só para
estarem aqui no dia de hoje.
— Vamos casar você, então?
Seguro o buquê com mais força e abro um sorriso.
— Sim!
E é assim, depois de um casamento por conveniência, um concurso
de culinária, um bolo de três andares e um divórcio jamais assinado, que eu
finalmente me caso na igreja com Henrique Fiore, com direito a véu
arrastando no chão, um imenso buquê de rosas e alianças de ouro
abençoadas pelo padre.
Dentre todas as histórias que já escrevi, Bem Casados foi de longe a
que eu mais me diverti durante todo o processo. Falar sobre eles, desde o
primeiro momento em que surgiram na minha mente, sempre foi muito
fácil. Entender o lado mal-humorado e apaixonado do Henrique foi fácil.
Entender a mente maluquinha da Ariela, então, mais fácil ainda.
Bem Casados é exatamente isso.
Uma história fácil de ler.
Nunca foram os meus planos escrever um enredo super elaborado
com plots mirabolantes e acontecimentos de tirar o fôlego que
surpreendessem o leitor. Também não queria que houvesse grandes cargas
dramáticas para serem trabalhadas.
Henrique e Ariela foram planejados para serem aquela comédia
romântica conforto bem estilo sessão da tarde em que você lê dando
sorrisinhos, risadinhas e surtinhos por cada interação deles.
Para mim, foi maravilhoso conhecer o romance deles.
E espero que para você, leitor, tenha sido incrível também.
E quer saber de uma curiosidade? Dia vinte e um de maio é uma
data importante para o nosso casal. É o dia em que o Henrique pediu Ariela
em casamento — oficialmente! É o dia em que eles vieram ao mundo para
vocês lerem cada trecho e cena. Mas é também, acima de qualquer outra
coisa, a data do aniversário de casamento dos meus pais.
25 anos casadinhos.
Achei justo fazer essa homenagem a eles, porque eles diariamente
comprovam que o amor verdadeiro existe. Os bilhetinhos que o Henrique
deixa todos os dias para Ariela? Meu pai faz o mesmo com a minha mãe. O
café da manhã pronto na garrafa térmica? Meu pai também faz o mesmo. E
minha mãe até não pode ser uma confeiteira de mão cheia como a Ariela,
mas ela também faz o meu pai experimentar todas as suas receitas.
Então, esse aqui é um agradecimento imenso aos meus pais. Por me
apoiarem todos os dias nessa loucura que é viver inteiramente da escrita,
por me ajudarem em várias etapas do processo, por acreditarem no meu
potencial e por me encherem de amor todos os dias. Amo vocês!
À Maria Clara, a minha irmã de alma e que escuta todas as minhas
ideias, ajuda a elaborá-las, sugere as melhores cenas e é a melhor amiga que
esse mundinho louco poderia ter me dado. Muito obrigada por acreditar em
mim, por rir das minhas bobagens, por reclamar das mesmas coisas que eu,
por me fazer amar o Rio de Janeiro, por me acompanhar em todas as
loucuras e por ser apenas você. Te amo e já estou morrendo de saudades!
À Anaju, minha sulista favorita e treinadora oficial da minha equipe
(risos). Obrigada por ser essa beta incrível, por ser a pessoa que
compreende cada partezinha minha e por amar tanto Henrique e Ariela.
Nossa amizade é muito importante para mim e espero que, quando nos
vermos novamente, eu não pegue virose de novo! Te amo demais!
À Bruna Pallazzo e Gabi Bortolotto que acompanharam de pertinho
cada um dos processos de escrita desse livro. Nossas conversas me
divertem todos os dias e me arrancam as maiores risadas. Fico feliz demais
de poder contar com vocês duas para conversar sobre as maiores
aleatoriedades possíveis, dar risada até a barriga doer e reclamar que
estamos atrasadas na meta — porque isso a gente faz muito! Amo vocês,
queridas!
À Lari, minha assessora e a pessoa que impede que eu surte no
período de pré e pós-lançamento. Você entrou de mansinho na minha vida e
conquistou um espaço tremendo de especial no meu coração. Muito
obrigada por ser essa pessoa prestativa, bem humorada, divertida e que faz
os meus dias se tornarem mais alegres. Espero que continuemos
trabalhando juntas por muito tempo!
Às minhas betas, Anaju, Ana Laura, Camilly, Duda, Gabi, Gi,
Jennifer, Júlia, Lari, Lívia, Mariana, Nathália, Polyanna, Tan e Vitória que
surtaram TANTO no arquivo que até conseguiram travar o Google Docs!
Muito obrigada por embarcarem comigo na betagem de mais um livro, por
fazerem as melhores sugestões, por implorarem pro Henrique ser pai de
menina — talvez um dia venha aí! — e por se apaixonarem por Henriela
tanto quanto eu <3
À Leonor Carvalho, a minha portuária favorita e que me escutou
falar de Henrique e Ariela uma porção de vezes até criar coragem para
escrever o livro deles. Muito obrigada por ser essa pessoa admirável,
querida, divertida e uma escritora tão incrível! Te amo muito! Já estou
contando os dias para a gente se ver novamente!
Às minhas parceiras, que continuam divulgando Bem Casados de
forma primordial e produzindo os melhores conteúdos do mundinho todo!
Muito obrigada por estarem comigo, por apoiarem o meu trabalho e por
fazerem que mais pessoas conheçam o amor de Henrique e Ariela.
Um agradecimento mega especial também a todas as pessoas que
trabalharam comigo na elaboração de todos os detalhes de Bem Casados:
Natasha, minha revisora; Arda, Vee, Gabs, Blue e Anamin que ilustraram
com maestria os meus personagens; Salay, que cuidou do meu feed do
jeitinho mais perfeito do mundo e topou todas as minhas ideias; Mariane e
Maria Clara que sempre cuidam dos detalhes da leitura sensível e Lari,
minha assessora de milhões.
E, é claro, que não poderia deixar de agradecer a todas as minhas
leitoras que fazem cada lançamento ser inesquecível. Muito obrigada por
lerem minhas histórias, por divulgarem meus livros, por se apaixonarem por
cada um dos meus personagens, por pedirem livros de todos os secundários,
por surtarem horrores na minha dm e por estarem todos os dias comigo.
Nada disso aqui seria possível se não fosse por vocês!
Obrigada por tudo!
Em breve, a gente se vê em outro livrinho com muita comédia
romântica e slow burn <3
Com carinho,
Bruna Eloísa

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