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Logo que adentro a casa de Giovana, sou recebida por Pluto, seu
pitbull de estimação.
— Eu sempre vou achar uma graça esse cachorro se chamar Pluto
— comento com ela, abaixando-me para afagar o cãozinho.
É bem verdade que quando conheci minha amiga, há cerca de dois
anos, eu tinha verdadeiro pavor dele. Principalmente porque nunca convivi
com um pitbull “manso” assim. Mas esse carinha aqui é um poço de
carinho quando não está assustando quem passa na calçada da rua.
— Eu tinha onze anos na época, Bá — ela justifica, como sempre.
— E Pluto era meu cãozinho de pelúcia.
— É fofo — respondo, levantando-me para abraçá-la. — Mas talvez
para um poodle?
— O Pluto é fofo, amiga. As pessoas que se assustam à toa.
— Ah, claro. Porque um pitbull não assusta ninguém — brinco e ela
ri, puxando-me para um abraço.
— Vem cá. Meu pai já acendeu a churrasqueira.
Minha amiga me guia até os fundos, onde há uma área gourmet
muito bonita. Eu já estive em sua casa várias vezes, mas quase não ficamos
por aqui.
E agora, durante o dia, com o sol tímido de Curitiba, vejo o quanto
tudo é bonito.
— E qual foi a mandinga que você fez para dar sol hoje, hein? —
brinco e ela ri. — Curitiba sempre está debaixo de chuva.
— Eu sou uma pessoa que traz sol, Babi. Não é à toa que meu pai
me chama de girassol — comenta sorrindo e é a minha vez de rir.
— Está certo.
Chegamos perto da churrasqueira e, quando Augusto se vira, eu
aproveito para olhá-lo melhor.
Ele é mesmo muito bonito, como minha amiga disse…
Bonito não, lindo.
Com os cabelos loiro-escuros, levemente raspados na nuca, e um
pouco bagunçados em cima, ele tem um ar sério e descontraído. Os olhos
são de um tom de azul intenso e os lábios grossos são ornados por uma
barba bem feita.
Sinto-o me encarar de volta e notar que eu o estava analisando,
então engulo em seco, baixando o olhar.
— Oi, Bárbara — ele me cumprimenta e a voz grossa arrepia até o
último pelinho da minha nuca.
— Oi, Augusto — cumprimento-o de volta e estendo a mão, que
aperta firme.
Sua mão é tão grande que a minha se perde ali dentro.
E tão quente…
Raspo a garganta e tento afastar esses pensamentos, porque ele é
simplesmente o pai da minha amiga.
Mas podia ser mais feio? Podia!
Mas, ignorando tudo isso, o homem à minha frente veste bermuda e
camiseta branca mostrando os braços fortes e as tatuagens presentes neles.
Eu disse que Augusto Ferraz me intimida.
Desde a primeira vez que o vi.
— Amiga, eu fiz arroz integral pensando em você — Giovana fala,
tirando-me do transe, e eu dou um pulo involuntário para trás.
— Oh, Gi… Não precisava, obrigada!
— Não me custava nada. — Ela dá de ombros. — E meu pai
também está de dieta.
— Eu estou o quê? — a voz grossa me atinge de novo.
Oh, meu pai…
Que voz…
— O senhor bem andou ganhando uns quilinhos, viu? — Giovana
diz e eu penso que ela não poderia estar mais enganada.
Que quilinhos, se o corpo desse homem é um monumento?
— Não viaja, Giovana. — Ele balança a cabeça sério e minha amiga
solta uma risada, divertida.
Logo ela se inclina para beijar o seu rosto e ele ainda resmunga
umas palavras.
— Estou brincando, pai! Você poderia rir um pouquinho, não é?
Temos visita — a forma divertida com que ela diz tira um sorriso dele de
lado.
E mais uma vez me pego pensando no quanto os dois são lindos
juntos.
— Você come qualquer coisa, Bárbara? — Augusto se vira para
mim e eu assinto, afetada.
É incrível como todas as vezes que ele fala o meu nome eu fico
mexida.
— Não precisam se preocupar comigo, eu não dou muito trabalho.
— Ela ama carne de boi, pai — Gio passa na frente, ele me
questiona apenas com um arquear de sobrancelhas e eu assinto depressa.
Vejo Augusto colocar carne bovina no espeto e minha amiga pede
licença para buscar uma caixinha de som dentro de casa, deixando-nos
sozinhos.
— Quer beber alguma coisa? — oferece-me. — Pode abrir o freezer
e ficar à vontade. Acho que a Gio comprou água com gás para você.
— A Gio é maravilhosa — murmuro e passo por ele, indo até o
freezer buscar uma garrafinha para beber.
Viro no copo e ofereço a ele, que nega, apontando para a long neck
de cerveja.
E esse pouco tempo aqui, perto dele, já começa a me deixar meio
nervosa.
Augusto sempre foi intimidante para mim e agora, depois da
conversa de ontem com sua filha, estou por reparar outros detalhes dele que
até então me passavam despercebidos.
Balanço a cabeça e sinto um alívio por ver minha amiga voltar ao
nosso encontro, principalmente porque acabei de sentir o perfume de
Augusto.
E juro que queria que não fosse um cheiro tão gostoso…
— Um pouquinho de música não faz mal, né? — ela diz animada e
liga a caixinha em um som ambiente.
— Você gosta de qual ponto da carne, Bárbara? — Augusto me
pergunta, erguendo os olhos para mim.
— Ao ponto para mal — respondo e ele abre um sorriso de lado.
— Está vendo, Giovana? É assim que se come carne bovina e não
esses pedaços de carvão de que você gosta.
A garota mostra a língua para o pai e eu caio na risada.
Eles são tão divertidos juntos.
— Pois faça essa carne crua para vocês dois, que eu gosto de uma
bem passadinha.
— Amiga, não é crua — defendo.
— Dezoito anos que eu tento falar isso para ela, Bárbara. Mas Gio
simplesmente não me escuta.
Giovana faz uma careta fofa antes de pegar sua bebida.
Logo começamos uma conversa tranquila sobre amenidades e eu
fico um pouco mais relaxada na presença de Augusto. Vê-lo em casa de
folga, com roupas casuais e chinelos, é bem menos intimidante do que
vestido com roupas de trabalho.
Porque não basta o pai da minha amiga ter uma presença tão
imponente, ele ainda é delegado da Polícia Federal.
Um “A” que esse homem fala estremece qualquer um.
Quando a carne fica pronta, ajudo Giovana a montar a mesa e vejo
que ela preparou uma salada bem variada para acompanhar, além do arroz
integral.
Faço a contagem mental de carboidratos que vou ingerir e peço
licença a eles para ir até a minha bolsinha. Preciso medir a glicemia e
injetar a insulina necessária antes de começar a refeição.
Noto que Augusto me analisa em silêncio fazer todo meu ritual e
fico esperando pela pergunta curiosa, a que já estou acostumada, mas esta
não vem. Sei que tem conhecimento do meu diabetes, porque Giovana já
comentou com ele em outras vezes que estive aqui. Mas seu pai sempre foi
muito discreto e nunca fez nenhuma pergunta sobre isso, o que aprecio
bastante.
Quinze minutos depois, começamos a comer tranquilos. Giovana
conta para o pai como nossa saída foi divertida ontem e percebo que ela
tenta convencê-lo a sair mais.
Mas Augusto é bem reticente e seu semblante fechado mostra que
não tem muito tempo para isso. E nem quer, na verdade.
O homem já passa seu tempo se dedicando ao trabalho, à filha e a
um projeto em que é voluntário, para ele isso é suficiente.
Consigo enxergar toda a preocupação de Giovana, mas, ao mesmo
tempo, percebo o quanto ele está tranquilo com tudo isso.
Augusto Ferraz parece querer uma vida tranquila, sem grandes
emoções. E, por mais que a filha tente, ele está confortável com o que tem.
E aqui, observando a interação dos dois, consigo entendê-lo um
pouco mais.
Às vezes, tudo o que queremos na vida é um pouco de tranquilidade
e estabilidade.
E isso Augusto parece ter de sobra.
O delegado tem uma vida confortável, um emprego estável, um
trabalho que ama e uma filha que tem todo o seu amor.
Para ele, isso basta.
E eu me pego pensando que essa estabilidade é exatamente o que eu
queria ter.
Assim como Augusto, eu também quero uma vida tranquila.
Por isso, sou capaz de entendê-lo.
Mesmo.
CAPÍTULO 4 - Augusto
— Hoje eu quero falar com vocês sobre alguns erros básicos que
percebi que estão cometendo nas posições. Por causa disso, acabam
entrando na guarda, tomando raspagem ou até mesmo finalizados.
Olho para o time de crianças à minha frente, que me encara atento.
Duas vezes por semana eu separo um momento do meu dia para vir
ao projeto Acolher, que ensina vários esportes e artes a crianças da
periferia. Como faixa preta em jiu-jitsu, sou o mestre desses pequenos. Eu e
Murilo, meu parceiro.
Já são mais de cinco anos sendo voluntário nesse projeto que só tem
crescido a cada dia. Dá um orgulho imenso saber que estamos ocupando o
tempo desses pequenos com coisas construtivas e os deixando cada vez
mais distantes do mundo do crime.
— Então vou passar para vocês algumas dicas importantes para
usarem, principalmente quando estiverem dentro da guarda do adversário.
Observo as doze crianças vestidas de quimono e todas sinalizam
para mim em concordância. Elas me respeitam e ouvem com bastante
atenção tudo o que estou disposto a ensinar.
— Murilo! — chamo meu amigo em um gesto e ele se coloca ao
meu lado.
Nos ajoelhamos no tatame e eu sinalizo para que ele se posicione
abaixo de mim.
— Observem com atenção, porque tudo isso é muito importante
para quem estiver passando a guarda, ok?
Todos assentem e eu continuo.
Ajoelhado, abro as pernas e me posiciono acima de Murilo,
segurando a lapela de seu quimono.
— Quando o Murilo está com a guarda fechada aqui. — Neste
momento, meu amigo cruza as pernas em minhas costas e me puxa pela
lapela do quimono. — A intenção dele é me puxar para ele, onde meu
quadril fica leve. — Para exemplo, Murilo me puxa e eu caio em cima de
seu corpo. — Mas, se eu resisto muito para trás, ele sobe e usa a minha
própria força, me derrubando. Então aqui nós já temos dois erros.
Repetimos novamente os movimentos diante das crianças, para que
elas absorvam todas as dicas.
— Um outro erro muito comum é colocar a mão acima do peito, na
lapela do adversário. — Replico o movimento. — Aqui o meu braço está
muito vulnerável. — Aponto para o membro esticado. — Então o Murilo
pode atacar os meus braços e fica muito difícil para que eu volte.
Fazemos todos os movimentos mais de uma vez para que elas
consigam entender.
— Conseguem perceber? — indago e recebo um coro em
confirmação. — Certo. Outro detalhe importante é a posição dos meus pés.
Os dois polegares estão encostados no chão, conseguem ver? Dessa forma
eu consigo me levantar com facilidade quando necessário. E os joelhos
sempre abertos — reforço. — Eles não podem ficar fechados.
Explico com todo o cuidado e da forma mais didática possível a
eles.
— Então aqui, pessoal, eu estou na postura ideal. Nem muito para a
frente, nem muito para trás. Ok? Então, se o Murilo me puxar pela lapela e
a minha mão estiver abaixo de seu peito, eu impeço a raspagem.
Conseguem entender?
Quando todos assentem, eu repasso mais uma vez esses erros
básicos e me levanto do tatame.
— Ótimo. Agora eu quero vocês treinando e evitando esses erros
antes de prosseguirmos, ok?
Com a ajuda de Murilo, acompanhamos as duplas e damos todo o
suporte para essa turma que é iniciante na luta. Já temos outras avançadas,
mas essas crianças de hoje estão tendo contato com o esporte há pouco
tempo.
O treino corre de forma tranquila, só percebo meu amigo calado
demais. E isso não é algo de seu feitio.
— Certo, pessoal. Por hoje é só — anuncio o término do treino. —
Na semana que vem já vou passar para vocês algumas raspagens básicas,
ok?
As crianças assentem animadas e eu recebo abraços calorosos de
alguns. É sempre um momento muito gratificante que eu passo com cada
um deles.
Quando deixamos o salão e seguimos para o vestiário, noto Murilo
seguir direto para o chuveiro ainda em silêncio. Espero para ver se vai me
dizer qualquer coisa, mas, quando nos trocamos e nos preparamos para sair,
eu o abordo.
— Está tudo bem, cara? Você mal trocou uma palavra hoje.
Ele me encara e balança a cabeça negando.
— Foi mal, hoje não estou uma boa companhia.
— Quer conversar? Somos parceiros, sabe disso.
Murilo acena e joga a mochila nas costas, seguindo-me até o
estacionamento.
Quando paramos ao lado da minha moto, ele me encara parecendo
um pouco constrangido.
— O que está pegando?
— Acho que a Laura está me traindo… — solta e eu arregalo os
olhos.
— Como é que é? — Minha reação é de puro espanto, já que os dois
estão juntos há mais de quinze anos e sempre se deram muito bem.
— Ela está muito esquisita, Augusto — diz com a voz baixa. — Mal
tem conversado comigo, olhado na minha cara… E agora deu para rejeitar
qualquer contato físico.
— Caralho… — Esfrego as mãos na barba, negando-me a acreditar.
— E isso foi do nada?
— Já faz uns dias que tenho notado seu distanciamento. Mas hoje
vê-la se estremecer e recuar quando toquei nela acabou comigo.
— Que estranho isso, Murilo…
— Porra, Augusto. Eu faço de tudo por aquela mulher! Juro que não
sei onde falhei para ter merecido isso.
— Calma, cara — falo, tocando o seu ombro. — Talvez não tenha
sido isso. Talvez seja algum problema que ela está enfrentando…
— Problema nenhum nunca distanciou a minha mulher de mim,
Augusto. Ela só pode ter encontrado outra pessoa…
E a tristeza em seu semblante por falar isso em voz alta acerta o meu
peito.
— Já tentou conversar com ela? — indago e ele nega.
— Laura não está nem falando comigo…
— Mas ela tem alguma amiga com que deve se abrir, não? Investiga
isso, porra. Vê o que está acontecendo. Quem trai costuma agir na cara de
pau mesmo e essa história está muito esquisita.
Murilo corre as mãos pela barba e balança a cabeça, soltando um
suspiro.
— Vou ver o que consigo descobrir.
— Pode ser que ela esteja tendo problemas, não se precipite. Vamos
descobrir o que é.
— Está certo. — Dá de ombros. — Valeu, Augusto.
— Você esteve comigo na pior, Murilo — relembro e meu amigo
assente. — Isso aí não é nada.
Ele balança a cabeça e se vira para sair.
— Vai ficar tudo bem, cara. Vamos resolver isso — garanto e
Murilo assente, virando-se para me deixar sozinho.
E aqui, parado, minha mente fervilha.
Meu faro não costuma errar e isso que meu amigo está me contando
não me cheira a traição.
Não sei…
Alguma coisa está acontecendo e precisamos descobrir o que é.
Não vou descansar até que isso aconteça.
CAPÍTULO 5 - Bárbara
— Espero que tenha alguma coisa boa para mim, Braga — falo,
logo que meu agente adentra o meu gabinete.
Todas as vezes que o rapaz cruza a minha porta com um sorriso no
rosto, eu sei que tem coisa boa. O garoto está respirando essa investigação e
conseguindo muita informação importante para nós.
— Abre seu e-mail — pede e eu o faço, vendo-o parar ao meu lado
para encarar a tela do monitor.
Vejo a mensagem que acabou de me enviar e faço o download das
imagens, recebendo mais fotografias de nosso agente infiltrado com
homens de terno.
— Quem são esses? — pergunto, dando zoom nas imagens.
— O de terno azul é aquele empresário das fotos anteriores e o de
terno preto é ninguém menos que Eduardo Bastos.
Viro-me para ele, tentando ver de onde conheço esse nome.
— Eu deveria conhecer esse cara?
— Segundo deputado federal mais votado da história do Mato
Grosso — declara e eu solto um assobio.
— Eita, porra.
— Um figurão, acima de qualquer suspeita.
— O pior tipo, na verdade — digo, enquanto repasso as fotos diante
de mim. — Já tem uma relação concreta entre ele e os bolivianos?
— Ainda não, delegado. Mas sei que está envolvido.
— Consegue essa prova, Braga — digo, virando-me para ele. —
Quero pedir ao juiz Leandro autorização para grampear o telefone desse
deputado, mas, para isso, preciso de algo mais concreto.
Os olhos do garoto brilham e ele assente, afastando-se de mim.
— Aproveita e chama o Murilo para mim — peço e ele acena, antes
de sair de minha sala.
Repasso todas as fotos e vejo cada passo do deputado, cada
detalhe…
— Me chamou, delegado?
Murilo passa pela porta e eu ergo os olhos para ele.
— O Braga conseguiu uma informação muito importante.
Gesticulo para que ele venha até mim e mostro as fotografias abertas
na tela, revelando quem são os envolvidos.
— Se na fronteira do Mato Grosso há político envolvido, pode ter
certeza de que aqui também há — falo e Murilo nem pisca para mim. —
Quero que você e a Julia investiguem os deputados aqui do Paraná. Todos
eles, desde os envolvidos em algum escândalo até os que têm a ficha mais
limpa que existe.
— Deixa comigo, Augusto.
— Se envolve políticos de fora e daqui de dentro, a coisa é ainda
mais fedida, Murilo. Nem que a gente demore anos nessa investigação, nós
vamos resolver essa porra.
— Com toda certeza, delegado. Estava demorando a cair um caso
grande desses em nossas mãos.
Olho para ele e sorrio.
Se estivermos indo para o rumo certo, esse poderá ser o maior caso
da minha vida.
— Temos que nos aposentar com honras, né? — brinco e ele ri.
Ainda que seu semblante esteja cansado, é notável o quanto fica à
vontade no trabalho.
— E como estão as coisas em casa? — pergunto e ele dá de ombros.
— Do mesmo jeito. Mas consegui convencer a Gisele a conversar
comigo. Marcamos para esse final de semana.
— Isso é ótimo. Logo você terá todas as respostas de que precisa.
Murilo assente fraco.
— Espero muito que sim. Agora vou voltar para o trabalho, tenho
alguns políticos para perseguir.
— Não se esqueça dos senadores — reforço e ele confirma,
preparando-se para sair.
— Vou atrás de todo o Congresso.
Ele dá uma piscada e sai de minha sala, deixando-me sozinho.
Volto a atenção para as fotos abertas diante de mim e minha mente
viaja longe.
Esse caso vai ser ainda melhor do que eu imaginava.
— Bu!
Uma voz feminina chega ao meu ouvido e eu dou um pulo
involuntário, colocando a mão no peito.
— Ficou maluca, Lorena? — pergunto à minha colega de trabalho,
que gargalha ao ver a minha reação.
Meu coração chegou a se acelerar um pouco com o susto que ela me
deu.
— Desculpa, Babi. Não resisti! Mas você estava aí viajando longe
com essa caneca de café na mão, tenho certeza de que até esfriou.
— Não esfriou nada, não — reclamo, dando um gole na bebida, e
faço uma careta ao constatar que está certa.
— Viu só? — Ela ri e eu balanço a cabeça.
Sigo para a pia, onde jogo o restante do café fora, e me sirvo de
mais um pouco, direto da garrafa. Lorena faz o mesmo e se senta ao meu
lado à mesa pequena da cozinha da agência.
— Tem algum motivo para estar tão pensativa hoje, Babi?
Ela me pergunta com cuidado e eu engulo em seco.
Se tenho? Com toda certeza, tenho…
Mas será que eu devo falar?
A verdade é que preciso desabafar com alguém, já que
definitivamente não posso fazer isso com a minha melhor amiga.
— Eu sou uma amiga muito ruim — declaro e ela estreita os olhos
para mim.
— De onde você tirou isso, Bárbara? A gente te adora aqui na
agência, e também fora dela e…
— Não, não aqui — interrompo-a, suspirando. — Com a minha
melhor amiga, que inclusive me hospedou quando fiquei desabrigada.
— Aconteceu alguma coisa entre vocês duas?
— Não…
— Então não entendi. Quer me contar o que está acontecendo? —
pede baixinho e eu encaro a caneca de café em minhas mãos antes de dar
um gole.
— Eu estou pensando demais no pai dela — confesso, sentindo meu
rosto corar imediatamente. — De um jeito que eu não deveria pensar…
Os olhos de Lorena se arregalam e então ela arrasta a cadeira para
ficar mais perto de mim.
— Como assim? O pai dela? Da sua amiga? Ele está dando mole
para você?
— Não necessariamente — respondo, sentindo-me corar de novo.
— Ele só está sendo muito atencioso comigo e eu certamente estou
interpretando tudo errado…
Faço uma careta, mas ela só estreita os olhos para mim.
— Me conta isso direito e eu te falo se você está mesmo
interpretando isso errado.
Olho para minha amiga e solto um suspiro.
— Não sei nem por onde começar…
— Comece me falando como ele é.
— Lindo — solto e ela abre um sorriso de lado. — Mas não é só
lindo, é um lindo diferente — tento explicar. — Augusto tem uma
imponência tão grande que te faz sentir pequena perto dele, entende? —
falo e ela assente. — Mas não te assusta, pelo contrário, te protege. Ele é
muito protetor. Além de lindo — repito e ela ri.
— E não é muito velho? Por ser pai da sua amiga?
— Lore, ele tem quarenta e três anos — revelo e ela solta um
assobio. — Mas o homem, além de delegado federal, é lutador de jiu-jitsu
— reclamo e ela gargalha. — Tudo seria tão mais fácil se ele fosse feio.
Faço um biquinho e tiro mais uma risada dela.
— Ok… Aposto que ele é um gostoso — constata e eu mordo a
pontinha do indicador, assentindo.
Não tem outra forma de definir Augusto que não seja essa. Isso
porque eu nem o vi sem camisa ainda…
— E, além disso, ele se preocupa comigo. Cuida de mim.
Agora eu relato a ela sobre as caronas que ele me deu, a forma como
se preocupou na primeira vez que me levou em casa. O dia do resgate da
enchente, e todos os dias morando na casa dele. Cada gentileza, cada gesto
de cuidado…
— Ai, Babi. Você está tão ferrada… — constata e eu rio baixo.
— Eu sei… Mas vou tirar isso da minha cabeça. Não faz o menor
sentido ficar pensando no Augusto desse jeito, sem condições.
— Como se a gente mandasse em alguma coisa, né?
— Mas eu preciso, Lore! — falo, virando o resto de café. —
Augusto nunca vai olhar para mim desse jeito, mesmo se não fosse quem é.
— Por que, Babi? Por que ele nunca vai te olhar assim?
— Por quê? — devolvo a pergunta e ela assente.
Essa não é difícil de responder.
Principalmente se eu fizer uma autoanálise e perceber tudo o que
sou, tudo o que eu tenho, e tudo o que Augusto é.
— Porque ele é tudo o que eu não posso ter. Augusto tem uma vida
construída, uma carreira sólida, uma família. É cuidadoso e protetor com
quem ama, além de ser extremamente leal. Ele é tudo e eu não teria
absolutamente nada para oferecer em troca. Porque perto desse homem, eu
não sou ninguém…
— Não fala assim…
Aceno, abrindo um sorriso fraco.
— E além do mais, ele é pai da minha melhor amiga. Alguém que
me estendeu a mão quando estive em meus piores momentos da vida. Isso
já é motivo suficiente para que Augusto Ferraz seja inalcançável para mim
— concluo.
Lorena me analisa por um momento antes de assentir.
— Entendo o seu dilema… Só não quero que pense que você não é
merecedora de alguém como ele, porque é.
Encaro-a e nego baixinho.
Não, não sou.
Ninguém quer alguém tão ferrada quanto eu…
Tão quebrada, tão…
— Cada um tem o que merece, Lore. E eu não mereço alguém como
ele.
Os olhos dela se estreitam e eu trato de me levantar.
— Agora preciso voltar ao trabalho.
Aponto para a porta e ela ainda está me olhando com aquele
semblante que eu simplesmente odeio.
Pena…
— Babi… — chama e simplesmente nego, acenando e saindo da
cozinha.
Volto para a minha mesa de trabalho e trato de me focar no projeto
de uma pizzaria, que comecei pela manhã.
E aqui, mergulhada em criações, levo a mente por caminhos mais
seguros.
Ainda que por pouco tempo.
Augusto
Sinto meu corpo suar frio quando mais uma onda de dor me invade
e acabo de perder o resto da concentração que eu estava lutando para ter no
trabalho hoje.
A cólica começou a dar indícios logo de manhã, e pensei que não
fosse perdurar. Mas, logo que passou o horário do almoço, ela veio com
tudo, tirando todo o meu ar.
Toco o meu ventre e respiro fundo, mas sei que é um caso perdido.
Detesto tomar remédios, mas não tenho como escapar hoje.
Levanto-me da minha mesa de trabalho e sigo até a cozinha, onde
busco um analgésico na bolsa; tomo um comprimido com um copo cheio de
água. Bebo mais um em seguida e a sensação que eu tenho é de que minha
sede não sacia.
Aproveito que estou aqui e meço a glicemia, que estava um pouco
mais alta na última conferência.
Essas alterações hormonais acabam comigo.
Não basta estar menstruada, com uma cólica do cão, ainda preciso
lidar com uma hiperglicemia.
Abro a bolsinha de insumos e pego tudo o que preciso para fazer a
ponta de dedo, conferindo minha glicemia.
Duzentos e quarenta e dois.
Solto um suspiro e a fisgada na minha cabeça vem forte.
É, hoje realmente não é o meu dia…
Junto tudo na minha bolsa e sigo para a sala de Paula, minha
gerente. Ela sempre foi muito compreensiva comigo e sabe como a minha
saúde é delicada. Sempre que eu tenho uma alteração na glicemia, faço de
tudo para contornar aqui mesmo no trabalho, mas em algumas vezes
simplesmente não consigo.
— Paula? — chamo, batendo a sua porta, e ela sinaliza para mim.
— Está tudo bem, Bárbara? — Ela franze o cenho ao notar o meu
semblante e eu nego.
— Estou com uma cólica terrível — digo, pausando para respirar
fundo. — E com a glicemia em duzentos e quarenta e dois.
— Meu Deus!
— Realmente não tenho condições de ficar aqui hoje. Pode me
liberar mais cedo? Prometo que compenso essas horas depois…
— Imagina, Bárbara. Eu entendo! Pode ir para casa se cuidar. São só
duas horas mais cedo. Depois nós resolvemos isso.
Assinto, já sentindo um alívio.
— Muito obrigada mesmo, Paula!
Aceno para ela e sigo até o meu computador para desligá-lo,
deixando Lorena a par de onde eu parei. Ainda estou respirando cansada
quando desço pelo elevador em direção à saída do prédio.
Chamo um Uber pelo aplicativo e sinto um alívio por saber que já
há um na mesma avenida chegando. Em menos de dois minutos, estou
dentro do carro e aproveito para ligar para minha amiga.
— Babi?
— Gio, você está em casa? — pergunto, apertando os olhos ao sentir
uma fisgada.
— Estou, sim… Por quê? Aconteceu alguma coisa?
— Amiga, estou com uma cólica terrível e com a glicemia bem alta
— falo e faço uma pausa para respirar. — Estou indo para casa mais cedo,
ok?
— Nossa, Babi! Quer que eu te busque?
— Não, eu já estou no Uber. Daqui a pouco eu chego aí.
— Está certo. Pode vir, que eu fico com você.
Despeço-me dela e encerro a ligação, sentindo uma náusea forte.
Fecho os olhos e encosto a cabeça no vidro, respirando fundo várias vezes e
torcendo para que o trajeto seja mais rápido.
Quando o motorista adentra a nossa rua, sinto um alívio
momentâneo e salto do carro imediatamente ao parar.
Busco as chaves na bolsa com os dedos trêmulos e, ao destrancar,
percebo Pluto me receber com seu carinho costumeiro.
— Ah, Pluto… Hoje não estou muito bem.
Não consigo me abaixar para afagá-lo, então coço a sua orelhinha
com o pé e ele parece ficar feliz com esse pouquinho de atenção que recebe.
— Babi? — Minha amiga surge em meu campo de visão e eu vou
até ela, respirando com dificuldade. — Você já tomou alguma coisa?
Giovana toma a bolsa de minhas mãos e me guia para dentro de
casa. Ela me leva até a cozinha, onde me sento à mesa e faço uma careta ao
sentir aquela onda forte de cólica.
— Tomei um analgésico lá na agência, mas ainda não fez efeito —
digo, ao pegar o copo de água de suas mãos.
Bebo um copo inteiro de uma vez e ela rapidamente o enche mais
uma vez.
Sempre que tenho esses episódios de hiperglicemia tenho uma sede
absurda, uma sensação de que nunca estarei saciada o bastante.
— É a alteração hormonal, né? — pergunta com cuidado e eu
confirmo.
Giovana me conhece bem e sabe que, em determinadas fases de meu
ciclo, eu fico mais resistente à insulina, como hoje.
— O que eu posso fazer por você, Bá?
— Vou só fazer uma ponta de dedo antes de tomar um banho quente
— explico. — Quem sabe ajuda a glicemia e a cólica…
Minha amiga assente e se levanta, trazendo a minha bolsinha de
insumos na mão.
Quando pego, faço a medição e sinto um aperto no peito ao conferir
o glicosímetro.
Duzentos e setenta e seis.
— Ah, amiga…
Pego a caneta de insulina e aplico em meu braço, respirando
cansada.
— Eu vou só tomar um banho e torcer para a insulina fazer efeito
mais rápido.
— Eu vou ficar atenta aqui, ok? Qualquer coisa, você me grita lá de
dentro. E não precisa trancar a porta, meu pai não vai chegar por agora.
Aquiesço e me levanto com dificuldade, indo até o meu quarto. Tiro
as roupas bem mais devagar do que o normal e prendo os cabelos em um
coque, indo até o boxe.
Abro o chuveiro em temperatura quente e entro debaixo do jato de
água, fechando os olhos por um instante.
Encosto a cabeça no azulejo e sinto um lampejo de náusea, aquela
sensação ruim tomar conta de mim.
É tanta dor, tanto cansaço…
Respiro fundo e o esforço faz meu peito doer.
Luto contra a vontade de chorar, porque sei que vai fazer minha
cabeça doer ainda mais. Mas é inevitável.
Não consigo controlar quando tudo está tão desorganizado em
mim…
Eu só queria um pouco de paz.
Depois de ficar um bom tempo no banho e ver que pelo menos a
cólica deu uma aliviada, fecho o chuveiro e me seco, buscando uma roupa
leve para me vestir.
Ouço uma batida à porta e logo Gio coloca a cabeça para dentro,
com o semblante preocupado.
— O banho ajudou?
— Um pouco — respondo, sentando-me na cama, e ela me
acompanha.
— Liguei para o meu pai e avisei sobre você — diz e eu sinto um
aperto no peito.
— Não precisava, Gio. Eu já estou acostumada…
— Eu sei, amiga. Mas e se você piorar? Eu me sinto mais segura
tendo o apoio dele.
Não estou nem em condições de discutir, então apenas assinto,
deitando-me na cama e tentando relaxar um pouco, mesmo sabendo que é
tão difícil.
— Você precisa beber muita água, né? — pergunta e eu faço que
sim. — Vou trazer para você.
Giovana me deixa sozinha. Volta minutos depois com uma garrafa
de água gelada e um copo nas mãos.
— Vou deixar aqui na sua mesinha, para quando precisar.
Sento-me na cama e encho um copo de água, bebendo em uma
golada só.
— Obrigada, Gio — agradeço, sentindo-me um pouco menos
cansada.
— Pode descansar, amiga. Vou trazer o meu livro e estudar aqui te
fazendo companhia, ok?
Meneio a cabeça, vendo-a sair do meu quarto. Ela volta pouco
depois com um enorme livro de Direito nas mãos e canetas marca-texto
coloridas.
Giovana se acomoda na mesinha ao meu lado e eu fecho os olhos
por um instante, tentando relaxar a mente.
Faço uma prece mental para que a minha glicemia abaixe, é só disso
que eu preciso agora.
Augusto
Ouço uma batida à porta e vejo minha amiga colocar a cabeça para
dentro, enquanto estou me arrumando para trabalhar.
— Amiga, já está na minha hora — Giovana diz, olhando para o
relógio. — Mas queria saber como você está antes de ir.
— Ainda sinto aquela ressaca — comento, enquanto abotoo a
sandália nos pés. — Mas estou bem melhor. Pelo menos a glicemia está
normalizando.
Minha amiga sorri e vem até mim para me dar um abraço gostoso.
— Fiquei muito preocupada com você, Bá — diz ao se afastar. —
Sempre soube dos seus episódios de hiperglicemia, mas nunca vivenciei um
assim de perto.
Aceno, abrindo um sorriso fraco.
— É algo um tanto rotineiro na minha vida, Gio.
— E como você conseguia lidar quando estava sozinha? — pergunta
com cuidado.
— Colocando o despertador para tocar de hora em hora a
madrugada inteira, acordando para conferir a glicemia e injetando mais
insulina quando necessário.
Giovana franze o cenho para mim e imagino o que ela deve estar
pensando agora.
Nunca foi fácil, mas sempre busquei forças de onde fosse necessário
para sobreviver.
— Você é muito forte, Babi — diz e eu sinto o meu coração errar
uma batida. — Muito mesmo, amiga. Sempre te admirei, mas, ontem, ver o
que você enfrenta dia após dia para viver só me fez te admirar ainda mais.
Suas palavras me acertam em cheio e sinto meus olhos marejarem.
— Não é fácil, amiga. Mas faz parte da minha vida e todos os dias,
quando acordo, escolho viver.
Giovana sorri e me puxa para mais um abraço.
— Eu amo você, viu? E estarei sempre aqui por você.
— Obrigada, Gi. Eu também te amo e não sei o que seria de mim
sem você e o seu pai.
E falar dele faz com que ela abra um sorriso diferente.
— Meu pai ficou muito preocupado também.
— Passou a noite em claro — constato, sentindo um aperto no peito.
— Ele não precisava fazer isso por mim.
— Augusto Ferraz é assim mesmo — diz dando de ombros. — Ele
não ajuda ninguém pela metade, Bá. Todas as pessoas que precisam do meu
pai o têm por inteiro. É uma das qualidades dele que eu mais amo.
Fico sem saber como responder sem entregar o que eu realmente
penso de tudo isso. O que realmente sinto. Não consigo colocar ainda em
palavras o que Augusto significa para mim.
— Bom, amiga. Eu já vou indo, que deu a minha hora. Vai me
dando notícias durante o dia, ok?
— Combinado. Boa aula, Gio!
Despeço-me da minha amiga em mais um abraço e logo ela sai do
meu quarto, deixando-me sozinha. Aproveito para terminar de me arrumar
e, quando ouço o som de sua moto, saio do cômodo, procurando por
Augusto.
— Oi, Pluto — murmuro, abaixando-me para acariciar o cãozinho,
que foi meu companheiro essa noite.
O peludo recebe o afago todo manhoso, tirando-me um sorriso.
Brinco um pouquinho com ele até seguir pela casa e encontrar o delegado
de pé, na cozinha, mexendo em seu café.
Observo as costas largas, bem justas à camisa preta, a calça escura
marcando a bunda e o coldre na cintura.
É tão lindo e sexy…
— Oi… — anuncio e ele se vira para me olhar.
Ainda que esteja com o olhar cansado, ele continua lindo.
Sinto o meu coração dar um salto aqui dentro com a intensidade
com que me encara e penso que ficou comigo ali, até o fim. Augusto só saiu
do meu quarto quando já eram seis horas da manhã e percebeu a minha
glicemia mais estável.
Ainda nem acredito que ele passou a noite inteira acordado, só para
cuidar de mim. E, para completar, fez as pontas de dedo sozinho,
acordando-me apenas quando eu precisava de mais insulina.
Ele é…
Inexplicável.
— Quer um pouco de café? — oferece e eu assinto, mas, antes que
me sirva, eu me aproximo dele, circulando o seu pescoço.
O delegado fecha os olhos por um instante ao sentir meus dedos
fazendo carinho em sua nuca e solta um suspiro cansado.
— Tem certeza de que está bem para trabalhar? — pergunto,
correndo os dedos pelos seus cabelos, daquele jeito que ele adora.
— Estou. Hoje é só trabalho interno, então consigo dar conta — diz,
reabrindo os olhos.
— Não precisava ter ficado acordado a noite toda…
— Precisava, sim — interrompe-me e eu sorrio.
— Você é impossível, delegado — brinco e ele dá um sorriso fraco.
Ainda que esteja exausto, sinto-me feliz por fazê-lo sorrir.
— E você, está mesmo melhor? — indaga, descendo os braços para
a minha cintura e me acariciando de leve. — Consegue trabalhar?
— Consigo, sim! Agora pela manhã ainda vou monitorando e
ficando atenta. Ainda estou um pouco cansada, mas me sinto bem melhor.
No fim do dia estarei cem por cento, tenho certeza.
— Ótimo.
Consigo ver o quanto meu delegado está cansado, porque está de
poucas palavras essa manhã.
E, mesmo que eu esteja emocionada por ele ter cuidado tanto de
mim, sinto um aperto no peito por vê-lo assim.
— Hoje à noite eu vou cuidar de você, está bem? — aviso e ele
franze o cenho para mim. — Não vou poder te dar um colo, porque a Gio
estará em casa, mas vou ficar com você.
Augusto balança a cabeça assentindo.
— E, por favor, me dê notícias suas ao longo do dia, ok? Você
perdeu uma noite inteira de sono, preciso saber se ficará bem.
— Pode deixar.
Ainda acariciando seus cabelos, fico na ponta do pé e me inclino
sobre ele. Augusto entende o recado e sorri de lado antes de se abaixar um
pouco e colar os lábios sobre os meus.
E aqui, em seus braços, eu o beijo com todo o meu carinho e amor.
Enquanto minha boca se perde na sua em um beijo delicado, eu lhe
agradeço sem palavras por ter ficado ao meu lado em um momento tão
difícil. Prometo que sempre cuidarei dele e retribuirei tudo o que faz por
mim.
O beijo é calmo, tranquilo e suave, é como um bálsamo para a
minha alma.
Este é, sem dúvidas, um dos mais gostosos que trocamos, senão o de
mais significado.
— Obrigada, Augusto — murmuro, roçando os lábios aos seus bem
devagar.
Meu delegado respira relaxado e me dá um selinho gostoso antes de
se afastar.
— Não precisa agradecer, Babi. Mesmo — afirma. — Eu não tinha
ideia de como era tão difícil controlar uma glicemia nesses casos. E agora,
tendo acompanhado mais de perto, ficarei muito mais atento a você.
Seus dedos tocam o meu rosto e eu sorrio diante deste carinho
gostoso.
— Ainda assim, vou agradecer por estar ao meu lado — afirmo.
Ganho mais um selinho e um afago.
— Vamos tomar café? Você precisa comer.
Afasto-me de seus braços com relutância e me sento à mesa com
ele. Tomo um café livre de carboidratos e sinto mais uma vez meu peito se
aquecer por todo o seu cuidado.
Nunca vou deixar de me surpreender com ele.
— Você consegue pilotar normalmente hoje? — pergunto,
preocupada com seu cansaço.
— Acho que não. Vou de Uber, é mais seguro — diz, calmo. —
Estou bem agora, mas tenho receio de estar muito cansado ao final do dia.
— Não quer que eu te leve? — ofereço.
Não é a primeira vez que dirijo o carro de Augusto e, a não ser que
ele não queira, prefiro fazer isso por ele.
— Não vou te atrapalhar?
— Claro que não! Se você permitir, eu fico com o carro no
estacionamento do trabalho e te busco no final do expediente.
Augusto balança a cabeça concordando e sinto um alívio. Sinto-me
bem por fazer algo por ele, ainda que mínimo.
Terminamos de organizar tudo e logo saímos de casa, entrando em
seu SUV.
Logo que adentro o veículo, vejo Augusto se acomodar ao meu lado
e afivelar o cinto de segurança. E só então percebo que é a primeira vez que
dirijo para ele assim. Em todas as outras, sempre andei com Giovana.
— Está de motorista particular hoje, delegado? — brinco ao pegar
as ruas da cidade e ele ri baixo. — Lembre-se de me dar cinco estrelas ao
final.
Pisco para ele e ganho um sorriso de lado.
— Pode deixar.
Percebo que Augusto não está muito aberto a conversar, por isso
sigo o trajeto em silêncio, comentando coisas bastante pontuais. Eu nem
mesmo consigo imaginar o tamanho de seu cansaço e me preocupo com
isso.
Quando paro o carro na porta do prédio da Superintendência, o
delegado solta o cinto e se inclina para me dar um selinho.
— Obrigado, Bárbara.
— Vamos nos falando durante o dia, ok?
— Combinado.
Quando Augusto sai do carro e acena para mim, sinto o vazio pela
sua ausência, mas fico feliz por estar cuidando dele, ainda que um
pouquinho.
Dirigindo com todo cuidado, sigo o trajeto até a agência, pensando
no quanto sou sortuda.
No quanto ter Augusto Ferraz em minha vida mudou tudo.
Tudo mesmo.
Encerro meu expediente e envio uma mensagem para Augusto,
avisando que já estou indo buscá-lo. Saio depressa do prédio comercial e
sigo até o seu carro, destravando o veículo ao entrar.
Ao longo do dia, trocamos mensagens nos atualizando sobre o
estado de cada um. E, como eu previa, já me sinto muito melhor.
Mas, de Augusto, já não posso dizer o mesmo…
De pouquíssimas palavras, meu delegado conseguiu sobreviver ao
dia de hoje, mas sei que está extremamente cansado.
Em conversa com Giovana, decidimos fazer o mínimo de barulho
possível essa noite para que ele possa descansar. Uma pena que eu não
possa colocá-lo em meu colo para um carinho, mas só de deixá-lo dormir
tranquilo já ficarei feliz.
Minha amiga já deixou um sanduíche pronto para ele, para que
possa apenas chegar em casa, tomar um banho, comer e dormir.
É só disso que ele precisa.
Coloco um som baixinho no carro e uma música pop ganha vida,
enquanto dirijo pela cidade em um trânsito carregado. A chuva começa a
cair quando estou na metade do caminho e agradeço por termos vindo de
carro hoje.
Se Augusto estivesse de moto, chegaria todo ensopado, como
ontem.
Eu não vi quando chegou, mas minha amiga disse que ele tomou
uma boa chuva no caminho de volta.
E pensar em tudo o que ele fez por mim ontem, o quanto se arriscou
só para cuidar de mim…
Ah, Augusto…
Como superar você?
Como não me apaixonar ainda mais a cada dia?
Sigo dirigindo com cuidado até chegar ao prédio do trabalho de
Augusto. Quando ele me vê parar, segue correndo fugindo da chuva e eu
destravo a porta para que possa entrar.
— Demorei muito? — pergunto e ele nega, inclinando-se para me
dar um selinho.
Um gesto tão delicado, mas que tem sido tão rotineiro…
Todas as vezes que ele faz isso, meu peito se aquece.
— Conseguiu trabalhar certinho? — indago e ele cruza os braços,
encostando a cabeça no assento do carro.
— Deu para o gasto — comenta e eu rio baixo.
— Tapeando no trabalho, delegado?
Augusto solta uma risada fraca e, de canto de olho, noto-o virar o
rosto para me encarar.
— Não via a hora de ir embora. Parece que o dia demorou setenta e
duas horas para passar.
— Imagino.
Solto a mão do volante e repouso em sua coxa, tocando-o ali, em um
gesto de carinho.
— Já estamos quase chegando, tudo bem?
Augusto assente, fecha os olhos por um momento e eu lhe permito
relaxar.
A chuva não está muito forte lá fora, então o som das gotas caindo
na rua dão um ar muito aconchegante aqui dentro. E espero muito que ela
não piore esta noite, para que ele possa descansar.
Abaixo mais o som do carro e deixo bem baixinho, vendo que
Augusto cochila ao meu lado.
Dirijo com muito mais cuidado, evitando freadas bruscas e atritos
em lombadas para não o acordar. E é só quando finalmente estamos em casa
que toco o seu braço com carinho.
— Chegamos.
Augusto desperta e me olha assustado ao perceber que cochilou no
trânsito.
— Já? Nossa… Eu nem percebi.
— Você está muito cansado, Augusto. Vem, você pode descansar
agora.
Descemos juntos do carro e entramos em casa, onde Gio nos espera
já na cozinha.
— Oi, pai. — Eles se cumprimentam com um beijo no rosto. — Seu
sanduíche de frango está pronto.
Augusto puxa a cadeira para se sentar e desaba nela, aceitando o
lanche da filha. Abro a geladeira e o sirvo de um copo de suco bem
geladinho, entregando-o também.
Nós o observamos comer em silêncio e, quando ele finalmente
termina, segue para o seu quarto.
Sinto uma pontada no peito por não poder dar-lhe um beijo de boa-
noite, então apenas envio uma mensagem.
Eu: Descansa, delegado. Você merece. Espero que durma muito
bem.
Sua resposta demora um pouco a vir e eu penso que é porque ele
está saindo do banho.
Augusto: Obrigado, Bárbara. Me acorde se precisar de mim.
E gestos como esse me desestruturam, porque são tão Augusto.
Ele está exausto por ter passado uma noite inteira em claro cuidando
de mim e ainda assim está ali, à disposição para o que eu precisar.
Ele é mesmo um sonho.
Um sonho que eu nunca pensei que fosse real.
CAPÍTULO 28 - Augusto
Um ano depois
Um ano depois
Para esta história, vou começar agradecendo a uma leitora beta que
teve uma missão especial por aqui. Conhecer a Luana e acompanhar um
pouco sua luta com o DM1, fez aquela pequena chama se acender dentro de
mim. Eu a chamei no privado e perguntei: Um dia quero escrever uma
mocinha diabética, você me ajudaria? E a sua resposta cheia de carinho me
fez constatar que isso não demoraria a acontecer.
Quando Augusto e Bárbara vieram para mim, eu sabia que seria esse
momento. E não poderia ter casal mais perfeito para retratar essa realidade
tão delicada.
Obrigada, Lu, por abrir o seu coração para mim e me mostrar um
lado mais delicado de seu dia a dia para dar vida à Babi. Meu coração
sempre será grato!
Obrigada também a mais duas betas que foram de extrema
importância nesse projeto: Aline e Jordana. Os surtos de vocês sempre
serão meu combustível.
Aproveito para agradecer a minha querida Liz Stein que fez leitura
crítica da obra e me apontou várias coisas que contribuíram para que este
livro ficasse ainda melhor. Você foi uma grata surpresa na minha vida!
Não deixando de fora minhas amigas autoras que são minhas
parceiras de surto, de ideias mirabolantes e apoio quando mais preciso:
Lucy Foster, Mi Passos, Ju Policarpo, Gisa, Nat Dias, Sil Zafia e Sara
Fidelis. Amo vocês!
Às minhas assessorias que conduzem minha carreira literária de
maneira ímpar: Vanessa Pavan e Lari Aragão. Vocês são perfeitas! E
completando o time de bastidores, Deh, Rosinha, Jack e May. Eu tenho a
equipe mais foda!
E, claro, ao meu maior apoiador, que não me deixa desistir nenhum
dia sequer: Juliano Santana. Obrigada por me dar forças quando me sinto
cansada demais para continuar. Eu realmente jamais teria chegado até aqui
sem você.
E a você, leitor (a), que me acompanha em cada livro, que surta
comigo, que vibra em cada conquista. Se eu continuo firme, é por você.
Obrigada por existir na minha vida.
Minha gratidão eterna a todos! Eu amo muito vocês!
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Giovana
Cinco anos atrás