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MESTRADO EM ESTUDOS E GESTÃO DA CULTURA

INVENTÁRIO E INTERPRETAÇÃO PATRIMONIAL


Ano letivo 2020-2021 | 1º Semestre
Marina Bravo
Avaliação periódica II – Comentários sobre o texto

Barranha, Helena (2022). “Património e tecnologias digitais, entre a generalização e


a especificidade”. Pedra & Cal Conservação e Reabilitação, Vol 73, pp. 6-12.

Património cultural e sua digitalização:


preservar e valorizar para integrar

O artigo trata da integração digital no âmbito do património arquitetónico, a trazer


uma reflexão especial ao campo do Levantamento e documentação e ao campo da
Divulgação e mediação. A autora coloca de forma crítica as questões das tecnologias
digitais e sua relação com a democratização do acesso e do conhecimento sobre o
património construído.
De início, Barranha situa que é preferível utilizar a terminologia “Integração digital”
em vez dos mais utilizados termos “transformação” ou “transição” digital pois estes não são
compatíveis com as ciências do património. Primeiramente, foi essencial por parte da autora
posicionar essa questão terminológica logo de início, pois expõe um posicionamento crítico
dos estudos do património cultural ao levar em conta as complexidades de suas questões na
sociedade atual.
Uma dessas questões diz respeito à democratização do acesso. A “transformação
digital” contribui para essa perspectiva do património cultural? De um lado, esse termo
demonstra que há uma pressão de vertentes mais futuristas na percepção sobre
desenvolvimento tecnológico e a digitalização do mundo, principalmente porque há um
mercado poderoso ao redor das inovações digitais, com grandes multinacionais e
investimentos mobilizados. Como algumas vezes a autora cita o Google Arts & Culture como
uma plataforma comum que abriga e divulga coleções. Contudo, é muito importante
sublinhar, tal como o fez a autora, que as ciências do património não operam nessa lógica
de transformação e transição para o futuro (qual futuro, e de quem?), mas sim em uma
lógica de preservação e valorização da memória e da diversidade.
Do ponto de vista de uma sociedade mais multicultural e participativa, o digital
permite maior amplitude e diversificação de contextos e leituras sobre cultura e património.
Como? Por ampliar a possibilidade de acesso a dados de pesquisas e diálogo entre culturas
territorialmente distantes? Amplia os horizontes e diversifica possibilidades, mas em que
medida? Ora bem, ainda a desigualdade de acesso à tecnologia e a infra-estruturas digitais
é um elemento de grande segregação ao redor do mundo, sendo assim um empecilho a
essa potencialidade da “transformação digital”. Quanto à literacia digital, pensemos o factor
geracional, ou o factor económico para o acesso a equipamentos que permitiriam por sua
vez as competências digitais. Quanto à questão mesma de acesso e os factores de
segregação geográfica ou socioespacial, pense quantas populações ainda não acessam a
internet móvel, seja pelo seu valor monetário ou pela simples ausência dessa infraestrutura
em seus territórios.
Por fim, a tecnologia digital deve antes ser pensada no contexto de sua efectiva
integração em prol de democratizar antes seu acesso, para então, sim, considerarmos seu
potencial para colaborar em favor de uma sociedade verdadeiramente multicultural e
participativa.
Em minha leitura do texto, identifiquei como ponto-chave para o campo do
Levantamento e Documentação neste sentido da democratização do acesso, a importância
da digitalização de coleções e da utilização dessas bases de dados digitais para pesquisas e
produção de conhecimento nas ciências do património. Bases de dados estas que ficam
acessíveis ao público (aquele que pode acessar) com imagens e metadados dos
patrimónios, advindas de um trabalho de inventário e conservação. Com essas coleções
digitalizadas, um público maior consegue acessar resultados de estudos de conservação e
inventariação. Mas como divulgar esses acervos digitais e cativar públicos diversos a o
conhecerem e o utilizarem?
Barranha traz uma questão também sobre a função pública dessa documentação.
Por conta da vocação pública das instituições voltadas ao património, e a necessária
valorização da diversidade de perspectivas e contextos, é ideal que a partilha dos acervos
digitais seja feita em plataformas comuns voltadas para o serviço público, como a
Europeana, em vez de outras geridas por multinacionais, como a Google Arts & Culture.
Quanto ao campo da Divulgação e Mediação, sublinho em minha leitura do texto a
necessidade de dar atenção ao trabalho curatorial, no sentido da “produção e actualização
de conteúdos” que de fato tornem acessíveis a diferentes perfis de públicos, com
competências digitais distintas, esses patrimônios e suas informações (p.11). Pois seja tal
como mencionado anteriormente, na divulgação dessas ricas bases de dados, seja em
estratégias e ações de mediação digital. Para além do online, a mediação digital pode ser
pensada e desenvolvida em espaços físicos, como complementação de percursos de visita,
por exemplo. Contudo, mais uma vez, é necessário utilizarmos os recursos digitais com
consciência e planejamento, pois podem se tornar obsoletos e desinteressantes, apesar do
seu alto investimento.
Mais um ponto é que atualmente a forma como interagimos com os lugares tem
sofrido impacto dos comportamentos imediatistas das redes sociais, nomeadamente os atos
de fotografar e expor online, publicar e comentar. Este tipo de interação com os patrimónios
construídos é uma forma participativa de interação, assim como de divulgação, pelos
próprios visitantes e públicos, mas não necessariamente demonstram verdadeiro interesse
pela fruição e pelo conhecimento do património.
Quanto à mediação digital, pois, é importante ter em conta que a experiência de
contacto directo com o património construído precisa ser o maior objetivo. A mediação digital
com tecnologias de realidade aumentada, por exemplo, são interessantíssimas do ponto de
vista da “inovação” - ou melhor, da “novidade” - da experiência de visita, mas não
necessariamente produz efetiva fruição e contacto com o conhecimento do património.

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