Você está na página 1de 3

MESTRADO EM ESTUDOS E GESTÃO DA CULTURA

INVENTÁRIO E INTERPRETAÇÃO PATRIMONIAL


Ano letivo 2020-2021 | 1º Semestre
Marina Bravo
Avaliação periódica I – Comentário sobre texto
Excerto do artigo Winter, Tim (2013), “Clarifying the critical in critical heritage
studies”, International Journal of Heritage Studies, Vol. 19 (6), pp. 532–545.

RESUMO DO ARTIGO (contexto):


A partir da consideração do termo “crítico” na formulação dos estudos críticos do
património, Tim Winter está a argumentar que devia haver maior ênfase nos problemas
críticos que perpassam as questões do património cultural na atualidade. Com isso, o
autor logo apresenta duas direções que podem favorecer os estudos críticos do
património nessa perspectiva. A primeira sugere que há muito a se ganhar se
superarmos as diferenças entre o setor da conservação e as abordagens das ciênciais
sociais sobre o património cultural. E então que os estudos do património levem em
conta sua relação com as atuais transformações regionais e globais, e que para isso
precisam desenvolver entendimentos pós-ocidentais (ou pós-coloniais?) de cultura,
história e património, assim como as forças sociopolíticas que os atualizam.
➢ Por que e como as conceções pós-coloniais de cultura, história e património são
positivas para os estudos críticos de património cultural?

EXCERTO (p.533):
“While critiques of policy approaches and paradigms will always be important, I argue
here, however, that critical heritage studies should also primarily be about addressing
the critical issues that face the world today, the larger issues that bear upon and extend
outwards from heritage. This means, firstly, continuing to advance the approach that is
currently the mainstay of critical heritage studies that is bringing a critical perspective to
bear upon the socio-political complexities that enmesh heritage; tackling the thorny
issues those in the conservation profession are often reluctant to acknowledge. But I
would argue that at its most significant level it means better understanding the various
ways in which heritage now has a stake in, and can act as a positive enabler for, the
complex, multi-vector challenges that face us today, such as cultural and environmental
sustainability, economic inequalities, conflict resolution, social cohesion and the future
of cities, to name a few. Finally, it should also be about recognising there are critical
challenges and benefits related to the safeguarding of culture and the preservation of
heritage itself, an issue critical heritage theory too quickly dismisses or passes over.”

COMENTÁRIO SOBRE O EXCERTO:


O conceito de património/heritage se atualizou ao longo de sua própria história,
pois carrega significados culturais e sociopolíticos. Historicamente, as políticas de
património nas sociedades ocidentais modernas estão ligadas aos Estados nacionais e à
construção das identidades nacionais para a coesão social. Contexto que é muito distinto
na experiência das sociedades colonizadas, onde os Estados enquanto extensões da
metrópole não representam de fato a memória e as tradições das comunidades nativas e
deslocadas.
Por exemplo, os estudos, as políticas e os investimentos são tradicionalmente
direcionados ao património edificado. Na realidade brasileira, esse património edificado
representa apenas uma das culturas que compõe a sociedade: ocidental/europeia, mais
especificamente a portuguesa. Dar demasiada ênfase nessa categoria de património
implica na invisibilização de outras tradições e heranças culturais, que são também
essenciais na formação da sociedade brasileira, como as indígenas e as africanas e afro-
brasileiras.
A dimensão sociopolitica do património, em um contexto pós-colonial, acaba
por se tornar um campo de disputa em que se convergem problemas de desigualdade
socioeconômica e de sustentabilidade cultural e ambiental. As experiências pós-
coloniais ampliam a possibilidade de abordagens ao tratamento da história e do
património cultural, pois trazem outras referências e são direcionadas a enfrentar tais
desigualdades históricas herdadas da colonização. Tomemos como exemplo os Estados
multiculturais e multinacionais do Equador e da Bolívia, nos quais a conceção do buen
vivir inspirada na cosmovisão andina foi essencial para reformular as constituições
desses países na últimas décadas1.
As iniciativas pelo Bem Viver expressas nas constituições equatoriana e
boliviana contemplam dimensões referentes à liberdade, ao poder e à identidade
cultural, à sustentabilidade e à equidade social:
Estabelece-se então constitucionalmente que são fins essenciais do Estado
constituir uma sociedade justa e harmoniosa cimentada na descolonização,
sem dis¬criminação nem exploração, com plena justiça social, para
consolidar as identidades de uma pluralidade nacional. Garantir também a
proteção e a dignidade das nações, os povos e as comunidades, e fomentar o
respeito mútuo e o diálogo intercultural e plurilíngue. Estabelece a
diversidade de uma pluralidade nacional e neste sentido a necessidade de
repensar os aspectos concernentes à educação, a saúde, a produção, mas
sempre velando pelo equilíbrio da Mãe Terra (Pacha¬mama) (Mamani, 2010
apud ALCÂNTARA; SAMPAIO, 2020)

A esse exemplo, os fins essenciais do Estado centrado na ótica do Bem Viver


concebida na cosmovisão andina enfocam na autonomia e no desenvolvimento do

1
Constituição equatoriana de 2008, Plan Nacional para el Buen Vivir 2013-2017 (Ecuador, 2013) e
Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia (2009).
indivíduo e do coletivo em harmonia e equilíbrio, tendo a natureza como sujeito de
direito. Ao levarmos esta conceção para os estudos críticos do património cultural,
ampliamos nosso entendimento de cultura e história para a criação de políticas públicas
e de ações para o património de forma a beneficiar as sociedades para um cenário de
maior sustentabilidade cultural e ambiental. Seja em temas sobre coesão social, sobre o
futuro das cidades, para a resolução de conflitoso ou para a equidade econômica.

REFERÊNCIAS:
ALCÂNTARA, L. C. S.; SAMPAIO, C. A. C. “Indicadores de Bem Viver: pela
valorização de identidades culturais”. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 53,
jan./jun. 2020.

Você também pode gostar