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seja determinado, uma vez que se trata de um processo contínuo.

Por isso ele não


pode ser um ponto de partida ou um produto. Eles não são um dado construído a
priori.
A utilização do termo "mulher" como sujeito do feminismo implica na
presunção de uma identidade, com modelos previamente estabelecidos e fixos5.
Nesse sentido, categorizar alguém como mulher não é o suficiente, pois esse
alguém vai muito além do gênero que lhe é previamente imputado. Primeiro pelo
fato da abordagem acerca do próprio gênero e suas características variar no curso
da história e de uma sociedade para outra, segundo por ser uma questão que se
relaciona com outros temas, como raça, classe e opção sexual. Portanto, não faz
sentido para a autora estabelecer uma fundamentação universal para o feminismo,
ou outro movimento de minorias. É inviável a defesa de uma identidade universal
que ultrapasse as diversas barreiras culturais e faça frente a um único inimigo,
configurado por uma forma de patriarcado igualmente universal, que sempre
esteve presente. A universalização do patriarcado reduz as distintas formas em
que são estabelecidas a assimetria entre os gêneros nas diferentes culturas. Elas
são configurações muito peculiares de dominação, e talvez não seja adequado
equipará-las, como se todas fizessem parte da mesma estrutura de poder
chamada patriarcado. Há outro problema, pois na medida em que se estabelece
uma inevitabilidade do patriarcado como uma grande força que se opõe a essa
identidade mulher, ele deixa de ser histórico e passa a ser uma dominação
inevitável. Essa é uma forma de atribuir força e maior mportância a ele6 • Além
disso, é necessário ter um cuidado ao se analisar teorias que defendem um
matriarcado anterior ao patriarcado. Segundo Butler, o antes é sempre uma forma
de se justificar interesses atuais ou futuros, com a estratégia de uma narrativa pré-

5
A discussão sobre a identidade é muito bem trabalhada pelos autores Antonio Negri e
Michael Hardt na obra Império, ao tratar da formação do Estado Moderno. Os autores observam
que a identidade é um termo que vem de um processo de exclusão e de padronização, mas o que
denominam multidão já é algo distinto, pois considera partilha e singularidade. Cf. HARDT, Michael
e NEGRI, Antonio. Império, pp. 88-108 e HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Multidão: Guerra e
democracia na era do Império, p. 282.
6
BUTLER, Judith, Gender trouble: feminism and the subversion of identity, p. 45.

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