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MULHERES // SÉCS.

XIX-XX

ADELAIDE CABETE
UM PERCURSO
DE MILITÂNCIA
Pioneira da reivindicação dos direitos das mulheres e uma
das primeiras médicas portuguesas, nasceu num meio
desfavorecido e só aprendeu a ler já em adulta
Por Vanda Gorjão*

N
a vida de Adelaide Cabete (1867-1935), houve integrando a Liga Portuguesa Abolicionista (1926-1957),
o cruzamento exemplar da esfera vivencial e promotora da Associação das Mulheres Universitárias
da esfera de atuação cívica, política e feminis- Portuguesas (1928). Mesmo num meio circunscrito de
ta. No cerne dessa conjugação esteve o desafio intelectualidade, o contributo da sua atuação em todos
à ordem patriarcal estabelecida que vinculava esses domínios foi suficientemente reconhecido para se
às mulheres o exclusivo espaço privado da tornar uma figura pública. Hoje é um nome incontornável
domesticidade e da maternidade, numa inferioridade da história contemporânea do País.
social e legal. Um tal desafio sucedeu pelas opções que
conduziram as suas escolhas quanto aos estudos e à O feminismo no princípio do século XX
profissão, e sucedeu ao assumir a militância e se envolver As primeiras organizações femininas a defender a alte-
formal e institucionalmente com o republicanismo e o ração da inferioridade social e legal da mulher surgem
feminismo. Será esta uma das facetas singulares da sua no fim do século XIX. Numa conjuntura sem paralelo
identidade. de participação pública das mulheres, a redefinição do
Outra singularidade perpassa na forma como se des- seu estatuto social foi fundamentada em torno de duas
dobrou em ocupações e militâncias plurais. Conjugou questões principais, a da instrução e o da intervenção
o feminismo com ser médica ginecologista e obstetra, na esfera política. Estas solidificaram o pensamento, o
professora no Instituto Feminino de Educação e Trabalho programa e as reivindicações do movimento feminista a
ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO

em Odivelas (1912-1929), escritora de inúmeros textos consolidar-se em muitos países ocidentais no princípio
e artigos em publicações periódicas, republicana parti- do século XX.
cipando na criação da Liga Republicana das Mulheres As ideias difundidas de «dignificação da mulher» e
Portuguesas (1909-1919), pacifista no seio do Comité Por- alteração da sua discriminação tiveram ecos nacionais no
tuguês da associação francesa La Paix et le Désarmement surgimento de vários coletivos e organizações – o Grupo
par les Femmes (1906), maçom na Instituição Maçónica Português de Estudos Feministas (1907-1908) seria um
Grande Oriente Lusitano Unido (1907) e fundadora da dos primeiros. Com outras conhecidas ativistas da defesa
Ordem Maçónica Mista do Direito Humano e da Loja dos direitos das mulheres, Adelaide Cabete estará na
Humanidade 776 (1923), presidente do Conselho Nacio- constituição de grupos como a Associação de Propaganda
nal das Mulheres Portuguesas (1914-1947), abolicionista Feminista (1911-1918), a Cruzada das Mulheres Portu-

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