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Interdisciplinaridade
E RELEVÂNCIAS
Unesp
Marília
Publica
Geografia do Crime
SUELI ANDRUCCIOLI FELIX
Geografia do Crime:
interdisciplinaridade e relevâncias
Marília
2002
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
Copyright © 2002 Sueli Andruccioli Felix
Diretor: Kester Carrara
Vice-Diretor: Tullo Vigevani
Comissão Permanente
de Publicação : Maria do Rosário Longo Mortatti (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Alexandre Bergamo Idargo
Carlos Educardo de Oliveira
Eduardo Ismael Murguia
Francisco Luiz Corsi
Lourenço Chacon Jurado Filho:
Maria Candida Soares Del-Masso'
Neusa Maria Dal Ri
Normalização bibliográfica : Sandro Revolti
Assessoria Técnica : Maria Luzinete Euclides (Bibliotecária )
Angela Baraldi (português)
ISBN 85-86738-23-9
1. Geografia da crime. 2. Criminalidade. 3. Violência. 4. Percepção
do crime. I. Autor. II . Título .
CDD 364
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....... i
7.5 118
O medo do crime
7.6 Linchamentos .. 120
7.7 121
O jovem delinqüente ....
8 RELEVÂNCIA CONTEMPORÂNEA 127
130
8.1 A indústria da segurança ...............
O ambiente na análise da criminalidade 130
8.2
131
8.3 A incivilidade e o crime
8.4 Desvalorização imobiliária .... 133
9 CONCLUSÃO 135
iv
3 dinâmica espacial é um elemento relevante, uma variável
que ultrapassa o simples endereçamento, uma vez que tanto
pode ser produto quanto produtor de ações humanas. Certos
espaços são absolutamente deteriorados pelo esvaziamento
habitacional, como geralmente as zonas centrais das grandes
cidades, que atraem determinados elementos e se tornam
espaços típicos de delitos específicos. Por outro lado, tem -se
a dicotomia das áreas periféricas com espaços típicos de classes
sócio -econômicas mais abastadas (onde predominam os crimes
contra o patrimônio pela concentração de riquezas) e espaços
deteriorados representados por favelas, invasões etc.
As investigações sobre a taxa criminal por áreas
geográficas e tamanho das cidades têm se mostrado satisfatórias e
vêm revelando a correlação positiva entre criminalidade per capita
e população, principalmente para delitos patrimoniais. Como as
estatísticas criminais brasileiras não permitem a elaboração de um
estudo desta natureza , a investigação de espaços menores através
de levantamentos exaustivos em boletins criminais, ou seja , a
produção de dados pelo próprio pesquisador ( fonte primária ) e a
conseqüente elaboração de dados estatísticos, pode resultar em
investigação mais minuciosa e talvez menos contagiada por
ideologias, como as discriminatórias, detectadas nas estatísticas
oficiais. Pelo menos, este foi o resultado de outra pesquisa que
será tema de futura publicação.?
Por ora, norteiam esta obra os seguintes objetivos :
a) Analisar o universo interdisciplinar do estudo da criminalidade
e , em especial , a bibliografia elaborada a partir da ótica da
dinâmica demográfica e espacial - geografia do crime;
b ) Avaliar a relevância social desta bibliografia nos aspectos
científicos, humanos e de contemporaneidade;
c) Avaliar a contribuição desta pesquisa para o campo teórico e
prático da geografia do crime e o seu nível de significância
para a compreensão da forma como o espaço é percebido e
organizado em função do crime.
2 A pesquisa é resultado da Tese (Doutorado) A geografia do crime urbano: aspectos teóricos e
o caso de Marília -SP., da autora Sueli Andruccioli Felix, defendida junto ao Programa de Pós
Graduação do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Unesp -Rio Claro, sob a orientação do
Prof. Dr. Odeibler Santo Guidugli no ano de 1996 .
V
A partir dos três eixos básicos de análise (dimensão
social , demográfica e espacial), a bibliografia da criminalidade foi
trabalhada criticamente com textos interdisciplinares e textos
específicos de geografia do crime, assim divididos :
12 reflexões gerais sobre a criminalidade , a partir de um elenco
de questões, vistas como determinantes pela literatura, pelo
senso comum e pelo Código Penal Brasileiro . Finaliza com
uma análise rápida das diversas opiniões e teorias sobre o
conceito de crime;
2* investigação das hipóteses levantadas nas pesquisas, através
de duas correntes gerais de reflexão: a determinista e a sócio
histórica (de segregações , econômica e ecológica);
30 reflexões sobre o conteúdo das investigações científicas a partir
das três dimensões (social , demográfica e espacial) . Na
dimensão social, como o objetivo foi questionar a segregação,
refletiu - se um pouco a criminalização dos segmentos
socialmente excluídos, especialmente nos aspectos étnicos e
econômicos, e o próprio papel das agências de controle ,
finalizando com uma breve avaliação dos controladores sociais .
Na dimensão demográfica foram identificados os perfis do
criminoso e da vítima, traçado pelos estudos criminais. Na
dimensão espacial foram discutidos os aspectos ecológicos,
representados não apenas pelo modo de ocupação do espaço ,
mas pela sua percepção e organização aliados à dinâmica
criminal. O capítulo encerra-se com o estudo do suicídio sob
a ótica demográfica e sócio-espacial .
Outro grande objetivo deste estudo é destacar a
relevância social da bibliografia e, acima de tudo, desta Geografia
que pretende estar a serviço do homem , contribuindo para sua
qualidade de vida. Por isto, as relevâncias científicas , humanas e
contemporâneas foram analisadas, com o seguinte
desmembramento :
19 relevância científica :- são novos conceitos que poderão
contribuir cientificamente para a inserção deste tema no âmbito
do conhecimento geográfico . Analisar diferentes estudos sobre
o tema ( a questão da interdisciplinaridade ), para não apenas
vi
refletir sobre os fundamentos teóricos e metodológicos
desenvolvidos pelas diversas ciências correlatas, mas, e
fundamentalmente, para extrair elementos que possam nortear
futuros estudos contributivos para a compreensão e apoio na
solução do problema;
29 relevância humana: - é o significado do estudo para a
comunidade em geral ou comunidades particulares, como: os
serviços policiais , judiciários, associações civis etc. ,
preocupadas com o bem -estar, não apenas da sociedade, mas
também com a recuperação do criminoso , do indivíduo que
vai sair da prisão e enfrentar a comunidade;
3º relevância contemporânea:- o seu caráter inovador,
instigante e, principalmente, por se referir àquela que é a
principal preocupação do morador da região metropolitana e
da humanidade em geral . Esta preocupação tem modificado
os hábitos do homem , enclausurando - o e transformando - o
prisioneiro de si .
Como conclusão, pode-se antecipar que conhecer as
especificidades criminais (devidamente situadas no tempo e no
espaço ) parece de extrema relevância para o desenvolvimento de
políticas (públicas ou não) que visem à melhoria da qualidade de
vida tanto do homem que sofre, quanto do que pratica o delito,
especialmente do homem metropolitano, que é a maior vítima
desse tipo de desorganização social.
vii
REFLEXÕES SOBRE A
CRIMINALIDADE
A literatura especializada enfatiza a relação entre a
criminalidade e a metropolização, como resultado do processo de
industrialização. A consolidação da indústria, principalmente a partir
dos anos 30, provocou profundas alterações nas relações entre os
países capitalistas. A dinâmica de produção, que se efetuava através
da exportação de produtos agrícolas e matérias- primas e da
importação de manufaturas, começou a se alterar, sobretudo
durante a Segunda Guerra Mundial. Os países periféricos à
economia capitalista que, até então, tinham os seus processos de
industrialização controlados pelos países centrais, começaram a
industrializar-se. As cidades aceleraram o processo de urbanização
e, conseqüentemente, de atração de população.
Alterações são sentidas também no setor agrário que,
ao se modernizar, liberou uma parcela de sua mão -de -obra, que
migrou para o meio urbano, em busca de emprego. Além disso,
houve também uma queda no volume das migrações internacionais
e as classes trabalhadoras urbano -industriais deixaram de ser de
origem predominantemente européia, para serem compostas por
migrantes nacionais de cidades menores ou menos desenvolvidas
e de origem rural .
A pressão demográfica, com baixos rendimentos e
níveis de vida, aliada à atração que sempre exerceram as maravilhas
do meio urbano, acelerou a migração e um desequilíbrio nas
relações de produção . De um modo geral, as cidades não tiveram
condições de absorver toda a oferta de mão -de -obra migrante,
tanto pelo volume, quanto pela necessidade de qualificação. Este
desequilíbrio nas relações de produção levou, consequentemente,
à desorganização social representada pela situação ecológica e
sócio -econômica dessa população excluída do sistema dominante,
caracterizada pelo desemprego, subemprego no setor terciário,
recolhimento de esmolas, lixos etc. , enfim , pela formação de um
submundo.
É importante salientar que não se está considerando a
migração um condicionante de criminalidade - há muitos criminosos
não -migrantes ou que cometem o crime sem serem motivados
pela migração , como se constatará no decorrer da leitura .
Entretanto , embora a relação não seja determinista, é muito
3
Sueli Andruccioli Félix
* Assalto: pela popularidade da palavra e por falta de uma terminologia específica que identifique
o roubo cometido mediante ameaça ou violência e com o emprego de arma (Art. 157 parágrafo
2° 1 , do Código Penal), utilizaremos esse termo para caracterizar o crime com tais peculiaridades.
6
um modo geral.É oportuno lembrar que cada sociedade ou nação
tem seus próprios critérios para considerar o que seja um crime, e
que a sua resposta constitui um fenômeno social de grande
significância que norteia não só o conteúdo de políticas públicas,
como, no extremo oposto , a banalização do ato.
O senso comum desenvolve uma visão dicotômica da
sociedade, subdividindo os seus componentes em pessoas de bem
e em criminosos. Um mesmo crime (homicídio, por exemplo )
provoca respostas totalmente diferentes, dependendo de quem
são os atores da tragédia . A morte de pessoas de status elevado e
suas circunstâncias e, de outro lado, as arbitrariedades ( esquadrões
da morte, batidas policiais, execução sumária de criminosos em
confronto com a polícia etc. ) a que estão sujeitos os pobres,
moradores de favelas e subúrbios originam reações diferentes,
embora sejam dois aspectos de uma mesma realidade - a violência
onipresente no cotidiano da grande maioria da população brasileira .
Do mesmo modo, há casos de divórcio entre a norma
legal violada e a consciência social . É o caso de contravenções,
como o jogo do bicho, da prostituição e até dos crimes de colarinho
branco . O não -criminoso tolera e até protege o delinqüente. O
mesmo pode -se dizer das mortes ocorridas por acidentes no
trânsito, por exemplo, que são tão numerosas e muitas vezes tão
ou mais irresponsáveis que os demais crimes condenáveis pela
opinião pública , como os assassinatos, de um modo geral, mas
que têm uma grande condescendência da sociedade.
Respeitando - se as proporções, os pequenos delitos
( consumo de alimento dentro do supermercado, viagem em ônibus
urbano sem pagar a passagem , troca de etiqueta de preço em
estabelecimento comercial -estelionato ) estão sendo cada vez mais
tolerados pela opinião pública. O fato gerou uma tese em
Antropologia (BARBOSA , 1991 , p. 3) sobre a filosofia da vantagem ,
concluindo que o aumento desse tipo de delito e a
condescendência da população são frutos da impunidade no País .
São pessoas comuns se espelhando nas atitudes dos poderosos.
Um juiz corregedor de São Paulo ratifica e completa que a
impunidade também reflete a lentidão da Justiça eе a falta de leis
modernas. Um pequeno furto pode levar o praticante à prisão por
7
Sueli Andruccioli Félix
até quatro anos, enquanto um sonegador fiscal que desviou fortunas
imensas, pode ficar em liberdade se saldar sua dívida com o Estado.
8
Em todas as sociedades razoavelmente desenvolvidas
existe um consenso sobre a criminalidade de certas condutas, como
o homicídio. Porém , em algumas, há um canal aberto à aceitação
do ato de matar ( eutanásia e pena de morte). Mostrou -se que,
após a Segunda Guerra Mundial , o desenvolvimento trouxe uma
crise de valores nos comportamentos sociais e anti-sociais .
Definindo o “ crime as anti - social behaviour,and no form of human
behaviour wich is not anti - social should ever be treated as a crime
(MANNHEIM , 1984 , p.111 , grifo do autor), mostrou a existência
do conflito entre concepções individualistas de vida e as coletivistas
impostas, originando novas interpretações para o suicídio ,
eutanásia, aborto , homossexualismo etc. , devendo refletir- se
também no campo da Justiça Criminal.
Isto vem confirmar a não -existência de delitos naturais,
ou seja , fatos reprovados por todos e em todos os tempos, e que
a atitude da audiência social é variável no tempo e no espaço ,
como indica a afirmação de Strauss ( 1983, p. 64),
a única regra universal que existe é a proibição do incesto (...).
Tal proibição tem características de instinto, mas também o caráter
de uma regra absolutamente imperativa. É,portanto, a regra por
excelência, já que é a única universal e assegura a colocação da
cultura .
Em 31/03/1992, o jornal norte -americano The New York Times publicou, na primeira página,
um estudo que mostra a relação entre crime e família, conforme o jornal Folha de São Paulo, 1
mar.1993 , Mundo, p.2 .
10
Ainda dentro das interpretações teóricas deterministas,
temos :
14
DIMENSÃO SOCIAL
DO CRIME
2.1 Criminalização dos excluídos e controle social
De um modo geral e sob a ótica de segregações, a
análise das hipóteses nos permite afirmar que, mesmo de forma
implícita, Criminalidade e Exclusão são conceitos apresentados
na literatura como extremamente associados e até com uma relação
de causa-efeito. Os traços que definem ambas, normalmente, nada
mais são que sintomas externos e visíveis de um processo histórico,
que exclui vastos setores da população do aparato produtivo e de
outros segmentos dos setores dominantes. Define-se como
desviante e/ou delinqüente o desempregado, o subempregado, o
pobre e miserável, o negro , o habitante da favela e do cortiço , o
que não tem residência fixa, o que não possui documento ou ,
mais especificamente, uma carteira de trabalho assinada etc. , já
que destes segmentos sociais sai o maior contingente de criminosos
e condenados, mesmo a despeito de se ter consciência de como
age o sistema e as agências de controle social.
Resgatando Chapman (apud CASTRO, 1983), percebe
se que o controle da sociedade pelos que detêm o poder não é
exercido somente através das organizações administrativas e de
pena, mas através de elaborados sistemas simbólicos que se
convertem em modelos de comportamento . Em conseqüência , há
o que se poderia denominar uma reificação ou personificação dos
conceitos. Além disso, o controle social se vale de múltiplos
instrumentos como a família, a escola, a religião, a literatura e os
meios de comunicação em massa para a transmissão de símbolos
e preconceitos (os estereótipos) .
" Folha de São Paulo, 13 mar.1994,Caderno 3, p.6. Segundo a reportagem , a discriminação dos
burakumins vem de dois preceitos religiosos (o xintoísmo que relaciona morte a sujeira e o
budismo que condena a matança de animais) e "foi oficializada no período Endo ( 1600-1868)
quando o governo feudal dividiu o país em castas. Em ordem de importância vinham; samurais,
agricultores, artesãos, comerciantes , párias (aqui os burakumins) e hinins (os não gente :
mendigos, coveiros, mulheres adúlteras e suicidas fracassados).
20
No entanto , apesar dos crimes de ódio não serem
associados ao fator sócio -econômico, há evidências de estereótipos
criminais, especialmente no caso do negro , se destituído de poder
financeiro .
24
DIMENSÃO DEMOGRÁFICA
DO CRIME
Os valores demográficos (sexo, idade, densidade,
mobilidade sócio -espacial e outros) vão além dos números e são
elementos fundamentais no estudo da criminalidade. Abordagens
interdisciplinares consideram a dinâmica demográfica e os
indicadores sócio - econômicos, sócio-culturais e sócio-políticos,
fundamentais dentro do processo de análise da violência .
O caráter crescente da delinqüência, especialmente
no cenário urbano das grandes cidades, associado ao nível de
concentração e às características populacionais ( os valores
demográficos), têm gerado importantes reflexões sobre a
organização espacial e a reordenação territorial.
Até pouco mais de duas décadas, considerações da
dinâmica demográfica nos estudos criminais eram conduzidas
apenas por criminólogos e sociólogos - a criminologia tem
reconhecido a sua importância há mais de dois séculos. A Escola
Geográfica do Crime, principalmente a partir do início da década
de 1970, tem buscado, à luz de teorizações diversas e através de
análises associativas com outros campos científicos, elucidar os
processos que levam ao problema. Se o crime é um fenômeno
social que reflete certas condições de vida, diferenciadas por
situações sócio- econômicas, culturais , políticas, demográficas,
espaciais etc. , é o estudo destas condições que levará à
compreensão dos níveis de variação da violência .
Para tanto, é imprescindível analisar as condições de
vida do criminoso , suas características demográficas, assim como
as demais condições estruturais ( físicas, de aglomerações )
relacionadas à criminalidade.
" Antonio Luiz Paixão estudou crimes e criminosos em Belo Horizonte ( 1983), para os anos
1938 , 1960 e 1975 .
30
Mawby ( 1980, tradução nossa ) expôs cinco teorias,
hoje um tanto ultrapassadas, de relação entre ofensa feminina e o
papel social da mulher:
• 'expectations of appropriate behaviour': destaca o papel do
homem como provedor e da mulher, como administradora do
lar. Isso implica a permanência feminina em casa e o menor risco
de envolvimento em crimes;
• " social control : a educação da mulher é mais rígida e com
maior controle familiar e social que a dos meninos;
• 'opportunity : os diferentes papéis que desempenham homens
e mulheres ainda limitam as oportunidades de crimes femininos,
• " career models ": apesar de toda mudança social, ainda é mais
provável vê- las trabalhando em casa ou esperando tornar -se donas
de casa, através do casamento;
• 'attitudes': em função de sua formação, esperam -se atitudes
mais conservadoras e convencionais entre as mulheres, o que,
evidentemente, as leva ao cumprimento das leis.
Evidentemente, essas teorias foram se alterando
conforme as transformações do papel social da mulher na
sociedade. Da mesma forma, apesar da insignificante presença
feminina nos incidentes criminais, esta participação vem
aumentando em algumas regiões . Na antiga URSS , os crimes
cometidos por mulheres passaram do índice médio de 12%, a
cerca de 20 % , de 1985 a 1987. Sua participação foi de quase 50%
em desfalques e outros crimes graves de natureza econômica; e 3 /
5 , na fabricação ilegal de bebida fermentada ( samogon ), ou seja,
crimes que envolvem mais desonestidade e menos violência física
(DIENES, 1988 ).
Também na França ( Região de Bordeaux ) , a
participação feminina na criminalidade mostrou tendências não
violentas e pareceu caracterizar manifestações de miséria e/ou
exclusão. Apesar de representar quase um quarto dos indivíduos
encarcerados (24,2%), o que demonstrou alta participação quando
comparada a outros países , a tipologia criminal praticada restringiu
se à utilização de cheques roubados (42% das delinqüentes) e a
roubo de mercadorias (45 % ) (CHARIÈ, 1989).
A violência feminina é mais acidental e normalmente
em reação ao assédio sexual e maus tratos. Quase nunca é um ato
31
Sueli Andruccioli Félix
12 O relatório considera essa lesão corporal " conseqüência da recusa da mulher à vontade
masculina, na satisfação de seus desejos", mas não explica a similaridade entre Estados
demograficamente tão diferentes como Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Acre .
32
Estado que exibe as maiores taxas (75,5 % ), seguido do Rio Grande
do Norte (66,1 % ) e Acre (60 % ). Apesar de o homicídio representar
0,5% dos casos, em alguns Estados é o crime que assume a liderança
entre todos os praticados contra a mulher: Alagoas ( 24,8%) ,
Pernambuco ( 13,2%) e Espírito Santo ( 11,1 % ). Do mesmo modo,
o estupro, que tem um indice nacional de 1,8 % , nestes Estados
assumiu proporções bem maiores : 13,3% , 19,1 % e 19,8% ,
respectivamente.
Com relação ao perfil da vítima, o relatório destacou :
• a dona - de- casa ( 20,7 % ), seguida da empregada doméstica
( 10 % ) e da comerciária / industriária (9%);
• faixa etária : entre 18 e 40 anos (39,9 % ), e menor de 14 anos
(8,3 % );
• situação civil: casada (20,3 % ), concubina (19,9 % ) e solteira
( 14,2 % );
• instrução: analfabeta (53,8 % ). Em S.Paulo, 43,2% tinham o
primeiro grau completo, 33,2% eram analfabetas, 20 % tinham
segundo grau completo ;
• condição sócio - econômica : a maioria não exercia função
remunerada (dona- de-casa ) e 35,5% recebiam até dois salários
mínimos,
No contexto da criminalidade feminina, é interessante
lembrar que a prostituição, por exemplo , apesar de ser, para alguns
autores, apenas um fenômeno de conduta feminina " desviada ",
leva à prática de atitudes criminosas paralelas. Em sua exploração
opera mundialmente uma extensa e profunda rede de delinqüentes.
É uma modalidade que vem se ampliando e se sofisticando pelas
atividades de grupos de criminosos que mantêm um notável nível
de organização e eficiência operacional no abastecimento de
prostíbulos, através do tráfico das chamadas escravas brancas e
do aliciamento de menores .
A exploração do lenocínio normalmente é feita pelos
mesmos grupos que dominam outras atividades ilícitas, como as
redes de exploração do uso de drogas e as quadrilhas controladoras
de jogos clandestinos, como o jogo do bicho. A YAKUSA, por
exemplo , é a máfia japonesa que controla praticamente toda a
área de entretenimento no Japão, como as casas de strip tease, de
jogos e de prostituição . Há, com isso, uma certa tendência para a
33
Sueli Andruccioli Félix
34
traçou o perfil do criminoso paulistano como brasileiro , idade
entre 18 e 25 anos , cor branca, instrução elementar e desempregado,
O resultado deste estudo, desenvolvido nas prisões de São Paulo ,
para o período de 1973-1987, mostrou ainda um crescimento na
participação do jovem. Em 1970, dos envolvidos em delitos, 38 %
tinham entre 18-25 anos e, em 1984, a participação aumentou
para 50 % .
Em 1991 , foram encontrados índices um pouco
diferentes, ou que não confirmaram esse crescimento relativo entre
os jovens, em pesquisa na Casa de Detenção de São Paulo. Note
se que esses dados referem -se à idade do detento, quando da
realização da pesquisa e não por ocasião do crime. Apesar disso,
a participação do jovem é sensível . De todos os detentos, 23% têm
entre 18-24 anos, 35% têm de 25-30 anos , 31 % têm de 31-40 anos
e 11 % têm mais de 41 anos .
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Estudos interdisciplinares têm identificado outros
símbolos exteriores de status, além do uso de arma . Há uma aura
de independência, sexo e poder no status de traficante entre alguns
subgrupos, conforme afirma um antropólogo que estuda o
comércio de drogas em N. York (VEJA, 19 set. 1990 ). Como os
traficantes são identificados pelo bip na cintura, símbolo exterior
do comércio de drogas, muitos jovens passaram a usá-lo, mesmo
não o sendo.
A síndrome da gun culture, que leva à violência
indiscriminada e ao seu pronto uso , até em provocações leves,
levou antropólogos , sociólogos e agora geógrafos, a um profundo
envolvimento teórico na busca da compreensão dessa exclusão
comportamental, gerando sugestões que serão vistas no item
relevância humana .
38
possibilidades de desorganização pessoal e social. Com relação
ao movimento rural-urbano, a literatura afirma que os problemas
de adaptação ao novo meio tornam -se conflitivos a partir da
segunda geração de migrantes, quando os jovens tentam romper
com os padrões de comportamento de seu grupo de referência - o
familiar, a vizinhança - e tentam adaptar-se às novas formas culturais
do novo grupo urbano.
Sobre as conseqüências desse processo, Pires ( 1985,
p.19 ) escreveu que ,
ao sair de um meio onde os laços de toda a comunidade são mais
fortes e estáveis, a população rural encontra nas grandes cidades
um meio hostil, que fragmenta as relações sociais, isola o indivíduo
da sociedade e de si mesmo. A grande massa de indivíduos vai se
dividir em estágios sociais diferentes e sofrer intensa pressão do
meio , não apenas para sobreviver, mas para participar dos bens
produzidos pela sociedade. O resultado é a selvageria industrial,
a agressividade. A evolução técnica e o progresso industrialvão
aumentando o número de bens produzidos e sofisticando a
produção . Nem todos poderão ter acesso a esses bens, tampouco
conseguirão escalar os degraus sociais e econômicos para alcançá
los. A distribuição desigual da riqueza nas grandes cidades e a
clivisão injusta de oportunidades de acesso a ela vão provocar
forte desorganização de personalidade, fato que, para o sociólogo
Manuel Castells ( 1975 ) poderá explicar a progressão do crime,
do suicídio , da corrupção, da loucura , enfim , nas grandes
metrópoles.
Estudando a criminalidade do Rio de Janeiro, Massena
(1986 ) percebeu que 66 % dos criminosos violentos ( roubo, estupro ,
lesão corporal e homicídio ) eram migrantes. Entre os presos da
Casa de Detenção de S.Paulo contatou -se , em 1991, que apenas
36 % eram da capital (23% do interior de SP, 23% no nordeste, 10 %
de outros Estados do sudeste, 6% da região sul, 1% do centro
oeste e norte, e 1 % de outros países). Entre os que nasceram fora
do Estado de S. Paulo , 46% viviam há menos de 10 anos na capital
(desses, 11 %, menos de 01 ano, 19 % , de 01 a 05 anos e 16 % , de 05
a 10 anos ), 33%, de 10 a 20 anos e 21 %, mais de 20 anos. No
entanto, essa pesquisa não informa o tempo de permanência do
criminoso na última residência , ou seja , o nível de enraizamento
necessário para que se desenvolvam ligações emocionais com o
ambiente e com a comunidade. Sabe-se apenas a origem dessa
população .
39
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A interação social também pode determinar o nível de
influência do controle social informal. Greenberg et al . ( 1984 )
testaram essa relação em três pares de vizinhança caracterizadas
por baixo e alto níveis de crimes, através de duas dimensões
(vigilância e ligação emocional com a vizinhança ). Concluíram
que dois terços das vizinhanças de baixo índice criminal viviam
na mesma área por mais tempo que as de alto nível de crime,
gostavam da vizinhança e quase não tinham intenção de mudança
nos próximos dois anos, demonstrando , ainda, um elevado espírito
comunitário (consideravam a vizinhança um lar, com vizinhos
solidários e com controle sobre os eventos locais ).
Hoje , a relação entre mobilidade espacial e crime
ultrapassa as análises de transferência de população no sentido
rural-urbano . A migração intra -urbana também acentua o
individualismo, o anonimato , contribui para a ausência de um
arraigamento social verdadeiro , o que implica afrouxamento do
controle social informal e uma certa liberação de atos e atitudes
que poderão ser desviantes, ou não .
40
simplesmente. O desemprego levaria a crimes mais violentos, pois
permitiria mais tempo de contato interpessoal em ambiente não
estruturado, diminuindo o custo de oportunidade de crime e
levando ao mais tradicional crime de propriedade como substituto
legal ou ilegal do emprego (LONG ; WITTE , 1981 apud FELIX,
1996 ).
41
Sueli Andruccioli Félix
43
Sueli Andruccioli Félix
44
são de utilidade do crime, já que o de propriedade envolve valores
materiais, que normalmente estão concentrados em vizinhanças
específicas ( alto status sócio -econômico ).
Dados do F.B.I., para 1980, indicaram que a maioria
dos homicídios é intra - racial e ocorre em instâncias de
conhecimento mútuo ( vítima e ofensor):
46
DIMENSÃO ESPACIAL
DO CRIME
As percepções, atitudes e aspirações dos seres humanos
variam sensivelmente, conforme as suas posições sócio -econômica
e cultural. O modo como as pessoas lêem o espaço, o sentimento
que desenvolvem e as formas como se organizam determinam
uma geometria sócio -espacial: os espaços dos “ muito ricos e dos
muito pobres, os subúrbios exclusivos e as favelas, os guetos raciais
e de imigrantes” têm fronteiras bem definidas que “sobressaem
nitidamente no mosaico urbano ", isolados por razões sociais,
econômicas e culturais (OLIVEN , 1980 ). Essa percepção , as atitudes
e os valores do meio ambiente são abordados também pela
Geografia Humanística e da Percepção (TUAN, 1980, p. 249).
Os estudos de ecologia urbana , a partir principalmente
da clássica hipótese das Zonas Concêntricas, de Burgess , 17
contribuíram para a compreensão da estrutura espacial das cidades
e a distribuição residencial dos diversos grupos econômicos. Tanto
a percepção quanto a manifestação espacial estão associadas aos
processos de transformações sociais, provocados pela urbanização,
industrialização, migração, crescimento vegetativo etc.
Vários estudos, dentre eles os desenvolvidos por Tuan
( 1980 ), assinalaram esta percepção diferencial em função do status
e de situações específicas. De um modo geral, as pessoas estão
satisfeitas com sua área residencial, especialmente as que vivem
por muito tempo em um mesmo lugar, e onde a familiaridade
engendra aceitação e afeição. É o recém -chegado quem manifesta
mais descontentamento. As pessoas de alta renda normalmente
não demonstram insatisfação, pois do contrário teriam meios de
mudança ou melhoria da qualidade do bairro. As de baixa renda
são menos entusiastas.
Entretanto, independentemente da classe econômica
e da cultura , as pessoas tendem a julgar a qualidade do seu
ambiente muito mais pelo relacionamento com os vizinhos que
pelas condições físicas. Excetuando-se alguns poucos condomínios,
de um modo geral a classe média não sente o seu bairro como
17 A Teoria de Burgess fundamenta -se nas hipótese de que as cidades se organizam naturalmente
em 5 zonas circulares concêntricas, sendo 1 ") LOOP - zona central do comércio; 2") zona de
transição, que circula o centro , decadente, com os " bas- fonds " de crime e prostituição; 3 ) zona
de moradia de operários, de fixação de imigrantes de 2º geração; 4") zona de residências de alta
categoria, e 5") zona de Commuters.
49
Sueli Andruccioli Félix
18 Essa era a dinâmica do Centro de New York até o momento em que se realizou a presente
pesquisa ( 1994). Hoje, 2002, a situação se modificou, justamente em função do desenvolvimento
de políticas públicas de contenção da criminalidade.
50
Na aparência física, o Skid Row é inconfundível. Junto ao centro
comercial ou às facilidades de transporte pesado de quase toda
grande cidade, espalha- se um mosaico pardacento de hotéis de
baixa categoria e de casas de cômodo; tavernas, restaurantes
baratos, lojas de segunda mão e de penhor; agências de emprego
oferecendo mão -de- obra não qualificada e missões, oferecendo
salvação e uma refeição gratuita . O seu estilo de vida é tão bizarro
para o cidadão comum, que os maiores Skid Row são uma atração
turística . Alguns os vêem , romanticamente, como uma vida
descuidada; muitos os vêem como a degradação máxima . Há,
entre eles, alcoólatras provenientes de lares desfeitos e até pessoas
com doutorado . A vida de rua é cheia, porém cinzenta. De
madrugada (...) as calçadas começam a se encher de homens. O
arrastar- se de um lado para o outro , pela rua, continua até nove
ou dez horas da noite; daí em diante, gradualmente vai diminuindo.
As calçadas, nos sábados e domingos, ficam cheias de pedestres
e de vadios. O propósito é olhar vitrinas e bater papo [...] escolher
um lugar para comer; ljuntam-se) nas entradas dos hotéis, [...]
encostam-se nas paredes para observar a cena social [...]. Depois
que escurece, a atividade mais popular é assistir televisão [...]
beber nas tavernas ( ...). No tempo frio [...] procuram o calor nas
salas de leitura das bibliotecas e, no desespero, até deixarào que
suas almas sejam salvas, nas missões, por umas poucas horas de
calor e uma refeição grátis. Depois da comida , o problema mais
premente, para um vagabundo, é um lugar para dormir, que pode
ser um compartimento das caldeiras, vagão com fardos de algodão,
escadarias de prédios, caixa de lixo, recinto de pesagem, toalete
de hotel, penny arcades, Igreja, terminal de cargas e outros. ( TUAN ,
1980, p. 257)
Essa descrição ilustra a ambigüidade de sentimentos -
certos grupos e ambientes são num só tempo percebidos
positivamente, ou repudiados pela sua degradação . A percepção
do mundo e os estilos de vida variam , mesmo entre pessoas que
habitam o mesmo espaço .
52
A mobilidade espacial da população também é um
processo que atomiza as estruturas e enfraquece a coesão social,
no confronto de valores de culturas diferentes, especialmente para
o migrante de segunda geração . O saldo migratório está
positivamente relacionado ao crime contra a propriedade (o crime
utilitário ), enquanto produto de expectativas frustradas e de
privações sócio-econômicas . De um modo geral, a maioria dos
migrantes possui baixo poder aquisitivo e nível de instrução
precário, consequentemente, alto nível de desemprego e condições
de habitação sofríveis, como favelas e cortiços ( PIRES, 1985) .
Além das características ambientais já citadas (regiões
com população de altos índices de jovens, desempregados,
populações minoritárias etc), outros estudos desenvolvidos nos
EUA (MURRAY; BOAL, 1979) revelaram que o crime violento é
mais freqüente em áreas urbanas caracterizadas por: deterioração
física , baixo nível de educação e habilidade vocacional, alta
proporção de homens sozinhos, lares desfeitos, mães que trabalham
fora de casa , residências superpovoadas e “subestandartizadas" e
uso da terra misto (comercial /residencial). Na Inglaterra, também ,
grande parte das investigações correlaciona as características
estruturais do meio urbano, particularmente dos ambientes pobres
e de população migrante, com os altos índices de crimes violentos.
Contudo, e apesar de exaustivamente proclamada, a
correlação desses " atributos urbanos” das sociedades capitalistas
com a criminalidade não é exclusividade desse contexto socio
polític Na extinta URSS , havia alta incidência criminal ,
especialmente na Sibéria e Extremo Oriente, associada à estrutura
da população, à instabilidade na força de trabalho, às condições
de vida insatisfatórias e ao grande número de internos levados, de
todas as partes do país, a trabalhos corretivos nos campos da
Sibéria (DIENES, 1988 ).
19 Originalmente , definia -se trombadinha o autor de roubo que abordava os transeuntes através
do contato físico abrutalhado, embora a ação furtiva de retirada de objetos de carteiras, bolsas e
bolsos de roupas recebam, popularmente, a mesma conotação.
20 Dentre eles estão: DUNCAN; DUNCAN, FARLEY, TAUBER ; TAUBER .
55
Sueli Andruccioli Félix
56
exatamente o contrário - a ação se faz em vizinhanças diferentes
por redução do risco de ser reconhecido.
Entretanto , há uma terceira investigação realizada em
Chicago ( BROWN , 1982 ), muito interessante : os crimes cometidos
por negros, adolescentes e criminosos não -profissionais ( geralmente
desarmados aconteceram mais próximos da sua residência , se
comparados com os de brancos, adultos e profissionais ( geralmente
armados). Corroborando esta investigação, Capone; Nichols ( 1975)
afirmaram que os roubos com armas de fogo requerem maior
planejamento, pesquisa mais elaborada , um comportamento de
decision -making e ocorrem mais longe que os cometidos apenas
com a força do ofensor, ou são resultado de ação mais espontânea.
Portanto , a distância média percorrida pelo ofensor varia conforme
o tipo de crime e ambiente e está diretamente relacionada ao
valor esperado do produto do roubo.
Ao montar um quadro de relação entre delinqüentes
por zonas de residência e zonas de infrações, para o Rio de Janeiro
( 1964-1971 ), Coelho ( 1978) percebeu que a distribuição percentual
dos delinqüentes reflete exatamente o ordenamento dessas regiões,
segundo a magnitude de suas populações: as mais populosas
contribuem com percentuais mais altos de delinqüentes e
delinqüências, o que significa que há uma tendência em se
cometerem infrações na própria área onde residem ou em suas
imediações. O artigo não esclarece se as zonas centrais de negócios
foram excluídas da análise, já que a maioria dos estudos
criminológicos informa que onde os ofensores residem . não é
provavelmente o local onde cometem os crimes. Isto , com base
na relação entre índices de ocorrência e residência : os distritos
centrais de negócios exibem as maiores taxas de ocorrência (e os
maiores alvos como: mercadorias expostas, carros estacionados,
pessoas nas ruas, dinheiro em circulação etc. ) e as menores taxas
de residentes.
59
Sueli Andruccioli Felix
60
Os distúrbios populacionais nos Estados do Sul ,
representados especialmente pelas altas taxas de crimes violentos
(contra a pessoa ), sempre provocaram especulações relativas às
reações de subcultura dos negros, conseqüente da combinação
de fatores econômicos e socioculturais. Existem várias teorias
interpretativas desse comportamento violentos, como as citadas e
investigadas por Miller e Harries:
• certas áreas ou certos grupos desenvolvem uma subcultura que
rejeita a cultura majoritária e seu valor. Isso encoraja o uso de
violência como uma legítima forma de comportamento. Membros
de gangues brigam para assegurar e defender sua honra como
macho, a reputação de sua área local e a honra de suas mulheres.
Os componentes de grupos étnicos minoritários ou de alguma
subclasse são alienados da sociedade, sentem impotência e
hostilidade, o que aumenta a probabilidade de violência
(MILLER, 1966 ) ;
• a violência nos Estados do Sul ( EUA ) é um modo de vida
hereditário, uma manifestação cultural que incorporou o
sentimento de inferioridade (Hacney, 1969 ), relaciona-se a um
sentimento de honra exagerado (Gastill, 1971).É maior entre os
jovens, pobres e negros, conseqüente da interação entre
determinantes estruturais (marginalidade econômica e racismo ),
de estímulos externos e da ênfase a comportamentos de bravura
e resistência fisica. (CURTIS, 1975 apud HARRIES, 1985)
Algumas dessas teorias também se mostraram válidas
para a sociedade oriental . Dutt e Venugopal ( 1983, tradução e
grifo nosso ) estudaram a tipologia criminal das cidades indianas
com mais de 100.000 habitantes, através de três fatores de análise :
1 ) crimes de'subcultura':são todos violentos e menos sofisticados,
possivelmente de áreas com longa tradição na história da violência
e têm no estupro , assassinato , sequestro e roubo os seus maiores
componentes. Burglary (arrombamento ), dacoity*22 (roubo com
violência cometido por uma gang) e homicídio são contribuintes
secundários;
2) crimes econômicos: são principalmente trapaças, abuso de
confiança e roubo, geralmente cometidos com a intenção de tirar
vantagem da ignorância e /ou da necessidade dos outros;
22 A palavra Dakoit foi incorporada na língua inglesa como dacoity nos idos do século XIX . A
sua definição foi retirada de Short Oxford English Dictionary, in: Dutt e Venugopal ( 1983,
p.223 ) .
61
Sueli Andruccioli Félix
INDUSTRIALIZAÇÃO
URBANIZAÇÃO
DESVIO SOCIAL +
CRIMINALIDADE
VIOLÊNCIA
64
constituída essencialmente pela massa marginalizada , sem
condições mínimas de existência humana. Cria um excesso
populacional que não pode integrar o circuito dinâmico da
produção - consumo e provoca uma superconcentração de renda,
ampliando o fosso que separa as classes sociais.
Todavia, não se pode responsabilizar o significativo
crescimento demográfico pelos graves problemas sociais urbanos
e nem , tampouco, pela criminalidade. As origens estão nas
estruturas sociais e econômicas excludentes, que provocam intensa
mobilidade e concentração espacial , fazendo da cidade o centro
de convergência da problemática nacional .
Também não é prudente responsabilizar os excluídos,
social e economicamente , como querem algumas teorias
sociológicas (subcultura da violência, associação diferencial etc.),
especialmente quando se estuda a tipologia criminal mais
característica de grandes centros urbanos. Há uma criminalidade
organizada em moldes empresariais, como o tráfico de drogas, o
seqüestro e a prostituição , que em nada caracterizam condições
de privação sócio -econômica ( apesar de utilizarem os excluídos
socialmente para cargos mais baixos dentro da organização ). Do
mesmo modo, as gangues contrariam o mito da marginalidade,
como conseqüência de condições econômicas.
A epidemiologia criminal sugere, além de um aumento
exagerado nos índices de crimes praticados nos centros urbanos
maiores, uma alteração nos padrões convencionais. Nas grandes
cidades, as redes organizadas de criminosos abrangem todo ato
ilícito . Os ladrões isolados estão se tornando cada vez mais raros,
mesmo para roubos de carteiras, roubos residenciais etc. Se o
resultado financeiro é vultoso , surgem tipos clássicos e mais
evoluídos de organização, como nos seqüestros, assaltos a bancos
e condomínios, tráfico de drogas etc.
66
em seu comportamento , enquanto ao mesmo tempo ele perde
algum compromisso firme de valores comunitários, é facilmente
atraído pela promessa de ganho rápido e seduzido pela tentação
do vício .
67
Sueli Andruccioli Félix
68
de vítima24 Desse modo, a vítima facilita a ação dos criminosos:
75 % das vítimas entrevistadas afirmaram que não tomariam medidas
mínimas de segurança para evitar novo ataque. Por outro lado, há
também muita simpatia das vítimas em relação aos criminosos :
87,5% daquelas não acham que os criminosos estejam sempre
errados.25
As teorias freudianas enfatizam o papel do
determinismo psiquiátrico no comportamento humano . Com dados
clínicos , sugerem que suicídio e homicídio também são ,
inconscientemente, precipitados pela vítima como resultado de
frustrações. Quando a agressão é exteriorizada, ocorre o homicídio
e, quando interiorizada ou refletida em si mesmo, o suicídio ,
Com adaptações, Brenner ( 1979 apud HOLINGER ;
KLEMEN, 1982 ) seguiu a mesma teoria, correlacionando taxa de
mortalidade nacional com ciclos econômicos. Nesta base,
demonstrou que os indicadores de instabilidade econômica e
insegurança, tal como desemprego , foram associados no tempo
com altas taxas de mortalidade, a partir do seguinte esquema:
a falta de segurança econômica é estressante, quebra a estrutura
familiar e social e hábitos danosos à saúde são adotados. O efeito
pode manifestar-se como um evento psicopatológico (suicídio e
homicídio ) ou , lentamente , depois de poucos anos, como uma
doença crônica ( como câncer ou doença cardiaca ). Assim ,
tendências autodestrutivas podem ser a base de todas as formas
de mortes violentas.
Gabennesch ( 1988 , tradução nossa ) agrupou três tipos
de variáveis que influenciariam o suicídio:
1 ) são condições ou eventos que induzem à miséria psicológica e
fazem a perspectiva de morte parecer mais fácil de aguentar que
a perspectiva de vida . Exemplo: falências e fracassos na
'performance' de papéis importantes ( ocupacional) ou de relações
estimadas, dor física ou doença e uma redução aguda na
responsabilidade social;
2) são variáveis durkheimianas, representadas por vínculos sociais
e ideológicos de vida, que sustentam o indivíduo contra forças
71
Sueli Andruccioli Félix
Entre os adolescentes, especificamente entre jovens
de 15 a 24 anos, há informações de que o índice de suicídios
aumentou 32 vezes nos últimos 30 anos, enquanto se tem mantido
estável entre os adultos para o mesmo período. Gruspun (apud
GABENNESH , 1988, tradução nossa ) apontou quatro fatores
determinantes:
depressão, impulsividade, idéia de morte e eventos circunstanciais
( como a perda de um parente querido e a privação de algo ).
Apresentar apenas um desses fatores não significa risco de suicídio .
Dois fatores significam baixo risco. Três, risco médio. Os quatro
fatores juntos, alto risco de tentar pôr fim à vida.
Estudos sobre a tendência secular do suicídio no Japão,
para o período de 1955-58 , registraram aumento nas taxas ,
especialmente entre jovens de 15 a 34 anos, durante um ciclo de
prosperidade e recessão, após um período caótico do pós- guerra.
Apesar de ser um período de prosperidade, as taxas de desemprego
eram muito altas devido ao excesso de trabalho apenas no setor
primário . Os desempregados eram , em sua maioria , jovens
trabalhadores não - qualificados. Para o período de 1970-83 , a
incidência maior foi entre pessoas de 40 a 59 anos, num período
de longa depressão econômica, seguindo a primeira crise de
petróleo, como reflexo de mudanças sócio-econômicas na estrutura
industrial do Japão na transição de uma economia industrial para
uma de serviço (MOTOHASHI, 1991 ).
A sazonalidade é o mais importante componente de
suicídio em todas as investigações. Embora as explicações ainda
pareçam inconclusivas, a freqüência do ato na primavera éé quase
consensual entre os pesquisadores. Dublin ( 1963 , p.56 apud FELIX,
1996) atribuiu o pico nesta estação do ano ao " doloroso contraste
entre o seu próprio desaparecimento e o ressurgimento da vida
em si mesmo ". Durkheim ( 1966 ) entendeu que, com a chegada da
primavera , tudo começa a despertar, as atividades são recomeçadas,
como num significado sazonal de um novo ano , e as pulsões de
vida podem contrapor -se às pulsões de morte do suicida .
Esse comportamento suicida primaveril é confirmado,
para o Brasil, através de dados estatísticos do Pro -Aim , que
acusaram , entre os meses de setembro e janeiro , a incidência de
60 % do total de suicídios. A lógica para esse comportamento está,
72
segundo o psicólogo especialista em suicídios - Valdemar Augusto
Angerani, na percepção de encerramento de mais um ano fadado
ao fracasso - seria o momento do início das reflexões sobre suas
atividades do ano . No entanto , aceitar essa explicação é
desconsiderar questões latitudinais , que fazem o mundo passar
por estações do ano em épocas diferentes e não coincidentes com
a chegada do final de ano .
Há também variação semanal na sua incidência , sendo
o pico às segundas -feiras e declínios nos fins-de -semana ( sexta ,
sábado e domingo ). Do mesmo modo , as taxas são tipicamente
mais baixas que o normal em feriados nacionais (com exceção ao
feriado do Ano Novo ), aumentando sensivelmente nos dias que
se seguem aos feriados. Phillips e Liu ( 1980 apud GABENNESH ,
1988 ) examinaram os sete dias próximos aos feriados nacionais
( três dias antes e três dias depois, exceto Ano Novo) e encontraram
padrões idênticos aos fins -de -semana. Tomando -se o dia do feriado
como sendo domingo, há um pico no dia seguinte ( como se fosse
segunda-feira) e pouca ocorrência nos três dias anteriores ( como
se fossem sexta -feira, sábado e domingo).
Situação completamente oposta ocorre com a
incidência do homicídio . Ele é mais comum em julho e dezembro ;
mais freqüente aos sábados e domingos (aumento no consumo
de álcool e maior contato entre amigos e familiares). É muito
freqüente nos feriados nacionais maiores, talvez pela mesma razão
dos fins- de -semana .
Embora as explicações para os ciclos temporais de
suicídio sejam questionáveis, o autor especulou com o chamado
Broken -promise Effect: há um efeito de expectativas que reduz as
taxas imediatamente anteriores ao feriado e que , não se
concretizando, transformam - se em frustrações e no seu aumento
imediato . Por analogia, a redução nas taxas anteriormente às férias
escolares e que coincidem com o início de um novo ano , também
pode estar refletindo expectativas que, ao se frustrarem , provocarão
o aumento nas taxas a partir de janeiro, com pico em abril-maio
( coincidindo com o final do inverno e início da primavera). As
expectativas de um novo ano podem trazer implícitas as de um
novo começo, um renascer, afastando de imediato o suicídio . Isso
73
Sueli Andruccioli Félix
74
GEOGRAFIA DO CRIME E
POLÍTICAS PÚBLICAS
A criminalidade é, sem dúvida , um dos maiores
problemas enfrentados pela sociedade e que ultrapassa a
capacidade de compreensão de uma única ciência . É necessário
o desenvolvimento de estudos interdisciplinares e de sub -campos
nas disciplinas interessadas para que , com o intercâmbio de
opiniões, desenvolvam -se pesquisas e se cheguem a soluções que,
no presente, parecem impossíveis.
A escola geográfica da criminalidade está consciente
de que os processos espaciais não se explicam por si mesmos,
mesmo a despeito dos seus estudos estarem assentados em um
modelo estatístico de comportamento , com preocupações com a
identificação dos lugares de ocorrência dos crimes e de residência
dos criminosos. Nenhum estudo sério da criminalidade pode
desconsiderar os processos sócio -políticos, os conflitos de classes,
os comportamentos e as formas de percepção social, política e
econômica do espaço .
Alguns geógrafos têm sido muito criticados por
negligenciarem a atuação dos sistemas de controle social e por
estarem se deixando levar por imperativos positivistas e por uma
epistemologia instrumentalista . Fazem associações entre os
indicadores de crime (estatísticas oficiais ) e os indicadores do
ambiente social (geralmente o Censo ), esquecendo -se de que a
lei , seu cumprimento e os índices de controle social são também
variáveis ambientais muito importantes.
78
o mapeamento das variações sociais e espaciais como fonte de
informações para o planejamento de ações sociais mais
equilibradas. Deste modo, funcionaria tanto como um input para
o planejamento , quanto como um meio de monitorar políticas
que objetivem incrementar o bem-estar e conseqüentemente
melhorar a qualidade de vida. O conceito de nível de vida foi
dividido em três conjuntos de variáveis : necessidades físicas
(nutrição , moradia e saúde), necessidades culturais (educação, lazer
e recreação, e segurança ), e necessidades mais elevadas ( a serem
obtidas com rendimentos excedentes).
Vários outros estudos sugeriram reflexões espaciais
que pudessem conduzir políticas públicas nas áreas de saúde,27
28 políticas sociais que
economia , mais particularmente a pobreza,2%
privilegiassem o bem -estar da criança , etc. Em reflexão um pouco
mais teórica , interessou - se pela crise urbana nos EUA - as tensões
e tumultos raciais, bancarrotas municipais e o papel do governo
na economia urbana (JOHNSTON , 1986 , p.238-242 ).
Há um insight acadêmico para ser oferecido e uma
aplicação prática de resultados de pesquisas para serem
demonstrados em relação aos problemas sociais em geral e ,
particularmente, aos fatores do crime e ao modo como a justiça e
a polícia são administrados. Crimes, criminosos e áreas de
ocorrência estão sendo definidos e detectados, representam uma
grande fonte de medo para um grande número de pessoas e estão
diminuindo a qualidade de vida e o sentido de bem -estar da
humanidade. Análises espaciais ( quantitativas e qualitativas)
poderão se constituir em elementos de compreensão das relações
entre as formas de violência e seus contextos e padrões, fornecendo
oportunidades para o desenvolvimento de políticas de prevenção
mais efetivas.
79
Sueli Andruccioli Félix
80
metropolitano, deve inserir em suas análises a dimensão da
criminalidade.
81
RELEVÂNCIA CIENTÍFICA
As qualidades espaciais dos fenômenos criminais são
subprodutos das pesquisas criminológicas há quase dois séculos,
através da observação da incidência do crime, de sua variação e
relações com as condições físicas e sociais, em função dos diferentes
níveis de urbanização, instrução, ocupação diferencial e pobreza.
São estudos reconhecidos como cartográficos ou geográficos, pelo
uso constante de mapas para demonstrar espacialmente essas
variações.
" Essai Sur La Statistique Morale de la France, Avec
Cartes ", de Guerry ( 1832) é um dos primeiros trabalhos de
cartografação do crime que se tem notícia (PHILLIPS, 1972). Foram
pesquisados os relatórios nacionais de crimes ocorridos na França ,
a partir de 1825, observando comportamento criminal uniforme
temporal, espacial e demograficamente: a mesma taxa de crimes,
a mesma sucessão ( estações do ano, por exemplo ) e nos mesmos
distritos , além de relação idêntica com as características
demográficas ( sexo e idade ). Sobre os crimes cometidos contra o
patrimônio, percebeu que são mais freqüentes:
no meio urbano, em função da quantidade de riqueza em vez
da densidade de população;
em regiões de melhor nível educacional (os crimes violentos
- contra a vida são mais característicos de pessoas mais
ignorantes) ;
durante o inverno, na região Norte ( os crimes contra pessoa
ocorrem mais durante o verão, no Sul).
Também é do século passado ( 1849) um outro estudo
da mesma natureza ( HERBERT; HARRIES, 1982) As estatísticas
criminais da Inglaterra foram analisadas por Joseph Fletcher.
Constatou que, embora a questão educacional não incidisse
diretamente na criminalidade , as regiões de melhor nível
apresentaram taxas mais elevadas de crimes contra a propriedade,
por serem regiões mais ricas, o que as tornam áreas de coleta e
não de formação de criminosos . Seria o mesmo que afirmar que a
educação tem relação direta com o fator econômico que por sua
vez relaciona -se com a tipologia criminal . Contrapondo-se às
conclusões de Guerry, concluiu que há forte correlação entre
criminalidade e densidade de população .
85
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90
Há ainda quem afirme que, embora os ofensores nunca
ou raramente operem no bairro ou na comunidade onde residem ,
seus atos são praticados freqüentemente em ambientes conhecidos,
como uma comunidade vizinha ou um antigo local de residência
( CHARIÈ, 1989 ). O certo é que a análise das projeções espaciais
da criminalidade ainda é inconclusiva e o conhecimento das
relações entre as formas de violência e seus contextos e padrões
podem auxiliar no desenvolvimento de programas preventivos
mais efetivos.
Conjugada a fatores ambientais e culturais, a visão
espacial é muito importante na avaliação quantitativa e qualitativa
da violência ( NEWMAN ; SCARR, 1972-3, 1973 ). Há, também , um
persistente efeito térmico nos estudos da demanda criminal em
regiões de altas latitudes: a incidência de comportamentos violentos
em determinadas condições de temperatura - especialmente sob
extremo calor com muita umidade no ar associados aos efeitos
do calendário ( férias, feriados e finais de semana ), à densidade
estrutural que permite maior contato interpessoal ( que
conseqüentemente pode reforçar interações negativas) , aos efeitos
de vizinhança ( representados pelo status social baixo, alta
densidade de negros e grande proporção de habitação subnormal)
e ao consumo de álcool ( 2/3 dos homicídios são cometidos sob
seu efeito ).
91
Sueli Andruccioli Félix
92
dimensões negativas, pode ser observada na pobreza, desemprego,
circulação de drogas, desintegração da família , falência das
instituições da comunidade etc.
A tese de associação entre pobreza e criminalidade é
criticada por Coelho (1980 ), pelas seguintes razões:
1 ) é obviamente nutrida' pelas evidências das estatísticas
produzidas pelos órgãos de controle e repressão ao crime;
2) a tese postula a existência de algum princípio de cálculo
subjetivo pelo qual indivíduos em condições de pobreza avaliam
a utilidade do comportamento criminoso para crimes de
propriedade. Sobre esses postulados do comportamento criminoso
vem sendo elaborada toda uma teoria de dissuasão' destinada a
apontar mecanismos que aumentem as probabilidades de
'desutilidade desse comportamento e que desembocam em
políticas repressivas contra segmentos criminalizados nas
estatísticas oficiais (mais ação policial , maior rigor dos tribunais e
penas mais duras);
3) esta associação não tem encontrado suporte nas investigações
sociológicas, mesmo quando utilizam estatísticas criminais.
Para ilustrar essa afirmação, o autor aponta uma re
análise de 35 pesquisas desenvolvidas nos EUA nas últimas quatro
décadas e com base em dados sócio -econômicos, onde se percebeu
que esta relação decresceu, a ponto de se tornar quase nula nos
anos 70. Especula que ou as classes sociais mudaram seu
comportamento em relação à lei , ou a crescente preocupação
pública com violações dos direitos civis dos cidadãos de classe
mais baixa forçou as agências policiais e judiciárias a um tratamento
menos discriminatório.
A relação de causalidade não explica as diferenças de criminalidade
entre os sexos, as elevadas taxas na faixa etária de 19-25 anos, a
relação inversa entre taxa de desemprego na economia e
delinqüência juvenil e o porquê dos infratores constituírem fração
tão reduzida da população total de nível sócio -econômico mais
baixo (admitindo-se a tese da maior utilidade dos comportamentos
criminosos para os indivíduos desse estrato social). (COELHO,
1980)
95
Sueli Andruccioli Félix
Os estudos geográficos devem considerar, de forma
dinâmica, os que cometem os crimes como um indivíduo, muito
mais que um praticante de atos considerados criminosos,
simplesmente . É preciso pensar no passado, na trajetória de vida
( inclusive espacial) do criminoso , pois, caso contrário , ocorrerá a
punição momentânea dos que cometem crimes, ao mesmo tempo
em que persistirão todos os condicionantes que, certamente, irão
gerar novos crimes e criminosos.
96
3 estudos de tipos alternativos de desvio , como, por exemplo,
fraudes médicas , que diferem radicalmente da imagem
tradicional da criminalidade (crimes de rua , por exemplo) e
têm escapado de estudos detalhados graças ao poder de
tecnocratas, industriais e da perícia empresarial ;
4 estudo do crime e " deslocamento " de controle: o conceito de
deslocamento sugere que a oportunidade de crime é relativa,
por exemplo , o assaltante ajusta suas atividades conforme as
estratégias de prevenção , assim como a geografia da
prostituição de rua é sensível e se ajusta ao controle. Outros
grupos não modificam o seu comportamento devido ao
controle mas são capazes de modificar o controle em resposta
ao seu comportamento. Exemplo " lobbies" de grupos
industriais que continuam a evitar a introdução da legislação
anti-poluição ;
5 na investigação da expressão espacial de controle - como a
geografia do controle social, questões raramente tratadas pela
Geografia tornam - se centrais:
a ) o próprio espaço é usado como uma forma de controle?;
b) que fatores explicam mudanças históricas na expressão
espacial de tipos de controle - e com eles, imagens de
crime?;
c) como variam os tipos de crime em diferentes ambientes na
cidade?;
d) como se descreve , em nível sócio -psicológico , a
importância de lugar no exercício de controle ?
Uma perspectiva de planejamento, com interesse na
qualidade de vida deve promover um sistema de justiça criminal
direcionado para a redução real das taxas de crime, independente
do papel do sistema de controle. Para Harries ( 1976, p. 384) , um
sistema de justiça criminal progressivo inibirá o crime. Contudo , a
apropriação de grandes somas de dinheiro para o " controle imediato
do crime" fornece catarses políticas e é essencialmente um
inquestionável ato de interesse público.
O sistema de controle é um elemento estrutural crítico ,
tanto para definições do comportamento criminal, quanto para a
97
Sueli Andruccioli Félix
aplicação de sanções. Embora sendo comportamento muito comum
entre criminólogos e geógrafos do crime, deve - se evitar a separação
analítica de ambos: o estudo do crime e o do controle do crime.
Por outro lado, os detentores do poder ainda podem coletar dados
em seu próprio interesse , o que reforça a importância de
investigações mais profundas, com a produção de estatísticas pelo
próprio pesquisador .
Acredita -se que a sub-representação estatística atinja
cerca de 50 % dos crimes praticados. Lidar apenas com estatísticas
oficiais pode significar um falseamento da realidade e um reforço
nas teses de correlação entre tendência criminal e pobreza , raça ,
migração etc.
98
os cidadãos a limitarem suas atividades (redução de exposição
ao crime) ( MCDONALD; BALKIN , 1983, grifo e tradução nossa).
As estatísticas refletem três situações: a descoberta do
delito, a atitude da vítima e a atitude da polícia. Isto significa que
a propensão diferenciada das diversas camadas sociais em registrar
queixas a certos crimes, o grau de confiança que a polícia inspira
e o seu interesse em desvendar o crime são variáveis que afetam
a validade das estatísticas criminais como fonte de pesquisa , e
que precisam ser investigadas nos estudos criminais.
99
Sueli Andruccioli Félix
dessa subestimação encontram -se no item O Papel da Vítima na
Sub -representação Estatística (Figura 3) .
Atividade Policial - Marília /SP Atividade Policial - EUA
Inquéritos Crimes Crimes
Instaurados Esclarecidos; Registrados Esclarecidos
8.0 0,6 no Home 4.0
Office, 11,0
Registrados Registrados
Crimes
pela Policia Crimes pela Polícia
Denuncias
entre os Denunciados, cntre os
36,0
Criminais , Criminais
58.0
31.0 12,0
100
CRIMES CONTRA A PESSOA
Inquéritos % de Inquéritos
Tipo Ocorrências Instaurados Instaurados
Homicídio Doloso 4.801 2.982 62,11 %
Homicídio Tentado 2.357 2.166 91,90 %
Lesão Corporal Dolosa 29.458 4.851 16,47 %
TOTAL 36.616 9.999 27,31 %
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
Roubo e Furto Consumado 205.937 10.345 5,02 %
Roubo e Furto Veículo Cons. 90.448 913 1,01 %
Estelionato 14.876 8.322 55,94 %
Latrocinio 260 215 82,69 %
TOTAL 311.5811 19.816 6,36 %
102
que indivíduos de cor ou de status sócio -econômico baixo sofram
tratamento discriminatório mais severo.
Aparências estereotipadas influem na detenção e julgamento de
pessoas envolvidas em pequenos furtos em estabelecimentos
comerciais, e, estereótipos faciais de homicidas, assaltantes e
traidores foram identificados como fatores que influenciam as
decisões do júri. (COELHO, 1978, p. 155)
O critério definidor da causa mortis é outro aspecto
importante de desvio estatístico, especialmente para os padrões
de mortes por suicídio /homicídio /acidente de veículos automotores
e não -automotores. Holinger e Klemen ( 1982, tradução nossa)
concluíram que as taxas de mortalidade, para os três tipos, tendem
a ser paralelas ao longo do tempo e a sua análise exige dois
cuidados especiais:
1 ) a forma de classificação oficial precisa ser considerada como
uma possível causa de flutuações paralelas. Exemplo: uma pessoa
tenta o suicídio com arma de fogo , mas só morre depois de
algumas semanas de pneumonia, resultado indireto do tiro. Os
registros deveriam classificar, causa mortis, pneumonia por
suicídio, o que modificaria sensivelmente as taxas nas duas
direções, aumentando ou diminuindo -as. Mesmo para homicídio
e morte no trânsito, há uma noção de intervalo de morte após o
acidente em alguns países. Na França, considera-se seis dias e
nos EUA , após 1966, a legislação estabeleceu um ano;
2) a variação numérica dos registros dessas mortes pode
condicionar-se ao orçamento ou à política . Exemplo: se o
orçamento for baixo para a saúde, mais mortes de " etiologia
indeterminada " podem aparecer, adulterando os registros de morte
violenta. Em tempos de grande depressão econômica as taxas de
morte violenta tendem a aumentar.
Também há lacunas nos registros estatísticos ,
principalmente nas características dos transgressores ( idade, meio
social, categoria sócio - profissional, escolaridade, motivos etc.) ,
demonstrando que para as autoridades que efetuam os registros
criminais, o que importa é oo crime e não as características do seu
praticante . Isso impõe uma reavaliação do preparo desses
funcionários. Além disso, falta tratamento informatizado dos dados
na origem , o que nos faz concluir que este é um campo em que o
trabalho de pesquisa acha-se todo ainda por fazer, cabendo ao
pesquisador o trabalho minucioso de vasculhar os registros e
103
Sueli Andruccioli Felix
04
denunciaram . Em Marília , pesquisa desenvolvida pelo GUTO
(Grupo de Pesquisa da UNESP ), em 2001 , encontrou uma cifra
obscura na ordem de 40% para crimes contra o patrimônio , 46%
para crimes contra a pessoa e quase a totalidade para crimes contra
os costumes ( estupro e atentado violento ao pudor ). Além disso,
um número muito alto de pessoas (acima de 90 % ) manifestou a
vontade de não denunciar se um dia forem vítimas de roubo e
furto , por total falta de confiança institucional . Dentre os que se
declararam vítimas e não denunciaram, em ambas as pesquisas ,
destacam -se a insegurança em relação à eficácia da polícia e a
banalização do crime (Figura 3).
Marília /SP . Motivos Para Não Denunciar Brasil. Motiver para Não Denunciar
Medo Autore
Descrença na Make
Companheiros
Não quas Represálass
Viuo Falo san Descrença na
Descrença na Aparecer
Importancia Poliere
Pokcia 77
28 %
Medo de
Polic
Vivo Fata km
Falta de
linportancia PROVA
29%
105
Sueli Andruccioli Félix
106
RELEVÂNCIA HUMANA
A Geografia, enquanto ciência humana, não pode ficar
à margem das discussões dos grandes problemas da sociedade,
especialmente os que se referem às injustiças sociais e espaciais
( que, vis a vis, são sociais). Debates sobre se (e como ) os geógrafos
deveriam contribuir para a solução dos problemas sociais vêm se
intensificando, desde o final da década de 60. Se o homem , em
seu contexto sócio-espacial, é o principal objetivo dos estudos
desenvolvidos pela Geografia Humana, é natural que o seu bem
estar e a sua qualidade de vida também sejam foco de indagação
geográfica.
Porém , todas essas ponderações já foram feitas e, no
momento , interessa questionar particularmente a relevância humana
dos estudos geográficos do crime. Esta relevância traduz-se por
seu significado tanto para a comunidade em geral , quanto para
associações específicas que desenvolvam políticas de prevenção
criminal e/ou recuperação dos seus autores .
O fenômeno criminal tem ultrapassado a capacidade
de interpretações científicas específicas, especialmente aquelas com
discurso conservador e altamente positivista (e nem por isso menos
eficaz ) de correlação entre exclusão e criminalidade. Sabe-se hoje
que a incidência de condutas desviantes não é privilégio de nenhum
segmento social específico e nem tão diferenciada pelo fator
sociocultural e econômico , como se supunha . A diferenciação talvez
esteja na tipologia criminal e /ou nas políticas de segurança e justiça
ou políticas penais .
109
Sueli Andruccioli Félix
110
são os que mais recebem a pena capital (FOLHA DE SÃO PAULO ,
31 ago. 1991 ).
Alguns32 acreditam que a pena de morte não tem
características restritivas, pois o bandido, apesar de acreditar no
êxito de sua ação, não se intimida com a possibilidade real de
insucesso, ou seja , de sua morte por policiais . Assim , se o risco de
morte presente na ação não o intimida, menos ainda a previsão
hipotética dessa morte (considerando aí, também , a impunidade e
a morosidade da justiça) .
115
Sueli Andruccioli Félix
O serviço voluntário foi proposto em 1990 , devido à falta de verbas
para ampliar o número de guardas profissionais, e começou a
funcionar em Houston ( Texas), uma das cidades dos EUA com
maiores índices de criminalidade , a partir de 1991 , estimando -se
uma redução em 22% no registro de crimes graves, desde então
(FOLHA DE SÃO PAULO , 21 abr., 1994 ).
No segundo caso, são os próprios policiais que,
além de suas funções tradicionais, instruem cidadãos sobre regras
básicas de prevenção ao crime, inspecionam sistemas de segurança
em residências, participam de reuniões com associações de
moradores, organizam estratégias coletivas e intermediam o
contato dos cidadãos com outras agências, governamentais ou
não, na busca de soluções para questões da área . ( DIAS NETO,
1991 , p . 4)
O objetivo dessa iniciativa é o estabelecimento de
melhor relacionamento entre polícia e comunidade, com melhor
compreensão da dinâmica de ambas. Esta interação tem função
reflexa pois
Ao; envolver os cidadãos no processo , a polícia contribui para a
recuperação da vida em comunidade, e desta forma previne crimes
1 ...) , a sociedade passa a ter uma avaliação mais realista das
potencialidades e limites da polícia e a partir disso conscientiza
se de suas próprias responsabilidades no processo. ( DIAS NETO ,
1991 , p. 4 )
Países como o Japão , Canada , Austrália , Cingapura e
Escandinávia já possuem a polícia comunitária e, na opinião de
Theodoro Dias Neto ( 1991 ), representa o que há de mais inovador
em termos de alternativa aos métodos tradicionais de policiamento ,
onde a função do policial é muito mais abrangente que a de lidar
com condutas criminosas.
No contexto de prestação social de serviços ,
especialmente em cidades de menor porte, a polícia já desenvolve
algumas atividades assistenciais , como atendimento a parturientes,
pessoas desaparecidas, com problemas mentais, de alcoolismo,
além de desentendimentos entre vizinhos, vandalismo de
adolescentes, condutas ofensivas à moral , perturbação do sossego
( como barulho ), uso indevido do espaço público etc.
116
Além de combater o crime, especificamente, a polícia
comunitária contribui com a qualidade de vida da população ao
impedir a deterioração física da cidade e ao resgatar vínculos sociais
que reduzem a sensação de medo e insegurança provocada pela
violência proveniente do bandido e da própria polícia. Hoje, é
comum temer-se o bandido e o policial, muitas vezes fundidos na
mesma pessoa. Pesquisa do Gallup revelou que a grande maioria
das pessoas assaltadas no Rio de Janeiro (70%) e São Paulo (59%)
não apresenta queixa por medo da polícia e por desconfiança da
sua eficácia ( DA MATTA , 1982 ).
O respeito à ordem e à autoridade , corporificados na
figura do policial , vem respaldando atitudes arbitrárias de muitos
elementos dessa corporação (civil e militar). A atuação policial
reveste-se de extrema violência , dando indícios de desvirtuamento
de sua tarefa de proteção do cidadão e manutenção da ordem
pública . O Prof. Paul Chevigny ( 1992), que estudou a violência
nos EUA afirmou que
ando Oo número de policiais transforma-se numa grande
porcentagem de taxas de homicídios, há uma inferência de que a
polícia não está reagindo a incidentes numa sociedade violenta,
mas sim usando da violência para propósito de controle social.
O Núcleo de Estudos da Violência da USP aponta a
Polícia Militar de São Paulo como uma das mais violentas do
mundo :
um dado alarmante que indica que a brutalidade faz parte da
própria cultura da PM de São Paulo é o de que ela mata três
vezes mais do que fere - o oposto do que faz a polícia em Nova
York . A inversão é flagrante e sugere que os policiais atiram não
para deter, como seria de esperar, mas para matar. E a situação
tem-se agravado. Os policiais militares, que respondiam por 7 %
de todos os homicídios cometidos em São Paulo em 87, passaram
a ser responsáveis por impressionantes 25% dos assassinatos do
Estado em 1991. ( FOLHA DE SÃO PAULO , 3 nov. 1994 )
O confronto com a polícia deixa 1,2 mortos ao dia .
Entre 1981 e 1989 foram 3.922 mortos e 5.570 feridos. Na Austrália,
com 17 milhões de habitantes (como a Grande São Paulo), foram
mortos em 14 anos ( 1974-1988) 49 pessoas e 21 policiais. Em Nova
York foram mortos 12 não-policiais em 1985 (585 em São Paulo ).38
3* Conforme o Núcleo de Estudos da Violência da USP em artigo na Folha de São Paulo, no dia
06 de julho de 1991. Caderno Cotidiano, p. 1 .
117
Sueli Andruccioli Félix
Um relatório , elaborado por ordem da Vice
Governadoria do Estado do Rio de Janeiro e divulgado pelo
deputado estadual Paulo Melo , mostrou o alto nível de
envolvimento da Polícia Militar em extermínios. Entre os policiais
presos (53), a partir de 1991, cerca de 75 % (40) foram acusados de
integrar grupos de extermínio ou de envolvimento com homicídio.
Para o deputado, e para inúmeros outros segmentos da sociedade,
a punição só será possível se os crimes atribuídos a policiais tiverem
apuração externa , com a participação do Ministério Público, já
que o corporativismo ainda é determinante na apuração de casos
envolvendo policiais (FOLHA DE SÃO PAULO , 2 jun . 1993) .
Do mesmo modo, estima- se um profundo
envolvimento de policiais civis em crimes isolados e grupos de
extermínio . Em Manaus, o Ministério Público denunciou que 30 %
dos policiais civis estão envolvidos principalmente com lesão
corporal (30 % ), homicídio ( 14 % ) e extorsão (4%) (FOLHA DE SÃO
PAULO , 5 jun . , 1994 ) .
Apesar de os números serem elevados, ainda há
denúncias de subestimação estatística na ordem de 50%. Um
levantamento efetuado por uma equipe de jornalismo nos quatro
Institutos Médicos Legais de São Paulo, apontou 59 homicídios no
primeiro final de semana do mês de dezembro, enquanto os
registros policiais acusavam 29 casos. Desses, a equipe constatou
5 cometidos pela polícia, embora nenhum registrado no
Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa ( FOLHA DE
SÃO PAULO , 21 dez. 1993).
Todos estes fatos indicam a necessidade de profundas
modificações no aparato policial , com reformas na cultura da
violência desta corporação que, com honrosas exceções, além de
pouco preparada ainda vem se destacando no envolvimento com
o crime organizado, aumentando a sensação de medo e insegurança
na população, exatamente o oposto do que deveria ser a sua
função .
119
Sueli Andruccioli Félix
brancos) e entre as classes sociais (os seus indicadores são
basicamente econômicos e o medo do crime de patrimônio está
diretamente relacionado à renda ). Para Maxfield ( 1984 apud FELIX,
1996) , há variações nos indicadores do medo com relação às
características sócio - econômicas da vizinhança . Enquanto o medo
em vizinhança de baixa criminalidade é discriminatório
( especialmente entre os mais velhos ), o medo em vizinhança de
alta criminalidade é muito persistente em todos os grupos sociais.
Smith e Gray ( 1985 apud FELIX, 1989 ) perceberam que o medo é
duas vezes mais difundido entre brancos londrinos que vivem em
áreas de " alta concentração étnica" que entre aqueles com
vizinhança de "baixa concentração ”.
" O medo nasce do perigo, mas também das incertezas.
Hoje , as causas do medo derivam muito mais da falta de confiança
dos cidadãos neles mesmos do que de perigos reais” ( TORAINE,
1994 apud FELIX , 1996 ). O resultado disso é o reforço objetivo de
medidas de proteção física, mas também uma neurose direcionada
a alguns segmentos da população (pobre, negro, favelado etc. ) , e
que podem desembocar em atitudes drásticas como os
linchamentos.
7.6 Linchamentos
O linchamento é a expressão dramática da descrença
no poder e eficácia das instituições que têm como função a proteção
do cidadão. A corrupção e violência policial , acrescidas da
impunidade e reforçadas pelo sensacionalismo da imprensa,
incentivam esse tipo de atitude : justiça pelas próprias mãos.
O Núcleo de Estudos da Violência da USP estudou os
casos de linchamentos publicados na imprensa, percebendo - lhes
características comportamentais específicas. Nas regiões centrais
das metrópoles o roubo é o motivo mais corriqueiro para o
linchamento , ou a sua tentativa , já que normalmente não se
concretiza , com a atuação rápida da polícia. O ato é praticado
geralmente por pessoas que não conhecem a vítima e nem têm
certeza de sua culpa. Nas regiões periféricas das metrópoles e em
cidades do interior, o linchamento se concretiza , e é executado
120
por pessoas da comunidade local (homens, mulheres e até
crianças), que normalmente conhecem quem vai ser linchado e
supostamente sabem o motivo pelo qual estão linchando ( estupro
é o principal motivo ). Ainda conforme o grupo, na Bahia a maior
parte dos linchamentos é feita por taxistas ( USP ESTUDA... , 1994 ) .
O desenvolvimento de pesquisas sobre o caráter e as
conseqüências do medo, os segmentos populacionais e os espaços
mais vulneráveis, pode fornecer elementos que engendrem
respostas políticas um pouco mais eficientes. Uma conseqüência
imediata, como já foi visto, é o aumento no número de armas em
circulação, que nem tem protegido e nem dado mais segurança à
população. Ao contrário, tem se revertido em problemas ainda
maiores , à medida que vem armando o ofensor de forma indireta .
123
Sueli Andruccioli Félix
com relação à criança e à mulher. Essa sensibilização deve começar
com a quebra dos preconceitos que envolvem o jovem adolescente
na nossa sociedade, sobretudo adolescentes dos setores mais
empobrecidos da sociedade que costumam ser chamados de
menores' numa clara alusão à proximidade da marginalidade.
Mesmo levando - se em conta as distorções do sistema
de justiça através do papel, às vezes discriminatório, das agências
de controle , há um comportamento criminal característico que
permite o desenvolvimento de políticas públicas razoavelmente
eficientes. Sabe- se que o número de delitos envolvendo drogas e
o uso de armas ilegais é muito grande, mas sabe - se também que a
origem de ambas é externa ao País e que sua entrada se faz por
falta de vigilância nas fronteiras. Atitudes nessa direção estão sendo
tomadas pelo Senado norte -americano que aprovou , em julho de
1994 , verba suplementar destinada à construção de novos centros
de controle nas fronteiras dos EUA , contratando novos agentes de
fronteira , reestruturando os sistemas de computadores e destinando
verba suplementar ao aperfeiçoamento de jovens que tenham se
envolvido com drogas, para ajudá -los antes que cometam crimes
( FOLHA DE SÃO PAULO , 26 jul. 1994 ).
Pesquisadores da Universidade de Liverpool (FOLHA
DE SÃO PAULO , 1 nov. 1994 ), convencidos de que os criminosos
seguem padrões de comportamento característico , desenvolveram
um programa de computador que pode ajudar na contenção da
criminalidade. Testando o programa nos crimes de estupro,
conseguiram reduzir a área de busca dos estupradores em mais de
90 % .
Dos 45 casos investigados, 39 (86,6%) seguiam o
modelo de comportamento que chamaram de saqueador - cometem
crimes em áreas próximas às suas casas . Os seis restantes se
comportavam como viajantes diários, que agem em ruas específicas
ou entre grupos específicos de mulheres (prostitutas ). Para os
saqueadores, a polícia delimita a área em um círculo a partir do
local do crime. Alguns fatores como idade, origem étnica, o fato
de os crimes serem cometidos em locais abertos ou fechados e em
determinados dias da semana permitiu delimitar o raio de ação do
criminoso. Constatou - se que os criminosos que atacam nos finais
de semana cobrem distância maiores do que os criminosos de
124
dias úteis. Que os homens mais velhos agem mais longe que os
mais jovens, por já estarem melhor estabelecidos financeiramente
e , portanto, possuírem mais dinheiro para o deslocamento .
Outro aspecto do comportamento criminal que pode
auxiliar políticas públicas é a reincidência . O Censo Penitenciário
de 1994 mostrou que 49 % dos presidiários são reincidentes e destes,
33% o são do mesmo delito. O que demonstra a necessidade de
uma reforma geral no sistema penitenciário brasileiro, que não
está recuperando e nem contribuindo para a reintegração do ex
presidiário à sociedade.
Evidentemente, os mais eficientes são os programas
de prevenção primária, que se orientam para as raízes da
criminalidade, as quais estão no esfacelamento das relações sociais,
na carência de atendimento às necessidades básicas ( educação,
saúde, habitação ) e de outros serviços que valorizem a cidadania.
É necessária a atuação não apenas de um poder político organizado,
atuante , eficaz, mas também a participação ativa de todos os setores
da sociedade . E também os investimentos em pesquisas
sistemáticas,*1 que coloquem suas conclusões à disposição dos
segmentos da sociedade preocupados com a qualidade de vida
humana e com a redução nos níveis de violência - objetivo principal
da geografia do crime.
129
Sueli Andruccioli Félix
131
Sueli Andruccioli Félix
incivilidade como indicador de qualidade de vida em setores
residenciais públicos ( figura 4).*3
Nível de incivilidade aumentado
* Para compor o índice de incivilidade, Herbert analisou 6 tópicos: lixo, cachorros, ruas
iluminadas, gangues de jovens,
132
O medo do crime pode estar ligado às condições do
imóvel . Smith (1989 apud HERBERT, 1993) afirmou que uma
variedade de incivilidades de vizinhos, incluindo lixo, grafite,
propriedade danificada, vagabundos e gangues de jovens, tendem
a ser interpretados como evidência de criminalidade.
As noções de incivilidade de vizinhança ( neigbourhood
incivilities ) já são objetos de estudos geográficos há algum tempo.
Recentemente, a Geografia do Crime tem se preocupado com a
dimensão da incivilidade na reordenação espacial , e a sua relação
com outros indicadores chaves como a experiência de crime, o
medo do crime e a satisfação com a vizinhança. Por extensão, a
incivilidade determina uma percepção espacial de temor, de quebra
total nos relacionamentos sociais e que, vis-a-vis, provoca mais
medo e condições mais propícias para o aumento da criminalidade.
133
Sueli Andruccioli Felix
134
CONCLUSÃO
A violência está arraigada na natureza do homem e do animal,
sendo portanto inútil suprimi-la mas possível transformá- la em
positiva e estimular a energia criadora dos seres humanos,
direcionado - a a outras atividades como esportes e competições .
As tendências que levam o homem a cometer homicídios são
inerentes unicamente aos seres humanos, uma vez que os animais
da mesma espécie não se matam entre si.
Konrad Lorenz44
138
e a identificação desses espaços, geográfica e socialmente
delimitados, propicia a intervenção do poder público e o
desencadeamento de programas " ressocializadores " e preventivos
em ambos os segmentos: criminoso e vítima. Políticas democráticas
de segurança pública não devem limitar-se à ação repressiva, mas
integrar ações sociais de prevenção tão multiformes quanto a
violência que se deve combater. A prevenção deve pautar- se por
políticas que intervenham positivamente nas causas últimas da
violência que são o esfacelamento das relações sociais e a carência
de atendimento às necessidades básicas e de outros serviços que
valorizem a cidadania .
139
Sueli Andruccioli Félix
inserir em seu campo de estudo a criminalidade pode ser altamente
produtivo para a compreensão das causas e , mesmo que não se
proponham soluções, questionar o problema de forma global e
suas implicações sócio -demográficas já é altamente produtivo para
futuros estudos .
Ao longo deste trabalho várias questões foram
propostas implícita ou explicitamente . Enquanto muitas delas foram
respondidas, outras restaram como sugestões para estudos
posteriores. Mas, conforme argumenta Guidugli ( 1980 , p. 452) ,
investigar é isto , " é ser capaz de propor questões adequadas, de
manusear respostas, mesmo que parciais e, principalmente , de
reconhecer, ao final de uma investigação , que somente novas
questões é que tornam possível encerrar um trabalho, projetando
essas indagações para o futuro . Fazemos Geografia do passado,
do presente ou para o futuro?" . Essa indagação sintetiza a relevância
do trabalho acadêmico: o conhecimento da dinâmica atual para a
construção de um futuro melhor.
O desenvolvimento prático das teses abordadas neste
estudo se fez com outra pesquisa de relevância social, na qual
realizamos uma análise minuciosa de um espaço relativamente
pequeno , Marília , uma cidade média do interior do Estado de São
Paulo . O objetivo foi trabalhar diretamente com as fontes e fazer
inventários alternativos e análises paralelas, com todas as
peculiaridades elencadas em ampla bibliografia , como essenciais
para um estudo mais aprofundado. A expectativa foi evitar possíveis
anomalias, que são tão comuns quando se agregam informações
estatísticas e geográficas, em análises de grandes metrópoles. Este
próximo empreendimento , concentrado em espaço urbano menor,
pretende ser um passo a mais, na concepção das oportunidades
possíveis da Geografia do Crime, para a melhoria da qualidade de
vida e bem -estar do indivíduo e da coletividade , neste conturbado
início de século e de milênio .
140
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Martins
Concett
foto
de a
Impressão e acabamento
GRÁFICA DA FFC /MARÍLIA
( 14) 3402-1305
No contexto da deterioração da qualidade de vida, o
crime é inegavelmente um importante componente e a
principal preocupação do homem moderno, que se sente
enclausurado , limitado no seu direito mais elementar de
ir e vir transformado e reduzido a exilado social.
Uma prevenção eficaz pressupõe um amplo
conhecimento do cenário criminal, dos fatores que nele
interatuam ( sociais, políticos, econômicos e culturais) e
dos segmentos populacionais que protagonizam o
evento criminal (ofensores e ofendidos ).
Esperamos que este estudoseja útil para o
desenvolvimento de políticas públicas capazes de
estabelecer diagnósticos complexos que atinjam as raízes
do problema criminal (prevenção primária), evitando
soluções conservadoras que respondem, por meio da
repressão policial, ao complexo conjunto de problemas
sociais .
ISBN 85-86738-23-9