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CEOGRAFIA DO CRIME:

Interdisciplinaridade
E RELEVÂNCIAS

Sueli Andruccioli Felix

Unesp
Marília
Publica
Geografia do Crime
SUELI ANDRUCCIOLI FELIX

Geografia do Crime:
interdisciplinaridade e relevâncias

Marília
2002
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
Copyright © 2002 Sueli Andruccioli Felix
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Felix , Sueli Andruccioli


F316g Geografia do crime: interdisciplinaridade e relevâncias / Sueli
Andruccioli Felix - Marília: Marilia - Unesp- Publicações, 2002.
149p. ; 23 cm.

ISBN 85-86738-23-9
1. Geografia da crime. 2. Criminalidade. 3. Violência. 4. Percepção
do crime. I. Autor. II . Título .
CDD 364
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....... i

1 REFLEXÕES SOBRE A CRIMINALIDADE ........... 1


1.1 Tipologia criminal .............. 6
1.2 Definição de crime 8
1.3
Hipóteses a respeito da prática do crime 9
1.3.1 Deterministas ......... 9
1.3.2 Sócio-históricas: culturais (de segregações ),
econômicas e espaciais ......... 12

2 DIMENSÃO SOCIAL DO CRIME 15


2.1 Criminalização dos excluídos e controle social 17
2.1.1 Criminalização de uma raça 17
2.1.2 Criminalização dos despossuídos 21
2.1.3 O papel das Agências de Controle .... 22

3 DIMENSÃO DEMOGRÁFICA DO CRIME .... 25


3.1 O criminoso : conceitos e estatísticas ...... 27
3.1.1 Questões de gênero e a parcela do homem 29
3.1.2 A parcela do jovem ..... 34
3.1.3 A parcela do migrante ... 38
3.1.4 A parcela da exclusão social: pobre, desempregado
e subempregado ...... 40
3.2 Quem é a vitima e quem é o criminoso ? 44

4 DIMENSÃO ESPACIAL DO CRIME 47


4.1 Ecologia do crime... 52
4.2 Urbanização, exclusão e criminalidade. 63
4.3 Criminalidade rural 65
4.4 A geografia do suicidio ........... 68

5 GEOGRAFIA DO CRIME E POLÍTICAS


PÚBLICAS........... .... 75
6 RELEVÂNCIA CIENTÍFICA 83
6.1 O estudo das formas de controle do crime ...... 96
6.2 O estudo da delinqüência oculta
98
(sub-representação estatística) ........
6.3 O papel da polícia na sub-representação estatística ................ 99
6.4 O papel da vítima na sub- representação estatística ...... ..... 104

7 RELEVÂNCIA HUMANA 107


109
7.1 Medidas punitivas
111
7.2 Substitutivo penal
112
7.3 Restrição de licenças para uso de armas
7.4 O papel da polícia comunitária na contenção do crime 115

7.5 118
O medo do crime
7.6 Linchamentos .. 120
7.7 121
O jovem delinqüente ....
8 RELEVÂNCIA CONTEMPORÂNEA 127
130
8.1 A indústria da segurança ...............
O ambiente na análise da criminalidade 130
8.2
131
8.3 A incivilidade e o crime
8.4 Desvalorização imobiliária .... 133

9 CONCLUSÃO 135

10 REFERÊNCIAS ... 141


Ao meu filho
Gustavo Henrique
A mudança nos temas de estudos da Geografia, de supermercados
e auto-estradas para apobreza e o racismojá começou . Esperamos
que continue,pois os novos homens vêem os objetivos da Geografia
como os da Medicina, ADLAR A MORTE E REDUZIR O
SOFRIMENTO
Kasperson, 1971
INTRODUÇÃO
A violência está nas ruas, na imprensa, nos estudos
científicos e nos bate-papos de esquinas. É uma preocupação
cotidiana, especialmente dos moradores de áreas metropolitanas
que , acuados por sentimentos de medo e insegurança, vêm
exigindo cada vez mais medidas punitivas (aprovação da pena de
morte ) ou aplicando -as por si próprios ( linchamentos).
As grandes cidades estão se transformando num campo
de batalha e matando até mais. Enquanto na guerra da Bósnia
morreu uma criança por dia , no Brasil eram assassinadas,
sumariamente, cinco por dia (2.7, em São Paulo). São Paulo e Rio
de Janeiro têm características criminais mais ou menos idênticas,
com os maiores índices do Brasil, diferenciando - se apenas na
autoria: no Rio eles são cometidos por pessoas reconhecidamente
ligadas ao crime organizado e ao narcotráfico e, em São Paulo, a
maioria é de autoria desconhecida.
Pela literatura consultada não se tem notícia do
primeiro crime. Sabe-se apenas que, em tempos passados, o crime
era um ato predominantemente individual e explicado por razões
inerentes à natureza humana. Hoje, há " uma nova índole criminosa :
a da massificação de uma sociedade moderna esmagadora onde o
caráter do criminoso fica definitivamente ofuscado pelo peso de
contingências urbano -sócio - econômicas inevitáveis" (GUIMARÃES,
1978, v.14 , p. 108).
Há consenso de que esta violência começou a aumentar
com o fenômeno da metropolização ( grande concentração humana
nas cidades), que escancarou as desigualdades sociais responsáveis
por profundas frustrações humanas. Além da densidade estrutural
dos centros urbanos, a mobilidade espacial da população também
ajuda a enfraquecer os mecanismos de controle social informal. O
contrário ocorre com o habitante de zonas rurais ou de pequenas
cidades, onde há um compromisso mais firme com os valores
comunitários, com maior controle social e pouca criminalidade.
Há com isso uma manifestação diferencial da criminalidade das
áreas rurais e urbanas, com uma tipologia específica . A
criminalidade rural é mais conseqüente de envolvimentos pessoais
Pesquisa desenvolvida pela Promotora de Justiça, Miriam de Mesquita, publicada pelo jornal
Folha de São Paulo, 28 jul. 1993, Caderno Cotidiano, p.3.
iii
( crimes contra pessoa) enquanto a urbana está mais relacionada à
desigualdade social, o que envolve maior incidência de crimes
contra o patrimônio ( furtos, roubos , assaltos a mão -armada, por
exemplo )
A percepção desta violência é diferencial e assume
dimensões sociais diversas conforme o ambiente , a classe social ,
o nível ou instrumento de informação ( rádio , TV , jornais ), as
condições sócio-espaciais e até sócio - históricas (nesse contexto,
condições sócio -temporais ). Esta percepção é dinâmica, altera - se
com os valores morais e sociais da população, conforme suas
características e até temores, podendo ser avaliada através da análise
histórica de um espaço e de uma sociedade.
Os processos de ocupação espacial (econômicos ,
políticos etc. ) acabam gerando certos espaços contributivos,
provocativos e até marginais, conduzindo o questionamento em 3
direções :
1 dinâmica social ( sócio -histórica e de segregações ): a análise
dos processos sociais no respectivo tempo e no espaço é
primordial para a compreensão da dinâmica criminal e dos
(des)ajustes sócio - espaciais. A análise do contexto de um
espaço e de sua população através de jornais, por exemplo ,
mesmo a despeito de dados estatísticos, leva à compreensão
de características, dos anseios, das perspectivas e temores de
uma sociedade. Com essa técnica , é possível traçar o perfil da
(des )organização social e compreender a sua dinâmica ;
2 dinâmica demográfica : dimensionada qualitativa e
quantitativamente , é o segundo elemento fundamental no
processo de análise da criminalidade e não apenas um
elemento ou uma referência banal. Os valores demográficos
(sexo , idade, mobilidade sócio-espacial etc. ) vão além dos
números e é fundamental investigar de que maneira a dinâmica
demográfica , tomada de modo abrangente , tem ou não
importância na compreensão da criminalidade, já que é variável
interveniente no fenômeno. O perfil do elemento é vital para
avaliar a relação da dinâmica criminal no espaço ;

iv
3 dinâmica espacial é um elemento relevante, uma variável
que ultrapassa o simples endereçamento, uma vez que tanto
pode ser produto quanto produtor de ações humanas. Certos
espaços são absolutamente deteriorados pelo esvaziamento
habitacional, como geralmente as zonas centrais das grandes
cidades, que atraem determinados elementos e se tornam
espaços típicos de delitos específicos. Por outro lado, tem -se
a dicotomia das áreas periféricas com espaços típicos de classes
sócio -econômicas mais abastadas (onde predominam os crimes
contra o patrimônio pela concentração de riquezas) e espaços
deteriorados representados por favelas, invasões etc.
As investigações sobre a taxa criminal por áreas
geográficas e tamanho das cidades têm se mostrado satisfatórias e
vêm revelando a correlação positiva entre criminalidade per capita
e população, principalmente para delitos patrimoniais. Como as
estatísticas criminais brasileiras não permitem a elaboração de um
estudo desta natureza , a investigação de espaços menores através
de levantamentos exaustivos em boletins criminais, ou seja , a
produção de dados pelo próprio pesquisador ( fonte primária ) e a
conseqüente elaboração de dados estatísticos, pode resultar em
investigação mais minuciosa e talvez menos contagiada por
ideologias, como as discriminatórias, detectadas nas estatísticas
oficiais. Pelo menos, este foi o resultado de outra pesquisa que
será tema de futura publicação.?
Por ora, norteiam esta obra os seguintes objetivos :
a) Analisar o universo interdisciplinar do estudo da criminalidade
e , em especial , a bibliografia elaborada a partir da ótica da
dinâmica demográfica e espacial - geografia do crime;
b ) Avaliar a relevância social desta bibliografia nos aspectos
científicos, humanos e de contemporaneidade;
c) Avaliar a contribuição desta pesquisa para o campo teórico e
prático da geografia do crime e o seu nível de significância
para a compreensão da forma como o espaço é percebido e
organizado em função do crime.
2 A pesquisa é resultado da Tese (Doutorado) A geografia do crime urbano: aspectos teóricos e
o caso de Marília -SP., da autora Sueli Andruccioli Felix, defendida junto ao Programa de Pós
Graduação do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Unesp -Rio Claro, sob a orientação do
Prof. Dr. Odeibler Santo Guidugli no ano de 1996 .
V
A partir dos três eixos básicos de análise (dimensão
social , demográfica e espacial), a bibliografia da criminalidade foi
trabalhada criticamente com textos interdisciplinares e textos
específicos de geografia do crime, assim divididos :
12 reflexões gerais sobre a criminalidade , a partir de um elenco
de questões, vistas como determinantes pela literatura, pelo
senso comum e pelo Código Penal Brasileiro . Finaliza com
uma análise rápida das diversas opiniões e teorias sobre o
conceito de crime;
2* investigação das hipóteses levantadas nas pesquisas, através
de duas correntes gerais de reflexão: a determinista e a sócio
histórica (de segregações , econômica e ecológica);
30 reflexões sobre o conteúdo das investigações científicas a partir
das três dimensões (social , demográfica e espacial) . Na
dimensão social, como o objetivo foi questionar a segregação,
refletiu - se um pouco a criminalização dos segmentos
socialmente excluídos, especialmente nos aspectos étnicos e
econômicos, e o próprio papel das agências de controle ,
finalizando com uma breve avaliação dos controladores sociais .
Na dimensão demográfica foram identificados os perfis do
criminoso e da vítima, traçado pelos estudos criminais. Na
dimensão espacial foram discutidos os aspectos ecológicos,
representados não apenas pelo modo de ocupação do espaço ,
mas pela sua percepção e organização aliados à dinâmica
criminal. O capítulo encerra-se com o estudo do suicídio sob
a ótica demográfica e sócio-espacial .
Outro grande objetivo deste estudo é destacar a
relevância social da bibliografia e, acima de tudo, desta Geografia
que pretende estar a serviço do homem , contribuindo para sua
qualidade de vida. Por isto, as relevâncias científicas , humanas e
contemporâneas foram analisadas, com o seguinte
desmembramento :
19 relevância científica :- são novos conceitos que poderão
contribuir cientificamente para a inserção deste tema no âmbito
do conhecimento geográfico . Analisar diferentes estudos sobre
o tema ( a questão da interdisciplinaridade ), para não apenas

vi
refletir sobre os fundamentos teóricos e metodológicos
desenvolvidos pelas diversas ciências correlatas, mas, e
fundamentalmente, para extrair elementos que possam nortear
futuros estudos contributivos para a compreensão e apoio na
solução do problema;
29 relevância humana: - é o significado do estudo para a
comunidade em geral ou comunidades particulares, como: os
serviços policiais , judiciários, associações civis etc. ,
preocupadas com o bem -estar, não apenas da sociedade, mas
também com a recuperação do criminoso , do indivíduo que
vai sair da prisão e enfrentar a comunidade;
3º relevância contemporânea:- o seu caráter inovador,
instigante e, principalmente, por se referir àquela que é a
principal preocupação do morador da região metropolitana e
da humanidade em geral . Esta preocupação tem modificado
os hábitos do homem , enclausurando - o e transformando - o
prisioneiro de si .
Como conclusão, pode-se antecipar que conhecer as
especificidades criminais (devidamente situadas no tempo e no
espaço ) parece de extrema relevância para o desenvolvimento de
políticas (públicas ou não) que visem à melhoria da qualidade de
vida tanto do homem que sofre, quanto do que pratica o delito,
especialmente do homem metropolitano, que é a maior vítima
desse tipo de desorganização social.

vii
REFLEXÕES SOBRE A
CRIMINALIDADE
A literatura especializada enfatiza a relação entre a
criminalidade e a metropolização, como resultado do processo de
industrialização. A consolidação da indústria, principalmente a partir
dos anos 30, provocou profundas alterações nas relações entre os
países capitalistas. A dinâmica de produção, que se efetuava através
da exportação de produtos agrícolas e matérias- primas e da
importação de manufaturas, começou a se alterar, sobretudo
durante a Segunda Guerra Mundial. Os países periféricos à
economia capitalista que, até então, tinham os seus processos de
industrialização controlados pelos países centrais, começaram a
industrializar-se. As cidades aceleraram o processo de urbanização
e, conseqüentemente, de atração de população.
Alterações são sentidas também no setor agrário que,
ao se modernizar, liberou uma parcela de sua mão -de -obra, que
migrou para o meio urbano, em busca de emprego. Além disso,
houve também uma queda no volume das migrações internacionais
e as classes trabalhadoras urbano -industriais deixaram de ser de
origem predominantemente européia, para serem compostas por
migrantes nacionais de cidades menores ou menos desenvolvidas
e de origem rural .
A pressão demográfica, com baixos rendimentos e
níveis de vida, aliada à atração que sempre exerceram as maravilhas
do meio urbano, acelerou a migração e um desequilíbrio nas
relações de produção . De um modo geral, as cidades não tiveram
condições de absorver toda a oferta de mão -de -obra migrante,
tanto pelo volume, quanto pela necessidade de qualificação. Este
desequilíbrio nas relações de produção levou, consequentemente,
à desorganização social representada pela situação ecológica e
sócio -econômica dessa população excluída do sistema dominante,
caracterizada pelo desemprego, subemprego no setor terciário,
recolhimento de esmolas, lixos etc. , enfim , pela formação de um
submundo.
É importante salientar que não se está considerando a
migração um condicionante de criminalidade - há muitos criminosos
não -migrantes ou que cometem o crime sem serem motivados
pela migração , como se constatará no decorrer da leitura .
Entretanto , embora a relação não seja determinista, é muito
3
Sueli Andruccioli Félix

significativa . Progressivamente , esse contingente populacional


migrante foi aumentando e assumindo proporções preocupantes,
não apenas pelo seu volume, mas, e principalmente, pelo sentido
sócio-político que trazia latente. Era uma “ massa " de pessoas,
tentando obter à força o que o sistema não lhe havia dado
oportunidade de conseguir, como o demonstram as invasões de
terra ( favelas ), " o espetáculo da miséria concentrada” ( QUIJANO ,
1978, p. 18) , escancarando as desigualdades sociais e pondo à
mostra graves problemas de desorganização social, como a
criminalidade .
A desigualdade social é , pois, a grande vilã da
criminalidade. Guimarães ( 1978, p. 111 ), por exemplo , argumentou
que a falta de progresso pessoal não estimula o crime, pois, num
contexto isolado é inócuo. É "a convicção de inferioridade",
contrastando com o progresso dos semelhantes, que inspiraria o
crime para o reequilíbrio , como uma solução de emergência. Por
outro lado, a homogeneização da pobreza ajudaria a adaptação
ao nível inferior, como o que ocorre na zona rural ou em pequenos
centros urbanos pouco industrializados. As grandes cidades são
locus, por excelência, da desintegração dos laços sociais,
caracterizada por intrigas, ostentações e iniqüidades, assim como
pelo anonimato , escape e perda de identidade. Na opinião de
Pinatel (apud CASTRO , 1983 , p . 29, itálico nosso ), a cidade
reflete os seguintes caracteres negativos: o egocentrismo, a
instabilidade, a agressividade e a indiferença afetiva. O
egocentrismo equivaleria ao individualismo; a fraqueza, à falta
de freios ou inibições para obter o que se quer ou necessita,
programando a sua atividade em longo prazo ; a agressividade à
violência; enquanto que a indiferença afetiva seria o resultado
daquele individualismo, da mobilidade, do anonimato e da falta
de raízes sociais, que são elementos essenciais à nova sociedade.
Por isso, pode -se afirmar acerca das grandes cidades do sistema
capitalista, que são sociedades criminógenas por natureza .
Não há dúvida sobre os altos índices criminais nas
cidades do mundo capitalista, porém não se pode ignorar que a
cidade de Moscou, ainda no tempo da URSS e de Gorbatchev,
Sobre este assunto, um artigo publicado pelo Jornal da Tarde, 9 out . 1993, Caderno de Sábado,
p.5 , intitulado o Kremlin começa a estremecer, de autoria de Steve Levine, Betsy Mckay e
Natasha Lebedeva, traz informações adicionais.
4
exibiu altos índices de delinqüência - do mesmo modo que ainda
hoje persiste uma elevada e crescente criminalidade. Há
informações de que ,
no final dos anos 80, a economia subterrânea moscovita era
dividida segundo esferas de influências étnicas: os chechenos
controlavam o mercado negro de carros, e os azerbaijanos
dominavam os mercados de rua , de flores e frutas. Agora, tudo
parece vulnerável ao duro poder das gangues que florescem . Um
grupo conhecido como gang Solntsevo domina o comércio de
automóveis, enquanto outro, chamado grupo Dolgoprudnoye,
controla grande parte do setor de oficinas mecânicas. Muitos dos
novos personagens mafiosos são jovens e arrogantes (...) ganharam
cerca de US$ 500 milhões nos últimos meses com cheques
falsificados e outras transações financeiras ilegais [...] Algumas
chegaram a abrir seu próprio banco para lavar dinheiro, outras
forçaram sua entrada nos bancos legítimos. Em toda a Rííssia foram
mortos gerentes de bancos obstinados. (JORNAL DA TARDE, 1993,
p. 5, grifo do autor)
Características criminógenas não são específicas de um
determinado sistema político , nem das áreas urbanas. A
criminalidade é dominante, mas não exclusivamente urbana. No
meio rural, onde o esquema de sobrevivência dá ao indivíduo a
possibilidade, ao menos de alimentação e moradia, a criminalidade
é numericamente menor e com um perfil específico. O criminoso
rural não é produto das mesmas tensões citadinas . Investe menos
contra a propriedade e mais contra as pessoas , exibindo ,
proporcionalmente ao tamanho da população e aos outros crimes ,
maiores taxas de homicídio doloso, estupro, tentativas de homicídio
e lesões corporais, do que as áreas urbanas .
Portanto, apesar de os estudos e estatísticas oficiais
comprovarem o caráter urbano da criminalidade, este não é um
fenômeno unitário. Para Coelho ( 1978 ), rigorosamente não há
crime, mas crimes com etiologia diversa e com incidência variável
segundo a área.
Do mesmo modo, deve -se ter o cuidado de não atribuir
à cidade características criminógenas, já que as causas são sócio
econômicas e não ecológicas. É o que alerta Oliven ( 1980) ,
afirmando que a criminalidade tem menos a ver com o contexto
no qual se manifesta e mais com as condições que lhe dão origem.
5
Sueli Andruccioli Félix

Por isso, deve - se falar em violência na cidade e não em violência


urbana .

1.1 Tipologia criminal


Apesar da infinidade de crimes catalogados pelas
Secretarias de Segurança Pública ( quase uma centena ) e definidos
no Código Penal, alguns são mais estudados, não somente pela
freqüência , mas pelo clima de medo e insegurança que provocam
na população.
De um modo geral, sem pretensões de aprofundar o
assunto, já que não é um estudo especificamente criminológico e
nem está sendo desenvolvido por um especialista no tema, os
crimes são classificados em crimes contra o patrimônio
( propriedade) e crimes contra a pessoa (também chamados crimes
violentos ) .
De acordo com a classificação do Código Penal , são
crimes contra o patrimônio (propriedade) aqueles que fazem
referência às coisas materiais: o roubo, o roubo seguido de morte
( latrocínio ), o furto , o estelionato etc. Os crimes contra a pessoa
( crimes violentos) são os que atentam contra a vida , como o
homicídio e tentativa, as lesões corporais, o estupro etc.
Embora o roubo esteja classificado como crime contra
a propriedade, pois objetiva coisas materiais , muitos estudos
englobam -no em crimes violentos (contra a pessoa ), pois " envolve
uma violência predatória e que se realiza através do contato direto
entre o criminoso e a vítima " (COHEN ; FELSON apud MASSENA ,
1986, p. 292) . Se o critério é o grau de violência que encerram , os
roubos à mão armada (popularmente conhecidos como assaltos )
e o latrocínio deveriam estar catalogados nos chamados crimes
violentos, ao lado do homicídio , do estupro e das lesões corporais
de um modo geral. Embora todos sejam crimes, no sentido legal
do termo, o grau de violência os distingue de outras formas de
comportamento criminoso, como do furto e das contravenções de

* Assalto: pela popularidade da palavra e por falta de uma terminologia específica que identifique
o roubo cometido mediante ameaça ou violência e com o emprego de arma (Art. 157 parágrafo
2° 1 , do Código Penal), utilizaremos esse termo para caracterizar o crime com tais peculiaridades.
6
um modo geral.É oportuno lembrar que cada sociedade ou nação
tem seus próprios critérios para considerar o que seja um crime, e
que a sua resposta constitui um fenômeno social de grande
significância que norteia não só o conteúdo de políticas públicas,
como, no extremo oposto , a banalização do ato.
O senso comum desenvolve uma visão dicotômica da
sociedade, subdividindo os seus componentes em pessoas de bem
e em criminosos. Um mesmo crime (homicídio, por exemplo )
provoca respostas totalmente diferentes, dependendo de quem
são os atores da tragédia . A morte de pessoas de status elevado e
suas circunstâncias e, de outro lado, as arbitrariedades ( esquadrões
da morte, batidas policiais, execução sumária de criminosos em
confronto com a polícia etc. ) a que estão sujeitos os pobres,
moradores de favelas e subúrbios originam reações diferentes,
embora sejam dois aspectos de uma mesma realidade - a violência
onipresente no cotidiano da grande maioria da população brasileira .
Do mesmo modo, há casos de divórcio entre a norma
legal violada e a consciência social . É o caso de contravenções,
como o jogo do bicho, da prostituição e até dos crimes de colarinho
branco . O não -criminoso tolera e até protege o delinqüente. O
mesmo pode -se dizer das mortes ocorridas por acidentes no
trânsito, por exemplo, que são tão numerosas e muitas vezes tão
ou mais irresponsáveis que os demais crimes condenáveis pela
opinião pública , como os assassinatos, de um modo geral, mas
que têm uma grande condescendência da sociedade.
Respeitando - se as proporções, os pequenos delitos
( consumo de alimento dentro do supermercado, viagem em ônibus
urbano sem pagar a passagem , troca de etiqueta de preço em
estabelecimento comercial -estelionato ) estão sendo cada vez mais
tolerados pela opinião pública. O fato gerou uma tese em
Antropologia (BARBOSA , 1991 , p. 3) sobre a filosofia da vantagem ,
concluindo que o aumento desse tipo de delito e a
condescendência da população são frutos da impunidade no País .
São pessoas comuns se espelhando nas atitudes dos poderosos.
Um juiz corregedor de São Paulo ratifica e completa que a
impunidade também reflete a lentidão da Justiça eе a falta de leis
modernas. Um pequeno furto pode levar o praticante à prisão por
7
Sueli Andruccioli Félix
até quatro anos, enquanto um sonegador fiscal que desviou fortunas
imensas, pode ficar em liberdade se saldar sua dívida com o Estado.

1.2 Definição de crime


A definição de crime parece ser bem conhecida e está
interiorizada em todos os indivíduos, mesmo que não saibam
expressá-la claramente . Para Enzensberg (1991), a consciência
popular está refletida nos romances e filmes policiais, onde o crime
se confunde com o assassinato que, por sua vez, ocupa o papel
central na criminalidade. A opinião popular normalmente restringe
o conceito de crime a um exemplo. Quando se pede uma definição,
a resposta imediata é que crime é, por exemplo, um assassinato .
Mesmo entre os especialistas não se consegue uma
definição uniforme, totalmente satisfatória ou , pelo menos, com
características muito comuns entre elas. Temos os mais diversos
enfoques com variações não apenas culturais, mas até mesmo
ideológicas.
Uma das primeiras definições vem de Thomaz Hobbes,
há trezentos anos: " um crime é um pecado que comete aquele
que , por atos ou palavras, faz o que a lei proíbe ou se abstém de
fazer o que ela ordena ” (apud ENZENSBERG , 1991 , p . 9) .
Os criminólogos ortodoxos caracterizam a ordem social
como consensual e monolítica e com uma minoria de indivíduos
à margem da sociedade. Nesse contexto, a definição jurídica de
crime é todo ato humano contrário à lei penal . " Crime é a infração
da lei do Estado , ditada para garantir a segurança dos cidadãos,
por atos de livre vontade, positivos ou negativos, moralmente
imputáveis e socialmente prejudiciais ” (CARRARA apud CARVALHO ,
1973 , p . 43). A crítica aponta esta definição como demasiadamente
formal e de conteúdo exclusivamente jurídico, ao afirmar
ser o crime uma infração da lei do Estado, trazendo propósitos
finalistas (proteger a segurança dos indivíduos) e valorizações
éticas ( imputabilidade moral), quando é sabido que existem tipos
penais que representam interesses de posições e classes, ou,
mesmo, de regimes . (DONNICI, 1984 , p. 110)

8
Em todas as sociedades razoavelmente desenvolvidas
existe um consenso sobre a criminalidade de certas condutas, como
o homicídio. Porém , em algumas, há um canal aberto à aceitação
do ato de matar ( eutanásia e pena de morte). Mostrou -se que,
após a Segunda Guerra Mundial , o desenvolvimento trouxe uma
crise de valores nos comportamentos sociais e anti-sociais .
Definindo o “ crime as anti - social behaviour,and no form of human
behaviour wich is not anti - social should ever be treated as a crime
(MANNHEIM , 1984 , p.111 , grifo do autor), mostrou a existência
do conflito entre concepções individualistas de vida e as coletivistas
impostas, originando novas interpretações para o suicídio ,
eutanásia, aborto , homossexualismo etc. , devendo refletir- se
também no campo da Justiça Criminal.
Isto vem confirmar a não -existência de delitos naturais,
ou seja , fatos reprovados por todos e em todos os tempos, e que
a atitude da audiência social é variável no tempo e no espaço ,
como indica a afirmação de Strauss ( 1983, p. 64),
a única regra universal que existe é a proibição do incesto (...).
Tal proibição tem características de instinto, mas também o caráter
de uma regra absolutamente imperativa. É,portanto, a regra por
excelência, já que é a única universal e assegura a colocação da
cultura .

Na busca de explicações para o crime, encontram - se


opiniões e teorias extremas, que vão desde hipóteses deterministas,
de influência genética e ambiental (espaço físico ), até as de
interpretações estruturais , com conotações sócio - econômicas e
políticas.

1.3 Hipóteses a respeito da prática do crime


1.3.1 Deterministas
As Teorias Deterministas consideram o homem
submisso a certos fatores, condicionantes de natureza biológica e
ecológica , que o conduz à prática do delito . O polêmico e
contestado Determinismo Biológico, de Cesare Lombroso, ainda é
considerado o ponto de partida para a criminologia científica . Em
sua obra L'Uomo Delinquente (1875), demonstrou que as tendências
criminais são hereditárias e que o " criminoso nato " tem certos
9
Sueli Andruccioli Félix

traços anatômicos e psicológicos que o distinguem do homem


comum . Esta teoria persistiu com Sheldon ( 1949) e Gluecks ( 1950
apud FELIX, 1996) , categorizando homogeneamente todos os
delinqüentes , também por suas características físicas .
Os deterministas biológicos chegaram ao extremo da
causa genética , em consonância com a teoria de Jarvich et al .
( 1973 apud FELIX , 1996), classificando os ofensores violentos como
resultantes de um acidente genético, com cromossomos sexuais
XYY, em vez do par normal XY , encontrado na população em
geral. No entanto , deve-se considerar que muitos geneticistas,
partidários desta teoria , afirmaram que apenas os fatores genéticos
são transmissíveis e não os caracteres propriamente ditos. Ou seja ,
a hereditariedade transmitiria apenas tendências para a formação
dos caracteres, que se desenvolverão ou não , de acordo com a
co -participação dos fatores ambientais. “ O patrimônio genético é,
em última análise, um conjunto de forças latentes, de
potencialidades, as quais se realizarão ou não e, se realizadas,
terão esta ou aquela intensidade , conforme sejam , ou não ,
favorecidas pelo ambiente ” (ALMEIDA JÚNIOR apud CARVALHO ,
1973, p . 176).
Nesta linha teórica de relação entre crime e família ,
encontra -se a tese de Terrie Moffitt, professora de psicologia da
Universidade de Wisconsin . Para ela, os jovens aprendem a ser
criminosos com a própria família e as estatísticas contradizem a
tese de delinqüência entre os jovens por influência de amigos.
Afirma que mais da metade dos delinqüentes juvenis, presos nos
reformatórios, e mais de um terço dos adultos criminosos têm
algum membro próximo da família que já esteve encarcerado.
No entanto , este estudo não concluiu se é o ambiente
familiar ou se há uma predisposição genética para a criminalidade.
Argumentos contrários evidenciam a não existência de elementos
suficientes que dêem sustentação à explicação genética e mostram
que é o comportamento, condicionado socialmente, que leva à
disseminação da delinqüência em determinadas famílias.

Em 31/03/1992, o jornal norte -americano The New York Times publicou, na primeira página,
um estudo que mostra a relação entre crime e família, conforme o jornal Folha de São Paulo, 1
mar.1993 , Mundo, p.2 .

10
Ainda dentro das interpretações teóricas deterministas,
temos :

os indivíduos de status sócio -econômico mais baixo mostram


maior agressão no verão que os de outras classes sociais, por
inabilidade em lidar com os impactos de riscos ambientais
como extremo calor ( não possuem ar condicionado) ,
inundações, doenças epidêmicas etc. , e de modificar as
condições físicas extremas que podem inteirar-se aos elementos
pessoais (valores, atitudes e comportamentos) e impessoais
(demografia, classe social e etnia ) do meio social . Além disso,
os fatores ambientais ( principalmente extremo calor com muita
umidade no ar ) são intervenientes no humor, que seria causa
indireta da violência .

Hipóteses deterministas (HARRIES; STLADER, 1983)


de associação entre o desconforto de verão ( discomfort index ) e o
comportamento humano agressivo relacionam o crime às variáveis
efeitos do calendário , densidade estrutural, contexto de vizinhança
e consumo de álcool .

Os efeitos do calendário têm relação com a interação social,


lazer fora de casa e mobilidade, que aumentam no verão . As
maiores taxas foram encontradas nos fins-de- semana, em
feriados nacionais, férias escolares e eventos públicos em geral,
que não só propiciam as condições citadas (lazer e interação
social), mas também aumentam o consumo de álcool;
A densidade estrutural reforça a interação negativa, associada
ao intenso calor de verão. Há grande incidência de crimes em
apartamentos ou em suas áreas de estacionamento , edifícios
comerciais, habitações coletivas e ruas movimentadas;
O contexto de vizinhança , representado pelo status social
baixo, alta densidade de negros e grande proporção de
habitação subnormal, exibe altas relações com o heat stress e
a incidência criminal ;
O consumo de álcool tem grande relação com os crimes
violentos, suicídios e acidentes automobilísticos. A conexão
* HARRIES, STADLER E ZDORKOWISK estudaram as relações entre o desconforto de calor
(heat stress) e comportamento violento, em Dallas ( 1983-1986). Apud FÉLIX, 1989, p. 87 .
11
Sueli Andruccioli Félix

pode se dar através do desconforto do ambiente, provocado pelo


calor, que leva o indivíduo à absorção de líquidos como busca
de alívio . O alto consumo de álcool é a hipótese criminal mais
investigada e mais confirmada nesses estudos.
Há os que rejeitam essa hipótese, como Lewis e Alford
( 1975) , argumentando que se a associação entre temperatura e
comportamento violento fosse verdadeira, poder-se -ia esperar o
incidente de agressão (assault), seguindo a marcha do Sol . No
entanto, durante o mês de março , nos EUA , enquanto as cidades
do Norte estão sob o domínio do frio , as do Sul estão gozando o
tempo agradável de primavera , e todas mostram tendência
ascendente nas taxas de assaults. Com isso , sugeriram as seguintes
hipóteses de correspondência do crime com estação do ano:
a taxa de assault está ligada diretamente à variação de
temperaturas críticas . Mais especificamente, a mais baixa
temperatura do Norte teria o mesmo impacto fisiológico e
psicológico que a mais alta temperatura no Sul ;
assault não está diretamente relacionado a alguma temperatura
crítica , mas é sazonal na incidência . Assim como o baseball e
football, a sua estação começa num certo período do ano,
apesar do tempo ou clima, por razões históricas e culturais
complexas.

1.3.2 Sócio -históricas: culturais (de segregações ), econômicas


e espaciais
Dentre os que contestam terminantemente o
Determinismo, estão os teóricos da Sociologia do Comportamento
Desviante que consideram a necessidade de estudar o crime de
forma holística . Definições sociais de regras e leis que identifiquem
os desviantes parecerão insuficientes , se não se investigarem
profundamente o social , as forças políticas e econômicas, as
espacialidades e temporalidades em seus mais diversos níveis de
análise .

? Os termos originais serão conservados para evitar as distorções de tradução.


12
Argumentam que o indivíduo torna-se desviante ao
desdenhar um conjunto de regras de comportamento e sanções,
produzidas pela sociedade, prescritas como ideais e que devem
ser seguidas. Estabelece que a causa do delito é a lei, não quem a
viola, por ser aquela que transforma condutas lícitas em ilícitas .
Isto implica a diversidade de suas conseqüências, dependendo
até dos sentimentos e reações que despertem nos demais.
Nesta posição destacam -se Durkheim (1966 ),que via
o crime como ofensa aos sentimentos profundamente arraigados
e claramente definidos da consciência social; Clinard (1964 ), para
quem o desvio é a conduta que se orienta numa direção fortemente
desaprovada pela coletividade; Cohen (1955), considerando que a
conduta desviada é a que se opõe às expectativas institucionalizadas
( lei ou conveniência social, mais ou menos consolidadas ) e que a
sua existência provém da qualificação da audiência; Becker (1973 ),
definindo o desvio não como a qualidade do autor, mas como um
processo interativo, no qual contam tanto a conduta referida, como
a resposta dos outros: as regras são feitas de um grupo para outro,
que não é favorecido pelo poder. Esta imposição tem duas
características fundamentais:
1 é um ato de empresa , no qual contam tanto o interesse pessoal
e a atividade empresarial, como a publicidade;
2 a imposição só ocorre quando a conduta, se desaprovada , torna
se pública. ( FELIX, 1996 , p.77)
A abordagem marxista considera normal o
comportamento desviante em função da diversidade humana. Na
sociedade capitalista, a lei desenvolve excessiva atenção à
necessidade de proteção à propriedade privada. A origem dos
problemas reside justamente nessa privatização dos meios de
produção e nas desigualdades que estas situações produzem no
meio social. Geógrafos marxistas (HERBERT, 1982) afirmaram que
o controle social é uma conseqüência da distribuição desigual dos
poderes econômico e político, onde as leis servem à classe
dominante .

Desse modo, interpretações teóricas da criminalidade


não somente requerem diferentes explicações para diferentes
grupos sociais, como também necessitam ser interpretadas sob a
13
Sueli Andruccioli Felix

ótica do controle social. Até interpretações socioculturais podem


estar impregnadas de concepções deterministas, como as hipóteses
de associação entre a pobreza e a criminalidade, a periculosidade
do negro, os comportamentos violentos como reação de subcultura
etc.

14
DIMENSÃO SOCIAL
DO CRIME
2.1 Criminalização dos excluídos e controle social
De um modo geral e sob a ótica de segregações, a
análise das hipóteses nos permite afirmar que, mesmo de forma
implícita, Criminalidade e Exclusão são conceitos apresentados
na literatura como extremamente associados e até com uma relação
de causa-efeito. Os traços que definem ambas, normalmente, nada
mais são que sintomas externos e visíveis de um processo histórico,
que exclui vastos setores da população do aparato produtivo e de
outros segmentos dos setores dominantes. Define-se como
desviante e/ou delinqüente o desempregado, o subempregado, o
pobre e miserável, o negro , o habitante da favela e do cortiço , o
que não tem residência fixa, o que não possui documento ou ,
mais especificamente, uma carteira de trabalho assinada etc. , já
que destes segmentos sociais sai o maior contingente de criminosos
e condenados, mesmo a despeito de se ter consciência de como
age o sistema e as agências de controle social.
Resgatando Chapman (apud CASTRO, 1983), percebe
se que o controle da sociedade pelos que detêm o poder não é
exercido somente através das organizações administrativas e de
pena, mas através de elaborados sistemas simbólicos que se
convertem em modelos de comportamento . Em conseqüência , há
o que se poderia denominar uma reificação ou personificação dos
conceitos. Além disso, o controle social se vale de múltiplos
instrumentos como a família, a escola, a religião, a literatura e os
meios de comunicação em massa para a transmissão de símbolos
e preconceitos (os estereótipos) .

2.1.1 Criminalização de uma raça


A criminalização dos socialmente excluídos - no sentido
de não inclusão ao sistema de dominação - é um fato que percorre
a história e engloba prioritariamente o pobre, o desempregado ou
subempregado e o negro . Fausto ( 1984, p.35), num claro exemplo
de criminalização de um comportamento, com o propósito de
reprimir uma camada social específica, discriminada pela cor, cita
o artigo 402, do Código Penal de 1890 , que considerava criminoso
" fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza
corporal, conhecido pela denominação de capoeiragem ", ou, ainda,
17
Sueli Andruccioli Félix
andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de
produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens,
ameaçando pessoa certa ou incerta , ou incutindo temor de algum
mal, sendo circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma
banda ou malta [...].
Em um artigo sobre o tema, Assis Cintras distingue os
capoeiras profissionais dos amadores. Os profissionais são definidos
como capangas políticos, que viviam à custa dos cabos eleitorais,
ou como desordeiros e ladrões, que atacavam os transeuntes. Os
amadores eram meninos bonitos e avalentoados, filhos de gente
rica e importante, ou mesmo rapazes de boas famílias os quais
praticavam e aprendiam a capoeiragem por simples esporte.
Ainda na análise de Fausto ( 1984, p. 55), na consciência
coletiva estão arraigadas as associações entre o negro e o ócio, a
violência, a permissividade sexual . Pela imprensa da época (final
do século XIX e início do século XX ), percebeu que " ser negro é
um atributo negativo conferido pela natureza que só se desfaz
parcial e excepcionalmente pela demonstração de características
positivas: o devotamento ao trabalho , a fidelidade a algum branco
protetor, a humildade, etc ” .
No entanto, o estereótipo de violência do negro, o
rótulo de “ preto desordeiro ou valentão " não se confirma nem
mesmo na sociedade do início do século (entre 1904 e 1916),
quando o percentual de negros e mulatos, dos habitantes da cidade
de São Paulo, era em torno de 10%, mas constituíam 28,5% do
total de presos. Analisando os homicídios, em conseqüência de
"briga súbita ” , Fausto ( 1984 , p. 19) encontrou entre os indiciados
cerca de 92% de brancos, 5 % de mulatos e 2% de negros. Dentre
as vítimas, cerca de 78% eram brancos, 9 % , mulatos e 13%, negros.
Com relação àquela participação de negros ( 28,5%)
no total de presos, Fausto argumentou que se pode especular em
duas direções: o efetivo maior cometimento de infrações por eles
- e isto não se confirma no tipo de homicídio descrito acima - el
ou a maior discriminação destes - a possível tendência de as
autoridades policiais considerarem negro o preso não -branco, como
uma forma de estigmatizá -lo.

* Artigo publicado em A Gazeta, 1/3/1948, citado por FAUSTO , B. ( 1984, p.36).


18
Curtis ( 1975, apud HARRIES, 1985 ) desenvolveu a teoria
da " Contracultura Negra ” para a desproporção de negros no total
de crimes cometidos nos EUA . Para um contingente de apenas
12 % de negros (Censo de 1980), 42 % das vítimas e 64 % dos
ofensores de todas as categorias de crimes eram negros. A teoria
atribui a violência entre os jovens, pobres e negros, à interações
entre determinantes estruturais ( exclusão econômica e racismo),
violência estimulada de fora da comunidade negra e uma ênfase a
comportamentos como bravura e resistência física entre eles .
Em contrapartida, estudos desenvolvidos no Brasil, por
Massena (1986 ), demonstraram outra situação .
Vítimas e criminosos têm características muito aproximadas , ou
seja , são geralmente homens, brancos, migrantes, solteiros,
moradores do bairro e têm ocupação no setor terciário. As
dessemelhanças se referem à idade (os criminosos são mais jovens,
geralmente com menos de 30 anos) e ao sexo ( participação
exclusiva de homens, 84,1 % ). Mais interessante é o predomínio
da cor branca, pois desmistifica aquele 'negado preconceito contra
o negro , tão bem expresso no dizer popular: 'quando correm na
rua um preto e um branco, o preto é ladrão e o branco é atleta'.
Entretanto, as interpretações são muito divergentes,
especialmente nas pesquisas desenvolvidas nos EUA. Enquanto
em muitos estudos (BOGGS, 1965; CHILTON , 1964; SCHESSLER ;
STALIN , 1964 apud BEASLEY, 1974 ) há forte correlação entre
criminalidade e concentração espacial de negros, outros tantos
(WOLFANG ; COHEN , 1970 ; CURTIS, 1975 apud BEASLEY, 1974 ;
HARRIES , 1985 ) repudiam essa associação, restringindo-a às
condições sócio - econômicas . O nível de concentração racial em
um distrito é quase totalmente co -variante com renda e densidade,
sem evidência do impacto da "guetoização” . O status de minoria
sugere que os processos de discriminação e inibição dos meios
legítimos de satisfação de objetivos econômicos levam à adoção
de meios ilegítimos .
A criminalização do negro deve-se mais às condições
de penúria e exclusão a que foi submetido desde a Abolição da
Escravidão , que resultou na sua maior representatividade nas
camadas sociais mais baixas, entre os analfabetos ou com formação
primária e, em função disso, entre os que estão em posição inferior
no mercado de trabalho e até desempregados. Neste caso, a sua
19
Sueli Andruccioli Félix
criminalização seria até real , mas indireta. O referencial mais forte,
ou a variável de maior relação com o crime é, em qualquer
circunstância , a econômica. Quando o estereótipo combina
atributos de raça e classe social , as probabilidades de detenção
são muito maiores, sobretudo para averiguação .
Contudo, há que se considerar também a criminalização
desvinculada do aspecto econômico , apenas pelo fato de ser
etnicamente diferente - é o caso dos negros ou hispânicos nos
EUA ou os argelinos e marroquinos na França. Há os chamados
crimes de ódio (hate crimes ), que estão associados às mais diversas
formas de preconceito , como o religioso , o sexual e, especialmente,
o racial . O FBI - Federal Bureau of Investigation - constatou , no
ano de 1991 , que cerca de 60 % dos crimes de ódio são motivados
pelo preconceito racial, sendo 36 % contra o negro , 21 % contra os
imigrantes (principalmente hispânicos e asiáticos) e cerca de 10%
contra os judeus. Os tipos de crimes de ódio mais comuns são a
intimidação física (37 % ) e os atos de vandalismo ( 23%) ( FOLHA
DE SÃO PAULO, 19 jun , 1994 p. 1 ).
Além disso , temos a marginalização cultural de
indivíduos do mesmo grupo étnico. É o caso dos burakumins'
( significa gente segregada ) , descendentes de antigos párias ,
surgidos no Japão no século XVII, marginalizados por que seus
ancestrais exerciam trabalhos considerados desprezíveis : lidavam
com animais mortos.
Apesar de ser oficialmente abolida a discriminação, em 1871 , os
seus descendentes vivem ainda hoje em castas, sofrem com o
desemprego ou trabalham no recolhimento do lixo, tratamento
de esgoto e limpeza de rua. Em 1973, entidades denunciaram
uma lista clandestina que localizava as vilas e localidades Buraku
e era vendida às empresas para evitar a contratação de burakumins.
Toyota, Mitsubishi e Suzuki estavam entre elas. São mais de seis
mil vilas e a maior parte está concentrada na província de Fukuoka
( Sul do Japão ). ( FOLHA DE SÃO PAULO , 13 mar, 1994, p. 6)

" Folha de São Paulo, 13 mar.1994,Caderno 3, p.6. Segundo a reportagem , a discriminação dos
burakumins vem de dois preceitos religiosos (o xintoísmo que relaciona morte a sujeira e o
budismo que condena a matança de animais) e "foi oficializada no período Endo ( 1600-1868)
quando o governo feudal dividiu o país em castas. Em ordem de importância vinham; samurais,
agricultores, artesãos, comerciantes , párias (aqui os burakumins) e hinins (os não gente :
mendigos, coveiros, mulheres adúlteras e suicidas fracassados).
20
No entanto , apesar dos crimes de ódio não serem
associados ao fator sócio -econômico, há evidências de estereótipos
criminais, especialmente no caso do negro , se destituído de poder
financeiro .

2.1.2 Criminalização dos despossuídos


A estigmatização de certas camadas sociais com o rótulo
de vadios também é um dado que percorre a história universal. É
muito comum ver - se a situação de desemprego confundida com
vadiagem . Para muitas sociedades a ociosidade era considerada
crime e combatida com penas muito severas, como a morte . A Lei
dos Vadios e Meliantes, descrita por Chambliss 10 (apud CASTRO ,
1983) na Inglaterra (desde 1349), tentava combater os desocupados
de acordo com as necessidades do sistema. Logo que foi
promulgada, regulava a esmola para os desempregados que
estavam em condições de trabalhar. Em razão das mortes por pestes
e das deserções dos trabalhadores da terra , foi reformulada para
obrigá-los a aceitar emprego , mesmo com baixa remuneração. No
século XVI ( 1530), a Lei precisou ser reformulada novamente, em
razão da necessidade de mão -de -obra no comércio e indústria
que se estavam implantando. Neste momento, os vadios passaram
a ser considerados delinqüentes e a receber sanções crescentes. A
reincidência podia levar à amputação de uma orelha. Em 1535 , a
reincidência levava à pena de morte.
A vadiagem é descrita, no Código Penal Brasileiro,
como uma contravenção sujeita à pena de prisão : “ entregar -se
alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho,
sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência ,
ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita " (art.
59, da Lei das Contravenções Penais) .
Percebe-se, assim , pela Lei das Contravenções Penais ,
que mudou apenas a forma de punir o desempregado, mas não a
maneira de encará-lo. A Lei penaliza a classe sócio -econômica
mais baixa , os participantes do mercado de trabalho informal
(comércio , por exemplo, que freqüentemente é uma ocupação
16 Na obra Vagrancy Law in England and América .
21
Sueli Andruccioli Félix

ilícita , pois não recolhe imposto ), os desempregados, que, em


época de crise, demoram meses para conseguir um emprego, e
jovens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho. A falta
de carteira assinada é um pré-requisito para a detenção por
vadiagem e um flagrante exemplo de criminalização dos excluídos
do sistema, mesmo em situação temporária .
A pobreza tem sido considerada , entre as diversas faces
da exclusão social , a maior responsável pelo aumento da
criminalidade. Até mesmo as análises positivistas - de correlação
entre temperatura do ar e crime - destacam a pobreza como variável
condicionante de altas taxas criminais, como abordado nas teorias
deterministas.
Argumenta -se também que é a falta de condições de
satisfação das necessidades básicas (alimento , moradia, emprego),
aliada à convivência com a desigualdade social , que torna a
violência o único meio de expressão aos que já vivem à margem
da sociedade. Desse modo, os desníveis sociais assumem o papel
de desencadeante de atos criminosos e os centros urbanos,
particularmente , o cenário dos conflitos, já que é neles que a
pobreza convive mais estreitamente com a riqueza . É nessa
perspectiva que o aumento no número de furtos, roubos, roubos
seguidos de morte (latrocínio) e outras formas de crimes contra o
patrimônio está sendo avaliado.
Do mesmo modo , é nesta perspectiva que o conceito
de privação relativa vem sendo discutido por alguns sociólogos:
tanto criminaliza a pobreza - ao dar sustentação à tese de que a
convivência entre desiguais inspira o crime para o reequilíbrio -
quanto afasta esta idéia de relação entre pobreza e criminalidade,
ao demonstrar que o leque de privações ultrapassa os limites da
classe baixa - o que é basicamente a mesma coisa . Os sentimentos
de privação estariam sendo gerados e alimentados também pela
sociedade de consumo, provocando situações de ansiedade e
insatisfações íntimas em todo o segmento social .

2.1.3 O papel das agências de controle


Um aspecto muito importante na análise da dimensão
social do crime é a avaliação do papel das agências de controle,
22
que podem estar reproduzindo a "lógica em uso” do policial, que
trabalha armado de tipificações sobre indivíduos e atos que
reduzem a complexidade do mundo criminoso, de informações
geradas por informantes competentes deste mundo ( cafetinas,
bicheiros, mendigos, 'cagüetes', amantes abandonadas ). O produto
final desta atividade é tanto a categorização de criminosos em
artigos do Código Penal (o Inquérito), quanto a atualização e
ampliação do seu ' arquivo. ( PAIXÃO , 1983, p. 16)
No elenco de tipificações adotadas pelo policial,
Cicourel (apud PAIXÃO , 1983, p. 42) relacionou as que categorizam
os indivíduos pela sua
aparência , más atitudes, pais separados ou definidos como
incompetentes, desempenho escolar negativo, pobreza e
associações com suspeitos . Assim , categorias legais são
preenchidas em função do poder do policial de atribuir significados
morais (e legais) a expressões indéxicas, que tipificam indivíduos
como suspeitos e , suspeitos, como indiciados. À medida que se
supõe que as causas do crime residem na marginalidade urbana,
convertida então em objeto preferencial de vigilância e inspeção
rotineiras, a correlação [...] entre marginalidade e criminalidade
torna -se uma 'profecia auto-cumprida' .
A simples análise quantitativa das prisões efetuadas
para averiguação, conforme informações da imprensa , já reflete a
arbitrariedade dos órgãos de segurança:
Se você for negro, nos EUA, tem quatro vezes mais chances de ser
preso por causa de drogas, do que se for branco . Se viver em
Minneapolis, tem 22 vezes mais probabilidade. Em Columbus, Ohio,
18 vezes, e, em Seattle, 13. O USA Today examinou o assunto há
quatro anos e publicou um estudo segundo o qual os negros -
cerca de 12 % da população - representam quase 40 % dos presos
acusados de porte ou tráfico de drogas em 1988. Nova análise
descobriu que, em 1991, o número de negros presos por causa de
drogas subiu para 42% (...). A maioria dos policiais - sejam negros
ou brancos - diz que o motivo de os negros serem os principais
alvos na guerra contra as drogas não é racismo. O uso de drogas,
eles declaram, é mais fácil de ser detectado na comunidade negra .
"Não temos brancos nas esquinas vendendo drogas [...]. Eles estão
nas casas ou escritórios (... ) . (RACISMO ..., 1993, p. 8)
As condenações, de um modo geral, e a pena de morte,
particularmente, também parecem seguir um padrão de racismo
inquestionável. O número de vítimas de homicídio da raça negra ,
nos EUA,
23
Sueli Andruccioli Félix
é seis vezes maior do que o de brancos. Mas quando a vítima é
branca e o acusado é negro, a chance de o réu pegar a pena
máxima é quatro vezes maior do que quando ocorre o contrário.
Michael Kroll ( diretor de uma organização de combate à pena de
morte, a Death Penalty Information Center) afirma que a pena de
morte escolhe, além dos negros, os pobres e os deficientes mentais.
Réus brancos, de classe média e sãos, raramente recebem a pena
capital. (FOLHA DE SÃO PAULO , 31 ago ., 1991, p . 6 )
Um sociólogo brasileiro, Coelho ( 1980, p. 382), alertou
para as " evidências” das estatísticas criminais, que são produzidas
pelos órgãos de controle e repressão ao crime.
Aceitá-la significa dar aval às distorções dos dados oficiais e deixar
à margem da reflexão crítica os mecanismos de poder que
informam e conformam a formulação das leis penais. Além disso ,
a relação de causalidade não explica, por si só, as diferenças de
criminalidade entre sexos, as elevadas taxas na classe etária de
19-25 anos , a relação inversa entre taxa de desemprego e
delinqüência juvenil e o porquê dos infratores " oficiais" das leis
penais constituírem fração tão reduzida da população total de
nível sócio-econômico mais baixo (admitindo -se a tese da utilidade
dos comportamentos criminosos para os indivíduos desse estrato
social).
Surveys de vitimização , desenvolvidos nos EUA ,
escancaram uma considerável delinqüência encoberta - infrações
cometidas e não detectadas - onde são os jovens de status sócio
econômico mais alto que violam as leis mais freqüentemente e
com maior gravidade. Na melhor das hipóteses, a violação é apenas
equivalente entre pobres e ricos . Entretanto, a diferença dos
registros demonstrou que as pessoas de classe mais baixa não
possuem as imunidades institucionais das de classe média e alta ,
sendo por isso mais detectadas, detidas, processadas e condenadas
(COELHO , 1978).
Nesse sentido, imputa-se a certas classes sociais ( no
caso o pobre, o negro, o desempregado ) capacidade de per si de
gerar o crime . Em qualquer que seja o segmento social , a
desigualdade tem sido apontada como a maior responsável pelos
altos índices criminais, especialmente nos centros urbanos, onde
é mais visível .

24
DIMENSÃO DEMOGRÁFICA
DO CRIME
Os valores demográficos (sexo, idade, densidade,
mobilidade sócio -espacial e outros) vão além dos números e são
elementos fundamentais no estudo da criminalidade. Abordagens
interdisciplinares consideram a dinâmica demográfica e os
indicadores sócio - econômicos, sócio-culturais e sócio-políticos,
fundamentais dentro do processo de análise da violência .
O caráter crescente da delinqüência, especialmente
no cenário urbano das grandes cidades, associado ao nível de
concentração e às características populacionais ( os valores
demográficos), têm gerado importantes reflexões sobre a
organização espacial e a reordenação territorial.
Até pouco mais de duas décadas, considerações da
dinâmica demográfica nos estudos criminais eram conduzidas
apenas por criminólogos e sociólogos - a criminologia tem
reconhecido a sua importância há mais de dois séculos. A Escola
Geográfica do Crime, principalmente a partir do início da década
de 1970, tem buscado, à luz de teorizações diversas e através de
análises associativas com outros campos científicos, elucidar os
processos que levam ao problema. Se o crime é um fenômeno
social que reflete certas condições de vida, diferenciadas por
situações sócio- econômicas, culturais , políticas, demográficas,
espaciais etc. , é o estudo destas condições que levará à
compreensão dos níveis de variação da violência .
Para tanto, é imprescindível analisar as condições de
vida do criminoso , suas características demográficas, assim como
as demais condições estruturais ( físicas, de aglomerações )
relacionadas à criminalidade.

3.1 O criminoso : conceitos e estatíscas

O conceito de criminoso , tal qual o de crime, apresenta


certas particularidades relativas no tempo e no espaço. É óbvio
que, numa definição simplista , sabido o que é crime, o autor dessa
ação anti-social é um criminoso . Entretanto , é prudente avançar
um pouco mais no caminho da interpretação e ampliá -lo do seu
critério legal - o Código Penal.
27
Sueli Andruccioli Félix

As tentativas de interpretações da evolução do conceito


obrigam uma volta no tempo e à análise das descobertas científicas
de Lombroso ( 1876 apud FELIX, 1996). De médico militar, que
praticava necropsias em pacientes falecidos de um mal de etiologia
desconhecida - a pelagra - passou a pesquisador de cadáveres de
delinqüentes , classificando caracteres anatômicos e reduzindo a
gênese criminal a fatores puramente morfológicos.
A tipologia física do criminoso estava relacionada à
delitiva . Os ladrões, em geral , eram identificados pela grande
mobilidade fisionômica e manual, olhos pequenos, errantes , muito
móveis, oblíquos, sobrancelhas cerradas, nariz torto , barba escassa ,
fronte pequena e fugidia. Os estupradores: olhos brilhantes,
fisionomia delicada , lábios grossos, pálpebras inchadas, graciosos,
nariz e genitais mal conformados e, assim como o ladrão , com
orelhas de abano . Os homicidas: olhos vítreos, frios, imóveis, nariz
aquilino e volumoso, orelhas grandes, caninos desenvolvidos etc.
Evidentemente , muitos foram os seguidores e os críticos
dessa teoria da delinqüência congênita. Uma das críticas vem de
Alfredo Giannitrapani (apud CARVALHO , 1973, p . 43 ), quando
disse :
É fantástico acreditar em um tipo criminal com caracteres somáticos
congênitos porque, propriamente in natura , o delito não existe; e
a sua noção é apenas social . A Natureza não se preocupa nunca
com esta especial atividade que a sociedade chama delito. Mais
do que assinalar o tipo criminoso com dados hereditários, à
natureza interessa -lhe conservar o tipo humano.
As gerações já imediatamente posteriores, mesmo as
lombrosianas, começaram a definir o problema da gênese criminal
a partir de uma origem dupla - biológica e social .
Há também algumas explicações psicanalíticas que
consideram o criminoso como um neurótico engajado no crime
porque, na observação de FREUD, ele proporciona oportunidades
para punição própria , ou porque é uma atividade apropriada para
a autoflagelação , advinda de uma deficiência básica no
desenvolvimento da personalidade. O condicionamento também
pode explicar o comportamento criminoso (os ofensores podem
ser menos efetivamente socializados), pois só algumas pessoas
28
tornam -se criminosas, mesmo considerando que existem tantas
recompensas nesse ato ( EYSENCK apud WILLIS , 1983) .
Pesquisas recentes (multidisciplinares) têm traçado um
novo perfil do criminoso e construído alguns modelos estruturais
da criminalidade, associados à composição da população como o
sexo, idade, cor, situação sócio -econômica e ecológica, conforme
os dados estatíscos .

3.1 Questões de gênero e a parcela do homem


A participação majoritária do homem nas estatísticas
criminais é um dado universal. Numa visão rápida, o perfil do
criminoso pode ser traçado da seguinte forma: um homem jovem ,
branco ( não -branco para os EUA), migrante (sem ser estrangeiro ),
solteiro ou não casado, de status sócio -econômico baixo, com
ocupação no setor terciário , analfabeto ou com instrução elementar,
morador de bairro . De acordo com os estudos desenvolvidos em
3 regiões distintas, temos:
para o norte -americano : o criminoso é do sexo masculino
(por volta de 90 % ), jovem ( 52% têm menos de 25 anos ), solteiro ,
de grupos minoritários, não-branco, de lar desfeito, de família
grande, de baixa renda, ocupação não-especializada , baixo
nível de instrução, residência abaixo do padrão normal,
superlotadas e alugadas (HERBERT; MURRAY; BOAL apud
JOHNSTON; HERBERT, 1978);
para os brasileiros: é predominantemente do sexo masculino
( a participação feminina fica em torno de 10%, tradicionalmente
nos furtos e nas lesões corporais e, atualmente , no tráfico de
drogas ), brasileiro (o estrangeiro compunha as " classes
perigosas" no início do século , constituindo 15,2% da
população criminosa de MG ) , entre 18 e 30 anos
( independentemente da modalidade, embora mais elevada em
furto , roubo, estupro , sedução e , a partir de 1968 ,
entorpecentes) . Há maior participação do branco para
estelionato , tóxicos e crimes contra a pessoa ; e, do negro ,
para roubos e furtos ( carreiras criminosas avaliadas
negativamente pela organização policial). Mais de 50% são
29
Sueli Andruccioli Félix
analfabetos ( incluindo aqui a categoria “ sabendo mal ler e
escrever" ) e mais de 60 % têm ocupações manuais (PAIXÃO ,
1983 ); " 1
para os portugueses : mais de 80 % dos condenados em
Portugal, de 1950-81 , eram do sexo masculino, com idade
entre 20-50 anos , na maior parte analfabetos ou com instrução
primária, predomínio de operários e agricultores nos crimes
contra a pessoa, furtos, roubos (usurpação de coisas móveis).
E um segundo grupo , composto por comerciantes e
vendedores, para delitos contra a segurança do Estado, a ordem
e tranquilidade pública , quebras, burlas e outras defraudações
( FONSECA , 1984 ).
Há interpretações curiosas para a discrepante
partic ipação dos sexos nas atividades criminais. Lombroso e Ferrero
vinculavam a baixa criminalidade feminina ao seu maior respeito
à lei e a seu inato conservadorismo, " cuja causa primária deve ser
buscada na imobilidade do óvulo comparado com o zooesperma"
( FAUSTO , 1984 , p. 70).
Entretanto , a maioria dos cientistas sociais concorda
que a questão da incidência e das características da criminalidade
feminina deve, sobretudo, ter um enfoque social. Os instrumentos
básicos de controle social das mulheres são as instituições, como
a família e a escola, que veiculam e promovem a interiorização da
ideologia masculina dominante.
O caráter discriminatório das leis, principalmente nos
crimes sexuais, é destacado por Boris Fausto ( 1984, p. 69-70),
afirmando que
a infidelidade conjugal é um bom exemplo assimétrico entre os
sexos, não apenas no plano dos padrões sociais, o que é
arquiconhecido , como na esfera legislativa . O Código Penal de
1890 (art.279 ) cominava a pena de prisão de um a três anos à
mulher que cometesse adultério, enquanto o marido só seria
punível se tivesse concubina teúda e manteúda, ou seja, só quando
convertesse o adultério em um estado permanente e concomitante
com estado conjugal .

" Antonio Luiz Paixão estudou crimes e criminosos em Belo Horizonte ( 1983), para os anos
1938 , 1960 e 1975 .

30
Mawby ( 1980, tradução nossa ) expôs cinco teorias,
hoje um tanto ultrapassadas, de relação entre ofensa feminina e o
papel social da mulher:
• 'expectations of appropriate behaviour': destaca o papel do
homem como provedor e da mulher, como administradora do
lar. Isso implica a permanência feminina em casa e o menor risco
de envolvimento em crimes;
• " social control : a educação da mulher é mais rígida e com
maior controle familiar e social que a dos meninos;
• 'opportunity : os diferentes papéis que desempenham homens
e mulheres ainda limitam as oportunidades de crimes femininos,
• " career models ": apesar de toda mudança social, ainda é mais
provável vê- las trabalhando em casa ou esperando tornar -se donas
de casa, através do casamento;
• 'attitudes': em função de sua formação, esperam -se atitudes
mais conservadoras e convencionais entre as mulheres, o que,
evidentemente, as leva ao cumprimento das leis.
Evidentemente, essas teorias foram se alterando
conforme as transformações do papel social da mulher na
sociedade. Da mesma forma, apesar da insignificante presença
feminina nos incidentes criminais, esta participação vem
aumentando em algumas regiões . Na antiga URSS , os crimes
cometidos por mulheres passaram do índice médio de 12%, a
cerca de 20 % , de 1985 a 1987. Sua participação foi de quase 50%
em desfalques e outros crimes graves de natureza econômica; e 3 /
5 , na fabricação ilegal de bebida fermentada ( samogon ), ou seja,
crimes que envolvem mais desonestidade e menos violência física
(DIENES, 1988 ).
Também na França ( Região de Bordeaux ) , a
participação feminina na criminalidade mostrou tendências não
violentas e pareceu caracterizar manifestações de miséria e/ou
exclusão. Apesar de representar quase um quarto dos indivíduos
encarcerados (24,2%), o que demonstrou alta participação quando
comparada a outros países , a tipologia criminal praticada restringiu
se à utilização de cheques roubados (42% das delinqüentes) e a
roubo de mercadorias (45 % ) (CHARIÈ, 1989).
A violência feminina é mais acidental e normalmente
em reação ao assédio sexual e maus tratos. Quase nunca é um ato
31
Sueli Andruccioli Félix

solitário. Sobre isso Fausto ( 1984 , p.78) argumentou que


a criminalidade , no campo do homicídio , reflete assim ,
limpidamente, o papel atribuído à mulher no universo social .
Com freqüência, ela é instigadora ou pivô de crimes, como sujeito
oculto ou objeto de disputas. De modo ostensivo, aparece mais
como vítima do que como autora, vinculada tipicamente à família ,
à vida afetiva, às obsessões de honra e das relações sexuais
proibidas.
A tipologia criminal confirma o papel social da mulher.
Norma lment e , a violência contra a mulher é privativa : 90% dos
casos ocorreram em casa , foram praticadas por parentes e , na
maior parte das vezes, pelo companheiro . Apenas 11 % das
notificações de 1992 transformaram -se em inquéritos (ISER, 1993).
Existe uma "cultura de impunidade em crimes de
violência doméstica que coloca todas as mulheres em risco ",
conforme o relatório de uma organização de defesa dos direitos
humanos, a Americas Watch (INJUSTIÇA ..., 1991 , p . 4 ). Os
principais problemas observados por seus membros, em suas
pesquisas no Brasil, no ano de 1991, foram :
• as leis brasileiras permitem ao homem matar a mulher sob o
argumento de defesa da honra . A sua sentença pode ser reduzida
pela metade, se alegar infidelidade da vítima;
• mais de 70 % ocorreram em ambiente doméstico e, em mais de
2.000 casos, registrados na delegacia central de mulheres (Rio de
Janeiro ), nenhum resultou em punição;
• os casos de estupro são raramente investigados e ainda sujeitam
as mulheres vítimas a humilhações e tratamentos discriminatórios
por parte da polícia ;
o tratamento da violência tem melhorado , nos últimos anos,
com o movimento de mulheres, que resultou na abertura de
delegacias especializadas.
Em 1992 , a CPI que investigou , no Congresso, a
violência contra a mulher, elaborou uma espécie de geografia da
violência feminina. Entre todos os tipos de violência , a lesão
corporal2 destacou- se em nível nacional, sendo Santa Catarina o

12 O relatório considera essa lesão corporal " conseqüência da recusa da mulher à vontade
masculina, na satisfação de seus desejos", mas não explica a similaridade entre Estados
demograficamente tão diferentes como Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Acre .

32
Estado que exibe as maiores taxas (75,5 % ), seguido do Rio Grande
do Norte (66,1 % ) e Acre (60 % ). Apesar de o homicídio representar
0,5% dos casos, em alguns Estados é o crime que assume a liderança
entre todos os praticados contra a mulher: Alagoas ( 24,8%) ,
Pernambuco ( 13,2%) e Espírito Santo ( 11,1 % ). Do mesmo modo,
o estupro, que tem um indice nacional de 1,8 % , nestes Estados
assumiu proporções bem maiores : 13,3% , 19,1 % e 19,8% ,
respectivamente.
Com relação ao perfil da vítima, o relatório destacou :
• a dona - de- casa ( 20,7 % ), seguida da empregada doméstica
( 10 % ) e da comerciária / industriária (9%);
• faixa etária : entre 18 e 40 anos (39,9 % ), e menor de 14 anos
(8,3 % );
• situação civil: casada (20,3 % ), concubina (19,9 % ) e solteira
( 14,2 % );
• instrução: analfabeta (53,8 % ). Em S.Paulo, 43,2% tinham o
primeiro grau completo, 33,2% eram analfabetas, 20 % tinham
segundo grau completo ;
• condição sócio - econômica : a maioria não exercia função
remunerada (dona- de-casa ) e 35,5% recebiam até dois salários
mínimos,
No contexto da criminalidade feminina, é interessante
lembrar que a prostituição, por exemplo , apesar de ser, para alguns
autores, apenas um fenômeno de conduta feminina " desviada ",
leva à prática de atitudes criminosas paralelas. Em sua exploração
opera mundialmente uma extensa e profunda rede de delinqüentes.
É uma modalidade que vem se ampliando e se sofisticando pelas
atividades de grupos de criminosos que mantêm um notável nível
de organização e eficiência operacional no abastecimento de
prostíbulos, através do tráfico das chamadas escravas brancas e
do aliciamento de menores .
A exploração do lenocínio normalmente é feita pelos
mesmos grupos que dominam outras atividades ilícitas, como as
redes de exploração do uso de drogas e as quadrilhas controladoras
de jogos clandestinos, como o jogo do bicho. A YAKUSA, por
exemplo , é a máfia japonesa que controla praticamente toda a
área de entretenimento no Japão, como as casas de strip tease, de
jogos e de prostituição . Há, com isso, uma certa tendência para a
33
Sueli Andruccioli Félix

unificação das várias atividades do submundo (prostituição, jogo ,


droga) , com rivalidades apenas entre as organizações criminosas
que , sob suas respectivas chefias, dividem entre si zonas de
influência e redefinem a ecologia do crime urbano .

3.1.2 A parcela do jovem


A presença do jovem nas atividades delitivas tem sido
estudada com base teórica nas pesquisas desenvolvidos por Shaw
e Mckay ( 1969), que definiram delinqüência juvenil como uma
forma particular de desvio social, que envolve a transgressão de
leis sociais por ofensores jovens . Especialmente quando
relacionados à pobreza , alojamento subnormal, imigração ,
mobilidade e grupos étnicos minoritários.
As principais conclusões desses estudos foram :
as taxas criminais mais altas estão em áreas de predominância
de população jovem (homens entre 15-30 anos), com alta
densidade demográfica, alto percentual de população de baixa
renda e de negros;
as mais altas taxas de homicídio (HARRIES , 1989) estão no
grupo etário de 35-64 anos e, de agressão ( assault ), no grupo
de 10-24 anos (ambos na categoria mais baixa de status sócio
econômico “ SES " ). Isso significa que, entre os pobres, o jovem
está mais sujeito à agressão , enquanto o mais velho comete
mais homicídios .

Entretanto, reportagem do The New York Times (apud


FOLHA DE SÃO PAULO , nº 23.213, 1992) revelou que o jovem
com menos de 18 anos mata cada vez mais. Nos EUA, entre 1985
e 1991, houve um aumento exagerado no número de prisões de
jovens homicidas, assim distribuídos: aumento de 217% entre jovens
de 15 anos, 158%, entre jovens de 16 anos, 121%, entre jovens de
17 anos, e 100 % entre jovens com menos de 12 anos.
No Brasil, os referenciais de idade também confirmaram
as investigações gerais. Uma pesquisa desenvolvida pela FIPE13

13 FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Pesquisa publicada parcialmente pelo


jornal O Estado de São Paulo , 19 jun. 1988, p. 27.

34
traçou o perfil do criminoso paulistano como brasileiro , idade
entre 18 e 25 anos , cor branca, instrução elementar e desempregado,
O resultado deste estudo, desenvolvido nas prisões de São Paulo ,
para o período de 1973-1987, mostrou ainda um crescimento na
participação do jovem. Em 1970, dos envolvidos em delitos, 38 %
tinham entre 18-25 anos e, em 1984, a participação aumentou
para 50 % .
Em 1991 , foram encontrados índices um pouco
diferentes, ou que não confirmaram esse crescimento relativo entre
os jovens, em pesquisa na Casa de Detenção de São Paulo. Note
se que esses dados referem -se à idade do detento, quando da
realização da pesquisa e não por ocasião do crime. Apesar disso,
a participação do jovem é sensível . De todos os detentos, 23% têm
entre 18-24 anos, 35% têm de 25-30 anos , 31 % têm de 31-40 anos
e 11 % têm mais de 41 anos .

Com abrangência estadual, o Censo Penitenciário de


1994 constatou maior presença de jovens entre os detentos,
representados por 30% na faixa de 18-25 anos e 25% entre 26 e 30
anos. É importante observar que estas estatísticas referem -se ao
sistema prisional que abrange apenas os imputáveis (maiores de
18 anos) e, portanto, são altamente subestimadas com relação à
participação do jovem em delitos.
Assim , agindo sós ou conduzidos por adultos em
bandos, principalmente devido às especificidades penais que os
fazem inimputáveis até os 18 anos , eles cometem delitos
característicos, em qualquer parte do mundo. Na França (CHARIÈ,
1989), estão normalmente envolvidos em roubos de veículos de
duas rodas ( entre 50 % e 60 % do total), o que demonstra a sua
atração pelos ciclomotores e motocicletas, permitindo-lhes acesso
à liberdade e melhor posicionamento no plano social, enquanto
aguardam a obtenção da carteira de motorista. Também é grande
a sua participação em assaltos (40 % ), a maioria dos quais sob
influência de adultos.
O infrator jovem tem , majoritariamente, diversas
características sociais coincidentes: a maioria vive em vizinhança
de baixo poder aquisitivo, em habitações subnormais e com alta
mobilidade . Ainda faz da criminalidade uma atividade de interação

35
Sueli Andruccioli Félix

social: 91 % dos roubos cometidos por jovens foram em grupo de


dois ou mais rapazes e, em um grande número de casos, aparece
a influência de transgressores mais velhos e experientes (SHAW ;
MCKAY, 1969 ).
Grande parte dos delitos cometidos por jovens envolve
o uso de drogas, independentemente de classe social . Há um grupo
de infratores, componentes de gangues, que foge radicalmente
dos clássicos modelos de delinqüência caracterizados pela pobreza ,
por condições precárias de habitação, desagregação familiar etc.
Através de informações da imprensa ( FOLHA DE SÃO PAULO, 9
set . , 1993 ), as gangues são integradas por jovens entre 15-25 anos
de idade; geralmente não estudam nem trabalham ; pertencem a
famílias de classe média , consomem cocaína e maconha, não
gostam de negros e favelados. Ainda praticam lutas orientais
( caratê ), usam cabelos curtos e espetados, estão sempre perto de
bares e boates da moda, mas só freqüentam botequins tipo pé
sujo, onde a bebida é mais barata e pode ser consumida na calçada.
Vestem -se de maneira convencional ( calça jeans, camisa de malha,
tênis ou bota de couro).
O que antes era visto , sociologicamente, como um
aspecto da personalidade irreverente da adolescência e da busca
de identidade , através de um conhecimento melhor da realidade
que o cerca , hoje, reveste-se de tanta violência, que ultrapassa a
simples irresponsabilidade do espírito aventureiro: quebram vitrines
e vidraças, assaltam motoristas de táxi, roubam automóveis (às
vezes só para se divertir ) e depois os abandonam, entram em
festas sem serem convidados e destroem o que encontram, agridem
e chegam a eliminar integrantes de gangues rivais. Fazem arrastões
e, enfim , cometem a violência pela violência. Alguns jovens usam
armas de fogo, soco inglês e canivetes, mas as agressões são
preferencialmente através de lutas livres e marciais.
Atualmente, há uma nova dinâmica criminal jovem
associada ao consumo de droga. O jovem entrega o automóvel da
família ao traficante , como forma de pagamento de dívidas
contraídas anteriormente, e registra uma ocorrência de furto para
ressarcimento do valor do veículo pela seguradora.
O estopim da violência entre os jovens, para muitos
cientistas sociais, é a associação entre trabalho escasso e mal
36
remunerado, falta de perspectiva com os estudos, drogas e
aglutinação em comunidades. Dados do Departamento de Justiça
dos EUA, para 88, confirmaram o uso de droga, por jovens, em
50 % dos seus crimes.
Os criminosos e as vítimas [...) estão cada vez mais jovens. É uma
combinação de desespero, falta de perspectivas e relacionamento
com drogas. Os jovens norte -americanos, com idade entre 14 e
17 anos, representam cerca de 10 % do total da população, mas
são os autores e as vítimas de 23 % do total de crimes cometidos
no país. (SKOGAN , 1994, p. 10)
O menor de 21 anos foi responsável por mais da
metade dos homicídios em S.P no primeiro semestre de 1994 .
Pinheiro ( 1983, apud FOLHA DE SÃO PAULO , 13 jul . 1994, p. 1 )
atribuiu o aumento dos homicídios a quatro fatores:
• impunidade;
• falta de condições de sobrevivência de grande parcela da
população ;
• falta de política governamental de combate ao crime organizado
e;
aumento na circulação de armas na cidade.
A média de idade dos assaltantes era 20 anos e em
80 % dos casos cometeram o ato com armas de fogo (FOLHA DE
SÃO PAULO , 3 dez . 1989 ).
Determinados modelos de comportamento , como o
delinqüente , exercem grande atração nos jovens tanto pela
necessidade de imitação, quanto da aquisição de status entre os
componentes do grupo. Assim , associados à utilização de drogas
e álcool , os modelos de ascensão através da carreira criminosa
são absorvidos dentro do seu próprio meio, especialmente em
alguns ambientes como as favelas, identificando -se com os líderes
do submundo do tráfico.
Um dos símbolos exteriores de status entre os jovens
dos guetos e que auxilia a manutenção da reputação é o uso de
armas de fogo. A violência nas Ilhas Virgens Americanas ( U.S.Virgin
Islands), por exemplo, está sendo associada à difusão da gun
culture americana, como influência dos filmes de Hollywood e da
TV Americana .

37
Sueli Andruccioli Félix
Estudos interdisciplinares têm identificado outros
símbolos exteriores de status, além do uso de arma . Há uma aura
de independência, sexo e poder no status de traficante entre alguns
subgrupos, conforme afirma um antropólogo que estuda o
comércio de drogas em N. York (VEJA, 19 set. 1990 ). Como os
traficantes são identificados pelo bip na cintura, símbolo exterior
do comércio de drogas, muitos jovens passaram a usá-lo, mesmo
não o sendo.
A síndrome da gun culture, que leva à violência
indiscriminada e ao seu pronto uso , até em provocações leves,
levou antropólogos , sociólogos e agora geógrafos, a um profundo
envolvimento teórico na busca da compreensão dessa exclusão
comportamental, gerando sugestões que serão vistas no item
relevância humana .

3.1.3 A parcela do migrante


A migração tem sido, às vezes, interpretada como um
processo desregulador da harmonia social, e o migrante, um
indivíduo psicologicamente desestruturado e desadaptado, sem
um modelo único para imitar, sem laços afetivos com o local de
sua moradia e nem com a sua vizinhança. O saldo migratório está
significativamente relacionado ao crime contra o patrimônio ,
confirmando as hipóteses levantadas pelos teóricos, quanto aos
efeitos das expectativas frustradas e privações sociais objetivas,
acrescidas do baixo poder aquisitivo , nível de instrução ,
precariedade de moradia, nível de emprego /desemprego etc. e
que desembocariam nesse crime chamado utilitário ( de
propriedade) .
Evidentemente, assim como a migração surge como
um produto, cuja explicação depende de condicionantes
econômicas e sociais, a significância de sua prática delituosa
também deve ser analisada como um produto de condicionantes
sociais e econômicas que devem ser investigadas.
A mobilidade significa mais que uma simples
transferência de um lugar para outro , mas a aquisição de novos
conhecimentos através da multiplicidade de contatos , com

38
possibilidades de desorganização pessoal e social. Com relação
ao movimento rural-urbano, a literatura afirma que os problemas
de adaptação ao novo meio tornam -se conflitivos a partir da
segunda geração de migrantes, quando os jovens tentam romper
com os padrões de comportamento de seu grupo de referência - o
familiar, a vizinhança - e tentam adaptar-se às novas formas culturais
do novo grupo urbano.
Sobre as conseqüências desse processo, Pires ( 1985,
p.19 ) escreveu que ,
ao sair de um meio onde os laços de toda a comunidade são mais
fortes e estáveis, a população rural encontra nas grandes cidades
um meio hostil, que fragmenta as relações sociais, isola o indivíduo
da sociedade e de si mesmo. A grande massa de indivíduos vai se
dividir em estágios sociais diferentes e sofrer intensa pressão do
meio , não apenas para sobreviver, mas para participar dos bens
produzidos pela sociedade. O resultado é a selvageria industrial,
a agressividade. A evolução técnica e o progresso industrialvão
aumentando o número de bens produzidos e sofisticando a
produção . Nem todos poderão ter acesso a esses bens, tampouco
conseguirão escalar os degraus sociais e econômicos para alcançá
los. A distribuição desigual da riqueza nas grandes cidades e a
clivisão injusta de oportunidades de acesso a ela vão provocar
forte desorganização de personalidade, fato que, para o sociólogo
Manuel Castells ( 1975 ) poderá explicar a progressão do crime,
do suicídio , da corrupção, da loucura , enfim , nas grandes
metrópoles.
Estudando a criminalidade do Rio de Janeiro, Massena
(1986 ) percebeu que 66 % dos criminosos violentos ( roubo, estupro ,
lesão corporal e homicídio ) eram migrantes. Entre os presos da
Casa de Detenção de S.Paulo contatou -se , em 1991, que apenas
36 % eram da capital (23% do interior de SP, 23% no nordeste, 10 %
de outros Estados do sudeste, 6% da região sul, 1% do centro
oeste e norte, e 1 % de outros países). Entre os que nasceram fora
do Estado de S. Paulo , 46% viviam há menos de 10 anos na capital
(desses, 11 %, menos de 01 ano, 19 % , de 01 a 05 anos e 16 % , de 05
a 10 anos ), 33%, de 10 a 20 anos e 21 %, mais de 20 anos. No
entanto, essa pesquisa não informa o tempo de permanência do
criminoso na última residência , ou seja , o nível de enraizamento
necessário para que se desenvolvam ligações emocionais com o
ambiente e com a comunidade. Sabe-se apenas a origem dessa
população .
39
Sueli Andruccioli Félix
A interação social também pode determinar o nível de
influência do controle social informal. Greenberg et al . ( 1984 )
testaram essa relação em três pares de vizinhança caracterizadas
por baixo e alto níveis de crimes, através de duas dimensões
(vigilância e ligação emocional com a vizinhança ). Concluíram
que dois terços das vizinhanças de baixo índice criminal viviam
na mesma área por mais tempo que as de alto nível de crime,
gostavam da vizinhança e quase não tinham intenção de mudança
nos próximos dois anos, demonstrando , ainda, um elevado espírito
comunitário (consideravam a vizinhança um lar, com vizinhos
solidários e com controle sobre os eventos locais ).
Hoje , a relação entre mobilidade espacial e crime
ultrapassa as análises de transferência de população no sentido
rural-urbano . A migração intra -urbana também acentua o
individualismo, o anonimato , contribui para a ausência de um
arraigamento social verdadeiro , o que implica afrouxamento do
controle social informal e uma certa liberação de atos e atitudes
que poderão ser desviantes, ou não .

3.1.4 A parcela da exclusão social: pobre, desempregado e


subempregado
A correlação entre níveis sócio -econômicos (como a
pobreza, desemprego ou ocupação em categorias profissionais
inferiores no estrato social) e crime tanto é muito aceita quanto
muito combatida em qualquer segmento científico . Alguns
pesquisadores na área de saúde pública ( BRENNER apud
HOLINGER , 1982 ) encontraram associação entre altas taxas de
mortalidade e indicadores de instabilidade econômica ee
insegurança, como o desemprego. A falta de segurança econômica
é estressante, quebra a estrutura social e familiar e hábitos danosos
à saúde são adotados . O evento pode se manifestar de modo
psicopatológico - suicídio e homicídio - ou lentamente, depois de
poucos anos, como uma doença crônica - câncer ou doença
cardíaca .

Por outro lado, há teses que relacionam situações de


desemprego com altos índices criminais pela ociosidade ,

40
simplesmente. O desemprego levaria a crimes mais violentos, pois
permitiria mais tempo de contato interpessoal em ambiente não
estruturado, diminuindo o custo de oportunidade de crime e
levando ao mais tradicional crime de propriedade como substituto
legal ou ilegal do emprego (LONG ; WITTE , 1981 apud FELIX,
1996 ).

Por outro lado, a tipologia criminal relacionada ao


desemprego apresenta conotações violentas, com maior número
de roubos que furtos, o que pode estar subentendendo revolta –
obter à força o que o sistema negou . Pesquisadores norte
americanos ( KOHFELD; SPRAGUE, 1988 ) testaram a relação entre
desemprego e dois tipos de crimes - robbery (roubo com violência)
e burglary (arrombamento, considerado crime de propriedade ,
não violento ). A maior freqüência de ocorrências de robbery entre
os desempregados sugeriu , segundo os autores da pesquisa , que
o desemprego gera atitudes violentas mesmo em crimes de gêneses
idênticas e associados à obtenção de bens patrimoniais. No Brasil ,
a relação entre criminalidade violenta e exclusão social é
magnificamente abordada por Rubem Fonseca num conto intitulado
O cobrador ( FONSECA , 1984 ).

A tese de associação entre pobreza e criminalidade é


enfaticamente contestada por muitos sociólogos como Coelho
( 1980 ), que a considerou “metodologicamente frágil, politicamente
reacionária e sociologicamente perversa ”, e reprodutora de
ideologias dominantes representadas pelos órgãos de controle e
repressão ao crime. Porém , o perfil do delinqüente carioca, traçado
anteriormente pelo próprio Coelho ( 1978), não deixa dúvidas sobre
a forte relação entre a criminalidade e exclusão social. Ele constatou
que, em 63% dos casos, o pai percebia rendimentos inferiores ou
iguais a um salário mínimo, e, em 47%, o pai exercia ocupações
não -especializadas. Apenas 24% dos delinqüentes tinham nível de
instrução acima do primário completo (37 % com apenas o primário
incompleto ), e cerca de 35% habitavam em barracos, quartos ou
não tinham residência fixa . Sobre a população presidiária , em 1972,
14 Ambiente não-estruturado é o que se compõe de uma subpopulação especialmente suscetível
ao crime como alternativa de emprego (a produção ilegal de renda) como os jovens, maioria
homens, solteiros (ou mais especificamente single), sem instrução e residentes no centro da
cidade .

41
Sueli Andruccioli Félix

80% deles tinham apenas instrução primária (completa e


incompleta ), contra 47% da população adulta ( 20 anos ou mais )
da cidade do Rio de Janeiro. De 1942 a 1967, dos indiciados em
inquéritos policiais , 75% tinham instrução primária.
Aproximadamente, 51 % da população presidiária eram artesãos e
trabalhadores não -especializados (excluídos os trabalhadores da
indústria , que formavam , em 1972, 14% da massa presidiária ). Disso
concluiu que
estes dados são suficientes para dar suporte à crença corrente de
que a grande maioria dos criminosos é marginal. E o perfil dos
marginais torna - se indispensável, já que não se cometeu ainda a
temeridade de afirmar que a maioria dos marginais é criminosa .
( COELHO , 1978, p.151 )

Pelos órgãos de pesquisa , temos o perfil sócio


econômico do criminoso :

de S. Paulo, traçado pela FIPE , é desempregado e com instrução


elementar. Em 1960, 96,7 % dos autores de crimes eram
analfabetos ou tinham apenas instrução elementar. Hoje ( 1988 ),
são 61,8 % nesse estágio (O ESTADO DE SÃO PAULO , 1988 );
também de São Paulo, traçado pelo Data Folha, em 1991 , 72%
dos presos afirmaram que estavam trabalhando por ocasião
da prisão, assim distribuídos: 36 % eram técnicos manuais, 29 %
faziam serviços gerais, 9 % eram operários, 8 % , proprietários/
comerciantes /autônomos, 7% trabalhavam em bancos ,
financeiras e escritórios, 3 % eram servidores civis e militares,
e 6 % ,, outras atividades. Apenas 2 % nunca tinham trabalhado
na vida . Nesse mesmo universo, 76 % tinham instrução
elementar, 12% tinham o 1º grau completo, 9 % tinham o 29
grau e 3 % , o curso superior ( FOLHA DE SÃO PAULO , 7 jul.
1991).
Entretanto , há muita discussão sobre as características
marginais dos criminosos. Estudos norte -americanos constataram
a existência de grande concentração de ofensores em áreas de
15 BROWN ( 1982) estudou a correlação entre índices criminais ( para crimes violentos) e variáveis
pobreza e concentração étnica em 1970, para 126 subúrbios de Chicago. Testando 16 variáveis
explicatórias, observou que sete refletem a distribuição de população com tendência ao crime,
que são alta densidade demográfica, populações minoritárias, dimensão da população jovem .
renda " per capita ", pobrezu, valor da residência e índice alto de desemprego.
42
alto desemprego, baixo status econômico e deterioração física ,
além de áreas com concentração de minorias e populações étnicas.
A forte relação entre crime e taxa de desemprego pode estar
indiretamente relacionada à taxa de não brancos (eles têm o mais
alto índice de desemprego). Assim, tem-se também uma correlação
muito forte entre o crime e a composição sócio -econômica e racial:
o negro está desproporcionalmente representado na mais baixa
categoria de renda ( BROWN , 1982) .
Ainda há muitas contradições nas conclusões da relação
entre condições sócio - econômicas e criminalidade. Em uma mesma
investigação, 16 concluiu-se que a taxa de crime de uma comunidade
está direta ee altamente relacionada ao desemprego e à proporção
de homens na comunidade. No entanto , a relação entre as taxas
criminais com a porcentagem de jovens e com os anos de
escolaridade mostrou -se média . Isso, segundo o autor, desmistifica
a ideia de que gasto com educação previne criminalidade (educação
não é a panacéia para os problemas sociais ). Porém , se o
desemprego está em função do nível educacional e a relação direta
com o crime é o desemprego (maior em população com baixa
escolaridade), fica evidente a contradição dos resultados dessa
pesquisa.
Uma conclusão possível é de que a taxa de desemprego
está em função do nível de educação e, portanto, as duas variáveis
podem estar altamente relacionadas - não é a educação que se
relaciona com o crime, mas a relação direta é com o desemprego,
que é mais alto entre os menos instruídos. A mesma reflexão pode
ser feita em relação ao grupo étnico : a criminalidade do não
branco pode estar oculta pela variável desemprego .
Porém , análises da relação direta entre taxas de
desemprego e de criminalidade ficam prejudicadas pelo fato de as
conseqüências do desemprego serem sentidas apenas tardiamente,
a partir do momento em que começam a se exaurir os recursos e
as esperanças do desempregado.

16 ALLISON ( 1972) observou a correlação entre índices criminais e fatores econômicos em


Chicago e demais comunidades num raiode quarenta milhas, com população mínima de 25.000
habitantes . Censo de 1960.

43
Sueli Andruccioli Félix

Independente das constatações estatísticas há quase


um consenso entre os sociólogos sobre a relação entre
criminalidade e condições sócio -econômicas precárias. Mesmo não
sendo determinantes, as situações de penúria (carência de
alimentação , emprego , moradia e educação ) a que estão submetidos
grandes contingentes populacionais, fazem aflorar sentimentos de
profunda frustração, que os predispõe a atitudes criminosas -
corrigir os disparates pelo método criminoso .
Com um certo desalento , Guimarães Júnior ( 1980, p.114
apud FELIX , 1996 ) analisou a criminalidade sob a ótica da dinâmica
demográfica, concluindo que o desequilibrio social jamais será
resolvido . Enquanto as bases pobres se proliferam rapidamente e,
por não subirem na escala econômica , estendem -se apenas
horizontalmente na própria pobreza, os segmentos mais nobres
tendem a se disciplinar dentro da concepção de paternidade
responsável . Desse modo,
pode -se projetar que a prole indesejada de hoje será ,
somatoriamente , a paternidade do crime incontrolável de amanhà ,
como também que, inversamente, a prole programada de hoje
contribuirá, porque proporcionalmente muito menor, com maior
número de vítimas, para o acirramento da criminalidade de
amanhà. A prole numerosa ocasiona o menor abandonado, que
produz o criminoso . A criança logo tem que se iniciar na agressiva
luta para sobreviver num mundo adulto e educado demais para
ela. Para obter, encontra duas alternativas: pedir por bem ou exigir
por mal, e esta é mais uma variável acelerante da criminalidade.
Associadas ao crescimento demográfico, estão condições adversas
como: prole abandonada, urbanização excessiva, descompassos
econômicos etc. , poderosos contribuintes do escancaramento das
portas do crime.

3.2 Quem é a vítima e quem é o criminoso ?


As características pessoais de vítimas e criminosos
( idade, raça e classe social) são muito semelhantes, especialmente
em crimes contra a pessoa (homicídio e agressão ) que ocorre
entre os iguais com relacionamento anterior ao fato . No crime
contra o patrimônio , ao contrário , normalmente não existe
relacionamento entre os envolvidos, pois a ação se dá entre
desiguais, especialmente no aspecto econômico . As explicações

44
são de utilidade do crime, já que o de propriedade envolve valores
materiais, que normalmente estão concentrados em vizinhanças
específicas ( alto status sócio -econômico ).
Dados do F.B.I., para 1980, indicaram que a maioria
dos homicídios é intra - racial e ocorre em instâncias de
conhecimento mútuo ( vítima e ofensor):

1. 72 % dos envolvidos em homicídio se relacionavam


anteriormente;
2. 90 % dos homens negros foram assassinados por negros;
3. 87 % dos homens brancos foram assassinados por brancos;
4. Há uma desproporcional participação de negros na
criminalidade em geral: embora os negros constituíssem apenas
12% da população dos EUA ,, 42% das vítimas e 64 % dos
ofensores eram negros .
Em Harries ( 1989, tradução nossa) têm -se informações
adicionais por classes sociais:
1. No grupo de alto status sócio-econômico (SES), os brancos
constituem 86 % das vítimas de homicídio e agressão (assault);
2. No grupo de baixo SES, os negros constituem 70% das vítimas
de homicídio e agressão (assault);
3. Estes indicadores ajudaram CURTIS ( 1975) a desenvolver a
hipótese de Contracultura Negra.
Porém , juntando - se todos estes indicadores, mais uma
vez pode -se especular com a tese da desigualdade social: há mais
vítimas entre brancos de SES alto , simplesmente porque os brancos
são predominantes nessa categoria econômica e o contrário também
pode estar ocorrendo com os de baixo SES , que têm maior número
de negros na sua composição racial.
Para o Brasil, estudos desenvolvidos em saúde pública
(VIOLÊNCIA 1991 ) também corroboram esta tese : em 1991,
72% das pessoas assassinadas na Baixada Fluminense eram negras,
66% não tinham carteira assinada (viviam de biscate) e a grande
maioria tinha apenas instrução primária . Dos 298 menores
assassinados no primeiro semestre de 1993, em São Paulo , 170
(57%) eram negros ou pardos, 96 (32%) eram brancos, 115 (38.6%)
tinham 17 anos e 49 ( 16.4%) tinham menos de 14 anos ( FOLHA
DE SÃO PAULO, 28 jul. 1993 ).
45
Sueli Andruccioli Félix

Em contrapartida , outra pesquisa relatada


anteriormente , para um universo muito aproximado (criminosos
cariocas), desenvolvida por Massena ( 1986 ), traçou um perfil muito
aproximado entre criminosos e vítimas: predominância de brancos,
do sexo masculino, migrantes, solteiros, residentes no mesmo bairro
e empregados no setor terciário . A diferenciação se dá no tipo de
crime: as vítimas de estupro geralmente são mais jovens que os
estupradores e as vítimas de roubo mais velhas e moram em bairros
distantes dos habitados por seus ofensores.
O crescente aumento nos índices de morte por
homicídios , cometidos com armas de fogo , exige uma grande
concentração esforços para o desenvolvimento de ações
interdisciplinares educadoras. Em Saúde Pública, cresce o número
de publicações que contemplam a gravidade do uso indiscriminado
de armas letais, causa -mortis da maior parte dos jovens assassinados
nos EUA (75% por armas de fogo , sendo 81% homens negros e
69% homens brancos ). Isto se confirma para o Brasil: um
levantamento sobre homicídios ocorridos no primeiro semestre
de 1994 mostrou que 82% das mortes foram através de armas de
fogo e, desses casos, 80 % das vítimas eram homens ( FOLHA DE
SÃO PAULO , 13 jul . 1994 ).
No grupo de vítimas entre 15 e 18 anos, 39 % morreram
em conseqüência de disparo de arma de fogo, 26 % , de acidente
de trânsito, 12 % , de arma branca, 11 %, de afogamento. Analisando
especificamente as vítimas de arma de fogo, por idade, o resultado
é assustador: 78% tinham entre 15 e 18 anos, 10 % , entre 12 e 14
anos, 8%, entre 05 e 11 anos e 4%, de 0 a 04 anos (FOLHA DE
SÃO PAULO, 25 nov. 1993 ).
Diante destes dados estatísticos de mortalidade de
jovens por homicídio, especialmente por armas de fogo, espera
se que o poder público desenvolva ações de contenção desta
criminalidade, como a restrição ao porte de arma e a severa
vigilância das fronteiras. Ademais, a morte por homicídio é uma
causa externa. Causas externas são as chamadas mortes evitáveis
e , portanto , passíveis de contenção com políticas públicas
adequadas.

46
DIMENSÃO ESPACIAL
DO CRIME
As percepções, atitudes e aspirações dos seres humanos
variam sensivelmente, conforme as suas posições sócio -econômica
e cultural. O modo como as pessoas lêem o espaço, o sentimento
que desenvolvem e as formas como se organizam determinam
uma geometria sócio -espacial: os espaços dos “ muito ricos e dos
muito pobres, os subúrbios exclusivos e as favelas, os guetos raciais
e de imigrantes” têm fronteiras bem definidas que “sobressaem
nitidamente no mosaico urbano ", isolados por razões sociais,
econômicas e culturais (OLIVEN , 1980 ). Essa percepção , as atitudes
e os valores do meio ambiente são abordados também pela
Geografia Humanística e da Percepção (TUAN, 1980, p. 249).
Os estudos de ecologia urbana , a partir principalmente
da clássica hipótese das Zonas Concêntricas, de Burgess , 17
contribuíram para a compreensão da estrutura espacial das cidades
e a distribuição residencial dos diversos grupos econômicos. Tanto
a percepção quanto a manifestação espacial estão associadas aos
processos de transformações sociais, provocados pela urbanização,
industrialização, migração, crescimento vegetativo etc.
Vários estudos, dentre eles os desenvolvidos por Tuan
( 1980 ), assinalaram esta percepção diferencial em função do status
e de situações específicas. De um modo geral, as pessoas estão
satisfeitas com sua área residencial, especialmente as que vivem
por muito tempo em um mesmo lugar, e onde a familiaridade
engendra aceitação e afeição. É o recém -chegado quem manifesta
mais descontentamento. As pessoas de alta renda normalmente
não demonstram insatisfação, pois do contrário teriam meios de
mudança ou melhoria da qualidade do bairro. As de baixa renda
são menos entusiastas.
Entretanto, independentemente da classe econômica
e da cultura , as pessoas tendem a julgar a qualidade do seu
ambiente muito mais pelo relacionamento com os vizinhos que
pelas condições físicas. Excetuando-se alguns poucos condomínios,
de um modo geral a classe média não sente o seu bairro como
17 A Teoria de Burgess fundamenta -se nas hipótese de que as cidades se organizam naturalmente
em 5 zonas circulares concêntricas, sendo 1 ") LOOP - zona central do comércio; 2") zona de
transição, que circula o centro , decadente, com os " bas- fonds " de crime e prostituição; 3 ) zona
de moradia de operários, de fixação de imigrantes de 2º geração; 4") zona de residências de alta
categoria, e 5") zona de Commuters.
49
Sueli Andruccioli Félix

extensão do lar, mas apenas como um pedaço de terra , cuja


qualidade afetará o valor comercial do seu imóvel . Em
contrapartida, a classe baixa, principalmente a operária, sente o
seu bairro ( com os seus espaços de recreação, os bares e os centros
comunitários) como um segmento de seu lar. A rua também é
percebida como um elemento comum do sentimento de vizinhança .
Porém , a percepção espacial pode inverter-se no tempo
e modificar as funções de certos espaços. Isso ocorreu com os
subúrbios que, no passado, eram vistos como lugares para
indigentes e comércios desagradáveis e, hoje, têm maior prestigio
que o centro decadente da cidade. A própria conotação da
expressão periferia assumiu outra característica , a partir do momento
em que esses espaços passaram a ser ocupados por condomínio
de alto padrão.
A qualidade de um mesmo ambiente também é
percebida contraditoriamente em espaços de tempo muito curtos.
Certos espaços mudam completamente de função no decorrer do
dia e são temidos e evitados, como as regiões centrais das grandes
metrópoles. A Praça da Sé, São Paulo , e o centro de New York são
exemplos dessa contradição: ao anoitecer, tornam-se (tornava-se,
no caso de New York) rapidamente desérticos por seu aspecto
perigoso . Por muito tempo , 18 a parte mais central da cidade de
New York, após as 18h, e após um sinal sonoro qualquer (apito
ou sirene), começava rapidamente a se transformar. As lojas eram
imediatamente fechadas e, num espaço de tempo de pouco mais
de um quarto de hora , era invadida por pessoas furtivas
(principalmente negros e hispânicos ), recobertas por mantas e
com péssima aparência . Agrupavam -se nas esquinas, fumando e
mostrando - se ameaçadoras. Dentre os diversos grupos que
contribuíam para a deterioração ambiental urbana, tinham -se os
famosos moradores de Skid Row (grupos de vagabundos urbanos
que habitam as ruas das grandes metrópoles dos EUA) que, na
ordem de status, ocupam a mais baixa posição na sociedade
ocidental. São, conforme Tuan ( 1980 ), o “ nadir da descida social".

18 Essa era a dinâmica do Centro de New York até o momento em que se realizou a presente
pesquisa ( 1994). Hoje, 2002, a situação se modificou, justamente em função do desenvolvimento
de políticas públicas de contenção da criminalidade.

50
Na aparência física, o Skid Row é inconfundível. Junto ao centro
comercial ou às facilidades de transporte pesado de quase toda
grande cidade, espalha- se um mosaico pardacento de hotéis de
baixa categoria e de casas de cômodo; tavernas, restaurantes
baratos, lojas de segunda mão e de penhor; agências de emprego
oferecendo mão -de- obra não qualificada e missões, oferecendo
salvação e uma refeição gratuita . O seu estilo de vida é tão bizarro
para o cidadão comum, que os maiores Skid Row são uma atração
turística . Alguns os vêem , romanticamente, como uma vida
descuidada; muitos os vêem como a degradação máxima . Há,
entre eles, alcoólatras provenientes de lares desfeitos e até pessoas
com doutorado . A vida de rua é cheia, porém cinzenta. De
madrugada (...) as calçadas começam a se encher de homens. O
arrastar- se de um lado para o outro , pela rua, continua até nove
ou dez horas da noite; daí em diante, gradualmente vai diminuindo.
As calçadas, nos sábados e domingos, ficam cheias de pedestres
e de vadios. O propósito é olhar vitrinas e bater papo [...] escolher
um lugar para comer; ljuntam-se) nas entradas dos hotéis, [...]
encostam-se nas paredes para observar a cena social [...]. Depois
que escurece, a atividade mais popular é assistir televisão [...]
beber nas tavernas ( ...). No tempo frio [...] procuram o calor nas
salas de leitura das bibliotecas e, no desespero, até deixarào que
suas almas sejam salvas, nas missões, por umas poucas horas de
calor e uma refeição grátis. Depois da comida , o problema mais
premente, para um vagabundo, é um lugar para dormir, que pode
ser um compartimento das caldeiras, vagão com fardos de algodão,
escadarias de prédios, caixa de lixo, recinto de pesagem, toalete
de hotel, penny arcades, Igreja, terminal de cargas e outros. ( TUAN ,
1980, p. 257)
Essa descrição ilustra a ambigüidade de sentimentos -
certos grupos e ambientes são num só tempo percebidos
positivamente, ou repudiados pela sua degradação . A percepção
do mundo e os estilos de vida variam , mesmo entre pessoas que
habitam o mesmo espaço .

Outro aspecto relevante a ser considerado nesta análise


é a desorganização social . A forma como as pessoas sentem o
espaço e se organizam pode estar refletindo as suas percepções e
atitudes perante um dos maiores problemas que o habitante urbano
( especialmente o das grandes metrópoles) vem enfrentando : a
criminalidade . A percepção do problema criminal não apenas
modifica seus hábitos, limita os seus movimentos e provoca atitudes
de defesa e preservação , como gera respostas que se refletem na
organização do espaço , no design das residências, na especulação
51
Sueli Andruccioli Félix

imobiliária , no seu estilo de vida etc. , e no desenvolvimento de


estudos ecológicos do crime.

4.1 Ecologia do crime


Análises ecológicas do crime urbano identificaram
espaços típicos de criminalidade e de agrupamento de ofensores,
configurando - os como áreas delinqüentes. Há um impressionante
consenso nas investigações criminais sobre a concentração de
ocorrências nas áreas centrais das cidades e sobre a existência de
uma tipologia criminal/ espacial.Também , que os crimes de
propriedade apresentam uma ampla distribuição suburbana, que
a certeza de compensação do ato faz as áreas de residências mais
ricas sofrerem mais assédio de ofensores para crimes de
propriedade , que a vulnerabilidade do ambiente pode provocar
maior atração e que as áreas menos desenvolvidas têm mais crime
contra pessoa etc.
Algumas explicações para a manifestação diferencial
do crime urbano referem -se ao controle social (formal ou informal).
A carência deste tipo de controle propicia a prática do vandalismo,
como os que ocorrem em estacionamento de carros e em lojas
que ficam sem supervisão em determinados períodos. Carros são
roubados, estripados e abandonados em locais específicos como
terrenos institucionais , lotes vagos e outros locais que também
escapam completamente ao controle social. Outra modalidade de
crime, conseqüente desta falta de controle, é o roubo praticado
em conjuntos urbanos, com pouca circulação de pessoas e com
ruas estreitas e mal iluminadas, por onde as vítimas são obrigadas
a passar e onde a fuga dos ofensores seja facilitada .
Paradoxalmente , a densidade estrutural dos centros
urbanos tem o mesmo efeito : ao dar à vida um caráter anônimo,
desestrutura os mecanismos de controle social informal . Por outro
lado, o adensamento de pessoas produz maior conscientização da
desigualdade social e o crime pode ser o produto da dissociação
entre aspirações e possibilidades reais de realização. Ainda permite
a difusão de informações sobre meios legítimos ( trabalho , por
exemplo ) e ilegítimos de aquisição de bens.

52
A mobilidade espacial da população também é um
processo que atomiza as estruturas e enfraquece a coesão social,
no confronto de valores de culturas diferentes, especialmente para
o migrante de segunda geração . O saldo migratório está
positivamente relacionado ao crime contra a propriedade (o crime
utilitário ), enquanto produto de expectativas frustradas e de
privações sócio-econômicas . De um modo geral, a maioria dos
migrantes possui baixo poder aquisitivo e nível de instrução
precário, consequentemente, alto nível de desemprego e condições
de habitação sofríveis, como favelas e cortiços ( PIRES, 1985) .
Além das características ambientais já citadas (regiões
com população de altos índices de jovens, desempregados,
populações minoritárias etc), outros estudos desenvolvidos nos
EUA (MURRAY; BOAL, 1979) revelaram que o crime violento é
mais freqüente em áreas urbanas caracterizadas por: deterioração
física , baixo nível de educação e habilidade vocacional, alta
proporção de homens sozinhos, lares desfeitos, mães que trabalham
fora de casa , residências superpovoadas e “subestandartizadas" e
uso da terra misto (comercial /residencial). Na Inglaterra, também ,
grande parte das investigações correlaciona as características
estruturais do meio urbano, particularmente dos ambientes pobres
e de população migrante, com os altos índices de crimes violentos.
Contudo, e apesar de exaustivamente proclamada, a
correlação desses " atributos urbanos” das sociedades capitalistas
com a criminalidade não é exclusividade desse contexto socio
polític Na extinta URSS , havia alta incidência criminal ,
especialmente na Sibéria e Extremo Oriente, associada à estrutura
da população, à instabilidade na força de trabalho, às condições
de vida insatisfatórias e ao grande número de internos levados, de
todas as partes do país, a trabalhos corretivos nos campos da
Sibéria (DIENES, 1988 ).

Sobre a estrutura da população, especula -se a alta


criminalidade, a Leste dos Urais, em função da predominância de
uma população mais jovem que a européia e a alta proporção de
homens solteiros. Na Sibéria, como um todo, as pessoas sós
representavam 12,4% da população ( a média da República Russa
era 11,9 % , no Censo de 1979 ) e as condições residenciais eram
deploráveis. Até mesmo nos bem estabelecidos centros, como
53
Sueli Andruccioli Félix

Novosiriski, um terço dos que trabalhavam estavam na cidade há


menos de três anos, 45% de tais migrantes recentes tinham menos
de 25 anos de idade e viviam em dormitórios lotados ( 16% em
acomodações privadas ).
No Norte, a situação era um pouco pior: Surgut, com
quase 230.000 habitantes, dobrou de população em oito anos ( 1980
1987 ), cujos 36 % viviam em dormitórios, e 12,5%, em acomodação
residencial temporária ( balki e vagonchiki). A provisão per capita
de serviço social permanecia abaixo das normas estabelecidas,
especialmente em regiões de rápida imigração. Ao longo da costa
do Pacífico , o grande número de pescadores e marinheiros
aumentou a população masculina solteira, vivendo em
acomodações até mesmo lamentáveis. Dentre os empregados na
indústria pesqueira (210.000 pessoas ), 50.000 não tinham sequer
residência permanente. Tais condições, segundo o autor,
estimularam a instabilidade e, direta ou indiretamente, o crime.
Com isso, os incidentes criminais na Sibéria atingiram quase 40 %
acima da média soviética , representados por desordens (arruaças)
relacionadas ao uso do álcool (apesar de o número de ofensas,
sob esse efeito , declinar 40%, entre 1985 e 87 ), agressão violenta
(violent assault), roubo (robbery) e assassinato ( murder).
Em pequena escala, também se pode identificar um
comportamento criminal dinâmico. As zonas centrais das cidades
(principalmente as norte -americanas ) são consideradas altamente
criminais. As poucas exceções são resultado dos métodos de
investigações e das técnicas de cálculos. São áreas que abrigam a
maior parcela dos criminosos identificados pela polícia , maior
número de delinqüentes e os maiores índices de ocorrências de
todos os tipos de crimes. As taxas diminuem à medida que se
distancia do centro da cidade, amplamente como um reflexo de
oportunidades (furto em lojas, por exemplo ), e de circunstâncias
de encorajamento a certos tipos de crimes - é o caso de crimes
contra pessoa (agressão, por exemplo ) que estão freqüentemente
associados ao consumo de álcool e, portanto , têm alta incidência
no centro da cidade, onde há grande concentração de espaços de
entretenimento , atividades relativas ao sexo, jogos de azar etc.
Análises espaciais de Bordeaux ( França ) definiram os
mesmos parâmetros criminais de inúmeros espaços urbanizados:
54
densidade de população no centro, concentração dos comerciantes
e dos compradores em alguns pontos específicos da cidade, a
influência das grandes vias de comunicação, as formas de
deslocamentos individuais - já que o carro e seu conteúdo
constituem os principais objetivos de ataques etc. Mapeamentos
põem em destaque maior criminalidade no centro da cidade e em
comunidades vizinhas que nas regiões periféricas, já que
determinados delitos são verdadeiramente característicos da região
central de aglomeração, como roubo com violência ( que vão de
roubos de carteiras a automóveis ), prostituição e seus derivativos
criminais como o lenocínio, as atividades relativas ao uso de drogas,
fraudes econômicas etc (CHARIÈ, 1989).
Os roubos com violência são mais característicos de
regiões centrais, pois se favorecem da aglomeração, que tanto
facilita a apreensão do objeto quanto a fuga dos autores, os
trombadinhas. É onde se encontram as chamadas ruas perigosas,
espaço assimilado , consciente ou inconscientemente, como de alto
risco, que provocam sensação de medo e insegurança e que tendem
a não apenas restringir a mobilidade das pessoas, como contribuem
para a introspecção e redução de suas atividades sociais .
O grau de deterioração das estruturas físicas também
é um indicador de vulnerabilidade ambiental dos centros urbanos
(STAHURA; HUFF; SMITH, 1980 ). Considera -se que, por serem
áreas mais velhas, as oportunidades de crimes são mais freqüentes,
pois:
os edifícios e casas mais velhas são menos seguros que os
mais novos ;
a ausência de residências adequadas e / ou serviços pode
aumentar a probabilidade de apropriação ilegítima;
há ausência de locais recreativos, por meio dos quais os
indivíduos possam desabafar suas frustrações.
Para os adeptos da seletividade suburbana ,20 as
características sócio -econômicas, étnicas e raciais de um espaço

19 Originalmente , definia -se trombadinha o autor de roubo que abordava os transeuntes através
do contato físico abrutalhado, embora a ação furtiva de retirada de objetos de carteiras, bolsas e
bolsos de roupas recebam, popularmente, a mesma conotação.
20 Dentre eles estão: DUNCAN; DUNCAN, FARLEY, TAUBER ; TAUBER .

55
Sueli Andruccioli Félix

persistirão, apesar do crescimento da população , por dois motivos:


áreas específicas tendem aa atrair migrantes com características
semelhantes à população residente;
2 . as qualidades físicas de uma área (tipos e volumes de
oportunidades de emprego e moradia ) tendem a selecionar
e /ou substituir a população da área.
Chegaram a essas conclusões observando , dentre
outras situações, que os migrantes do centro da cidade para os
novos subúrbios eram, em média , mais jovens, brancos e de melhor
status econômico que os restantes. Por outro lado, a população
que permaneceu no centro possuía características propícias à
criminalidade: mais velhas (neste caso , vítimas), nào brancas e de
baixa renda.
Esta seletividade da população parece óbvia ,
considerando - se que as condições externas são mais importantes
e marcantes que as características pessoais da população. Condições
de emprego , facilidades de transporte, de educação para si e para
os filhos, condições financeiras para aquisição de imóvel residencial
etc. , são fortes referenciais de permanência /mudança espacial.
É inegável que a qualidade do ambiente reflete as
características de seus habitantes e, por extensão, as manifestações
criminais. Os espaços urbanos de alto nível sócio -econômico , com
residências bastante valorizadas e com uma população de alta
enda, terão mais assédio para crimes de propriedade e, do contrário
e obviamente, espaços desprovidos de bens materiais, pouco
interesse despertam para esse tipo de crime. Com isso , tem -se um
comportamento criminal bem característico: bairros de classe alta,
crimes contra a propriedade. Bairros de classe baixa , crimes
violentos.
Os estudiosos de ecologia urbana inseriram , também ,
em suas análises da dinâmica criminal, a relação tipologia criminal/
espaço de ação . Desse modo, surgiram algumas teorias, por vezes
contraditórias, da relação entre dinâmica criminal e distância: alguns
afirmam que o autor de roubos / furtos raramente ultrapassa seus
limites (bairro ) para espaços de população diferente do seu meio,
por ser facilmente detectado como estranho . Outros afirmam

56
exatamente o contrário - a ação se faz em vizinhanças diferentes
por redução do risco de ser reconhecido.
Entretanto , há uma terceira investigação realizada em
Chicago ( BROWN , 1982 ), muito interessante : os crimes cometidos
por negros, adolescentes e criminosos não -profissionais ( geralmente
desarmados aconteceram mais próximos da sua residência , se
comparados com os de brancos, adultos e profissionais ( geralmente
armados). Corroborando esta investigação, Capone; Nichols ( 1975)
afirmaram que os roubos com armas de fogo requerem maior
planejamento, pesquisa mais elaborada , um comportamento de
decision -making e ocorrem mais longe que os cometidos apenas
com a força do ofensor, ou são resultado de ação mais espontânea.
Portanto , a distância média percorrida pelo ofensor varia conforme
o tipo de crime e ambiente e está diretamente relacionada ao
valor esperado do produto do roubo.
Ao montar um quadro de relação entre delinqüentes
por zonas de residência e zonas de infrações, para o Rio de Janeiro
( 1964-1971 ), Coelho ( 1978) percebeu que a distribuição percentual
dos delinqüentes reflete exatamente o ordenamento dessas regiões,
segundo a magnitude de suas populações: as mais populosas
contribuem com percentuais mais altos de delinqüentes e
delinqüências, o que significa que há uma tendência em se
cometerem infrações na própria área onde residem ou em suas
imediações. O artigo não esclarece se as zonas centrais de negócios
foram excluídas da análise, já que a maioria dos estudos
criminológicos informa que onde os ofensores residem . não é
provavelmente o local onde cometem os crimes. Isto , com base
na relação entre índices de ocorrência e residência : os distritos
centrais de negócios exibem as maiores taxas de ocorrência (e os
maiores alvos como: mercadorias expostas, carros estacionados,
pessoas nas ruas, dinheiro em circulação etc. ) e as menores taxas
de residentes.

Embora muitos crimes ocorram em áreas centrais, a


validade das taxas é questionável em relação ao número potencial
de alvos ou oportunidades ambientais para o crime. Quando se
medem corretamente , as taxas indicam o grau de vulnerabilidade
de pessoas e propriedades. Evidentemente , há mais roubos de
57
Sueli Andruccioli Félix

carros, onde há maior quantidade de estacionamentos. Mais roubos


por ação de trombadinhas, onde há um maior número de pedestres
em circulação e assim por diante. As taxas de estupro têm que ser
computadas em relação ao número de mulheres, o arrombamento
residencial deve ser calculado em relação ao número de residências
ocupadas etc.
Qualquer análise da dinâmica criminal requer
profundas reflexões sobre as técnicas de investigação utilizadas.
As regiões centrais são, inegavelmente, espaços de muitos conflitos
e de ocorrências de ambas as modalidades criminais: contra o
patrimônio e contra a pessoa . A graduação crescente da
criminalidade violenta do centro para a periferia urbana pode ser
irreal e estar apontando em uma direção totalmente oposta - taxas
super ou subestimadas. É o que ocorre no Rio de Janeiro, conforme
as reflexões de Massena ( 1986 ): na periferia a criminalidade violenta
pode estar superestimada devido à "desova " de cadáveres, do
mesmo modo que as altas taxas de roubos, no centro, podem
estar inflacionadas, já que o cálculo é sobre a população residente
(bem menor que a sujeita a riscos - mercado de trabalho ).
Outro aspecto que merece atenção, quando se quer
fazer um estudo sério, está relacionado à qualificação do desvio .
Nem sempre uma região considerada altamente criminógena o é,
mas pode ser resultado da atuação dos órgãos de segurança ou da
propensão que as pessoas têm em denunciar - o que varia conforme
sua classe sócio -econômica .
A estabilidade residencial e o relacionamento entre
vizinhos também podem incidir na redução das taxas, através da
vigilância solidária . Talvez seja por esse motivo que os espaços
ocupados por proprietários dos imóveis exibam as menores taxas
- tanto há mais interesse na manutenção da lei e da ordem como
são pessoas tratadas com mais atenção pelos órgãos de segurança.
Por outro lado , as estruturas comuns de habitação
(condomínios) tanto inibem a atividade criminalpelo fator vigilância
solidária das propriedades, como, atualmente e nos ambientes
mais abastados, têm incentivado uma outra modalidade: o roubo
coletivo. Por ser mais difícil o acesso , há necessidade de um
planejamento melhor e, portanto , o resultado da ação (produto)
58
deverá compensar o investimento . Além disso , por serem ações
mais elaboradas, tornam - se mais difíceis de serem solucionadas e
os ladrões, detidos.
Embora as barreiras físicas não impeçam o crime,
dificultam -no. Investigações das características físicas ambientais
apontaram o tipo de rua, o uso que se faz da terra e a vigilância
pessoal como fatores intervenientes nas ocorrências.
Tipos de ruas: baixas taxas de crime relacionam -se com ruas
menores, de mão dupla ou de duas pistas. Altas taxas
relacionam -se com ruas maiores - maior "movimento gerador",
Gardiner ( 1978 apud FELIX , 1996 );
uso da terra : m ::iores taxas relacionam -se à maior proporção
de uso de terra não residencial ( comercial);
vigilância informal – freqüentemente considerada uma das
mais importantes ações intervenientes e que se altera por: 1 )
extensão do recuo das construções, 2) iluminação das ruas, 3)
obstrução visual (cercas, paredes, barreiras altas, densas
florestas etc. ) (GREENBERG ; ROHE, 1984 , tradução e grifo
nosso ).
A percepção da criminalidade, até mais que a
ocorrência em si , tem alimentado a indústria da segurança e gerado
espaços característicos. Temos bairros que são verdadeiras
fortalezas : condomínios fechados com guaritas e guardas de
segurança , circuito interno de televisão, cercados por muros
altíssimos etc. O marketing imobiliário proclama como bem-estar
não apenas o conforto material, mas, e principalmente, a segurança .
Com isso, tanto o crime tem se tornado uma atividade
mais planejada e, portanto, mais difícil de ser contida, como tem
gerado outras modalidades. No sequestro, por exemplo , as
dificuldades de acesso à vítima têm provocado ações cada vez
mais violentas. Atualmente , há um novo tipo de seqüestro, onde a
vítima deixou de ser uma pessoa de classe sócio - econômica alta
para ser, simplesmente, um objeto - o automóvel. Depois de furtado,
21 A expressão "vítima" para o automóvel apreendido é utilizada pelos agentes da Divisão de
Roubos e Furtos de Veículos Automotores da Polícia Civil , segundo a Folha de São Paulo ,
edição. 13 fev. 1995, Cotidiano, p.3 .

59
Sueli Andruccioli Felix

o ladrão entra em contato com o proprietário para acertar o resgate,


cujo valor gira em torno do que seria conseguido na sua venda a
um ferro -velho, acrescido do valor cobrado para regularizar a
documentação .
Esta dinâmica da etiologia criminal confirma a
necessidade de teorias mais abrangentes, através de estudos
interdisciplinares (psicológicos, sociológicos , antropológicos etc. ).
As definições de regras e leis que identifiquem os desviantes
parecerão insuficientes, se não se investigarem profundamente o
social , as forças políticas e econômicas, nos seus mais diversos
níveis de análise, complementados pelos processos espaciais. Um
estudo do crime e delinqüência precisa estar inserido num
determinado contexto , de modo que a qualificação do desvio seja
analisada em relação à sua posição sócio -espacial e temporal.
Apesar de os delitos estarem mudando e as facilidades
dos meios de comunicação estarem amenizando as diferenças
socioculturais , ainda há uma tipologia criminal/ espacial
característica . Há os espaços vulneráveis, os mais atraentes para
determinados delitos, mas há, especialmente , uma manifestação
delitiva correlacionada às condições socioculturais e econômicas.
O nível de urbanização também é considerado fator condicionante
dessa tipologia .
Apesar de o crime contra o patrimônio ser mais
freqüente nos espaços urbanos, em seu interior há variações
condicionadas ao grau de urbanismo e ao nível de contato com
áreas metropolitanas. Nesse contexto encontram - se as cidades
menores que , caracteristicamente , deveriam exibir pouca
criminalidade, mas que têm uma dinâmica criminal similar às
metrópoles mais próximas, fisicamente . Estudos desenvolvidos nos
EUA (HARRIES, 1972 apud FELIX , 1996) comprovaram a
predominância de homicídios nos Estados do Sul e de crimes
contra a propriedade nos Estados do Norte e nos Ocidentais
altamente metropolitanos, como o Estado de New York . Em
contrapartida, encontraram menores taxas de crime contra
propriedade nos Estados que têm menor contato com áreas
metropolitanas.

60
Os distúrbios populacionais nos Estados do Sul ,
representados especialmente pelas altas taxas de crimes violentos
(contra a pessoa ), sempre provocaram especulações relativas às
reações de subcultura dos negros, conseqüente da combinação
de fatores econômicos e socioculturais. Existem várias teorias
interpretativas desse comportamento violentos, como as citadas e
investigadas por Miller e Harries:
• certas áreas ou certos grupos desenvolvem uma subcultura que
rejeita a cultura majoritária e seu valor. Isso encoraja o uso de
violência como uma legítima forma de comportamento. Membros
de gangues brigam para assegurar e defender sua honra como
macho, a reputação de sua área local e a honra de suas mulheres.
Os componentes de grupos étnicos minoritários ou de alguma
subclasse são alienados da sociedade, sentem impotência e
hostilidade, o que aumenta a probabilidade de violência
(MILLER, 1966 ) ;
• a violência nos Estados do Sul ( EUA ) é um modo de vida
hereditário, uma manifestação cultural que incorporou o
sentimento de inferioridade (Hacney, 1969 ), relaciona-se a um
sentimento de honra exagerado (Gastill, 1971).É maior entre os
jovens, pobres e negros, conseqüente da interação entre
determinantes estruturais (marginalidade econômica e racismo ),
de estímulos externos e da ênfase a comportamentos de bravura
e resistência fisica. (CURTIS, 1975 apud HARRIES, 1985)
Algumas dessas teorias também se mostraram válidas
para a sociedade oriental . Dutt e Venugopal ( 1983, tradução e
grifo nosso ) estudaram a tipologia criminal das cidades indianas
com mais de 100.000 habitantes, através de três fatores de análise :
1 ) crimes de'subcultura':são todos violentos e menos sofisticados,
possivelmente de áreas com longa tradição na história da violência
e têm no estupro , assassinato , sequestro e roubo os seus maiores
componentes. Burglary (arrombamento ), dacoity*22 (roubo com
violência cometido por uma gang) e homicídio são contribuintes
secundários;
2) crimes econômicos: são principalmente trapaças, abuso de
confiança e roubo, geralmente cometidos com a intenção de tirar
vantagem da ignorância e /ou da necessidade dos outros;

22 A palavra Dakoit foi incorporada na língua inglesa como dacoity nos idos do século XIX . A
sua definição foi retirada de Short Oxford English Dictionary, in: Dutt e Venugopal ( 1983,
p.223 ) .

61
Sueli Andruccioli Félix

3) crimes de grupo: são as desordens (arruaças), " dacoity ",


arrombamentos e falsificações. Roubos e assassinatos são
secundários. Muitos dos crimes são cometidos por gangues.
Desse modo, burglary (arrombamento ) é um crime
mais característico de cidade pequena. Crimes econômicos (roubo,
falsificação, trapaça e abuso de confiança ) têm mais alta ocorrência
percapita nas grandes cidades, assim como desordens e seqüestros.
Assassinato e dacoity são mais rurais.
Esse comportamento criminal - associação maior de
crimes contra a pessoa com as áreas rurais e dos crimes contra a
propriedade , com o meio urbano - vem sendo amplamente
confirmado pela literatura criminal, se forem excetuadas as chacinas
freqüentemente ocorridas nas periferias das principais cidades
brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro . Historicamente , além
das áreas rurais superarem as metropolitanas, com relação às taxas
de homicídio doloso por habitante, ainda superam as demais áreas
urbanas em estupro , tentativas de homicídio e lesões corporais
graves. Em 1972, Edmundo Coelho, através dos relatórios anuais
do Sistema Penitenciário da ex -Guanabara , fez um estudo ecológico
do crime e percebeu que enquanto as áreas rurais ( ou menos
urbanizadas ) tinham a tendência em não se associarem aos crimes
contra a propriedade , os centros urbanos maiores não se
associavam aos crimes contra a pessoa. Confirmou , também , a
forte relação entre centros urbanos maiores e altas taxas de crimes
e que as regiões mais periféricas são as que mais contribuem ,
proporcionalmente , para a composição da massa presidiária.
Portugal também exibe a mesma dinâmica : os crimes
contra o patrimônio são os que mais se relacionam ao grau de
urbanização ( percentual de população residente em centros
urbanos ), rendimento coletável do imposto complementar por
habitante, percentual de ativos no setor terciário e, em contrapartida ,
opõem -se ao percentual de ativos no setor primário (FONSECA ,
1984 ).
Portanto , o que se percebe na literatura da
criminalidade é que há um continuum causa - efeito :
industrialização -urbanização -tentação -crime, e que há crimes
específicos de áreas rurais e urbanas. Esta causalidade é interpretada
como resultado de relações humanas segmentalizadas que
62
enfraquecem a sanidade moral e intensificam o sentimento de
instabilidade e insegurança . As condições de vida urbana, onde o
controle social é mais relaxado, tendem a quebrar as estruturas
sociais mais rígidas, e os cidadãos rendem -se mais facilmente a
tentações ilegais, que seus contrapartes rurais .

4.2 Urbanização, exclusão e criminalidade


As análises convencionais que associam urbanização /
exclusão / criminalidade estão baseadas, principalmente, nas teses
de Wirth ( 1970), que enfatizam a impessoalidade das relações
urbanas, o afrouxamento dos mecanismos de controle social
informal, devido principalmente ao anonimato (o contrário ocorre
na zona rural), o grande número de pessoas sós, a fraca vida
familiar etc. Estas e tantas outras manifestações de anomia
individual estariam levando à desorganização pessoal, às atitudes
violentas e à prática de crimes.
Corroborando a tese de Wirth , baseado no corpo de
proposições sociológicas clássicas, referentes a conceitos
consagrados como " anomia ", "privação relativa ", " frustração
agressão ", dentre outros, Antonio Luiz Paixão representou
graficamente (Figura 1 ) o processo evolutivo da violência e da
criminalidade desde o momento da grande concentração
populacional no meio urbano em conseqüência da industrialização .
A lógica do diagrama está em não radicalizar o processo
de desvio social , violência e criminalidade ao estado de pobreza e
não transmitir a famosa relação única e inequívoca entre sintomas
de desorganização social e situação de miséria . A relação existe,
mas não é absoluta . Por outro lado , em conformidade com o
conceito de " privação relativa ”, fica demonstrado que a exposição
ao urbanismo (independentemente da classe social), adicionada a
altos índices de aspiração , também expõe o indivíduo a processos
desviantes e delitivos. Porém , conforme argumentou Coelho ( 1978,
p . 152 ),
se essas características da vida urbana afetam indistintamente
indivíduos de qualquer classe sócio - econômica, as taxas de
criminalidade deveriam ser aproximadamente iguais em todas elas.
Isto é, todas as classes deveriam contribuir para a criminalidade,
63
Sueli Andruccioli Félix

na proporção (aproximada de seus contingentes individuais. É


aí que entra a atuação das agências de controle social .

INDUSTRIALIZAÇÃO

URBANIZAÇÃO

POBREZA DESORGANIZAÇÃO EXPOSIÇÃO AO


URBANISMO

FRUSTRAÇÃO CONTROLE SOCIAL ALTOS NÍVEIS DE


OPRESSÃO ASPIRAÇÃO
MISÉRIA

DESVIO SOCIAL +

CRIMINALIDADE
VIOLÊNCIA

FIGURA 1 - Relação entre urbanização e criminalidade


FONTE: PAIXÃO ( 1983).

Essa linha teórica acabou postulando a elaboração de


uma subcultura , conseqüente do sistema urbano, geradora da
criminalidade . É o caso dos estudos de ecologia urbana, que
identificam espaços criminosos para onde convergem a
marginalidade e a criminalidade. Ainda para Coelho ( 1978, p. 152 ),
essas teorias terminam por não serem teorias sobre a criminalidade
urbana, mas teorias sobre a criminalidade do marginal urbano via
postulação de uma subcultura marginal. Não é a pobreza em si
que gera a criminalidade (pois, afinal de contas, as áreas rurais
são mais pobres), mas a densidade da pobreza ao permitir a
elaboração da subcultura marginal.
No contexto dos valores demográficos e sua relação
com a criminalidade, Sirgado ( 1978) percebeu que, embora não
haja uma correspondência direta , o alto índice de crescimento
demográfico tende a agravar as condições de vida, especialmente
dos habitantes de países mais pobres, à medida em que agrava o
problema endêmico da fome, da habitação , da saúde, da educação
e de outros aspectos do subdesenvolvimento . A explosão
demográfica vem alargar a base da pirâmide sócio -econômica ,

64
constituída essencialmente pela massa marginalizada , sem
condições mínimas de existência humana. Cria um excesso
populacional que não pode integrar o circuito dinâmico da
produção - consumo e provoca uma superconcentração de renda,
ampliando o fosso que separa as classes sociais.
Todavia, não se pode responsabilizar o significativo
crescimento demográfico pelos graves problemas sociais urbanos
e nem , tampouco, pela criminalidade. As origens estão nas
estruturas sociais e econômicas excludentes, que provocam intensa
mobilidade e concentração espacial , fazendo da cidade o centro
de convergência da problemática nacional .
Também não é prudente responsabilizar os excluídos,
social e economicamente , como querem algumas teorias
sociológicas (subcultura da violência, associação diferencial etc.),
especialmente quando se estuda a tipologia criminal mais
característica de grandes centros urbanos. Há uma criminalidade
organizada em moldes empresariais, como o tráfico de drogas, o
seqüestro e a prostituição , que em nada caracterizam condições
de privação sócio -econômica ( apesar de utilizarem os excluídos
socialmente para cargos mais baixos dentro da organização ). Do
mesmo modo, as gangues contrariam o mito da marginalidade,
como conseqüência de condições econômicas.
A epidemiologia criminal sugere, além de um aumento
exagerado nos índices de crimes praticados nos centros urbanos
maiores, uma alteração nos padrões convencionais. Nas grandes
cidades, as redes organizadas de criminosos abrangem todo ato
ilícito . Os ladrões isolados estão se tornando cada vez mais raros,
mesmo para roubos de carteiras, roubos residenciais etc. Se o
resultado financeiro é vultoso , surgem tipos clássicos e mais
evoluídos de organização, como nos seqüestros, assaltos a bancos
e condomínios, tráfico de drogas etc.

4.3 . Criminalidade rural

Apesar de ainda existirem diferenças nas formas


delitivas do meio rural e urbano, elas tendem a desaparecer em
função da proximidade dos ambientes, da educação, do transporte
65
Sueli Andruccioli Félix
e da comunicação , que estão contribuindo para uniformizar valores
e condutas. Historicamente , a violência na cidade sempre foi mais
refinada, sutil e intelectual (no sentido de ser mais elaborada, o
que não a torna mais bonita ou menos estúpida e sanguinária ).
No campo ou em regiões menos desenvolvidas, por ser mais
espontânea , sempre foi mais violenta ( no sentido da maior
incidência de crimes contra a pessoa, como agressão e homicídio ).
Ainda hoje , enquanto naquela as maiores investidas são contra a
propriedade , neste predominam os crimes passionais e os de
credulidade (para enganar incautos) .
Essa vocação do meio urbano para crimes patrimoniais
é tão evidente e consensual que a constatação de quaisquer vieses
provoca elaboradas investigações nas estruturas sociais . A região
Norte da Itália, por exemplo, apesar de ser mais industrializada
que o Sul , exibia altas taxas de crime passional , segundo
informações de Castro ( 1983). Esse comportamento criminal que
parecia não coadunar com a cultura do meio , onde as pessoas são
mais modernas, encontrou sustentação em teorias da migração ,
através do confronto de valores. Eram cometidos por imigrantes
do Sul , que haviam se mudado para o Norte em busca de empregos
nas fábricas e, não aceitando os costumes liberais dos nortistas,
tomavam para si a responsabilidade de proteção das mulheres da
família .
A ruralidade é um fenômeno multi-dimensional e com
ima forma de organização comunitária incompleta e fragmentada
- devido aos problemas de dispersão espacial. Contudo, essa
fragmentação tem menos efeito negativo, comparado ao urbano .
Na área rural, o individualismo é reduzido, a identificação do grupo
é fortalecida e o potencial de violência é diminuído (KOWALSKI;
DUFFIELD , 1990 ) .
Confirma-se parcialmente a teoria durkheimiana ( 1933),
de que áreas menos desenvolvidas facilitam mais os vínculos sociais
e que o desenvolvimento social, acompanhado de atributos como
urbanização , industrialização e individualismo, está associado ao
aumento da atividade criminal, devido à quebra na coesão social.
É o que ocorre quando o habitante urbano não está efetivamente
integrado na comunidade . Liberado do controle social informal

66
em seu comportamento , enquanto ao mesmo tempo ele perde
algum compromisso firme de valores comunitários, é facilmente
atraído pela promessa de ganho rápido e seduzido pela tentação
do vício .

Algumas áreas rurais do Terceiro Mundo são


caracterizadas por notável desigualdade, mas o contraste entre o
rico e o pobre é mais evidente nas cidades - e esta parece ser a
grande propulsora da criminalidade: a desigualdade social. Esta
análise relativiza as teses de desorganização social que imputavam
aos migrantes rurais a responsabilidade pelos desajustes sociais
urbanos. As reações humanas diante da desigualdade social não
são privilégio do migrante rural-urbano, mas de todos os que olham
além de seus grupos de status, experimentam depressão relativa
e, com oportunidades limitadas de ascensão, vêem no crime a
única via de realização de suas aspirações.
Além disso , o migrante rural recente reage de forma
diferente às mesmas tensões citadinas, conforme o Projeto Harvard23
Programa de análise do nível de stress, em homens de 18-32
anos, na Argentina, India, Nigéria e Paquistão - (Aspectos do
Desenvolvimento Social e Cultural ). Pelo programa, foram os
nativos ou residentes urbanos de longo tempo que apresentaram
mais sintomas psicossomáticos ( dificuldade para dormir,
nervosismo, dor de cabeça ou sonhos assustadores ), que podem
levar à doença mental e ao crime.
Dentre as peculiaridades encontradas na criminalidade
rural, que a diferenciam da urbana, está a utilização de armas
brancas ( faca, facões, enxadas, foices etc.). Na Argélia , por exemplo ,
essas armas são usadas para mutilações, especialmente quando o
crime é praticado por vingança, já que a mulher é considerada um
ser inferior. Portanto , decepar o órgão genital do homem é
" degradá-lo ” à condição de mulher. Na África, a delinqüência rural
manifesta -se predominantemente através da magia, tanto para
enganar (através da credulidade ), como para provocar lesões e
mortes (CASTRO , 1983 ).

23 Ver GILBERT; GUGLER , 1982 .

67
Sueli Andruccioli Félix

Mesmo com as transformações do mundo moderno e


a introdução de novas tecnologias no campo , a criminalidade rural
ainda se caracteriza por relações interpessoais o que gera mais
delitos pessoais que patrimoniais. Algumas teorias consideram a
pouca incidência dos crimes contra a propriedade ao fato de o
habitante rural ter ao menos sua sobrevivência garantida - isso se
considerarmos a utilidade do crime contra a propriedade como
querem muitos estudiosos. Além do homicídio e da agressão ( lesão
corporal), o suicídio é outra modalidade de morte muito constante
entre os rurícolas e que, se adotarmos a teoria de agressão contra
si, estaríamos endossando a tese da sua passionalidade.

4.4 A geografia do suicídio


Etimologicamente , suicídio significa homicídio de si
próprio, do latim sui caedere . O termo foi utilizado pela primeira
vez por Desfontaines , em sua obra Observations sur les écrits
modernes, em 1737 (CHESNAIS, 1977 apud FELIX, 1996 ). Porém ,
as principais investigações sobre o suicídio advêm do clássico
estudo de Durkheim ( Suicide, 1897/1951) e são desenvolvidas
principalmente por psiquiátras, psicólogos , sociólogos,
epidemiologistas e demais profissionais da saúde pública.
Alguns estudos na área de saúde pública estabeleceram
comparações entre padrões de mortes por suicídio /homicídio /
acidente de veículos, baseados em teorias que afirmam serem
mortes que refletem tendências de autodestruição ( to be in the
wrong place at the wrong time). Agressão ou direção perigosa são
ações características de pessoas similares com tendências suicidas
e /ou homicidas, conforme Portefield (1960 ).
A teoria da autodestruição alcança também as vítimas
de assalto ( roubo com violência) e sequestro, responsabilizadas
pela inconsciente atração aos criminosos por não se prevenirem
de forma conveniente. Antropólogos da Universidade Federal de
Minas Gerais interpretam essa conivência entre vítima e criminoso
como fruto da necessidade de rompimento com o Estado opressor.
Apesar do estado de desordem , a censura da sociedade não lhe
permite ser autor do crime, mas é condescendente com sua situação

68
de vítima24 Desse modo, a vítima facilita a ação dos criminosos:
75 % das vítimas entrevistadas afirmaram que não tomariam medidas
mínimas de segurança para evitar novo ataque. Por outro lado, há
também muita simpatia das vítimas em relação aos criminosos :
87,5% daquelas não acham que os criminosos estejam sempre
errados.25
As teorias freudianas enfatizam o papel do
determinismo psiquiátrico no comportamento humano . Com dados
clínicos , sugerem que suicídio e homicídio também são ,
inconscientemente, precipitados pela vítima como resultado de
frustrações. Quando a agressão é exteriorizada, ocorre o homicídio
e, quando interiorizada ou refletida em si mesmo, o suicídio ,
Com adaptações, Brenner ( 1979 apud HOLINGER ;
KLEMEN, 1982 ) seguiu a mesma teoria, correlacionando taxa de
mortalidade nacional com ciclos econômicos. Nesta base,
demonstrou que os indicadores de instabilidade econômica e
insegurança, tal como desemprego , foram associados no tempo
com altas taxas de mortalidade, a partir do seguinte esquema:
a falta de segurança econômica é estressante, quebra a estrutura
familiar e social e hábitos danosos à saúde são adotados. O efeito
pode manifestar-se como um evento psicopatológico (suicídio e
homicídio ) ou , lentamente , depois de poucos anos, como uma
doença crônica ( como câncer ou doença cardiaca ). Assim ,
tendências autodestrutivas podem ser a base de todas as formas
de mortes violentas.
Gabennesch ( 1988 , tradução nossa ) agrupou três tipos
de variáveis que influenciariam o suicídio:
1 ) são condições ou eventos que induzem à miséria psicológica e
fazem a perspectiva de morte parecer mais fácil de aguentar que
a perspectiva de vida . Exemplo: falências e fracassos na
'performance' de papéis importantes ( ocupacional) ou de relações
estimadas, dor física ou doença e uma redução aguda na
responsabilidade social;
2) são variáveis durkheimianas, representadas por vínculos sociais
e ideológicos de vida, que sustentam o indivíduo contra forças

24 Este comportamento foi definido na chamada Síndrome de Estocolmo.


25 Pesquisa coordenada pelo antropólogo Welber da Silva Braga, publicada pela Folha de São
Paulo , nº 22.521 , 30 nov. 1990. Caderno Cotidiano, p. 5 .
69
Sueli Andruccioli Félix
negativas que potencialmente podem fazer a vida parecer mais
difícil que a morte. Exemplo: casamentos, lares estáveis,
associações em grupos coesos, sentido de comunidade e
compromissos e obrigações a normas e valores coletivos ( exemplos
religiosos );
3 ) as que induzem o suicida indiretamente e não envolvem
mudanças nas duas categorias anteriores. Exemplo de precipitação
incluem álcool e drogas, o efeito de imitação, aparentemente , no
trabalho, quando um suicida estimula o outro e o efeito de broken
promise' , que poderia ser traduzido como efeito de expectativas
frustradas '.
Não existe uma teoria específica sobre o suicídio . Na
maioria das vezes é cometido por um indivíduo desesperado que
quer chamar a atenção, pedir socorro e reivindicar carinho , e, por
mais paradoxal que pareça, não quer morrer. O suicídio é
provocado por
circunstâncias estritamente pessoais, o que explica o fato de, entre
duas pessoas que passaram pela mesma experiência , uma tenta
se matar e outra , não. São, enfim , histórias de fracassos. As pessoas
tentam se matar porque não arrumaram trabalho ou porque não
conseguiram consertar o casamento . (ANGERANI, 1993 )
O Ministério da Justiça, a partir de um levantamento
em cerca de 8.000 delegacias de polícia no País, concluiu que a
doença é a principal razão para o suicídio ( 18,2%), seguida pela
desilusão amorosa (9,1 %) , alcoolismo ( 5,5%) e dificuldades
financeiras (4,5%). O método mais utilizado é o enforcamento
(33,7%).
Os padrões suicidas sugerem vulnerabilidade aos
efeitos das conjunturas sociais por determinados grupos sócio
demográficos numa situação geográfica específica . Portanto, além
das investigações comumente desenvolvidas, especulam -se os
padrões sazonais, incluindo ainda os seguintes fatores elencados
por Warren ( 1983 ): interação social (Durkheim , Spaulding e Simon ,
1951 ) , depressão ( ZUNG ; GREEN, 1974 ), clima (Durkheim ) e
cerimônias e rituais (PHILLIPS; FELDMAN , 1973 ) .
As investigações sobre o suicídio contemplam , desde
muito tempo , as variáveis sócio -demográficas e sócio -espaciais,
mas apenas recentemente a Geografia inseriu tais reflexões em
suas preocupações. Influências ideológicas, ditadas pela Igreja,
70
foram percebidas por Freitas (1984 ) ao desenvolver a Geografia
do Suicídio em Portugal. Constatou uma “ sobre -suicidade" na parte
Sul do país, com índices de três a cinco vezes maiores que no
Norte, numa provável dissimulação regional das ocorrências. Parece
que a presença da Igreja Católica, no Norte , impregna
ideologicamente o tecido social e tanto pode estar contribuindo
para melhorar os padrões de socialização , ocasionando uma
conseqüente redução no risco de se cometer o fato , ou estar
simplesmente provocando a subestimação nos registros ao impor
sanções aos suicidas: recusa de sepultura católica, por exemplo.
Também há mais suicídios entre os habitantes da zona
rural. Nesse mesmo estudo de Portugal , o suicídio apareceu como
o crime mais presente entre os agricultores ( 17,3%), exibindo um
número duas vezes superior ao segundo grupo suicida, constituído
por comerciantes e vendedores (8,8 % ) e operários e trabalhadores
não-agrícolas (8,4 % ). A confirmação para o Brasil vem de uma
pesquisa nacional, feita pelo Ministério da Justiça, na qual o
trabalhador rural ocupa o primeiro lugar ( 21,8 % ), sendo seguido
por trabalhadores do setor de serviços (8,5 % ) e comerciários (5,8 % )
( FOLHA DE SÃO PAULO , 19 set . 1993 ).
Sobre as características demográficas, as taxas são
maiores entre homens idosos, agricultores (constatado
especialmente no estudo em Portugal) e viúvos. Entre as mulheres,
há mais tentativas do que mortes e ocorrem mais entre as recém
descasadas e viúvas. As taxas são menores entre as solteiras e
divorciadas. Dados sobre mortes violentas nos EUA, entre 1900
75, indicaram que o grau de risco para suicídio e homicídio está
baseado em idade, raça e sexo. Enquanto homens brancos mais
velhos têm mais risco de morte por suicídio, não -brancos mais
jovens o têm por homicídio (HOLINGER; KLEMEN, 1982).
Todavia, o perfil do suicida paulistano, traçado pelo
Pro -Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de
Mortalidade no Município de São Paulo ), a partir de 1069 casos
registrados, entre jan/91 e jun/93, é de homens (76,6 % ), entre 20
e 39 anos (49,6 % , sendo 27,1 % entre 20-29 anos e 22,5 % entre 30
39 anos) e 8 % nem chegaram à casa dos 20.

71
Sueli Andruccioli Félix
Entre os adolescentes, especificamente entre jovens
de 15 a 24 anos, há informações de que o índice de suicídios
aumentou 32 vezes nos últimos 30 anos, enquanto se tem mantido
estável entre os adultos para o mesmo período. Gruspun (apud
GABENNESH , 1988, tradução nossa ) apontou quatro fatores
determinantes:
depressão, impulsividade, idéia de morte e eventos circunstanciais
( como a perda de um parente querido e a privação de algo ).
Apresentar apenas um desses fatores não significa risco de suicídio .
Dois fatores significam baixo risco. Três, risco médio. Os quatro
fatores juntos, alto risco de tentar pôr fim à vida.
Estudos sobre a tendência secular do suicídio no Japão,
para o período de 1955-58 , registraram aumento nas taxas ,
especialmente entre jovens de 15 a 34 anos, durante um ciclo de
prosperidade e recessão, após um período caótico do pós- guerra.
Apesar de ser um período de prosperidade, as taxas de desemprego
eram muito altas devido ao excesso de trabalho apenas no setor
primário . Os desempregados eram , em sua maioria , jovens
trabalhadores não - qualificados. Para o período de 1970-83 , a
incidência maior foi entre pessoas de 40 a 59 anos, num período
de longa depressão econômica, seguindo a primeira crise de
petróleo, como reflexo de mudanças sócio-econômicas na estrutura
industrial do Japão na transição de uma economia industrial para
uma de serviço (MOTOHASHI, 1991 ).
A sazonalidade é o mais importante componente de
suicídio em todas as investigações. Embora as explicações ainda
pareçam inconclusivas, a freqüência do ato na primavera éé quase
consensual entre os pesquisadores. Dublin ( 1963 , p.56 apud FELIX,
1996) atribuiu o pico nesta estação do ano ao " doloroso contraste
entre o seu próprio desaparecimento e o ressurgimento da vida
em si mesmo ". Durkheim ( 1966 ) entendeu que, com a chegada da
primavera , tudo começa a despertar, as atividades são recomeçadas,
como num significado sazonal de um novo ano , e as pulsões de
vida podem contrapor -se às pulsões de morte do suicida .
Esse comportamento suicida primaveril é confirmado,
para o Brasil, através de dados estatísticos do Pro -Aim , que
acusaram , entre os meses de setembro e janeiro , a incidência de
60 % do total de suicídios. A lógica para esse comportamento está,
72
segundo o psicólogo especialista em suicídios - Valdemar Augusto
Angerani, na percepção de encerramento de mais um ano fadado
ao fracasso - seria o momento do início das reflexões sobre suas
atividades do ano . No entanto , aceitar essa explicação é
desconsiderar questões latitudinais , que fazem o mundo passar
por estações do ano em épocas diferentes e não coincidentes com
a chegada do final de ano .
Há também variação semanal na sua incidência , sendo
o pico às segundas -feiras e declínios nos fins-de -semana ( sexta ,
sábado e domingo ). Do mesmo modo , as taxas são tipicamente
mais baixas que o normal em feriados nacionais (com exceção ao
feriado do Ano Novo ), aumentando sensivelmente nos dias que
se seguem aos feriados. Phillips e Liu ( 1980 apud GABENNESH ,
1988 ) examinaram os sete dias próximos aos feriados nacionais
( três dias antes e três dias depois, exceto Ano Novo) e encontraram
padrões idênticos aos fins -de -semana. Tomando -se o dia do feriado
como sendo domingo, há um pico no dia seguinte ( como se fosse
segunda-feira) e pouca ocorrência nos três dias anteriores ( como
se fossem sexta -feira, sábado e domingo).
Situação completamente oposta ocorre com a
incidência do homicídio . Ele é mais comum em julho e dezembro ;
mais freqüente aos sábados e domingos (aumento no consumo
de álcool e maior contato entre amigos e familiares). É muito
freqüente nos feriados nacionais maiores, talvez pela mesma razão
dos fins- de -semana .
Embora as explicações para os ciclos temporais de
suicídio sejam questionáveis, o autor especulou com o chamado
Broken -promise Effect: há um efeito de expectativas que reduz as
taxas imediatamente anteriores ao feriado e que , não se
concretizando, transformam - se em frustrações e no seu aumento
imediato . Por analogia, a redução nas taxas anteriormente às férias
escolares e que coincidem com o início de um novo ano , também
pode estar refletindo expectativas que, ao se frustrarem , provocarão
o aumento nas taxas a partir de janeiro, com pico em abril-maio
( coincidindo com o final do inverno e início da primavera). As
expectativas de um novo ano podem trazer implícitas as de um
novo começo, um renascer, afastando de imediato o suicídio . Isso

73
Sueli Andruccioli Félix

não significa que seja incomum para um desalentado indivíduo


cometer suicídio quando , recentemente , pareceu exibir uma
perceptível melhora no humor (LESTER, 1979 ).
Suicídio e homicídio são interpretados como duas faces
da mesma moeda e, portanto , com profundas correlações com as
condições conjunturais de qualidade de vida do país e dos seus
autores. Reflexões sobre as relações entre as variáveis PNB per
capita e índice de produtividade da nação constataram maior
influência dos contrastes externos (desigualdade social) no
homicídio que no suicídio . O suicídio é, relativamente , mais
freqüente em sociedades de economia estável e com contrastes
sociais menos significativos . Entretanto, estes resultados tanto
podem estar refletindo uma relação real com a qualidade de vida,
quanto mais eficiência nos registros de suicídios.
No Brasil, as estatísticas mostram uma situação um
tanto diferente: a maioria dos suicidas provém da classe baixa ( a
incidência dos casos diminui conforme aumenta a renda ) e ,
portanto , atinge justamente os mais expostos às desigualdades
sociais . Em São Paulo , em 1992 , o suicídio atingiu
predominantemente as pessoas com baixa escolaridade: 70,2 %
tinham apenas o 1° grau , 7,2 % eram analfabetos, 11,3 % chegaram
a cursar o 2º grau e apenas 7 % tinham nível superior.
Por todas estas contradições, é verdadeiro afirmar que
o suicídio é um problema de patologia social ainda pouco estudado
ou pouco compreendido . Apesar de pouquíssimas contribuições
de caráter específico, a Geografia já está se integrando nesse
contexto de análise , e , se as descobertas puderem levar ao
desenvolvimento de políticas públicas relevantes, através de
atividades sociais integradoras, o suicídio deve ser inserido nos
seus objetos de estudo.

74
GEOGRAFIA DO CRIME E
POLÍTICAS PÚBLICAS
A criminalidade é, sem dúvida , um dos maiores
problemas enfrentados pela sociedade e que ultrapassa a
capacidade de compreensão de uma única ciência . É necessário
o desenvolvimento de estudos interdisciplinares e de sub -campos
nas disciplinas interessadas para que , com o intercâmbio de
opiniões, desenvolvam -se pesquisas e se cheguem a soluções que,
no presente, parecem impossíveis.
A escola geográfica da criminalidade está consciente
de que os processos espaciais não se explicam por si mesmos,
mesmo a despeito dos seus estudos estarem assentados em um
modelo estatístico de comportamento , com preocupações com a
identificação dos lugares de ocorrência dos crimes e de residência
dos criminosos. Nenhum estudo sério da criminalidade pode
desconsiderar os processos sócio -políticos, os conflitos de classes,
os comportamentos e as formas de percepção social, política e
econômica do espaço .
Alguns geógrafos têm sido muito criticados por
negligenciarem a atuação dos sistemas de controle social e por
estarem se deixando levar por imperativos positivistas e por uma
epistemologia instrumentalista . Fazem associações entre os
indicadores de crime (estatísticas oficiais ) e os indicadores do
ambiente social (geralmente o Censo ), esquecendo -se de que a
lei , seu cumprimento e os índices de controle social são também
variáveis ambientais muito importantes.

Outras vezes, a Geografia do Crime é considerada


superficial, por não lidar com as causas em si , mas apenas com os
efeitos. Intencionalmente ou não, certos geógrafos têm servido ao
interesse do estado monopolista capitalista atual, protegendo o
sistema e ajudando a sobrevivência da ordem existente hoje, como
o foi a exploração imperialista no passado . Estudam-se muito os
crimes cometidos por indivíduos de classe econômica inferior,
como os " crimes de rua " e de " não -brancos", esquecendo -se dos
de classe alta , média ou de " colarinho branco " (PEET, 1975 ).
É óbvio que uma sociedade com tanta desigualdade
social, com grande parcela da população em situação de penúria
econômica em contraste com uma minoria privilegiada, e com
tantos crimes de colarinho branco, é uma sociedade doente. Mas
77
Sueli Andruccioli Félix

apenas apontar a culpa do sistema monopolista para este estado


atual de desorganização social não constitui meio muito eficaz na
erradicação do crime. Os geógrafos estão tentando ser produtivos,
ao colaborar com profissionais estabelecidos no campo de justiça
criminal, ajudando na detecção de áreas marginais através do seu
mapeamento , e aumentando a eficácia da polícia no controle e
prevenção do crime. 26
A análise geográfica pode levar a interessantes e
relevantes hipóteses da espacialização da criminalidade, já que
além da lei , do ofensor e do alvo, a localização das ofensas é uma
importante dimensão que caracteriza o evento criminal e está sendo
considerada por criminólogos ambientais, em associação estreita
com os conhecimentos dos geógrafos, como a abordagem do
futuro . Para tanto , é necessária uma estreita cooperação entre
geógrafos com filosofias diferentes, sociólogos, criminólogos e
demais profissionais estabelecidos no campo da justiça criminal.
Muitos estudos sugerem políticas espaciais para o
progresso e bem - estar social, não apenas através do mapeamento
de áreas problemas, mas, e principalmente, através da reflexão
teórica nas estruturas sociais . Esta discussão vem desde o final da
década de 60 e início de 70, por ocasião da chamada revolução na
Geografia Humana, na qual Kasperson ( 1971 apud JOHNSTON ,
1986) antecipou a necessidade de se proceder a mudanças nos
seus objetos de estudo, preocupando - se mais em ser relevante em
relação aos grandes problemas sociais. Assim, afirmou que
a mudança nos temas de estudo, em Geografia, de supermercados
e auto -estradas para a pobreza e o racismo já começou, e podemos
esperar que continue, pois os 'goals' da Geografia estão se
modificando. Os novos horizontes vêem o objetivo da Geografia
como os mesmos da Medicina - ADIAR A MORTE E REDUZIR O
SOFRIMENTO .
Adiar a morte e reduzir o sofrimento nada mais é que
se preocupar com o bem -estar da humanidade. Knox ( 1975 apud
JOHNSTON , 1986 ) sugeriu, como objetivo principal da Geografia,
26 HARING ( 1982) informou a participação de geógrafos norte -americanos em investigações
criminais, como na elucidação de 4 crimes: 1)múltiplo de estupro e homicídio, 2) sequestro de
uma vítima (simples), 3)múltiplo de homicídio / tortura e estupro e 4)sequestro e provável
homicídio.

78
o mapeamento das variações sociais e espaciais como fonte de
informações para o planejamento de ações sociais mais
equilibradas. Deste modo, funcionaria tanto como um input para
o planejamento , quanto como um meio de monitorar políticas
que objetivem incrementar o bem-estar e conseqüentemente
melhorar a qualidade de vida. O conceito de nível de vida foi
dividido em três conjuntos de variáveis : necessidades físicas
(nutrição , moradia e saúde), necessidades culturais (educação, lazer
e recreação, e segurança ), e necessidades mais elevadas ( a serem
obtidas com rendimentos excedentes).
Vários outros estudos sugeriram reflexões espaciais
que pudessem conduzir políticas públicas nas áreas de saúde,27
28 políticas sociais que
economia , mais particularmente a pobreza,2%
privilegiassem o bem -estar da criança , etc. Em reflexão um pouco
mais teórica , interessou - se pela crise urbana nos EUA - as tensões
e tumultos raciais, bancarrotas municipais e o papel do governo
na economia urbana (JOHNSTON , 1986 , p.238-242 ).
Há um insight acadêmico para ser oferecido e uma
aplicação prática de resultados de pesquisas para serem
demonstrados em relação aos problemas sociais em geral e ,
particularmente, aos fatores do crime e ao modo como a justiça e
a polícia são administrados. Crimes, criminosos e áreas de
ocorrência estão sendo definidos e detectados, representam uma
grande fonte de medo para um grande número de pessoas e estão
diminuindo a qualidade de vida e o sentido de bem -estar da
humanidade. Análises espaciais ( quantitativas e qualitativas)
poderão se constituir em elementos de compreensão das relações
entre as formas de violência e seus contextos e padrões, fornecendo
oportunidades para o desenvolvimento de políticas de prevenção
mais efetivas.

Estudos de ecologia do crime urbano contribuiriam


para ações preventivas, através da identificação de espaços da
criminalidade e compreensão da sua dinâmica. Mais por suas
atividades do que propriamente por sua população residente ( cada
27 Estudos de Shannom e Dever, em 1974 .
28 Estudos de Morrill e Wohlenberg em 1971 .
24 Estudos de Bunge em 1971 .

79
Sueli Andruccioli Félix

vez menos numerosa ), no centro da cidade estão agrupadas todas


as formas de criminalidade : roubos de carros, assaltos, prostituição ,
uso de drogas e fraudes econômicas. Embora concentrados nessa
região, estes atos não se distribuem uniformemente e definem
ruas e eixos de tipos específicos de delinqüência. Os roubos tipo
trombadinha são específicos do centro comercial, onde a densidade
da multidão em circulação facilita a ação tanto por colocar à
disposição dos bandidos grande estoque de presas fáceis, quanto
por confundi -los entre os transeuntes após o ato . Os autores da
maior parte desses crimes são drogados que necessitam encontrar
meios de sustentar o seu vício , o que é feito imediatamente após
o delito.
Também é no centro da cidade que se organizam as
redes de atividades relativas ao sexo (que se constitui em abordar
o freguês diretamente ou de forma dissimulada através de casas
de massagens ou de relaxamento) e os jovens que desempenham
atividades informais ( como a limpeza de pára -brisas nos faróis,
vigilância de automóveis, polimento de sapatos etc. ), dissimulando
certas atividades criminais. Os meios informatizados de segurança
podem definir esses focos de pré-condições de criminalidade e
melhor controlá -la .
Todas estas informações têm grande relevância social,
se forem utilizadas para o controle do crime, tanto através de
políticas públicas, quanto da própria proteção particular.
Compreender a gênese criminal e principalmente conhecer suas
especificidades espaciais podem ser de grande interesse para uma
perspectiva de planejamento , preocupada com a qualidade de vida .
É preciso promover um sistema de justiça criminal que atue na
redução do crime.
Se a questão criminal é um dos fatores que contribuem
para a queda no nível de qualidade de vida e, se a pesquisa
geográfica pode oferecer alguma ajuda aos órgãos de segurança
para melhorar essa qualidade, esta precisa ser vigorosamente
adotada . Ainda mais, se a dinâmica criminal pode ser um dos
fatores de transformação e reorganização espacial ( o crime
transforma o espaço e seus significados) e a ciência geográfica
tem potencial para colaborar no planejamento urbano

80
metropolitano, deve inserir em suas análises a dimensão da
criminalidade.

Enfim , tudo o que se esperou fazer aqui é desenvolver


uma Geografia com relevância social , a serviço do homem , a partir
da reflexão de problemas substantivos da sociedade, como a
criminalidade. Seria utópico declarar que se pretende propor
soluções. No entanto , pretende -se trabalhar conceitos que poderão
contribuir cientificamente para a inserção deste tema no âmbito
do conhecimento geográfico e extrair elementos que possam
nortear futuros estudos.
Pretende-se, também , desenvolver um estudo que seja
relevante para o bem -estar da comunidade em geral ou
comunidades particulares, como associações civis que vêm
desenvolvendo trabalhos de recuperação do criminoso . Por último,
espera -se que seja um estudo de grande significância pela sua
atualidade, já que a criminalidade é hoje a principal preocupação
do homem moderno.

81
RELEVÂNCIA CIENTÍFICA
As qualidades espaciais dos fenômenos criminais são
subprodutos das pesquisas criminológicas há quase dois séculos,
através da observação da incidência do crime, de sua variação e
relações com as condições físicas e sociais, em função dos diferentes
níveis de urbanização, instrução, ocupação diferencial e pobreza.
São estudos reconhecidos como cartográficos ou geográficos, pelo
uso constante de mapas para demonstrar espacialmente essas
variações.
" Essai Sur La Statistique Morale de la France, Avec
Cartes ", de Guerry ( 1832) é um dos primeiros trabalhos de
cartografação do crime que se tem notícia (PHILLIPS, 1972). Foram
pesquisados os relatórios nacionais de crimes ocorridos na França ,
a partir de 1825, observando comportamento criminal uniforme
temporal, espacial e demograficamente: a mesma taxa de crimes,
a mesma sucessão ( estações do ano, por exemplo ) e nos mesmos
distritos , além de relação idêntica com as características
demográficas ( sexo e idade ). Sobre os crimes cometidos contra o
patrimônio, percebeu que são mais freqüentes:
no meio urbano, em função da quantidade de riqueza em vez
da densidade de população;
em regiões de melhor nível educacional (os crimes violentos
- contra a vida são mais característicos de pessoas mais
ignorantes) ;
durante o inverno, na região Norte ( os crimes contra pessoa
ocorrem mais durante o verão, no Sul).
Também é do século passado ( 1849) um outro estudo
da mesma natureza ( HERBERT; HARRIES, 1982) As estatísticas
criminais da Inglaterra foram analisadas por Joseph Fletcher.
Constatou que, embora a questão educacional não incidisse
diretamente na criminalidade , as regiões de melhor nível
apresentaram taxas mais elevadas de crimes contra a propriedade,
por serem regiões mais ricas, o que as tornam áreas de coleta e
não de formação de criminosos . Seria o mesmo que afirmar que a
educação tem relação direta com o fator econômico que por sua
vez relaciona -se com a tipologia criminal . Contrapondo-se às
conclusões de Guerry, concluiu que há forte correlação entre
criminalidade e densidade de população .
85
Sueli Andruccioli Félix

Portanto, foi a escola cartográfica ou geográfica de


criminologia do século XIX que primeiro trabalhou as relações
sócio -espaciais e demográficas da criminalidade e a coincidência
entre crime e depravação social, curiosamente conjugada com a
riqueza . O ato criminal seria o resultado da natureza má inerente
ao homem e das tentações de “ Satan ”, provocando um " estouro "
na teoria que vem predominando historicamente no ocidente -
relação entre criminalidade e carências socio - econômicas. A escola
" geográfica ” de criminologia elevou -se na última metade do século
XIX para escola " socialista " de criminologia e, no século XX, para
escola " ecológica” de criminologia (PHILLIPS, 1972 ).
A reflexão ecológica espacial desenvolveu - se
praticamente a partir da Escola Cartográfica de Chicago, com os
estudos de Shaw e Mckay (Delinquency in Urban Areas - 1942 e
revisado em 1969), para as décadas de 1920 e 1930. Conceituaram
delinqüência juvenil como um tipo de " desvio social" representado
pela transgressão às leis por jovens. Através de procedimentos
cartográficos, definiram a ecologia da delinqüência em Chicago,
com altas correlações com tuberculose, insanidade e mortalidade
infantil e, no aspecto exclusivamente social, correlações com
alojamento abaixo dos padrões normais, pobreza, mobilidade e
presença de grupos étnicos minoritários. A questão dos grupos
étnicos foi reavaliada na edição revisada em seis áreas comunitárias
de Chicago, ratificando -se alguns resultados anteriores e retificando
se outros. Apesar de a criminalidade ser mais elevada em guetos,
as taxas decrescem nos mais velhos e estáveis, gerando uma nova
especulação: o significado do fator vizinhança na criminalidade .
A partir daí, identificaram grande concentração geográfica de
garotos delinqüentes , alta freqüência de roubos coletivos (91 %
desses crimes foram praticados por grupos de dois ou mais rapazes)
e a influência de transgressores mais velhos em grande parte dos
delitos .

Seguindo a linha de reflexão ecológica , Bullock ( 1955


apud PHILLIPS, 1972 ) estudou os homicídios, em Houston , e
percebeu gêneses específicas: entre os envolvidos (vítima e
agressor), 87 % conheceram -se antes do crime ser cometido (suas
residências ficavam a menos de uma milha de distância ), 2/3 eram
negros. A maioria dos crimes aconteceu em rooming house ( casa
86
que aluga quartos ), locais de refeições e ruas próximas (quase
90 % ocorreram ao longo ou próximos de 4 ruas ). Sarah Boggs
( 1960 apud PHILLIPS ) estudou St. Louis e constatou que homicídio ,
agressão e roubo residencial são delitos que ocorrem próximos à
residência do ofensor - o contrário para roubo comercial ee noturno.
Essa “ coincidência ” ecológica é confirmada por Schimid
( 1960 apud HERBERT ; HARRIES , 1982), ao estudar a delinqüência
em Seattle. Tanto o local de residência dos delinqüentes quanto o
local de ocorrência de crimes são caracterizados por pelo menos
um e , na maioria das vezes , por todos os seguintes elementos:
baixa coesão social, fraca vida familiar, baixo status sócio
econômico , deterioração física , altos índices de mobilidade
populacional e desorganização pessoal .
A Escola de Chicago interpretou a criminalidade como
uma atividade específica de classes marginalizadas, onde as
condições particulares de subculturas delinqüentes ajudariam os
seus componentes a adotar meios ilegítimos de acesso a
determinados valores. Porém , as reflexões de subcultura estão
sendo, na atualidade, objeto de radical crítica por parte das ciências
sociais, à vista de um novo perfil da delinqüência marcado pela
questão do desemprego estrutural e das formas de filiação /
desafiliação ao sistema dominante. Não se pode desconsiderar
que há um segmento da população jovem que vem apresentando
participação crescente nos índices criminais sem , contudo, estar
vinculado à pobreza e/ou exclusão , efetivamente . Reportagens
dos diversos órgãos da imprensa brasileira mostram o crescente
volume de jovens praticantes de delitos variados pela simples busca
de algo diferente e não por serem carentes de moradia , carro etc.
Nem mesmo por conseqüência do uso de drogas como, por
exemplo , o caso de jovens que roubam nos shoppings.
A maioria das teorias criminológicas reduziu a
criminalidade a um " epifenômeno duma patologia individual ou à
condição disfuncional de certos aspectos ou segmentos culturais
do sistema social”, responsáveis por áreas delinqüentes identificadas
com grupos marginalizados da sociedade (SIRGADO, 1978, p.14).
Deve -se considerar , ainda, que a maior parte das
investigações de violência é feita por criminólogos e psicólogos, o
87
Sueli Andruccioli Félix

que tem gerado conclusões de patologia individual, com


concentração em categorias de comportamento definidas
legalmente e uma tendência em considerar ato violento como
exemplo de comportamento pessoal, sem função social.
Por outro lado , a maior parte dos estudos de áreas
delinqüentes vem sendo desenvolvida por criminólogos e
sociólogos , embora já se esteja admitindo, atualmente, a
necessidade de se relacionar o processo ecológico à perspectiva
geográfica . A geografia tem servido como técnica de análise
espacial, especialmente nas teorias que interpretam a violência
como resultado do esquema A+B+C, onde,
A - representa alguma dimensão do ambiente como residência
pobre ou afiliação étnica ;
B - representa o comportamento , neste caso violento ;
C- é representado pelos fatores intervenientes, usualmente
psicológicos ou sociológicos ( stress, frustração ou alienação ).
(HERBERT; SMITH , 1979 )
Baldwin ( 1979 apud HERBERT; SMITH , 1979, p. 148 )2
sugeriu que os pesquisadores ultrapassassem as análises descritivas
diretas, identificando áreas com população e características
idênticas, mas que diferem nos níveis de violência. Já que a causa
do comportamento individual é só uma face da violência, o objetivo
mais relevante é entender o porquê das variações nestes níveis :
residentes de certas áreas parecem cometer mais atos violentos
que outros. Áreas violentas contêm mais alta proporção de pessoas
que cometem e sofrem violência ( como parentes e companheiros
de residência ).
A Geografia tem contribuído no entendimento da
violência enquanto fenômeno geográfico e, se assim ela esclarece
o comportamento individual, ótimo, mas o seu objetivo deve ser
elucidar os processos pelas quais os vários fatores de violência , já
identificados em outros estudos, são mais intensos ou prevalecentes
em certas áreas, levando à conclusão de que crime é um fenômeno
social e reflete o tipo de segurança , estabilidade e o tipo de
qualidade de vida da comunidade. Se o crime resulta de certas
condições de vida, o estudo destas condições é necessário para
entender as taxas comparativas - por exemplo, incidentes de
violência são mais raros em ambientes privativos ( ou menos
88
denunciados) comparados aos públicos como pensões, bares etc. ,
e decorrentes do consumo de álcool. Observando - se os ambientes
privativos, especificamente, há mais crimes em áreas de maior
proporção de residências alugadas.
A violência cresce, conforme Lambert ( 1979 apud
HERBERT; SMITH , 1979, p . 150 ) proporcionalmente ao modo de
vida imposto a certos habitantes de determinadas áreas. Os
incidentes de desordens de ruas estão relacionados às condições
de vida pobre e superpopulação, que contribuem para a
instabilidade e hostilidade nas relações pessoais, especialmente
entre moradores de residências públicas.
Outro aspecto freqüentemente considerado é o da
seletividade espacial . Se o crime é característico de certas áreas (e
estas não são criminais por acaso , assim como não o é a escolha
do local de residência ), o status da população refletirá
estatisticamente. Assim , a natureza do crime e sua distribuição
desigual entre áreas diversas requerem muita precaução nas análises
estatísticas e de interpretação de taxas ( PHILLIPS, 1972).
Radicalizar a relação entre ofensor e meio urbano é
um exercício perigoso e , muitas vezes , irreal. O meio é meramente
uma variável interveniente entre o indivíduo e a sua formação
social. Embora a maior parte das reflexões contemple estudos da
união potencial entre ambiente social e comportamento
delinqüente , o parâmetro não espacial também é muito importante .
Detalhes de design, forma de construção , acessibilidade e
comportamento de prática ofensiva são formas de análise relevantes
para o progresso deste ramo de estudo. Há a necessidade de visão
interdisciplinar . O crime urbano é o produto de processos
complexos e o ambiente local, conseqüência do sistema. As
concentrações locais de crime urbano existem e o ambiente urbano
é a imediata interface de ofensores e ofensas e justifica o
desenvolvimento de pesquisas contínuas . O valor de tais pesquisas
precisa ser visto no amplo contexto da origem estrutural de muitos
problemas urbanos e certamente de muitas desvantagens
individuais desse mesmo ambiente .
Para muitos, e especialmente para Sirgado ( 1978), a
criminalidade é, em última análise, o produto acabado das
distorções sociais geradas por um sistema social cujas estruturas
89
Sueli Andruccioli Félix

são , pelo menos, inadequadas para impedir a opção criminal como


a única alternativa possível numa situação determinada . Desse
modo, a sua incidência em determinados contextos sócio -espaciais
apenas estaria retratando a concentração espacial de segmentos
marginalizados economicamente .
Marylin Brown ( 1982 , tradução nossa ) apontou três
fatores relevantes para investigação nas pesquisas criminais:
1. a localização da população com tendência ao crime;
2. o local de oportunidades para o crime;
3. a acessibilidade de ofensores potenciais a oportunidades .
O papel da acessibilidade30 é o menos pesquisado
nas investigações criminais e deve merecer atenção de pesquisas
futuras preocupadas com o desenvolvimento de políticas
preventivas. Há um elenco enorme de investigações que apontam
relações entre o ambiente e suas características socioculturais com
tipologias criminais, assim como há um outro tanto de estudos
que descrevem o traçado da atividade criminal. Como exemplo
pode -se citar Hakim (1980 apud BROWN , 1982, tradução nossa ),
considerando que a distância entre ofensores latentes e o seu alvo
muitas vezes impede a atividade criminal por três razões:
1. o custo do transporte;
2. o risco de ser identificado como um estranho;
3. o custo de conhecer áreas estranhas.
Contrapondo esses argumentos, Davidson ( 1982 ) notou
que os crimes contra o patrimônio têm mais chance de sucesso
quanto mais distantes da residência do ofensor, devido à redução
do risco de ser reconhecido . As condições sócio-econômicas da
vizinhança são avaliadas como expectativas de lucro e em função
do seu grau de vulnerabilidade . Em contrapartida, para o crime
violento (contra a pessoa) existe uma grande tendência de
ofensores e vítimas serem da mesma classe social e viverem no
mesmo tipo de vizinhança (50% dos incidentes desse tipo
envolveram relacionamento anterior).

30 As questões de acessibilidade serão tratadas no tópico RELEVÂNCIA CONTEMPORÁNEA, o qual


abordará problemas relacionados ao design .

90
Há ainda quem afirme que, embora os ofensores nunca
ou raramente operem no bairro ou na comunidade onde residem ,
seus atos são praticados freqüentemente em ambientes conhecidos,
como uma comunidade vizinha ou um antigo local de residência
( CHARIÈ, 1989 ). O certo é que a análise das projeções espaciais
da criminalidade ainda é inconclusiva e o conhecimento das
relações entre as formas de violência e seus contextos e padrões
podem auxiliar no desenvolvimento de programas preventivos
mais efetivos.
Conjugada a fatores ambientais e culturais, a visão
espacial é muito importante na avaliação quantitativa e qualitativa
da violência ( NEWMAN ; SCARR, 1972-3, 1973 ). Há, também , um
persistente efeito térmico nos estudos da demanda criminal em
regiões de altas latitudes: a incidência de comportamentos violentos
em determinadas condições de temperatura - especialmente sob
extremo calor com muita umidade no ar associados aos efeitos
do calendário ( férias, feriados e finais de semana ), à densidade
estrutural que permite maior contato interpessoal ( que
conseqüentemente pode reforçar interações negativas) , aos efeitos
de vizinhança ( representados pelo status social baixo, alta
densidade de negros e grande proporção de habitação subnormal)
e ao consumo de álcool ( 2/3 dos homicídios são cometidos sob
seu efeito ).

Contudo, a compreensão dos mecanismos dessa


violência exige investigações nas estruturas sociais em todos os
níveis da escala social, uma vez que as teorias que interpretam
maiores níveis de agressividade no verão , entre indivíduos de classe
social inferior por inabilidade em lidar com os impactos de riscos
ambientais, podem estar reproduzindo visões estereotipadas
idênticas às que tratam das minorias raciais, da criminalidade do
jovem e dos migrantes.
Nessa linha de análise , há riscos de se produzirem
trabalhos com tendências positivistas, as quais vêm impregnando
a maior parte dos estudos criminológicos de que se tem
conhecimento . O positivismo não apenas deu origem à primeira
maneira de fazer criminologia , como impregnou todos os estudos
criminológicos até há pouco tempo ( QUINEY, 1975 apud CASTRO,

91
Sueli Andruccioli Félix

1983 ). Generaliza eventos recorrentes , analisando vários fatos


isolados que se repetem no tempo e no espaço, para chegar a leis
gerais que definiriam a realidade . Aplicada à vida social, essa
concepção promove interpretações falsas pelo parcelamento da
realidade em contraposição à categoria de totalidade,
O parcelamento desconsidera a vulnerabilidade ou
imunidade recorrente de classes sociais. Parece que a imunidade
de certos grupos é garantida pela privacidade que envolve suas
vidas. Chapman (apud CASTRO , 1983 , p. 1 ) percebeu que o
criminoso estereotipado provém , geralmente,
do proletariado ou do subproletariado , como sendo função do
sistema estratificado. À medida que concorre para manter o sistema
inalterado, converte -se em bode expiatório' da sociedade, pois
para ele se dirige a agressividade de seus membros (inclusive
dos componentes da classe mais baixa), que de outra maneira
dirigir-se -ia aos detentores do poder material e ideológico .
Os cientistas podem estar criminalizando a pobreza e
a exclusão social , ao dar circulação e respeitabilidade à tese da
associação positiva entre nível sócio -econômico baixo e
criminalidade. Neste contexto enquadram - se a teoria da anomia ,
da subcultura da violência, das oportunidades diferenciais, da
associação diferencial etc (COELHO , 1978).
Os estudos geográficos , embora não contemplem
explicitamente a exclusão social nos seus campos de investigação,
têm-se orientado para análises de situações específicas (culturais
e econômicas ) que sugerem mecanismos de relação entre ambas
( exclusão social/criminalidade ), principalmente quando investigam
a trajetória biográfica dos criminosos e os seus espaços. Em
contrapartida , os estudos sociológicos demonstram maior
preocupação com a investigação dos efeitos da exclusão social e
alguns aspectos da criminalidade.
Uma das grandes falhas dos estudos sociológicos e
das pesquisas em geral sobre criminalidade está em não considerar
a dimensão espacial. Quando é considerada, o é enquanto
endereçamento, esquecendo -se que a cidade, com o seu
crescimento e transformações, se fragmenta tanto do ponto de
vista social como do espacial. Esta fragmentação, em suas

92
dimensões negativas, pode ser observada na pobreza, desemprego,
circulação de drogas, desintegração da família , falência das
instituições da comunidade etc.
A tese de associação entre pobreza e criminalidade é
criticada por Coelho (1980 ), pelas seguintes razões:
1 ) é obviamente nutrida' pelas evidências das estatísticas
produzidas pelos órgãos de controle e repressão ao crime;
2) a tese postula a existência de algum princípio de cálculo
subjetivo pelo qual indivíduos em condições de pobreza avaliam
a utilidade do comportamento criminoso para crimes de
propriedade. Sobre esses postulados do comportamento criminoso
vem sendo elaborada toda uma teoria de dissuasão' destinada a
apontar mecanismos que aumentem as probabilidades de
'desutilidade desse comportamento e que desembocam em
políticas repressivas contra segmentos criminalizados nas
estatísticas oficiais (mais ação policial , maior rigor dos tribunais e
penas mais duras);
3) esta associação não tem encontrado suporte nas investigações
sociológicas, mesmo quando utilizam estatísticas criminais.
Para ilustrar essa afirmação, o autor aponta uma re
análise de 35 pesquisas desenvolvidas nos EUA nas últimas quatro
décadas e com base em dados sócio -econômicos, onde se percebeu
que esta relação decresceu, a ponto de se tornar quase nula nos
anos 70. Especula que ou as classes sociais mudaram seu
comportamento em relação à lei , ou a crescente preocupação
pública com violações dos direitos civis dos cidadãos de classe
mais baixa forçou as agências policiais e judiciárias a um tratamento
menos discriminatório.
A relação de causalidade não explica as diferenças de criminalidade
entre os sexos, as elevadas taxas na faixa etária de 19-25 anos, a
relação inversa entre taxa de desemprego na economia e
delinqüência juvenil e o porquê dos infratores constituírem fração
tão reduzida da população total de nível sócio -econômico mais
baixo (admitindo-se a tese da maior utilidade dos comportamentos
criminosos para os indivíduos desse estrato social). (COELHO,
1980)

Sabe -se que o número de crimes reportados é um


indicativo de atitudes públicas direcionadas ao crime e à aplicação
de leis. Porém as estatísticas precisam de avaliação crítica, devido
às inadequações, especialmente com relação à maioria dos
93
Sueli Andruccioli Felix
detectados, que são os desafortunados. Parece que determinados
crimes são tratados com mais severidade pelos tribunais, como
alguns classificados contra o patrimônio (roubo, furto qualificado,
assalto etc. ) que são mais freqüentes entre a população de classe
baixa. Em contrapartida , há tolerância em relação àqueles contra
a propriedade que são mais característicos de classe média/alta
(estelionato , colarinho branco, etc.) . Também a resposta da
sociedade, para determinados crimes, constitui um significante
fenômeno social norteador do conteúdo de políticas públicas.
Considerando a relação criminalidade / espaço , é
importante que se considere como as pessoas lêem e sentem o
ambiente urbano. O espaço , apesar de ser um conteúdo para todos,
também é restritivo e determina uma geometria de ocupação, em
função de questões estruturais como as sócio - econômicas ( espaço
de ricos e pobres) e em função de manifestações criminais,
configurando - se em espaços temidos e evitados ,
independentemente de padrões sociais.
Assim , temos situações nas quais as ocorrências são
pontuais e, em outras, compondo espaços bem definidos, o que
permite refletir sobre o papel real ou potencial da criminalidade
na construção do espaço , pelo menos em dois sentidos:
a transformação do design das estruturas urbanas, com modelos
defensivos, como muros altos, grades de segurança , guaritas,
porteiros eletrônicos, alarmes, cães de guarda etc;
a desvalorização do espaço: a dinâmica do mercado imobiliário
reflete a desvalorização de bairros inteiros em até 40 % no
valor de seus imóveis, do mesmo modo que os apartamentos
têm seus valores superestimados em relação às residências
térreas.

Há também uma série de comportamentos


transformadores do espaço e totalmente desconsiderados pela
Geografia do Crime, como por exemplo a prostituição ( encaixando
se aí todas as atividades relativas ao sexo, independentes se
praticadas por e /ou entre mulheres e homens). Integrantes de
uma marginalidade que não aparece e nem se registra, exceto por
suas derivações no envolvimento com outras atitudes criminosas,
como lesões corporais, homicídios, drogas, exploração do lenocínio
94
etc. , são atividades que provocam uma espécie de partilha do
espaço urbano, principalmente nas metrópoles. A concentração
de pontos de prostituição e a localização de um grande número
de prostíbulos provocam deterioração e desvalorização econômica
do espaço , o que não pode ficar à margem em um campo de
conhecimento preocupado com a organização espacial.
Seguindo ainda na direção reflexiva do papel real ou
potencial do crime na construção do espaço, é importante que se
questionem as baixas densidades demográficas em áreas centrais
das grandes cidades. Parece que há um processo de causa - efeito
que deve ser investigado: as baixas densidades demográficas são
resultado da deterioração social e do aumento da criminalidade.
Ou o aumento da criminalidade nestas áreas é resultado das baixas
densidades (no sentido de pouca vigilância) e da deterioração
social? O que se percebe é que a densidade demográfica colabora
com a criminalidade em dois sentidos diametralmente opostos,
representados pelos vazios dos centros urbanos e pelos
adensamentos das periferias.
Muita coisa ainda está por ser investigada . A proposição
mais importante para os geógrafos está na recomendação de que
a elaboração de uma geografia da criminalidade deve envolver
três níveis diversos:

1 ) aquele referente à produção dos crimes;


2) o relativo aos espaços dos crimes;
3) o da distribuição dos crimes face aos processos alocativos que,
gerando desigualdades também espaciais ( de natureza , política ,
econômica, social etc. ) contribuem para o aparecimento ou
aumento da criminalidade. (GUIDUGLI, 1980 , p . 232)
Pode-se acrescentar, ainda, a análise da produção
estatística e sua função no controle da criminalidade. A tradição
geográfica do estudo da criminalidade está assentada em um
modelo estatístico de comportamento, em que a identificação e a
explicação do crime (em suas áreas de ocorrência ) baseiam-se em
estatísticas criminais, associações entre o uso da terra ou residência
dos ofensores e ocorrência da criminalidade, associação entre
ocorrência e aspectos econômicos e étnicos e na ação da polícia
ou da justiça na condenação ao crime.

95
Sueli Andruccioli Félix
Os estudos geográficos devem considerar, de forma
dinâmica, os que cometem os crimes como um indivíduo, muito
mais que um praticante de atos considerados criminosos,
simplesmente . É preciso pensar no passado, na trajetória de vida
( inclusive espacial) do criminoso , pois, caso contrário , ocorrerá a
punição momentânea dos que cometem crimes, ao mesmo tempo
em que persistirão todos os condicionantes que, certamente, irão
gerar novos crimes e criminosos.

6.1 O estudo das formas de controle do crime


Raramente se considera que a lei, seu cumprimento e
as formas de controle social necessitem estar incluídos nas análises
da tipologia criminal.
As leis, a sua aplicação, a polícia e a política são importantes
atributos ambientais que classificam espaços a ponto de algumas
atividades serem consideradas criminosas se ocorrerem em certos
lugares. A mesma distinção aplica -se ao cumprimento da lei , pois,
um mesmo comportamento criminal pode ser notificado e
investigado ou não, conforme o local de ocorrência - se for em
espaço privado, há maior probabilidade de atitudes investigativas
por parte das autoridades e o consequente esclarecimento do
crime, do que se ocorrer em espaço público. (STINCHCOMBE,
1966 apud LOWMAN , 1986 , p. 85, tradução nossa )
Há também um desacordo sobre a composição
apropriada da lei criminal, particularmente quando são pertinentes
às drogas, ao aborto, à moralidade sexual, à delinqüência e leis
limítrofes entre a jurisdição civil e criminal. Lowman ( 1986, P. 87 ,
tradução nossa ) acredita que o desenvolvimento de uma Geografia
do Crime e do Controle, unificadas, deve prosseguir por diversas
dimensões ( algumas das quais já bem articuladas no "modo de
pensar” da criminologia) :
1 análise e produção de estatísticas : os geógrafos precisam
envolver -se diretamente na construção de estatísticas oficiais,
estudando os controladores tão bem quanto os controlados;
2 desenvolvimento de medidas alternativas de desvio como o
estudo da auto -queixa (relato ) e da vitimização ;

96
3 estudos de tipos alternativos de desvio , como, por exemplo,
fraudes médicas , que diferem radicalmente da imagem
tradicional da criminalidade (crimes de rua , por exemplo) e
têm escapado de estudos detalhados graças ao poder de
tecnocratas, industriais e da perícia empresarial ;
4 estudo do crime e " deslocamento " de controle: o conceito de
deslocamento sugere que a oportunidade de crime é relativa,
por exemplo , o assaltante ajusta suas atividades conforme as
estratégias de prevenção , assim como a geografia da
prostituição de rua é sensível e se ajusta ao controle. Outros
grupos não modificam o seu comportamento devido ao
controle mas são capazes de modificar o controle em resposta
ao seu comportamento. Exemplo " lobbies" de grupos
industriais que continuam a evitar a introdução da legislação
anti-poluição ;
5 na investigação da expressão espacial de controle - como a
geografia do controle social, questões raramente tratadas pela
Geografia tornam - se centrais:
a ) o próprio espaço é usado como uma forma de controle?;
b) que fatores explicam mudanças históricas na expressão
espacial de tipos de controle - e com eles, imagens de
crime?;
c) como variam os tipos de crime em diferentes ambientes na
cidade?;
d) como se descreve , em nível sócio -psicológico , a
importância de lugar no exercício de controle ?
Uma perspectiva de planejamento, com interesse na
qualidade de vida deve promover um sistema de justiça criminal
direcionado para a redução real das taxas de crime, independente
do papel do sistema de controle. Para Harries ( 1976, p. 384) , um
sistema de justiça criminal progressivo inibirá o crime. Contudo , a
apropriação de grandes somas de dinheiro para o " controle imediato
do crime" fornece catarses políticas e é essencialmente um
inquestionável ato de interesse público.
O sistema de controle é um elemento estrutural crítico ,
tanto para definições do comportamento criminal, quanto para a

97
Sueli Andruccioli Félix
aplicação de sanções. Embora sendo comportamento muito comum
entre criminólogos e geógrafos do crime, deve - se evitar a separação
analítica de ambos: o estudo do crime e o do controle do crime.
Por outro lado, os detentores do poder ainda podem coletar dados
em seu próprio interesse , o que reforça a importância de
investigações mais profundas, com a produção de estatísticas pelo
próprio pesquisador .
Acredita -se que a sub-representação estatística atinja
cerca de 50 % dos crimes praticados. Lidar apenas com estatísticas
oficiais pode significar um falseamento da realidade e um reforço
nas teses de correlação entre tendência criminal e pobreza , raça ,
migração etc.

6.2 o estudo da delinqüência oculta (sub- representação


estatística )
A preocupação com a qualidade ou a confiabilidade
dos dados estatísticos , com sua sub -representação, a cifra negra
ou delinqüência oculta, tem grande relevância científica e ,
incontestavelmente , deve ser considerada em qualquer estudo
criminal. Os registros estatísticos variam no tempo - espaço e estão
condicionados aos procedimentos policiais e políticos e às regras
de interpretação . Desse modo, uma multiplicação de delitos pode
significar mais esforços por parte da polícia ou maior eficiência
dos tribunais , ao invés de um aumento real.
A dimensão da taxa de crime pode ser alta, ainda, não
necessaria mente porque exista uma falta de segurança pessoal ,
mas porque as pessoas são tão seguras, que raramente limitam
suas atividades. Assim , têm um alto nível de exposição ao risco .
Ou, pode ser baixa não necessariamente porque as pessoas são
seguras , mas porque são tão inseguras que restringem
acentuadamente suas atividades. Assim , têm um baixo nível de
exposição ao risco . Existem duas situações que podem mascarar
as estatísticas:
1 ) as que reduzem as taxas ao reduzirem a quantidade de
comportamentos ofensivos ( redução da taxa de crime real);
2) as que reduzem as taxas de crimes nominais ao encorajarem

98
os cidadãos a limitarem suas atividades (redução de exposição
ao crime) ( MCDONALD; BALKIN , 1983, grifo e tradução nossa).
As estatísticas refletem três situações: a descoberta do
delito, a atitude da vítima e a atitude da polícia. Isto significa que
a propensão diferenciada das diversas camadas sociais em registrar
queixas a certos crimes, o grau de confiança que a polícia inspira
e o seu interesse em desvendar o crime são variáveis que afetam
a validade das estatísticas criminais como fonte de pesquisa , e
que precisam ser investigadas nos estudos criminais.

6.3 O papel da polícia na sub -representação estatística


Além das atitudes das vítimas, em considerar o ato
como crime e denunciá-lo (responsáveis por 34 de todo incidente
nos registros oficiais, sendo o restante, 14 , resultado de confissões
dos ofensores durante investigações de outros crimes), também a
atitude dos policiais altera os registros. Para Davidson ( 1982, p .
700 ), algo em torno de apenas 10% dos incidentes são registrados
pela polícia e classificados no relatório do Home Office. As razões
e os critérios utilizados para tanto são os mais diversos:
• Os policiais podem agir diretamente , recusando a queixa por
não acreditar no reclamante ou insistindo no uso de um livro de
registro de propriedades perdidas;
outros são mais sutis, retardando o registro de incidentes
considerados triviais ou questionáveis para ganhar tempo e /ou a
desistência do reclamante em registrar a queixa;
. quando as relações entre polícia e comunidade são boas, haverá,
provavelmente, alto grau de registro ;
esse comportamento é regra , e a exceção pode ser vista em
vizinhanças com substancial minoria racial onde, apesar dessas
relações não serem muito boas, a polícia garante que registra
todo tipo de queixa para desviar acusação de preconceito .
Enquanto nos EUA, de cada 100 fatos percebidos como
criminosos pelas vítimas, 36 são reportados à polícia , no Brasil a
denúncia está por volta de 58 % , conforme pesquisas de vitimização
realizadas pelo IBGE e pelo Grupo de Pesquisa e de Gestão Urbana
de Trabalho Organizado - GUTO ( www.marilia.unesp.br/guto),
única técnica de avaliação da cifra obscura ( Figura 2). Os motivos

99
Sueli Andruccioli Félix
dessa subestimação encontram -se no item O Papel da Vítima na
Sub -representação Estatística (Figura 3) .
Atividade Policial - Marília /SP Atividade Policial - EUA
Inquéritos Crimes Crimes
Instaurados Esclarecidos; Registrados Esclarecidos
8.0 0,6 no Home 4.0
Office, 11,0
Registrados Registrados
Crimes
pela Policia Crimes pela Polícia
Denuncias
entre os Denunciados, cntre os
36,0
Criminais , Criminais
58.0
31.0 12,0

FIGURA 2 - Demonstrativo da Atividade Policial para Crimes


Denunciados - EUA ( 1980 ) e Marília ( 1989-94 )
FONTES: DAVIDSON ( 1982, p. 701 ) e FELIX ( 1996, p.198).

Embora as pesquisas tenham revelado mais denúncias


no Brasil que nos EUA, o desempenho das polícias pode ser
avaliado pelo número de inquéritos e casos esclarecidos através
desses dois universos (EUA e Marília ). Enquanto nos EUA, 1,2 em
10 incidentes definidos pela vítima como crime chegue às
estatísticas oficiais e 1 em 25 o criminoso seja conduzido à Lei; em
Marília , 3,1 em 10 crimes percebidos pela vítima estavam nos
registros criminais . Porém , 1 em 150 crimes denunciados foi
esclarecido (Figura 2) . A comparação entre um país, EUA, e uma
cidade do interior do Brasil, Marília , deve -se ao fato de não
existirem , por ocasião da pesquisa ( 1989-94 ), informações oficiais
publicadas sobre o desempenho da polícia na solução dos casos.31
Para Marília , tivemos acesso aos dados diretamente nos Distritos
Policiais .

Como ilustração , publicamos um rol de crimes e


respectivos inquéritos , onde se percebe que em média apenas
27% das ocorrências contra a pessoa e 6,36% contra o patrimônio
transformaram -se em inquéritos.
A partir de 1995, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo - SSP/SP passou a
publicar as estatísticas criminais ( Boletins de Ocorrências registrados e número de
Inquéritos Instaurados) no Diário Oficial do Estado de São Paulo ( artigo 1 , inciso II , Lei
9.155 de maio de 1995). Porém , os casos esclarecidos não foram contemplados pela
Legislação.

100
CRIMES CONTRA A PESSOA
Inquéritos % de Inquéritos
Tipo Ocorrências Instaurados Instaurados
Homicídio Doloso 4.801 2.982 62,11 %
Homicídio Tentado 2.357 2.166 91,90 %
Lesão Corporal Dolosa 29.458 4.851 16,47 %
TOTAL 36.616 9.999 27,31 %
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
Roubo e Furto Consumado 205.937 10.345 5,02 %
Roubo e Furto Veículo Cons. 90.448 913 1,01 %
Estelionato 14.876 8.322 55,94 %
Latrocinio 260 215 82,69 %
TOTAL 311.5811 19.816 6,36 %

TABELA 1 - Demonstrativo da Atividade Policial - DECAP - 1998


FONTE : Secretaria de Segurança Pública de São Paulo/SSP- Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados/SEADE .

As estatísticas refletem também o interesse em descobrir


o delito, detectar e perseguir os ofensores, independente de
pressões do poder, os quais, normalmente, estão ligados ao fator
econômico e político e ao tráfico de influência . Neste contexto
estão os white collar crime, os cometidos contra o meio -ambiente ,
a corrupção, os abusos cometidos contra consumidores, o delito
como negócio (especialmente os economicamente organizados
nos planos nacionais e internacionais).
Dos crimes citados, maior destaque tem merecido o
chamado crime do colarinho branco . Definido por Sutherland
(1949, apud FELIX, 1996 ), tem como primeiro elemento conceitual
que o sujeito ativo é uma pessoa de alto status sócio-econômico e
a ação se desenvolve no exercício de sua atividade econômica e
empresarial . Os ofensores pertencem a uma categoria homogênea ,
ocupando altas posições na hierarquia da empresa, desfrutam de
prestígio social e ainda gozam de confiança e consideração por
parte do público em geral , pois não possuem estereótipos de
delinqüentes.
Parece que tanto a polícia quanto a opinião pública
têm definido estereótipos sob o tipo de ofensa e ofensores que
devem ser tratados com leis criminais. O crime de colarinho branco
não pode ser explicado pelos estigmas da exclusão social, por
101
Sueli Andruccioli Félix

vezes utilizados pela Criminologia na explicação do delito


convencional , como a pobreza, a má habitação, a falta de escolaridade
e educação, o pertencimento a certos grupos étnicos etc.
A tipificação inclui-se no “ estoque de conhecimento "
do policial para o desempenho de suas atividades dentro da
organização . Na tipificação de " vagabundo ", o critério definidor
pode ser formal (carteira profissional assinada) ou o uso de
expressões indéxicas (incluindo expressões lingüísticas, corporais
e faciais) (PAIXÃO , 1982 apud FELIX, 1996 ).
A exigência de carteira profissional assinada , para fugir
de deten ções por vadiagem , é interpretada por Paulo Sergio
Pinheiro (apud DAMATA et al . , 1982 ) como uma função auto
atribuída às polícias militares, de controladoras do mercado de
trabalho, e que submete as classes populares ao puro terror,
especialmente em momentos em que a taxa de desemprego ou de
desemprego disfarçado atinge altos níveis . Isso , conforme o
promotor público João Benedito de Azevedo Marques, demonstra
claramente que a polícia está mais preocupada com os crimes
praticados pelas classes populares ( furto, roubo, homicídios) que
com o crime organizado ou os de colarinho branco (peculato ,
desfalques, operações financeiras ilícitas), que "transformam em
brincadeira o montante de crimes comuns contra o patrimônio ".
Acrescentem -se, ainda , os estereótipos étnicos que
engendram mais atitudes policiais coercitivas (detenção para
averiguação de culpa e agressões) em relação aos não -brancos.
Conforme o IBGE (FOLHA DE SÃO PAULO , 3 out . 1990), do total
de agressões ocorridas no Brasil entre outubro de 1987 e setembro
de 1988 (0,8% da população foi agredida no período), 14,6% foram
cometidas pela polícia, sendo 10,7 % contra negros e pardos (6,5%
e 4,2%, respectivamente) e 3,9 % contra brancos. Os negros e pardos
também são mais vítimas de agressão por parte de conhecidos -
46,1 % e 42,2%, respectivamente - contra 38,5 % de brancos agredidos
por conhecidos.
Os estereótipos influem nas estatísticas criminais em
dois momentos: nas detenções para averiguação e/ou para aguardar
julgamento , e nas decisões do júri . Quando o estereótipo combina
atributos de raça e classe social, são maiores as probabilidades

102
que indivíduos de cor ou de status sócio -econômico baixo sofram
tratamento discriminatório mais severo.
Aparências estereotipadas influem na detenção e julgamento de
pessoas envolvidas em pequenos furtos em estabelecimentos
comerciais, e, estereótipos faciais de homicidas, assaltantes e
traidores foram identificados como fatores que influenciam as
decisões do júri. (COELHO, 1978, p. 155)
O critério definidor da causa mortis é outro aspecto
importante de desvio estatístico, especialmente para os padrões
de mortes por suicídio /homicídio /acidente de veículos automotores
e não -automotores. Holinger e Klemen ( 1982, tradução nossa)
concluíram que as taxas de mortalidade, para os três tipos, tendem
a ser paralelas ao longo do tempo e a sua análise exige dois
cuidados especiais:
1 ) a forma de classificação oficial precisa ser considerada como
uma possível causa de flutuações paralelas. Exemplo: uma pessoa
tenta o suicídio com arma de fogo , mas só morre depois de
algumas semanas de pneumonia, resultado indireto do tiro. Os
registros deveriam classificar, causa mortis, pneumonia por
suicídio, o que modificaria sensivelmente as taxas nas duas
direções, aumentando ou diminuindo -as. Mesmo para homicídio
e morte no trânsito, há uma noção de intervalo de morte após o
acidente em alguns países. Na França, considera-se seis dias e
nos EUA , após 1966, a legislação estabeleceu um ano;
2) a variação numérica dos registros dessas mortes pode
condicionar-se ao orçamento ou à política . Exemplo: se o
orçamento for baixo para a saúde, mais mortes de " etiologia
indeterminada " podem aparecer, adulterando os registros de morte
violenta. Em tempos de grande depressão econômica as taxas de
morte violenta tendem a aumentar.
Também há lacunas nos registros estatísticos ,
principalmente nas características dos transgressores ( idade, meio
social, categoria sócio - profissional, escolaridade, motivos etc.) ,
demonstrando que para as autoridades que efetuam os registros
criminais, o que importa é oo crime e não as características do seu
praticante . Isso impõe uma reavaliação do preparo desses
funcionários. Além disso, falta tratamento informatizado dos dados
na origem , o que nos faz concluir que este é um campo em que o
trabalho de pesquisa acha-se todo ainda por fazer, cabendo ao
pesquisador o trabalho minucioso de vasculhar os registros e

103
Sueli Andruccioli Felix

produzir estatísticas próprias. Só desta forma é possível desenhar


fluxos no interior das aglomerações urbanas e verificar sua dinâmica
criminal.

6.4 O papel da vítima na sub -representação estatística


Outro aspecto relevante para futuras investigações é o
critério diferenciador da propensão da vítima em registrar a
ocorrência . Essa decisão varia pela seriedade da ofensa , pela
confiança na lei e na ordem , através da atitude da polícia, e pela
disposição da vítima em se expor aos órgãos de segurança e à
Justiça .
A decisão de reportar crimes à polícia varia
amplamente, também , conforme o estrato social e cultural dos
envolvidos e a tipologia criminal. As agressões e adultério , por
exemplo , considerados danos privativos , raramente são
comunicados, especialmente quando a vítima e / ou o agressor são
de classe média e alta. Em contrapartida , crimes que envolvem
prejuízos materiais (exceto os de pequena monta como os furtos
simples, uso indevido de cheques etc.) são conhecidos e registrados
convenientemente , principalmente quando há cobertura de
seguros. Conforme destacado anteriormente , há uma nova linha
delitiva: as falsas declarações de roubos e furtos de automóveis,
por jovens de classe média e alta em dívida com traficantes que,
com o benefício fraudulento do montante do seguro , resolvem o
problema dos três segmentos: o seu, o do traficante e o dos pais
que são ressarcidos pela seguradora.
Considerando que a polícia prende uma quantidade
ínfima de criminosos no ato , a vítima é o agente mais importante
de registros criminais que nortearão o planejamento de ações
preventivas.
O nível de subestimação e a contaminação das
estatísticas oficiais estão exigindo a produção de dados e o
desenvolvimento de pesquisas independentes através de surveys
de vitimização . Esta prática tem detectado sub -registros acima de
50 % . No Brasil , uma pesquisa desenvolvida pelo IBGE - PNAD
( 1988 ) constatou que 68 % das vítimas de roubo e de furto não

04
denunciaram . Em Marília , pesquisa desenvolvida pelo GUTO
(Grupo de Pesquisa da UNESP ), em 2001 , encontrou uma cifra
obscura na ordem de 40% para crimes contra o patrimônio , 46%
para crimes contra a pessoa e quase a totalidade para crimes contra
os costumes ( estupro e atentado violento ao pudor ). Além disso,
um número muito alto de pessoas (acima de 90 % ) manifestou a
vontade de não denunciar se um dia forem vítimas de roubo e
furto , por total falta de confiança institucional . Dentre os que se
declararam vítimas e não denunciaram, em ambas as pesquisas ,
destacam -se a insegurança em relação à eficácia da polícia e a
banalização do crime (Figura 3).

Marília /SP . Motivos Para Não Denunciar Brasil. Motiver para Não Denunciar
Medo Autore
Descrença na Make
Companheiros
Não quas Represálass
Viuo Falo san Descrença na
Descrença na Aparecer
Importancia Poliere
Pokcia 77
28 %
Medo de
Polic
Vivo Fata km
Falta de
linportancia PROVA
29%

FIGURA 3 - Comportamento das vítimas de roubo e de furto -


Brasil ( 1988 ) e Marília ( 2001 ) .
FONTE : IBGE - PNAD (1988 ) e GUTO - Unesp (www.marilia.unesp.br/guto -
2001 ).

Enfim , de um modo geral e para todos os crimes, os


resultados dos surveys apontam para uma considerável
delinqüência encoberta, curiosamente equitativa entre jovens de
diferentes status sócio -econômicos. A diferença dos registros pode
estar apenas demostrando as imunidades institucionais da classe
média e alta , que fazem os seus componentes serem menos
detectados e/ou detidos e processados, e em menor grau ainda ,
condenados.

A Geografia do Crime deve transcender seus


conhecimentos e entender que o controle social é constitutivo e
não simplesmente reação ao comportamento desviante . As
estatísticas oficiais tratam a taxa de crime como sendo ela própria

105
Sueli Andruccioli Félix

um fato social, um fenômeno empírico, com sua própria integridade


existencial (como um aspecto da organização social que não pode,
sociologicamente, ser incorreta) Lowman ( 1986) . A revisão da
literatura criminológica indica que , justamente por não existir claro
consenso sobre a resolução das dificuldades de interpretação, existe
uma necessidade por pesquisas na construção de estatísticas oficiais
e no estudo também dos controladores.

106
RELEVÂNCIA HUMANA
A Geografia, enquanto ciência humana, não pode ficar
à margem das discussões dos grandes problemas da sociedade,
especialmente os que se referem às injustiças sociais e espaciais
( que, vis a vis, são sociais). Debates sobre se (e como ) os geógrafos
deveriam contribuir para a solução dos problemas sociais vêm se
intensificando, desde o final da década de 60. Se o homem , em
seu contexto sócio-espacial, é o principal objetivo dos estudos
desenvolvidos pela Geografia Humana, é natural que o seu bem
estar e a sua qualidade de vida também sejam foco de indagação
geográfica.
Porém , todas essas ponderações já foram feitas e, no
momento , interessa questionar particularmente a relevância humana
dos estudos geográficos do crime. Esta relevância traduz-se por
seu significado tanto para a comunidade em geral , quanto para
associações específicas que desenvolvam políticas de prevenção
criminal e/ou recuperação dos seus autores .
O fenômeno criminal tem ultrapassado a capacidade
de interpretações científicas específicas, especialmente aquelas com
discurso conservador e altamente positivista (e nem por isso menos
eficaz ) de correlação entre exclusão e criminalidade. Sabe-se hoje
que a incidência de condutas desviantes não é privilégio de nenhum
segmento social específico e nem tão diferenciada pelo fator
sociocultural e econômico , como se supunha . A diferenciação talvez
esteja na tipologia criminal e /ou nas políticas de segurança e justiça
ou políticas penais .

7.1 Medidas punitivas


Interpretações segregacionistas, reforçadas pela mídia
com respaldo popular, têm gerado ações políticas (eleitoreiras) e
populares (originárias do povo) de combate e/ou prevenção, como
a adoção de medidas drásticas de alterações na legislação penal e
atitudes extremas de linchamentos. No contexto das exigências
populares estão discussões de medidas punitivas, como a adoção
da pena de morte, e que vem ganhando cada vez mais espaço na
mídia . Paradoxalmente , os próprios detentos são adeptos da
condenação à morte . Em 1991 , uma pesquisa efetuada na Casa de

109
Sueli Andruccioli Félix

Detenção de São Paulo (FOLHA DE SÃO PAULO , 11 jul., 1991)


revelou que, apesar de a maioria dos presos ser contra a pena de
morte (52 % ), metade dos que cometeram latrocínio e 45% dos
que cometeram homicídio , defendem-na . Dentre os crimes que
merecem a pena capital, 87% citaram o estupro , 47%, latrocínio,
21 %, homicídio, 19%, sequestro e 7%, tráfico de drogas.
A experiência tem demonstrado que medidas punitivas,
de aumento da repressão policial e penal , não apenas têm sido
por vezes ineficazes, como têm provocado efeitos colaterais. A
"Lei do Crime" ( EUA), mais conhecida como “três vezes você está
fora", que estabelece pena de prisão perpétua automática para o
réu que esteja sendo julgado pela terceira vez por crime violento
(contra a pessoa ), reflete a situação apresentada . Apesar de ser
aprovada por 80% da população norte-americana em pesquisas
de opinião pública e estar vigorando em 34 dos 50 Estados do
país, suas conseqüências são preocupantes :
1. o medo diante da possibilidade de prisão perpétua gerou
aumento de violência nas atitudes dos criminosos durante a sua
ação ( sabe que é tudo ou nada e nesse contexto está o seu sucesso
ou a privação definitiva de sua liberdade ) e no momento da sua
detenção (crescendo o número de vítimas entre os policiais );
2. no aspecto econômico, aumenta o custo de manutenção de
cada prisioneiro uma vez que aumenta o número de presos e o
tempo médio de sua permanência no sistema prisional ;
3. essa medida está sujeita às óbvias possibilidades de injustiças
sociais tanto na questão do julgamento quanto no
dimensionamento do grau de violência. Com isso, pode ser
condenado à prisão perpétua tanto quem se envolva em três brigas
de rua ou três pequenas agressões, quanto os que cometeram
delitos de muito maior gravidade. Nessa linha de reflexão, o risco
pode aumentar o número de delitos mais violentos. (FOLHA DE
SÃO PAULO , 1 maio, 1994 )

No capítulo das injustiças sociais, as organizações que


combatem a pena de morte vêm denunciando o padrão de racismo
do sistema punitivo . Como já se disse, os negros são seis vezes
mais vítimas de homicídio que os brancos e têm quatro vezes
mais chances de pegar pena máxima, quando cometem um
homicídio e a vítima é branca, do que quando ocorre o inverso
(negro vítima ). Além dos negros, os pobres e os deficientes mentais

110
são os que mais recebem a pena capital (FOLHA DE SÃO PAULO ,
31 ago. 1991 ).
Alguns32 acreditam que a pena de morte não tem
características restritivas, pois o bandido, apesar de acreditar no
êxito de sua ação, não se intimida com a possibilidade real de
insucesso, ou seja , de sua morte por policiais . Assim , se o risco de
morte presente na ação não o intimida, menos ainda a previsão
hipotética dessa morte (considerando aí, também , a impunidade e
a morosidade da justiça) .

7.2 Substitutivo penal


Reforçar o poder das autoridades através do aumento
da repressão, simplesmente, pode estimular arbitrariedades tão
comuns no meio policial . Para Schwartzman ( 1980 ), além do
arbítrio, pode haver uma redução na importância das normas legais ,
criando uma verdadeira indústria de repressão . Diante disso, sugere
duas medidas concretas e imediatas:
1 ) eliminar uma série de características próprias do sistema jurídico
policial vigentes que tendem a estimular a violência (exemplo
necessidade de implantar um controle judicial estrito do poder
de polícia e de prisão, reduzir drasticamente a população carcerária
pela substituição das penas de prisão por outros tipos de sanção
e a melhoria das condições de vida das prisões );
2) olhar de frente a realidade e eliminar ao máximo dos códigos
penais os chamados crimes sem vítimas' que são alguns dos
principais geradores da corrupção policial e do crime organizado.
Existe uma série de atividades cujo aspecto pernicioso é no mínimo
discutível - como o jogo do bicho, o uso da maconha , o
homossexualismo e a prática do aborto - e que , ao serem
reprimidas, geram toda uma indústria clandestina que tende a ser
protegida pela corrupção e pelo uso impune da violência .
Outros33 propõem a substituição da pena de prisão para
os autores dos chamados crimes " circunstanciais”, que são os
32 Entre os que corroboram essa idéia está o Sr. Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Secretário de
Segurança Pública de São Paulo no governo Fleury, conforme o jornal O Estado de S. Paulo , 23
out . 1990 .
33 Posição sustentada num estudo desenvolvido por 2 médicos e 6 psicólogos de São José do Rio
Preto , entre 92 e 94 , com 175 presos do IPA ( Instituto Penal Agrícola ), conforme artigo publicado
pelo jornal Folha de São Paulo, 20 nov. 1994, Cotidiano, p.9 .
111
Sueli Andruccioli Félix
cometidos sem premeditação , normalmente no decorrer de um
desentendimento . Os criminosos primários, condenados por furto ,
assalto e até homicídio deveriam cumprir penas sob liberdade
controlada, prestando serviços à comunidade . Isto evitaria o
contato com “presos reincidentes e autores de crimes planejados,
seqüenciais, de violência sexual e formação de quadrilha ". O
contato com outros condenados torna o criminoso circunstancial
mais violento e com menores chances de recuperação . Apenas os
condenados por latrocínio e estupro , segundo o estudo, deveriam
cumprir penas com tratamento psicológico em instituições fechadas.

7.3 Restrição de licenças para uso de armas


Estudos de medidas de contenção da criminalidade
circunstancial sugerem maior controle ao uso e concessão de
licenças de armas de fogo. Alguns estudos etnográficos reafirmam
que os homicídios são majoritariamente impulsionados e não atos
psicóticos ou premeditados (apenas cerca de 5% são planejados
ou intencionais ) . Como ocorrem normalmente em conseqüência
de contratempo entre amigos, amantes e vizinhos, se a arma de
fogo estiver disponível no momento , as chances de mortalidade
tornam - se muito maiores.
Portanto , se for possível reduzir o número de armas
de fogo para uso particular, a freqüência de atos violentos pode
não necessariamente ser afetada , mas a mortalidade com certeza
será reduzida ( nos EUA, 71% dos homicídios são cometidos com
armas de fogo e 20 % , aproximadamente , envolvem canivetes e
outros objetos cortantes). A violência poderia ser deslocada para
categoria de armas menos letais , dando oportunidade de
sobrevivência às vítimas. Enquanto no mundo está havendo
redução no comércio de armas convencionais ( em 1992 diminuiu
25%), no Brasil, nos anos 80, houve um aumento de 96% no uso
de armas de fogo nos homicídios. Em 1993 , as armas de fogo
foram responsáveis por cerca de 82% dos homicídios ocorridos
em São Paulo. Estima- se que uma em cada 40 pessoas possua
arma de fogo na Grande São Paulo .34
34 Conforme relatório anula do Instituto Internacional de Pesquisas sobre a Paz (SIPRI) com
sede em Estocolmo. In: Folha de São Paulo, 13 jul ., 1994. Caderno Cotidiano, p. 3.
112
O aumento no volume de armas ilegais em circulação
( estimam -se 10 mil na Grande São Paulo) juntamente com as novas
licenças para o seu uso (60 mil ao ano no Estado de S.Paulo), na
visão das Polícias Civil e Militar e do cientista Paulo Sergio Pinheiro,
deve ser o principal fator de aumento da criminalidade (AS
MORTES..., 1994) . Um em quatro assaltantes presos pela polícia
praticam o delito com armas de brinquedo, o que levou algumas
lideranças políticas a exigir a aprovação de leis que proíbam a
fabricação e o comércio das mesmas , principalmente quando
réplicas das verdadeiras.35
Nos EUA , a cultura do revólver vem sendo reavaliada
e os americanos estão exigindo maior controle, tanto na concessão
de licenças quanto no comércio de armamentos. Consideram que
as armas devem ser tão responsáveis quanto os que dela fazem
uso, pois não se pode apunhalar alguém de dentro de um carro
em movimento . A despeito da idéia que essa cultura de arma e a
legendária “mentalidade de fronteira" são características dos EUA,
o artigo traz argumentos lembrando que o Canadá também se
expandiu ao longo de uma imensa fronteira e a Austrália foi
colonizada por condenados. Entretanto , em 1990, 10 pessoas foram
mortas por armas de fogo na Austrália e 68, no Canadá . Nos EUA ,
segundo a Handgun Control Inc. , os números foram 10.567. Com
isso, " a cultura de armas está corroendo os mesmos valores que
deveria proteger " 36
No ano de 1994, em todo o Japão, foram mortas apenas
38 pessoas por armas de fogo. Nos EUA, foram cerca de 16 mil
homicídios por arma de fogo , com uma média diária de 44 (O
ESTADO DE SÃO PAULO , 13 jun. , 1995) . Em 1588 , por ordem de
um senhor feudal que pacificou o Japão , Hideyoshi Toyotomi,
todas as espadas e armas de fogo foram confiscadas e, desde
então , é vedado ao homem comum possuir as de fogo. A
reportagem afirma que além da polícia, há somente 49 pistolas e
revólveres no país, todos pertencentes a praticantes de tiro ao
alvo, e depositados em campos de tiro. Apenas espingardas de
35 o Prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, sancionou em 14/11/1994 a lei que proíbe o comércio
de armas de brinquedo semelhantes às verdadeiras. Folha de São Paulo, 15 nov.1994, Cotidiano ,
p.1 .
35 Conforme reportagem do Jornal da Tarde, 9 out. 1993. Caderno de Sábado, p.5
113
Sueli Andruccioli Félix

caça e um número limitado de rifles são permitidos. Os proprietários


dos últimos devem submeter -se a exames periódicos rigorosos e
extremamente onerosos, o que limita a sua posse. Com isso, há
um total de 425 mil armas de fogo em mãos de particulares (nos
EUA , calcula -se 200 milhões ), sendo estas, em sua maioria ,
espingardas e espingardas de ar comprimido. Por outro lado, as
gangues de crime possuem armas contrabandeadas do exterior,
usadas em combates entre si para domínio de território. Além das
restrições ao porte de arma, as leis são muito severas para quem é
flagrado armado, sujeitando -se o portadorડોà pena de prisão de 15
anos .
David H. Bayley ,37 criminalista norte - americano e
estudioso da polícia japonesa, afirmou que a quase ausência de
criminalidade no Japão deve -se às atitudes políticas em relação às
armas de fogo , ao sistema policial e à ênfase na adequação aos
padrões sociais .
Sendo assim , os estudos da gênese criminal devem
considerar as condições estruturais ( causas, variáveis intervenientes ,
tipo de arma, condições psicológicas etc. ) da ocorrência de um
crime. Isto serve tanto para sua classificação quanto para o
desenvolvimento de políticas públicas de contenção da
criminalidade. A letalidade da arma utilizada, por exemplo, provoca
distorções estatísticas e dificulta principalmente a compreensão
da gênese de dois crimes: agressão ( incluindo -se lesão corporal e
tentativa de homicídio e homicídio. Ambos são cometidos, por
vezes, com a intenção de promover injúria física, o que os torna
idênticos no processo , diferindo - se apenas no resultado. Isto
significa que, exceto por sua fatalidade, o homicídio , nesses casos,
compartilha das mesmas características sócio -econômicas,
temporais, raciais , de idade e gênero que as agressões. Além da
letalidade das armas, a diferença entre ambos também se dá pela
mistura analítica de homicídios primários e secundários nas formas
de classificação .
Como a percepção e a compreensão da violência são
fortemente afetadas pelo modo como são classificados os crimes

17 Criminalista da State University of New York .


114
pelas autoridades , geógrafos norte -americanos, particularmente
Harries ( 1989, p.37), vêm sugerindo que sejam agrupadas essas
infrações de natureza semelhante para facilitar o seu controle .
Incidentes em que o ofensor aparentemente pretendia cometer
injúria (homicídio primário e agressão primária agravada ) poderiam
combinar-se numa única categoria nas estatísticas , dando a
aparente similaridade de sua dinâmica. Os homicídios e agressões
ocorridos no curso de outros eventos ( rapto , roubo,
arrombamentos, por exemplo ) seriam identificados separadamente
para permitir um sistema mais sofisticado de classificação e análise.
Exame paralelo desses crimes permitiria localizar as diversas
dimensões demográficas, temporais e espaciais de qualquer tipo
de crime a fim de identificar a relevância social, temporal e
modalidades espaciais, resultando até mesmo em respostas
políticas mais eficientes.
Atento a isso, o Congresso Nacional brasileiro redefiniu
os crimes hediondos através de uma lei , sancionada sem vetos
pelo então Presidente Itamar Franco , em 07/09/1994 . Passaram a
ser considerados crimes hediondos (sem direito à fiança, liberdade
provisória , anistia ou graça) o homicídio praticado por grupo de
extermínio e o homicídio qualificado (praticado por motivo fútil,
com tortura ou sob traição ), além dos não consumados, como a
tentativa de latrocínio ( roubo seguido de morte ), de estupro , de
atentado violento ao pudor, de extorsão seguida de morte ou
extorsão mediante sequestro ( FOLHA DE SÃO PAULO , 9 set., 1994).
9

7.4 O papel da polícia comunitária na contenção do crime


Seguindo na direção do controle da criminalidade, com
o desenvolvimento de novas técnicas , alguns países estão
trabalhando com o sistema de polícia comunitária , recrutando os
dois segmentos, civil e militar, na comunidade local .
No primeiro caso , são cidadãos comuns, nascidos e
criados na comunidade, com conhecimento e vivência dos
problemas, e que desempenham funções análogas às de assistentes
sociais, mas com poder de polícia na manutenção da ordem ,
embora recebam missões de menor risco . Os voluntários portam
carteiras de identificação obtidas após um curso de 600 horas ,
ministrado por profissionais e aprovação nos exames de habilitação.

115
Sueli Andruccioli Félix
O serviço voluntário foi proposto em 1990 , devido à falta de verbas
para ampliar o número de guardas profissionais, e começou a
funcionar em Houston ( Texas), uma das cidades dos EUA com
maiores índices de criminalidade , a partir de 1991 , estimando -se
uma redução em 22% no registro de crimes graves, desde então
(FOLHA DE SÃO PAULO , 21 abr., 1994 ).
No segundo caso, são os próprios policiais que,
além de suas funções tradicionais, instruem cidadãos sobre regras
básicas de prevenção ao crime, inspecionam sistemas de segurança
em residências, participam de reuniões com associações de
moradores, organizam estratégias coletivas e intermediam o
contato dos cidadãos com outras agências, governamentais ou
não, na busca de soluções para questões da área . ( DIAS NETO,
1991 , p . 4)
O objetivo dessa iniciativa é o estabelecimento de
melhor relacionamento entre polícia e comunidade, com melhor
compreensão da dinâmica de ambas. Esta interação tem função
reflexa pois
Ao; envolver os cidadãos no processo , a polícia contribui para a
recuperação da vida em comunidade, e desta forma previne crimes
1 ...) , a sociedade passa a ter uma avaliação mais realista das
potencialidades e limites da polícia e a partir disso conscientiza
se de suas próprias responsabilidades no processo. ( DIAS NETO ,
1991 , p. 4 )
Países como o Japão , Canada , Austrália , Cingapura e
Escandinávia já possuem a polícia comunitária e, na opinião de
Theodoro Dias Neto ( 1991 ), representa o que há de mais inovador
em termos de alternativa aos métodos tradicionais de policiamento ,
onde a função do policial é muito mais abrangente que a de lidar
com condutas criminosas.
No contexto de prestação social de serviços ,
especialmente em cidades de menor porte, a polícia já desenvolve
algumas atividades assistenciais , como atendimento a parturientes,
pessoas desaparecidas, com problemas mentais, de alcoolismo,
além de desentendimentos entre vizinhos, vandalismo de
adolescentes, condutas ofensivas à moral , perturbação do sossego
( como barulho ), uso indevido do espaço público etc.

116
Além de combater o crime, especificamente, a polícia
comunitária contribui com a qualidade de vida da população ao
impedir a deterioração física da cidade e ao resgatar vínculos sociais
que reduzem a sensação de medo e insegurança provocada pela
violência proveniente do bandido e da própria polícia. Hoje, é
comum temer-se o bandido e o policial, muitas vezes fundidos na
mesma pessoa. Pesquisa do Gallup revelou que a grande maioria
das pessoas assaltadas no Rio de Janeiro (70%) e São Paulo (59%)
não apresenta queixa por medo da polícia e por desconfiança da
sua eficácia ( DA MATTA , 1982 ).
O respeito à ordem e à autoridade , corporificados na
figura do policial , vem respaldando atitudes arbitrárias de muitos
elementos dessa corporação (civil e militar). A atuação policial
reveste-se de extrema violência , dando indícios de desvirtuamento
de sua tarefa de proteção do cidadão e manutenção da ordem
pública . O Prof. Paul Chevigny ( 1992), que estudou a violência
nos EUA afirmou que
ando Oo número de policiais transforma-se numa grande
porcentagem de taxas de homicídios, há uma inferência de que a
polícia não está reagindo a incidentes numa sociedade violenta,
mas sim usando da violência para propósito de controle social.
O Núcleo de Estudos da Violência da USP aponta a
Polícia Militar de São Paulo como uma das mais violentas do
mundo :
um dado alarmante que indica que a brutalidade faz parte da
própria cultura da PM de São Paulo é o de que ela mata três
vezes mais do que fere - o oposto do que faz a polícia em Nova
York . A inversão é flagrante e sugere que os policiais atiram não
para deter, como seria de esperar, mas para matar. E a situação
tem-se agravado. Os policiais militares, que respondiam por 7 %
de todos os homicídios cometidos em São Paulo em 87, passaram
a ser responsáveis por impressionantes 25% dos assassinatos do
Estado em 1991. ( FOLHA DE SÃO PAULO , 3 nov. 1994 )
O confronto com a polícia deixa 1,2 mortos ao dia .
Entre 1981 e 1989 foram 3.922 mortos e 5.570 feridos. Na Austrália,
com 17 milhões de habitantes (como a Grande São Paulo), foram
mortos em 14 anos ( 1974-1988) 49 pessoas e 21 policiais. Em Nova
York foram mortos 12 não-policiais em 1985 (585 em São Paulo ).38
3* Conforme o Núcleo de Estudos da Violência da USP em artigo na Folha de São Paulo, no dia
06 de julho de 1991. Caderno Cotidiano, p. 1 .
117
Sueli Andruccioli Félix
Um relatório , elaborado por ordem da Vice
Governadoria do Estado do Rio de Janeiro e divulgado pelo
deputado estadual Paulo Melo , mostrou o alto nível de
envolvimento da Polícia Militar em extermínios. Entre os policiais
presos (53), a partir de 1991, cerca de 75 % (40) foram acusados de
integrar grupos de extermínio ou de envolvimento com homicídio.
Para o deputado, e para inúmeros outros segmentos da sociedade,
a punição só será possível se os crimes atribuídos a policiais tiverem
apuração externa , com a participação do Ministério Público, já
que o corporativismo ainda é determinante na apuração de casos
envolvendo policiais (FOLHA DE SÃO PAULO , 2 jun . 1993) .
Do mesmo modo, estima- se um profundo
envolvimento de policiais civis em crimes isolados e grupos de
extermínio . Em Manaus, o Ministério Público denunciou que 30 %
dos policiais civis estão envolvidos principalmente com lesão
corporal (30 % ), homicídio ( 14 % ) e extorsão (4%) (FOLHA DE SÃO
PAULO , 5 jun . , 1994 ) .
Apesar de os números serem elevados, ainda há
denúncias de subestimação estatística na ordem de 50%. Um
levantamento efetuado por uma equipe de jornalismo nos quatro
Institutos Médicos Legais de São Paulo, apontou 59 homicídios no
primeiro final de semana do mês de dezembro, enquanto os
registros policiais acusavam 29 casos. Desses, a equipe constatou
5 cometidos pela polícia, embora nenhum registrado no
Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa ( FOLHA DE
SÃO PAULO , 21 dez. 1993).
Todos estes fatos indicam a necessidade de profundas
modificações no aparato policial , com reformas na cultura da
violência desta corporação que, com honrosas exceções, além de
pouco preparada ainda vem se destacando no envolvimento com
o crime organizado, aumentando a sensação de medo e insegurança
na população, exatamente o oposto do que deveria ser a sua
função .

7.5 O medo do crime


Dentre outros fatores, o medo do crime está associado
à prática policial, à desigualdade social percebida no interior da
118
comunidade ( vizinhança ) e à insatisfação com o estilo de vida
urbano (SMITH , 1987 ) . Essa insatisfação é , certamente ,
conseqüência da deterioração da vida comunitária , do
descontentamento da população pela ausência e precariedade dos
serviços essenciais. Mais a sensação de solidão e medo ao retornar
para casa no final do dia . O medo está presente na rotina da
população, especialmente dos grandes centros, incorporado a seu
estilo de vida , a ponto de se construírem , mentalmente, os trajetos
possíveis de serem percorridos e a melhor hora (ou a menos
perigosa , já que o crime perdeu sua característica de atividade
noturna ) . Ironicamente, sabe-se que apesar do crescimento
acelerado da criminalidade, o medo tem superado os seus índices.
O caráter do medo ainda não foi completamente
entendido, mas pode ser interpretado como um problema local a
partir da conscientização geral do seu perigo no ambiente imediato .
Estudos antropológicos interpretam o medo como uma experiência
que não se distingue ou se delimita claramente. Ao contrário do
próprio crime, a ansiedade não é um evento, mas um persistente
e recorrente senso de mal- estar. Com relação ao crime, o medo é
considerado um fenômeno social , em vez de uma faceta da
personalidade e induz a discussões filosóficas (filosofia do medo ),
sociológicas (sociologia do medo ) e até geográficas ( geografia do
medo ), através de análises da percepção ambiental.
O medo do crime reduz as atividades sociais,
particularmente entre as mulheres e os mais velhos e, uma
sociedade menos ativa comunitariamente está mais vulnerável à
criminalidade. Com isso se estabelece a dinâmica crime-medo
crime. O medo é mais difundido entre os maiores de 40 anos e se
intensifica nitidamente após os 60 anos, ligado ao isolamento e
solidão e frequentemente associado à incerteza e à incapacidade
de atuar sobre o seu futuro (transferência para asilo, casa de
parentes, por exemplo ).
Algumas explicações para o caráter diferencial do medo
foram encontradas entre os grupos etários, raciais, sexuais e sócio
econômicos. O medo aumenta com a idade entre os homens, mas
permanece entre as mulheres por toda a vida; Varia entre os grupos
raciais (nos EUA e Inglaterra os negros são mais medrosos que os

119
Sueli Andruccioli Félix
brancos) e entre as classes sociais (os seus indicadores são
basicamente econômicos e o medo do crime de patrimônio está
diretamente relacionado à renda ). Para Maxfield ( 1984 apud FELIX,
1996) , há variações nos indicadores do medo com relação às
características sócio - econômicas da vizinhança . Enquanto o medo
em vizinhança de baixa criminalidade é discriminatório
( especialmente entre os mais velhos ), o medo em vizinhança de
alta criminalidade é muito persistente em todos os grupos sociais.
Smith e Gray ( 1985 apud FELIX, 1989 ) perceberam que o medo é
duas vezes mais difundido entre brancos londrinos que vivem em
áreas de " alta concentração étnica" que entre aqueles com
vizinhança de "baixa concentração ”.
" O medo nasce do perigo, mas também das incertezas.
Hoje , as causas do medo derivam muito mais da falta de confiança
dos cidadãos neles mesmos do que de perigos reais” ( TORAINE,
1994 apud FELIX , 1996 ). O resultado disso é o reforço objetivo de
medidas de proteção física, mas também uma neurose direcionada
a alguns segmentos da população (pobre, negro, favelado etc. ) , e
que podem desembocar em atitudes drásticas como os
linchamentos.

7.6 Linchamentos
O linchamento é a expressão dramática da descrença
no poder e eficácia das instituições que têm como função a proteção
do cidadão. A corrupção e violência policial , acrescidas da
impunidade e reforçadas pelo sensacionalismo da imprensa,
incentivam esse tipo de atitude : justiça pelas próprias mãos.
O Núcleo de Estudos da Violência da USP estudou os
casos de linchamentos publicados na imprensa, percebendo - lhes
características comportamentais específicas. Nas regiões centrais
das metrópoles o roubo é o motivo mais corriqueiro para o
linchamento , ou a sua tentativa , já que normalmente não se
concretiza , com a atuação rápida da polícia. O ato é praticado
geralmente por pessoas que não conhecem a vítima e nem têm
certeza de sua culpa. Nas regiões periféricas das metrópoles e em
cidades do interior, o linchamento se concretiza , e é executado

120
por pessoas da comunidade local (homens, mulheres e até
crianças), que normalmente conhecem quem vai ser linchado e
supostamente sabem o motivo pelo qual estão linchando ( estupro
é o principal motivo ). Ainda conforme o grupo, na Bahia a maior
parte dos linchamentos é feita por taxistas ( USP ESTUDA... , 1994 ) .
O desenvolvimento de pesquisas sobre o caráter e as
conseqüências do medo, os segmentos populacionais e os espaços
mais vulneráveis, pode fornecer elementos que engendrem
respostas políticas um pouco mais eficientes. Uma conseqüência
imediata, como já foi visto, é o aumento no número de armas em
circulação, que nem tem protegido e nem dado mais segurança à
população. Ao contrário, tem se revertido em problemas ainda
maiores , à medida que vem armando o ofensor de forma indireta .

7.7 O Jovem delinqüente


Paradoxalmente , um grupo demográfico
(principalmente o menor de 20 anos) que não tem o medo muito
difundido entre os seus componentes é o que vem apresentando
um contínuo aumento no indice de morte violenta39 - o jovem .
Além disso , dentre as mortes violentas, a causada por homicídios
é a que apresenta o crescimento mais acentuado, especialmente
entre os adolescentes homens.40 As mortes violentas são as
chamadas mortes evitáveis, e o serão , se forem objeto de ações
públicas que atuem na redução da sua incidência . Portanto , se as
pesquisas mostram o segmento social mais vulnerável e onde
encontrá -lo , pode estar faltando vontade política para ação
educadora ou contentora desses indices. Neste contexto , também ,
estão a imprensa, a escola, as organizações de classe etc.
É discurso corrente que a violência é fruto do rápido
processo de metropolização e que o modelo econômico
» Dentro da classificação de morte violenta estão as ocasionadas por veículos a motor, homicídios
e suicídios.
40 Estatísticas criminais publicadas pela Folha de São Paulo apontam a seguinte seqüência de
mortalidade entre jovens e adolescentes: acidentes de transito (31,2% ), homicídios (22,2%),
afogamentos ( 10%). Os dados foram levados ao presidente para justificar medidas contra a
liberação da carteira de habilitação aos jovens a partir de 16 anos. Há possibilidade desses
números conterem as mortes praticadas por grupos de extermínio .
121
Sueli Andruccioli Félix

concentrador de renda gera conflitos, na medida em que promove


a desigualdade social e a convivência entre riqueza e miséria . No
entanto , não se pode generalizar, especialmente a partir de
informações de que 30 % dos homicídios praticados em S. Paulo
têm como protagonistas os jovens de classe média e média alta ,
conforme dossiê elaborado pela Polícia Militar de São Paulo
(FOLHA DE SÃO PAULO , 3 jun . 1994 ).
Relatório da Secretaria de Segurança Pública de São
Paulo, publicado em 13/07/1994 ( Folha de S. Paulo ), mostra o
perfil dos assassinos da Grande S. Paulo , com a participação dos
menores de 21 anos em mais da metade dos homicídios. Também
são majoritários entre as vítimas, 60 % têm menos de 25 anos.
Nos EUA , conforme relatório preparado pela ONU para
o Congresso Internacional do Crime, realizado em Cuba em 1990 ,
os jovens respondem com 60 % a 70 % de todos os crimes praticados,
Atualmente há ainda uma forte tendência de redução na idade em
que a delinqüência começa: entre 13 e 14 anos para atividades
criminosas e uso de drogas. "Nas áreas metropolitanas de países
ricos e pobres, onde há tráfico de drogas, a delinqüência não raro
começa antes dos dez anos. ” ( FOLHA DE SÃO PAULO , 1 ago .
1990 ).
Esse aumento exagerado nos indices está levando
vários Estados Norte -americanos a adotar medidas punitivas mais
severas. No Estado da Flórida, estão votando leis que induzem à
pena de morte os assassinos a partir dos 14 anos e consideram
adultas as crianças com três passagens por centros de correção,
Na Califórnia e Washington, já está em vigor a seguinte lei : infrator
reincidente de crime violento pode pegar o dobro da pena prevista,
mesmo que o segundo crime seja a emissão de cheque sem fundos.
Na terceira vez, a pena é de 25 anos, sem apelação. Outros 30
Estados estão estudando a implantação dessa lei ( FOLHA DE SÃO
PAULO, 1 maio 1994 ) .
Em contrapartida , outros doze Estados norte
americanos adotaram a corte juvenil ( júri de adolescentes ) para
julgamento de réus primários que cometeram delitos de pequena
gravidade, como infrações de trânsito e brigas de rua . As estatísticas
nacionais mostraram que uma média de 40% a 50% dos
122
adolescentes presos e julgados por adultos tornavam - se
reincidentes . Nos casos decididos por adolescentes, entre 14 e 18
anos (apenas o juiz é adulto), a reincidência foi reduzida entre
12% e 15%. As penas imputadas são prestação de serviços
comunitários, pedidos de desculpas, aulas de direção de automóvel ,
aconselhamento psicológico etc. Outra vantagem das cortes juvenis
é desafogar o sistema jurídico (os adolescentes constituem um
quarto das prisões feitas por ano) ( FOLHA DE SÃO PAULO , 14
jun . 1994 ) .
Isso tudo indica que o jovem, independente da sua
nacionalidade, é o segmento populacional mais problemático e
vulnerável às questões de desorganização social. Sua busca de
identidade o leva a situações de conflito comportamental e, por
vezes , a adotar como modelo figuras que se destacam na
comunidade, independente de estarem dentro dos padrões de
comportamento aceitos socialmente. Como discutido anteriormente,
é a aura de independência e poder personificadas na figura do
traficante de drogas, do assaltante, enfim do contraventor, que se
torna milionário por meios obscuros.
Outro dado importante para atitudes educacionais el
ou assistencialistas é que a maior parte dos jovens delinqüentes
tem família, apesar de desestruturada . A Promotoria de Justiça da
Infância e da Juventude de Belém (PA ) divulgou um relatório
mostrando que o adolescente que vive com sua família comete
crimes piores que os chamados meninos de rua . Enquanto os
primeiros praticam crimes como lesões corporais, roubo e
homicídio ; os últimos geralmente cometem pequenos furtos na
busca da sua sobrevivência (FOLHA DE SÃO PAULO , 6 maio 1995).
Cientes disso, é dever da família , da escola, das
associações governamentais e não - governamentais promover ações
de educação e reintegração dos jovens à sociedade. A demografa
Felícia R. Madeira ( 1988 , p.2 ) acredita tratar- se
portanto de um longo processo de aprendizagem e mudança que
deve iniciar-se simultaneamente em duas frentes: desenvolver
projetos de estudos que possam subsidiar programas
governamentais atentos à especificidade do jovem adolescente e
criar a partir de lideranças naturais e emergentes desde já, uma
sensibilidade às questões da juventude, como já existe por exemplo

123
Sueli Andruccioli Félix
com relação à criança e à mulher. Essa sensibilização deve começar
com a quebra dos preconceitos que envolvem o jovem adolescente
na nossa sociedade, sobretudo adolescentes dos setores mais
empobrecidos da sociedade que costumam ser chamados de
menores' numa clara alusão à proximidade da marginalidade.
Mesmo levando - se em conta as distorções do sistema
de justiça através do papel, às vezes discriminatório, das agências
de controle , há um comportamento criminal característico que
permite o desenvolvimento de políticas públicas razoavelmente
eficientes. Sabe- se que o número de delitos envolvendo drogas e
o uso de armas ilegais é muito grande, mas sabe - se também que a
origem de ambas é externa ao País e que sua entrada se faz por
falta de vigilância nas fronteiras. Atitudes nessa direção estão sendo
tomadas pelo Senado norte -americano que aprovou , em julho de
1994 , verba suplementar destinada à construção de novos centros
de controle nas fronteiras dos EUA , contratando novos agentes de
fronteira , reestruturando os sistemas de computadores e destinando
verba suplementar ao aperfeiçoamento de jovens que tenham se
envolvido com drogas, para ajudá -los antes que cometam crimes
( FOLHA DE SÃO PAULO , 26 jul. 1994 ).
Pesquisadores da Universidade de Liverpool (FOLHA
DE SÃO PAULO , 1 nov. 1994 ), convencidos de que os criminosos
seguem padrões de comportamento característico , desenvolveram
um programa de computador que pode ajudar na contenção da
criminalidade. Testando o programa nos crimes de estupro,
conseguiram reduzir a área de busca dos estupradores em mais de
90 % .
Dos 45 casos investigados, 39 (86,6%) seguiam o
modelo de comportamento que chamaram de saqueador - cometem
crimes em áreas próximas às suas casas . Os seis restantes se
comportavam como viajantes diários, que agem em ruas específicas
ou entre grupos específicos de mulheres (prostitutas ). Para os
saqueadores, a polícia delimita a área em um círculo a partir do
local do crime. Alguns fatores como idade, origem étnica, o fato
de os crimes serem cometidos em locais abertos ou fechados e em
determinados dias da semana permitiu delimitar o raio de ação do
criminoso. Constatou - se que os criminosos que atacam nos finais
de semana cobrem distância maiores do que os criminosos de

124
dias úteis. Que os homens mais velhos agem mais longe que os
mais jovens, por já estarem melhor estabelecidos financeiramente
e , portanto, possuírem mais dinheiro para o deslocamento .
Outro aspecto do comportamento criminal que pode
auxiliar políticas públicas é a reincidência . O Censo Penitenciário
de 1994 mostrou que 49 % dos presidiários são reincidentes e destes,
33% o são do mesmo delito. O que demonstra a necessidade de
uma reforma geral no sistema penitenciário brasileiro, que não
está recuperando e nem contribuindo para a reintegração do ex
presidiário à sociedade.
Evidentemente, os mais eficientes são os programas
de prevenção primária, que se orientam para as raízes da
criminalidade, as quais estão no esfacelamento das relações sociais,
na carência de atendimento às necessidades básicas ( educação,
saúde, habitação ) e de outros serviços que valorizem a cidadania.
É necessária a atuação não apenas de um poder político organizado,
atuante , eficaz, mas também a participação ativa de todos os setores
da sociedade . E também os investimentos em pesquisas
sistemáticas,*1 que coloquem suas conclusões à disposição dos
segmentos da sociedade preocupados com a qualidade de vida
humana e com a redução nos níveis de violência - objetivo principal
da geografia do crime.

41 Em agosto de 1990, o DataFolha (órgão de pesquisa do Jornal Folha de S.Paulo , Caderno


Especial:Rio em Crise, 5 ago. 1990) perguntou aos moradores da capital do Estado Rio de
Janeiro qual o principal problema da cidade e ouviu de 57% deles que era segurunça e violência .
Em segundo lugar ficou o custo de vida com 17% . Essa preocupação com a violência reforça-se
pelo fato de 55 % das pessoas terem sido assaltadas/roubadas pelo menos uma vez na vida e,
nesse universo , 35% o foram por, no mínimo, 3 vezes; 28% por duas vezes e 37% por uma vez.
125
RELEVÂNCIA CONTEMPORÂNEA
Mesmo sendo os padrões criminais variáveis no tempo
e no espaço, existe um comportamento criminal relativamente
previsível, que tem propiciado o desenvolvimento de sistemas de
auto -proteção, através da adoção de sistemas individualistas e /ou
coletivistas de segurança física como, por exemplo, a construção
de postos policiais. 2
Paradoxalmente, o medo tanto pode inibir ações
cooperativas contra o crime quanto encorajar estratégias
individualistas em nível residencial. A utilização de animais em
residências, o design de certas construções (grades de proteção ,
muros altos, vitrôs pequenos e altos etc.), a criação de guardas
particulares, a manutenção de luzes acesas no interior das casas, o
surgimento de bairros fechados etc. , são positivamente relacionados
com o medo do crime. A exploração deste medo e a ansiedade da
população é visível em diversos setores e explorado das mais
diversas formas, que vão desde o marketing político ( eleitoreiro )
até o financeiro ( imobiliário ). Atualmente os anúncios de compra
e venda de imóveis estão dando maior destaque à segurança do
que ao próprio conforto habitacional.
O medo e a necessidade de proteção crescentes estão
se refletindo nas diversas formas de aproveitamento do espaço e
transformando todo o design das estruturas urbanas. Este impacto
da violência sobre o espaço está sendo analisado pelos planejadores
urbanos que, ao invés de acessibilidade, estão cada vez mais
preocupados em desenvolver projetos que garantam mais segurança
aos cidadãos:

novas cidades defensivas vêm ressurgindo, em razão da violência


urbana, à semelhança do que ocorria na Idade Média e que
historicamente sabe-se que, quando as instituições políticas não
conseguem proteger as pessoas, elas mesmas disso se encarregam .
Portanto , menos por ações públicas do que por iniciativa dos
moradores ou dos construtores, surgem modalidades residenciais
que tentam oferecer o máximo de segurança (guaritas, circuitos
fechados de TV, porteiros eletrônicos, condomínios fechados).
Vende-se hoje, juntamente com o imóvel , o lazer e a segurança .
(GOLD , 1970 apud MASSENA , 1986)
+2 Moradores da Capela do Socorro (extremo sul de S. Paulo) construíram três postos policiais
no bairro através de doações de material e dinheiro pelos moradores e de pessoal pela Guarda
Civil Metropolitana. A medida reduziu o número de delitos

129
Sueli Andruccioli Félix

8.1 A indústria da segurança


O “mercado de segurança " talvez seja o mais promissor
atualmente e vem crescendo de 30 % a 40 % ao ano e com tendências
de aceleração, já que o medo e a insegurança estão crescendo
ainda mais que os índices criminais (há quem afirme que enquanto
o crime aumenta em progressão aritmética , o medo cresce em
progressão geométrica ). Os mecanismos de segurança abrangem
desde os tradicionais cães de guarda até os mais modernos alarmes,
que disparam em central informatizada que, ato contínuo , aciona
a polícia. De cães eletrônicos que “ laten ” através de um sampler,
que dispara toda vez que se adentra a sua esfera de atuação (um
raio de 20 metros e 110 graus de abertura ) a bonecos imitando
seguranças, a indústria da segurança privada gastou cerca de US$
15 bilhões e empregou 500 mil pessoas como vigilantes de prédios,
bancos e firmas entre 1993 e 1994 , segundo o economista Ib
Teixeira , da Fundação Getúlio Vargas ( FOLHA DE SÃO PAULO , 1
maio 1995 ) . O setor de seguros cresceu 63% no período ,
consumindo US$ 11 bilhões. Equipamentos de segurança como
blindagem , alarmes, gradeamentos e o pagamento de resgates e
extorsões é calculado em mais de US$ 2 bilhões, do que foi possível
calcular. No total, a indústria da violência leva do setor privado da
economia nacional US$ 28 bilhões por ano -6,4% do PIB brasileiro .
Além do medo do delito, especificamente , hoje ainda
se soma a insegurança com relação à cobertura ideal das
seguradoras, por ocasião do pagamento do prêmio . A
vulnerabilidade ambiental pode aumentar a freqüência de certos
delitos, provocando duas atitudes principais por parte das empresas
de segurança : a obrigação do segurado se auto-proteger, com
sistemas de alarme (o que faz a felicidade dos especialistas em
proteção), e a cobrança de taxas extras para locais de maior
periculosidade.

8.2 O ambiente na análise da criminalidade


A relação entre vulnerabilidade ambiental e crime vem
sendo pesquisada desde os tempos de Mayhew ( 1862 ) , Shaw e
Mckay ( 1942) e atualmente tem recebido especial atenção dos
estudos geográficos, influenciados pela Escola de Chicago.
130
Desenvolvendo e reformulando a tradição ecológica, as pesquisas
no campo da criminologia ambiental têm mostrado interesses mais
explícitos pelos lugares, como um parâmetro significativo para
alguns eventos criminais. Os criminólogos ambientais estão se
valendo das teorias defensivas de Newman ao destacar o espaço e
a ofensa, nas suas investigações, em detrimento do ofensor,
especificamente.
A prevenção ao crime dá ênfase às qualidades
ambientais de construção e aos modos como os designs ou layout
podem reduzir a sua vulnerabilidade ao crime. Isto é possível ,
segundo Herbert & Harries ( 1986), aumentando a segurança nos
espaços entre os edifícios ou eliminando traços fisionômicos
específicos como walkways, que são considerados de efeitos
prejudiciais .
Embora o ambiente social seja mais relevante na
prevenção do crime, a sensação de segurança aumenta com o
desenvolvimento de novas técnicas defensivas . A análise
criminológica não poderá se desenvolver, se não levar em conta
as condições estruturais dos ambientes. Bennet ( 1989 apud
HERBERT, 1993 ), estudando o papel da escolha do alvo para
arrombamentos residenciais ( burglary), descobriu que o risco da
ação, representado pela acessibilidade ao alvo e as condições de
seu ambiente imediato, tem maior peso para o ofensor que a própria
recompensa do ato .
As regiões centrais de áreas metropolitanas, espaços
típicos de degradação social, transformaram -se em espaços de medo
onde atuam certos delinqüentes, como os trombadinhas, durante
o dia , e assaltantes (à mão armada ) a qualquer hora , mas
especialmente à noite e em ruas pouco movimentadas ou mal
iluminadas. Neste sentido, o espaço de pobreza e degradação social
coincide com o da criminalidade que o faz temido e evitado.

8.3 A incivilidade e o crime

As condições que fazem certas áreas serem mais


propensas à vitimização ou a inspirar mais medo que outras estão
sendo investigadas por Herbert ( 1993 ) através do índice de

131
Sueli Andruccioli Félix
incivilidade como indicador de qualidade de vida em setores
residenciais públicos ( figura 4).*3
Nível de incivilidade aumentado

Sinal de aumento de desordem

Diminuição no sentido de lugar:


aumento no nível de ansiedade ; medo; menor
nível de envolvimento na comunidade;
comunidade baseada na prevenção do crime

condições para aumento no crime

maior medo de vitimização

perda de satisfação de vizinhança :


desejo de mudar

FIGURA 4 - Modelo de incivilidade e vizinhança


FONTE : HERBERT, D. 1993

Pelo esquema acima, incivilidade e crime estão


altamente correlacionados, sendo que aquela está diretamente
ligada à perda do controle social e ao medo do crime. A perda de
confiança na vizinhança é condição tanto para incidentes de crime
como para o medo de vitimização . A análise mostrou que o nível
percebido de incivilidade dentro da área residencial está fortemente
ligado à experiência de crime e à insatisfação com a vizinhança
como um lugar para se viver. O medo do crime foi significativa e
independentemente relacionado a ambos : experiência de
vitimização e nível percebido de incivilidade .

* Para compor o índice de incivilidade, Herbert analisou 6 tópicos: lixo, cachorros, ruas
iluminadas, gangues de jovens,
132
O medo do crime pode estar ligado às condições do
imóvel . Smith (1989 apud HERBERT, 1993) afirmou que uma
variedade de incivilidades de vizinhos, incluindo lixo, grafite,
propriedade danificada, vagabundos e gangues de jovens, tendem
a ser interpretados como evidência de criminalidade.
As noções de incivilidade de vizinhança ( neigbourhood
incivilities ) já são objetos de estudos geográficos há algum tempo.
Recentemente, a Geografia do Crime tem se preocupado com a
dimensão da incivilidade na reordenação espacial , e a sua relação
com outros indicadores chaves como a experiência de crime, o
medo do crime e a satisfação com a vizinhança. Por extensão, a
incivilidade determina uma percepção espacial de temor, de quebra
total nos relacionamentos sociais e que, vis-a-vis, provoca mais
medo e condições mais propícias para o aumento da criminalidade.

8.4 Desvalorização imobiliária


A criminalidade não se limita aos espaços de
incivilidade ou a outros específicos, como o centro da cidade,
bairros pobres e favelas . Dissemina -se pelos ambientes mais
abastados de classe média e alta que, além do medo em si, está
provocando um outro fenômeno altamente temido por esse
segmento social: a desvalorização imobiliária. A atuação de ladrões
diminui o preço de casas e valoriza o de apartamentos. Mesmo
consciente de que a segurança em apartamentos é apenas uma
questão de marketing, pois essa falsa idéia atomisa a prevenção,
o setor imobiliário tem se valido da criminalidade para fins
comerciais, explorando o fator segurança no comércio dos seus
imóveis .

Com relação aos apartamentos, especificamente, de


acordo com os dados policiais , se em 1985 as casas eram 13.5
vezes mais assaltadas que os apartamentos na cidade de São Paulo,
em 1990, este indice já havia caído para 7 vezes. Processo contínuo ,
a tendência se reverterá com o tempo. De 1985 a 1990, o índice de
furtos e roubos a apartamentos cresceu 390 % , contra 154% de
casas (FOLHA DE SÃO PAULO, 1 dez. 1991 ) .

133
Sueli Andruccioli Felix

A violência continuará, independente das mudanças


ambientais, com desenvolvimento de novos designs ou do uso de
novas técnicas defensivas, que só controlarão temporariamente a
criminalidade. É o que se vê atualmente nos bairros de classe
sócio - econômica mais alta. Os sofisticados sistemas de segurança ,
ao invés de inacessibilidade , estão criando criminosos mais
refinados. Quanto mais difícil o acesso ao alvo, mais elaborado
tem que ser o ataque e mais compensatório deverá ser o fruto
deste trabalho . Isto implica um planejamento melhor e o
desenvolvimento de técnicas ofensivas mais elaboradas e, portanto,
crimes mais difíceis de serem contidos ou solucionados.

134
CONCLUSÃO
A violência está arraigada na natureza do homem e do animal,
sendo portanto inútil suprimi-la mas possível transformá- la em
positiva e estimular a energia criadora dos seres humanos,
direcionado - a a outras atividades como esportes e competições .
As tendências que levam o homem a cometer homicídios são
inerentes unicamente aos seres humanos, uma vez que os animais
da mesma espécie não se matam entre si.
Konrad Lorenz44

Por muito tempo , fazer Geografia Urbana era analisar


o crescimento demográfico e a expansão espacial das cidades,
identificar suas funções econômicas e seu nível de difusão para
outros espaços no contexto do sistema econômico . As
confrontações e as questões de desorganizações sociais ocorridas
em seu interior, incluindo -se a criminalidade, eram preocupações
exclusivamente de sociólogos e criminólogos. Porém , se a
Geografia é uma ciência preocupada com o planejamento urbano
metropolitano e a criminalidade vem provocando um grande
rearranjo ambiental, com o surgimento de novos espaços
defensivos, ela não pode ficar à margem do problema criminal.
Apesar de a Criminologia ter atraído uma pluralidade
de disciplinas, ao longo dos seus dois séculos de existência , com
sua temática amplamente explorada em associação com diversas
outras ciências da sociedade, poucos geógrafos se dedicaram ao
estudo criminal. Um inventário em três revistas sociológicas e 11
geográficas , para os anos de 1970-88 , mostrou a grande
preocupação da Sociologia e o caráter recente da investigação
geográfica.45 Para um total de 788 revistas geográficas, foram
encontrados apenas 25 (3,17 % ) artigos sobre o tema, enquanto a
participação relativa da Sociologia foi exponencialmente maior:

" Citado por LERNELL, L. ( 1979, p.11 ).


* A escolha do período de 1970-88 deve-se ao fato das primeiras publicações da Geografia
serem do início da década de 1970 e ser um inventário realizado para uma dissertação de
mestrado defendida em 1989 (FELIX , 1989 ). As revistas de Sociologia inventariadas foram :
American Sociological Review, The British Journal of Sociology e Sociological Inquiry. As
revistas de Geografia foram : The Journal of Geography, The Professional Geographer,
Geographical Review , Regional Studies, Finisterra, Economic Geography, Geoforum, Annals
of the Ass.Amer.Geog., Scottish Geog . Magazine, Revista Brasileira de Geografia e Revista
de Geografia. Todas essas revistas trouxeram pelo menos um artigo sobre o assunto .
137
Sueli Andruccioli Félix

de 240 revistas , 91 (38%) trouxeram um artigo sobre crime. Ainda


hoje, 2002 , é um tema quase inexplorado nas investigações
geográficas brasileiras, com pouquíssimas publicações científicas
em nossa lingua -mãe. Isso explica a enorme quantidade de
publicações estrangeiras e a necessidade de recorrermos a tantas
matérias jornalísticas para informações estatísticas.
O nosso principal objetivo foi compreender o
fenômeno criminal nos seus mais diversos aspectos: social,
econômico , político , demográfico ; e a sua relação à grande
preocupação da Geografia , a organização do espaço e o futuro do
homem . Essa organização espacial vai além da questão física,
alcança as variações sociais, e a sua compreensão pode direcionar
políticas de planejamento que contemplem a qualidade de vida .
Compreender a dinâmica espacio - criminal não significa
simplesmente detectar os espaços do crime e as características do
criminoso para ações repressivas. Significa, antes de tudo, entender
os processos operacionais do crime para antecipar-se à ocorrência,
prevenindo -o .
A manifestação espacial do crime modifica os valores
e as percepções espaciais, deteriora os espaços urbanos, altera os
níveis de concentração ou esvaziamento e cria espaços de medo .
A relação crime e insegurança (medo de tornar -se vítima) determina
uma geometria sócio -espacial urbana que ultrapassa as classes
sociais e as condições físicas do ambiente , relacionando -se
especialmente ao modo como as pessoas sentem o ambiente
urbano com as suas contradições. O espaço urbano, apesar de
coletivista, é essencialmente individualista e , em alguns casos,
restrito a certos segmentos da população, como os shoppings, os
clubes sociais e, até mesmo, alguns hospitais. As baixas densidades
demográficas das áreas centrais das grandes cidades representam
outra contradição do espaço urbano que merece investigação : elas
resultam da deterioração sócio -espacial e do aumento da
criminalidade, ou , a criminalidade é que resulta das baixas
densidades (pouca vigilância informal) e da deterioração sócio
espacial?
Sem dúvida, não é o espaço um gerador de problemas
de per se, porém , existem concentrações de crimes e de criminosos,

138
e a identificação desses espaços, geográfica e socialmente
delimitados, propicia a intervenção do poder público e o
desencadeamento de programas " ressocializadores " e preventivos
em ambos os segmentos: criminoso e vítima. Políticas democráticas
de segurança pública não devem limitar-se à ação repressiva, mas
integrar ações sociais de prevenção tão multiformes quanto a
violência que se deve combater. A prevenção deve pautar- se por
políticas que intervenham positivamente nas causas últimas da
violência que são o esfacelamento das relações sociais e a carência
de atendimento às necessidades básicas e de outros serviços que
valorizem a cidadania .

Entretanto , deve-se ter o cuidado de não se atribuir


desmedida relevância etiológica ao meio físico , como fazem os
adeptos dos programas de prevenção criminal por meio da
reestruturação urbana : teoria do espaço defensivo ( Defensible
Space). De um modo geral, eles se detêm à questão ambiental
física em detrimento da dimensão social, das causas reais da
criminalidade que são profundamente sociais . Programas de base
exclusivamente espacial (de área ) podem favorecer a prevenção
temporária do delito, deslocando - o para outras áreas, mas não
agem na raiz da questão criminal. Paradoxalmente, esses programas
estão originando novas modalidades de crimes, criminosos mais
refinados , e o desenvolvimento de técnicas ofensivas mais
elaboradas que dificultam a ação da polícia. A criminalidade tem
evidenciado uma surpreendente capacidade de transformação e
de adaptação .
Uma deficiência dos estudos criminais, também notada
entre os geógrafos, é a utilização das estatísticas criminais sem
críticas, como se as taxas fossem por si mesmas um fato social. É
preciso pensar o controle social como um elemento constitutivo
do comportamento desviante, pesquisando-se os controladores
da mesma forma que os controlados.
Enfim , a participação da Geografia nos estudos
criminais não tem como objetivo principal encontrar soluções para
um problema que é universal e tem resistido aos mais diversos
programas preventivos e “ curativos” , desenvolvidos em países com
condições sócio -politicas e econômicas mais diversas. Contudo,

139
Sueli Andruccioli Félix
inserir em seu campo de estudo a criminalidade pode ser altamente
produtivo para a compreensão das causas e , mesmo que não se
proponham soluções, questionar o problema de forma global e
suas implicações sócio -demográficas já é altamente produtivo para
futuros estudos .
Ao longo deste trabalho várias questões foram
propostas implícita ou explicitamente . Enquanto muitas delas foram
respondidas, outras restaram como sugestões para estudos
posteriores. Mas, conforme argumenta Guidugli ( 1980 , p. 452) ,
investigar é isto , " é ser capaz de propor questões adequadas, de
manusear respostas, mesmo que parciais e, principalmente , de
reconhecer, ao final de uma investigação , que somente novas
questões é que tornam possível encerrar um trabalho, projetando
essas indagações para o futuro . Fazemos Geografia do passado,
do presente ou para o futuro?" . Essa indagação sintetiza a relevância
do trabalho acadêmico: o conhecimento da dinâmica atual para a
construção de um futuro melhor.
O desenvolvimento prático das teses abordadas neste
estudo se fez com outra pesquisa de relevância social, na qual
realizamos uma análise minuciosa de um espaço relativamente
pequeno , Marília , uma cidade média do interior do Estado de São
Paulo . O objetivo foi trabalhar diretamente com as fontes e fazer
inventários alternativos e análises paralelas, com todas as
peculiaridades elencadas em ampla bibliografia , como essenciais
para um estudo mais aprofundado. A expectativa foi evitar possíveis
anomalias, que são tão comuns quando se agregam informações
estatísticas e geográficas, em análises de grandes metrópoles. Este
próximo empreendimento , concentrado em espaço urbano menor,
pretende ser um passo a mais, na concepção das oportunidades
possíveis da Geografia do Crime, para a melhoria da qualidade de
vida e bem -estar do indivíduo e da coletividade , neste conturbado
início de século e de milênio .

140
REFERÊNCIAS
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Martins
Concett
foto
de a

Concetta Martins é fotógrafa


brasileira nascida em Ribeirão
Preto radicada em Roma desde
do início dos anos 80.
Sobre o Livro
Formato: 16 x 23 cm
Tipologia: Classical Gatineau 11
Papel: pólen soft 80g /m² (miolo )
Cartão Supremo 250g/ m ( capa)
1 * edição : 2002

Impressão e acabamento
GRÁFICA DA FFC /MARÍLIA
( 14) 3402-1305
No contexto da deterioração da qualidade de vida, o
crime é inegavelmente um importante componente e a
principal preocupação do homem moderno, que se sente
enclausurado , limitado no seu direito mais elementar de
ir e vir transformado e reduzido a exilado social.
Uma prevenção eficaz pressupõe um amplo
conhecimento do cenário criminal, dos fatores que nele
interatuam ( sociais, políticos, econômicos e culturais) e
dos segmentos populacionais que protagonizam o
evento criminal (ofensores e ofendidos ).
Esperamos que este estudoseja útil para o
desenvolvimento de políticas públicas capazes de
estabelecer diagnósticos complexos que atinjam as raízes
do problema criminal (prevenção primária), evitando
soluções conservadoras que respondem, por meio da
repressão policial, ao complexo conjunto de problemas
sociais .

ISBN 85-86738-23-9

91178 858 673 8 2 3 4

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