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Textos de Apoio

para

HIDROSTÁTICA DO NAVIO
pelo
Prof. Sérgio Ribeiro e Silva

Departamento de Engenharia Mecânica


Instituto Superior Técnico
Universidade Técnica de Lisboa
Licenciatura em Engenharia e Arquitectura Naval

Fevereiro 2015
Nota do Autor

Os presentes apontamentos são uma reprodução mais cuidada das lições da disciplina de Hidrostática
do Navio, ministradas pelo autor ao curso de Licenciatura em Engenharia e Arquitectura Naval, do
Departamento de Engenharia Mecânica, do Instituto Superior Técnico (IST), durante o período 2009-
12 e 2014-15 em que foi responsável por esta cadeira.

A convite da Associação de Estudantes do IST, publicam-se estas lições de Hidrostática do Na-


vio, por se considerar que as mesmas poderão facilitar a actividade de estudo e representar ainda um
contributo modesto para a redução das despesas escolares dos alunos do IST. Assim, para facilitar o
estudo e consolidação das matérias contidas nestes apontamentos, além da apresentação dos conceitos
teóricos no final de cada capítulo são propostos um conjunto alargado de exercícios práticos e são ainda
anexadas três fichas de trabalho.

Esclarece-se que o autor teve o privilégio de receber diverso material didáctico dos docentes an-
teriormente responsáveis por esta cadeira de Hidrostática do Navio. Durante o período 2009-12 este
material foi sendo revisto, actualizado e complementado com outros tópicos tidos como igualmente
importantes para os futuros Engenheiros e Arquitectos Navais. Designadamente, foram incluídos, uma
secção dedicada ao Método de Integração da Pressão no capítulo 1 e sempre que se enquadrasse no
contexto da matéria, mais alguns problemas hidrostáticos específicos das plataformas utilizadas na
indústria de exploração ’offshore’ do petróleo, da extracção de energia eólica ’offshore’ e das ondas.
Sublinhando-se ainda, a importância da inclusão do método de integração de pressão, actualmente
muito utilizado para estudar os problemas das plataformas flutuantes, e que por isso deverá ser ob-
jecto de uma proposta formal de revisão programática desta cadeira e do seu nome.

À data em que estes apontamentos estão a ser preparados, são atribuídas ao autor funções de do-
cência de outras cadeiras e diversas funções de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (IDT) que
dificultam de sobremaneira as tarefas de compor, rever e corrigir as provas. Por esse motivo, apela-se
à compreensão do leitor para eventuais falhas e imperfeições que porventura possam ser encontradas
nestes apontamentos.

Lisboa, Fevereiro de 2015

i
Prefácio

Os presentes textos de apoio têm como objectivo principal fornecer aos futuros Engenheiros e Arqui-
tectos Navais os conhecimentos básicos que lhes permitam desenvolver as suas actividades de projecto,
de manutenção e de operação de navios e de outras estruturas flutuantes com níveis adequados de efi-
ciência e, especialmente, de segurança. Complementarmente, estes apontamentos poderão contribuir
para o aprofundamento dos conhecimentos do leitor sobre uma das qualidades náuticas dos navios mais
importantes: a flutuabilidade e a estabilidade. A propósito, recorda-se que os navios e outras estru-
turas flutuantes complexas são habitualmente concebidas e construídas cumprindo com determinados
limites operacionais pré-estabelecidos, capazes de assegurar adequados níveis de segurança. Portanto, o
exacto conhecimento desses limites é pois essencial para quem é responsável pela operação destes meios.

O estudo das qualidades náuticas dos navios baseia-se nos princípios da Mecânica dos Sólidos: Es-
tática e Dinâmica, designadamente o equilíbrio das forças e momentos, a teoria dos centros de massa
e as equações diferenciais do movimento (2/a Lei de Newton). Deste modo, antes de serem estudados
estes apontamentos sugere-se que seja efectuada uma breve revisão dessas matérias, para facilitar a
aprendizagem.

Estes apontamentos começam com uma parte introdutória sobre as propriedades dos fluidos e a
apresentação de dois princípios básicos da hidrostática: a lei fundamental da hidrostática e a lei de
Arquimedes, terminando esse primeiro capítulo introdutório com o estudo das forças de pressão em pla-
cas finitas e o Método de Integração da Pressão. Nos capítulos seguintes é apresentada a estabilidade
inicial do navio, ou também chamada a estabilidade a pequenos ângulos de inclinação, e de seguida é
efectuada a generalização do estudo da estabilidade para grandes ângulos de inclinação, onde inclusi-
vamente são apresentados os critérios gerais e específicos de estabilidade intacta dos navios, definidos
pela ’International Maritime Organization’ (IMO) e ratificados pelo Estado de Portugal. Segue-se um
capítulo onde são apresentados os critérios determinísticos e probabilísticos mais recentes da estabili-
dade em avaria (condição de alagamento). Destinando-se estes apontamentos aos futuros engenheiros
projectistas de navios e de outras estruturas flutuantes, são incluídos ainda outros capítulos sobre o
encalhe, a docagem e o lançamento à água de navios.

Para complementar estas lições e o aluno poder consolidar devidamente os conceitos teóricos apren-
didos, é ainda necessário resolver os exercícios práticos e as três fichas de trabalho (em anexo) assim
como e realizar dois trabalhos práticos de laboratório experimentais, que consistem: o primeiro, numa
prova de estabilidade com efeito de espelho líquido; e o segundo, no efeito de alagamento de um com-
partimento na estabilidade de um modelo à escala.

Finalmente, é lembrada aos futuros Engenheiros e Arquitectos Navais, a importância de domina-


rem solidamente os temas da flutuabilidade e estabilidade dos navios e de outras estruturas flutuantes
apresentados nestes apontamentos, face ao impacto que estas matérias têm na segurança do material e
das pessoas embarcadas. Acrescentando-se ainda que no contexto de uma equipa multi-disciplinar de
projecto de estruturas ’offshore’, a especificidade dos conhecimentos e ferramentas utilizados nos cál-
culos hidrostáticos, normalmente, não permitem que os mesmos venham a ser posteriormente revistos
por outros colegas das outras engenharias, pelo que a sua realização deve ser efectuada com grande
rigor e máxima concentração para evitar acidentes graves após a construção ou durante a operação
destes meios flutuantes.

iii
iv
Conteúdo

Nota do Autor i

Prefácio iii

Conteúdo v

Lista de Figuras vi

Lista de Tabelas viii

1 Conceitos Básicos de Hidrostática 1


1.1 Propriedades dos Fluidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Pressão Hidrostática num Ponto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Equação Fundamental da Hidrostática ou Lei de Stevin-Pascal . . . . . . . . . . . . . . 5
1.4 Forças em Superfícies Planas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.4.1 Superfícies Horizontais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.4.2 Superfícies Inclinadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4.3 Superfícies Inclinadas com Desnível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.5 Forças em Superfícies Curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.6 Método de Integração da Pressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.7 Lei de Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2 Equilíbrio dos Corpos Flutuantes 15


2.1 Equilíbrio à Translação Vertical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.2 Equilíbrio à Rotação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2.1 Rotações Isocarénicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2.2 Superfície dos Centros de Carena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.2.3 Raio Metacêntrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.2.4 Posição de Equilíbrio à Rotação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.3 Estabilidade do Equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.4 Acção de um Momento Inclinante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.5 Equilíbrio a Grandes Ângulos de Inclinação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

3 Estática do Navio a Pequenos Ângulos: Teoria Metacêntrica 27


3.1 Geometria do Navio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.2 Dimensões Principais do Navio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.3 Bordo Livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.4 Coeficientes de Forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.5 Deslocamento dos Navios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.6 Curva das Carenas Direitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

v
vi CONTEÚDO

4 Estabilidade do Navio a Grandes Ângulos 37


4.1 Conceito de Estabilidade a Grandes Ângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
4.2 Curva dos Braços de Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
4.2.1 Natureza do Equilíbrio e Tipos de Equilíbrio do Navio . . . . . . . . . . . . . . 41
4.3 Características Principais da Curva dos Braços de Estabilidade . . . . . . . . . . . . . 41
4.3.1 Elementos Característicos do Diagrama de Estabilidade . . . . . . . . . . . . . 42
4.3.2 Ângulo de Banda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.3.3 Efeito da Movimentação Vertical do Centro de Gravidade . . . . . . . . . . . . 44
4.3.4 Efeito da Movimentação Transversal do Centro de Gravidade . . . . . . . . . . 44
4.4 Gráfico de Carenas Inclinadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.5 Conceito de Energia Endireitante e Inclinante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.5.1 Estabilidade Dinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.5.2 Conceito de Reserva de Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.6 Momentos Inclinantes Aplicados Lentamente e Subitamente . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.6.1 Momentos Inclinantes Mais Aplicados ao Navio . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
4.6.2 Momentos Inclinantes Aplicados Lentamente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4.6.3 Momentos Inclinantes Aplicados Subitamente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4.7 Factores que Influenciam a Curva dos Braços de Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . 53
4.7.1 Influência da Boca na Curva dos Braços de Estabilidade . . . . . . . . . . . . . 53
4.7.2 Influência da Pontal na Curva dos Braços de Estabilidade . . . . . . . . . . . . 53
4.7.3 Influência da Bordo-livre e do Tosado na Curva dos Braços de Estabilidade . . 54
4.7.4 Influência da Superestrutura na Curva dos Braços de Estabilidade . . . . . . . 54
4.7.5 Influência da Amassamento ou Lançamento na Curva dos Braços de Estabilidade 55
4.7.6 Influência do Afinamento do Encolamento na Curva dos Braços de Estabilidade 55
4.7.7 Influência da Condição de Carga do Navio na Curva dos Braços de Estabilidade 56
4.7.8 Influência dos Espelhos Líquidos na Curva dos Braços de Estabilidade . . . . . 56
4.7.9 Influência das Ondas Longitudinais na Curva dos Braços de Estabilidade . . . . 56
4.8 Caderno de Estabilidade e Calculador de Estabilidade a Bordo . . . . . . . . . . . . . 57

5 Critérios de Estabilidade para Navios em Condição Intacta 63


5.1 Fundamentos dos Critérios de Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
5.2 Descrição de Alguns Critérios de Estabilidade Intacta Gerais e Específicos . . . . . . . 63
5.3 Critério de Mau Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

6 Encalhe, Docagem e Lançamento à Água 65


6.1 Encalhe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
6.1.1 Definição e Efeitos do Encalhe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
6.1.2 Encalhe na Vertical do Centro de Flutuação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
6.1.3 Métodos de Desencalhe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
6.2 Docagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
6.3 Lançamento à Água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

7 Estabilidade do Navio em Avaria 73


7.1 Alagamento de Navios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
7.2 Consequências do Alagamento na Estabilidade e Flutuabilidade . . . . . . . . . . . . . 75
7.3 Métodos de Cálculo dos Efeitos de Alagamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
7.3.1 Método do Peso Embarcado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
7.3.2 Método da Perda de Impulsão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
7.4 Métodos de Subdivisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
7.5 Critérios Determinísticos de Estabilidade em Avaria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
7.6 Critérios Probabilísticos de Estabilidade em Avaria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
7.6.1 Fundamentos Teóricos dos Critérios Probabilísticos de Estabilidade em Avaria . 84
7.6.2 Regulamento Probabilístico para Navios de Passageiros - Resolução A.265(VIII) 88
7.6.3 Regulamento Probabilístico para Navios de Carga Seca - Resolução MSC.19(58) 88
Lista de Figuras

1.1 Diagrama comparativo do sólido parado capaz de resistir às forças tangenciais de corte
e do liquido incapaz de intrinsecamente resistir a essas mesmas acções tangenciais: (a)
Deflexão estática do sólido; (b) Círculo de Mohr para um elemento sólido; (c) Necessi-
dade de existir um vaso que contenha o fluido; (d) Círculo de Mohr para um elemento
líquido A . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 Diagrama de forças em equilíbrio que actuam numa partícula líquida em forma de cunha 4
1.3 Diagrama da distribuição de pressões numa coluna de fluido . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.4 Diagrama e notação utilizada para a determinação da linha de acção da resultante das
forças de pressão hidrostática numa superfície plana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.5 Diagrama das forças de impulsão hidrostática numa superfície plana inclinada . . . . . 8
1.6 Diagrama de uma superfície plana sujeita a pressão hidrostática nas duas faces . . . . 9
1.7 Diagrama da resultante das forças de pressão hidrostáticas numa superfície curva . . . 10
1.8 Ilustração dos sistemas de coordenadas global e do painel . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.9 Diagrama da impulsão hidrostática numa superfície plana inclinada . . . . . . . . . . . 13

2.1 Diagrama de forças para rotação isocarénica de um corpo arbitrário . . . . . . . . . . . 17


2.2 Equílibrio à rotação de um corpo flutuante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.3 Diagrama de forças para rotação isocarénica de um corpo arbitrário . . . . . . . . . . . 23

3.1 Projecção em planos ortogonais de cortes do casco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28


3.2 Plano geométrico de um navio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.3 Dimensões principais de um navio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.4 Coeficientes de finura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.5 Gráficos de carenas direitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

4.1 Diagrama ilustrativo das sucessivas posições do centro de carena e respectiva evoluta do
metacentro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
4.2 Diagrama ilustrativo do braço de estabilidade transversal produzido pelos vectores das
forças do peso e da impulsão do navio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.3 Curva típica dos braços de estabilidade do navio para ângulos até 90o . . . . . . . . . . 39
4.4 Curva típica dos braços de estabilidade do navio para ângulos até 180o . . . . . . . . . 40
4.5 Prova de estabilidade auto-adriçante do salva-vidas de 47 pés da USCG, para medição
do tempo que a embarcação demora a retomar a posição direita . . . . . . . . . . . . . 40
4.6 Tipos de equilíbrio do navio e respectivas curvas dos braços de estabilidade . . . . . . 41
4.7 Diagrama ilustrativo das características da curva dos braços de estabilidade . . . . . . 42
4.8 Diagrama ilustrativo do ângulo de bandada numa curva dos braços de estabilidade . . 43
4.9 Diagrama ilustrativo do efeito da movimentação vertical do CG no binário endireitante
do navio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.10 Diagrama ilustrativo do efeito da movimentação vertical do CG na curva dos braços de
estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.11 Diagrama ilustrativo do efeito da movimentação transversal do CG no binário endirei-
tante do navio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.12 Diagrama ilustrativo do efeito da movimentação transversal do CG na curva dos braços
de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

vii
viii LISTA DE FIGURAS

4.13 Fotografias ilustrativas da utilização expedita (lado esquerdo) e assistida (lado direito)
do efeito da movimentação transversal do CG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.14 Tabela ilustrativas dos métodos de cálculo manual das propriedades hidrostáticas do navio 48
4.15 Curva típica dos braços de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
4.16 Gráfico de carenas inclinadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.17 Curva de estabilidade dinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
4.18 Curvas típicas dos momentos (braços) inclinante e endireitante . . . . . . . . . . . . . 50
4.19 Curvas típicas dos momentos (braços) endireitante e inclinante aplicado lentamente . . 51
4.20 Curvas típicas dos momentos (braços) endireitante e inclinante aplicado subitamente e
as suas relações energéticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.21 Curvas típicas dos momentos (braços) endireitante e inclinante induzida por vento e
ondas e as suas relações energéticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.22 Influência das alterações da forma da carena do navio na curva dos braços endireitantes 53
4.23 Influência da boca do navio na curva dos braços endireitantes . . . . . . . . . . . . . . 54
4.24 Influência da pontal do navio na curva dos braços endireitantes . . . . . . . . . . . . . 54
4.25 Influência da superestrutura do navio na curva dos braços endireitantes . . . . . . . . . 55
4.26 Influência dos castelos do navio na curva dos braços endireitantes . . . . . . . . . . . . 55
4.27 Influência do amassamento e do lançamento do navio na curva dos braços endireitantes 56
4.28 Influência do afinamento do encolamento do navio na curva dos braços endireitantes . 57
4.29 Influência da condição de carga do navio na curva dos braços endireitantes . . . . . . . 58
4.30 Influência dos espelhos líquidos na curva dos braços endireitantes . . . . . . . . . . . . 59
4.31 Influência das ondas longitudinais na curva dos braços endireitantes . . . . . . . . . . . 60
4.32 Exemplo de um calculador de estabilidade de bordo (Load Master) . . . . . . . . . . . 61

6.1 Fotografias ilustrativas de um encalhe de navio em fundo rochoso . . . . . . . . . . . . 66


6.2 Fotografias ilustrativas de um encalhe de navio em fundo arenoso . . . . . . . . . . . . 67
6.3 Diagram ilustrativo de um encalhe situado na vertical do centro de flutuação . . . . . 67
6.4 Diagram ilustrativo do efeito de um encalhe na estabilidade transversal do navio . . . 68

7.1 Exemplos de subdivisão estanque em navios; (a) Navio Porta-contentores; (b) Navio
Porta-helicópteros; (c) Navio Ro-Ro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
7.2 Fotografia ilustrativa da alteração da imersão (ou do bordo-livre) em caso de alagamento 75
7.3 Fotografia ilustrativa da alteração do caímento em caso de alagamento . . . . . . . . . 75
7.4 Fotografia ilustrativa da alteração do ângulo de adornamento em caso de alagamento . 76
7.5 Curva dos braços de estabilidade ilustrativa da redução dos braços em caso de alagamento 76
7.6 Curva dos braços de estabilidade ilustrativa do aparecimento de um ângulo de banda
em caso de alagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
7.7 Fotografia ilustrativa medidas de controle do alagamento (escoramento de rombo) em
caso de alagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
7.8 Fotografia ilustrativa do alagamento do tipo 2B . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
7.9 Gráfico das curvas de comprimento alagável do navio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
7.10 Desenho ilustrativo da subdivisão estanque do ’HMS Titanic’ . . . . . . . . . . . . . . 81
7.11 Desenho ilustrativo da linha margem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
7.12 Fotos ilustrativas de um acidente com ocorrência de alagamento seguida de instabilidade
transversal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
7.13 Diagrama ilustrativo do procedimento de cálculo da altura de água na coberta de um
navio RO-RO e de passageiros (Acordo de Estocolmo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
7.14 Mapa de distribuição das alturas de onda significativas no Báltico e Europa do Norte
para efeitos de cálculo da altura de água na coberta de um navio RO-RO e de passageiros
(Acordo de Estocolmo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
7.15 Tabela sumário dos regulamentos internacionais baseados no sistema determinístico . . 84
7.16 Fluxograma do processo de cálculo de probabilidade de ocorrência de avaria . . . . . . 86
7.17 Fluxograma do processo de cálculo de probabilidade de de sobrevivência à avaria . . . 87
7.18 Gráfico de distribuição longitudinal de avaria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
Lista de Tabelas

7.1 Lista de Regras Principais de Resolução A.265(VIII) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

ix
Capítulo 1

Conceitos Básicos de Hidrostática

O estudo inicial da estática dos fluidos (Hidrostática) será efectuado em três partes: (1) a descrição
das propriedades dos fluidos; (2) o estudo da pressão e da sua variação no interior de um fluido, e (3)
o estudo das forças de pressão em superfícies finitas planas e curvas.

1.1 Propriedades dos Fluidos


Segundo os princípios da Mecânica Clássica, a matéria pode ser encontrada na Natureza em dois estados
físicos possíveis: sólido e fluído. A principal diferença entre estes dois estados é óbvia para qualquer
cidadão comum, embora nem sempre este consiga descrever com rigor e por palavras correntes essa
mesma diferença. Em termos técnicos, a principal diferença advém da reacção distinta de cada um
dos estados da matéria à acção de esforços tangenciais de corte. Assim, um sólido é capaz de resistir
a uma tensão de corte , assumindo eventualmente uma determinada deflexão estática em função da
magnitude da tensão aplicada e das propriedades mecânicas do corpo. Por outro lado, um fluido
quando sujeito à acção de uma tensão de corte é incapaz de resistir e movimenta-se de imediato na
direcção da tensão aplicada. Como corolário deste princípio, um fluido em repouso terá uma tensão de
corte nula (condição hidrostática), tal como pode ser observado na Figura 1.1. A partir desta definição,
podemos ainda distinguir duas classes de fluidos: os liquidos e os gases. Uma vez mais a distinção
entre as duas classes de fluido, prende-se com as forças de coesão que existem em cada uma destas
classes de fluidos. Sendo os líquidos constituídos por um conjunto de moléculas compactas, as quais se
encontram ligadas por fortes forças de ligação que tendem a manter constante o volume ocupado por
esse liquido e a que seja formada uma superfície-livre quando o topo superior deste liquido é exposto
ao efeito do campo gravítico terrestre. Por outro lado, nos gases essas moléculas possuem forças de
ligação muito fracas e por isso encontram-se muito afastadas entre si, pelo que o volume ocupado pelos
gases aumenta até que fique confinado por um determinado recipiente ou vaso. Portanto, um gás não
tem volume definido nem superfície-livre e quando sujeito à acção do campo gravítico terrestre forma
uma atmosfera que, tal como o liquido, é tipicamente hidrostática.
Na Hidrostática estudam-se os líquidos em repouso e nestas condições a tensão de corte tangencial
será sempre nula pois em caso contrário haveria um escoamento do liquido tangencialmente ao contorno
da massa líquida considerada. Consequentemente, numa dada partícula líquida, a pressão é sempre
normal ao contorno da massa líquida que for considerado podendo afirmar-se que esta propriedade
reflecte a isotropia da pressão hidrostática, tal como podemos verificar a seguir.
A massa específica e o peso específico de uma substância são respectivamente a massa e o peso
por unidade de volume, relacionando-se através da aceleração da gravidade . Nos líquidos aquelas
grandezas variam pouco com a pressão e com a temperatura ambiente. Por outro lado, nos gases o
volume reduz-se com o aumento da pressão aumentando assim o seu peso específico. Por isso, diz-se que
os fluidos são compressíveis enquanto os líquidos são incompressíveis. A água tem um valore máximo
do seu peso específico para a temperatura de 4o C sendo igual a γ = 9800 [N/m3 ], quando se considera
g = 9.8 [m/s2 ]. A densidade de um liquido é uma grandeza adimensional, sendo igual ao quociente
entre o peso específico desse liquido e o da água pura. A viscosidade é a resistência que os fluidos
oferecem à deformação. Os fluidos tomam a forma dos reservatórios que os contêm mas a rapidez

1
2 CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE HIDROSTÁTICA

Figura 1.1: Diagrama comparativo do sólido parado capaz de resistir às forças tangenciais de corte e do
liquido incapaz de intrinsecamente resistir a essas mesmas acções tangenciais: (a) Deflexão estática do
sólido; (b) Círculo de Mohr para um elemento sólido; (c) Necessidade de existir um vaso que contenha
o fluido; (d) Círculo de Mohr para um elemento líquido A
1.2. PRESSÃO HIDROSTÁTICA NUM PONTO 3

com que tomam uma nova forma depende da sua viscosidade. Considere-se uma massa líquida contida
entre duas placas horizontais, uma placa inferior parada e uma outra placa superior, que se movimenta
horizontalmente, com velocidade constante. Considere-se as várias camadas horizontais de volumes
elementares de fluido, intercaladas entre essas placas e movendo-se a velocidades que diferem entre
si, com um dado gradiente de velocidade segundo a direcção vertical . Entre estas massas líquidas
vão ser também exercidas forças de contacto que serão iguais mas opostas, e que se designam por
tensões de corte tangenciais. Isaac Newton (1687) estabeleceu que num movimento unidireccional
deste fluido (regime laminar), a tensão de corte tangencial é proporcional ao gradiente da velocidade,
e matematicamente dada pela equação 1.1:

du
τ =µ (1.1)
dy
onde o coeficiente de proporcionalidade µ, designa-se por coeficiente de viscosidade dinâmica, o
qual é constante para as mesmas condições de pressão e temperatura. Também pode ser definida uma
viscosidade cinemática, dada pelo quociente da viscosidade dinâmica pela massa volúmica do liquido:
ν = µ/ρ. No escoamento de um fluido em presença de uma parede sólida não há escorregamento directo
do fluido sobre a parede. Este adere à parede a qual sofre uma força de corte ou de arrastamento no
sentido do movimento em consequência do escorregamento das camadas de fluido que se desloca sobre as
camadas de fluido aderentes à parede sólida. Assim, uma parede sólida na presença de um escoamento
paralelo à mesma provoca um gradiente de velocidade na direcção normal sendo a tensão de corte ou de
arrastamento igual ao produto da viscosidade pelo gradiente da velocidade junto à parede. Finalmente,
refere-se que no estudo da Hidrostática do Navio é costume fazer um conjunto de simplificações com
fundamento físico. As simplificações (hipótese básicas) adoptadas, quanto ao meio físico onde o navio
ou plataforma flutuante se encontra são:

• A superfície do mar é assumida como sendo um plano e a curvatura da Terra é desprezada;

• A água do mar é assumida homogénea e incompressível e as correntes e os vórtices desta são


desprezados;

• O atrito entre a água do mar e o casco do navio é desprezado;

• As ondas geradas pela oscilação ou movimento do casco do navio ou plataforma flutuante são
ignoradas.

1.2 Pressão Hidrostática num Ponto


Não havendo escoamento está-se na presença de uma situação estática não havendo tensões de corte
tangenciais e sendo portanto as pressões normais às superfícies de contacto, ou seja, são pressões
hidrostáticas. A pressão média numa superfície é a razão entre a força normal que actua nela e a sua
área. A pressão num ponto é o limite para que tende este valor quando a área tende para zero, ou seja,
matematicamente a pressão num ponto é dada por:

dFn
p= (1.2)
dA
A pressão hidrostática num ponto é a mesma em qualquer direcção. Pode demonstrar-se este facto
considerando o equilíbrio de uma partícula líquida em forma de cunha com uma profundidade unitária
e com uma secção triangular com catetos iguais a dx e dy, tal como se mostra na Figura 1.2.
A pressão hidrostática que actua no corpo tem a direcção normal às faces como se indica na figura.
Para além destas forças a única outra que actua naquela massa é o seu peso P , o qual é igual ao
produto do volume pelo peso volúmico:

1
P = γ dxdy (1.3)
2
4 CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE HIDROSTÁTICA

Figura 1.2: Diagrama de forças em equilíbrio que actuam numa partícula líquida em forma de cunha

Para se aplicar as condições de equilíbrio é necessário multiplicar as pressões pelas áreas em que
actuam e determinar as componentes da pressão normal pn , segundo os eixos coordenados xx e yy.
Logo, nesta condição de equilíbrio obtém-se que:

X
Fx = px dy − ps dssinθ (1.4a)
X dxdy
Fy = py dx − ps dscosθ − γ (1.4b)
2
onde px , py e pn são as pressões médias nas faces. Tendo em conta as seguintes relações trigonométricas:

dx = dscosθ
dy = dssinθ
(1.5)

as equações 1.4 simplificam-se, sob a forma:

px dy − ps dy = 0
dxdy
py dx − ps dx − γ =0
2
(1.6)

No limite em que dx e dx tendem para zero a massa líquida tende para uma partícula líquida e o
produto torna-se um infinitésimo de ordem superior que se despreza. Neste caso conclui-se então que:

px = py = ps (1.7)
ou seja a pressão hidrostática num ponto fluido é igual em todas as direcções, pois o ângulo θ que se
tinha adoptado para a direcção de ps era arbitrária. Pese embora a demonstração tenha sido efectuada
para uma partícula de fluido bidimensional, poder-se-ia facilmente demonstrar o mesmo conceito de
isotropia da pressão hidrostática para o caso tridimensional, recorrendo para o efeito a um tetraedro
de fluido, com três faces pertencentes aos planos coordenados e a quarta face inclinada arbitrariamente
um ângulo θ.
1.3. EQUAÇÃO FUNDAMENTAL DA HIDROSTÁTICA OU LEI DE STEVIN-PASCAL 5

Figura 1.3: Diagrama da distribuição de pressões numa coluna de fluido

1.3 Equação Fundamental da Hidrostática ou Lei de Stevin-Pascal


O valor da pressão hidrostática numa dada massa líquida
determina-se a partir da aplicação da condição geral do
equilíbrio que implica que o sistema de forças exteriores
que actua na massa tem uma resultante nula. Dado que
as forças exteriores que actuam numa massa líquida são o
seu peso e a pressão hidrostática no contorno, a equação
geral do equilíbrio será dada por:
ZZ ZZZ
pdA + γd∇ = 0 (1.8)
A V

onde ∇ é o volume da massa líquida e A a área do seu


contorno. Dado que o peso específico γ só tem uma com-
ponente vertical, as componentes horizontais das forças de pressão têm que anular-se pelo que só serão
consideradas aquelas que tenham uma componente vertical. Considere-se a massa cilíndrica vertical
de fluido ilustrada na Figura 1.3.
Neste caso particular ter-se-á que:

γAh = −(ps − pi )A (1.9)

onde ps e pi são as pressões nas bases superior e inferior do cilindro, respectivamente, A é a área da
base e h é a diferença de cotas ou a altura do cilindro. Logo, a diferença de pressões resulta igual ao
peso da coluna líquida, dada por:

(ps − pi ) = γh = γ(zs − zi ) (1.10)

Considerando agora uma massa cilíndrica horizontal e estabelecendo a condição do equilíbrio das
forças horizontais, obtém-se que:

(ps − pi )A = 0 => ps = pi (1.11)


6 CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE HIDROSTÁTICA

pois o peso do líquido não tem qualquer componente horizontal. Assim se demonstra que as partículas
que se encontram à mesma cota vertical estão sujeitas à mesma pressão hidrostática. Considere-se
novamente a massa líquida cilíndrica vertical, mas agora em contacto com a superfície livre do líquido
em vez de esta se encontrar totalmente imersa no seu seio. A pressão na base superior será agora a
pressão atmosférica pa , sendo o equilíbrio dado por:

γ(zs − zi ) = pi − pa (1.12)
Reescrevendo a equação 1.12 obtém-se a pressão na base inferior, dada por:

pi = pa + γ(zs − zi ) (1.13)
Definindo a origem das coordenadas na superfície livre obtemos finalmente que:

pi = pa + γzi (1.14)
A expressão 1.14 corresponde à Equação Fundamental da Hidrostática ou também designada por Lei
de Stevin1 -Pascal2 em homenagem a estes dois cientistas pioneiros do cálculo hidrostático. Consoante a
pressão hidrostática se refira à pressão atmosférica ou a zero absoluto, assim se denomina por pressão
relativa ou pressão absoluta. A unidade de pressão do sistema internacional é o Pascal [Pa], que é
igual a um Newton por metro quadrado. No sistema métrico gravitacional a unidade é o quilograma-
força por metro quadrado o qual equivale a g = 9.8 [N/m2 ]. Como estas unidades são muito pequenas
utiliza-se por vezes o [bar] que é sensivelmente igual a 1 [kgf/m2 ], ou seja: 1 [bar] = 105 [N/m2 ] = 1.012
[kgf/m2 ]. Dado que a pressão relativa se relaciona com uma diferença de nível de um líquido também
é frequente indicar-se a pressão pela equivalente altura de água. Assim, a pressão atmosférica normal
é equivalente a uma altura de 10.33 [m] de água, ou seja: 1.012 10 5 [N/m2 ] =1.033 10 4 [kgf/m2 ].

1.4 Forças em Superfícies Planas


1.4.1 Superfícies Horizontais
Uma superfície plana horizontal, imersa num fluido em repouso, estará sujeita a uma pressão constante.
A resultante das forças de pressão elementares que se exercem na superfície pode ser designada por
força resultante do sistema de pressões hidrostáticas, impulsão hidrostática ou simplesmente impulsão.
A intensidade da força resultante que actua num dos lados da superfície é dada por:
ZZ ZZ
pdA = p dA = pdA (1.15)
A A
As forças de pressão elementares pdA, aplicadas em cada área elementar dA, são paralelas e de
mesmo sentido, de modo que a soma escalar das mesmas será a intensidade da força resultante. A sua
direcção será a da normal à superfície e contra a mesma superfície, caso p seja positiva. Considere-se
um sistema de eixos cartesiano arbitrário xxoyy, tal como é mostrado na Figura 1.4, que servirá para
determinar a linha de acção da resultante das forças de pressão, ou seja, o ponto da área onde é nulo
o momento das forças distribuídas em relação a um eixo qualquer que passa por este ponto.
Como o momento da resultante deverá ser igual ao somatório dos momentos do sistema de forças
elementares em relação a um eixo qualquer, teremos em relação ao eixo dos yy a seguinte igualdade:
ZZ
pAx = pxdA (1.16)
A
onde x é a distância do eixo yy à resultante. Como p é constante, obtemos que:
ZZ
1
x= xdA (1.17)
A A
1
Simon Stevin (1548-1620).
2
Blaise Pascal (1623-1662).
1.4. FORÇAS EM SUPERFÍCIES PLANAS 7

Figura 1.4: Diagrama e notação utilizada para a determinação da linha de acção da resultante das
forças de pressão hidrostática numa superfície plana

Ou seja x é a distância do eixo dos yy ao centro de gravidade da superfície. Portanto, numa


superfície horizontal sujeita à pressão hidrostática de um fluido, a sua resultante passará pelo centro
de gravidade da mesma.

1.4.2 Superfícies Inclinadas


Considere-se a Figura 1.5, a qual representa uma superfície plana qualquer, definida no plano xoy e
representada pelo traço AB no plano da figura, que tem uma inclinação alpha com o plano horizontal.
O eixo dos yy é colocado na intersecção do traço do plano da figura com a superfície livre do líquido
e o eixo dos xx passa pelo centro de área G. O efeito do líquido faz-se sentir só numa das faces da
superfície.
Num elemento de área infinitesimal dA actua uma força dF é dada por:

dF = γhdA (1.18)
onde h é a profundidade do elemento de área, a qual se relaciona com a abcissa do elemento por:

h = xsinα (1.19)
A impulsão será a resultante do sistema de pressões, dada por:
ZZ ZZ ZZ
I= dF = γhdA = γsinα xdA (1.20)
A A A

A abcissa do centro de gravidade xG define-se pela relação:


ZZ
xG A = xdA (1.21)
A

pelo que substituindo o integral na expressão anterior se obtém:

I = γxG sinαA = γhG A (1.22)


8 CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE HIDROSTÁTICA

Figura 1.5: Diagrama das forças de impulsão hidrostática numa superfície plana inclinada

onde hG é a profundidade do centro de gravidade. O que esta expressão indica é que a impulsão que
actua naquela superfície plana é equivalente à que resultaria de se aplicar sobre toda a superfície uma
pressão uniforme e igual à que se faz sentir no centro de gravidade γhG . A expressão anterior indica
a intensidade da impulsão. Para que esta fique completamente definida torna-se necessário conhecer
o seu ponto de aplicação ou seja o centro de impulsão. As coordenadas deste ponto obtêm-se a partir
dos momentos das forças relativamente aos eixos coordenados:
ZZ ZZ
Myy = xdF = γsinα x2 dA = γsinαIyy (1.23)
A A
onde Iyy é o momento de inércia da área relativamente ao eixo dos yy. A abcissa do centro de impulsão
é então:

Myy γsinαIyy Iyy


xI = = = (1.24)
I γhG A xG A
Note-se que o momento de inércia Iyy relativamente ao eixo dos yy se relaciona com o momento de
inércia IG relativamente a um eixo paralelo ao eixo dos yy, mas que passa pelo centro de gravidade,
sendo essa relação dada por:

Iyy = IG + x2G A (1.25)


Substituindo a expressão (1.25) na expressão (1.24) obtém-se que:

IG
xI = xG + (1.26)
AxG
o que implica que o centro de impulsão se situa para baixo do centro de gravidade uma distância
IG /(AxG ) medida ao longo da recta de maior declive. No caso particular em que a superfície con-
siderada seja horizontal, o ângulo alpha é zero pelo que a origem O desloca-se no limite para −∞
implicando que xG → ∞ e xI = xG . Neste caso a pressão hidrostática é uniforme em toda a superfície
e o centro de pressão coincide com o centro de gravidade. A ordenada do centro de pressão obtém-se
calculando o momento da pressão hidrostática relativamente ao eixo dos xx:
RR
Mxx xydA Ixy
yI = = A = (1.27)
I xG A xG A
O produto de inércia Ixy é nulo quando há simetria relativamente ao eixo dos xx e neste caso a
ordenada do centro de pressão é zero.
1.5. FORÇAS EM SUPERFÍCIES CURVAS 9

Figura 1.6: Diagrama de uma superfície plana sujeita a pressão hidrostática nas duas faces

1.4.3 Superfícies Inclinadas com Desnível


Considere-se uma superfície plana fazendo um ângulo α com a superfície livre do líquido tendo um des-
nível hD entre as superfícies livres de um e outro lado da superfície plana (ver Figura 1.6). Desprezando
a espessura da superfície, a resultante das forças de pressão numa área dA é dada por:

dF = (p2 − p1 )dA = γ[(h + hd ) − h]dA = γhd A (1.28)


A impulsão resultante será dada por:
ZZ
I= dF = γhd A (1.29)
A

e o seu ponto de aplicação é o centro de gravidade da superfície em consideração. Quando a superfície


considerada for vertical as conclusões anteriores também são aplicáveis mesmo no caso em que a
espessura seja finita. Note-se que esta situação se verifica no costado dos navios quando têm no
interior um tanque com líquido, ou nas comportas de docas para navios.

1.5 Forças em Superfícies Curvas


Quando as superfícies não são, nem planas, nem as curvas de revolução mencionadas anteriormente,
o sistema de forças de pressão não tem como resultante uma única força. Consideremos a Figura 1.7
abaixo representada:
Uma força de pressão dF que actua numa área dA pode decompor-se nas suas três componentes
cartesianas. A componente vertical da força será dada por:

dFz = dF cosα = γhdAcosα (1.30)


onde α é o ângulo entre a normal a dA e o eixo dos zz. Definindo dAz = dAcosα como a projecção da
área dA na superfície livre, a componente vertical da força é então dada por:

dFz = γhdAz (1.31)


A partir da equação (1.31) conclui-se que a impulsão vertical numa superfície curva qualquer é
igual ao peso do volume de líquido delimitado pela superfície considerada e pelas projectantes verticais
tiradas do contorno da superfície até à superfície livre do líquido. A impulsão vertical actua num ponto
10 CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE HIDROSTÁTICA

Figura 1.7: Diagrama da resultante das forças de pressão hidrostáticas numa superfície curva

cuja ordenada é a ordenada do centro de gravidade do volume assim definido. Considere-se agora uma
direcção horizontal h e a componente das forças de pressão segundo aquela direcção é dada por:

dFh = dF sinα (1.32)


Analogamente, concluímos que:

dFh = γhdAsinα = γhdAh (1.33)


onde dAh é a projecção da superfície dA num plano vertical normal à direcção h. A partir da equação
(1.33) conclui-se que a impulsão horizontal numa superfície curva qualquer é igual à pressão exercida
numa placa vertical virtual, definida pela projecção num plano vertical do volume de líquido delimitado
pela superfície considerada e pelas projectantes horizontais tiradas do contorno da superfície. A im-
pulsão horizontal actua num ponto cuja abcissa é a abcissa do centro de gravidade do volume assim
definido. Uma vez determinado o módulo da impulsão resultante e determinadas as coordenadas do seu
ponto de aplicação, poder-se-á prolongar esta linha de acção sobre a superfície curva para determinar
o ponto equivalente do centro de pressão, tal como é ilustrado na Figura 1.7.

1.6 Método de Integração da Pressão


O método baseia-se no princípio de que as propriedades hidrostáticas do navio podem ser calculadas
através da integração da pressão hidrostática sobre a sua superfície molhada. Contudo, torna-se ne-
cessário discretizá-la em pequenos painéis planos poligonais. Sobre cada um destes painéis pode então
aplicar-se o Teorema de Green para transformar o integral de superfície num integral de linha em torno
do contorno do painel:
ZZ   Z
∂P ∂Q
− + dxdy = (P dx + Qdy) (1.34)
A ∂y ∂x ∂A
onde P e Q são funções reais; A é a superfície do painel; e ∂A é o contorno do painel.

Dependendo das funções P e Q que sejam escolhidas, podem calcular-se diferentes propriedades
hidrostáticas.
A obtenção de fórmulas analíticas para calcular propriedades relativas à linha de água do navio será
exemplificada para o caso da área da figura de flutuação.
Utilizando o Teorema de Green, a contribuição de cada painel para essa área, AF j , é dada por:
1.6. MÉTODO DE INTEGRAÇÃO DA PRESSÃO 11

Figura 1.8: Ilustração dos sistemas de coordenadas global e do painel

ZZ Z
AF j = dAij = ydx (1.35)
Aj ∂A

onde Aj é a projecção do painel na linha de água; e ∂A representa o contorno do painel.

Como este contorno é composto por p segmentos de recta, o segmento de recta k pode ser repre-
sentado como:

y = αx + β (1.36)
yk+1 −yk
onde α = xk+1 −xk e β = yk − αxk .

Substituindo a equação (1.36) em (1.35), a fórmula analítica que dá a contribuição de cada painel
para a área da figura de flutuação é:
p  xk+1
X 1
AF j = αx2 + βx (1.37)
2 xk
k=1
A área da figura de flutuação do navio será então obtida por soma das contribuições obtidas para
os N P painéis:
NP
X
AF = AF j (1.38)
j=1

Quando se pretendem calcular as propriedades hidrostáticas relacionadas com a querena do navio


é necessário utilizar três sistemas de coordenadas, conforme se mostra na Figura 1.8. O primeiro
sistema de coordenadas (X, Y, Z) baseia-se na superfície do mar, com o eixo Z orientado na vertical
com direcção ascendente. O segundo (Xp , Yp , Zp ) baseia-se num dos vértices do painel em questão com
o eixo Xp perpendicular ao plano do painel. O sistema de coordenadas (Xi , Yi , Zi ) é o sistema utilizado
nos ficheiros de dados.
Para obter as coordenadas dos pontos que constituem os vértices dos painéis no sistema de coor-
denadas do painel é necessário aplicar uma transformação de coordenadas.
Essa transformação corresponde à inversa da seguinte transformação, que permite calcular as coorde-
nadas no sistema de coordenadas do mar sabendo as coordenadas no sistema do painel:

√ n2y 2
 
    n x − − √nx nz  
x x0 nx +ny 1−nz 2 xp
 y  =  y0  +  ny − √ nx
 ny nz 
− √1−n 2
 yp  (1.39)
 nx 2 +ny 2 z 
z z0 n 0 −sqrt1 − n 2 zp
z z
12 CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE HIDROSTÁTICA

onde [n] = [nx , ny , nz ] representa a normal ao painel.


Para exemplificar o processo de cálculo irá obter-se a expressão analítica para o cálculo da força
hidrostática. Esta pode ser obtida através da integração da pressão hidrostática sobre a superfície do
casco:
 ZZ 
H
{Fi } = ρgzni dS (1.40)
S
Uma vez que a superfície dos compartimentos está discretizada em N P painéis, a força hidrostática
resultante é dada por:
NP
X Z 
H
{Fi } = nij ρgzdAj (1.41)
j=1 Aj

onde Aj é a superfície de cada painel.


A força hidrostática em cada painel é dada por:
Z
H
{Fij } = {nij } ρgzdAj (1.42)
Aj

Por outro lado, da expressão (1.39) pode concluir-se que:


p
z = z0 + (1 − nz 2 )zp (1.43)
Uma vez que z é uma função de zp , o integral de superfície tem de ser convertido do sistema de
coordenadas global para o sistema de coordenadas do painel utilizando-se para tal o Jacobiano J. Pode
provar-se que o Jacobiano J é unitário, pelo que usando (1.41), a força hidrostática em cada painel
pode ser reescrita como:
Z  
1p
|Fij H | = ρg z = z0 zp + (1 − nz 2 )zp 2 zdyp (1.44)
∂Aj 2
zp k+1 −zp k
onde zp = αyp + β, sendo que: α = yp k+1 −yp k e β = zp k − αyp k .

Substituindo estas expressões na (1.42) e calculando o integral, a fórmula analítica para a força
hidrostática é:

p     
H
X 1 2 1p 2
1 2 3 2 2
|Fij | = ρg z0 α∆yp + β∆yp + (1 − nz ) α ∆yp + αβ∆yp + β ∆yp (1.45)
2 2 3
k=1

onde ∆yp n = yp k+1 n + yp k n


De uma forma análoga, expressões analíticas que permitem obter os momentos das forças hidros-
táticas, em relação a um determinado eixo podem ser obtidas e a partir daí calculado Os pontos de
aplicação dessas forças hidrostáticas, tal como será visto mais adiante.
1.7. LEI DE ARQUIMEDES 13

Figura 1.9: Diagrama da impulsão hidrostática numa superfície plana inclinada

1.7 Lei de Arquimedes


Quando a superfície curva em consideração é o contorno de um corpo que se
encontra imerso num fluido em repouso, a impulsão a que está sujeito o corpo é
dada pelo Teorema de Arquimedes.3 Aplicando a condição de equilíbrio a este
corpo conclui-se que a resultante das forças de pressão (impulsão I) tem de ser
igual ao peso do corpo (deslocamento ∆). Matematicamente, dada por:

I=∆ (1.46)
Considere-se um corpo qualquer imerso num líquido, tal como é ilustrado
na Figura 1.9.
A resultante das pressões hidrostáticas que actuam na parte esquerda do
corpo é igual ao produto dessas pressões pela projecção da área num plano vertical. O mesmo se
aplica às resultantes das forças que actuam no outro lado do corpo. Como a projecção num plano
vertical, das superfícies laterais do corpo é a mesma, conclui-se que as forças horizontais estão em
equilíbrio. Quando o corpo em consideração é uma massa do mesmo líquido em que está imerso ele
estará em equilíbrio o que leva a concluir que a impulsão tem de ser igual e de sentido oposto ao
peso do volume de líquido envolvido pela superfície de contorno. Dado que a impulsão depende só
do volume envolvido pela superfície de contorno, quando o corpo é constituído por uma substância de
diferente peso específico o valor da impulsão não se altera, mas o corpo deixa de estar em equilíbrio.
Se a densidade do corpo é maior do que a do líquido o peso é maior do que a impulsão e o corpo
afunda-se até tocar no fundo de onde vai receber uma reacção igual à diferença do peso e impulsão.
No caso contrário o corpo sobe até à superfície livre ficando com parte do seu volume fora de água por
forma a que o seu volume submerso vezes o peso específico de líquido seja igual ao seu peso. O corpo
está então a flutuar. Sendo a impulsão igual ao peso do volume de líquido deslocado pelo corpo, o seu
ponto de aplicação coincidirá com o centro do volume imerso ou seja com o centro de carena.

3
Arquimedes (287-212 A.C.): Nasceu em Siracusa cerca do ano 287 A.C.; Estudou em Alexandria; Formação em
Filosofia e Matemática enquadrado pelo célebre rigor lógico Grego; Excelente desempenho no domínio da Geometria e
da Mecânica; Escreveu a sua obra prima ’Àcerca da Flutuação dos Corpos’ (AFC); Fundador da hidrostática de navios,
enunciando os princípios físicos da flutuação e da estabilidade; Morreu em Siracusa 212 A.C..
Capítulo 2

Equilíbrio dos Corpos Flutuantes

Os corpos que tenham um peso específico inferior ao do liquido, que se encontra em contacto com o
corpo, ficam a flutuar de forma a diminuir o volume do liquido deslocado e assim receber da parte
do liquido uma impulsão que iguale o seu peso. A parte imersa do corpo flutuante é designada
por querena ou carena, e segundo o princípio de Arquimedes a impulsão é igual ao peso do volume
do liquido deslocado, ou seja, o volume da carena. O equilíbrio dos corpos flutuantes estuda as
condições de equilíbrio dos mesmos. A aplicação das condições gerais da estática estudadas no capítulo
anterior indica que, para haver equilíbrio, o sistema de forças exteriores que actuam no corpo tem de
ter resultantes nulas relativamente ao centro de gravidade do corpo. Isto implica que o somatório
das forças seja nulo e que o somatório dos momentos relativamente àquele ponto também seja nulo.
Numa situação estática, as únicas forças que actuam num flutuador livre são o seu peso e a sua
impulsão. Por isso, quando as forças não estão em equilíbrio, a resultante é uma força vertical capaz
de provocar uma translação segundo aquela direcção. Por outro lado, havendo um momento resultante,
este irá provocar uma rotação do flutuador. Pode então dizer-se que as duas condições de equilíbrio
a satisfazer dizem respeito à translação vertical e à rotação, denominando-se respectivamente por
primeira e segunda condição de equilíbrio. Esquematicamente, pode considerar-se que um flutuador
abandonado livremente num liquido em repouso procuraria a sua posição de equilíbrio em duas fases
distintas. Primeiro satisfazia a condição de equilíbrio à translação vertical, procurando a posição em
que o seu peso iguale a impulsão. Posteriormente, rodava sem alterar o volume da carena (inclinações
isocarénicas) até que satisfizesse a condição do equilíbrio à rotação. Estas duas fases, serão de seguida
estudadas separadamente.

2.1 Equilíbrio à Translação Vertical


A satisfação desta condição de equilíbrio consiste na procura da posição correspondente a um volume
de carena igual ao quociente do peso do flutuador pelo peso específico do líquido em consideração.
Para que tal suceda deverão ocorrer flutuações paralelas, ou seja, mantendo-se a posição do flutuador,
faz-se variar a sua imersão - definida como a distância do ponto mais baixo da carena à superfície do
líquido. A cada valor de imersão corresponde um valor do volume de carena e de um valor impulsão,
os quais aumentam com a imersão. No caso mais geral de flutuadores com uma forma geométrica
qualquer (que não pode ser representada por uma função matemática) o volume de carena terá de ser
calculado, em regra, através de integrações numéricas. A figura de flutuação é a intersecção do plano
da superfície livre do líquido com o flutuador. A sua área pode calcular-se, por exemplo, através da
regra de Simpson, podendo assim ser construída uma curva que indica a área da figura de flutuação
em função da imersão. Integrando esta curva desde a imersão correspondente à condição de flutuação
até à superfície livre obtém-se o volume de carena correspondente àquela condição de flutuação. O
cálculo do volume de carena ∇i correspondente a diferentes imersões i permite construir uma curva que
indique o volume de carena ou a correspondente impulsão em função da imersão resultante do sistema
de pressões. A posição de equilíbrio vertical do flutuador, dependente do seu peso e da densidade do
líquido, a qual será alterada sempre que qualquer destas grandezas mude. Havendo uma variação de
peso δ∆ haverá uma variação do volume de carena dado por δ∇/γ:

15
16 CAPÍTULO 2. EQUILÍBRIO DOS CORPOS FLUTUANTES

δ∆ + ∆ δ∇
∇1 = = ∇0 + (2.1)
γ γ
onde ∇0 é o volume inicial e ∇1 o final. Se o corpo for posto a flutuar num liquido com um peso
específico diferente, o seu peso não se alterará, ou seja, matematicamente:

δ = γ0 ∇0 = γ1 ∇1 (2.2)

No entanto, o corpo assumirá uma nova posição de equilíbrio em que o volume de carena é dado
por:

∆ γ0
∇1 = = ∇0 (2.3)
γ1 γ1
e onde γ0 é o peso específico do líquido inicial e γ1 é o peso específico do líquido final. A variação do
volume de carena é então dada por:
 
γ0
δ∇ = ∇1 − ∇0 = ∇0 −1 (2.4)
γ1
Quando as variações do volume de carena são pequenas é apropriado considerar-se que a figura de
flutuação se mantém inalterada. Neste caso, as variações do volume de carena representam volumes
cilíndricos, dadas por:

δ∇ = Aw δi (2.5)

em que Aw representa a área da figura de flutuação e δi a distância entre as flutuações paralelas. A


correspondente variação do deslocamento será dada por:

δ∆ = δ∇γ = Aw δi γ (2.6)

A variação de deslocamento corresponde a uma variação unitária da imersão (δi = 1) designa-se


por deslocamento unitário:

∆u = γAw (2.7)

Em regra, considera-se a variação unitária da imersão o centímetro pelo que:

Aw
∆u = γ [ton/cm] (2.8)
100
Esta grandeza permite que para pequenas variações de peso do flutuador se obtenha directamente
a correspondente variação de imersão:

δ∆
δi = (2.9)
∆u
No caso de variação da densidade do líquido, a variação de imersão será dada por:
 
δ∇ ∇0 γ0
δi = = −1 (2.10)
Aw Aw γ1
Por exemplo, a passagem da flutuação em água salgada para água doce corresponde a um aumento
da imersão:
 
∆ 1.025 ∆ ∆
δi = − 1 = 0.025 = 40 (2.11)
∆u 1.000 ∆u ∆u
em que ∆u representa o deslocamento unitário em água salgada (γ = 1.025 [ton/m3 ]).
2.2. EQUILÍBRIO À ROTAÇÃO 17

Figura 2.1: Diagrama de forças para rotação isocarénica de um corpo arbitrário

2.2 Equilíbrio à Rotação


Para que um flutuador esteja em equilíbrio é necessário que satisfaça as condições de equilíbrio de
forças e de momentos. Após a satisfação do equilíbrio das forças verticais que se considerou na secção
anterior, analisam-se agora os aspectos relacionados com o equilíbrio de momentos. Após a satisfação
do equilíbrio à translação vertical, se o centro de gravidade e o centro de carena de um flutuador
não estiverem na mesma vertical, o flutuador inclina-se isocarenicamente, ou seja, mantendo o mesmo
volume de carena.

2.2.1 Rotações Isocarénicas


Para analisar as propriedades das rotações isocarénicas considere-se a Figura 2.3 onde se indica a linha
de água inicial W L0 e a final W L1 . Os sistemas de eixos xyz e x0 y 0 z 0 são paralelos, o xyz tem a sua
origem no ponto de intersecção entre as linhas de água e o x0 y 0 z 0 tem a sua origem na posição inicial
do centro de carena.
Durante a rotação, a cunha de líquido cujo centro está no ponto W− é retirada à carena e a cunha
com o centro em W+ é adicionada. Esta variação do volume da carena faz o centro de carena transferir-
se do ponto B0 para B1 . Um elemento de volume d∇ numa destas cunhas pode ser definido como uma
área dA com uma altura h dada por:

h = x tan φ (2.12)
onde x é a abcissa do centro da área dA e φ é o ângulo de rotação da linha de água. O elemento de
volume é então dado por:

d∇ = dAx tan φ (2.13)


e o volume total retirado à carena é dado por:
ZZ
∇− = x tan φdA− (2.14)
A−
18 CAPÍTULO 2. EQUILÍBRIO DOS CORPOS FLUTUANTES

onde o integral se estende à área A− que corresponde aos valores negativos de x no plano z. Através
de raciocínio idêntico demonstra-se que o volume adicionado à carena é:
ZZ
∇+ = x tan φdA+ (2.15)
A+

A definição de rotações isocarénicas é a de serem inclinações a volume de carena constante ou seja:


Z Z ZZ  ZZ
δ∇ = ∇− − ∇+ = tan φ xdA− − xdA+ = tan φ xdA (2.16)
A− A+ A

onde o último integral se estende por toda a área da figura de flutuação. Dado que δ∇ tem de ser
zero, esta condição só será satisfeita se o último integral se anular. Este integral representa o momento
da área e este só se anula quando é calculado relativamente a um eixo que contenha o centroide da
área. No caso da figura de flutuação, o centroide da área denomina-se centro de flutuação. Conclui-se
assim que para pequenas rotações isocarénicas os flutuadores rodam em torno de um eixo que contem
o centro de flutuação.

2.2.2 Superfície dos Centros de Carena


A rotação equivale a transportar o líquido que encontrava no volume ∇− para o volume ∇+ . Em
resultado do transporte do líquido, o centro de carena muda de W− para W+ . Dado que os centros
dos meniscos são os pontos W− e W+ , a recta B0 B1 será paralela à recta W− W+ e terá um módulo
dado por:

∇w W− W+
B0 B1 = (2.17)
∇0
onde ∇0 é o volume da carena e o volume do menisco é ∇w . As coordenadas dos centros dos meniscos
obtém-se pelo quociente dos momentos das áreas pelas áreas totais:

RR
A− x(x tan φ)dA−
XW− = RR (2.18a)
A+x tan φdA+
2
RR
A+ x dA+
XW+ = RR (2.18b)
A+ xdA+

A distância que os meniscos são transportados é dada por:


ZZ
tan φ Iyy tan φ
W− W+ = XW− + XW+ = x2 dA = (2.19)
∇w A ∇w
onde Iyy é o momento de inércia da área de flutuação relativamente ao eixo dos yy, em torno do qual
se dá a rotação. O correspondente deslocamento do centro de carena obtém-se a partir da igualdade
dos momentos:

∇0 B0 B1 = ∇w W− W+ (2.20)
ou seja:

∇w W− W+ Iyy tan φ
δXB = B0 B1 = = (2.21)
∇0 ∇0
Daqui se conclui que o deslocamento longitudinal δXB depende do momento de inércia da figura
de flutuação, do ângulo de rotação e do volume de carena. O deslocamento transversal do centro de
carena δYB obtém-se de forma análoga, ou seja, o momento de um elemento de volume relativamente
ao eixo dos xx é dado por:

dMxx = yd∇ = yx tan φdA (2.22)


2.2. EQUILÍBRIO À ROTAÇÃO 19

As coordenadas dos centros dos meniscos são dadas por:

RR RR
A− dMxx tan φ A− xydA−
YB− = RR = (2.23a)
A− d∇ ∇−
ZZ
tan φ
YB+ = xydA+ (2.23b)
∇+ A+

A distância entre os centros dos meniscos é dada por YB− + YB+ e a correspondente variação do
centro de carena é:

∇w YB− + YB+
ZZ
tan φ Ixy
δYB = = xydA = tan φ (2.24)
∇0 ∇0 A ∇0
onde Ixy é o produto de inércia da área. Para além do transporte longitudinal e transversal do volume
de carena há também um movimento vertical do mesmo. O momento do elemento cilíndrico de volume
d∇ relativamente ao plano x0y é igual ao produto do volume pela coordenada do seu centro de volume,
o qual está a uma ordenada igual a metade da altura (h/2 = x/2 tan φ):
x
dMxx =
tan φd∇ (2.25)
2
A ordenada do centro do menisco removido obtém-se pela razão do momento total do volume pelo
volume total:

tan2 φ A− x2 dA−
RR RR
A− dMxx
ZB− = RR = (2.26)
A− d∇ 2∇w
e analogamente para o centro do volume adicionado:

tan2 φ A+ x2 dA+
RR
ZB+ = (2.27)
2∇w
O transporte vertical do volume de carena é igual às distância entre os dois pontos, ou seja, à soma
das distâncias dos pontos ao plano x0y dada por:

∇w ZB− + ZB+ tan2 φIyy
δZB = ZB− + ZB+ = = (2.28)
2∇0 2∇0
Comparando este resultado com a variação de abcissa resulta:

tan2 φ
δZB = δXB (2.29)
2
As expressões que quantificam a variação das coordenadas do centro de carena com uma rotação
φ do flutuador constituem uma representação paramétrica de uma superfície no espaço que define
o lugar geométrico das posições do centro de carena. Quando se faz coincidir a origem dos eixos
coordenados com a posição do centro de carena, as variações de posição daquele ponto passam a ser
as suas coordenadas em valor absoluto, dadas por:

Iyy
XB = tan φ (2.30a)
∇0
Ixy
YB = tan φ (2.30b)
∇0
Ixy
ZB = tan2 φ (2.30c)
∇0
A análise destas expressões permite concluir que para pequenos valores de φ, o centro de carena
move-se assintoticamente no plano x0y pois ZB será muito menor que XB ou YB . Daqui se infere
20 CAPÍTULO 2. EQUILÍBRIO DOS CORPOS FLUTUANTES

que a superfície dos centros de carena é perpendicular ao eixo dos zz na vizinhança da posição inicial
do centro de carena. Portanto, a impulsão será perpendicular às superfície dos centros de carena, já
que é vertical. Com o aumento da inclinação φ, o centro de carena vai ocupar uma posição com uma
ordenada ZB diferente de zero. A inspecção da expressão de ZB indica que esta é sempre positiva já
que a tan φ está elevada ao quadrado e o momento de inércia e volume de carena são sempre positivos.
De facto, pode concluir-se que a superfície dos centros de carena, que tem a forma de um elipsóide,
está sempre acima da posição inicial do centro de carena. A forma da superfície de carena depende da
figura de flutuação e dos eixos de inércia que forem escolhidos. Os eixos principais de inércia são eixos
perpendiculares relativamente aos quais os momentos de inércia da figura de flutuação são máximos e
mínimos e o produto de inércia é nulo. Quando existem eixos de simetria numa figura, estes coincidem
com os eixos principais de inércia. Em flutuadores é frequente os eixos principais de inércia coincidirem
com as maiores e menores dimensões, ou seja com o eixo longitudinal e com o transversal, embora só
o primeiro seja normalmente um eixo de simetria. Quando um flutuador se inclina em torno de um
eixo principal de inércia, a trajectória do centro de carena está contida no plano de inclinação pois o
produto de inércia é nulo e portanto YB = 0. O plano de inclinação é o plano vertical que é normal
ao eixo de rotação e que contém o centro de carena e o centro de gravidade. Uma rotação em torno
de um eixo qualquer pode sempre ser decomposta em duas rotações em torno dos eixos principais de
inércia. Quando as rotações em torno dos eixos principais de inércia são suficientemente pequenas para
se poder substituir tan φ por φ diz-se que é aplicável a Teoria Metacêntrica. Note-se que para φ = 10o
a razão tan φ/φ é 0.990, para φ = 20o é 0.959 e para φ = 30o é de 0.907. Daqui se pode verificar que a
substituição é perfeitamente adequada para valores de φ até 7o ou 10o e que em certas aplicações até
se poderia entender aquele domínio a 30o .

2.2.3 Raio Metacêntrico


No domínio de aplicação da teoria metacêntrica a trajectória do centro de carena para rotações θ em
torno do eixo dos yy é descrita por:

Iyy
XB = tan θ (2.31a)

Iyy
ZB = tan2 θ (2.31b)
2∇

O raio de curvatura BM L na origem dos eixos (θ = 0) deduz-se a partir da relação entre o


comprimento de um arco elementar ds e a inclinação dθ, dado por:

ds = BM L dθ (2.32)
podendo deduzir-se que:
s 2  2
ds dXB dZB
BM L = θ= + θ=0 (2.33)
dθ dθ dθ

As derivadas das expressões anteriores avaliadas em θ = 0 são dadas por:

dXB Iyy
= (2.34a)
dθ ∇
dXB Iyy
|θ=0 = θ|θ=0 (2.34b)
dθ ∇

Desta expressão facilmente se deduz que o raio de curvatura longitudinal BM L é dado por:

Iyy
BM L = (2.35)

2.2. EQUILÍBRIO À ROTAÇÃO 21

Figura 2.2: Equílibrio à rotação de um corpo flutuante

Uma dedução semelhante a esta para rotações em torno do eixo dos xx permitiria deduzir o raio
de curvatura transversal BM T é dado por:

Ixx
BM T = (2.36)

Estes resultados permitem concluir que para pequenas rotações, no domínio de validade da teoria
metacêntrica os raios de curvatura são constantes. Logo, a superfície dos centros de carena, naquela
vizinhança é uma circunferência e o seu centro de curvatura é denominado metacentro. O metacentro
está uma distância BM acima do centro de carena ZB . Logo as ordenadas dos metacentros longitudinal
ZML e transversal ZMT serão dados por:

ZML = ZB + BM L (2.37a)
ZMT = ZB + BM T (2.37b)

2.2.4 Posição de Equilíbrio à Rotação


Vejamos agora como se determina a posição de equilíbrio à rotação. Considere-se um corpo que estando
inicialmente no seio de um líquido, teve uma translação vertical que o transformou num flutuador
mediante a satisfação da condição de equilíbrio às translação vertical, ou seja, o corpo fica sujeito a
uma impulsão igual ao seu peso (ver Figura ??).
Se o centro de gravidade e o centro de carena não estiverem na mesma vertical desenvolve-se um
momento inclinante MI igual ao produto do deslocamento ∆ pela distância entre aqueles pontos:

MI = ∆GG1 (2.38)
Este momento inclinante pode ser decomposto em momentos relativamente aos eixos transversal e
longitudinal, dados por:

MIL = YG ∆ (2.39a)
MIT = XG ∆ (2.39b)

Consideremos primeiramente as rotações longitudinais. Na posição inclinada, a linha de acção


da impulsão passa pelo centro de carena e pelo centro de gravidade, interceptando o eixo dos zz no
metacentro. Denominando por G0 a projecção de G no eixo dos zz, deduz-se da geometria mostrada
na Figura ?? que:
22 CAPÍTULO 2. EQUILÍBRIO DOS CORPOS FLUTUANTES

XG = GG0 = GM L sin θL (2.40a)


ZG = ZML − G0 M = ZML − GM L cos θL (2.40b)

Considerando ângulos inferiores a 10o , tem-se que cos θL ≈ 1 logo GM L ≈ ZML − ZG , donde se
deduz que:

XG = (ZML − ZG ) sin θL (2.41)

Considerando-se agora as rotações transversais, pode obter-se de modo análogo a seguinte expres-
são:

YG = (ZMT − ZG ) sin θT (2.42)

As expressões entre parêntesis nas duas últimas equações denominam-se altura metacêntrica e são
determinantes na resistência que o flutuador oferece à inclinação. No domínio da teoria metacêntrica as
ordenadas dos metacentros são iguais aos raios metacêntricos quando a origem dos eixos coordenados
coincide com a posição do centro de carena e os senos dos ângulos são aproximadamente iguais aos
ângulos. Com estas modificações as formulas anteriores podem ser reescritas como:

XG = (ZML − ZG ) θL (2.43a)
YG = (ZMT − ZG ) θT (2.43b)

Estas expressões permitem ainda determinar os ângulos de inclinação longitudinal e transversal em


função das coordenadas do centro de gravidade de um flutuador:

XG
θL = (2.44a)
Z ML − Z G
YG
θT = (2.44b)
Z MT − Z G

A partir das componentes das rotações em torno dos eixos coordenados é possível determinar o
ângulo de rotação real:
q
θ= 2 + θ2
θL (2.45)
T

o qual se vai dar num plano que faz um ângulo β com o eixo xx tal que:

θT
tan β = (2.46)
θL

Note-se que quando a origem dos eixos coordenados não coincide com a posição do centro de carena,
a expressão da altura metacêntrica será alterada para:


(ZM − ZG ) = ZB + BM − ZG = BM − (ZG − ZB ) (2.47)

ou seja o raio metacêntrico vai ser subtraído da altura do centro de gravidade relativamente ao centro
de carena, o que é um resultado geral aplicável também às situação anterior em que ZB = 0.
2.3. ESTABILIDADE DO EQUILÍBRIO 23

Figura 2.3: Diagrama de forças para rotação isocarénica de um corpo arbitrário

2.3 Estabilidade do Equilíbrio


Tendo já visto como determinar as posições de equilíbrio relativamente à translação vertical e à rotação,
importa agora estudar a estabilidade daquele equilíbrio. Diz-se que o equilíbrio é estável quando o
flutuador revela tendência por voltar à posição inicial de equilíbrio após uma perturbação daquela
posição. No caso da translação vertical o equilíbrio é intrinsecamente estável pois qualquer variação da
posição do flutuador vai afectar o valor da impulsão criando uma desigualdade relativamente ao peso do
corpo. Essa desigualdade cria as condições para o corpo voltar novamente às posição de equilíbrio. No
caso das inclinações a situação é mais complexa e o equilíbrio só é estável para certos valores relativos
entre alguns dos parâmetros. Para estudar a estabilidade do equilíbrio considera-se uma inclinação que
resulta da perturbação do equilíbrio de um flutuador. Tal como se pode observar na Figura ??, nesta
situação os vectores deslocamento e impulsão deixam de estar na mesma vertical, ficando as linhas de
acção a uma distância GZ uma da outra, onde Z é a projecção de G na linha de acção da impulsão.
A partir do triângulo rectângulo que assim se forma deduz-se que:

GZ = (ZM − ZG ) sin θ (2.48)


em que (ZM − ZG ) é a altura metacêntrica transversal inicial GM . A distância GZ constitui o braço
do binário formado pelo deslocamento e impulsão o qual se pretende que leve o flutuador à posição
inicial e por isso se denomina momento estabilizante. Este momento é dado por:

ME = ∆GZ = ∆ (ZM − ZG ) sin θ (2.49)


Esta expressão do momento estabilizante é suficiente para caracterizar a estabilidade do equilíbrio.
Quando ZM > ZG GM > 0 o momento estabilizante é positivo e o flutuador tem tendência a voltar
à posição inicial. Quando ZM = ZG GM = 0 o momento é nulo, não havendo reacção à perturbação
24 CAPÍTULO 2. EQUILÍBRIO DOS CORPOS FLUTUANTES


do equilíbrio, o qual é indiferente. Finalmente, o equilíbrio é instável quando ZM < ZG GM < 0
pois com a inclinação cria-se um momento que é proporcional às inclinação e que tende a aumentá-la.

2.4 Acção de um Momento Inclinante


Quando o equilíbrio de um flutuador é estável, este tem sempre tendência a voltar às posição inicial.
No entanto, quando é sujeito às acção de um momento inclinante MI , o flutuador vai procurar uma
nova posição de equilíbrio por forma a que o momento estabilizante que se gera equilibre o momento
inclinante. Para o caso de um momento longitudinal tem-se:

MIL = MEL = ∆ (ZML − ZG ) sin θL (2.50)


logo deduz-se que o ângulo de equilíbrio é dado por:

MI L
sin θL = (2.51)
∆ (ZML − ZG )
tendo em atenção que para pequenos ângulos se pode substituir sin θL por θL .
No caso em que o momento inclinante é provocado por uma movimentação transversal de um peso
p de uma distância yp tem-se que:

MIT = pyp cos θT (2.52)


ou seja, o ângulo de equilíbrio transversal é dado por:
pyp
tan θT = (2.53)
∆GM T
Nos flutuadores com formas típicas de navio o raio metacêntrico longitudinal é muito superior às
alturas do centro de carena ou do centro de gravidade, o que justifica a simplificação do denominador
da expressão do ângulo de equilíbrio longitudinal para:

MI L
tan θL = (2.54)
∆BM L
O valor elevado de BM L e consequentemente os valores muito pequenos que normalmente θL tem
levam a que seja preferível medir diferenças de imersão a vante e a ré nos flutuadores do que medir os
ângulos θL . A diferença entre estas imersões denomina-se caimento d = δT , o qual é dado por:

d = Lpp tan θL (2.55)


onde Lp p é o comprimento do flutuador ou a distância entre os pontos extremos que servem de referência
ao caímento. O caímento provocado por um momento inclinante obtém-se combinando as expressões
2.54 e 2.55 obtém-se que:

Lpp MI
d= (2.56)
∆BM L
É ainda conveniente definir o momento de caímento unitário Mu , que tal como o próprio nome
sugere é o momento inclinante necessário para produzir o caímento de uma unidade, dado por:

∆BM L
Mu = (2.57)
Lpp
logo, facilmente se deduz que o caímento provocado por um momento inclinante qualquer será sim-
plesmente dado por:

MI
d= (2.58)
Mu
2.5. EQUILÍBRIO A GRANDES ÂNGULOS DE INCLINAÇÃO 25

2.5 Equilíbrio a Grandes Ângulos de Inclinação


A teoria metacêntrica assenta na hipótese de as inclinações serem pequenas, em princípio até um limite
de 7o a 10o . Para ângulos superiores a superfície dos centros de carena que é elíptica já não pode ser
aproximada por uma circunferência de raio igual ao raio metacêntrico. Ao considerar a forma exacta da
superfície já deixa de ser válida a condição de o centro de curvatura da superfície estar fixa. Note-se que
em flutuadores com as configurações típicas de navios os grandes ângulos de rotação só ocorrem para
inclinações transversais. A posição do metacentro vai variar com o ângulo de inclinação. A ordenada
do metacentro tem de ser calculada para cada posição inclinada, em função do momento de inércia da
figura de flutuação e do volume de carena, tal como se mostra na seguinte equação:

Ixx
ZMT = BM T + ZB = + ZB (2.59)

O lugar geométrico das posições do metacentro durante uma inclinação do flutuador a grandes
ângulos denomina-se evoluta metacêntrica.
Capítulo 3

Estática do Navio a Pequenos Ângulos:


Teoria Metacêntrica

Nos dois capítulos anteriores apresentaram-se os conceitos básicos de hidrostática e analisaram-se


as condições de equilíbrio e estabilidade de um flutuador. Os navios são flutuadores com algumas
características específicas pelo que a aplicação dos princípios e expressões atrás deduzidas envolvem
algumas particularidades que serão agora estudadas. Após a introdução da nomenclatura especifíca
do cálculo hidrostático dos navios analisar-se-à em detalhe a determinação da posição de equilíbrio e
as alterações daquela condição em navios.

3.1 Geometria do Navio


Os navios têm quase todos duas características geométricas importantes: têm um plano longitudinal
de simetria e têm o comprimento muito superior às outras duas dimensões principais, a boca segundo
a direcção transversal e o pontal segundo a direcção vertical. A superfície exterior do navio denomina-
se por superfície do casco e serve para assegurar a estanqueidade do navio a servir de suporte a
toda a estrutura interior e aos equipamentos. É usual distinguir entre a superfície exterior do casco
denominada por superfície fora do forro e a superfície interior chamada superfície na ossada. Esta
última coincide com a parte interior do casco e a parte exterior das cavernas e balizas. A diferença
entre estas duas superfícies é obviamente a espessura do casco o que em navios de casco metálico é
de alguns milímetros, mas em navios de madeira pode representar vários centímetros. Por exemplo,
nos navios de aço é frequente considerar somente a superfície do casco na ossada enquanto nos navios
de madeira, para além da superfície da ossada também se necessita da superfície for a do forro para
efeitos de cálculo. A representação da geometria do casco faz-se normalmente pela projecção em três
planos ortogonais das intersecções de planos paralelos aos de referência com a superfície do casco (ver
Figura 3.1). Os traços dos planos paralelos aos de referência são figuras que se projectam em verdadeira
grandeza num daqueles planos. Consoante o plano a que dizem respeito denominam-se por:

• Secções ou cortes longitudinais quando são a intersecção da superfície do casco por planos para-
lelos ao plano de mediania ou de simetria. São projecções em verdadeira grandeza no plano de
mediania e são rectas nos outros dois planos;

• Secções transversais ou balizas de traçado quando são a intersecção da superfície do casco por
planos verticais perpendiculares ao plano de mediania. Projectam-se em verdadeira grandeza no
plano transversal;

• Secções horizontais, linhas de flutuação ou linhas de água quando são a intersecção da superfície
do casco por planos horizontais paralelos ao plano base.

Note-se que se faz a distinção entre as linhas de água de traçado, que correspondem à intersecção
de planos paralelos ao plano base com a superfície do casco na posição direita do navio, e as linhas de
água que se obtêm pela intersecção do plano de flutuação real com o casco, o que pode acontecer para

27
28CAPÍTULO 3. ESTÁTICA DO NAVIO A PEQUENOS ÂNGULOS: TEORIA METACÊNTRICA

Figura 3.1: Projecção em planos ortogonais de cortes do casco


3.1. GEOMETRIA DO NAVIO 29

Figura 3.2: Plano geométrico de um navio

posições inclinadas do navio, ou seja, com caimento e/ou adornamento. A linha de água carregada
corresponde às figura de flutuação que se obtem quando o navio flutua direito e com o máximo de
carga que o navio pode ter em serviço. Em regra, a linha de água mais baixa que se considera no
plano geométrico é a linha base que é coincidente com a intersecção do plano de mediania do navio
com o plano base. O conjunto das secções projectadas nos planos longitudinal, horizontal e transversal
constituem o plano geométrico ou o plano de formas do navio (ver Figura 3.2). As secções que se
representam no plano geométrico são normalmente equidistantes, embora em parte dos extremos se
incluam também secções ou intervalos iguais a metade, para uma melhor definição das zonas extremas
do navio, que em regra são mais enformadas pelo que têm maiores variações na geometria.
O número de secções incluídas no plano geométrico varia com o país e de estaleiro para estaleiro. Nos
nossos estaleiros é frequente utilizarem-se 11 linhas de água numeradas de #0 a #10, correspondendo
a primeira à linha base e a última à flutuação carregada. Para definir a forma do navio acima da linha
de água carregada utilizam-se mais algumas linhas de água, a 12, 14 e eventualmente a 16. O número
de secções transversais que normalmente se adopta são 21, correspondendo a dividir o comprimento
do navio em 20 partes iguais. A baliza que corresponde ao meio do navio denomina-se meio navio ou
meia nau e recebe o número #0. A secção mestra é a secção transversal de maior largura e muitas
vezes coincide com o meio navio. As balizas para vante e para ré numeram-se de #0 a #10, sendo
usual representar as balizas com números par. No entanto, muitas vezes também se representam as
balizas #8 1 /2 , #9 1 /2 e #10 1 /2 , pois estas balizas correspondem a zonas onde há grandes variações
da geometria do casco. Dada a simetria do navio só se costuma desenhar meias balizas sendo usual
ter as balizas de vante às direita do traço do plano de mediania e as de ré à esquerda. O plano de
mediania é representado com a proa do navio à direita e as secções longitudinais são definidas por planos
30CAPÍTULO 3. ESTÁTICA DO NAVIO A PEQUENOS ÂNGULOS: TEORIA METACÊNTRICA

Figura 3.3: Dimensões principais de um navio

equidistantes, dividindo-se a meia boca em duas ou quatro partes. Para completar a representação da
superfície do casco é necessário representar também as linhas de intersecção desta com os pavimentos
do navio, o que vai originar linhas com um andamento diferente de qualquer uma das anteriores. A
linha da borda é a intersecção da superfície do casco com a superfície do convés. As intersecções com
as superfícies dos pavimentos chamam-se linhas dos pavimentos à amurada. A intersecção do convés
com o plano de mediania é a linha do convés a meio. A linha de construção é a intersecção do plano de
mediania com a superfície do fundo do casco. A linha base define-se como passando pela intersecção
entre a linha de construção e a perpendicular a meio. O ponto de referência para definir a linha de
construção varia com o tipo e material de construção. Se o navio não tiver caimento de traçado a linha
base coincide com a linha de construção. A linha recta do vau define-se em secções transversais como
a recta que une os pontos de intersecção da secção com o contorno superior do vau.

3.2 Dimensões Principais do Navio


Para se definir com precisão as dimensões principais do navio é necessário caracterizar mais algumas
linhas de referência (ver Figura 3.3).
A linha de água carregada vai interceptar o perfil do navio nos dois pontos extremos dessa linha.
Pelo ponto extremo da proa vai passar uma recta perpendicular à linha base chamada perpendicular a
vante. A perpendicular a ré é definida, em alguns países como a perpendicular à linha base que passa
pela intersecção da linha de água com a popa do navio. No entanto, entre nós, é mais frequente aplicá-
la à perpendicular que coincide com o eixo de rotação do leme ou com a face de ré do cadaste do leme.
A perpendicular a meio define-se como a linha vertical, existente no plano longitudinal, normal à linha
base e equidistante das perpendiculares a vante e a ré. Estas linhas permitem definir o comprimento
entre perpendiculares como a distância entre as perpendiculares a vante e a ré. Também se define o
comprimento na flutuação como a distância entre a perpendicular a vante e o ponto extremo a ré da
linha de flutuação. Finalmente, define-se o comprimento total, ou fora a fora, como a distância entre
as perpendiculares que passam pelos dois pontos mais extremos a vante e a ré. A boca do navio é a
largura da secção mestra, medida no plano transversal e paralelamente à linha base. Distinguem-se a
3.3. BORDO LIVRE 31

boca na ossada, no forro, na flutuação e máxima consoante os pontos de referência utilizados. Numa
secção transversal o pontal é a distância vertical entre a linha de construção e a linha recta do vau
nessa secção e o pontal de construção é o pontal a meio navio. A linha de tosado é o lugar geométrico
das intersecções da recta do vau no plano diametral do navio, e representa a linha do convés às borda.
Considerando agora a linha paralela às linha base que contem o ponto mais baixo, define-se o tosado
numa secção transversal como a distância vertical daquela recta às intersecção da recta do vau no plano
diametral. Os tosados a vante e a ré são naturalmente os valores do tosado nas secções transversais
que existem sobre as perpendiculares a vante e a ré. A imersão do navio numa dada flutuação e numa
secção transversal é a distância vertical da linha de construção ao plano da flutuação medida nessa
secção. Valores correntemente utilizados são a imersão a vante, a ré e média, que são os valores da
imersão nas perpendiculares a vante, a ré e a meio navio. A imersão média TP PM N é a média das
imersões a vante TP PAV e a ré TP PAR :

TP PAV + TP PAR
TP PM N = (3.1)
2
Quando a linha de construção não coincide com a linha base diz-se que o navio tem caimento de
construção dc , o qual é igual às diferença entre a imersão a ré e a vante:

dc = TP PAR − TP PAV (3.2)


Nos navios que não têm caimento de construção, a imersão média é igual às imersões a vante e a
ré. No entanto, este não é o caso mais frequente no qual se tem:

dc
TP PAV = TP PM N − (3.3a)
2
dc
TP PAR = TP PM N + (3.3b)
2
pois o caimento de construção reparte-se igualmente pelas perpendiculares a vante e a ré. Enquanto
as imersões medem a distância da linha de flutuação à face superior da quilha, o calado é a distância
à face inferior, ou seja, ao ponto mais baixo de cada secção. Para muitos efeitos práticos é este valor
que interessa pois permite quantificar o espaço que fica livre abaixo da quilha. Em casos normais a
diferença entre imersão e calado é insignificante para navios de aço com quilha chata. No entanto,
em zonas onde há apêndices no casco esta diferença já pode ser significativa. A diferença também
pode ser relevante no caso de navios de madeira. Para medir os calados existem nos navios as marcas
dos calados colocadas nas perpendiculares a vante e a ré. O traço que fica na linha de água indica
o calado do navio naquela secção. As marcas dos calados estão indicadas nos dois bordos dos navios
sendo numeradas em decímetros a estibordo à proa e a bombordo a ré e em pés a bombordo à proa
e estibordo a ré. A numeração em decímetros é indicada com algarismos árabes com um decímetro
de altura enquanto a numeração em pés é indicada com números romanos com meio pé de altura. Os
calados a vante e a ré deverão ser considerados como a média entre os valores lidos num e noutro bordo
e serão os mesmos quando o navio não está adornado.

3.3 Bordo Livre


A medida de certo modo complementar à imersão é o bordo livre (BL) que é definido como a distância
vertical do plano de flutuação ao ponto de intersecção da superfície superior do convés, ou do seu
prolongamento à borda, com a superfície do forro na secção a meio navio. A bordo livre é utilizado como
critério de decisão relativo às quantidade de carga que os navios transportam. Os navios mercantes
estão sujeitos a uma linha de carga máxima que é a linha de flutuação mais alta que os navios podem
adoptar em serviço. Este requisito pretende assegurar que os navios tenham um mínimo de reserva de
flutuabilidade que seja uma garantia de segurança em caso de acidente. A reserva de flutuabilidade é o
volume dos espaços fechados e estanques acima do plano de flutuação, pois são estes espaços que uma
vez submersos podem contribuir para aumentar a impulsão que actua no navio. O valor da reserva de
32CAPÍTULO 3. ESTÁTICA DO NAVIO A PEQUENOS ÂNGULOS: TEORIA METACÊNTRICA

flutuabilidade depende do tipo de navio mas oscila entre 80% a 120% do volume de carena em navios de
passageiros e entre 25% e 40% nos navios de carga. O bordo livre mínimo, ou equivalentemente, a linha
de carga máxima, estão estabelecidos na Convenção Internacional das Linhas de Carga 1966, entrando
em vigor em Portugal pelo Decreto-Lei Nr.49209 de 26 de Agosto de 1969. Aqueles valores têm em
vista prover o navio com uma reserva de flutuabilidade adequada para o navio resistir a uma avaria,
permitir que a tripulação trabalhe no convés com razoável segurança, não permitir a entrada de água
pelas aberturas do convés e não permitir cargas que provoquem esforços excessivos na estrutura do
navio. A Convenção Internacional das Linhas de Carga aplica-se a navios de mercantes que efectuem
viagens internacionais e tenham mais de 150 toneladas de arqueação bruta. Existe ainda legislação
nacional que obriga à existência de um bordo livre mínimo para outras embarcações.

3.4 Coeficientes de Forma


Os coeficientes de forma são um conjunto de índices que permitem sintetizar algumas propriedades
geométricas da forma do navio. Embora a descrição completa da geometria só se encontre no plano
geométrico, estes coeficientes sintetizam algumas propriedades e são de muita utilidade para algumas
finalidades. Os coeficientes de forma podem dividir-se em dois grandes grupos, as razões de dimen-
sões e os coeficientes de finura. No primeiro grupo é de realçar a razão comprimento/boca (L/B), a
boca/imersão (B/T ) e o comprimento/imersão (L/T ). Os domínios usuais de variação destes coefici-
entes são:

L
4≤ ≤ 10 (3.4a)
B
B
1.8 ≤ ≤4 (3.4b)
T
L
10 ≤ ≤ 30 (3.4c)
T
Os coeficientes de finura representam a razão entre áreas e entre volumes, servindo de medida do
grau de esbelteza da carena (ver Figura 3.4).
Começando por considerar as razões de áreas, define-se o coeficiente da flutuação CW como a razão
entre a área da flutuação AW e a área do rectângulo circunscrito, que tem por lados o comprimento
na flutuação L e a boca na flutuação B:

AW
CW = (3.5)
LB
O Coeficiente da secção mestra CM é a razão entre a área imersa da secção mestra AM e a área do
rectângulo circunscrito, que tem por lados a boca na flutuação L e a imersão a meio T :

AM
CM = (3.6)
BT
Para além destes dois coeficientes relativos à razão de áreas há mais dois que resultam da razão
de volumes. O coeficiente de finura total CB é a razão entre o volume da carena ∇ limitado por uma
dada linha de flutuação e o volume do paralelepípedo circunscrito, com os lados iguais ao comprimento,
boca e imersão naquela flutuação:


CB = (3.7)
LBT
O coeficiente de finura prismático ou cilíndrico CP é a razão entre o volume da carena e o cilindro
circunscrito que tem por secção a parte imersa da secção mestra:


CP = (3.8)
AM L
Combinando as várias expressões indicadas, é fácil verificar a relação existente entre aqueles coefi-
cientes:
3.4. COEFICIENTES DE FORMA 33

Figura 3.4: Coeficientes de finura


34CAPÍTULO 3. ESTÁTICA DO NAVIO A PEQUENOS ÂNGULOS: TEORIA METACÊNTRICA

∇ AM
CB = = CP CM (3.9)
AM L BT

Os domínios normais de variação destes coeficientes são:

0.65 ≤ CW ≤ 0.88 (3.10a)


0.70 ≤ CM ≤ 0.98 (3.10b)
0.55 ≤ CP ≤ 0.80 (3.10c)
0.40 ≤ CB ≤ 0.80 (3.10d)

3.5 Deslocamento dos Navios


O peso e a posição do centro de gravidade de um navio são dois dados essenciais ao estudo do equilíbrio
dos navios. No capítulo anterior demonstrou-se que há equilíbrio quando o peso do navio é igual às
impulsão, a qual por sua vez é igual ao peso do volume do líquido deslocado. Por isso tornou-se comum
chamar deslocamento ao peso de um navio. O deslocamento de um navio é uma variável que depende
dos pesos que existem a bordo num dado momento. Mesmo durante uma viagem em que em princípio
não há embarques nem desembarques de pesos, há o consumo de combustível, água e mantimentos,
que influi de um modo contínuo no valor do deslocamento. Para caracterizar os navios é normal definir
algumas condições específicas do deslocamento que servem de referência. O deslocamento mínimo
que um navio pode ter é o que corresponde ao peso da estrutura do navio e dos seus equipamentos
ou seja do sistema propulsor, máquinas auxiliares e eventual lastro permanente. O deslocamento
leve é definido como aquele deslocamento mínimo acrescido dos líquidos de circulação das máquinas,
nos quantitativos correspondentes às condições de trabalho, dos líquidos inaspiráveis dos tanques e
das ferramentas e sobressalentes. A condição de deslocamento leve não corresponde a uma situação
real de operação de um navio pois não inclui qualquer tipo de carga móvel. O porte máximo ou
carregado ou simplesmente o porte é o conjunto de todos os pesos que o navio pode transportar na
sua condição de deslocamento carregado, isto é, quando está a flutuar na linha de flutuação carregada.
A discriminação dos quantitativos dos diversos componentes do porte denomina-se expoente de carga.
Nos navios de comércio o porte costuma dividir-se no porte próprio que engloba o combustível, óleo,
águas, mantimentos e tripulação necessários ao desempenho da função do navio e o porte útil que
traduz a capacidade de carga comercial. Durante o projecto do navio procede-se às estimativa do seu
deslocamento leve para o que é usual reunir grupos de pesos de uma forma a sistematizar o processo
de cálculo. É comum considerar os seguintes grupos de pesos:

• 1. Casco e acessórios;

• 2. Instalação propulsora e linhas de veios;

• 3. Maquinaria auxiliar e de convés;

• 4. Instalação eléctrica;

• 5. Equipamentos de comunicações;

• 6. Mobiliário e aprestamento diverso.

O peso dos equipamentos obtém-se por informação dos respectivos fornecedores enquanto que o do
casco é calculado a partir dos escantilhões dos elementos.
3.6. CURVA DAS CARENAS DIREITAS 35

Figura 3.5: Gráficos de carenas direitas

3.6 Curva das Carenas Direitas


Os navios têm em regra formas que não são facilmente expressáveis de forma analítica. Por isso,
as grandezas do tipo de áreas, volumes e respectivos centros, que são indispensáveis aos cálculos
hidrostáticos, têm de ser determinadas numericamente. Este facto torna pouco prático proceder-se a
estes cálculos de cada vez que é necessário determinar qualquer propriedade hidrostática de um navio
e levou às adopção das curvas ou dos gráficos das carenas direitas. As curvas das carenas direitas
consistem num conjunto de gráficos que representam a variação de um conjunto de parâmetros com a
imersão média do navio a que dizem respeito. Estas curvas, que são determinadas na fase de projecto,
contém toda a informação necessária aos estudos de estática e estabilidade dos navios (ver Figura 3.5).
Capítulo 4

Estabilidade do Navio a Grandes Ângulos

Nos capítulos anteriores foi estudada a estabilidade do navio a pequenos ângulos, recorrendo à Teoria
Metacêntrica. Assumiu-se a hipótese de que, para inclinações pequenas (até 7o a 10o ), o ponto de
intersecção da linha de acção da impulsão com o plano de mediania não se afasta significativamente
do metacentro inicial. No entanto, para ângulos superiores, a superfície dos centros de carena, que é
elíptica, já não pode ser aproximada por uma circunferência de raio igual ao raio metacêntrico e por
conseguinte uma nova abordagem à questão da estabilidade dinâmica é introduzida neste capítulo.

4.1 Conceito de Estabilidade a Grandes Ângulos


Ao considerar a forma exacta da superfície dos centros de carena, deixa de ser válida a hipótese de o
centro de curvatura da superfície (metacentro) estar fixo. A teoria metacêntrica deixa pois de ser válida
para grandes ângulos de rotação. A configuração típica dos navios faz com que grandes ângulos de
rotação só ocorram para inclinações transversais. Os problemas de equilíbrio e estabilidade longitudi-
nal intacta do navio podem ser resolvidos, quase sempre, usando a teoria metacêntrica. Os problemas
de equilíbrio e estabilidade transversal do navio nem sempre podem ser resolvidos utilizando a teoria
metacêntrica, pelo que se tem de recorrer à teoria da estabilidade a grandes ângulos. O conceito de
estabilidade da mecânica clássica, a que se chama estabilidade inicial, significa a tendência que o navio
tem para voltar à posição direita de equilíbrio. À faculdade de o navio resistir às acções inclinantes a
qualquer ângulo de inclinação chama-se estabilidade geral ou total e é medida pelo momento endirei-
tante, o qual é função do ângulo de inclinação. Quando um navio se inclina transversalmente a grandes
ângulos a posição vertical do metacentro transversal vai variar com o ângulo de inclinação. Tal como
pode ser observado na Figura 4.1, a ordenada do metacentro tem de ser calculada para cada posição
inclinada, em função do momento de inércia da figura de flutuação e do volume de carena. O lugar
geométrico das sucessivas posições do metacentro durante uma inclinação do navio a grandes ângulos
denomina-se evoluta metacêntrica.

4.2 Curva dos Braços de Estabilidade


O facto de o metacentro transversal, para inclinações significativas, se mover significativamente, implica
que o braço de estabilidade transversal (GZT ) não pode continuar a ser estimado com base em:

GZT = GMT sin φ (4.1)

Logo, o momento endireitante (ME ) também deixa de poder ser obtido a partir de:

ME = ∆GZT = ∆GM sin φ (4.2)

Portanto, a grandes ângulos de inclinação, avalia-se a estabilidade do navio com recurso ao momento
endireitante como produto do braço de estabilidade pelo deslocamento do navio, dado simplesmente
por:

37
38 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.1: Diagrama ilustrativo das sucessivas posições do centro de carena e respectiva evoluta do
metacentro

ME = ∆GZ (4.3)

Tal como se pode observar na Figura 4.2, o braço de estabilidade é a distância horizontal (paralela,
portanto, à linha de água inclinada L1 A1 ) entre as linhas de acção (verticais) do peso do navio e
da impulsão. Esta distância varia com o ângulo de inclinação devido às modificações das formas da
carena do navio que vão ocorrendo com o aumento de φ. Note-se que a linha de flutuação na Figura
4.2 se encontra inclinada um ângulo igual ao ângulo de rotação do plano de mediania do navio. No
entanto, em vez de desenharmos esta linha na posição indicada, podemos desenhá-la direita e a linha
de flutuação, desde que, claro está, as forças do peso e da impulsão sejam representadas por vectores
perpendiculares à linha de flutuação inclinada. Sendo que esta apresentação que corresponde a manter
o navio fixo e inclinar o plano de flutuação, tem a vantagem de se poder representar várias flutuações
na mesma figura.
Uma vez que o braço de estabilidade é uma grandeza geométrica dependente da inclinação do
navio, para um dado volume da carena e uma dada posição do centro de gravidade (G), este pode ser
representado apenas em função de φ, num gráfico a que se chama curva dos braços de estabilidade.
Uma curva típica dos braços de estabilidade, para navios de formas usuais, têm a forma apresentada
na Figura 4.3.
Tal como se pode observar na Figura 4.4, podemos obviamente considerar uma gama de ângulos
de inclinação superiores a 90o . Nesta curva as posições de equilíbrio são dadas por GZ = 0, pois nesta
A curva dos braços de estabilidade é simétrica em relação à origem das coordenadas devido à simetria
em relação ao plano de mediania de um navio normal. A posição de equilíbrio correspondente ao ponto
0o é de equilíbrio estável, pois para um pequeno desvio dessa posição o binário de estabilidade tende a
restaurar a posição de equilíbrio; pelo contrário, a posição de equilíbrio correspondente ao ponto 120o
é de equilíbrio instável porque o binário de estabilidade criado por um pequenon desvio dessa posição
tende a aumentar esse desvio.
A parte da curva que, em geral, interessa ao estudo do equilíbrio e da estabilidade é a que vai de 0o
a 90o . Quando o navio atingir o ângulo de inclinação correspondente ao ponto 120o , qualquer pequeno
desvio para além desse ângulo o fará virar, pois só ficará em equilíbrío estável na posição 180o . No
entanto, existem algumas embarcações especiais que são projectadas e construídas de modo a terem
sempre tendência a voltar à posição direita, tal como é o caso dos salva-vidas de 47 pés da USCG
mostrado na Figura 4.5.
4.2. CURVA DOS BRAÇOS DE ESTABILIDADE 39

Figura 4.2: Diagrama ilustrativo do braço de estabilidade transversal produzido pelos vectores das
forças do peso e da impulsão do navio

Figura 4.3: Curva típica dos braços de estabilidade do navio para ângulos até 90o
40 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.4: Curva típica dos braços de estabilidade do navio para ângulos até 180o

Figura 4.5: Prova de estabilidade auto-adriçante do salva-vidas de 47 pés da USCG, para medição do
tempo que a embarcação demora a retomar a posição direita
4.3. CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DA CURVA DOS BRAÇOS DE ESTABILIDADE 41

Figura 4.6: Tipos de equilíbrio do navio e respectivas curvas dos braços de estabilidade

4.2.1 Natureza do Equilíbrio e Tipos de Equilíbrio do Navio


Do exposto concluímos que a natureza do equilíbrio é dada pelo sinal do binário de estabilidade para
um pequeno ângulo de inclinação em relação à posição de equilíbrio, ou, como o deslocamento do navio
é constante e positivo (∆ > 0), pelo sinal do braço de estabilidade. Logo, tal como é ilustrado na
Figura 4.6 podemos definir três tipos de equilíbrio; ou de estabilidade inicial do navio:

• 1. Se o binário de estabilidade é positivo o equilíbrio é estável; o navio tem estabilidade positiva


ou simplesmente estabilidade;

• 2. Se o binário de estabilidade é negativo o equilíbrio é instável; o navio tem estabilidade negativa


ou insstabilidade;

• 3. Se o binário de estabilidade é constantemente nulo o equilíbrio é indiferente; o navio tem


estabilidade nula;

Embora não seja prático, poderíamos também representar a estabilidade do navio a partir da curva
do momento endireitante, que é afinal uma curva dos braços de estabilidade a uma escala superior. O
sinal do momento endireitante (ou do braço de estabilidade) dá-nos pois a natureza do equilíbrio. O
seu valor a determinado ângulo de inclinação a partir da posição de equilíbrio dá-nos a medida do grau
de estabilidade, ou seja, a tendência do navio voltar á posição inicial, que em estática é equivalente
a dizer-se a resitência que o navio oferece á inclinação. Mais rigorosamente podemos então definir o
equilíbrio do navio pelo seguinte quociente:

dME GZ
=∆ (4.4)
dφ dφ
Portanto, a estabilidade é medida pelo coeficiente angular da curva do binário de estabilidade (ou
braço de estabilidade) na posição de equílibrio considerada, que corresponde ao conceito de estabilidade
da mecânica clássica. Designa-se por estabilidade inicial e é medida pela derivada do binário de
estabilidade (ou braço de estabilidade) na posição de equilíbrio.

4.3 Características Principais da Curva dos Braços de Estabilidade


Tal como pode ser observado na Figura 4.7, a curva dos braços de estabilidade tem as seguintes
características:
42 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.7: Diagrama ilustrativo das características da curva dos braços de estabilidade

• A curva não se afasta apreciavelmente da tangente da curva na origem até cerca dos 10o .

• O declive da curva na origem é igual à altura metacêntrica.

• A curva é crescente, e desde que o bordo livre seja suficientemente grande, afasta-se acima da
tangente até um ponto de inflexão que corresponde à imersão da borda.

• A partir deste ponto o braço de estabilidade continua a crescer, embora não tão rapidamente,
até um valor máximo a que corresponde a ângulo de estabilidade máxima.

• A partir deste ponto a curva decresce até que o braço de estabilidade se anula no ângulo de
estabilidade nula ou ângulo de extinção de estabilidade.

4.3.1 Elementos Característicos do Diagrama de Estabilidade


Os elementos que caracterizam o diagrama de estabilidade e, portanto, as propriedades de estabilidade
do navio, são os que se seguem:

• Declive da curva na origem (altura metacêntrica).

• Braço de estabilidade máximo.

• Ângulo de estabilidade máxima.

• Ângulo de extinção de estabilidade ou de estabilidade nula.

• Domínio de estabilidade.

• Reserva de estabilidade.

• Ângulo crítico estático.

• Ângulo crítico dinâmico.

• Braço de estabilidade ao ângulo crítico dinâmico.


4.3. CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DA CURVA DOS BRAÇOS DE ESTABILIDADE 43

Figura 4.8: Diagrama ilustrativo do ângulo de bandada numa curva dos braços de estabilidade

Interessa também analizar em detalhe cada um destes elementos acima listados, estabelecendo
relações com o tipo de resposta do navio às acções inclinantes normalmente induzidas pelo meio em
que este flutua.
Declive da curva dos braços de estabilidade na origem (altura metacêntrica):
• O declive inicial da curva dos braços de estabilidade (altura metacêntrica) indica a rapidez com
que cresce o braço de estabilidade à medida que o navio se inclina.
• Um declive inicial muito elevado indica um rápido crescimento do braço de estabilidade, o que
torna o navio muito ’rijo’, isto é, com baixos períodos de balanço e forte reacção a momentos
inclinantes.
• Um declive inicial baixo indica que o crescimento do braço de estabilidade é lento, o que torna o
navio ’macio’, isto é, com elevados períodos de balanço e pouca reacção a momentos inclinantes.
Domínio de estabilidade:
• Domínio de ângulos de adornamento para os quais existe momento endireitante positivo.
• Quanto maior fôr o domínio de estabilidade, menos provável é que o navio sossobre.
• Se o navio fôr inclinado a qualquer ângulo dentro do seu domínio de estabilidade, possuirá um
momento endireitante que tenderá a endireitar o navio uma vez terminada a acção exterior.
Ângulo de estabilidade máxima:
• Ângulo ao qual ocorre o maior braço de estabilidade e logo o momento endireitante.
• O momento endireitante é igual ao deslocamento vezes o braço de estabilidade máximo.
• Quanto maior fôr o momento endireitante máximo, menos provável será o sossobramento do
navio.

4.3.2 Ângulo de Banda


Se um navio tiver um centro de gravidade muito elevado pode ter altura metacêntrica negativa, pelo
que o navio não se mantem direito pois o ângulo 0o é de equilíbrio instável. No entanto, esse navio
poderá ter uma reserva de estabilidade apreciável. O navio adquire então um ângulo de banda, tal
como é ilustrado na Figura 4.8.
Para o corrigir o ângulo de banda deverá baixar-se o centro de gravidade até haver estabilidade
inicial positiva. Note-se que o aparecimento do ângulo de banda é consequência da instabilidade da
posição direita e não de uma assimetria do centro de gravidade ou de um momento inclinante aplicado
ao navio. Conclui-se assim que um navio pode estar inclinado a um bordo devido a duas causas
distintas:
44 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.9: Diagrama ilustrativo do efeito da movimentação vertical do CG no binário endireitante do


navio

• Inclinação devida a um momento inclinante corrígivel com a aplicação de um momento igual e


oposto ao binário inclinante.

• Inclinação produzida por estabilidade inicial negativa corrígivel através de uma redução da altura
do centro de gravidade até que a altura metacêntrica inicial seja positiva.

4.3.3 Efeito da Movimentação Vertical do Centro de Gravidade


Tal como se pode observar na Figura 4.9, uma variação na altura do Centro de Gravidade (CG) produz
uma variação de sinal contrário na altura metacêntrica.
Tal como é mostrado na Figura 4.10, a movimentação vertical do centro de gravidade tem também
influência nos braços de estabilidade do navio. Designadamente, uma elevação do centro de gravidade
reduz os braços de estabilidade e, logo, o momento endireitante; contráriamente, uma descida do centro
de gravidade aumenta os braços de estabilidade e, logo, o momento endireitante. Matemáticamente,
este efeito pode ser expresso através da seguinte equação:

GZ1 = GZ ± GG1 sin φ (4.5)

4.3.4 Efeito da Movimentação Transversal do Centro de Gravidade


Também a movimentação transversal do centro de gravidade do navio tem influência nos seus braços
de estabilidade. Neste caso, a correcção a efectuar nos braços de estabilidade, se o centro de gravidade
não se encontrar na mediania, é dada por:

GZ1 = GZ ± GG1 cos φ (4.6)


Note-se que neste caso, a altura metacêntrica permanece neste caso inalterada, tal como pode ser
observado nas Figuras 4.11 e 4.12.
Tal como pode ser observado na Figura 4.13, nas embarcações à vela, existem duas formas prá-
ticas de contrabalançar o momento inclinante induzido pela acção do vento sobre as velas através da
movimentação transversal de peso:

• Sentar a tripulação no bordo oposto;

• Utilizar uma quilha basculante.


4.3. CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DA CURVA DOS BRAÇOS DE ESTABILIDADE 45

Figura 4.10: Diagrama ilustrativo do efeito da movimentação vertical do CG na curva dos braços de
estabilidade

Figura 4.11: Diagrama ilustrativo do efeito da movimentação transversal do CG no binário endireitante


do navio
46 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.12: Diagrama ilustrativo do efeito da movimentação transversal do CG na curva dos braços
de estabilidade

Figura 4.13: Fotografias ilustrativas da utilização expedita (lado esquerdo) e assistida (lado direito)
do efeito da movimentação transversal do CG
4.4. GRÁFICO DE CARENAS INCLINADAS 47

4.4 Gráfico de Carenas Inclinadas


Como não é prático determinar o braço de estabilidade para todas as condições da carga de um navio,
costuma-se assumir uma posição para o centro de gravidade. Esta posição convencional localiza-se
no plano de mediania, a uma determinada cota em relação à quilha do navio, e designa-se por pólo
(P ). Esta posição pode localizar-se na proximidade da posição mais habitual do centro de gravidade
do navio ou, por conveniência (e muito frequentemente), na linha base. Utilizando então essa posição
convencionada do centro de gravidade do navio, existem uma série de métodos numéricos que permitem
calcular os braços de estabilidade. Este cálculo faz-se para uma gama de deslocamentos que abranja as
condições de carga antecipáveis. Os métodos numéricos acima referidos permitem obter um conjunto
de curvas em que cada curva representa a relação entre o braço de estabilidade e o deslocamento para
um dado ângulo de inclinação. Ao conjunto destas curvas, que representam os braços de estabilidade
para uma gama de deslocamentos quando o navio se encontra adornado com um determinado ângulo
de inclinação, pode chamar-se:

• Curvas de Carenas Inclinadas;

• Curvas de Querenas Inclinadas;

• Curvas Cruzadas de Estabilidade;

• Curvas Isóclinas.

O método mais utilizado para preparar o diagrama de carenas inclinadas é o método computa-
cional, o qual procederá à integração numérica das semi-bocaduras do navio, existindo no mercado
diversos programas para o efeito (AutoHydro, da Autoship, GHS, da General Hydrostatics, etc.). His-
toricamente e antes do aparecimento do computador pessoal, desenvolveram-se numerosos métodos de
cálculo manual, tal como se pode observar na tabela mostrada na Figura 4.14.
As curvas de carenas inclinadas de um navio são influenciada pelas variações da posição vertical
do centro de gravidade. No entanto, se for considerado que a posição do centro de gravidade é fixa, a
expressão do braço de estabiliade poderá ser apresentado em função do ângulo de inclinação transversal
φ e do deslocamento do navio ∆, matemáticamente dadas por:

GZ = f (φ, ∆) (4.7)
e expressas na unidade [m], tal como pode ser obervado nas Figuras 4.15 e 4.16.
Note-se que as curvas de carenas inclinadas e as curvas dos braços de estabilidade não são mais
que as intersecções de planos ∆ = const e φ = const com a superfície definida pela expressão 4.7.
Para calcular a curva dos braços de estabilidade de um navio com deslocamento ∆ e cota do centro de
gravidade KG, deverá intersectar-se as curvas cruzadas com o deslocamento ∆, retirando os valores
dos braços de estabilidade KN . Deverá então corrigir-se os valores destes para a altura correcta do
centro de gravidade, utilizando-se para o efeito a seguinte equação:

GZ = KN − KG − KP sin φ (4.8)
onde KP é a cota do pólo utilizado para calcular os braços KN .

4.5 Conceito de Energia Endireitante e Inclinante


4.5.1 Estabilidade Dinâmica
Quando se leva o navio a um ângulo de inclinação transversal φ, o momento endireitante absorve a
energia (U ), dada pela seguinte expressão:


U= ∆GZdφ (4.9)
0o
48 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.14: Tabela ilustrativas dos métodos de cálculo manual das propriedades hidrostáticas do navio

Figura 4.15: Curva típica dos braços de estabilidade


4.6. MOMENTOS INCLINANTES APLICADOS LENTAMENTE E SUBITAMENTE 49

Figura 4.16: Gráfico de carenas inclinadas

Chama-se estabilidade dinâmica ou energia endireitante a um determinado ângulo de inclinação à


energia absorvida pelo momento endireitante quando se leva o navio a esse ângulo de inclinação, ou
seja, à energia potencial do navio a esse ângulo de inclinação. Chama-se braço de estabilidade dinâmica
ao integral:


u= GZdφ (4.10)
0o

A curva que representa o braço de estabilidade dinâmica é pois a curva integral da curva dos
braços de estabilidade. Esta designa-se por Curva ou Diagrama de Estabilidade Dinâmica. Tal como é
ilustrado na Figura 4.17, pode portanto ser representada sobre a curva dos braços de estabilidade (ou
Diagrama de Estabilidade Estática) e possuí as seguintes características:

• É tangente ao eixo das abcissas na origem.

• Tem um máximo ao ângulo de extinção de estabilidade, também chamado de estabilidade nula.

• Tem um ponto de inflexão ao ângulo de estabilidade máxima.

4.5.2 Conceito de Reserva de Estabilidade


Chama-se reserva de estabilidade ou estabilidade dinâmica total à energia absorvida pelo momento
endireitante quando o navio é inclinado de 0o até ao ângulo de estabilidade nula. É pois o produto do
deslocamento pelo braço de estabilidade dinâmica ao ângulo de estabilidade nula.

4.6 Momentos Inclinantes Aplicados Lentamente e Subitamente


Os navios, quando em serviço, estão sujeitos a acções inclinantes, ou seja, a momentos inclinantes.
Pelo diagrama de estabilidade pode apreciar-se o comportamento do navio sob a acção de um destes
momentos inclinantes. Para o efeito, os momentos inclinantes devem ser desenhados, sobrepostos ao
50 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.17: Curva de estabilidade dinâmica

Figura 4.18: Curvas típicas dos momentos (braços) inclinante e endireitante

diagrama de estabilidade, tal como é ilustrado na Figura 4.18. Tal como acontece com o momento endi-
reitante, um momento inclinante é, em geral, também uma função dependente do ângulo de inclinação
do navio.

4.6.1 Momentos Inclinantes Mais Aplicados ao Navio


A deslocação de um peso, por exemplo, provoca um momento dado por:

MI = pyp cos φ (4.11)


onde:

• p = o peso movimentado;

• y = a distância de movimentação do peso p.

A acção do vento sobre as obras mortas do navio provoca um momento inclinante dado por:

MI = kρa Ap Uw2 h cos2 φ (4.12)


onde:

• k = coeficiente de arrasto empírico;

• ρa = massa por unidade de volume do ar;


4.6. MOMENTOS INCLINANTES APLICADOS LENTAMENTE E SUBITAMENTE 51

Figura 4.19: Curvas típicas dos momentos (braços) endireitante e inclinante aplicado lentamente

• Ap = área exposta projectada das obras-mortas;

• Uw = velocidade do vento;

• h = braço entre o centro geométrico da área Ap e o centro de resistência lateral do casco (situado
geralmente a meia imersão).

A mudança de rumo de um navio pode gerar um ângulo de adornamento significativo. Este ângulo
pode ser elevado se a manobra ocorrer a velocidade de avanço média/alta. O momento inclinante é
então dado por:

∆U 2 l
MI = cos φ (4.13)
gR
onde:

• ∆ = deslocamento do navio;

• U = velocidade do navio;

• l = distância vertical entre o centro de resistência lateral do casco (situado geralmente a meia
imersão) e o centro de gravidade do navio;

• R = raio de giração do navio (1/2 do diâmetro táctico).

4.6.2 Momentos Inclinantes Aplicados Lentamente


Consideremos agora que actua num navio um momento inclinante e que este com o tempo vai aumen-
tando. Tal como é ilustrado na Figura 4.19, se aumentarmos suficientemente o momento inclinante
reduziremos a reserva de estabilidade até zero. Nessa situação, a curva do momento inclinante é tan-
gente à curva do momento endireitante original, originando apenas uma posição de equilíbrio, ainda
assim instável. A esse ângulo chama-se ângulo crítico estático para o momento inclinante dado. Nas
condições de tangência referidas a reserva de estabilidade para o bordo de inclinação é nula pelo que
qualquer acção infinitesimal adicional faz o navio sossobrar. Como o ângulo crítico estático não difere
significativamente do ângulo de estabilidade máxima toma-se para o primeiro o valor do segundo (do
ângulo de estabilidade máxima).

4.6.3 Momentos Inclinantes Aplicados Subitamente


Suponhamos agora que o momento inclinante é aplicado subitamente com o seu valor máximo. O navio
adquire então aceleração e inclina-se para além da posição de equilíbrio φ0 até à posição φ1 , a qual
52 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.20: Curvas típicas dos momentos (braços) endireitante e inclinante aplicado subitamente e as
suas relações energéticas

Figura 4.21: Curvas típicas dos momentos (braços) endireitante e inclinante induzida por vento e ondas
e as suas relações energéticas

corresponde à energia cinética nula. Tal como é ilustrado na Figura 4.20, se o momento inclinante fôr
tal que o ângulo φ1 excede os valores em que o ângulo é estável (a > b), o navio sossobra.
A φ0 chama-se, neste caso, ângulo crítico dinâmico e é o ângulo de equilíbrio correspondente ao
momento inclinante que, aplicado subitamente, fará o navio atingir o ângulo de equilíbrio instável.
Note-se que caso seja aplicado subitamente no navio um momento inclinante a que corresponde um
ângulo de equilíbrio maior do que o ângulo crítico dinâmico, o navio sossobrará. O efeito de um
momento inclinante subitamente aplicado é produzir ângulos de inclinação maiores do que os obtidos
quando o mesmo momento é aplicado gradualmente. Na prática, as acções inclinantes mais comuns
(vento e ondas) estão a meio termo entre o súbito e o lento. Uma situação potencialmente perigosa
ocorre se o navio estiver inclinado a barlavento pelas ondas e for actuado por uma rajada de vento, tal
como é ilustrado na Figura 4.21. Neste caso, mesmo que o momento inclinante não seja elevado a área
compreendida entre as duas curvas até à posição de equilíbrio poderá ser tal que o navio sossobre.
Tal como será explicado com maior detalhe e analizado na capítulo seguinte, o sossobramento
ocorrerá embora o ângulo de equilíbrio correspondente aquele momento seja inferior ao ângulo crítico
dinâmico.
4.7. FACTORES QUE INFLUENCIAM A CURVA DOS BRAÇOS DE ESTABILIDADE 53

Figura 4.22: Influência das alterações da forma da carena do navio na curva dos braços endireitantes

4.7 Factores que Influenciam a Curva dos Braços de Estabilidade


Existe um grande número de factores que influenciam a curva dos braços de estabilidade. Entre esses
factores contam-se as alterações da forma da carena do navio mostradas na Figura 4.22.
Face à importância que a escolha das formas do casco têm no projecto do navio, designadamente
nas características de estabilidade do navio, interessa agora analizar ao pormenor e individualmente o
efeito de cada uma destas variações das formas da carena.

4.7.1 Influência da Boca na Curva dos Braços de Estabilidade


A altura metacêntrica e os braços de estabilidade a pequenos ângulos de adorno aumentam com o
aumento da boca do navio, devido ao aumento considerável do momento de inércia da figura de
flutuação. Tal como pode ser observado na Figura 4.23, as variações do volume de carena e posição
vertical do centro de carena e gravidade são mais pequenas. No entanto, para uma imersão constante,
uma maior boca provoca uma imersão da borda do convés mais cedo. Quanto ao domínio de estabilidade
e ao GZ max , estes não são grandemente afectadas pelo aumento da boca do navio.

4.7.2 Influência da Pontal na Curva dos Braços de Estabilidade


As alterações na distribuição dos pesos a bordo de um navio por efeito da alteração do pontal deste
são mais pronunciadas do que no caso anterior. Tal como pode ser observado na Figura 4.24, o ângulo
de imersão da borda do convés aumenta. Até à imersão da linha do convés não existem ganhos nos
braços de estabilidade. No entanto, para ângulos superiores ao necessário para submergir o convés
existem grandes aumentos do braço de estabilidade, em especial do valor de GZ max . Logo, o aumento
dos braços de estabilidade ocasiona um domínio de estabilidade acrescido.
54 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.23: Influência da boca do navio na curva dos braços endireitantes

Figura 4.24: Influência da pontal do navio na curva dos braços endireitantes

Note-se que aumento do pontal provoca uma subida do centro de gravidade por adição de pesos
situados em posição alta no navio, necessários para aumentar o pontal do navio. A pequenos ângulos de
inclinação, os braços de estabilidade descem. Assim, o pontal não deve ser aumentado para aumentar
a estabilidade do navio, a menos que alguma diminuição dos braços de estabilidade a pequenos ângulos
possa ser admitida. No entanto, acrescenta-se que neste caso poderão ser tomadas medidas para baixar
o centro de gravidade de modo a anular a subida deste devida ao aumento do pontal.

4.7.3 Influência da Bordo-livre e do Tosado na Curva dos Braços de Estabilidade


O pontal de um navio está estreitamente relacionado com o bordo livre do navio. O bordo livre
adequado é essencial para se obter braços de estabilidade elevados e um bom domínio de estabilidade.
Uma alternativa a um aumento do bordo livre será a introdução de tosado a vante e a ré, que, na
prática, mais não é do que um aumento local do bordo livre. O efeito do tosado não é, no entanto,
tão pronunciado como o do bordo livre. O tosado é particularmente importante no caso de navios
de pesca, também para tornar o convés mais enxuto, e logo melhorar as condições de segurança e de
trabalho.

4.7.4 Influência da Superestrutura na Curva dos Braços de Estabilidade


Também as superstruturas podem contribuir para aumentar a segurança do navio através do aumento
dos braços de estabilidade e do domínio de estabilidade, tal como pode ser observado na Figura 4.25.
Esta contribuição positiva das superstruturas é mais pronunciada em pequenos navios do que em
grandes navios. Tal facto, deve-se a que o pé direito dos pavimentos que compõem as superstruturas
é mais ou menos constante, e portanto estas superstruturas são relativamente mais volumosas e altas
nos pequenos navios do que nos grandes navios.
No entanto, deverá ter-se cuidado na contabilização da superestrutura para aumentar a curva dos
braços de estabilidade porque estes volumes não são geralmente projectados para suster a pressão
4.7. FACTORES QUE INFLUENCIAM A CURVA DOS BRAÇOS DE ESTABILIDADE 55

Figura 4.25: Influência da superestrutura do navio na curva dos braços endireitantes

Figura 4.26: Influência dos castelos do navio na curva dos braços endireitantes

da água. Pois os efeitos benéficos da superestrutura só podem ser considerados para o cálculo da
reserva de flutuabilidade e estabilidade se esta possuir meios de tornar estanque as suas aberturas. Tal
como facimente se percebe a partir da observação da Figura 4.26, os castelos de proa têm efeitos na
estabilidade do navio semelhantes aos das superestruturas.

4.7.5 Influência da Amassamento ou Lançamento na Curva dos Braços de Esta-


bilidade
O amassamento ou o lançamento acima da linha de água têm efeitos semelhantes a uma diminuição e
aumento da boca do navio, respectivamente. Tal como é ilustrado na Figura 4.27, o efeito nos braços de
estabilidade só se faz sentir a ângulos grandes de adornamento, sendo que os braços de estabilidade são
diminuídos pelo amassamento e aumentados pelo lançamento transversal do costado. Em particular,
deve ser notado que o valor do braço de estabilidade máximo GZ max é consideravelmente aumentado
face a um pequeno aumento da inclinação (para fora) do costado acima da linha-de-água.

4.7.6 Influência do Afinamento do Encolamento na Curva dos Braços de Estabi-


lidade
Secções mais finas abaixo da linha de água têm o efeito de fazer subir o centro de carena porque
o volume do encolamento é substituído por volume na linha-de-flutuação. Tal como é mostrado na
Figura 4.28, existe um ganho no braço de estabilidade a pequenos ângulos que desaparece a grandes
56 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.27: Influência do amassamento e do lançamento do navio na curva dos braços endireitantes

ângulos de adorno. Note-se que o aumento do braço de estabilidade devido à movimentação vertical
(para cima) do centro de carena é compensado pela subida do centro de gravidade do navio.
A altura metacêntrica é aumentada pela diferença entre a subida do centro de carena e a subida
do centro de gravidade. Um efeito adicional, dependente da existência de lançamento no costado do
navio, poderá ser o aumento da inércia da figura de flutuação devido ao facto de o navio se afundar.
O aumento da imersão deve-se ao facto de as secções serem agora mais finas abaixo da linha de água
e ter de ser reposta a condição de equilíbrio vertical. Esse facto levará a um maior raio metacêntrico,
logo a uma maior altura metacêntrica.

4.7.7 Influência da Condição de Carga do Navio na Curva dos Braços de Estabi-


lidade
Nos parágrafos acima foi discutida a influência das variações de formas na estabilidade transversal do
navio. Mas claro está que o deslocamento e a posição do centro de gravidade do navio irá também
determinar as principais características de estabilidade a grandes ângulos de inclinação, tal como
aconteceu anteriormente no âmbito da estabilidade inicial a pequenos ângulos (teoria metacêntrica).
Efectivamente, um dos factores determinantes da curva de estabilidade de um navio é a posição do
centro de gravidade (CG) do navio, a qual relaciona-se com a condição de carga do navio. As condições
de carga sintetizam-se no caderno de estabilidade do navio, tal como é mostrado no Caderno de
Estabilidade mostrado na Figura 4.29.

4.7.8 Influência dos Espelhos Líquidos na Curva dos Braços de Estabilidade


A presença, a bordo de um navio, de líquidos que não enchem completamente os tanques (superfícies
livres) faz com que o centro de gravidade do navio se mova quando este se inclina. O efeito sobre a
estabilidade inicial é a redução da altura metacêntrica (ou a elevação virtual do centro de gravidade).
A grandes ângulos, os espelhos líquidos reduzem os braços de estabilidade e o domínio de estabilidade
do navio, tal como é mostrado na Figura 4.30.

4.7.9 Influência das Ondas Longitudinais na Curva dos Braços de Estabilidade


A presença de ondas longitudinais (de proa ou de popa) na superfície do mar influencia também
apreciavelmente a curva dos braços de estabilidade de um navio, devido às variações na área da figura-
de-flutuação induzidas por essas ondas. Designadamente, os navios e embarcações monocasco têm, em
geral, braços de estabilidade maiores com a cava da onda a meio do seu comprimento; e contráriamente,
a presença da crista da onda a meio do comprimento do navio resulta em braços de estabilidade menores,
tal como é ilustrado na Figura 4.31.
4.8. CADERNO DE ESTABILIDADE E CALCULADOR DE ESTABILIDADE A BORDO 57

Figura 4.28: Influência do afinamento do encolamento do navio na curva dos braços endireitantes

4.8 Caderno de Estabilidade e Calculador de Estabilidade a Bordo


O manual de carga e estabilidade (ou caderno de estabilidade) é um documento exigido pela IMO para
todos os navios abrangidos pelas suas convenções. Em 1999, o MSC (Maritime Safety Committee)
da IMO adoptou um modelo uniforme para este manual. Os detalhes relativos à informação que
esse manual deve conter encontram-se especificados na Circular 920 do MSC. Essa informação deve
habitualmente incluir:

• Simbologia utilizada no manual;

• Regras de operação do navio;

• Condições de carga típicas, incluindo a condição de navio leve;

• Meios para controlar a estabilidade, caimento e esforços no navio;

• Plano de capacidades dos espaços de carga, lastro e fluidos diversos;

• Gráfico de carenas direitas;

• Informação relativa a linhas de carga;

• Limites relativos à estabilidade do navio;

• Limites relativos aos esforços na estrutura do navio;

• Relatório da prova de estabilidade.

Actualmente, é comum a existência a bordo de programas de computador que permitem monitorizar


a situação do navio em termos de condição de flutuação, estabilidade e esforços na estrutura, para cada
condição de carga, tal como é ilustrado na Figura 4.32.
Estes programas permitem:
58 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.29: Influência da condição de carga do navio na curva dos braços endireitantes
4.8. CADERNO DE ESTABILIDADE E CALCULADOR DE ESTABILIDADE A BORDO 59

Figura 4.30: Influência dos espelhos líquidos na curva dos braços endireitantes

• Verificar automaticamente se o navio está dentro dos limites impostos pelas regras internacionais
de estabilidade;

• Verificar se a condição de carga não provoca excesso de esforços na estrutura do navio;

• Optimizar a distribuição de carga e lastro para cada condição específica;

• Optimizar a sequência de carga e realizar provas de estabilidade antes de sair do porto, conforme
visto no capítulo anterior.
60 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS

Figura 4.31: Influência das ondas longitudinais na curva dos braços endireitantes
Figura 4.32: Exemplo de um calculador de estabilidade de bordo (Load Master)
62 CAPÍTULO 4. ESTABILIDADE DO NAVIO A GRANDES ÂNGULOS
Capítulo 5

Critérios de Estabilidade para Navios em


Condição Intacta

5.1 Fundamentos dos Critérios de Estabilidade

5.2 Descrição de Alguns Critérios de Estabilidade Intacta Gerais e


Específicos

5.3 Critério de Mau Tempo

63
Capítulo 6

Encalhe, Docagem e Lançamento à Água

Existem várias situações que ocorrem, ou podem ocorrer, durante a vida operacional do navio que
envolvem a aplicação de forças num ou mais pontos do fundo do navio. Estas forças têm efeitos
negativos na condição geral do navio, pelo que interessa estudar essas situações de modo a acautelar
eventuais perigos para o navio.
A primeira situação deste tipo é o encalhe do navio, acidente este bastante vulgar.
A segunda situação é a docagem, uma operação periódica que deve portanto ser estudada atentamente.
A terceira situação é o lançamento à água, que marca o início da vida do navio e envolve uma série de
cuidados que adiante serão referidos.

6.1 Encalhe
6.1.1 Definição e Efeitos do Encalhe
O encalhe de um navio ou embarcação, geralmente acidental, consiste em tocar no fundo e ficar nele
preso sem flutuar.
Antigamente, procedia-se ao encalhe propositado do navio, em locais apropriados, de modo a proceder
à beneficiação do fundo ou por outro motivo.
O encalhe traduz-se na aplicação de uma força num determinado ponto ou área do fundo do navio.
Esta força, dirigida de baixo para cima, é igual, em intensidade, à diferença entre o deslocamento do
navio e a sua impulsão. Pode demonstrar-se que os efeitos dessa força poderão ser:

• Uma variação da imersão média;

• Uma variação do caímento do navio;

• Uma variação do ângulo de adornamento;

• Uma subida virtual do centro de gravidade, provocando uma variação da altura metacêntrica
transversal.

A magnitude das variações acima listadas irá depender do navio e também da morfologia do fundo
em que ocorre o encalhe. Deste modo e tal como é ilustrado nas Figuras 6.1 e 6.2, existem duas
situações distintas: encalhe em fundos rochosos e encalhe em fundos arenosos.

6.1.2 Encalhe na Vertical do Centro de Flutuação


Considere-se um navio que encalha num ponto da quilha situado na vertical do centro de flutuação
(xcf ), tal como é ilustrado na Figura 6.3.
No momento em que o navio encalha a sua linha de água é L1 A1 , o deslocamento é ∆1 , o centro de
gravidade situa-se em G1 e a impulsão actua no centro de impulsão, no ponto B1 .
Se a maré começar a baixar, ao fim de algum tempo a nova linha de água do navio é L2 A2 . Neste
caso, o deslocamento e o centro de gravidade do navio mantém-se iguais, mas os calados diminuiram
a vante e a ré a um bordo e a outro, de uma quantidade δT .

65
66 CAPÍTULO 6. ENCALHE, DOCAGEM E LANÇAMENTO À ÁGUA

Figura 6.1: Fotografias ilustrativas de um encalhe de navio em fundo rochoso


6.1. ENCALHE 67

Figura 6.2: Fotografias ilustrativas de um encalhe de navio em fundo arenoso

Figura 6.3: Diagram ilustrativo de um encalhe situado na vertical do centro de flutuação


68 CAPÍTULO 6. ENCALHE, DOCAGEM E LANÇAMENTO À ÁGUA

Figura 6.4: Diagram ilustrativo do efeito de um encalhe na estabilidade transversal do navio

O volume da carena é agora menor do que antes de a maré baixar, sendo a diferença representada
pela fatia de carena (assinalada a tracejado) compreendida entre as linhas de água inicial, L1 A1 , e a
linha de água final, L2 A2 .
O centro de impulsão, que é função da carena do navio, mudou assim de localização, encontrando-se
agora em B2 .
Para que permaneça em equilíbrio, o navio a flutuar com a linha de água L2 A2 apoia-se sobre o ponto
de encalhe. Logo, recebe nesse ponto uma reacção do fundo (R), igual ao peso de fluido compreendido
na faixa de carena perdida (entre L1 A1 e L2 A2 ).
Para libertar o navio do encalhe seria necessário retirar de bordo um peso igual à reacção R no ponto de
encalhe. Tal deve-se a que sem o peso R a bordo o navio teria um novo deslocamento, agora reduzido,
que seria igual à impulsão que actua na carena até à linha de água L2 A2 . Ou seja, o navio poderia
agora flutuar livremente e, portanto, libertar-se do ponto de encalhe. A reacção pode ser calculada
aproximadamente usando:

R = ∆u δT (6.1)
A reacção poderia ainda ser calculada, mais exactamente, usando o GCD para retirar os desloca-
mentos do navio à imersão inicial, ∆1 , e final, ∆2 , calculando-se então R por meio de:

R = ∆1 − ∆2 (6.2)
O encalhe tem também exerce um efeito nefasto sobre a estabilidade transversal do navio. Pois o
efeito da força de encalhe R é equivalente a desembarcar um peso com o mesmo valor de R e localizado
no ponto de encalhe.
Uma vez que se desembarcou um peso do ponto de encalhe, o centro de gravidade do navio sobe,
passando de G1 para G2 . Logo, o centro de gravidade sobe de uma distância vertical dada por:

RKG2
G1 G2 = (6.3)
∆1 − R
Considere-se que um navio que se encontra encalhado num determinado ponto K se inclinou a um
pequeno ângulo φ, tal como é ilustrado na Figura 6.4.
Pode verificar-se que a impulsão é uma força vertical com valor de ∆1 − R, onde R é a força de
encalhe. Fazendo o equilíbrio de momentos em torno de G, para determinar o momento endireitante
6.1. ENCALHE 69

que actua no navio, obtém-se que:

ME = (∆1 − R)GZ − RKG sin φ (6.4)

Assim, o braço endireitante é dado por:


 
RKG
GZ = GM − sin φ (6.5)
∆1 − R
Conclui-se que:

• O efeito da força de encalhe é equivalente a uma subida virtual do centro de gravidade. Essa
subida é por sua vez equivalente a um desembarque de um peso de magnitude R localizado na
quilha;

• O termo entre parêntesis pode assim ser encarado como sendo uma altura metacêntrica virtual.

Também a posição vertical do metacentro transversal passa do ponto M1 para o ponto M2 . Isto
deve-se ao facto de que a altura do centro de carena se altera por virtude da passagem da linha de
água L1 A1 para a linha de água L2 A2 .
Deve-se também ao facto de que o raio metacêntrico se altera na passagem da linha de água L1 A1 para
a linha de água L2 A2 . Portanto, a altura metacêntrica transversal do navio, na linha de água L2 A2 é
então dada por:
   
RKG1 ∆1 KG1
GM 2 = KM 2 − KG2 = KM 2 − KG1 + = KM 2 − (6.6)
∆1 − R ∆1 − R
Suponhamos agora que um navio encalhou no fundo a uma distância transversal dt da quilha (plano
de mediania) e a uma distância longitudinal df do centro de flutuação. Após algum tempo, o nível da
maré desceu uma quantidade δT .
Pretende-se calcular os calados finais após a descida da maré bem como a reacção no fundo. Para tal
usa-se, para resolver este problema, o seguinte artifício:

• Encalha-se o navio na vertical do centro de flutuação;

• Translacciona-se o ponto de encalhe longitudinalmente até ao verdadeiro ponto de encalhe;

• Translacciona-se o ponto de encalhe transversalmente, para o ponto de encalhe real.

Os efeitos do encalhe num ponto qualquer do fundo são os mesmos que a desembarque de um
peso igual à reacção R no ponto de encalhe. Assim, a dita reacção R tem o efeito de provocar uma
diminuição uniforme da imersão e uma variação do caímento.
A diminuição uniforme da imersão corresponde à passagem da linha de água L1 A1 para a linha de
água L2 A2 . A variação de caimento corresponde à passagem da linha de água L2 A2 para a linha de
água L3 A3 . Portanto, pdemos também expressar essa variação de calado como:

df R Rdf df
Tf = Ti − s − d ⇔ Tf − Ti = − − (6.7)
Lpp ∆u Mu Lpp
Por outro lado, a variação do calado no ponto de encalhe é exactamente igual à descida da maré
nesse ponto (δT ), sendo esta então dada por:

R Rdf df
δT = − − (6.8)
∆u Mu Lpp
Logo, sabendo quanto é a descida da maré, conseguimos saber o valor da reacção R. Os calados do
navio, após a variação do nível da maré, à qual está associada a reacção no fundo R, são dados por:
70 CAPÍTULO 6. ENCALHE, DOCAGEM E LANÇAMENTO À ÁGUA

Lpp
R Rdf 2 − xf
TAVf = TAVi − − (6.9a)
∆u Mu Lpp
Lpp
R Rdf 2 + xf
TARf = TARi − + (6.9b)
∆u Mu Lpp

O facto de a reacção R estar aplicada a uma distância dt do plano de mediania resulta também num
adornamento. Pensando a reacção R como um desembarque de um peso à distância dt da mediania, a
coordenada transversal do centro de gravidade passa a ser:

Rdt
yG = (6.10)
∆1 − R
O adornamento é dado por:

yG Rdt
tan φ = = (6.11)
GM 3 (∆1 − R) GM 3

6.1.3 Métodos de Desencalhe


Quando um navio encalha num determinado ponto do seu fundo, haverá que tomar medidas para
libertá-lo pois o navio fica sujeito à acção de vagas, o que rapidamente conduz a:

• Abertura de rombos, sobretudo no fundo, devido ao carregamento local da estrutura do navio;

• Poluição marinha devido à libertação de combustível, óleo lubrificante ou cargas líquidas;

• Deterioração global da estrutura do navio, entendido como viga-navio, podendo levá-lo a partir-
se.

Nos casos em que as medidas rápidas de bordo para libertar o navio não resultam, geralmente,
opta-se por aguardar uma subida da maré e recorrer então ao auxílio de rebocadores.

6.2 Docagem
Docagem é uma operação periódica, às vezes forçada devido a acidente, em que o navio é introduzido
numa doca-seca que é posteriormente esgotada.
O navio pode também ser alado para um plano inclinado. A docagem do navio é uma operação que
tem de ser realizada durante a vida operacional do navio. Destina-se a efectuar reparações e vistoria
nas obras vivas do navio, as quais não podem ser efectuadas a nado.

Descrição do Processo de Docagem


Cuidados a Observar na Docagem
Cálculos de Docagem

6.3 Lançamento à Água


O lançamento de um navio consiste essencialmente em transferi-lo da terra firme para a água, através
do escorregamento num plano inclinado sob a acção do seu próprio peso. Tecnicamente, trata-se de um
problema de natureza puramente dinâmica e a sua correcta solução apresenta notáveis dificuldades.
No entanto, as fases mais importantes e perigosas do lançamento podem ser estudadas apenas sob o
ponto de vista estático, o que vem introduzir uma grande simplificação nos cálculos a realizar.
Resolver o problema estaticamente consiste em considerar o navio parado em diversos pontos do seu
percurso, estudando o efeito das forças que actuam sobre ele nessas diversas situações.
6.3. LANÇAMENTO À ÁGUA 71

Descrição do Processo de Lançamento


Fundamentalmente existem dois processos de lançamento: de popa e lateral.
O lançamento lateral é normalmente usado quando o espelho líquido disponível é muito limitado, como
por exemplo no caso de navios construídos e lançados nas margens de rios estreitos; o seu cálculo só
pode ser efectuado dinamicamente, apresentando consequentemente notáveis dificuldades. Este facto
traduz-se na prática por uma menor segurança neste tipo de lançamentos, motivo porque têm sido
raros os navios grandes lançados por este processo. Apresenta porém a vantagem de provocar menores
esforços sobre o casco, relativamente ao lançamento de popa.
No que se segue será apenas considerado o lançamento de popa.

Cuidados a Observar no Lançamento


Elementos necessários para o cálculo de lançamento - Para efectuar este cálculo é necessário conhecer
certas características do navio a lançar, ter à disposição desenhos e outros elementos do projecto e
também conhecer as características da carreira de construção. Essas características e elementos são os
seguintes:

1. Navio:
a) Comprimento total
b) Comprimento entre perpendiculares
c) Boca máxima no convés
d) Deslocamento (na altura do lançamento)
e) Posição do C.G. (na altura do lançamento)

2. Projecto:
a) Caderno de pesos
b) Vertical integral ou curvas de Bonjean (preferível)
c) Carenas direitas e inclinadas
d) Plano geométrico
e) Plano de ferros

3. Carreira de construção:
a) Inclinação
b) Comprimento total
c) Largura total

Cálculos de Lançamento
Capítulo 7

Estabilidade do Navio em Avaria

O estudo da estabilidade do navio em avaria (neste caso quando sujeito a um alagamento) será efectuado
em três partes: (1) a descrição dos métodos de cálculo dos efeitos do alagamento; (2) os métodos de
subdivisão do navio e; (3) o estudo dos critérios de estabilidade do navio em avaria determinísticos e
probabilísticos.

7.1 Alagamento de Navios


Todos os tipos de navios e embarcações estão sujeitos ao risco de se afundarem se perderem a sua
estanqueidade devido a colisão, encalhe ou acidente interno (explosão, por exemplo).
Estes acontecimentos são suficientemente frequentes para que seja necessário tomar medidas para
proteger o navio contra os efeitos de alagamentos acidentais.
O método mais eficaz de protecção contra este problema consiste na subdivisão do espaço interno do
navio por meio de:

• Anteparas transversais.
• Anteparas longitudinais.
• Duplos-fundos ou pavimentos estanques.

A utilização de subdivisão estanque em navios era já feita na China no século XIII e é hoje utilizada
na generalidade dos navios e embarcações, tal como se mostra na Figura 7.1.
No final do século XIX as sociedades classificadoras estabeleceram regras empíricas para a instala-
ção de anteparas em navios mercantes (surgem os piques tanques de ré e vante, espaços de máquinas
e espaços de carga).
O interesse nesta área foi constante durante todo o final do século XIX e princípio do século XX,
estimulado por acidentes como o do ’HMS Titanic’. Dessa tragédia resultou a convocação de uma
Conferência Internacional sobre a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS) que decorreu em
Londres em 1913.
Nesta conferência foi adoptado um método de projecto da subdivisão que era uma síntese das propostas
de várias nações, mas nunca entrou em uso devido à Primeira Guerra Mundial e devido à oposição
de vários interesses. Em anos subsequentes reuniram-se várias conferências SOLAS que têm vindo a
aprovar critérios de subdivisão e estabilidade em avaria. Os requisitos incidindo sobre a flutuabilidade
e estabilidade em avaria são especialmente rigorosos no que se refere aos navios militares. No caso
destes navios, espera-se que a subdivisão permita não só permanecer a flutuar, mas também manter a
mobilidade. Onde, mesmo em caso de avaria (alagamento), espera-se que um navio militar não perca
totalmente a sua mobilidade por efeito da sobreimersão, adorno e/ou caimento. Espera-se também que
o navio mantenha a sua manobrabilidade intacta após alagamento, desde que o sistema de manobra
se mantenha intacto. Estas qualidades náuticas dependem contudo da imersão do navio, ângulo de
adornamento e do caímento do navio, os quais devem ser minimizados após avaria por meio da incor-
poração de subdivisão.

73
74 CAPÍTULO 7. ESTABILIDADE DO NAVIO EM AVARIA

Figura 7.1: Exemplos de subdivisão estanque em navios; (a) Navio Porta-contentores; (b) Navio Porta-
helicópteros; (c) Navio Ro-Ro
7.2. CONSEQUÊNCIAS DO ALAGAMENTO NA ESTABILIDADE E FLUTUABILIDADE 75

Figura 7.2: Fotografia ilustrativa da alteração da imersão (ou do bordo-livre) em caso de alagamento

Figura 7.3: Fotografia ilustrativa da alteração do caímento em caso de alagamento

7.2 Consequências do Alagamento na Estabilidade e Flutuabilidade


As principais consequências de um alagamento podem ser:

• Alteração da imersão (ou do bordo-livre), de modo a que o volume da parte não danificada do
navio equilibre o deslocamento do navio antes da avaria, subtraíndo o peso de eventuais líquidos
que se encontrem nos compartimentos alagados (tal como se mostra na Figura 7.2).

• Alteração do caímento, de modo a que o centro de carena da parte intacta do navio se coloque
na vertical do centro de gravidade do navio (tal como se mostra na Figura 7.3).

• Alteração do ângulo de adornamento, se o espaço alagado é assimétrico, de modo a que o centro


de carena da parte intacta do navio se coloque na vertical do centro de gravidade (tal como se
mostra na Figura 7.4).

• Alteração da estabilidade do navio por mudança da altura do centro de carena e do raio meta-
cêntrico. A altura do centro de carena geralmente aumenta. O raio metacêntrico pode aumentar
ou diminuir, dependendo da forma do casco.

Outros efeitos do alagamento podem ser:

• Diminuição da altura metacêntrica.

• Diminuição dos braços de estabilidade(tal como se mostra na Figura 7.5).

• Surgimento de adornamento devido a alagamento assimétrico.


76 CAPÍTULO 7. ESTABILIDADE DO NAVIO EM AVARIA

Figura 7.4: Fotografia ilustrativa da alteração do ângulo de adornamento em caso de alagamento

Figura 7.5: Curva dos braços de estabilidade ilustrativa da redução dos braços em caso de alagamento

• Surgimento de um ângulo de banda devido a altura metacêntrica negativa (tal como se mostra
na Figura 7.6).

Os efeitos do alagamento podem provocar a submersão de aberturas não estanques no convés do


navio, levando ao alagamento progressivo de compartimentos do navio inicialmente intactos.
Quando o braço máximo de estabilidade e o domínio de estabilidade são adequados e a imersão de
porções não estanques do navio resulte numa lenta progressão do alagamento, o afundamento do navio
pode ser bastante lento. Tal como se mostra na Figura 7.7, nessas condições, medidas de controle
do alagamento, como o fecho provisório do rombo, a redução do adornamento por transferência de
pesos, a bombagem da água ou o fecho de portas estanques podem ser bem sucedidas no combate ao
alagamento.
É prática comum em navios de guerra utilizar cadernos de limitação de avarias e diagramas de efeitos
do alagamento, com vista a ajudar nas tarefas de limitação de avarias.

Pode subdividir-se os compartimentos alagados de um navio em dois tipos básicos no que diz
respeito à comunicação com o mar:

• Compartimentos sem comunicação livre com o mar (tipo 1).

• Compartimentos com comunicação livre com o mar (tipo 2), tal como se mostra na Figura 7.8.
7.2. CONSEQUÊNCIAS DO ALAGAMENTO NA ESTABILIDADE E FLUTUABILIDADE 77

Figura 7.6: Curva dos braços de estabilidade ilustrativa do aparecimento de um ângulo de banda em
caso de alagamento

Figura 7.7: Fotografia ilustrativa medidas de controle do alagamento (escoramento de rombo) em caso
de alagamento
78 CAPÍTULO 7. ESTABILIDADE DO NAVIO EM AVARIA

Figura 7.8: Fotografia ilustrativa do alagamento do tipo 2B

Os compartimentos destas duas categorias podem ainda pertencer a uma de duas categorias no que
diz respeito ao seu extremo superior:

• Compartimentos que são fechados no topo e que estão completamente cheios de água (tipo A).

• Compartimentos que são abertos no topo ou estão parcialmente cheios (Tipo B), tal como se
mostra na Figura 7.8.

No primeiro caso, a superfície da água no compartimento não pode mudar de posição devido à
presença de um pavimento estanque que limita verticalmente o compartimento.
No segundo caso, nada impede que a superfície da água dentro do compartimento mude de posição
como consequência da alteração da posição de equilíbrio do navio.
Os alagamentos mais seguros são aqueles dos tipos 1A e 2A, pois correspondem a casos em que a
progressão do alagamento pode ser controlada.
Mais perigoso que os anteriores é um alagamento do tipo 1B devido à presença de uma superfície
líquida.
Portanto, concluímos ainda que o alagamento mais perigoso de todos corresponde ao 2B, pois além de
existir um espelho líquido a quantidade de água altera-se constantemente pois à medida que o navio
muda de posição o nível interior da água acompanha o nível exterior.

7.3 Métodos de Cálculo dos Efeitos de Alagamentos


O cálculo dos efeitos do alagamento de um ou mais compartimentos pode ser efectuado de acordo com
um dos métodos seguintes:

• Método do Peso Embarcado (ou da Massa Adicionada).

• Método da Perda de Impulsão (ou do Deslocamento Constante).

No Método do Peso Embarcado a água proveniente do alagamento é tratada como um peso acres-
centado (embarque de peso), devendo ter-se sempre em conta a presença de espelhos líquidos.
No Método da Perda de Impulsão a água proveniente do alagamento e o próprio compartimento
alagado são tratados como não pertencendo ao navio, isto é, como se esse compartimento deixasse de
pertencer ao navio, originando uma perda de impulsão.
7.3. MÉTODOS DE CÁLCULO DOS EFEITOS DE ALAGAMENTOS 79

Ambos os métodos podem ser aplicados ao cálculo da posição de equilíbrio do navio após um
alagamento de qualquer dos tipos anteriores.
Para compartimentos sem comunicação com o mar, mas alagados, é mais correcto, fisicamente, usar
o método do peso embarcado, pois a quantidade de água mantém-se constante e comporta-se como
pertencendo ao navio.
Para determinar os efeitos de um alagamento com água aberta é mais correcto, fisicamente, utilizar
o método da perda de impulsão pois a água embarcada comporta-se como não pertendo ao navio,
podendo a sua quantidade variar consoante os movimentos deste.
Quando o compartimento alagado não for limitado superiormente por um pavimento estanque e
exista água aberta, então a quantidade de água embarcada dependerá da posição do navio. Este facto
complicará de sobremaneira a utilização do método do peso embarcado neste caso, dado que o cálculo
da massa de água embarcada deverá seguir um processo iterativo.
Os métodos que seguidamente se apresentam dependem das seguintes hipóteses:

• O costado e as anteparas do navio que limitam o compartimento alagado são aproximadamente


planas na zona vertical compreendida entre a linhas de água inicial e final.
• Os ângulos de inclinação transversal e longitudinal são pequenos, pelo que a teoria metacêntrica
é válida.
• As inclinações transversal e longitudinal são independentes entre si.

Nem todo o volume de um compartimento de um navio é alagável, uma vez que os compartimentos
se encontram geralmente preenchidos com carga ou maquinaria. Define-se então permeabilidade (µ) de
um compartimento como a percentagem do volume desse compartimento que pode ser ocupada com
água. A permeabilidade varia consoante o tipo de compartimento.
De forma inteiramente análoga, nem toda a área e momento de inércia da superfície de um comparti-
mento que atravesse a linha de água se perde com o alagamento deste, pelo que se aplica aí também a
permeabilidade.
Pode também acontecer o ar contido num compartimento não se poder escapar deste, o que causa a for-
mação de um espelho líquido e o aprisionamento do ar no topo do compartimento alagado, chamando-se
a este fenómeno ’pocketing’.

7.3.1 Método do Peso Embarcado


O método para determinar a quantidade de água embarcada consiste em:

1. Calcular a massa de água embarcada (MAE), correspondente ao volume alagável do comparti-


mento até à linha de água original (isto é, h0 igual a T0 ).
2. Calcular a variação do calado T após o embarque da MAE, sendo essa variação constituída pelas
seguintes componentes:
a) Variação uniforme (sobreimersão) s;
b) Variação devida à alteração do caimento δT ;
c) Variação devida à alteração do adornamento δφ.
3. Considerar um nível interior de água maior que o anterior e repetir os cálculos até que se obtenha
um calado Ti inferior ao nível interior de água hi no compartimento.
4. Representar graficamente h em função de T e retirar desse gráfico o ponto em que h iguala T .
5. Calcular os calados, altura metacêntrica e ângulo de adornamento após o embarque da massa
embarcada correspondente ao nível de água da alínea anterior.

Neste método o alagamento é tratado como uma massa de água embarcada no navio, pelo que o
deslocamento aumenta e a posição do centro de gravidade altera-se. Em resumo, o método consiste
em:
80 CAPÍTULO 7. ESTABILIDADE DO NAVIO EM AVARIA

Figura 7.9: Gráfico das curvas de comprimento alagável do navio

(1) Obter a massa de água embarcada (acima descrito).

(2) Recalcular o deslocamento e a nova posição do centro de gravidade tendo em conta a massa de
água embarcada.

(3) Considerar os eventuais espelhos líquidos resultantes do embarque de peso líquido.

(4) Calcular a posição de equilíbrio final do navio (calados, adornamento) utilizando os métodos
anteriormente expostos para o embarque de pesos a bordo de navios.

(5) Se existir mais do que um compartimento alagado, a posição final do navio será resultado da
soma do embarque de pesos líquidos nos vários compartimentos alagados.

7.3.2 Método da Perda de Impulsão


Neste método, o compartimento alagado, ou compartimentos alagados, é tomado como uma perda de
impulsão no navio (equivalente a uma situação em que o compartimento deixa de pertencer ao navio).
Note-se que o deslocamento e o centro de gravidade do navio devem permanecer inalterados.
O método consiste em:

(1) Calcular a nova imersão do navio após o alagamento, sem considerar o caimento ou o adorna-
mento.

(2) Recalcular a posição do centro de carena do navio, ainda sem rotações.

(3) Calcular o adornamento resultante da nova posição transversal do centro de carena, tendo em
conta que o centro de gravidade permanece fixo.

(4) Finalmente, calcula-se o caímento resultante da nova posição longitudinal do centro de carena,
tendo em conta que o centro de gravidade permanece fixo.

(5) Calculam-se então os calados finais do navio.

7.4 Métodos de Subdivisão


Tal como já foi antes referido, a utilização de anteparas estanques em navios, no mundo ocidental, data
do século XIX.
Em 1854, o British Board of Trade criou o primeiro regulamento onde se exigia a introdução de
anteparas nos navios.
Em 1867, a Institution of Naval Architects recomendou que qualquer navio de passageiros pudesse
flutuar com pelo menos um compartimento alagado.
Em 1891, o First Bulkhead Committee recomendou que os navios de passageiros com mais de 129.5
[m] deveriam poder flutuar com quaisquer dois compartimentos alagados. O mesmo comité introduziu
o conceito de comprimento alagável (tal como se mostra na Figura 7.9).
7.5. CRITÉRIOS DETERMINÍSTICOS DE ESTABILIDADE EM AVARIA 81

Figura 7.10: Desenho ilustrativo da subdivisão estanque do ’HMS Titanic’

Figura 7.11: Desenho ilustrativo da linha margem

Em 1912, na sequência do desastre do ’HMS Titanic’, o Second Bulkhead Committee recomenda


que o topo das anteparas não deve localizar-se abaixo da linha de água após avaria (tal como se mostra
na Figura 7.10). O mesmo comité introduz o conceito de linha margem (76 [mm] abaixo da face
superior do pavimento à borda).
A conferência SOLAS de 1913 introduz um sistema factorial de subdivisão que não chega a entrar em
vigor.
A conferência SOLAS de 1929 adopta um sistema factorial de subdivisão.
O comprimento alagável num ponto ao longo do comprimento do navio é a máxima extensão longi-
tudinal do navio, com centro no referido ponto, que pode ser alagada de bordo a bordo, simetricamente
e com uma determinada permeabilidade, sem causar imersão da linha margem (ver Figura 7.11) e man-
tendo GM T positivo.
Assim, se um determinado navio possui anteparas transversais que distam entre si de valor igual ou
menor ao do comprimento alagável do ponto médio entre as duas anteparas então, uma avaria entre
essas anteparas não levará à perda do navio nem por efeito da sobreimersão e caimento, nem por falta
de estabilidade estática.
Um navio pode no entanto sofrer um abalroamento que produza um rombo que atinja dois ou
mais compartimentos contíguos. O factor de subdivisão, quando menor que 1, permite ter em conta
esta possibilidade e o comprimento alagável é simplesmente uma forma de garantir ao navio alguma
capacidade para resistir a uma avaria abaixo da linha de água.
É usual calcular-se a curva dos comprimentos alagáveis e estimar então a posição admissível das
anteparas transversais,tal como se pode observar na Figura 7.9.

7.5 Critérios Determinísticos de Estabilidade em Avaria


Até à conferência SOLAS de 1948 não existiam requisitos sobre estabilidade em avaria, somente sobre
flutuabilidade.
Em 1948, a Convenção SOLAS passou a integrar uma regra que exigia altura metacêntrica positiva
após avaria, de forma a evitar a occorrência de acidentes de alagamento seguidos de instabilidade
transversal, tal como é ilustrado na Figura 7.12.
Em 1960, a Convenção SOLAS passou a exigir uma altura metacêntrica de pelo menos 0.05 [m]
após avaria.
Em 1974, a Convenção SOLAS adoptou um regulamento probabilístico que continha implícito o requi-
sito de um braço mínimo após avaria de 0.03 [m].
Em 1990, foi introduzido na SOLAS um critério de estabilidade em avaria completo (conhecido como
SOLAS90), que especifica os seguintes requisitos para alagamentos envolvendo 2 ou 3 compartimentos:
82 CAPÍTULO 7. ESTABILIDADE DO NAVIO EM AVARIA

Figura 7.12: Fotos ilustrativas de um acidente com ocorrência de alagamento seguida de instabilidade
transversal

(1) Domínio de estabilidade de pelo menos 15o a apartir do ângulo de equilíbrio.

(2) Reserva de estabilidade mínima de 0.015 [m.rad].

(3) Altura metacêntrica de pelo menos 0.05 [m].

(4) Braço mínimo de 0.10 [m], incluindo o efeito do momento inclinante máximo (passageiros a um
bordo, lançamento de salva-vidas, pressão do vento).

(5) Ângulo máximo de adornamento de 15o antes da equalização.

(6) Braço de estabilidade superior a 0.05 [m] e domínio de estabilidade superior a 7o nas fases
intermédias do alagamento.

O número de compartimentos (2 ou 3) consecutivos a alagar depende do factor de subdivisão.


Em 1995, o critério acima foi tornado aplicável a navios já existentes, o que é um facto inédito na
história da IMO.
Em 1995 foi aberta a possiblidade de os países celebrarem acordos regionais, tendo então surgido o
Acordo de Estocolmo. Este acordo aplica-se a navios RO-RO de passageiros e consiste em cumprir a
SOLAS90 com uma determinada quantidade de água na coberta (garagem), cuja altura é determinada
em função do bordo-livre da garagem do navio e da altura de onda significativa na sua área de operação,
tal como é ilustrado nas Figuras 7.13 e 7.14.
Existem ainda vários outros regulamentos internacionais baseados no sistema determinístico, o
quais se mostram na Tabela seguinte:

7.6 Critérios Probabilísticos de Estabilidade em Avaria


Nos anos 50, reconheceu-se que a segurança de um navio só pode ser medida pela sua probabilidade
de sobrevivência.
Acidentes como o do ’Andrea Doria’ demonstraram que os critérios determinísticos de estabilidade em
avaria continuavam a não proporcionar um nível de segurança satisfatório.
Em 1961, uma análise destes revelou as seguintes limitações:
7.6. CRITÉRIOS PROBABILÍSTICOS DE ESTABILIDADE EM AVARIA 83

Figura 7.13: Diagrama ilustrativo do procedimento de cálculo da altura de água na coberta de um


navio RO-RO e de passageiros (Acordo de Estocolmo)

Figura 7.14: Mapa de distribuição das alturas de onda significativas no Báltico e Europa do Norte
para efeitos de cálculo da altura de água na coberta de um navio RO-RO e de passageiros (Acordo de
Estocolmo)
84 CAPÍTULO 7. ESTABILIDADE DO NAVIO EM AVARIA

Figura 7.15: Tabela sumário dos regulamentos internacionais baseados no sistema determinístico

• A fórmula para o critério de serviço, entre outras, encontrava-se desactualizada.

• Omitia-se o facto de a posição e a extensão da avaria serem variáveis aleatórias.

• Não se tomava em consideração as proporções dos navios da época, bem como a imersão, as
permeabilidades e a estabilidade em avaria.

Iniciou-se então o estudo de um método probabilístico de subdivisão, que culminou com a aprovação
de um regulamento probabilístico de subdivisão obrigatório para todos os navios novos de carga e
passageiros com mais de 80 [m], construídos após o ano de 2009. Antes de chegar a esta fase, em 1973,
foi adoptada a Resolução A.265(VIII) pela assembleia da IMO, o primeiro regulamento probabilístico
de subdivisão e estabilidade em avaria de navios de passageiros.
Em 1974, na conferência SOLAS, esta resolução foi tornada equivalente ao método determinístico
habitual.
Em 1990, foi adoptada a Resolução MSC.19(58) pelo Comité de Segurança Marítima (MSC) da IMO,
que introduziu um regulamento probabilístico para navios de carga com mais de 100 [m].
A Resolução MSC.47(66) extendeu a aplicação deste regulamento a navios com mais de 80 [m].
O sub-commité de Estabilidade, Linhas de Carga e Navios de Pesca (SLF) está actualmente a estudar
a possibilidade de harmonização de ambos os regulamentos.

7.6.1 Fundamentos Teóricos dos Critérios Probabilísticos de Estabilidade em Ava-


ria
A avaliação da probabilidade de sobrevivência de um navio inclui as seguintes probabilidades:

• Probabilidade de alagamento de um ou mais compartimentos contíguos;

• Probabilidade de que a flutuabilidade e estabilidade do navio após avaria seja suficiente para
evitar o sossobramento ou adornamento excessivo do navio.

O efeito de um rombo no casco de um navio com uma determinada subdivisão depende, essencial-
mente, das seguintes circunstâncias:

• Compartimento ou grupo de compartimentos afectados;

• Imersão e estabilidade intacta do navio no momento do acidente;

• Permeabilidade dos espaços afectados no momento do acidente;

• Estado de mar no momento do acidente.

Tendo em conta estes aspectos, o método probablístico assume que a probabilidade de sobrevivência
do navio é directamente proporcional a um índice de subdivisão atingido, A. Este índice é obtido pela
fórmula:
X
A= pi s i (7.1)
i∈I
7.6. CRITÉRIOS PROBABILÍSTICOS DE ESTABILIDADE EM AVARIA 85

na qual o somatório é tomado para todas as condições de avaria possíveis e onde:


i é um índice que representa cada compartimento ou grupo de compartimentos avariados;
I é o conjunto de todos os casos possíveis de alagamento, compreendendo compartimentos singu-
lares e grupos de compartimentos adjacentes;
pi é proporcional à probabilidade de que apenas o compartimento ou compartimentos sob conside-
ração sejam alagados, sem ter em conta a subdivisão horizontal do navio;
si é proporcional à probabilidade condicional de sobrevivência à condição de avaria em considera-
ção, tendo em conta o efeito da subdivisão horizontal do navio.
Sempre que existam compartimentos laterais no navio, isto é, subdivisão longitudinal, o somatório
acima deve incorporar contribuições de avarias envolvendo apenas o compartimento lateral e de ava-
rias envolvendo o compartimento lateral e os espaços internos adjacentes. Sempre que exista subdivisão
horizontal, isto é, pavimentos estanques localizados acima da linha de água, o somatório acima deve
incorporar contribuições separadas de avarias envolvendo apenas o compartimento abaixo ou, simulta-
neamente, os compartimentos abaixo e acima da subdivisão horizontal.
A probabilidade de alagamento, pi , consiste numa aproximação às distribuições estatísticas das seguin-
tes variáveis: posição longitudinal da avaria, extensão longitudinal e extensão transversal da avaria
(penetração).
Tendo calculado o Índice de Subdivisão Atingido, A através da equação 7.1, é necessário compará-lo
com o Índice de Subdivisão Requerido, R, para esse mesmo navio. Sendo que o índice de subdivisão
atingido deve ser superior ao índice de subdivisão requirido. O índice de subdivisão requerido é cal-
culado de acordo com fórmulas empíricas relativamente simples que no caso dos navios de carga seca
depende apenas do comprimento do navio (Ls ), dado por:

R = (0.002 + 0.0009Ls )1 /3 (7.2)

Probabilidade de Ocorrência de Avaria


A probabilidade de ocorrência de avaria (alagamento), pi , consiste numa aproximação às distribuições
estatísticas das seguintes variáveis: posição longitudinal da avaria, extensão longitudinal e extensão
transversal da avaria (penetração). Para o caso de existir subdivisão longitudinal, é calculado ainda
um factor de correcção ri .
O factor pi incorpora os factores ai , pi e r. A probabilidade de ocorrência de avaria com uma de-
terminada localização, extensão, é calculada de acordo com o fluxograma mostrado na Figura 7.16
(A.265(VIII)).

Probabilidade de Sobrevivência à Avaria


Quanto à probabilidade de sobrevivência à avaria, si , depende de vários factores: imersão, permeabili-
dade dos compartimentos alagados, distribuição de probabilidade do estado de mar, bordo livre, altura
metacêntrica e boca do navio. Este factor s deve ser calculado para a imersão do navio na linha de
carga mais profunda e para a imersão do navio na linha de carga parcial. Resultam daqui dois factores
sl e sp , cuja média permite calcular si .
No caso de existir subdivisão horizontal, deve-se ainda ter em conta um factor v.
Esta probabilidade de ocorrência de avaria é calculada de acordo com o fluxograma mostrado na Figura
7.17 (A.265(VIII)).
O método de cálculo recorre a:

• Relatórios de acidentes contendo características da avaria.

• Relatórios de viagem contendo as condições de carga e estabilidade.

• Relatórios de ensaios com modelos sobre a capacidade de sobrevivência de navios em ondas.

Estes dados são utilizados para determinar distribuições probabilísticas, tais como a distribuição
longitudinal de avaria mostrada na Figura 7.18:
86 CAPÍTULO 7. ESTABILIDADE DO NAVIO EM AVARIA

Figura 7.16: Fluxograma do processo de cálculo de probabilidade de ocorrência de avaria


7.6. CRITÉRIOS PROBABILÍSTICOS DE ESTABILIDADE EM AVARIA 87

Figura 7.17: Fluxograma do processo de cálculo de probabilidade de de sobrevivência à avaria


88 CAPÍTULO 7. ESTABILIDADE DO NAVIO EM AVARIA

Figura 7.18: Gráfico de distribuição longitudinal de avaria

7.6.2 Regulamento Probabilístico para Navios de Passageiros - Resolução A.265(VIII)


A estrutura geral é a mostrada na Tabela 7.1:
O índice de subdivisão requerido é calculado de acordo com uma fórmula empírica relativamente
simples que depende do número de pessoas transportadas a bordo (N ) e do comprimento do navio
(Ls ), dado por:
250
R=1− N
 (7.3)
Ls + 4 + 375

7.6.3 Regulamento Probabilístico para Navios de Carga Seca - Resolução MSC.19(58)


Tabela 7.1: Lista de Regras Principais de Resolução A.265(VIII)

Regra Titulo
Regra 1 Definições
Regra 2 Indíce de Subdivisão Requerido
Regra 3 Regras Especiais no que Diz Respeito à Subdivisão
Regra 4 Permeabilidades
Regra 5 Subdivisão e Estabilidade em Avaria
Regra 6 Indíce de Subdivisão Atingido
Regra 7 Subdivisão Longitudinal e Transversal Combinada
Regra 8 Informação sobre Estabilidade
90 CAPÍTULO 7. ESTABILIDADE DO NAVIO EM AVARIA

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