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DIREITO
ECONÓMICO

PRÁTICA - 2.º TESTE


MARIANA COELHO E LARA OLIVEIRA

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO


2022/2023
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

NOTA INTRODUTÓRIA

Esta sebenta de Direito Económico, disponibilizada pela Comissão de Curso dos


estudantes do 3º Ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade
do Porto no ano letivo 2022/2023, foi elaborada pela estudante Lara Oliveira, com o apoio
e colaboração de Mariana Coelho, que elaborou os apontamentos semanais da Unidade
Curricular.

Esta sebenta contém a compilação das aulas práticas (lecionadas pela docente Inês Neves)
relativas à matéria lecionada pelo docente José Reis que aborda, essencialmente, o tema
do Direito da Concorrência. Além de se tratar de uma compilação das aulas práticas, este
documento possui ainda breves enquadramentos teóricos para ajudar os estudantes no
processo de estudo e enquadramento da matéria.

Relembra-se ainda que esta sebenta constitui apenas um complemento de estudo, não
dispensando, por isso, a presença nas aulas práticas e teóricas, assim como a leitura da
bibliografia obrigatória.
Bom estudo!

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Programa

1. Introdução ao Direito da Concorrência 4


1.1. Conceitos introdutórios
1.2. Origem e fundamentos do Direito da Concorrência 6
. Ficha nº4 completa 8

2. A empresa e o mercado no Direito da Concorrência 17


. Ficha de trabalho nº5, exercício 1 18
2.1. Dimensões do conceito de mercado relevante 20
. Ficha de trabalho nº5, exercício 4.1 21

3. Acordos horizontais 23
. Ficha de trabalho nº5, exercício 2 26
. Ficha de trabalho nº5, exercício 4.2 30
3.1. Formas de manifestação dos acordos horizontais 31
. Ficha de trabalho nº6, grupo I 33
. Ficha de trabalho nº6, grupo IV 38
3.2. Justificação dos acordos horizontais 41
. Ficha de trabalho nº6, grupo II 42
. Ficha de trabalho nº6, grupo III 45
3.3. Procedimento de clemência 47
. Ficha de trabalho nº6, grupo V 48

4. Acordos verticais 51
. Ficha de trabalho nº7, grupo I 53
4.1. Acordos de distribuição exclusiva e seletiva 59
. Ficha de trabalho nº7, grupo II 61
. Ficha de trabalho nº7, grupo III 65

5. Abusos de posição dominante 68


. Ficha de trabalho nº5, exercício 3 71
. Ficha de trabalho nº8, completa 74

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1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DA CONCORRÊNCIA

1.1. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS


Vamos começar por abordar vários conceitos introdutórios com os quais iremos contactar
progressivamente ao longo desta sebenta, de modo a estabelecermos as bases gerais do
nosso estudo.

Nota: Alertamos que os enunciados relativos aos casos em questão (constantes da aula de
31 de outubro) se encontram num powerpoint ainda por disponibilizar (até à data de 2 de
dezembro) pela professora Inês Neves, na pagina da unidade curricular no Sigarra.

Focamo-nos aqui numa das incumbências prioritárias do Estado, que implica constante
tensão com a autonomia privada e o interesse da concorrência efetiva nos mercados.

Para esse efeito, vamos analisar determinadas situações, inspiradas em casos reais.

1) Ideias base: primeiro pilar de matérias - supressão da concorrência, menor qualidade


e maior preço do produto, prejuízo do ente público em causa, etc.

Este caso relaciona-se com um comunicado de empresa, em que a Autoridade de


Concorrência (AdC) sanciona determinadas empresas pela celebração de acordos
relativos à participação em concursos.

Ora, esta concertação é proibida e sancionável a nível da legislação nacional, bem como
na legislação europeia (TFUE) – art. 9.º da Lei da Concorrência (LdC) e art. 101.º TFUE.

Em particular no que ao caso respeita, os acordos ou práticas concertadas e as decisões


de associações de empresas restringem ou eliminam mesmo a concorrência no mercado,
o que culmina numa situação menos favorável para o consumidor.

Em particular no que aos acordos respeita distinguimos:


- Acordos verticais: estão em causa, por exemplo, produtores e distribuidores do mesmo
produto, estando em causa regras diferentes, na medida em que estes são na maior parte
das vezes associados a eficiência.
- Acordos horizontais: envolvem empresas concorrentes que atuam no mesmo mercado.

Neste caso, estávamos perante um acordo horizontal e empresas, já que são estas, sendo
pessoas singulares ou coletivas, as destinatárias das normas de Direito da Concorrência.

Nota: A expressão “bid-rigging” significa o conluio na contratação pública e autonomiza-


se pelas suas particularidades, podendo existir conluio de uma única proposta ou de várias
propostas, sendo todas as outras mediante acordo de valor substancialmente mais elevado.

Noção de cartel: definida na Lei nº 23/2018 de Private Enforcement.

As normas do TFUE gozam do efeito direto, atribuindo diretamente direitos aos


particulares, podendo os lesados invocar danos resultantes de certos comportamentos.

Conclusão: Discordamos totalmente.

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2) Ideias base: conluio, etc.

Este caso resulta de uma sanção da Autoridade de Concorrência aos hospitais privados
em causa, bem como à associação em si, entendendo que através da constituição deste
grupo de trabalho se exerceu pressão desmesurada sobre a ADSE - prática concertada de
natureza horizontal lesiva da lei da concorrência nacional.

Note-se que existem casos de acordo de prática conjunta em que esta concertação é
permitida, desde que não restritiva de parâmetros gerais da concorrência.

Conclusão: Discordamos totalmente.

3) Ideias base: acordo anterior à aquisição que põe em causa a concorrência real/efetiva.

Temos um comunicado de 2021 e estamos perante uma lógica horizontal, o qual envolve
a lei nacional e o TFUE. Estava em causa um acordo de repartição de mercados e de
clientela, entendendo-se que há uma lesão dos interesses dos clientes.

O ponto II dos acordos de não contratação são inspirados num outro caso - “no poach
agreements”, que envolvem um compromisso das empresas em matéria de contratação.
Este tema começou por ser estudado nos EUA relativamente aos “gigantes tecnológicos”.
Há uma redução da mobilidade laboral bem como uma redução dos salários. Além do
mais, acaba por criar uma distorção dos mercados, podendo colocar em causa a
produtividade dos trabalhadores e a qualidade e preço dos produtos oferecidos.

Conclusão: Concordo totalmente.

4) Ideias base: segundo pilar de matérias - abuso da posição dominante.

Neste caso, é a Comissão Europeia a entidade competente, ainda que este abuso seja
também punido pela legislação nacional. O que a Comissão considerou é que houve a
prática de preços predatórios para exclusão de empresas concorrentes, por ter uma posição
que lhe permitia suportar as perdas no curto prazo.

Ora, o Direito da Concorrência não veda a posição dominante, quando esta se atinge por
mérito, mas os comportamentos adotados terão sempre de seguir esta linha do mérito.

Assim, teremos de ter em conta o interesse e o objetivo da empresa em causa aquando da


prática destes preços inferiores aos custos de produção - presume-se que existe um abuso
quando não são cobertos os custos de produção. Já quando os custos de produção forem
cobertos, mas não os custos totais, terá de se ter em consideração a intenção da empresa.

Conclusão: Discordo totalmente.

5) Ideias base: 3º pilar de matérias - a concentração de empresas e a atuação preventiva


ou ex ante.

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Nota: Não todas, mas determinadas situações de concentração de empresas estão sujeitas
a determinados requisitos, como a notificação da entidade.

Neste caso a entidade da concorrência não se opôs a esta concentração, na medida em que
não considerou resultar um prejuízo excessivo para a concorrência de mercado.

Artigo 36.º, nº1, al. b) LdC - definição de concentração e respetiva remissão para o art.
39º, nº1, al. c), que elenca os casos em que é necessária tal notificação prévia.

Face a notificação prévia, a AdC terá de tomar uma decisão, seguindo uma lógica que
corresponde a: identificação dos sujeitos -» aferição dos mercados -» avaliação do
prejuízo concorrencial (identificando se está em causa uma situação conglomeral, vertical
ou horizontal) -» decisão de se opor ou não à concentração em causa.

Conclusão: Discordo.

6) Ideia base: quarto pilar de matérias - auxílios de Estado, introduzindo uma distorção
no mercado interno (a nível da UE).

Estes auxílios são sujeitos a autorização da Comissão Europeia, existindo regulamentos


de isenção e regulamentos de mínimos, para evitar uma constante e repetida notificação
das entidades europeias responsáveis. Temos ainda auxílios isentos, por não constituírem
perigo marcado para o mercado interno. Se não se enquadrarem em nenhum destes grupos
serão inadmissíveis.

Existia ainda uma cláusula de reversão, para reequilibrar as situações em causa.

Conclusão: Concordo.

1.2. ORIGEM E FUNDAMENTOS DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA


Apesar de ser um ramo em expansão, desde que existe atividade económica organizada,
existem também regras relativas à produção e distribuição de bens, como a proibição de
açambarcamento, a proibição de práticas especulativas ou o controlo de preços. Estas
regras são também, de forma mais ou menos direta, regras de organização dos mercados
e da concorrência

No final do séc. XVI, começam a aparecer algumas decisões mais específicas no âmbito
da Common Law, relativas ao controlo dos monopólios das corporações, a limitações ao
acesso a profissões e a obrigações de não concorrência.

Mais tarde, com o desenvolvimento do mercado e o surgimento de grandes empresas,


surgiu também a necessidade absoluta de regular seriamente a concorrência, porque a
dimensão daquelas empresas ameaçava seriamente eliminar totalmente a liberdade de os
pequenos e médios empresários se conseguirem estabelecer nesses sectores, ao mesmo
tempo que deixava desprotegidos os consumidores.

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Esta preocupação surgiu primeiro nos EUA, uma vez que os anos que se seguiram à
Guerra Civil (1861/1865) foram de grande transformação para este Estado, tendo-se
assistido não apenas ao surgimento de novos sectores que vieram transformar a sociedade
e a economia, mas também à criação de conglomerados como nunca se tinha visto.

Pela primeira vez surgiu a necessidade absoluta de regular seriamente a concorrência,


porque a dimensão daquelas empresas ameaçava seriamente eliminar totalmente a
liberdade de os pequenos e médios empresários se conseguirem estabelecer nesses
sectores, ao mesmo tempo que deixava desprotegidos os consumidores.

Só a partir dos anos 50, é que esta se torna uma questão para a Europa – até há conceitos
do Direito da Concorrência que começam a ser aplicados nos tribunais europeus que já
eram aplicados nos anos 30 nos EUA.

Note-se que a generalidade das indústrias norte americanas dirigidas para a produção em
massa seguia nesta altura um modelo de organização industrial altamente
concentracionista: tentativa permanente de as maiores empresas eliminarem a
concorrência, seja expulsando os rivais do mercado, seja através de fusões ou aquisições.

Daí que os grandes debates judiciais desta fase inicial do Direito da Concorrência tenham
girado muito à volta da questão de saber se a sua finalidade essencial é a pura e simples
eliminação dos monopólios, ou antes a promoção da eficiência na economia, que pode
tolerar um certo grau de concentração do poder económico.

Assim, o Direito da Concorrência aparece como mecanismo de salvaguarda de um certo


modelo constitucional de organização económica, baseado fundamentalmente no
funcionamento livre dos mercados e na intervenção meramente reguladora.

Vemos, então, que a regulação da concorrência pretende cumprir determinados objetivos:


- Evitar a concentração de poder económico nas mãos de algumas grandes empresas, o
que pode pôr em causa o funcionamento do próprio estado de Direito quando a influência
dessas empresas se sobrepõe ao poder dos governantes democraticamente eleitos;
- Criar condições para que exista uma efetiva liberdade de empresa, de que possam
beneficiar os concorrentes mais frágeis, sob pena de a liberdade de empresa que a
Constituição consagra não ser operacional;
- Proteger os consumidores;
- Criar condições para um maior crescimento económico, melhorando a eficiência do
funcionamento do mercado;
- No caso concreto da União Europeia, servir como motor da integração económica.

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Ficha de trabalho nº4

I. «Quer seja a jogar futebol com os amigos, quer seja a jogar às cartas em família, a
maioria de nós gosta de jogar jogos. Isto é assim, porque a competição é algo muito
humano. Desafia as nossas mentes e mantém-nos saudáveis. Torna-nos melhores no
que fazemos. O mesmo é verdade nos negócios. Ao concorrer, as empresas treinam os
seus músculos comerciais para produzir produtos de melhor qualidade, reduzir custos
e o desperdício, e prestar um excelente serviço ao mais baixo preço. Isto não beneficia
apenas os consumidores; de facto, beneficia também os trabalhadores: alguns estudos
demonstraram que a satisfação profissional é maior em empresas mais pequenas e em
setores da economia onde a concentração do mercado é menor. Mas como todos os
futebolistas ou jogadores de cartas sabem, o jogo só funciona bem se todos jogarem
de acordo com as regras. Na UE, este livro de regras são os Tratados, atos legislativos,
orientações e jurisprudência que compõem o Direito da União. Estas regras têm sido
desenvolvidas ao longo de muitas décadas para assegurar uma concorrência justa e
eficiente no Mercado Único. Política da concorrência - três instrumentos. Em primeiro
lugar, para que a concorrência seja justa, importa garantir condições e regras de jogo
equitativas. As nossas regras da concorrência existem para garantir que isso aconteça
- por outras palavras, para garantir que o que determina os vencedores e os perdedores
é o quão bem eles jogam o jogo, e nada mais.
Todos os três instrumentos da nossa política de concorrência assentam nesta ideia O
primeiro instrumento – ‘antitrust’ - existe para impedir que os jogadores dominantes
abusem da sua posição, por exemplo, através de preços predatórios que impedem os
novos participantes de entrar no mercado ou, ainda, para sancionar o envolvimento
das empresas em outros acordos e práticas concertadas, anti concorrenciais. Um
exemplo flagrante disto é a colusão, através de cartéis - onde vários jogadores
trabalham em conjunto de uma forma injusta, por exemplo, ao distribuir ou dividir,
entre si, o mercado para que cada um deles desfrute de um “monopólio local”.
O nosso segundo instrumento é o controlo de operações de concentração. Aqui
garantimos que as fusões e aquisições que excedem um determinado limiar não
conduzem à eliminação da concorrência, como resultado. Ao contrário da política
‘antitrust’ que pune o comportamento ilícito, depois de este ter ocorrido, o controlo
das operações de concentração dá-nos o poder de bloquear ou impor remédios, nas
transações que possam prejudicar os consumidores e clientes. Raramente impedimos
ou bloqueamos fusões porque via de regra conseguimos encontrar soluções que
respondem às nossas preocupações. Mas este ano, por exemplo, vetámos duas fusões
- uma fusão entre as duas maiores empresas coreanas de construção naval que
produzem transportadores de GNL e uma fusão entre a Illumina e a Grail da qual teria
resultado a redução da concorrência no mercado do desenvolvimento de testes de
deteção do cancro. O instrumento final da política de concorrência é o controlo dos
auxílios estatais. Este é um instrumento diferente dos outros dois - é único na Europa.
A ideia é assegurar que os Estados membros da UE não distorçam a concorrência no
Mercado Único, concedendo subsídios a empresas específicas.

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Mas o princípio central é o mesmo: queremos uma concorrência justa - justa para as
empresas de outro Estado da UE, justa para os contribuintes que têm de pagar estes
subsídios; e, em última análise, justa também para os consumidores, que serão os
verdadeiros perdedores se permitirmos que as nossas empresas se viciem no apoio do
Estado.
Outros tipos de regulamentação justa da UE É claro que o nosso livro de regras evolui
à medida que o jogo se torna mais complexo. Hoje, vivemos numa era digital, e isto
está a criar um novo tipo de desafio para manter os mercados justos. Quando grandes
plataformas digitais conseguem agir como ‘guardiãs de acesso’, elas logram exercer
um poder enorme. Ora, “with great power must come great responsibility”.
Por isso mesmo, aprovámos um novo Regulamento – o Regulamento dos Mercados
Digitais (‘DMA’) para assegurar que elas (empresas) cumprem as suas
responsabilidades e permitem às demais empresas aceder às suas plataformas em
termos justos. O DMA - como lhe chamamos - foi publicado ontem no Jornal Oficial
e é agora o primeiro grande regulamento global de tecnologia. […]»1

Ideias essenciais do texto:


 Normas em branco na UE;
 Expansão da concorrência ao mercado laboral;
 RPM - ressale price management - restrição vertical da concorrência;
 Orientações - soft law da comissão europeia;
 Grandes blocos de matérias - proibição de acordos, abuso de posição dominante,
controlo de operações de concentração e controlo de auxílios do Estado;
 DMA - digital markets act - com base em prática decisória da Comissão, o
legislador cristalizou determinados comportamentos que empresas gate keepers
terão de cumprir numa base preventiva - o Direito da Concorrência, via de regra,
não funciona ex ante, pelo que discute se isto ainda cabe no âmbito deste ramo.

1. Podendo o Direito da Concorrência ser definido como «o conjunto de regras que


visam assegurar uma concorrência efetiva entre empresas, controlando a criação,
reforço ou exercício de poder de mercado» (cf. MIGUEL MOURA E SILVA, Direito da
Concorrência, Lisboa: AAFDL Editora, 2020), e partindo do texto acabado de analisar, refira-
se às vantagens da concorrência enquanto regime-regra numa economia de mercado.

Começamos por caracterizar o Direito da Concorrência como um ramo de Direito que


visa a tutela de um bem jurídico sui generis (de difícil definição) - a concorrência.

A verdade é que, apesar de podermos apontar esta definição de Direito da Concorrência,


são diversas as questões quanto a saber o que é que o legislador pretende efetivamente
proteger - serão os concorrentes individuais/as empresas, a neutralidade dos meios
empregues no processo de rivalidade que é a concorrência, ou assegurar uma igualdade
entre competidores?

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Ora, não encontramos apoio absoluto na ciência económica por dois motivos:
i. Apesar desta ser uma área em que é necessário diálogo constante, a verdade é
que estamos sempre a falar de um bem jurídico, que se pretende juridicamente
protegido e que deverá ser protegido através de bens e meios adequados.
ii. A economia simplifica a realidade através de modelos de análise, deixando
“respostas por responder”, e levando a incertezas quanto à forma de análise
do mercado.

Ora, será que, mesmo nos modelos de concorrência perfeita (informação perfeita,
inexistência de barreiras à entrada ou expansão do mercado, etc), caberá ao legislador a
tarefa de assegurar as condições desse mesmo modelo?

Considera-se que não será esta a solução, isto porque não são admissíveis num Estado de
Direito fenómenos como a atomização da oferta e da procura (defende o modelo de
concorrência perfeita a existência do maior número possível de operadores, de modo a
que a tomada de decisões seja descentralizada. Se se fala em atomicidade não se podem
permitir, desde logo, concentrações) em favor da garantia da concorrência.

Nota: É atualmente discutida nos EUA a possibilidade de “break them all” e se esta é ou
não compatível com um Estado de direito assente na proteção das liberdades.

Ora, é por tudo isto que acabamos de ver que se opta por uma noção instrumental de
concorrência - visa-se então proteger a concorrência, garantindo um conjunto mais vasto
de objetivos relacionados com a concorrência como plano de fundo. Opta-se por esta
noção porque se entende que a concorrência tem associada vantagens como:
i. Eficiência na afetação de recursos - é a concorrência que permite garantir um
máximo de volume de produção possível ao preço mais baixo, o que permite
a satisfação dos consumidores e o retorno do investimento dos produtores;
ii. Permitir a proteção de um mecanismo descentralizado de tomada de decisões
de mercado - há uma interação anónima entre a oferta e a procura, em
contraponto com modelos de planificação e centralização ou de economia
privada de interesses privados. Ou seja, é a concorrência que garante um
encontro entre vontades anónimas, e não uma tomada de decisões pelo Estado
ou por um conjunto muito pequeno de operadores privados.
A concorrência assume, então, uma função institucional de proteção de DF
das empresas e dos consumidores, acabando ainda por ser um elemento
integrante de um Estado de Direito democrático (princípio da subordinação do
poder económico ao poder político);
iii. Proteção do bem-estar dos consumidores: falamos aqui de uma via mediata,
garantindo que os produtores, nomeadamente através de situações de
monopólio ou cartel, não se apropriem de um excedente que deve pertencer
ao consumidor sobre a forma de preços mais baixos, produtos de maior
qualidade e processos mais céleres ou mais eficientes.
iv. Garantia do exercício de pressão sobre as empresas: pressão vai no sentido de
as mesmas serem mais eficientes no curto, médio e longo prazo, pelo que as

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empresas têm que fazer investimentos em processos e produtos que, numa


ótica de eficiência dinâmica ou prospetiva, assegurem que seja possível
afirmar a sua posição face aos concorrentes - garante de produtividade.

2. A propósito da noção de concorrência efetiva, costuma afirmar-se ser a mesma,


simultaneamente, fundamento e limite da intervenção do Direito da Concorrência.
Explique a afirmação.

A primeira questão que se coloca é perceber o que é a concorrência efetiva? Esta traduz-
se na ausência de poder de mercado, assegurando os benefícios esperados em termos de
eficiência, estímulo ou incremento da produtividade e aumento do bem-estar.

Ora, a verdade é que esta definição nada nos diz se não entendermos o poder de mercado.
Este pode definir-se como a capacidade de manter de forma rentável e durante
determinado período de tempo os preços acima dos níveis concorrenciais e/ou a
capacidade de manter, também de forma rentável, a produção, seja em termos de
quantidade, qualidade ou diversidade do produto ou da inovação abaixo dos níveis
concorrenciais durante um determinado período de tempo.
Deste modo, vamos ter empresas que se vão comportar de forma independente face a
quaisquer questões competitivas, ora praticando preços mais altos, ora produzindo
produtos com menor qualidade do que lhe seria permitido no âmbito da atuação no
mercado concorrencial.

Ora, só em resultado da ausência do poder de mercado é que se garante o estímulo ao


incremento da produtividade da economia, do bem-estar social etc.
Deste modo, o que a concorrência efetiva visa é a ausência deste poder de mercado, pelo
que podemos afirmar que a efetividade da concorrência é fundamento e limite do direito
da concorrência:
 Fundamento do DConcorrência - é por ele protegida, não por uma escolha
arbitrária do legislador, mas por todas as vantagens que já vimos, na medida em
que permite a eliminação de ineficiências resultantes do poder de mercado - e.g:
o facto de o excedente reverter para as empresas e não para o consumidor.
 Limite do DConcorrência - vai ser esta noção que vai permitir perceber a
teleologia das nomas de concorrência e a proporcionalidade das intervenções dos
poderes públicos que, atuando ao abrigo da concorrência, estejam a intervir no
mercado e a impor restrições. Isto, seja no que se refere à concorrência no
mercado, bem como à concorrência pelo mercado (relativa ao acesso). Ou seja, é
através da prossecução da concorrência efetiva que aferimos a razão e a
proporcionalidade da intervenção dos poderes públicos estaduais. Deste modo,
tudo o que extravase o estritamente necessário para alcançar a concorrência
efetiva ultrapassará o limite, sendo assim ilegítimo. Temos então o DConcorrência
a assegurar a liberdade de empresa, mas também a restringir a mesma.

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Caso de limite à intervenção do DConcorrência - os monopólios naturais - falamos


aqui de setores ou situações em que o custo de produção de um bem ou da prestação de
um serviço é minimizado numa situação em que temos apenas uma empresa a produzir
aquele bem ou a oferecer o serviço.

Porque assim é, parece que temos exemplo de um limite à concorrência efetiva, pois
nestes casos aparenta que a estrutura monopolista gera um mal menor face à ineficiência
que resultaria da imposição de um modelo teoricamente melhor - a concorrência efetiva
nesse ramo. Ou seja, nestes casos de monopólio natural, a concorrência efetiva, que
implicaria várias empresas a produzir um mesmo bem ou a prestar determinado serviço,
não seria uma solução ótima, pelo que se limita a intervenção do Direito da Concorrência.

Como é obvio, temos sempre uma dupla dimensão nesta problemática - mas se a
concorrência não permite melhorar a situação existente, como é que salvaguardamos a
eficiência produtiva, evitando simultaneamente os custos associados a uma situação de
monopólio?

Ao invés de optarmos pela intervenção das regras da concorrência, optamos por uma
regulação setorial - regulação de aspetos como a entrada, o exercício da atividade, as
condições de prestação de serviços, a qualidade e quantidade, etc. Com esta
regulamentação setorial temos a criação de um enquadramento regulatório dentro do qual
as empresas monopolistas terão de atuar.

Nota: A ADC é assim muito diferente da ERS, já que nesta última temos regulação e não
concorrência, atuando ex ante.

Poder-se-á dizer que a concorrência é efetiva aquando do atingir os objetivos que visa
atingir. Daqui resulta uma primeira conclusão - o DConcorrência não protege per se os
concorrentes, isto é, não pretende proteger as empresas enquanto tal, mas sim os
benefícios que do modelo resultam para a sociedade - temos então um princípio
organizador dos mercados, que só se justifica quando dele resultarem maiores vantagens
para a sociedade - consumer wellfare.

A ideia é sempre a de evitar as ineficiências que se sabe resultarem do exercício do poder


de mercado.

Naturalmente, embora seja a concorrência o regime regra, é possível o legislador limitar


ou restringir a concorrência, por exemplo em casos de insuficiências de mercado, ou até
condicionar a concorrência ao cumprimento de objetivos de interesse público - setores
vedados à iniciativa privada ou em que são impostas limitações objetivas ao acesso.

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3. Nos termos do n.º 1 do artigo 81.º da CRP, «Incumbe prioritariamente ao Estado no


âmbito económico e social: […] f) Assegurar o funcionamento eficiente dos
mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a
contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição
dominante e outras práticas lesivas do interesse geral». No plano europeu, discute-se,
porém, quais os fundamentos ou valores protegidos pela defesa da concorrência.
Identifique algumas dessas posições.

Existe uma grande contraposição:


1. Autores que entendem que o Direito da Concorrência protege objetivos puramente
económicos - interseção da curva da oferta e procura, ponto ótimo, etc. Ou seja,
ao DConcorrência cabe prosseguir objetivos relativos à eficiência económica;
2. Autores que atribuem a este ramo do Direito um conjunto de objetivos políticos
mais vastos, bem como de valores de ordem social.

Nota: A corrente dominante é a primeira.

Correntes distintas:
A) Posições que consideram que o objetivo do Direito da Concorrência passa
pelo controlo do poder económico

Esta corrente tem muito sucesso em períodos de instabilidade económica e social, de


crise, etc. Vê no aumento da dimensão das empresas, na concentração de riqueza, uma
ameaça ao funcionamento das instituições democráticas.

Os defensores desta corrente argumentam que com o aumento da concentração de riqueza


os gestores das grandes empresas passam a significar por o exercício de poder sobre uma
parte muito significativa dos recursos de um país. Ora, porque falamos de empresas, a
verdade é que as suas estruturas de poder tendem a adotar decisões que são em tudo
desfavoráveis às exigências da sociedade em geral e dos consumidores.

Temos então um problema de dissociação da propriedade e da gestão da empresa, na


medida em que, enquanto anteriormente os sócios de determinada sociedade comercial
assumiam normalmente a gestão da mesma, conjugando-se na mesma pessoa o sócio e o
gerente, isto já não se verifica. Este aparente divórcio entre a propriedade e a gestão pode
levar a que efetivamente seja essa estrutura a beneficiar da atividade económica em causa.

Além do mais, o que se verifica é que, por os administradores não serem simultaneamente
os proprietários, há uma lógica de desresponsabilização, incorrendo os primeiros em
práticas que garantam lucro, sendo recompensados e não punidos por esse facto.

Concluímos então que esta tese sustenta que essa dissociação é o resultado da
concentração económica, pelo que esta realidade deverá ser combatida.

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i. Teses industrialistas

Estas defendem que o que é bom para as grandes empresas é também bom para o país e
para a sociedade, sendo estas criadoras e potenciadoras de maior fomento. Deste modo, a
intervenção do Direito da Concorrência que vise limitar este crescimento será ilegítima.

Temos, no entanto, uma recondução ao controlo do poder económico, por dois motivos
essenciais:
- A concentração do poder económico leva a assimetrias de poder;
- A concentração do poder económico pode ser uma ameaça ao sistema democrático.

No entanto, a verdade é que não é este o fundamento primeiro das normas da


concorrência, na medida em que estas se preocupam com verdadeiros comportamentos
abusivos por parte de empresas, independentemente do seu “tamanho”/ dimensão.

Para além disto, mais dificilmente ainda se pode atribuir ao Direito da Concorrência a
função de correção de assimetrias económica, na medida em que isso implicaria
mecanismos retributivos, cabendo isto ao sistema fiscal.

Ora, o Direito da Concorrência não goza também dos instrumentos apropriados a travar
fenómenos como a criminalidade financeira, fazendo-o por forma mediata, mas não
diretamente.

Impinge-se assim o controlo do exercício do poder de mercado e não do poder económico,


e em determinados casos, da sua aquisição e reforço. Isto porque, note-se que uma
empresa pode ser pequena a nível de dimensão e ser capaz, em determinado mercado, de
subir os seus preços a nível predatório, ou seja, acima do nível concorrencial.

Deste modo, o DConcorrência preocupa-se com o poder de mercado – isto é, com a


posição de gate keeper - e não com o poder económico - isto verifica-se mesmo com as
novas leis que parecem dirigir-se às grandes empresas, sob pena de graves consequências
para a eficiência.

B) Correntes que entendem que o DConcorrência visa salvaguardar a liberdade


de empresa

Aqui, entende-se que o Direito da Concorrência seria a forma de eliminar quaisquer


condicionantes excessivas à liberdade de iniciativa económica privada, impostas pelos
poderes públicos ou privados, sendo então a concorrência o modelo perfeito. O Direito
da Concorrência seria pois um conjunto de normas garantísticas da liberdade de empresa.

Nota: Corrente muito marcada no Tratado de Roma.

Mas a verdade é que não podemos entender que a liberdade de empresa seja fundamento
primeiro do Direito da Concorrência, até porque esta corrente, levada às últimas
consequências, causaria um problema - a eficiência económica seria fim mediato e não
imediato (sendo este a proteção dos concorrentes individualmente considerados).

Mariana Coelho e Lara Oliveira 14


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Ora, como já vimos, ao Direito da Concorrência não interessa necessariamente proteger


os concorrentes enquanto tal, mas o processo competitivo com todas as vantagens que
associamos a essa dimensão instrumental da concorrência, apesar de a liberdade de
empresa e o que ela implica também acabar por ser tutelada.

C) O DConcorrência como ramo do Direito dirigido à redistribuição da riqueza/


efeito corretivo

Nesta corrente impede-se a transferência do bem-estar do consumidor para as empresas,


obrigando-as a comportarem-se como num regime concorrencial perfeito. Ou seja, tal
como a concorrência garante que o excedente do produtor monopolista reverte para o
consumidor, sob a forma de preços mais baixos e produtos mais inovadores, também
deveria contribuir para distribuir a riqueza entre estruturas de diferentes dimensões - o
Direito da Concorrência como entrave ao aumento da concentração em grandes unidades.

Problema: O sistema fiscal é a solução mais eficiente para prosseguir estes objetivos, já
que convocar o Direito da Concorrência vai criar uma dupla distorção - impedir o
crescimento de empresas mais eficientes, levando a que o bolo final que concerne ao
sistema fiscal seja mais reduzido. Deste modo, não podemos ter medo deste crescimento,
já que este vai implicava um crescimento do bolo que irá ser repartido pelo direito fiscal.

Ainda que se prossiga este caminho, a Autoridade da Concorrência não tem a


competência nem a legitimidade para estar a intervir neste domínio, sendo matéria que
cabe ao legislador na determinação de políticas fiscais. Isto porque deve ser o legislador
a efetuar a ponderação de interesses e não uma autoridade em cada caso concreto.

Concluímos então pela desadequação do Direito da Concorrência para efeitos


distributivos e corretivos.

D) O Direito da Concorrência visa a proteção dos consumidores

Este entendimento corresponde a um enfoque mais populista e demagógico, muito


invocado pelas Autoridades da Concorrência como benefício para os consumidores.
No entanto, não devemos perder de vista que a proteção dos consumidores é uma
salvaguarda da proteção do sistema concorrencial.

No DUE, há a garantia da ideia de abertura, ficando o consumidor, de certo modo,


desprotegido. Esta posição entende que o Direito da Concorrência visa promover a
eficiência económica sob a forma de bem-estar do consumidor.

Conclusão: Tem sido mais consensual a ideia do Direito da Concorrência como ramo
vedado à promoção da eficiência económica, falando-se, como sinónimo, em promoção
do bem-estar do consumidor. Esta é a doutrina dominante porque acaba por dar resposta
aos vários enfoques das outras posições.

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A promoção da eficiência deve ser perspetivada em 2 linhas:


 Eficiência estática/produtiva - produção dos bens ao mais baixo custo, devendo
as empresas otimizar os seus processos de produção, estando as empresas
ineficientes, ou seja, que não conseguem competir com estas condições, obrigadas
a sair do mercado. Temos ainda uma ideia de eficiência na afetação dos recursos,
surgindo a ideia de concorrência de preços, na medida em que os consumidores
devem poder encontrar no mercado bens ou serviços ao mais baixo preço possível,
estando em jogo fatores de qualidade do produto, benefício para o meio ambiente.
 Eficiência dinâmica - cenários circunscritos em que os produtos não são
comercializados aos mais baixos preços, mas em que isso se justifica numa ótica
de produtividade em termos dinâmicos.
E.g: Patentes, que garantem aos titulares exclusividade produtiva. Ora, a patente permite
que, na medida em que temos apenas uma empresa como titular, essa empresa vá
conseguir impor um preço superior àquele que resultaria de uma lógica de mercado
concorrencial. A verdade é que, ainda que disto resulte uma óbvia ineficiência estática,
se vai providenciar às mais diversas empresas de determinado mercado o incentivo
necessário para que estas invistam em novas tecnologias, processos mais avançados e
eficientes e melhores produtos.

Conclusões:
 Art. 101.º, nº3 TFUE e art. 10.º LdC - O OJ nacional e europeu reservam um papel
à concorrência efetiva, que vai dirigir a uma afetação eficiente dos recursos mas
também a uma maior eficiência dinâmica em termos de inovação.
 Isto não significa que as outras posições não tenham em determinados momentos
palco no Direito da Concorrência – art. 101.º, nº3 TFUE.
 Em casos pontuais, determinadas práticas, quando prosseguem um objetivo
legítimo, são justificadas

Ainda que seja este a tese dominante, ganham força movimentos reconduzíveis a ideia de
hipster anti trust - correntes que entendem que o Direito da Concorrência não fez o seu
papel, sendo necessário, pelo consumer wellfare, chamar a este ramo outros valores.

4. Apesar da sua forte inspiração no Direito antitrust dos EUA, a política europeia da
concorrência apresenta especificidades relacionadas, sobretudo, com o desiderato da
realização do mercado interno. Explique.

As normas de Direito da Concorrência da UE estão claramente associadas a uma ideia de


instrumentalização. Por isso mesmo, a ideia é sempre a de garantir o bom funcionamento
do mercado interno - política em matéria de concorrência reivindicada pelo Tratado de
Roma. Ou seja, a ideia é sempre a de evitar que as empresas dos EM, em razão dos seus
comportamentos, reergam barreiras que a instituição do mercado interno visou eliminar.

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Apesar de algumas vozes terem já defendido uma tutela da concorrência per si numa
perspetiva mais liberal, a verdade é que esta relação entre mercado e concorrência é ainda
hoje muito marcada.

Ora, nos EUA, a ideia foi a seguinte - o Direito da Concorrência nasceu como uma reação
a um movimento e concentração e integração do tecido empresarial, pretendendo-se
contrariar esta tendência que estava a sufocar as pequenas e médias empresas.
Já no DUE, o objetivo foi o oposto - pretende-se garantir a integração económica, que
estava a dar os primeiros passos, tendo enfoques os acordos e práticas concertadas.
Nos EUA, o Direito da Concorrência surge logo em 1914 e na UE só em 1989.

Especificidades do DUE face ao DEUA, resultantes da supramencionada relação


instrumental:
i. Existe no DUE uma hostilidade manifesta para com as restrições verticais, ou
seja, aquelas que envolvem operadores de diferentes níveis da cadeia de
produção, porque se entende que estas são suscetíveis de reerguer as barreiras
que o mercado interno lutou por eliminar, na medida em que criam uma
segmentação de mercados.
ii. Ao contrário do Direito dos EUA, consegue o DUE chegar à promoção de um
grupo de valores políticos e sociais, até pelo próprio modo de funcionamento
da Comissão Europeia.

2. A EMPRESA E O MERCADO NO DIREITO DA CONCORRÊNCIA


No Direito da Concorrência está sempre em causa a atuação de uma ou mais empresas
em determinado mercado: um conluio, um abuso de domínio, um nível excessivo de
concentração empresarial que prejudicam ou ameaçam prejudicar os outros concorrentes
e os consumidores – ou seja, o funcionamento, de forma livre e regular, do mercado em
questão em função do comportamento das empresas que nele atuam.

Assim, o primeiro passo deve ser o de compreender o sentido técnico-jurídico com que
os conceitos de empresa e mercado devem ser encarados neste ramo.

Conceito de empresa

Nos termos do art. 3.º, nº1 LdC, proveniente da jurisprudência do TJUE, “considera-se
empresa, para efeitos da presente lei, qualquer entidade que exerça uma atividade
económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento.”

Isto abrange, nomeadamente entidades coletivas ou singulares (ex: advogados ou


praticantes desportivos), entidades privadas e públicas, entidades de natureza comercial
ou não comercial e sociedades, cooperativas, associações ou ordens profissionais, etc.

Este conceito no Direito da Concorrência deve ser o mais amplo possível, para abranger
quaisquer formas autónomas de produção ou distribuição de bens ou serviços.

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Conceito de mercado

Ora, como bem sabemos, o Direito da Concorrência está sempre limitado a um mercado,
pelo que a sua correta delimitação é absolutamente essencial para aferir em que medida
as regras da concorrência nacionais ou comunitárias se aplicam ou não a certo facto.

A razão é muito simples de entender: apenas se colocam questões de concorrência se as


empresas em questão se situarem no mesmo mercado, ou em mercados que de alguma
forma se encontrem conectados. Assim, enquanto não delimitarmos os mercados
envolvidos, obviamente não podemos saber se as empresas que oferecem os bens ou
serviços em questão estão a prejudicar a concorrência nesses mesmos mercados – quer
entre si, quer relativamente a terceiros.

Posto isto, o conceito de mercado é circunscrito tendo em conta vários parâmetros:


− Produto em questão: saber se dois ou mais produtos oferecidos por empresas diferentes
são idênticos ou se, mesmo não sendo, concorrem de alguma forma entre si;
− Dimensão geográfica: saber se o comportamento de uma empresa pode afetar outra que,
apesar de oferecer produtos concorrentes, o faz num local geograficamente distante;
− Dimensão temporal: saber durante quanto tempo essas empresas conseguem oferecer
esses produtos nesse espaço, de forma rentável (não muito relevante).

Só depois de definir estes três parâmetros podemos constatar se dada empresa tem ou não
poder de mercado e até onde se estende esse poder, quer em termos geográficos, quer ao
nível de se situar num segmento de procura que se sobreponha (no todo ou em parte) ao
dos outros produtos oferecidos.

Quanto menor for este poder de mercado, menos relevante é o comportamento da empresa
para efeitos de aplicação das regras de concorrência. Isto significa que quando esse poder
não existe estas regras não se aplicam à empresa em questão, porque ela não representa
uma ameaça às outras concorrentes.

Ficha de trabalho nº5, exercício 1

1. O porto de Génova é administrado por uma entidade pública A, à qual incumbem,


por lei, competências tanto de natureza administrativa como económica respeitantes
à administração do porto. Por decisão de 1991, o Presidente de A criou um serviço
obrigatório de vigilância e intervenção imediata, em casos de poluição na sequência
de derrames de hidrocarbonetos, tendo confiado esse serviço, em regime de concessão
exclusiva, à empresa B, e, bem assim, aprovado uma segunda decisão, na qual
determinou as tabelas de preços a aplicar aos navios que utilizem o porto para carga e
descarga de produtos petrolíferos e petroquímicos. Nos anos de 1992 a 1994, a
sociedade Diego Calì utilizou, por várias vezes, o porto para descarga de acetona,
tendo sido notificada, por B, para proceder ao pagamento de uma quantia em dinheiro.
A Diego Calì entende que B abusou de uma posição dominante numa parte substancial
do mercado comum. À luz do conceito de empresa, afira se a referida atividade de B
se insere no âmbito de aplicação do artigo 102.º do TFUE.
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, processo C-343/95, Calì & Figli

Mariana Coelho e Lara Oliveira 18


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A- Entidade pública------------- B-Titular direitos exclusivos: Vigilância antipoluição

Esta questão obriga à densificação do conceito de empresa, que é a noção que permite
balizar o alcance subjetivo das normas de Direito da Concorrência. Ora, o conceito de
empresa no Direito da Concorrência é um conceito funcional, pelo que vamos densificá-
lo por apelo à atividade que é desenvolvida.

Deste modo, este conceito abrangerá, em particular, qualquer entidade que desenvolva
uma atividade económica no mercado, independentemente do seu modo jurídico e do seu
modo de financiamento - daí a noção de conceito funcional.

Precisamente por este conceito ser funcional, temos de diferenciar o que constitui uma
atividade económica do que não constitui - no caso concreto em apreço, as atividades são
desenvolvidas por B, entidade privada, sendo essas exercidas com base numa concessão,
na base de um regime de exclusividade de que beneficia B.

Ora, o facto de estarmos perante uma concessão releva já que implica que determinemos
qual o tratamento a dar a entidades publicas no que se refere à aplicação de normas de
concorrência.
Neste sentido, teremos sempre que distinguir entre:
 Casos em que Estado atua sob ius imperium (prerrogativa de autoridade);
 Casos em que o Estado exerce atividades económicas de prestação de bens e
serviços.

Isto porque não releva necessariamente se o Estado atua diretamente na economia, através
do organismo da administração pública, ou se atua através de uma entidade como B, que
corresponde de certo modo a uma longa manus do Estado. O que releva é aferir a natureza
da atividade exercida pelo Estado, independentemente do modo como esta seja exercida.

No nosso caso temos uma entidade à qual cabe efetuar vigilância antipoluição, ficando
legitimada a aplicar taxas a outras entidades que pratiquem condutas consubstanciadoras
de comportamentos de poluição. Este tipo de atividade, pela sua natureza/objeto/regime,
parece constituir uma atividade ligada às tarefas do Estado, pelo que não corresponderá a
uma atividade económica para preenchimento do conceito de empresa - isto porque,
estando ligada ao exercício de prerrogativas reconhecidas ao Estado para efeitos de
proteção do meio ambiente, não poderá consubstanciar a noção necessária para aplicação
de normas de Direito da Concorrência.

Este acórdão é relevante na medida em que explicita a delimitação negativa do conceito


de atividade económica - quando o Estado atua no exercício de poderes de autoridade
publica, ou quando as entidades publicas atuam na qualidade de autoridades publicas.

Por conseguinte, não temos uma atividade económica, pelo que não estamos perante uma
empresa, e não se aplicarão normas de Direito da Concorrência, já que estas apenas se
aplicam a empresas.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 19


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Analisamos, até aqui, o 1º pressuposto de aplicação de normas de Direito da Concorrência


- sujeito que reclame a aplicação de normas de Direito da Concorrência.

Mas podemos ter autoridades supramencionadas em relação às quais tenham sido


introduzidos elementos de mercado. Falamos aqui de atividades que têm vindo a ser
consideradas, sem prejuízo de necessidade de uma análise concreta, como estando ligadas
a prerrogativas de poder público - e.g: forças armadas e polícia, segurança e controlo da
navegação aérea, controlo e segurança do tráfego marítimo, estabelecimentos prisionais,
desenvolvimento e revitalização de terrenos públicos e recolha e tratamento de dados para
fins públicos.

Ora, se temos uma entidade pública ou uma entidade com direitos exclusivos (caso de B)
a exercer uma atividade que se desliga das prerrogativas de poder público, aplicamos
assim as normas da concorrência.

Ou seja, o tipo de entidade em causa dependerá da atividade exercida - conceito funcional.

Deste modo, concluímos que podemos ter uma mesma entidade que seja considerada
empresa quando exerça determinada atividade, mas que, no exercício de uma outra
atividade distinta, já não o seja.

2.1. DIMENSÕES DO CONCEITO DE MERCADO RELEVANTE


No que concerne o conceito de mercado relevante, é ainda importante distinguir as
dimensões de mercado que podem ser consideradas.

Como vimos acima, o conceito de mercado é circunscrito tendo em conta vários


parâmetros:
− Produto em questão: saber se dois ou mais produtos oferecidos por empresas diferentes
são idênticos ou se, mesmo não sendo, concorrem de alguma forma entre si;
− Dimensão geográfica: saber se o comportamento de uma empresa pode afetar outra que,
apesar de oferecer produtos concorrentes, o faz num local geograficamente distante;
− Dimensão temporal: saber durante quanto tempo essas empresas conseguem oferecer
esses produtos nesse espaço, de forma rentável (não muito relevante neste âmbito).

Só depois de definidos três parâmetros podemos constatar se dada empresa tem ou não
poder de mercado e até onde se estende esse poder.

Ora, surgem, então, neste âmbito, os conceitos de:


- Mercado de produto: Na delimitação desta faceta do mercado, temos de olhar desde
logo para a substituibilidade dos produtos oferecidos, pois é esta a principal característica
que gera pressão concorrencial sobre as concorrentes e, nessa medida, condiciona o seu
poder de mercado.

Apesar de tendermos a identificar este conceito sobretudo com as escolhas dos


consumidores, ele decorre de pressões do lado da procura e do lado da oferta.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 20


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Além de atendermos à substituibilidade do lado da procura e da oferta, atendemos ainda


aos potenciais concorrentes: embora a concorrência potencial não seja normalmente
considerada nesta fase preliminar, este conceito atende às empresas que estão fora do
mercado em dado momento, mas que a qualquer altura podem estar interessadas em
entrar, nomeadamente em função de uma eventual alteração das condições.
Nota: Como bem se percebe, a grande dificuldade desta abordagem é calcular o impacto
destes potenciais concorrentes num determinado mercado – até porque, de momento, eles
ainda estão de fora e podem nunca vir a entrar, mesmo com uma alteração de condições.

Mercado geográfico: Nos termos do par. 8 da Comunicação da Comissão sobre o


Conceito de Mercado Relevante, «o mercado geográfico relevante compreende a área
em que as empresas em causa fornecem produtos ou serviços, em que as condições da
concorrência são suficientemente homogéneas e que podem distinguir-se de áreas
geográficas vizinhas devido ao facto, em especial, de as condições da concorrência serem
consideravelmente diferentes nessas áreas.»

Ficha de trabalho nº5, exercício 4

III. No mercado global das bananas, os principais players são um conjunto de grandes
empresas norte-americanas, a saber a United Brands Company (UBC), a Castle and
Cook Company e a Del Monte Company of California. A UBC detém um conjunto
muito vasto de subsidiárias em todos os pontos do globo, incluindo em Roterdão. Em
1976, a Comissão descobriu que a UBC teria:
i) obrigado os seus distribuidores-amadurecedores estabelecidos na Alemanha,
Dinamarca, Irlanda, Países Baixos e União Económica Belgo-Luxemburguesa a não
vender as bananas verdes da UBC;
ii) aplicado, nas suas vendas de bananas Chiquita, em relação aos seus parceiros
comerciais (os distribuidores-amadurecedores), preços diferentes para prestações
equivalentes, sem razão objetiva;
iii) aplicado, nas suas vendas de bananas Chiquita, aos seus clientes estabelecidos na
Alemanha, na Dinamarca e nos Países Baixos, preços de venda não equitativos;
iv) cessado, entre 10 de outubro de 1973 e 11 de fevereiro de 1975, os seus
fornecimentos de bananas Chiquita à sociedade Th. Olesen A/S, de Valby, Copenhaga,
Dinamarca, na sequência da participação desta, numa campanha publicitária de uma
marca de bananas concorrente.
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, processo 27/76, United Brands

4. De acordo com a UBC, as bananas integram, com outros frutos (como as maçãs, as
laranjas ou os morangos), um mesmo mercado do produto relevante – o mercado dos
frutos frescos -, motivo por que a delimitação feita pela Comissão (o mercado das
bananas de todas as variedades) se afigura errada.
4.1. Além do mercado do produto, que outra(s) dimensão(ões) deverão ser
considerada(s), para efeitos da delimitação do mercado relevante?

Mariana Coelho e Lara Oliveira 21


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Esta questão remete-nos para o conceito de mercado relevante - isto porque, sempre que
somos chamados a aplicar as normas de DConcorrência, temos de delimitar os mercados
relevantes para determinar quais os condicionalismos e pressões que as empresas tenham
de enfrentar - a substituibilidade da procura e da oferta, conceitos de EPI E EPII.

Ou seja, em 1ª linha, têm as Autoridades da Concorrência e os tribunais de aferir a posição


de determinada empresa no mercado relevante, de modo a melhor balizar as pressões
concorrenciais e competitivas - por isso, temos desde logo de considerar a possibilidade
de substituibilidade da procura (substituibilidade dos produtos ou serviços oferecidos por
outros) e da oferta (perceber se os concorrentes da empresa estão preparados e têm os
incentivos para aumentarem a sua produção).

Releva ainda a realidade da concorrência potencial, na medida em que esta corresponde


a um outro tipo de pressões a que as empresas possam estar sujeitas. Esta pressupõe que
conheçamos as pressões a que a empresa está sujeita, pelo que esta questão não está
propriamente inserida no âmbito de delimitação de mercado relevante que nos cabe.

Deste modo, a resposta ao exercício do poder de mercado depende da existência de


pressupostos suficientemente próprios, pelo que afirmamos ter 2 níveis de delimitação:
i. Mercado de produto (plano material): deve ser determinado tendo em
atenção as características dos produtos em causa, em virtude das quais
estes produtos são especialmente substituíveis por outros que integram o
mesmo mercado e, ainda, em virtude das quais estão particularmente aptos
a satisfazer as necessidades constantes dos consumidores;
ii. Mercado geográfico (plano espacial): falamos aqui da zona geográfica
definida, na qual o produto é comercializado e na qual as condições são
suficientemente homogéneas para poder aferir do exercício de poder pela
empresa em causa.

Poderá ainda ser relevante autonomizar uma terceira dimensão: a temporal. Nesta
fazemos referência, por exemplo, a produtos sazonais, como é caso comum dos produtos
agrícolas, ou a atividades que tenham picos em determinadas épocas do ano, como
acontece classicamente com o turismo- ou seja, aqui as alterações sazonais são relevantes.
Note-se ainda que esta terceira dimensão pode relevar na aferição de estabilidade do poder
de mercado, importando, assim, na matéria das operações de concentração de mercado.

Há então um relevo indiciativo atribuído às quotas de mercado, sendo esse relevo


compensado por outras realidades- e.g: o fator temporal pode auxiliar a determinação da
estabilidade das quotas de determinada empresa.

Mas, tinha ou não a UBC uma posição dominante? A verdade é que, para poder
responder a esta questão, será imprescindível que se determine qual o mercado relevante,
pelo que tiveram de ser analisadas as características especificas do produto em causa e as
características da zona geográfica.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 22


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i. Mercado produto - as bananas parecem ser um mercado suficientemente


homogéneo e distinto face ao dos frutos frescos. A sazonalidade releva, na
medida em que a banana tem oferta todo o ano, pelo que será apenas
comparável com frutas semelhantes. Para além disso, este é um fruto mole,
sem caroços, tendo características especificas para apelar a determinado
publico alvo - crianças e idosos. Deste modo, não obstante as alegações das
empresas (de que os consumidores encontram todas as frutas num mesmo sítio
a preços semelhantes, satisfazendo todas as frutas os mesmos interesses), a
Comissão e o TJUE entenderam que havia uma procura distinta nas bananas,
pelo que temos autonomização de um mercado relevante do produto.
ii. Mercado geográfico- a CE entendeu que este era constituído pelo território de
diversos EM (na altura ainda não existia um nível de integração como a atual).

3. ACORDOS HORIZONTAIS
Os acordos horizontais traduzem-se naquilo que, normalmente, designamos por cartel.

É normal que um produtor queira conferir ao seu distribuidor (acordo vertical) um direito
exclusivo para determinada região, porque é mais fácil controlar um distribuidor do que
10 – É uma restrição aceitável, que promove a economia e promove um aumento dos
ganhos de quase todos os participantes no processo de produção e distribuição.

No entanto, não é disto que um acordo horizontal se trata.

Os acordos horizontais são acordos entre empresas concorrentes e tendem a ser nocivos
para a concorrência, já que ficamos perante monopólios: em vez de concorrerem um com
o outro, podem impor as suas condições no seu mercado, restringindo a concorrência sem
que haja qualquer benefício associado a não ser para os próprios produtores.

À primeira vista pode parecer estranho proibir empresas de celebrar acordos (ou pelo
menos certo tipo de acordos), sendo certo que numa economia de mercado a regra é a de
as empresas poderem contratar livremente umas com as outras, da forma que melhor
satisfaça o interesse e a estratégia do empresário. No entanto, regular acordos é uma
necessidade de qualquer ordenamento jurídico. Assim, esta limitação significa, desde
logo, a compressão de dois princípios estruturantes no nosso ordenamento jurídico, um
deles até com projeção constitucional:

i. Liberdade de empresa (art. 61º CRP), que inclui a liberdade de exploração – do “se”
e do “como” dessa exploração.

No entanto, esta norma explica que “a iniciativa económica privada se exerce livremente
nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.”

Mariana Coelho e Lara Oliveira 23


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A própria CRP impõe ao Estado que contrarie a criação de monopólios e promova a


liberdade de concorrência, pelo que se pode limitar a liberdade de empresa para efetivar
a concorrência e para que os direitos dos consumidores finais não sejam esmagados pelas
condutas das empresas. Ou seja, por muito que se trate de um princípio estruturante do
nosso ordenamento jurídico económico, ele tem de compatibilizar-se com outros
princípios da mesma hierarquia para garantir que:
- Os mercados funcionam corretamente, havendo produção suficiente a preços razoáveis;
- Mesmo as empresas de menor dimensão têm acesso ao mercado;
- Os direitos dos consumidores não são preteridos.

ii. Liberdade contratual (art. 405º CC), que inclui o direito de contratar quando, com
quem e com o conteúdo que se quiser – mas sempre “dentro dos limites da lei”.

É, portanto, natural que as empresas (públicas ou privadas) estejam proibidas de contratar


umas com as outras se o conteúdo desses acordos puser em causa os mercados e a
economia. Qualquer sujeito, singular ou coletivo, é livre de contratar com quem e quando
quiser, desde que isso não contrarie princípios de ordem pública.

Tendo isto em conta, e não obstante os acordos entre empresas serem em geral
absolutamente imprescindíveis ao funcionamento regular da atividade económica, desde
há muito se percebeu que eles podem servir para impedir que o mercado funcione
normalmente e para prejudicar concorrentes e consumidores.

Há um risco de não se conseguir produzir a um preço competitivo, ser tão bom como as
outras empresas no mesmo mercado. A concorrência potencial é um risco de todas as
empresas. Ora, como nos precavemos? Combinando com os meus rivais que o preço não
vai descer abaixo de determinado valor, que nenhum de nós vai fazer grandes
investimentos a nível da produção e inovação do produto e nesta medida, todos nós temos
o risco coberto, deixamos de ter razões para recear que os nossos rivais se aproveitem da
nossa fraqueza e nos roubem clientela.

A cartelização quer se sobrepor aos riscos normais de mercado e fazendo estes acordos
de estagnação das condições de oferta vão desobrigar-se de ser melhores e prejudicar a
oferta. Assim, estes acordos acontecem quando as empresas tentam eliminar o risco de
mercado que elas próprias aceitaram correr quando se estabeleceram, ou seja, o risco de
não conseguirem gerar receitas suficientes para cobrir os custos de produção, e dessa
forma proporcionar ao empresário uma remuneração atrativa. Isto pode acontecer por
muitas razões, entre as quais a de existirem outras empresas concorrentes que, por
exemplo, vendem mais barato, são mais eficientes nos seus processos de distribuição,
vendem um produto de qualidade superior, ou vendem um produto inovador.

Para se furtarem a este risco, ou para impedirem a entrada de novos concorrentes no


mesmo mercado (o que significa partilhar os mesmos lucros por mais operadores),
algumas empresas cedem muitas vezes à tentação de concertar estratégias de mercado
que por regra as beneficiam apenas a elas, com prejuízo de todos os outros operadores:

Mariana Coelho e Lara Oliveira 24


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

a) Outros concorrentes não-partes no acordo, que podem ver-se excluídos desse mercado
seja porque não conseguem entrar ou porque, já lá estando, não conseguem manter a
rentabilidade devido ao “bloqueio” provocado pelo cartel;
b) Os consumidores, que podem pagar mais pelo mesmo produto ou satisfazer-se com
produtos de pior qualidade;
c) O Estado, que vê comprometidos alguns principais objetivos de política económica
(crescimento, redistribuição) e poderá ver diminuir, a prazo, a receita fiscal e o emprego.

Por isso mesmo é necessário traçar critérios para distinguir os bons acordos, que fazem
mexer a economia, dos maus acordos que a fazem estagnar.

Assim, um acordo apenas deve ser sancionado quando:


(i) A restrição (no limite, a eliminação) da concorrência for uma consequência inerente
ao seu objeto, ou quando
(ii) Não sendo uma consequência inevitável, seja um efeito expectável da sua
concretização.

É isto que os arts. 101.º TFUE e 9.º LdC querem dizer ao referir acordos que “tenham por
objetivo/objeto” ou “tenham como efeito” “impedir, falsear ou restringir a concorrência
no respetivo mercado”.

A este propósito, importa distinguir os acordos por objeto dos acordos por efeito.

Os acordos por objeto são, por vezes, referidos como acordos hardcore: são sempre
proibidos, independentemente dos efeitos concretos que se demostre virem a produzir.
Estes acordos caracterizam-se por ter um objeto tão manifestamente anti concorrencial,
que a autoridade que está a investigar não tem de demonstrar os efeitos nocivos que este
produziu (ex.: diminuição da oferta; estagnação da qualidade; subpreço).

Por isso mesmo, muito dificilmente podem ser justificados de um ponto de vista
económico.

Ressalvadas as devidas distâncias podem ser comparados com a categoria penal dos
crimes de perigo, em que a conduta é relevante independentemente do dano – v.g., a
condução sob efeito de álcool.

Esta presunção de nocividade já não existe relativamente aos demais acordos, que são por
isso proibidos “por efeito”.

Contrariamente ao que acontece relativamente aos acordos por objeto, nos acordos por
efeito torna-se necessário demonstrar a existência de efeitos negativos sobre a
concorrência para que o acordo seja sancionado.

Isto quer dizer que em qualquer processo que envolva um acordo de empresas é
absolutamente fulcral começar por estabelecer se se trata ou não de um acordo proibido
“pelo objeto”, para efeitos de repartição do ónus da prova.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 25


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nas restrições por efeito, ao contrário das restrições por objeto, é necessário convencer o
tribunal (ou a autoridade administrativa competente) de que o acordo em questão
restringe, ou irá presumivelmente restringir, a concorrência.

Esta diferença de tratamento justifica-se porque o conteúdo destes acordos não é


necessariamente tão nocivo como o dos acordos hardcore, podendo os seus efeitos
positivos compensar os negativos. Por isso não são proibidos “sem mais”, havendo um
trabalho adicional a realizar por parte de quem queira demonstrar o seu caráter prejudicial.

Ficha de trabalho nº5, exercício 2

2. O cloreto de colina pertence ao grupo das vitaminas hidrossolúveis complexo-B


(vitamina B4) e é especialmente utilizado na indústria de alimentos para animais,
principalmente aves de capoeira e suínos, como um aditivo alimentar tradicional
destinado a estimular o crescimento, reduzir a taxa de mortalidade, aumentar a eficácia
alimentar, aumentar a produção de ovos e melhorar a qualidade da carne. Entre março
de 1994 e outubro de 1998, várias empresas europeias produtoras da referida
substância participaram em reuniões, durante as quais acordaram a afetação de clientes
individuais a cada uma das participantes.

2.1. As referidas empresas, entre as quais quatro filiais detidas a 100% pela Akzo
Nobel NV, viriam a ser sancionadas pela Comissão Europeia. Enquadre,
normativamente, o respetivo comportamento.

Akzo S1 + S2+ S3+ S4


Nobel

Neste caso estamos perante empresas europeias. Ora, como já vimos, é adotado um
conceito funcional de empresa, sendo estas entidades às quais se aplicam as regras de
concorrência - neste caso falamos mais em normas do TFUE, e não propriamente do
Direito da Concorrência nacional.
Ora, temos estas empresas a adotar determinado comportamento? Qual? Como o
classificamos por referência ao TFUE?

Começamos por perceber que, se temos várias empresas produtoras, temos empresas que
atuam no mesmo mercado, pelo que temos uma restrição coletiva, horizontal (art. 101º,
al. c)) - estamos então perante acordos e práticas concertadas.

Nota: A jurisprudência é muito flexível quanto à distinção entre as duas figuras - art. 101.º
TFUE (base normativa).

Esta é ainda uma restrição por objeto, em que se presume a danosidade da conduta,
estando dispensada a Autoridade da Concorrência de provar os seus efeitos danosos.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 26


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Neste sentido, devemos ter presente a já referida distinção:


 Restrições por objeto - a Autoridade da Concorrência não terá de provar a
danosidade de determinada conduta, na medida em que esta está sempre
presumida. Estas, nos termos da jurisprudência do TJUE, revestem uma potencial
danosidade intrínseca tão elevada que a ADC não terá de provar a verificação
efetiva dos efeitos no mercado;
 Infrações por efeito- aqui já terá de existir a prova dos efeitos de determinada
conduta, e uma justificação da sua danosidade.

Nota: Neste caso estavam em causa trocas de informação sensível, que permitem às
empresas chegar a um acordo comum mesmo sem acordo explícito.

Conclusão: Estamos perante um acordo restritivo da concorrência por objeto/objetivo.

2.2. Apesar de a sociedade-mãe Akzo Nobel NV não ter participado individualmente


no cartel, foi considerada solidariamente responsável com as sociedades suas filiais, à
luz da ausência de autonomia comercial daquelas. Em resultado, e na determinação do
montante da coima, a Comissão baseou-se na quota de mercado e no volume de
negócios da Akzo Nobel como grupo. Perante o Tribunal de Primeira Instância, a
Akzo e as suas filiais alegaram que a Akzo Nobel NV fora injustificadamente
considerada responsável pelas infrações das suas filiais, tendo a Comissão procedido
a uma errada interpretação e aplicação do conceito de empresa, para efeitos do artigo
101.º, n.º 1 do TFUE e do artigo 23.º, n.º 2 do Regulamento n.º 1/20031.
(1): «2. A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de
empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência: a) Cometam uma infração ao
disposto nos artigos 81.º ou 82.º do Tratado; ou b) Não respeitem uma decisão tomada nos
termos do artigo 8.º que ordene medidas provisórias; ou c) Não respeitem um compromisso
tornado obrigatório por decisão tomada nos termos do artigo 9.º. A coima aplicada a cada
uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infração não deve
exceder 10 % do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.
Quando a infração cometida por uma associação se referir às atividades dos seus membros,
a coima não deve exceder 10 % da soma do volume de negócios total de cada membro ativo
no mercado cujas atividades forem afetadas pela infração da associação».

Ao oposto do que aprendemos em Direito Penal, o limite das coimas no Direito da


Concorrência varia consoante os negócios, fazendo-se assim repercutir no valor das
mesmas a dimensão da empresa.

O que temos no nosso caso é a empresa Axel, que argumenta que as práticas restritivas
apenas foram praticadas pelas suas filiais, só tendo estas participado na infração.

Ora, também no Direito da Concorrência já na se aplica a ideia de “um comportamento


aplicável a uma pessoa coletiva”, isto porque aqui o conceito de empresa é funcional.
Deste modo, não falamos em “pessoa coletiva”, mas sim em empresa no sentido de uma

Mariana Coelho e Lara Oliveira 27


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entidade económica, independente, e, de do ponto de vista jurídico, que poderá ser


constituída por várias pessoas jurídicas - ideia de unidade económica.

Ou seja, o conceito de empresa supramencionado (qualquer entidade que exerça uma


atividade económica no mercado) designa uma unidade económica, isto é, um conjunto/
organização unitária de bens e elementos pessoais, materiais e incorpóreos que prossegue,
de forma duradoura, um objetivo económico determinado.

Desta conceção de unidade económica resulta que o comportamento das filiais poderá:
 Não ser imputado à empresa-mãe;
 Ser imputado à empresa-mãe, designadamente quando, apesar de essas filiais
serem pessoas jurídicas diferentes, estas não determinarem o seu comportamento
no mercado - ou seja, quando se verificar a existência de influência dominante da
respetiva sociedade-mãe.

Ora, nestes casos, por isso mesmo e em razão da circunstância de serem apenas uma
empresa, a Comissão pode decidir dirigir a decisão à sociedade-mãe, garantindo assim
uma maior segurança na aplicação da coima, porque será mais seguro “cobrar” a empresa-
mãe (não há neste domínio um princípio da personalidade da culpa - daí termos a noção
de empresa enquanto conceito unitário).

Para aferir se a sociedade-mãe e as suas filiais integram a mesma unidade económica,


temos de encontrar laços de interdependência que nos permitam falar de uma unidade
económica.

Nota: Art. 3.º, nº2 LdC - noção de unidade económica, cujo elenco legal não é taxativo.

2.2.1. Poderia ter sido imputado à sociedade-mãe o comportamento das respetivas filiais?
Em que circunstâncias?

Neste caso concreto estão em causa subsidiárias integrais, na medida em que o seu capital
é detido a 100 porcento pela empresa mãe.

Temos então uma necessidade, resultante da jurisprudência do TJUE, de distinguir duas


situações:
 Subsidiárias integrais: casos em que a sociedade mãe detém 100% ou próximo
disso do capital social da sociedade filha. Nestes casos, o TJUE presume a
possibilidade de um exercício efetivo de influência dominante. Deste modo, a
Comissão Europeia apenas tem de fazer a prova dessa participação, bastando essa
prova para a presunção supramencionada - considerando que integram uma
mesma empresa, responderá a sociedade mãe solidariamente.
Note-se, no entanto, que esta é uma presunção relativa, podendo a sociedade-mãe
demonstrar que as subsidiárias se comportam de forma autónoma e independente,
ainda que isto seja nestes casos difícil de provar.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 28


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 Participação menor: nestes casos, a CE terá que ter em conta a totalidade de


elementos económicos, jurídicos e organizativos, atendendo ao modo de
funcionamento da filial para determinar se esta goza ou não de autonomia no seu
comportamento no mercado, ou se se limita a executar decisões da sociedade
mãe. A Comissão vai verificar, por exemplo, se há determinação da politica de
preços por parte da sociedade-mãe, se esta influi na estratégia de marketing, se
estipula objetivos de vendas (margens brutas), como se faz a contabilidade, etc.

Nota: Isto é jurisprudência do TJUE aplicável a casos em que se aplica o TFUE.

Estando no caso em causa a Lei da Concorrência, a solução é mais simples, na medida


em que aplicamos o art. 3.º, nº2 LDC: “Considera-se como uma única empresa, para
efeitos da presente lei, o conjunto de entidades que, embora juridicamente distintas,
constituem uma unidade económica ou mantêm entre si laços de interdependência
decorrentes, nomeadamente: a) De uma participação maioritária no capital; b) Da
detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais;
c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração
ou de fiscalização; d) Do poder de gerir os respetivos negócios”.

Nota: A ADC tem sempre o cuidado de tentar consubstanciar os requisitos organizativos,


económicos e jurídicos, tendo em conta a fundamentação da sua decisão.

Note-se que, até aqui, a possibilidade de imputação de comportamentos assentava numa


ótica de controlo, sendo a tónica hoje colocada na perspetiva de unidade económica.

Acórdão Sumal

Com este acórdão, aquilo que era uma realidade clara, assente numa ideia de controlo,
em sede de Private Enforcement, ou seja, de indemnizações que venham a ser exigidas (e
não de coimas que venham a ser aplicadas por violação de comportamentos), torna-se
numa realidade bastante mais complexa. O acórdão supramencionado vem dizer que os
lesados podem, perante determinados comportamentos da sociedade mãe, acionar uma
sua filial, à luz do conceito de unidade económica - não releva a ideia de controlo, mas
sim de unidade. Isto deixa muitas questões em aberto.

No entanto, este é um entendimento amplamente discutido, não sendo ainda hoje um


entendimento certo e consolidado.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 29


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Ficha de trabalho nº5, exercício 4.2.

4.2. Através da Decisão 98/273/CE, foi a sociedade Volkswagen AG (juntamente com


as suas filiais Audi AG e Autogerma SpA), sancionada por ter concluído com os
concessionários italianos da sua rede de distribuição, acordos com o objetivo de
proibir ou de limitar todas as vendas a consumidores finais originários de outros
Estados-membros, quer pessoalmente presentes, quer representados por
intermediário mandatado, bem como a outros concessionários da rede de um outro
Estado-membro. Em sede de recurso perante o Tribunal de Primeira Instância, a
Volkswagen argumenta que a Comissão errou, ao não proceder a uma delimitação do
mercado relevante, pedindo ao Tribunal que se digne anular a referida Decisão. No
seu acórdão, no processo T-62/98, o Tribunal julgou o fundamento improcedente,
alegando que «Para determinar o alcance da obrigação da Comissão de definir o
mercado pertinente antes de declarar uma infração às regras comunitárias da
concorrência, importa recordar que a delimitação do mercado não tem a mesma
função consoante se trate de aplicar o artigo 85.° [101.º] do Tratado ou o artigo 86.°
[102.º] do Tratado CE» (cf. §230 com realce nosso). Explique a afirmação do TJ.

A verdade é que, efetivamente, e apesar da definição de mercado relevante ser impregne


na aplicação de todas as normas de DConcorrência, a sua relevância é variável.

Isto é bastante claro quando atentamos à distinção entre restrições por efeito e restrições
por objeto, na medida em que, relativamente aos acordos, práticas concertadas e decisões
de associação entre empresas, apenas será necessária a delimitação de mercado relevante
quando nos encontrarmos perante restrições por efeito. Já nos casos de restrições por
objeto, como não terão de ser provados os efeitos produzidos no mercado, na medida em
que se presume a sua perigosidade, a delimitação do mercado relevante não é um passo
necessário e obrigatório, ficando a CE e as ADC dispensadas dessa tarefa de delimitação.

No entanto, temos casos em que essa definição de mercado relevante é obrigatória, ainda
que com abordagens diferentes:
 Abuso de posição dominante: comportamentos que já ocorreram e estão a ocorrer;
 Controlo de operações de concentração: aqui temos, por parte das ADC, um
controlo ex ante, relativamente às condições da concorrência que existirão caso a
concreta operação seja autorizada.

Concluímos então que, mesmo nos casos em que a definição do mercado é obrigatória,
teremos sempre de distinguir quais os casos em questão.

Por fim, temos ainda de distinguir as situações de abuso:


 Se a empresa dominante consegue adotar um comportamento de exploração, os
consumidores não terão alternativa, sendo a definição de mercado extremamente
mais restrita. A própria possibilidade de explorar essa posição dominante, em
prejuízo dos consumidores, é indiciadora de ausência de pressões competitivas.
 Nos casos de abuso de exclusão, terá de ser adotada uma abordagem mais ampla.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 30


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3.1. FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DOS ACORDOS HORIZONTAIS


Ainda no que concerne os acordos horizontais, importa referir que a concertação entre
concorrentes pode manifestar-se por qualquer das formas elencadas nos arts. 101.º TFUE
e 9.º LdC, todas traduzindo a vontade das empresas de concertarem as suas práticas
comerciais, ainda que o façam de forma mais ou menos expressa, ou que exprimam essa
vontade por forma direta ou indireta.

Essas formas são:


1) Acordos entre empresas (acordo propriamente dito)
2) Práticas concertadas entre empresas - paralelismo de comportamentos que tem uma
manifestação material, mas que não se reconduz a um verdadeiro acordo
3) Decisões de associações de empresas - entidades que agrupam várias empresas
concorrentes entre si, traduzindo-se em instruções sob a forma como se devem comportar.

A expressão cartel referia-se a qualquer forma de concertação entre empresas que tivesse
como objetivo comportamentos coordenados no mercado.

Para efeitos da Diretiva Private Enforcement, transposta para o Direito Nacional pela Lei
nº 23/2018, encaixam-se no conceito de cartel apenas as duas primeiras formas de
manifestação, deixando-se de fora as decisões de associações de empresas - são essas que
traduzem um comportamento (expresso ou tácito) que é o resultado de uma colaboração
(direta ou com intervenção de uma terceira empresa) das empresas envolvidas com vista
a eliminar o seu risco de mercado.

Com o art. 2.º, nº14 desta Diretiva, estreitou-se o conceito de cartel cuja definição é:
“acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas concorrentes que vise
coordenar o seu comportamento concorrencial no mercado ou influenciar os parâmetros
relevantes da concorrência, através de condutas como, nomeadamente, fixar ou
coordenar os preços de aquisição ou de venda ou outras condições de transação,
incluindo relativamente a direitos de propriedade intelectual, atribuir quotas de
produção ou de venda, repartir mercados e clientes, incluindo a concertação em leilões
e concursos públicos, restringir importações ou exportações ou conduzir ações anti
concorrenciais contra outros concorrentes, como proibido pelo art. 9.º Lei nº19/2012, e,
se aplicável, pelo 101.º TFUE”.

1) Quanto aos acordos entre empresas


Demonstração, por qualquer forma, que existe um acordo de vontades entre os
representantes de duas ou mais empresas no sentido de alinhar as suas práticas de mercado
com a intenção (ou produzindo o efeito) de restringir a concorrência.

A forma é aqui absolutamente irrelevante, a não ser para efeitos de prova.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 31


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A regra hoje é mesmo a de haver o mínimo “lastro” possível (quase sempre absolutamente
secretos), porque as empresas (e os seus administradores) sabem as sanções a que estão
sujeitas se estas práticas forem provadas.

2) Quanto às práticas concertadas entre empresas


Diferente de um acordo é um alinhamento de práticas de mercado que não se baseia num
compromisso recíproco e expresso entre as empresas. Ora, isto levanta questões que
podem ser muito difíceis de resolver na prática.

Em certos mercados, o comportamento normal das empresas é o de alinharem as suas


práticas com as práticas da maioria, ou das líderes de mercado. Exemplo: Venda a retalho
de combustíveis, em que os preços dos principais operadores variam muito pouco.

Isto acontece sobretudo em mercados do tipo oligopolístico, e em especial quando:


- Haja um alto grau de substituibilidade, sobretudo da procura;
- Haja bastante informação disponível (ex: sobre preços);
- Existam barreiras no acesso ao mercado que dificultem a entrada de mavericks

Nessas condições qualquer pequena variação dos preços (ou de outras condições) pode
provocar quebras importantes na procura; por isso as empresas tendem a alinhar os seus
preços umas pelas outras sem que isso signifique que combinaram fazê-lo de forma ilícita.

Ou seja, é necessário um equilíbrio entre a necessidade de sancionar práticas que não se


baseiem num acordo stricto sensu com a garantia de que não serão sancionados os simples
“alinhamentos inteligentes de mercado” resultantes do comportamento racional de uma
empresa, sobretudo em mercados com as características referidas acima.

Assim, não sendo o alinhamento inteligente sancionado a coordenação de práticas tem de


ser, mas não basta a constatação e demonstração desses comportamentos paralelos para
que se conclua uma ilicitude e a existência de um cartel, sendo necessário algo mais: uma
qualquer materialização de condutas que tenham como objetivo ou resultado esse
alinhamento das práticas de mercado.

Tem que ser a AdC a demonstrar que aquela coordenação passa por uma prática ilegal,
por exemplo, troca de informações sensíveis entre empresas - não há justificação plausível
para que empresas concorrentes troquem informações entre si.

A propósito deste tópico, importa ainda realçar o conceito de carteis “hub-and-spoke”.

Estes carteis combinam características verticais e horizontais, pois conseguem proceder


à coordenação de práticas entre concorrentes através da intervenção de um não
concorrente - tipicamente um fornecedor, mas também pode ser um distribuidor.

Esse elemento externo, cujos contactos com os diferentes concorrentes não são de molde
a levantar suspeitas por parte das autoridades (são contactos não apenas habituais, como
necessários para que as empresas trabalhem), irá transmitir informação de forma
insuspeita e criar condições para o alinhamento das condutas.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 32


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A grande dificuldade é demonstrar, a não ser que os intervenientes facilitem a vida ao


investigador, um critério para distinguir o que é a troca normal de informações entre um
distribuidor e um fornecedor.

3) Quanto às decisões de associações de empresas


Para terminar o elenco do art. 101.º TFUE, falta referir as decisões que não são tomadas
diretamente pelas empresas, mas sim por outras entidades de tipo associativo em que
essas empresas se encontram inseridas e que podem ser, por exemplo: associações
empresariais, ligas / federações / confederações de âmbito desportivo, ordens
profissionais e agrupamentos complementares de empresas ou AEIEs.

Se as empresas são sancionadas quando coordenam o seu comportamento através da sua


própria conduta, não faz sentido que pudessem impunemente utilizar para o mesmo efeito
uma terceira pessoa jurídica de tipo associativo que determinasse preços ou práticas de
mercado comuns para todas, através dos órgãos eleitos pelos seus membros. Ainda que
se tratem de meras orientações não vinculativas, essas indicações servem como um guia
pelo qual todas poderiam guiar-se.

Por isso mesmo, a lei equipara essas decisões a verdadeiros acordos de carteis.

Ficha de trabalho nº6, grupo I

1. Em 2001, cinco operadores - nomeadamente, A (10,6%), B (42,1%), C (9,7%), D


(26,1%) e E - dispunham, nos Países Baixos, de uma rede própria de telefonia móvel.
O acesso ao mercado das telecomunicações móveis só era possível através da
celebração de um acordo com um ou vários dos cinco operadores. Os serviços de
telecomunicações móveis são oferecidos sob a forma de pacotes pré-pagos (em que
o cliente paga antecipadamente o preço das comunicações) ou assinaturas com
pós-pagamento (nas quais os minutos de comunicação de um determinado período
são faturados ao cliente a posteriori). Em 13 de junho de 2001, teve lugar uma reunião
entre os representantes dos operadores que prestam serviços de telecomunicações
móveis no mercado neerlandês, durante a qual se falou, entre outras coisas, na redução
das remunerações standard dos revendedores relativas às assinaturas com
pós-pagamento a partir de 1 de setembro de 2001.
Atento o objeto da reunião realizada em junho de 2001, será o comportamento das
empresas abrangido pelo âmbito de aplicação do Direito da Concorrência?
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, de 04.06.2009, T-Mobile Netherlands BV, KPN Mobile NV,
Orange Nederland NV y Vodafone Libertel NV contra Raad van bestuur van de Nederlandse
Mededingingsautoriteit, ECLI:EU:C:2009:343

“nomeadamente, A (10,6%), B (42,1%), C (9,7%), D (26,1%) e E” – esta referência


prende-se com as quotas de mercado (dados relevantes para a concentração de mercado).

No nosso caso, temos um mercado oligopolista, com poucos operadores, que parecem ter
percentagens relativamente elevadas de quotas de mercado.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 33


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O que devemos fazer em primeiro lugar é identificar o problema específico: temos um


encontro entre cinco empresas concorrentes entre si num mesmo mercado, que são gate
keepers nesse mesmo mercado e pretendem diminuir as remunerações atribuídas aos seus
revendedores - isto foi meramente discutido, não há acordo expresso entre estas empresas.

Note-se que estamos perante uma prática nos Países Baixos, pelo que temos de considerar
qual será o normativo aplicável à situação em causa - como já sabemos, o TFUE aplicar-
se-á a práticas que coloquem em causa a concorrência no mercado interno.

Vamos então focar-nos no artigo 101.º TFUE.


O nº1 deste artigo (“São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os
acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas
concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que
tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado
interno, designadamente as que consistam em: …) proíbe determinados comportamentos
entre empresas que restrinjam a concorrência, sendo que esses comportamentos podem
abranger empresas concorrentes no mesmo mercado ou empresas ativas em diferentes
mercados ou níveis da cadeia de valor. Note-se, no entanto, que a base aplicável é a
mesma a ambas as situações supramencionadas.
Ora, o artigo 101.º, quando proscreve estas práticas, assenta num princípio chave - a ideia
de que, no mercado concorrencial, cada operador económico deve conseguir determinar
livremente e de forma autónoma o seu comportamento no mercado.

Ora, se assim é, é normal que as normas de DConcorrência se dirijam a impedir que as


empresas restrinjam a concorrência entre si, mediante a coordenação da sua atuação no
mercado, na medida em que estão aí a afastar a ideia de independência.

Chegamos então a uma conclusão já abordada em aulas anteriores - concorrência equivale


a rivalidade, e não a amizade.

No entanto, a verdade é que qualquer contrato pressupõe uma restrição da liberdade, pelo
que o Direito da Concorrência não está preocupado com as restrições da liberdade latu
sensu, apenas com as restrições da concorrência.

Pressuposto de aplicação do artigo 101.º:


1. Âmbito subjetivo das normas de Direito da Concorrência - temos de estar perante
empresas, na medida em que estas são o destinatário por excelência destas normas,
sendo este um conceito funcional, definido com base na atividade económica
exercida. No nosso caso, não há dúvidas quanto à aplicação do conceito de
empresa, mais concretamente empresas ativas no mercado da telefonia móvel.
2. O art. distingue 3 categorias de práticas subsumíveis ao conceito lato de restrição:
 Acordos;
 Práticas concertadas;
 Decisões de associações de empresas – podemos excluir esta hipótese,
pois estão aqui em causa decisões essencial e formalmente unilaterais.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 34


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No nosso caso estamos perante um acordo ou uma prática concertada?


Note-se, neste sentido, que ambos (os acordos e as práticas concertadas) traduzem um
entendimento de vontades, ou seja, apesar de estarmos perante categorias diferentes, estas
incluem do ponto de vista subjetivo formas de conluio da mesma natureza.

Distinguem-se então pela sua intensidade, na medida em que podemos caracterizar os


acordos como mais formalizados ou firmes, e pela forma como se manifestam.

Porque estamos perante comportamentos que revestem uma mesma natureza, aplicamos
a ambos os mesmos critérios - quando invocarmos a jurisprudência do TJUE, será a
mesma a lógica a aplicar.

Nota: Ao passo que no acordo há uma concordância de vontades entre pelo menos duas
partes, a prática concertada corresponde a uma forma de coordenação prática entre as
empresas pela qual estas substituem os riscos da concorrência a essa cooperação entre si,
de forma ciente. Deste modo, aquela ideia de comportamento autónomo e independente
no mercado é posta em causa por uma cooperação entre empresas.

Segundo a jurisprudência do TJUE, a noção de prática concertada desdobra-se em:


i) Elemento subjetivo - tem de haver concertação entre duas ou mais empresas;
ii) Elemento objetivo - exige-se que, em sequência dessa concertação, haja um
comportamento no mercado que implemente essa concertação ou que seja
consequência da mesma;
iii) Nexo de causalidade entre a concertação e a conduta – daí a prática concertada.

Ora, o que se verifica é que o TJUE está constantemente a desenvolver presunções que
permitem maior facilidade das autoridades na prova do ilícito.

Releva neste âmbito a presunção que respeita aos intercâmbios de informação entre
empresas, sendo esta ilídica (pode ser afastada) - neste sentido, entende-se que, se as
empresas tiverem participado numa determinada concentração, num esquema de troca de
informações, e continuarem ativas no mercado, presume-se que tiveram em conta essas
informações na determinação da sua conduta no mercado.

Ou seja, presume-se que essas empresas efetivamente usaram as informações obtidas


nesse esquema para definir a sua política comercial, para substituir os riscos da
concorrência à coordenação prática entre si.

Deste modo, basta para às Autoridades da Concorrência nacionais provar a troca de


informação como existente, presumindo-se os restantes elementos (ainda que se admita
prova em contrário).

Note-se que, se não conseguirmos discernir se estamos perante um acordo ou uma prática
concertada, não é um problema grave - os critérios a aplicar são os mesmos, a diferença
reside apenas no grau. A verdade é que as próprias Autoridades da Concorrência, bem
como a Comissão Europeia por vezes também não conseguem fazer esta distinção.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 35


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No nosso caso temos uma troca de informações numa logica horizontal - temos de
convocar os critérios reativos à coordenação e à cooperação constitutivas de uma prática
concertada, tendo sempre em conta que o princípio base é o da determinação de uma
forma autónoma da política a seguir no mercado.

O que releva é, então, o estabelecimento de contactos em resultado dos quais possa haver
um influenciar de uma conduta de um concorrente potencial ou efetivo no mercado, em
que seja possível descobrir qual será a atuação que os concorrentes visam adotar no futuro
- quando esses contactos tenham por objetivo ou efeito corresponder ou levar a condições
da concorrência que não são as que se considerem normais.

Deste modo, teremos sempre que adotar uma análise casuística e concreta, através da
análise de quais os mercados em causa, se estes são ou não transparentes, do número de
empresas envolvidas ou da importância do esquema de troca de informações, a natureza
dos produtos ou serviços oferecidos, etc.
No nosso caso temos uma reunião única, em que se discutiu a possibilidade ou a intenção
de diminuição de remunerações atribuídas aos revendedores. Ora, parece estarmos apenas
perante prática concertada, apesar de, como vimos, haver correspondência de critérios.

O problema, no âmbito destas práticas concertadas, é a ténue linha divisória entre práticas
nocivas da concorrência e práticas concertadas legítimas. Quer isto dizer que determinado
operador pode adaptar-se inteligentemente ao comportamento conhecido ou esperado dos
seus concorrentes.

E.g: As várias empresas concorrentes utilizam atualmente táticas de market inteligence,


fazendo visitas anónimas e observando os preços praticados pelos seus concorrentes.

Isto não é vedado pelo DConcorrência, na medida em que cabem estas práticas ainda no
conceito de rivalidade.

No entanto, não se permite o estabelecimento de contactos com concorrentes, de forma


direta ou indireta.

Quando falamos em contactos indiretos, note-se que estes abrangem uma terceira
entidade, como o fornecedor, que comunica a estratégia de um retalhista a outro ou vice-
-versa - “Hub and spoke”. Nestes casos, o que se exige às autoridades é mais do que o
que se exige num contacto direto, porque a relação retalhista-fornecedor e fornecedor-
retalhista assenta em comunicações diárias.
E.g: Uma promoção pode implicar uma rutura de stock, tendo o fornecedor de estar
preparado para um maior número de encomendas. Ora, não significa isto que o retalhista
queira que a sua promoção seja partilhada com os seus concorrentes.

Concluímos então que essa prática concertada tem de corresponder a uma prática
restritiva da concorrência.

Cabe-nos, assim, efetuar a distinção (já abordada) entre restrição por objeto ou por efeito,
tendo que atender às finalidades objetivas que se pretende alcançar com determinada
prática e o contexto jurídico económico em que o acordo se insere.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 36


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Em traços gerais, o princípio de distinção é o de que existem determinados


comportamentos que apresentam uma grande nocividade. Deste modo, pela sua intrínseca
perigosidade/nocividade, estão as autoridades competentes dispensadas de provar os seus
concretos efeitos em determinado mercado concorrencial.

A ideia de restrição por objeto ou por efeito é alternativa, ou seja, temos de aferir, no caso
concreto, se há ou não uma nocividade intrínseca que, pela sua própria natureza ou objeto,
se afigure prejudicial ao próprio funcionamento do mercado, ou se é, a contrario,
necessário ver os efeitos resultantes dessa conduta para o funcionamento do mercado.

Note-se ainda que mesmo as restrições por objeto são suscetíveis de explicação, na
medida em que se trata de uma presunção ilidível. No entanto, falamos de uma
justificação apenas em teoria, porque na prática será marcadamente difícil de o fazer.

A respeito deste 3º pressuposto, e nos casos de intercâmbio de informações, releva o


disposto no acórdão “Deere comissão”. Neste, o tribunal declarou que num mercado
oligopolista altamente concentrado, com poucos players, e cada um com quotas de
mercado elevadas, a troca de informações é suscetível de permitir às empesas conhecer a
estratégia comercial dos concorrentes, afetando assim a concorrência que existe entre
operadores económicos.

Vamos agora atentar à qualificação da nossa troca de informações - não estão em causa
informações relativas a preços finais a praticar junto de clientes, sendo que sabemos que
estes casos constituem restrições por objeto.

Atentando ao disposto no art. 101.º, nº1, a alínea que se parece aplicar neste caso é a
alínea a), que nos diz “a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de
venda, ou quaisquer outras condições de transação;”. Concluímos então existir uma
formulação lata utilizada pelo legislador, sendo esta propositada.

Mas porquê? A verdade é que existem várias formas de estabelecer um acordo de


determinação de preços- e.g: estabelecendo limites mínimos, impondo requisitos, etc. Ou
seja, não temos necessariamente de estar perante um acordo que determine um preço
específico que deva ser praticado.

No nosso caso temos uma determinação das remunerações dos revendedores, entendendo
o TJ que, mesmo que não haja uma determinação expressa e imediata dos preços a praticar
face aos consumidores, estamos ainda perante uma restrição por objeto, na medida em
que a remuneração dos revendedores influi sobre esses prelos finais praticados.

Conclusão do TJUE: Cabe ao tribunal nacional apreciar a natureza concreta das


informações trocadas, de forma a determinar se está em causa uma troca de informações
suscetível de eliminar as incertezas das partes quanto à data, extensão, modalidades de
adaptação a realizar pela empresa, na medida em que estas terão sempre um objetivo anti
concorrencial. Concluímos então que estávamos perante uma restrição por objeto.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 37


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Este caso justifica a autonomização de um problema adicional - a verdade é que só tinha


ocorrido uma única reunião, pelo que se questiona se aquela presunção já mencionada -
de que as empresas que participaram numa concertação e que continuam ativas no
mercado relevante atenderam às informações trocadas ou obtidas dos seus concorrentes
para determinar o seu comportamento no mercado, bastando à autoridade provar que
existiu concertação - também se aplica ao caso em que apenas há um contacto.

A verdade é que o TJ entendeu que sim, porque não releva a regularidade do contacto,
ainda que essa aponte, como é claro, para um reforço da veracidade da presunção, não
estando assim excluído que um único contacto baste para a verificação destas condutas,
até porque, la está, um só contacto pode bastar para eliminar incertezas estratégicas.
Releva mais saber se os contactos concedem a possibilidade de levar em linha de conta
as informações trocadas e obtidas para determinar a sua própria atuação no mercado,
substituindo os riscos da concorrência pela prática concertada entre concorrentes.

Nota: Este é um dos acórdãos essenciais (o referente ao caso que analisamos até agora)
de Direito da Concorrência, pelas conclusões que permite tirar em matéria de informações
suscetíveis de suprimir os riscos da concorrência, sendo essencial a sua leitura e análise.

Podemos retirar 3 grandes conclusões centrais do seu conteúdo:


i) Pratica restritiva da concorrência por objeto - prática que, devido ao seu teor e à
sua finalidade, bem como ao contexto jurídico económico em que se insere, se
releva concretamente apta a restringir, impedir ou falsear a concorrência no
mercado. Estando perante uma restrição por objeto basta esta aptidão para tal. A
troca de informações por concorrentes será uma infração por objeto quando
permita eliminar a incerteza estratégica perante as empresas no mercado.
ii) Este acórdão releva ainda porque as trocas de informação eram sempre
consideradas como práticas ancilares de outros acordos, vindo o TJ a qualificar
esta prática como uma prática autónoma per si. Desde então, a Comissão
Europeia, até nas orientações (que constam da pasta de documentos do Sigarra),
tem admitido as trocas de informações como elementos ou práticas independentes.
iii) Releva quanto à aplicação aos casos em que há apenas uma única reunião.

Ficha de trabalho nº6, grupo 4

IV. A UAB «Eturas» é a titular dos direitos exclusivos e a administradora do sistema


de reservas de viagens em linha E-TURAS. Este sistema, controlado por um
administrador único, pode ser integrado nos sítios web das diferentes agências de
viagens que tenham adquirido uma licença junto da UAB «Eturas». Em inícios de
agosto de 2009, o diretor da UAB enviou uma mensagem de correio eletrónico a várias
agências de viagens, pedindo-lhes que votassem uma redução geral das taxas de
desconto entre 4% e 1%-3%. Em 27 de agosto de 2009, às 12h20, foi introduzida uma
restrição técnica no sistema E-TURAS, que limitava a 3% o desconto disponível para
as reservas em linha, sendo que, minutos antes, aparecera uma notificação no campo
«Avisos» do sistema (acessível a todas as agências), com o seguinte teor:

Mariana Coelho e Lara Oliveira 38


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

«Após avaliação das declarações, propostas e desejos expressos pelas agências de


viagens, permitiremos descontos em linha dentro do intervalo de 0% a 3%, à escolha
de cada uma. No caso das agências de viagens que tenham oferecido descontos
superiores a 3%, estes serão automaticamente reduzidos para 3%». Por decisão de 7
de junho de 2012, a autoridade nacional da concorrência da Lituânia declarou que 30
agências de viagens e a UAB «Eturas» haviam participado, entre 27 de agosto de 2009
e finais de março de 2010, numa prática anti concorrencial relativa aos descontos
aplicáveis às reservas através do sistema E-TURAS.
Considere os seguintes argumentos das partes:
i) As agências de viagens afirmam que a sua intenção de reduzir os
descontos não foi demonstrada e que a restrição técnica foi um ato
unilateral da UAB «Eturas». Algumas sustentam, inclusive, não ter lido a
notificação do sistema, explicando que o utilizam pela sua conveniência
para as vendas em linha, devido à ausência de quaisquer sistemas
alternativos no mercado e ao custo do desenvolvimento de sistemas em
linha próprios. Além do mais, atenta a possibilidade de aplicar descontos
de fidelidade adicionais a clientes individuais, o nível de descontos não
estaria nunca restringido.
ii) A autoridade da concorrência considera que o sistema E-TURAS servia
de ferramenta para as empresas coordenarem as suas ações e eliminava
a necessidade de reuniões, dado que as condições de utilização do sistema
permitiam a todas alcançar uma «convergência de vontades» quanto às
restrições de descontos, sem que tivessem que haver contactos diretos
entre si, e sem que, na ausência de oposição, se pudesse falar num
qualquer afastamento face à coordenação. Além do mais, as empresas
estavam obrigadas a ser prudentes e responsáveis e não podiam ignorar
ou abster-se de ter em conta os avisos relativos às práticas utilizadas nas
suas atividades económicas.
Em face do exposto, poderão as empresas ser condenadas pela participação numa
prática concertada da concorrência?
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, de 21.01.2016, “Eturas” UAB e o. contra Lietuvos
Respublikos konkurencijos taryba, ECLI:EU:C:2016:42

Neste caso, a conduta em causa parece ser unilateral, na medida em que temos um
operador do sistema (E-TURAS) que vai limitar o grau de descontos, ainda que não
afetando diretamente a fixação de preços - já vimos que poderemos ter outros fatores e
elementos a afetar os preços finais, ainda que de forma indireta.

O que se verificou aqui foi que o E-TURAS emitiu uma primeira mensagem em que
convidava as empresas a pronunciar-se sobre as taxas de desconto que iriam ser aplicadas,
vindo mais tarde a introduzir uma limitação técnica.

Este caso foi alvo de reenvio prejudicial para o TJUE, tendo este de responder à seguinte
questão: num caso como estes, em que temos um administrador de um sistema usado para
a publicitação de ofertas, que é utilizado por diversas agências, quando este lance uma

Mariana Coelho e Lara Oliveira 39


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

mensagem relativa à diminuição de descontos, introduzindo depois uma restrição técnica


relativamente às empresas, poder-se-á presumir que as agências poderiam razoavelmente
ter tido conhecimento das mensagens, não se tendo oposto ou expressamente afastado do
conteúdo das mesmas, podendo assim este ser um caso de prática concertada, nos termos
do disposto no artigo 101.º TFUE.

A verdade é que o TJUE invoca toda a jurisprudência mencionada nos casos resolvidos,
ressalvando-se mais uma vez a ideia de necessidade de autonomia na tomada de decisões
no mercado, cabendo ainda neste âmbito formas passivas de atuação.

Nota: Como é óbvio, o ónus da prova da ilicitude cabe às autoridades nacionais ou à


Comissão Europeia, dependendo de quem tenha competência para tal. Releva, no entanto,
o facto de não estar definido o standard probatório no Regulamento nº 1/2003, ou seja,
não se define nesse regulamento o nível da prova exigida. A esse nível, caberá à ordem
jurídica dos EM regular estas matérias, de acordo com princípios já abordados em sede
de DUE - princípio da autonomia processual, da equivalência e princípio da efetividade.

Bom, a verdade é que surge, neste nosso caso, uma inevitável questão: consubstanciará o
simples envio de uma mensagem prova suficiente para afirmar o conhecimento da
empresa da prática em causa?

O TJUE entende que a existência de uma prática concertada ou de um acordo anti


concorrencial pode ser inferida de um determinado número de coincidências. Portanto,
até mais do que a prova direta, nestes processos predomina a prova indiciária, em que as
Autoridades aludem e verificam a existência de indícios suficientemente concordantes
que, quando conjugados, permitem efetivamente verificar uma prática restritiva.

Ou seja, as autoridades da concorrência com competência para tal podem, a partir de um


conjunto de indícios, extrair inferências que, no seu todo, permitam fazer prova da
existência de uma violação das regras da concorrência.

Mas surge assim um novo problema: Não estaremos com isto a colocar em causa o
disposto no princípio da presunção de inocência (inocente até prova em contrário)?

Ora, este princípio é, no plano do Direito da União, um direito fundamental. No entanto,


o TJ entende que não se opõe a utilização de prova indireta nestes casos, quando dos
indícios presentes se possa concluir em favor de uma presunção - a presunção de que,
através do envio da mensagem em questão, as empresas sabiam ou podiam razoavelmente
prever o que resultaria da mensagem. Ora, isto não afeta o tal princípio da presunção de
inocência, na medida em que as empresas poderão depois provar que não receberam a
mensagem ou até que, mesmo tendo recebido a mesma, não tiveram oportunidade de
consultar a informação aí contida, ou que o fizeram muito depois da sua receção -
provando assim que não existiu conluio.

O TJUE entendeu a existência de práticas concertadas, não parecendo haver prova em


contrário.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 40


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Tudo assentou no conhecimento da mensagem, e não da prática per se, da restrição


técnica. Isto porque, e retomando o conhecimento já adquirido relativamente aos
elementos da prática concertada, aplica-se a presunção ilidível de que, permanecendo as
empresas ativas no mercado, estas tomaram em conta a informação obtida na definição
da sua posição e estratégia no mercado, colocando em causa a necessidade de tomadas de
posição independentes.

Nota: Releva nesta matéria a jurisprudência dos facilitadores.

3. 2. JUSTIFICAÇÃO DOS ACORDOS HORIZONTAIS

É certo que um acordo cujo objeto seja contrário à concorrência dificilmente será
justificado, mas isso não significa que não possa sê-lo nunca: o TJUE já afirmou por
diversas vezes que pode sim ser justificado e, e que a diferença tem sobretudo a ver com
a repartição do ónus da prova num e noutro tipo de casos.

A principal (mas não exclusiva) fonte da justificação dos acordos entre empresas que de
outra forma cairiam na proibição do art. 101.º, nº1 TFUE é o nº3 no artigo. Em Portugal
o mesmo conteúdo está previsto no art. 10.º LdC.

Assim, o art. 101º, nº3 prevê dois tipos de isenção:


1) Isenção individual
Se um acordo preenche cumulativamente quatro requisitos, isso é um sinal forte de que o
balanço económico desse acordo é pró-concorrencial e não anti concorrencial e de que,
nessa medida, deve beneficiar de uma isenção da proibição genérica estabelecida no art.
101º, nº1. Vejamos esses requisitos, reproduzidos no art. 10.º, nº1 LdC:
1. “Contribuir para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para
promover o progresso técnico ou económico”: só é admissível que concorrentes
colaborem se daí resultar uma melhoria global da qualidade técnica (produtos melhores
ou inovadores) ou da eficiência económica (produto/ distribuição mais batata) no setor;
2. “Contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí
resultante”: o ganho referido no ponto anterior não pode beneficiar só as empresas, tendo
que reverter pelo menos parcialmente para os utilizadores finais;
3. “Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam
indispensáveis à consecução desses objetivos”: requisito de indispensabilidade, no
sentido de que a colaboração entre concorrentes é sempre uma ultima ratio a que só podem
recorrer na falta de outras alternativas para atingir o mesmo fim;
4. “Não deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente
a uma parte substancial dos produtos em causa”: se deste acordo resultar para as suas
partes uma vantagem de tal forma grande que possa colocar em risco a viabilidade dos
outros concorrentes, então ele não pode ser autorizado.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 41


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

2) Isenções coletivas
Certos tipos de acordos, considerados em bloco, apresentam tipicamente características
pró-competitivas, e por isso não se justifica que tenham de ser alvo de uma apreciação e
avaliação individual pela Autoridade competente de cada vez que sejam concluídos.

Por isso, o art. 103.º, nº2b, al. b) prevê que sejam fixadas por ato de Direito Derivado as
modalidades de aplicação do art. 101.º, nº3, tendo nomeadamente em conta a
“necessidade de simplificar o mais possível o controlo administrativo”.

NOTA: É com este enquadramento que o Conselho tem adotado vários regulamentos de
isenção coletiva (RIC’s), conhecidos no Direito anglo saxónica como block exemptions.

Cada um desses regulamentos aplica-se a um tipo específico de acordos, prevendo cada


um deles requisitos próprios, positivos e negativos, e incluindo normalmente uma lista
negra de cláusulas que, se incluídas no acordo, determinam a retirada da isenção e a sua
sujeição ao regime geral do art. 101.º.

Alguns dos principais RIC’s em vigor:


➔ Regulamento 330/201, aplicável aos Acordos Verticais
➔ Regulamento 316/2014, aplicável a Acordos de Transferência de Tecnologia
São muito importantes neste âmbito as Orientações da Comissão sobre os Acordos de
Cooperação Horizontal (2011/C 11/01), que referem os princípios aplicáveis a outros
tipos de cooperação admissível, tais como:
➔ Acordos de produção
➔ Acordos de compra conjunta
➔ Acordos de comercialização
➔ Acordos de normalização (standardization)

Ficha de trabalho nº6, grupo II

Entre 30 de abril de 1993 e, pelo menos, 7 de fevereiro de 2000, a Christie’s


International plc e a Sotheby’s Holdings, Inc. - os dois principais concorrentes a nível
mundial da venda com comissão em leilão de obras de arte, antiguidades, mobiliário,
peças de coleção e recordações - acordaram em limitar as suas ações de marketing e
publicidade, comprometendo-se a não reivindicar a liderança no mercado da arte ou
num dos seus segmentos e, bem assim, a evitar, na sua atividade publicitária,
quaisquer referências a quotas de mercado ou outras alusões ao seu papel de líder no
mercado. As empresas consideram que o acordo é legítimo, porquanto visa evitar a
prestação de falsas informações ao mercado e aos clientes. Quid iuris?
Cf. Decisão da Comissão, COMP/E-2/37.784 — Casas de leilões de obras de arte

Remetendo ao que já vimos no caso anterior, não está aqui em causa a definição expressa
e direta de preços, mas devemos sempre atentar ao disposto no artigo 101.º TFUE.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 42


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Neste caso já se parece aplicar a alínea b) - “b) Limitar ou controlar a produção, a


distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos”, na medida em que temos
uma limitação da produção e investimentos.

Ora, já sabemos que os preços de um serviço ou produto são reflexão da produção em


determinado momento, pelo que a limitação da produção pode culminar num preço mais
alto. Ou seja, via de regra, a limitação da produção anda a par com a limitação de preços.
Num mercado concorrencial, o preço é estabelecido função da oferta e da procura,
podendo as empresas acordar restringir a produção para que isso comporte um aumento
dos preços.

Em matéria de acordos limitativos de produção, nomeadamente quando estejamos perante


acordos horizontais, temos de considerar a existência de regulamentos de isenção de
categoria (RIC’s).

O que se verifica é que existem comportamentos em relação aos quais o legislador optou
por criar estes regulamentos, que estipulam determinadas condições, que, se verificadas
ou cumpridas, tornam a prática em questão isenta de escrutínio jurisprudencial. São então
casos de safe harbor, na medida em que há uma isenção por categoria.

Nessas categorias, presume-se haver eficiências superiores às desvantagens que resultam


das práticas de conluio para a concorrência.

Se pudermos aplicar um determinado RIC, já não nos interessará o disposto no 101.º


TFUE, na medida em que as condições desse mesmo artigo dependem do contexto
jurídico económico da prática.

Deste modo, o primeiro passo a seguir será sempre ver se há regulamento que se aplique.

Ora, mesmo depois de concluirmos no sentido de uma restrição da concorrência, e não


havendo RIC aplicável, teremos sempre de ponderar a possível justificação dessa prática
à luz do balanço económico - este é um teste desdobrável em vários pressupostos que nos
permite justificar um acordo restritivo cujas vantagens superam os seus efeitos nefastos
no domínio concorrencial. Ou seja, também numa ótica horizontal, ainda que de forma
mais restrita, há espaço para a perspetiva da conduta mais eficiente.

Cabe-nos agora analisar quais as realidades que possam ser inseridas no 101.º, b) TFUE:
A. As empresas estabelecem quotas de produção ou de vendas, ou seja, tetos. E.g: A
e B decidem acordar entre si a produção/venda do máximo de x unidades.
B. Casos de limitação conjunta ou controlo da produção feita por cada uma das
partes, pelas outras. E.g: estabelecimento de um acordo em que se define um
controlo da forma como a produção é exercida, através da alocação de matérias
primas a determinado mercado. As empresas podem ainda, por exemplo, acordar
encerrar fábricas ou instalações em determinadas zonas. Ou podemos ter um
acordo em que as partes estabelecem que os outorgantes se comprometem a obter
autorização prévia dos demais antes da abertura de novas instalações.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 43


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

C. Casos de controlo ou limitação do investimento comercial - no nosso caso temos


uma das modalidades preferenciais desta categoria ou grupo de casos:
 A limitação em matéria de publicidade e marketing. Tínhamos, neste caso,
duas empresas que eram líderes mundiais no “mercado da arte” (não
confundir esta ideia com a de mercado relevante), que se comprometeram
a não fazer declarações sobre a sua condição de líder e a não fazer alusões
à sua quota de mercado.

A Comissão Europeia veio, neste caso, apreciar a importância da atividade publicitária


em empresas ativas neste mercado, na medida em que estas afirmaram assegurar a
concorrência.

O que a Comissão entendeu foi que as alusões à quota de mercado e o tipo de publicidade
era um dos fatores que mais e melhor distinguia estas entidades concorrentes entre si, na
medida em que as taxas de comissões eram bastante idênticas.
Note-se ainda que a decisão da Comissão envolveu outras práticas como o
estabelecimento de preços, etc.

Quanto ao impacto no mercado interno da UE desta prática, a verdade é que a Comissão


Europeia se basta com a concorrência de duas empresas a nível mundial.

Podemos então concluir que, quanto aos comportamentos subsumíveis à alínea b) do


artigo 101.º TFUE, temos ainda:
 Acordos de especialização - estes são acordos pelos quais determinada empresa
acorda com uma outra, sua concorrente, cessar a produção de um determinado
bem, adquirindo à sua concorrente esse mesmo bem, permitindo que a outra se
possa especializar.
 Acordos de especialização unilateral
 Acordos de especialização recíproca - há aqui uma lógica recíproca.
Quanto a estes acordos de especialização, a verdade é que, ainda que em
determinados casos lhes possam ser reconhecidos benefícios, desde logo a nível
de custos, também poderão ocultar restrições hardcore - e.g: empresas ativas no
transporte aéreo que determinam que uma deixa de atuar em determinadas rotas.

 Acordos de comercialização conjunta - temos coordenação entre uma ou mais


empresas da forma de comercialização de produtos insubstituíveis.

 Acordos de normalização - uma ou mais empresas estabelecem determinados


parâmetros ou normas que terão de ser observadas na produção de um
determinado bem ou na prestação de dado serviço. Ou seja, há o estabelecimento
de acordos que as empresas se obrigam a respeitar. Esta questão tem vindo a ser
amplamente discutida no âmbito de acordos em matéria ambiental.
Note-se que estes têm associado um risco: as normas a respeitar são feitas para
proteger um pequeno número de players, havendo uma exclusão de empresas
concorrentes reais ou potenciais no mercado, que não poderão ou conseguirão
atingir essa norma parâmetro.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 44


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Ficha de trabalho nº6, grupo III

A 20 de julho de 2007, a Comissão enviou uma comunicação de acusações a várias


empresas com atividade na comercialização de bananas, entre as quais a Del Monte e
a Weichert, considerando que as mesmas haviam violado a disposição do artigo 101.º
do TFUE, ao participarem numa prática concertada que consistiu na coordenação dos
preços de referência das bananas. Em particular, as empresas em causa mantiveram
comunicações bilaterais nas quais i) discutiram fatores relevantes para a fixação
semanal dos preços de referência, ii) debateram ou revelaram as tendências seguidas
pelos preços ou iii) deram indicações sobre os preços de referência para as semanas
seguintes. Perante a Comissão, as empresas alegaram que, ainda que o seu
comportamento se considerasse abrangido pelo referido normativo, deveria aplicar-se
o disposto no n.º 3 do mesmo, na medida em que a troca de informações se afigurava
necessária num mercado caracterizado pela rigidez da oferta de bens altamente
perecíveis, de modo a assegurar o respetivo escoamento, não tendo as empresas ido
além do estritamente necessário, e tendo, com isso, promovido a eficiência e o bem-
estar do consumidor. Aprecie, fundamentadamente, o mérito do argumento das
empresas.
Cf. Decisão da Comissão, COMP/39188, C(2008) 5955 final (em particular, §§341 e 342)

Releva nesta questão a justificação das até aqui referidas práticas anti concorrenciais ao
abrigo do nº3 do artigo 101.º TFUE.

Temos, primeiramente, de analisar qual o comportamento em causa. Ora, temos um


esquema de troca de informações entre empresa concorrentes, sendo a principal
preocupação a de evitar uma redução da incerteza estratégica no mercado.

Há então no nosso caso essa redução? Podemos ter em conta as orientações da Comissão,
que distinguem 3 situações:
a) Trocas de informações lícitas;
b) Trocas de informações ilícitas por objeto;
c) Troca de informações ilícitas por efeito.

Neste caso, as empresas tinham trocado informações que permitiram reduzir as incertezas
em matéria de preços, pelo que poderíamos estar perante uma restrição por objeto - é isto
que resulta das supramencionadas orientações da Comissão.

Nota: As empresas podem apresentar uma PNI, no seguimento da comunicação resultante


da investigação da Comissão, só depois se seguindo a decisão final condenatória, que
pode ainda ser recorrida para os tribunais - a nível nacional para o TCRS. O PNI
consubstancia o exercício do direito de contraditório, na medida em que as empresas
alegam determinados factos que consideram justificativos da sua conduta.

Ora, em face desta defesa apresentada pelas empresas - a necessidade da troca de


informações devido ao mercado em causa, verificando-se cumpridos os limites do
princípio da proporcionalidade e estando a agir-se em favor do bem-estar do consumidor

Mariana Coelho e Lara Oliveira 45


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

- temos de introduzir a questão do artigo 101.º, nº3, que permite o declarar inaplicável ou
a justificação da prática desde que preenchidos quatro pressupostos cumulativos.

Nota: Cabe o ónus da prova, nestes casos de Public Enforcement, do ilícito à Comissão
Europeia (ou Autoridade da Concorrência), mas o ónus de prova dos pressupostos do nº3
do artigo 101.º caberá às empresas - Regulamento nº 1/2003.

Vamos então analisar os pressupostos do art. 101.º, nº3 TFUE:


“3. As disposições no nº1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis:
- a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas,
- a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e
- a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas, que contribuam
para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso
técnico ou económico (I), contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa
do lucro daí resultante (III), e que:
a) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam
indispensáveis à consecução desses objetivos (II).
b) Nem deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente
a uma parte substancial dos produtos em causa (IV).”

I. O acordo deve contribuir para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos


ou para promover o progresso técnico ou económico - ou seja, deve dar origem a
ganhos de eficiência;
II. Princípio da proporcionalidade na sua dimensão de estrita necessidade, na medida
em que não deverão ser impostas restrições que não sejam indispensáveis;
III. Os ganhos de eficiência, incluído aqueles qualitativos, devem repercutir-se no
consumidor. A contrario, se resultarem apenas ganhos de eficiência para as partes
envolvidas, não se enquadram esses acordos nesta normatividade;
IV. Não podemos estar perante uma total eliminação da concorrência no mercado.

Neste caso, e partindo destes pressupostos, pela circunstância das empresas terem
coordenado os preços praticados, podemos considerar que a prática em causa vai muito
além do necessário, nunca parecendo, aliás, beneficiar os consumidores. Note-se aliás que
as empresas não provaram esses benefícios que alegam.

A Comissão Europeia analisou uma parte do espaço económico da União, concluindo que
no Norte da europa teria havido verdadeira eliminação da concorrência.

Ora, estes pressupostos são cumulativos, o que implica que basta a não verificação de um
deles para que o acordo ou prática deixe de poder beneficiar desta justificação.

Chegamos então a uma conclusão já anteriormente abordada - é extremamente difícil uma


justificação das restrições por objeto, desde logo porque os benefícios que têm que
resultar das práticas em causa terão de reverter aos consumidores, e não aos cartelistas -
tem que haver uma prova sob a forma de preços mais baixos ou produtos mais inovadores.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 46


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

3.3. PROCEDIMENTO DE CLEMÊNCIA

Quer o Direito Nacional quer o Direito Europeu preveem a possibilidade de uma ou mais
empresas beneficiarem de um regime especial de dispensa ou redução da coima a aplicar
nos casos (e apenas nesses) em que estejam em causa acordos entre empresas.

Esta possibilidade vem prevista nos arts. 75º ss LdC e no Regulamento 1/2013 da AdC
(DR II, 03 de janeiro de 2013) para os processos nacionais e na Comunicação da
Comissão 2006/C 298/1, “relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu
montante nos processos relativos a cartéis”, para os processos comunitários.

Só faz sentido nas práticas coletivas e não nas individuais e baseia-se na confissão de uma
empresa ter feito parte de uma infração coletiva às regras de concorrência – tipicamente
infração horizontal.

Consiste na possibilidade de se beneficiar de um regime especial de dispensa ou redução


da coima, no caso de confissão. A confissão permite que se descubra a existência de um
cartel, o que não se teria conseguido sem confissão.

Há questões éticas que são complicadas de encaixar, mas sem confissões, hoje em dia, é
muito difícil que as autoridades nacionais ou da CE consigam reunir elementos e provas
suficientes para ter pistas de investigação e sancionar as empresas por ter incorrido em
prática coletiva.

Nota: Quando se fala em isenção é apenas isenção de coima – da sanção administrativa


de que essas empresas podem ser alvo. Não se fala da responsabilidade civil em que essas
empresas possam incorrer

O aumento do private enforcement (dos pedidos indemnizatórios), pode ser um contra


incentivo a que as empresas venham a participar em carteis. Se calhar mais vale uma
empresa confessar: uma empresa fica apenas com a imagem suja e não paga coima,
enquanto os concorrentes tanto ficam com imagem suja como pagam a coima. Mas
também pode acontecer que o pagamento de indemnizações possa ser tão alto que não
valha de todo a pena à empresa dizer nada, podendo livrar-se das indemnizações e até da
condenação em coima.

Ou seja, esta possibilidade traduz-se na concessão ao denunciante de:


- Dispensa total de coima: se revelar a sua participação em cartel, for a primeira empresa
a fornecer elementos de prova que a AdC julgue relevantes (art. 77º, nº1), cooperar
plenamente com a Autoridade da Concorrência (art. 77º, nº2, al. a)), puser termo à
participação na infração (exceto se isso prejudicar a investigação) e desde que não tenha
coagido outras empresas a participar no cartel;
- Redução do montante de coima: se as empresas que se seguirem conseguirem trazer
mais informação significativa. Esta redução pode ser de 30% a 50% para a primeira, 20%
a 30% para a segunda e até 20% para as restantes.

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

No regime português e europeu, o primeiro denunciante pode fazer uma pré-reserva de


imunidade, são os chamados “marcos”), comunicando à AdC ou à Comissão a existência
de um cartel ainda que não tenha suficientes provas disponíveis – basicamente, confessa
que participa no cartel e ainda que não tenha informações suficientes para informar a
AdC, garante que em determinado tempo as terá.

NOTA: Se outra pessoa/empresa do mesmo cartel fizer isso primeiro, é ela que fica isenta.

Nesses casos, e se as autoridades acreditarem na fiabilidade da informação, é-lhe


garantido que, dentro de um dado período (fixado caso a caso), ele terá prioridade sobre
qualquer outro denunciante que, entretanto, apareça (ponto 15 da Comunicação da
Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas; art. 4º Regulamento 1/2013).

Ao mesmo tempo que a existência deste procedimento tem efeitos importantes do ponto
de vista de sancionar carteis existentes (porque é cada vez mais difícil de obter informação
e as sanções são cada vez mais severas), tem uma importância grande em termos
preventivos. Isto porque vem criar um elemento de instabilidade que antes não existia.

Cada vez mais as empresas têm receio de participar neste tipo de arranjos e cada vez mais,
ao primeiro sinal de instabilidade, terão tendência a sair ou a confessar a sua participação.

É importante referir, finalmente, que as pessoas singulares responsáveis por uma infração
nos termos vistos, podem também beneficiar deste regime _ art. 76º, al. b).

Ficha de trabalho nº6, grupo V


Por requerimento apresentado, nos termos e para os efeitos do regime de dispensa ou
atenuação especial de coima, previsto no artigo 75.º e ss. da LdC, por A, Diretor Geral
da Eurest, este comunicou à AdC que um conjunto de empresas ativas no mercado das
refeições e serviços de gestão e exploração de espaços de restauração coletiva
(cantinas, refeitórios e restaurantes) e pessoas singulares, haviam acordado entre si a
fixação de preços e quotas de mercado no mercado da prestação de serviços de
fornecimento de refeições, nos setores hospitalar, escolar, prisional, indústria e
serviços. Em particular, as empresas em causa procediam à fixação dos preços que
apresentariam em concursos públicos ou em convites à contratação dos serviços em
apreço, visando, por esta via, garantir a manutenção dos respetivos clientes, através
de um direito de preferência na contratação das empresas incumbentes em relação às
suas concorrentes. Resultava, ainda, do acordo a atribuição a cada participante de uma
compensação, no caso de uma prestação de serviços não lhe ser adjudicada, bem como
a possibilidade de as empresas - se insatisfeitas com as condições de preço propostas
pelo cliente -, provocarem a abertura de novo concurso, no qual as suas concorrentes
colaborariam com a apresentação de propostas de preços mais altos.
Enquadre, normativamente, os comportamentos das empresas em questão.
Cf. Decisão da AdC, no PRC/2007/2

Mariana Coelho e Lara Oliveira 48


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nota: já sabemos que o DConcorrência tem um âmbito normativo muito restrito.

“ Por requerimento apresentado, nos termos e para os efeitos do regime de dispensa ou


atenuação especial de coima, previsto no artigo 75.º e ss. da LdC”- fala-se aqui na
possibilidade de clemência, i.e., na possibilidade dada às empresas de beneficiarem de
isenção total de pagamento de coima, desde que sejam as primeiras a denunciar a prática
restritiva de que foram parte. Como é óbvio, este é um fator desestabilizador de práticas
como carteis, na medida em que as empresas terão sempre medo de que as outras as
denunciem. É ainda claro que apenas o primeiro denunciante beneficia de uma isenção
total, tendo os seguintes direito a uma mera redução da coima.

Releva neste caso a questão do Private Enforcement, na medida em que os lesados podem
obter compensação por danos a si causados, o que faz com que as empresas pensem duas
vezes antes de praticar atos restritivos da concorrência.

O enunciado indica-nos o mercado relevante aqui em causa - “mercado da prestação de


serviços de fornecimento de refeições, nos setores hospitalar, escolar, prisional, indústria
e serviços”.

Quando falamos de empresas incumbentes (“na contratação das empresas incumbentes


em relação às suas concorrentes”) falamos de empresas que estão já a prestar serviços.

“Além do mais, resultava do acordo a atribuição a cada participante no esquema de uma


compensação, no caso de uma prestação de serviços não lhe ser adjudicada, bem como
a possibilidade de as empresas, se insatisfeitas com as condições de preço propostas pelo
cliente, provocarem a abertura de novo concurso, no qual as suas concorrentes
colaborariam com a apresentação de propostas de preços mais altos.” - o que está em
causa aqui é que, através deste tipo de acordos, decide-se a priori quem vai ganhar
determinado concurso público, através de propostas fictícias ou mesmo inexistentes dos
concorrentes. Temos ainda associada a estes acordos uma ideia de rotatividade, na medida
em que se garante que as várias empresas terão depois oportunidade de serem elas a
ganhar concursos no futuro. Garante-se, por fim, a distribuição do surplus conseguido
(pela empresa vencedora) por todas as empresas, sob a forma de prémio - pretende-se
sempre garantir benefícios a todas estas empresas envolvidas.

Este caso, ao contrário do que temos vindo a ver, foi decidido pela AdC (Autoridade da
Concorrência), pelo que partimos do disposto no artigo 9.º LdC. Ora, para efeitos de
resolução do caso temos, então, de identificar os pressupostos de aplicação do normativo:
“1 - São proibidos os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e
as decisões de associações de empresas que tenham por objeto ou como efeito impedir,
falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado
nacional, nomeadamente os que consistam em: […]
2 - Exceto nos casos em que se considerem justificados, nos termos do artigo seguinte,
são nulos os acordos entre empresas e as decisões de associações de empresas proibidos
pelo número anterior.”

Mariana Coelho e Lara Oliveira 49


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O nº1 deste artigo opera uma proibição de acordos, práticas concertadas e decisões de
associações de empresa que tenham por objeto ou por efeito uma restrição da
concorrência, sendo essa uma restrição sensível que afete ou que se verifique em parte ou
no todo do território nacional.

Partindo deste normativo, consideramos o conceito de empresa, de acordo com o disposto


no artigo 3.º LdC (“1 - Considera-se empresa, para efeitos da presente lei, qualquer
entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto
jurídico e do seu modo de financiamento.”) - empresa é a entidade que preste bens ou
serviços em determinado mercado, sendo este um conceito funcionalizado. Ora, não há
aqui duvidas, na medida em que temos entidades que se dedicam à prestação de serviços.

Cabe-nos depois analisar qual o mercado em causa, para entender qual o contexto
jurídico-económico da prática que se visa enquadrar - e.g: se existem barreiras à entrada
no mercado, se esse é altamente concentrado, etc.

No nosso caso o mercado relevante é o “mercado da prestação de serviços de


fornecimento de refeições, nos setores hospitalar, escolar, prisional, indústria e
serviços”, sendo que, no que diz respeito ao ponto de vista geográfico, não há qualquer
justificação razoável para uma segmentação local - está em causa o mercado nacional.

Já analisamos então os dois conceitos basilares de aplicação das normas de Direito da


Concorrência - o de empresa e de mercado relevante.

Pressupostos de aplicação do artigo 9.º LdC - análise


 Existência de acordo, associação de empresas ou prática concertada - podemos afastar
associação de empresas, na medida em que temos várias empresas que concordaram
entre si uma fixação de preços. Este acordo foi celebrado entre que tipo de empresas?
Concorrentes, pelo que temos um acordo horizontal, o que releva na medida em que
podemos ter uma isenção de categoria.
 Este acordo visa restringir a liberdade comercial entre as empresas, na medida em que
as empresas concordaram absterem-se de atuar de determinada forma - acordo que
assegura as empresas quanto ao comportamento de concorrentes no mercado.
 Mas será este um acordo sensível? Nele discutiram-se preços e a alocação de clientes,
pelo que podemos afirmar estar perante um acordo restritivo por objeto, identificando-
se uma danosidade intrínseca que permite à Autoridade da Concorrência condenar as
empresas sem necessidade de verificar uma efetiva produção de efeitos no mercado.

Estamos particularmente perante um acordo bid-rigging - conluio na contratação publica


ou manipulação de ofertas - que pode incluir realidades e acordos bem diferentes entre si.

Sobre os preços que cada entidade vai apresentar num ou em vários concursos, temos um
acordo em que as empresas concordam em não se apresentar em dado concurso - que,
como já vimos, pode implicar uma limitação de produção e investimento -, bem como
pelo qual concordam num sistema de rotação (por cada e a cada mês, vai uma diferente
empresa a concurso, ganhando à vez).

Mariana Coelho e Lara Oliveira 50


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Temos ainda uma outra questão - a questão de mercado e de alocação de clientela.

Ora, estes acordos afetam sobretudo entidades públicas, que dependem na maior parte
dos casos da abertura de concurso, gerando o que se visa evitar com a concorrência efetiva
- o aumento dos preços, a diminuição da produtividade e a diminuição da inovação.

Ora, de acordo com a jurisprudência do TJUE, nos acordos restritivos por objeto presume-
se o seu carácter sensível.
 Esta prática estende-se, como já vimos, a todo o território nacional, restringindo assim
a concorrência a nível nacional.

4. ACORDOS VERTICAIS
Os acordos verticais são acordos entre empresas e partes não concorrentes.

Note-se que se for um acordo imposto por uma posição dominante, não estaremos a falar
de um acordo, mas sim de um abuso por parte dessa empresa dominante perante empresas
que dependerão dela - se se lhe impõem determinadas condições e não as podem recusar,
o que está em causa não é um acordo, já que as empresas mais fracas foram forçadas a
aceitar porque a alternativa era, no caso de uma distribuidora, a não distribuição – arts.
102.º TFUE e 8.º LdC.

Nota: Sabermos se a aplicação ou execução desse acordo deve ser tratado como acordo
ou como imposição é difícil.

Já sabemos que os acordos, horizontais e verticais, podem ser objeto de uma justificação
económica nos termos do art.101.º, nº3 TFUE (ou 10.º LdC), individual ou por categoria.

Se beneficiarem dessa justificação, ficam isentos à proibição do art. 101º, ou seja, são
autorizados por lhes ser reconhecida a ausência de efeitos anti concorrenciais.

É neste quadro de isenção geral que se situa o regime específico das restrições verticais,
que estão genericamente abrangidas por um Regulamento de Isenção.

No entanto, importa notar que esta figura não abrange, pelo menos necessariamente: as
relações entre empresas que tenham entre si relações de domínio ou grupo, nem as
relações entre empresas não concorrentes impostas por uma delas que goze de posição
dominante no seu mercado.

O que está em causa nestas duas situações não é verdadeiramente um acordo livremente
estabelecido entre empresas autónomas, mas:
− No 1º caso, uma repartição de funções económicas dentro do mesmo grupo;
- No 2º caso, um comportamento individual e potencialmente abusivo da empresa
dominante que poderá estar a incorrer numa infração presente no art. 102.º e não no 101.º.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 51


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

A maior parte dos acordos verticais não tem por objetivo, nem tem como efeito, restringir
ou eliminar a concorrência; pelo contrário, ao permitirem separar a função produtiva da
função comercial revelam-se essenciais para o funcionamento eficiente da economia
como um todo.

Assim, a esmagadora maioria dos acordos de distribuição beneficiará da isenção


concedida a acordos que demonstrem não ser prejudiciais à concorrência por o seu
balanço económico ser globalmente positivo (arts. 101.º, nº3 e 10.º LdC).

Como já vimos, esta isenção pode ser concedida a um determinado acordo a título
individual, se as partes interessadas entenderem submetê-lo à Comissão ou à autoridade
nacional da concorrência, ou através de uma isenção em bloco, nos termos definidos pelo
Regulamento aplicável ao caso concreto.

É o que acontece com certas categorias de acordos que, segundo as regras da experiência,
não irão normalmente impedir ou falsear a concorrência desde que respeitem certos
parâmetros, que cada um desses Regulamentos define.

Regulamento atualmente em vigor – 2022/720 (RIAV – Regulamento de Isenção para


Acordos Verticais), que tem de ser coordenado com as orientações da Comissão Relativas
às Relações Verticais (Comunicação 2022/C 248/01), que contém indicações muito
importantes para a interpretação do regulamento.

Nota: As orientações são muito úteis na explicação do modo como estas regras se aplicam
a certos tipos contratuais, e quanto à interpretação mais acertada de certas disposições do
Regulamento, no entendimento e prática da Comissão. No entanto, devemos recordar que
elas não vinculam os Tribunais, sejam os nacionais ou os da UE, podendo estes afastar-
se das indicações e interpretações propostas.

Em termos simples, o regulamento isenta da proibição do art. 101º TFUE todos os acordos
verticais que cumprirem com um dado número de condições (positivas e negativas).

Fala-se a este propósito de um “porto seguro” (safe harbor), onde esses acordos ficam a
salvo de ser sancionados pela Comissão Europeia ou pelas Autoridades da Concorrência.

A este propósito, é muito importante referir a presença de listas de cláusulas – umas que
conduzem à invalidade de todo o acordo (lista negra) e outras que estando presentes no
acordo, por serem menos graves, não vão levar à invalidade de todo o acordo, tendo,
porém, as cláusulas de desaparecer para que este não perca a sua validade (lista cinzenta).

NOTA: Quando se fala em comprador e vendedor, podemos substituir os termos por


distribuidor e fornecedor, respetivamente,

NOTA: Os distribuidores têm de ter cuidado com os acordos que estabelecem, porque
podem ter duas consequências – DPrivado (indemnização) e DPúblico (coima pela AdC).
É muito raro, pelo menos a nível nacional, que um acordo de distribuição (não associado
a abuso de posição dominante) dê origem a uma multa.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 52


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Requisitos genéricos de isenção:


1) Nos termos do art. 3.º, nº1, a isenção apenas é aplicável se as quotas de mercado do
vendedor (fornecedor) ou do comprador (distribuidor), calculadas pelo art. 8.º, não
excederem 30% dos mercados em que, respetivamente, cada um deles vende ou compra
os “bens ou serviços contratuais”.
Se essas quotas forem inferiores a 30% no momento da conclusão do acordo, mas
posteriormente (durante a vigência do acordo) ultrapassarem esse limite, ainda podem
beneficiar da isenção durante os dois anos civis seguintes àquele em que se tornaram
superiores a 30% (al. d).

2) O acordo não pode incluir nenhuma das cláusulas constantes do art. 4.º RIAV (a “lista
negra”) - se o fizer a isenção é retirada de imediato, sendo integralmente aplicável ao
acordo o regime geral do art. 101.º TFUE. Pode, no entanto, conter alguma(s) das
cláusulas incluídas na “lista cinzenta” do art. 5.º - se o fizer, essas cláusulas (e só elas)
serão sujeitas ao escrutínio do 101.º não sendo afetada a validade o acordo como um todo.

3) Nos termos do art. 7.º, a Comissão pode ainda decidir, através de Regulamento, que a
isenção conferida pelo RIAV não se aplica a determinado mercado se constatar que nesse
mercado existem redes paralelas de restrições verticais idênticas aplicadas por diferentes
operadores (sejam fornecedores ou distribuidores) e que essas redes representam mais de
50% do total das compras ou vendas no mercado em causa.

Ficha de trabalho nº7, grupo I

O grupo Lactogal, ativo na produção e comercialização de lacticínios, desenvolve a


sua atividade na produção e comercialização, a nível nacional e internacional, de
lacticínios e outros produtos alimentares sob insígnias líderes, como a Mimosa,
Gresso, Agros, Adágio, Matinal, entre outras. Em setembro de 2010, a Lactogal
possuía 55 distribuidores em Portugal, com os quais celebrara contratos de teor
idêntico, com a seguinte cláusula: «1. […] o segundo outorgante [o distribuidor] fica
obrigado a praticar e respeitar, como preços mínimos obrigatórios, os preços de venda
pré-tabelados pela LACTOGAL, ficando desde já estabelecidos, a partir da data que
antecede as assinaturas do presente contrato e até alterações futuras, os preços que
constam da tabela que fica junta e a constituir o ANEXO IV».
Cf. Decisão da AdC, no PRC/2010/4

1. Enquadre normativamente o comportamento da Lactogal, à luz do disposto no


regime jurídico da concorrência e considerando, em particular, o disposto no
Regulamento (UE) 2022/720 da Comissão de 10 maio de 2022 (ex vi artigo 10.º, nº3 LdC).

Como temos vindo a perceber, tanto o artigo 101.º, nº1 TFUE como o 9.º LdC proíbem
acordos, práticas concertadas e as decisões de associação de empresas que tenham como
objetivo restringir, falsear ou reduzir a concorrência de mercado, afetando as trocas ora
entre EM, ora dentro do território nacional.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 53


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Deste modo, podem estar em causa acordos entre empresas concorrentes entre si ou
acordos verticais – estes últimos efetivamente não envolvem empresas concorrentes, mas
sim empresas ativas em diferentes estádios da cadeia produtiva.

Atentemos ao disposto no artigo 101.º TFUE.


“1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre
empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas
que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por
objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno,
designadamente as que consistam em: […]
2. São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo.
3. As disposições no n.º1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis: — a qualquer
acordo, ou categoria de acordos, entre empresas, — a qualquer decisão, ou categoria de
decisões, de associações de empresas, e — a qualquer prática concertada, ou categoria
de práticas concertadas, que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição
dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que aos
utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que:
a) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam
indispensáveis à consecução desses objetivos;
b) Nem deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente
a uma parte substancial dos produtos em causa.”

O nº3 deste artigo, em conjunto com o art. 10.º LdC, incluem a possibilidade de esses
acordos poderem ser justificados, sendo, desse modo, isentos da aplicação do disposto no
101.º TFUE e no 9.º LdC, quando consigam gerar benefícios ou eficiências capazes de
compensar as inevitáveis perdas advindas de uma qualquer restrição da concorrência.

Note-se que a prova dos pressupostos desta exceção cabe às empresas, e já não à AdC.

Em determinadas circunstâncias, a referida isenção resulta dos designados Regulamentos


de Isenção por Categoria (RIC), que determinam a inaplicabilidade do artigo,
estabelecendo o seu safe harbor (porto seguro) - os acordos que preencham as condições
previstas no RIC consideram-se não sujeitos à aplicação dos arts. 101º TFUE e 9º LdC.

Temos depois de atentar no Regulamento 2022/720, que corresponde a um regulamento


de isenção, em matéria de acordos verticais. Falamos aqui de uma isenção por categoria
(RIC), que corresponde a um porto seguro ou zona de segurança para os acordos verticais,
desde que verificadas 2 condições (negativas):
 As quotas de mercado do fornecedor e do comprador nos mercados relevantes não
excedam cada uma 30% (limites do art. 3º) - artigo 3.º;
 O acordo não contenha restrições graves - artigo 4.º.

Este é um regulamento relativo ao art. 101º, nº3 TFUE.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 54


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Ora, se o acordo não cumprir uma ou ambas destas condições, então o acordo não
beneficia deste porto seguro, ou seja, é alvo de aplicação dos arts. 101.º e 9.º, pelo que
vamos analisar os pressupostos e ver se há ou não restrição e se esta é ou não justificada.

Nota: Este regulamento é simplificatório, contribuindo para uma mais célere e fácil
análise de práticas verticais.

Nota: Existem questões relevantes quanto ao cálculo da quota de mercado, mas não nos
vamos agora ocupar disto. Vamos focar-nos na análise do acordo, identificando se este
contem ou não restrições graves.

Analisemos agora a matéria das restrições graves, que resulta do art. 4.º do Regulamento.

Note-se que, quando se proíbe um acordo cujo conteúdo seja o da restrição do território
ou dos clientes aos quais o distribuidor pode vender os seus produtos (do produtor), não
estamos a incluir aqui aquelas situações em que, pelo tipo de produto em causa, o
fornecedor poderá organizar uma rede de distribuidores dotados de certas características.

Alínea a) – circunstancia de um fornecedor estar a impor um preço que os seus


compradores vão ter de praticar – a partir do momento que um fornecedor decide vender
os seus produtos a empresas autónomas, este já não pode impor um preço de venda – o
que pode existir é um preço de venda máxima ou uma recomendação de preço
Alínea b) – circunstância de um fornecedor impor um sistema de distribuição exclusiva,
que resulte na restrição do território ou de clientela a que os vendedores têm acesso, na
qual constam algumas exceções
Alínea e) – resulta no impedimento da utilização efetiva da Internet pelo comprador ou
pelos seus clientes para vender os bens ou serviços contratuais - novidade decorrente dos
tempos em que vivemos, sendo que, antes de esta estar expressamente consagrada no
artigo, se chegava ao disposto na mesma através da disposição que proíbe a restrição de
clientes e de território.

Este artigo 4.º consiste então, de certa forma, numa lista negra, na medida em que
determina a inaplicabilidade do porto seguro operado por este regulamento.

Temos ainda no artigo 5.º a designada lista cinzenta que consiste num conjunto de
restrições que também se excluem da aplicação da isenção dos artigos anteriores, sendo
que aqui a inaplicabilidade se prende com a própria obrigação assumida. Estas restrições
são importantes pois, se presentes num determinado acordo, não vão ser abrangidas pelo
Regulamento de Isenção por Categoria, no entanto, se forem retiradas do acordo, não
afetam a aplicabilidade da isenção por categoria ao restante regulamento.

Ora, não obstante existir esta isenção, que claramente muda e de certo modo simplifica a
análise que devemos fazer, temos sempre de analisar todos os restantes pressupostos, tal
como fizemos até agora com os acordos horizontais. Ou seja, se tivermos uma prática
que, por força do artigo 4.º ou 5.º, se exclua da isenção por este regulamento operada, não
podemos concluir automaticamente pela existência de uma prática restritiva condenável

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

pelas autoridades competentes - teremos de analisar os pressupostos dos artigos 101.º


TFUE e 9.º LdC, e tomar em consideração o disposto no 101.º, nº3 TFUE.

A Comissão e a Autoridade da Concorrência podem ainda, fora os casos dos artigos 4.º e
5.º do Regulamento, afastar a isenção perante casos concretos, nomeadamente nas
situações em que num mesmo mercado há vários acordos do mesmo tipo, não se
justificando assim uma isenção – artigo 6.º.

Agora relativamente ao Caso Lactogal:


Foi aqui celebrado um contrato geral de fornecimento (CGF), divulgado e publicitado,
que fixava um preço mínimo obrigatório de venda dos produtos (acordo de fixação de
preços de venda) – prática expressamente proibidas pelos artigos 101.º TJUE e 9.º LdC.

Tínhamos, no nosso caso, acordos que envolviam a fixação de preços de venda, parecendo
assim correto um enquadramento nos comportamentos elencados na alínea a) do nº1 do
artigo 101.º TFUE e na alínea a) do nº1 do artigo 9º LdC.

O caso é claramente nacional, pelo que estará em causa a aplicação do artigo 9º LdC.

Antes dos pressupostos, importa referir o conceito de empresa, ditado pelo art. 3.º
Regulamento 2022/720 (“Considera-se empresa, para efeitos da presente lei, qualquer
entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto
jurídico e do seu modo de financiamento”) – concluímos que estamos aqui perante
empresas, porque ambas fornecem e comercializam bens num dado mercado (laticínios).

Vamos então analisar os pressupostos do artigo 9.º LdC:


 Pressuposto subjetivo - falamos aqui nas entidades abrangidas pelo DConcorrência,
sabendo já que se aplica uma noção funcional do conceito de empresa, sendo que
neste caso as empresas eram ativas na produção e comercialização de lacticínios, que
é uma atividade económica de produção e fornecimento de bens no mercado nacional.
Vemos então este requisito cumprido- estamos indubitavelmente perante empresas
 Temos de estar perante um acordo, prática concertada ou decisão de associação de
empresas - no nosso caso parece que estamos perante um acordo, em que a
concordância de vontades é expressa e evidente, pelo em que termos de intensidade,
não temos grandes dúvidas. Este acordo, porque estabelece a forma como os bens em
causa são vendidos e comercializados, é um acordo vertical, nos termos do artigo 1.º
Regulamento 2022/720

 Estamos claramente perante um caso de afetação do território nacional

Como estamos perante um acordo vertical, temos de atender à particularidade dos


mesmos, pelo que temos de avaliar se existe um Regulamento de Isenção por Categoria.

Mas será que se aplica a isenção prevista no artigo 2.º do Regulamento? Teremos de
verificar se as condições já mencionadas, que são cumulativas, estão ou não preenchidas:

Mariana Coelho e Lara Oliveira 56


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a) Limite da quota de mercado (art. 3.º ou 30%) - não nos são disponibilizados aqui
dados suficientes, pelo que teríamos de problematizar ambas as opções;
b) Não presença de restrições graves contidas no acordo vertical (artigos 4.º e 5.º).

Vamos então ver se enquadramos a nossa situação em algum caso do artigo 4.º- Ora, o
que estava em causa no nosso acordo era a obrigação dos distribuidores praticarem os
preços de revenda definidos pela Lactogal, pelo que temos uma clara restrição direta da
definição dos preços de revenda.

Desde logo, esta é uma restrição por objeto, o que já sinaliza um enquadramento nas
situações do artigo 4.º- enquadramos então o nosso caso na alínea a), sem prejuízo da
possibilidade de definição de preços máximos ou recomendados - no nosso caso
estávamos perante uma imposição de preços de venda efetivos – os fornecedores não têm
margem para fixar o seu preço de revenda, pelo que, ao fazê-lo, há uma restrição da
concorrência intra-marcas (falamos de distribuidores e produtores da mesma marca).

Como já sabemos, eliminando-se a isenção por categoria não podemos automaticamente


concluir que o comportamento se inclui no 101.º, nº1 TFUE e que não se justifique nos
termos do nº3 do mesmo artigo.

Continuamos assim a análise dos pressupostos de aplicação do 101.º TFUE e do 9.º LdC.
i. Já vimos que estamos perante uma empresa;
ii. E que está em causa um acordo vertical;
i. Há um caracter sensível da restrição - estando em causa uma restrição por
objeto, o TJ entende que, independentemente do poder ou quota de mercado
(que aqui não sabemos), há caracter sensível da mesma, ou seja, a restrição da
concorrência é sensível – comunicação de minimis
ii. Há afetação de todo ou de parte do território nacional

Ora, mesmo que verificados os pressupostos de aplicação dos artigos supramencionados,


a verdade é que podemos ter uma justificação da prática nos termos dos artigos 10.º LdC
e 101.º, nº3 TFUE.

No entanto, é geralmente difícil para as empresas conseguirem provar, em matéria de


fixação de preços, as eficiências e benefícios que possam estar associadas a essas práticas.
De qualquer modo, para uma “justificação” da prática teriam que estar preenchidos os 4
critérios ou requisitos cumulativos que foram já objeto de análise em aulas anteriores.

NOTA: Nas orientações da Comissão, que devemos ler em paralelo com o Regulamento,
fixa-se que há margem para o estabelecimento e fixação de preços pelo fornecedor.

O art. 10.º, nº3 afirma que se aplicam as isenções que foram geradas pela Comissão, daí
a aplicação do regulamento acima referido.

CONCLUSÃO: Enquadramos o problema no âmbito do DConcorrência, concluímos pela


existência de um acordo vertical, analisamos as condições do regulamento de isenção,
verificamos o preenchimento dos pressupostos do 101.º TFUE e do 9.º LdC e verificamos
a possibilidade de isenção nos termos do 101.º, nº3 TFUE.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 57


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a. A sua resposta seria a mesma caso os preços de venda pré-tabelados pela


LACTOGAL correspondessem a preços recomendados?
Se estivéssemos perante preços meramente recomendados, estaríamos perante o âmbito
do artigo 4.º, al. a) do Regulamento, na medida em que este estabelece claramente “sem
prejuízo da possibilidade de o fornecedor impor um preço de venda máximo ou de
recomendar um preço de venda”. Ou seja, desde que as partes se contenham nas quotas
de mercado referidas no artigo 3.º (igual ou inferior a 30%), parece que não haveria
problema neste caso, logo a prática não seria considerada uma restrição grave, aplicando-
se, então, a isenção por categoria (RIC).

Note-se no entanto que temos de estar perante verdadeiros preços recomendados, isto é,
não se podem tratar, na prática, de estabelecimento de preços fixos ou de preços mínimos
- “ […] desde que estes não correspondam a um preço de venda fixo ou mínimo como
resultado de pressões ou de incentivos oferecidos por qualquer das partes;”. Concluímos
assim que não podemos chegar, ainda que por outro meio (ou por meio disfarçado ou
indireto) ao mesmo resultado de fixação de preços de revenda, na medida em que isso irá
sempre balizar a autonomia contratual dos distribuidores.

Efetivamente podem ser fixados preços de venda, não apenas por forma direta, mas
também por formas indiretas. Estas formas indiretas podem passar, por exemplo, pela
fixação do nível máximo de descontos.
Exemplo 1: B pode, no máximo, aplicar 5% de desconto, pelo que restringimos assim a
sua margem de venda
Exemplo 2: B faz a promoção, praticando um preço promocional de 2,10 euros, mas o
fornecedor só pratica esta promoção se esse for o preço for aplicado.

A verdade é que os retalhistas dependem dos fornecedores em termos de promoções, na


medida em que há uma comparticipação dos mesmos de forma a beneficiar distribuidor
e produtor - p.eg: o produtor faz um preço especial devido ao grande numero de produtos
que irão para distribuição, beneficiando também na medida em que irá produzir mais e
vender mais. Ora, não corresponderá isto a uma verdadeira restrição, na medida em que
há um contacto entre as partes e o estabelecimento de uma estratégia que beneficia ambas
as partes, sendo estas práticas normais no mercado da concorrência.

Por fim, temos ainda meios contendentes com ameaças, pressões, vigias, etc.
Faz assim sentido que no caso de intimidações, ameaças, etc, sejam previstas sanções, na
medida em que aí temos já um verdadeiro incumprimento de normas de DConcorrência,
já que nunca poderá ser esta a base do corte ou da cessação da relação comercial - o
produtor não está obrigado a celebrar nem a manter em vigor um acordo com determinado
distribuidor, mas a base dessa cessação terá de ser legítima, e não coerciva.

Têm, aliás, vindo a ser desenvolvidos mecanismos de controlo de preços, podendo aliás
os distribuidores fazer queixa uns dos outros se entenderem que a relação desenvolvida
entre um concorrente e o produtor consiste no mascaramento de verdadeiros preços fixos.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 58


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b. E se, em tal caso (preços recomendados), a LACTOGAL implementasse um sistema


de monitorização e de retaliações dirigidas aos retalhistas que incumprissem tais
preços recomendados?
A resposta não seria aqui a mesma, isto porque o próprio artigo 4.º estabelece que os
preços recomendados só se incluem no âmbito da isenção do artigo 2.º se forem
verdadeiramente preços recomendados, não podendo haver definição de preços por meios
indiretos como o estabelecimento de sanções ou ameaças.

4.1. ACORDOS DE DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA E SELETIVA

1) Acordos de distribuição exclusiva


Artigo 1º, nº1, al. h) RIAV: o fornecedor atribui um território ou um grupo de clientes
exclusivamente a si próprio ou a um máximo de cinco compradores e restringe a
possibilidade de todos os outros compradores venderem ativamente no território
exclusivo ou ao grupo exclusivo de clientes.

A concessão deste exclusivo em favor do distribuidor acarretará normalmente, como


contrapartida, o impedimento de este vender os seus produtos em zonas, ou a clientes,
que tenham sido atribuídos a outros distribuidores.

Embora não seja regra, na maioria das vezes, um acordo de venda exclusiva vem
acompanhado de uma cláusula de proteção territorial. Isto não permite, porém, que um
fornecedor imponha a qualquer distribuidor uma proibição de vendas paralelas. O
fornecedor não pode impedir nenhum distribuidor de vender a terceiros ainda que saiba
que esses terceiros vão vender noutras zonas de exclusividade.

Os acordos de distribuição exclusiva trazem vantagens para fornecedor e comprador:


- Para o distribuidor: maior poder de mercado dentro da zona ou do grupo de clientes em
que atua sozinho ou com uma concorrência limitada; sendo a rede de distribuidores
limitada, estes poderão provavelmente beneficiar de mais apoios e melhores condições
junto dos fornecedores;
- Para o fornecedor: maior facilidade em controlar e gerir o seu negócio em cada área
geográfica ou grupo de clientes finais, e sobretudo em identificar e corrigir ineficiências
na sua rede de distribuição; gestão e proteção uniforme da imagem da marca; economias
de escala ao nível, de transportes, marketing, logística, etc.
- Para o consumidor: benefícios decorrentes de um sistema de distribuição mais eficiente
e mais económico deverão repercutir-se num produto final (incluindo aqui a fase de
distribuição) com mais qualidade e a um melhor preço.

Já quanto aos principais perigos para a concorrência e mercado: Limitar ou impedir a


concorrência intra-marca: Se um distribuidor detém o monopólio dentro da zona ou do
grupo de clientes, o seu incentivo a melhorar o serviço (através da melhoria da qualidade,
da descida do preço ou da inovação) é drasticamente reduzido;

Mariana Coelho e Lara Oliveira 59


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2) Acordos de distribuição seletiva


São acordos em que o fornecedor seleciona os distribuidores que ficarão autorizados a
revenderem os seus produtos ao público, limitando assim o acesso aos seus produtos por
parte de revendedores interessados em distribuí-los.
Distinguem-se dos anteriores porque aqui a concorrência intra-marca não é totalmente
eliminada, ou restringida a um máximo de cinco distribuidores, mas simplesmente
limitada àqueles que merecerem a confiança do fornecedor, sem que haja um número
máximo pré-estabelecido.

Segundo o art. 1.º, nº1, al. g) RIAV, este é um sistema de distribuição em que “o
fornecedor se compromete a vender os bens ou serviços contratuais, quer direta quer
indiretamente, apenas a distribuidores selecionados com base em critérios especificados
e em que estes distribuidores se comprometem a não vender tais bens ou serviços a
distribuidores não autorizados no território reservado pelo fornecedor para o
funcionamento de tal sistema;”

Estes acordos diferem do anterior por não estarem associados a limitações com base no
território ou nos clientes: a seleção dos distribuidores tem de obedecer a critérios gerais,
que valham para todos relativamente à distribuição daqueles produtos.

Por fim, não é comum, como é na distribuição exclusiva, que neste sistema de distribuição
exista uma obrigação de marca única por parte do distribuidor: o mais frequente é que os
distribuidores autorizados revendam igualmente produtos concorrentes, frequentemente
direcionados aos mesmos segmentos de mercado.

Estes acordos têm, como é claro, vantagens:


- Para o distribuidor: maior poder de mercado; evitar concorrência parasitária (free-
riders); prestígio associado à qualidade de revendedor selecionado; relação mais próxima
com o fornecedor (como no caso anterior).
- Para o fornecedor: manutenção de uma imagem uniforme da marca; controlo da
qualidade da distribuição, que pode determinar as condições em que o produto chegará
ao consumidor final, e em última análise se este ficará ou não satisfeito; escolha de
distribuidores que mereçam confiança técnica e financeira.
- Para os consumidores: melhor qualidade no serviço de venda e pós-venda

Mas estas vantagens têm um reverso da medalha, e estes acordos levantam sobretudo duas
questões em termos das regras da concorrência: diminuição drástica da concorrência
intra-marca, sobretudo da concorrência baseada no preço; discriminação de parceiros
comerciais, contrária ao preceituado no art. 101.º, nº1, al. d).

A jurisprudência veio definir três critérios essenciais para julgar a admissibilidade destas
restrições, e pelos quais os casos posteriores se viriam a guiar. São eles:
- As características do produto ou serviço têm de justificar a seleção dos distribuidores -
produtos associados a uma imagem de luxo (joalharia, perfumes) e produtos dotados de
complexidade técnica ou tecnológica (computadores, sistemas de som e imagem...);

Mariana Coelho e Lara Oliveira 60


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

- Os critérios de seleção dos distribuidores devem ser objetivos e de natureza qualitativa,


fixados de maneira uniforme e não podem ser utilizados de forma arbitrária com o intuito
de discriminar parceiros;
- A aplicação dos critérios não pode ir além do necessário para garantir os objetivos
pretendidos, relativamente aos produtos em causa.

O TJ esclareceu que qualquer selective distribution system que não respeite os critérios é
ilegal por objeto (independentemente da demonstração dos concretos efeitos provocados).

Ficha de trabalho nº7, grupo II


A sociedade X explora uma empresa de comércio por grosso, contando com cerca de
trinta estabelecimentos, na Alemanha e em outros Estados-Membros. A sua forma de
distribuição consiste em abastecer-se por grosso junto dos produtores, relativamente a
uma larga gama de produtos, com o objetivo de os revender, quer a retalhistas (para
posterior revenda ao consumidor final), quer a empresários comerciais, artesanais
ou industriais (‘utilizadores finais profissionais’). X distribui estes produtos através
de um sistema «cash and carry», nos termos do qual os compradores se abastecem nos
locais de venda das mercadorias armazenadas.
X solicitou à S - empresa ativa na comercialização de aparelhos eletrónicos de recreio
-, a sua admissão como distribuidora dos produtos da S, através do seu sistema
«cash and carry». No entanto, tendo tido conhecimento das condições às quais a S
sujeita a concessão do estatuto de distribuidor S (incluindo a exigência do
cumprimento de objetivos de sustentabilidade, como a implementação de medidas de
reciclagem, e, bem assim, a proibição de os seus distribuidores fornecerem aparelhos
da S a utilizadores finais), X considera que o sistema de distribuição posto em prática
pela S constitui uma infração ao disposto no artigo 101.º do TFUE. Questionada por
X, a S entende que a sua política é legítima.
Cf. acórdão do Tribunal, de 25.10.1977, Metro SB-Großmärkte GmbH & Co. KG contra Comissão
das Comunidades Europeias, ECLI:EU:C:1977:167 (com adaptações várias)

Neste caso temos utilizadores que vão utilizar o produto em causa numa ótica
profissionalizante - mas são os consumidores finais, ainda que numa ótica diferente
daquela em que temos pensado.

Ora, como já vimos, cabe no domínio das liberdades do fornecedor o organizar o modo
de distribuição dos bens que produz, podendo optar de entre alguns sistemas, que poderão
estar associados a ineficiências:
i. Sistema de integração vertical - temos aqui um operador que atua em vários
níveis da cadeia de produção, atuando, então, como fornecedor e como
retalhista, a montante e a jusante, ou temos uma empresa, como unidade
económica, com várias sociedades, atuando umas a nível da produção e outras
a nível de venda. Na integração vertical o produtor vende os bens que
comercializa, podendo fazê-lo de modo mais organizado ou mais simples.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 61


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

ii. Sistema de integração recorrendo a distribuidores independentes – o


fornecedor recorre a vários distribuidores, em vez de desempenhar ambas as
funções - este é claramente um modelo mais complexo, pelo que está a ele
associada uma responsabilidade acrescida. Quando opta por este 2º modelo,
há vários modelos de distribuição possível:
 Modelo de distribuição exclusiva – aqui atribui-se um território ou
grupo de clientes a um distribuidor, ficando este assim protegido (pelo
menos a esse nível) das vendas ativas dos concorrentes - ou seja,
atribui-se um exclusivo a determinado distribuidor.
 Modelo de distribuição seletiva - o fornecedor compromete-se a
vender os seus bens a distribuidores por si selecionados com base em
determinados critérios, comprometendo-se por outro lado, os
distribuidores a não vender outros produtos de fornecedores não
autorizados. Dentro desta podemos ainda distinguir:
 Distribuição seletiva quantitativa - limita diretamente o nº de
distribuidores _ ex: só posso ter 5 distribuidores
 Distribuição seletiva qualitativa - é indiretamente delimitado o
nº de distribuidores através do estabelecimento de condições
qualitativas - ex: prestação de determinados serviços nos locais
de venda, exigências de formação do pessoal de vendas,
determinados requisitos que o local tem possuir para
comercialização do bem, requisitos de apresentação do bem, ...
 Combinação de ambos

1. Classifique o sistema de distribuição adotado pela S, distinguindo-o de um sistema


de distribuição exclusiva.

Quais são os elementos relevantes, no enunciado, para a determinação do sistema de


distribuição em causa?
 Parece que S recorre a empresas externas, pelo que este não é um caso de
integração vertical;
 Não se refere uma qualquer limitação quantitativa;
 Estão definidas condições qualitativas - “exigência do cumprimento de objetivos
de sustentabilidade, como a implementação de medidas de reciclagem, e, bem
assim, a proibição de os seus distribuidores fornecerem aparelhos da S a
utilizadores finais”.

Parece-nos, então, estar perante um caso de distribuição seletiva puramente qualitativo –


o que se faz é impor condições, condições essas que são qualitativas, mediante a ausência
de um nº máximo de distribuidores.

Como já sabemos, estes estão associados a riscos para a concorrência, nomeadamente a


diminuição da concorrência intra marca (entre os diferentes distribuidores de uma mesma
marca).

Mariana Coelho e Lara Oliveira 62


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Além do mais, dependendo dos critérios estabelecidos, pode haver a exclusão de certos
distribuidores (já que os distribuidores que não cumprem as condições fixadas ficam
vedados de aceder à mesma), havendo também uma diminuição da concorrência.

Primeiramente, temos de ver se estamos perante um caso abrangido pelos artigos 101.º
TFUE e 9.º LdC. Neste sentido, os critérios que foram sendo desenvolvidos pelo TJUE -
desde logo pela decisão do caso “metro”, apontam no sentido de que o disposto no 101.º
TFUE se aplica aos acordos verticais, mas apenas quando a concorrência está
enfraquecida num dos níveis da cadeia, ou porque o fornecedor, ou porque o retalhista ou
até mesmo porque ambos, detêm poder de mercado.

No entanto, resulta desta decisão da jurisprudência Metro I que, em princípio, um sistema


de distribuição seletiva puramente qualitativo não será abrangido pela proibição operada
pelo artigo 101.º TFUE, devido à ausência de efeitos anti concorrenciais, desde que se
verifiquem 3 condições:
i. A natureza dos bens e dos serviços comercializados tem de necessitar de um
sistema de distribuição seletiva - ou seja, à luz da natureza do produto, a
imposição de condições para venda dos produtos tem de ser um requisito
legitimo para assegurar a qualidade do produto e sua venda correta e adequada.
Estarão em causa sobretudo produtos de cosmética, produtos de alta
tecnologia, produtos de luxo, produtos de alta relojoaria, cerâmica, etc.
NOTA: Quando a qualidade do produto é já assegurada por normas de Direito Público,
sendo este a exigir determinadas condições de venda, diz a jurisprudência que não é
legítimo o recurso a estes sistemas, já não sendo justificável o acesso a produtos com base
nestas condições
ii. Os revendedores devem ser escolhidos com base em critérios qualificativos
objetivos (critérios estabelecidos uniformemente para todos os distribuidores
que pretendam aceder ao sistema), visando-se assim combater a
discriminação. Ou seja, pretende-se apesar de tudo assegurar a ideia de um
sistema aberto. Os revendedores podem, perante a existência de critérios
discriminatórios, denunciar a existência deste tipo de sistemas e o facto de
terem sido lesados pela sua implementação.
iii. Os critérios estabelecidos não devem ir para além do necessário para atingir a
finalidade pretendida pelo fornecedor - requisito de proporcionalidade na sua
vertente de adequação e proibição do excesso.

NOTA: Podemos estar perante um sistema de distribuição exclusiva, seletiva ou um que


não seja nenhum dos dois.

2. Será a condição imposta pela S, relativa à proibição de vendas a utilizadores finais,


uma restrição grave, nos termos do Regulamento n.º 2022/720?
O que aqui se estabelece é a proibição dos produtos de S a utilizadores finais.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 63


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Até então, X atuava como retalhista, vendendo a outras empresas os produtos para serem
utilizados na produção de outros, mas também a compradores finais, ou seja, a
consumidores finais.

Estamos claramente aqui perante um acordo vertical no sistema de distribuição seletiva.


Assim, temos de entender se estamos perante um caso integrável em alguma das alíneas
do artigo 4.º, na medida em que não é feita referencia às quotas de mercado - note-se que
este tem alíneas exclusivas para os sistemas de distribuição seletiva e exclusiva.

Ora, se está a ser imposta como condição à entidade em causa ela não vender a
utilizadores finais, isto, em princípio, será uma restrição de clientela, de acordo com o
artigo 4.º do Regulamento, uma vez que se estão a restringir os clientes aos quais o
grossista pode vender.

Em princípio, as restrições de clientela e de território são inadmissíveis e tratam-se de


restrições hardcore. Só que, no artigo 4.º, alínea c) estabelecem-se cinco exceções, ou
seja, encontram-se previstas cinco situações em que, apesar de estarmos perante uma
restrição de clientela ou perante uma restrição de território, essa restrição vai ser
admissível e o acordo em questão continua a beneficiar da isenção do RIC (Regulamento
de Isenção por Categoria) - aquilo que nos diz o artigo 4.º, alínea c) do RIC, na sua quarta
exceção, é que se proíbe uma restrição dos territórios nos quais um distribuidor pode
vender, ou aos clientes aos quais pode vender, exceto uma restrição que proíba o grossista
de vender a utilizadores finais.

Essa possibilidade que é conferida ao fornecedor resulta da Jurisprudência Metro I e desta


legitimidade de o fornecedor querer separar e balizar claramente aquilo que é o estádio,
as atividades e o que se pretende de um operador grossista, daquilo que é a atividade de
um operador ao nível retalhista.

Apesar de se estar a restringir os clientes aos quais o operador pode vender, na verdade
esta restrição justifica-se pela necessidade de manter separados os operadores da
atividade grossista e da atividade retalhista e, portanto, não era por isto que o acordo em
questão deixaria de estar abrangido pelo RIC.

Concluímos então que, num sistema de distribuição seletiva, a restrição grave comporta
exceções, com o objetivo de manter uma repartição clara das funções associadas ao
retalhista ou grossista e dos consumidores finais, ou seja, para garantir a especialização.

Neste caso, como estamos perante uma exceção à restrição grave estamos abrangidos pela
isenção do RIC, desde que dentro dos limites da quota de mercado.

Nas orientações da Comissão, temos guide lines de como analisar os efeitos da restrição:
Exemplo: Temos um mercado com vários distribuidores líderes e todos aplicam sistemas
de distribuição seletiva. Isto pode resultar numa dupla exclusão de distribuidores, pelo
que a Comissão pode proceder a uma retirada individual, por existirem vários acordos
similares entre vários operadores diferentes que não são imputáveis ao fornecedor, mas
sim imputáveis ao todo, podendo, então, justificar a retirada deste benefício.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 64


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Ficha de trabalho nº7, grupo III


A Pierre Fabre Dermo-Cosmétique é uma das sociedades do grupo Pierre Fabre, ativo
na comercialização de uma série de gamas de produtos de farmácia, homeopatia e
parafarmácia. Considerando a natureza dos produtos comercializados, a referida
sociedade optou por recorrer a um sistema de distribuição seletiva, sendo que os
contratos de distribuição relativos às marcas Klorane, Ducray, Galénic e Avène
especificam que as vendas pelos distribuidores autorizados devem ser realizadas
exclusivamente num espaço físico, com a presença obrigatória de um licenciado em
Farmácia, excluindo-se, assim, e de facto, qualquer forma de venda pela Internet.
Segundo a empresa, pela sua natureza, os produtos em causa exigem a presença física
de um licenciado em Farmácia no local de venda e durante o período de
funcionamento, por forma a que o cliente possa, em todas as circunstâncias, obter o
conselho personalizado de um especialista, baseado na observação direta da sua pele,
cabelos ou couro cabeludo. A Autoridade da Concorrência francesa entende, porém,
que a proibição de vendas pela Internet i) equivale a uma limitação da liberdade
comercial dos distribuidores autorizados da Pierre Fabre, ii) restringe a escolha dos
consumidores que pretendem comprar pela Internet e, por fim, iii) impede as vendas
aos compradores finais que não estão próximos da zona de venda «física» do
distribuidor autorizado.
Cf. acórdãos do Tribunal de Justiça, de 13.10.2011, Pierre Fabre Dermo-Cosmétique SAS contra
Président de l’Autorité de la concurrence e Ministre de l’Économie, de l’Industrie et de l’Emploi,
ECLI:EU:C:2011:649 e de 06.12.2017, Coty Germany GmbH contra Parfümerie Akzente GmbH,
ECLI:EU:C:2017:941

1. Sabendo que o grupo Pierre Fabre detém uma quota de 20% no mercado da
comercialização destes produtos, aprecie se a referida prática poderá beneficiar de
uma isenção por categoria.

Nota: Temos no nosso caso produtos de luxo, de cosmética.

Como vimos, é possível que os fornecedores recorram a diferentes sistemas de


distribuição dos seus produtos, podendo esse sistema ser de distribuição exclusiva, de
distribuição seletiva (quantitativo ou qualitativo) ou ainda misto.

Ora, quando nos referimos a sistemas de distribuição seletiva qualitativos, estamos


perante casos em que há a imposição de condições qualitativas (que deverão ser objetivas)
aos distribuidores, sendo potencialmente aceites critérios de variada natureza - e.g:
pessoal qualificado, instalações adequadas (ambiente adequado ao bem em causa), etc.

O que nos cabe analisar agora é se essas condições qualitativas podem ir ao ponto de
proscrever a utilização da internet pelos distribuidores, ou de apenas admitir que apenas
aqueles que gozem de um espaço físico possam vender os seus produtos.

Como é fácil de entender, a matéria da internet é hoje cada vez mais premente, sendo que
temos sempre de distinguir cenários:

Mariana Coelho e Lara Oliveira 65


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

i. Numa primeira hipótese, podemos ter uma impossibilidade de venda pela


internet, ou seja, um limitar do acesso ao sistema de distribuição apenas aos
distribuidores que tenham uma loja física;
ii. Já numa segunda situação, temos meras obrigações de venda de um montante
mínimo absoluto dos bens ou serviços contratuais fora de linha- sempre em
volume. Ora, o que está aqui em causa é que o fornecedor determina um
mínimo (em volume) que terá de ser vendido fora de linha, o que poderá gerar
de eficiências quanto ao funcionamento dos estabelecimentos comerciais.

Ora, no nosso caso, temos claramente uma restrição de proscrição total das vendas da
internet, e não uma mera imposição de normas de qualidade (e.g: exigir que, apesar da
possibilidade de vendas pela internet, os distribuidores tenham uma ou mais lojas físicas).
Tendo em conta que estava em causa uma relação vertical, temos de tomar em
consideração a possibilidade de aplicação de uma isenção por categoria - RIC.

Vamos então atentar ao disposto no Regulamento 2022/720 CE. Como já vimos


anteriormente, para a aplicação do porto seguro previsto no artigo 2.º do RIC, têm que se
ver preenchidos 2 requisitos/critérios cumulativos:
i. Artigo 3.º RIC- limiar relativo às quotas de mercado, relativamente ao
fornecedor e ao comprador. No caso apenas temos informação relativamente
ao fornecedor, estando esse dentro dos limites impostos por este artigo.
ii. Artigo 4.º RIC - temos de analisar se o acordo contém alguma restrição grave,
que, como também já sabemos, culmina na inaplicabilidade da isenção do
artigo 2.º, obrigando-nos assim a fazer o percurso já conhecido e analisado
relativamente à aplicação do 101º TFUE ou 9º LdC.

O caso da Pierre Fabre parece claramente enquadrar-se na alínea e) do artigo 4.º do


regulamento - “O impedimento da utilização efetiva da Internet pelo comprador ou pelos
seus clientes para vender os bens ou serviços contratuais, dado que isso restringe o
território em que ou os clientes aos quais os bens ou serviços contratuais podem ser
vendidos, na aceção das alíneas b), c) ou d), […]”- sendo que mesmo antes desta alínea
passar a estar expressamente prevista, chegávamos à mesma conclusão através da
proibição de restrição do território ou dos clientes.

A empresa Pierre Fabre Dermo-Cosmétique invocou dois grandes argumentos que, na sua
ótica, justificavam esta sua proibição - uma correta utilização do produto por si oferecido
e a necessidade de presença de um especialista em áreas relativas à comercialização
daquele seu produto.

No entanto, o TJ entendeu que este não era fundamento suficiente de uma restrição
absoluta de vendas online. Deste modo, estar-se ia perante uma restrição por objeto -
sendo que chegaríamos a esta mesma conclusão através da análise do art. 101.º TFUE.

Conclusão: A prática nunca caberia na isenção do artigo 2.º RIC, na medida em que
corresponde ao disposto no artigo 4.º, al. e) - proscrição absoluta das vendas pela internet.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 66


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

2. Imagine, agora, que a Pierre Fabre apenas proibia os seus distribuidores autorizados
de recorrerem de forma visível a plataformas terceiras não autorizadas para as vendas
dos seus produtos, através da Internet.

Falamos aqui de plataformas como a Amazon e o Ebay.

Note-se que foi conduzido, pela Comissão Europeia, um inquérito setorial relativamente
ao comércio eletrónico, tendo-se vindo a concluir que os mercados em linha contribuem
em lata medida para que os diferentes retalhistas possam aceder a um diferente número
de compradores, permitindo um acesso mais próximo dos distribuidores aos clientes.

Mas a verdade é que esses mercados em linha podem simultaneamente afetar os sistemas
de distribuição, nomeadamente aqueles que visam conservar a aura de luxo de
determinado bem ou serviço.

A medida em que se pode restringir os distribuidores deste modo foi tratada num célebre
caso - Caso Coty -, em que o TJ entendeu que não haveria verdadeira restrição desde que
verificadas 3 condições:
i. Restrição tem como objetivo preservar a imagem de luxo do bem ou serviço;
ii. Restrição foi estabelecida uniformemente, não aplicada discriminatoriamente;
iii. Restrição goza de proporcionalidade face ao objetivo visado.
Foi quanto a este concreto requisito que o TJUE considerou que a proibição imposta no
caso em apreço garantiria ao fornecedor que, no âmbito do comércio eletrónico, fossem
associados à sua marca apenas os distribuidores autorizados, sendo que esta restrição dos
distribuidores de recurso a plataformas terceiras não autorizadas não consubstanciaria
uma restrição de território ou de clientes, na medida em que os distribuidores autorizados
continuavam a poder vender através da sua própria loja em linha. Ou seja, o que o
fornecedor faz é restringir a forma como se pode vender em linha, e não a própria venda
em linha, até por uma questão de não defraudar os objetivos primários de sistemas de
distribuição seletiva.

Diferentemente seria uma proscrição total da utilização da internet.

Concluímos que uma restrição deste tipo (que não corresponda a uma proscrição total do
uso da internet para venda de determinados bens ou serviços) pode ser adequada e não
excessiva, de acordo com os requisitos subjacentes a um sistema de distribuição seletiva.

Claramente que a nossa resposta não seria a mesma se:


 O fornecedor impusesse uma proscrição total da utilização da internet;
 Usasse esse subterfúgio para discriminar entre plataformas terceiras, escolhendo
apenas uma delas para ser sua distribuidora em detrimento das restantes;
 O fornecedor vendesse ele próprio os seus bens ou serviços nessas plataformas
não autorizadas

Mariana Coelho e Lara Oliveira 67


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Conclusão: Desde que verificados os limites relativos às quotas de mercado do artigo 3.º
RIC, o acordo vertical em questão beneficiaria da isenção do artigo 2.º do mesmo
diploma, na medida em que representa uma vantagem para as partes em concordância
com as normas de DConcorrência.

5. ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE


Vamos agora focar-nos no abuso de posição dominante, contido no artigo 102.º TFUE:“É
incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja suscetível de
afetar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas
explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte
substancial deste […]”.

Ora, o artigo 102.º TFUE trata da conduta unilateral das empresas, às quais vamos chamar
“empresas em posição dominante”, proibindo em particular os comportamentos que
preencham 5 pressupostos:
i. Âmbito de aplicação subjetiva do Direito da Concorrência - teremos de estar
perante comportamentos de empresas, adotando-se um conceito funcional;
ii. Empresas essas que deverão deter uma posição dominante no mercado;
iii. Essa posição deverá dizer respeito a parte ou a todo o mercado interno;
iv. A empresa, para além de deter posição de domínio, deverá abusar da mesma;
v. Como resultado desse abuso, terá de haver afetação do comércio entre EM.

1) A empresa
Atentando a estes requisitos cumulativos, retomamos relativamente às empresas tudo
aquilo que já vimos em matéria de acordos e práticas concertadas - uma empresa será,
nos termos do disposto no artigo 3.º LdC, “qualquer entidade que exerça uma atividade
económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de
financiamento”, sendo esta uma noção funcional.

Quando o Tratado se refere a “uma ou mais empresas explorarem […]”, temos logo aqui
uma referencia à posição dominante coletiva, que analisaremos mais adiante.

2) A posição dominante
Quanto ao conceito de posição dominante, este surge definido na jurisprudência: posição
de independência face a clientes, consumidores e fornecedores, comportando-se
determinada empresa como se fosse imune a qualquer pressão concorrencial.

Podemos então equiparar esta ideia à de poder de mercado, já vista: capacidade de


estabelecer ou fixar preços acima dos níveis concorrenciais, definido a qualidade e a
produtividade abaixo desses mesmos níveis concorrenciais, o que iria impedir a
concorrência efetiva ou iria influir nas condições das normas de concorrência.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 68


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Aqui, opostamente ao que vimos em matéria de acordos, é de extrema relevância


conseguir identificar em todos os casos práticos qual é o mercado relevante (na sua
dimensão de mercado de produto, mercado geográfico e ainda numa dimensão temporal,
relevante quanto à estabilidade das quotas de mercado).

Esta análise pode ser ancorada em indícios particulares como as quotas de mercado. A
jurisprudência coloca, aliás, uma forte dependência nestas quotas de mercado, resultando
daí uma presunção que poderá ser por nós invocada em sede de casos práticos - se uma
empresa detém mais de 50% das quotas de determinado mercado, aplica-se uma
presunção de dominância.

Já para quotas situadas entre os 40 e os 50%, vai ser preciso conduzir uma análise que
terá em conta um conjunto de fatores, de entre os quais:
- O poder negocial das contrapartes;
- O grau de dispersão dos mercados;
- A existência de obstáculos à entrada e saída no mercado;
- A detenção de uma vantagem tecnológica significativa;
- A própria forma de organização da empresa.

3) O mercado interno
Como é óbvio, esta referência no Tratado pretende proteger o mercado interno a nível da
UE. Como é também claro, esta ideia terá de ser analisada à luz do concreto mercado e
do concreto produto em causa, dos volumes de produção, da dimensão do mercado, etc.

A jurisprudência tem vindo a entender que o território de um EM pode ser entendido


como parte substancial do mercado interno, mas esta ideia pode vir a mudar por força dos
mercados globais, estando aliás a comunicação relativa a esta matéria em revisão.

4) Abuso de posição dominante


Como já sabemos, o Direito da Concorrência não visa punir a posição dominante em si
mesma considerada, não estando preocupado com empresas ineficientes - essas deverão
sair do mercado.

O problema prende-se assim com o de a empresa, por força e em razão dessa posição
dominante, ter uma responsabilidade especial, sendo-lhes vedados comportamentos que
não o são às restantes empresas. Ou seja, a ideia central é sempre a de que a uma empresa
em posição dominante só lhe é admissível a concorrência pelo mérito.

De acordo com o TJ, ainda que uma posição dominante não possa ser, por si mesma,
considerada abusiva, considera-se que essa exploração abusiva existe quando estejamos
perante um comportamento da empresa dominante que tenha por efeito impedir, através
do recurso a mecanismos diferentes daqueles que correspondem a uma concorrência
normal, a manutenção do grau de concorrência efetiva no mercado ou o desenvolvimento
dessa mesma concorrência, precisamente no mercado cuja concorrência está já fragilizada

Mariana Coelho e Lara Oliveira 69


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Tal como vimos em matéria de acordos, também o elenco constante do artigo 102.º TFUE
é exemplificativo, pelo que podemos ter outros comportamentos que, ainda que não
estejam elencados, consubstanciem comportamentos abusivos.

Para efeitos de determinar e balizar os contornos da concorrência pelo mérito e do abuso


de posição dominante, a Comissão Europeia e as Autoridades da Concorrência utilizam
critérios que nos permitem perceber se a empresa está a atuar dentro do lícito ou se o
objetivo é o de defraudar a concorrência. Falamos então dos seguintes critérios ou testes:
i. Teste AEC, relativo ao concorrente tão ou relativamente eficiente - visa aferir se,
perante um determinado comportamento da empresa dominante, uma concorrente
com a mesma conseguiria praticar as mesmas condições, oferecendo o mesmo
preço. Este teste é relevante nomeadamente em matéria de preços predatórios, na
medida em que se usássemos uma bitola inferior poderíamos considerar abusivos
comportamentos que verdadeiramente não o são;
ii. Teste do sacrifício - questiona se a conduta da empresa envolve o sacrifício de
números e em que circunstancias é que se pode depreender que esse sacrifício é
racional na medida em que se espera no futuro atingir valores que o compensem;

iii. Testes que apelam à ausência de qualquer racional económico;

iv. Testes dirigidos ao bem-estar do consumidor.

Como vimos nas considerações iniciais relativas ao abuso de posição dominante,


podemos ter abusos de exclusão e de exploração.

Quanto aos abusos de exclusão, e relativamente à intervenção da Comissão sobretudo


nestes, o critério que norteia essa intervenção é a ideia de encerramento anti concorrencial
do mercado, ou seja, a situação em que a exclusão de concorrentes permite à empresa
dominante aumentar os preços em prejuízo do consumidor.

Esta ideia é assim premente em dois cenários distintos:


i. O encerramento do mercado
ii. Prejuízo para o consumidor

5) Afetação do comércio entre os Estados Membro


Quanto ao efeito do abuso da posição dominante para o comércio entre EM, remetemos
para este propósito a comunicação da comissão - Conceito de afetação do comércio entre
os Estados-Membros - Comunicação da Comissão 2004/C 101/07.

Os abusos de exclusão são os mais comuns, sendo que quando tenhamos empresas com
posição dominante que se estenda à totalidade de determinado EM, o comércio entre EM
é presumido como suscetível de ser afetado, na medida em que nestes casos um
comportamento abusivo, se configurar um abuso de exclusão, vai dificultar trocas,
nomeadamente a penetração de operadores nesses EM.

A regra já será outra em matéria de abusos de exploração.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 70


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Releva ainda notar que a prática decisória da Comissão Europeia e do TJ tem sido, em
matéria de abuso de posição dominante, bastante controversa.

A abordagem inicial era bastante formalista, mas a verdade é que em 2009 se introduz
uma análise mais económica, passando-se a permitir às empresas afastar a “acusação” de
abuso per se com base numa ideia de eficiência económica.

A verdade é que o artigo 102.º TFUE não contem no seu normativo uma disposição
semelhante à do 101.º, nº3 TFUE, ou seja, não tem uma norma que opere uma justificação,
mas isso não impede que as empresas possam provar que o seu comportamento é
objetivamente justificado, demonstrando ainda que esse é um comportamento permitido
pelo Direito da Concorrência no âmbito da concorrência pelo mérito.

Note-se ainda que, apesar de se exigir uma afetação sensível da concorrência, não temos
aqui, ao contrário do que se verificava em matéria de acordos, um limiar de minimis.

Ficha de trabalho nº5, exercício 3

No mercado global das bananas, os principais players são um conjunto de grandes


empresas norte-americanas, a saber a United Brands Company (UBC), a Castle and Cook
Company e a Del Monte Company of California. A UBC detém um conjunto muito vasto
de subsidiárias em todos os pontos do globo, incluindo em Roterdão. Em 1976, a
Comissão descobriu que a UBC teria:
i) obrigado os seus distribuidores-amadurecedores estabelecidos na Alemanha,
Dinamarca, Irlanda, Países Baixos e União Económica Belgo-Luxemburguesa a não
vender as bananas verdes da UBC;
ii) aplicado, nas suas vendas de bananas Chiquita, em relação aos seus parceiros
comerciais (os distribuidores-amadurecedores), preços diferentes para prestações
equivalentes, sem razão objetiva;
iii) aplicado, nas suas vendas de bananas Chiquita, aos seus clientes estabelecidos na
Alemanha, na Dinamarca e nos Países Baixos, preços de venda não equitativos;
iv) cessado, entre 10 de outubro de 1973 e 11 de fevereiro de 1975, os seus fornecimentos
de bananas Chiquita à sociedade Th. Olesen A/S, de Valby, Copenhaga, Dinamarca, na
sequência da participação desta, numa campanha publicitária de uma marca de bananas
concorrente.
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, processo 27/76, United Brands

3. Que comportamento, sancionado pelas normas do Direito da Concorrência, poderá


estar aqui em causa?

Vamos, neste grupo, analisar o acórdão das bananas, que releva para vários efeitos.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 71


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Começamos por constatar que temos um comportamento unilateral - abuso de posição


dominante – arts. 11.º LDC e 102.º TFUE - estas normas visam proibir comportamentos
unilaterais restritivos da concorrência, pelos quais uma empresa usa do seu poder de
mercado para adotar práticas que prejudiquem a concorrência. Ora, essa utilização do
poder de mercado pode consubstanciar práticas de exclusão ou de exploração (preços
predatórios p.eg.).

Para a aplicação destas normas, têm de se ver verificados determinados pressupostos:


1. Tem de estar em causa um comportamento de uma ou mais empresas (verificado);
2. A empresa tem de ter posição dominante em pelo menos um dos mercados
relevantes (verificado);
3. A posição dominante tem que respeitar ora a uma parte substancial do mercado
interno, ora a uma parte substancial do mercado nacional (verificado);
4. A empresa tem de adotar um comportamento configurador de abuso (verificado);
5. Esse comportamento abusivo tem de ocorrer no território nacional onde produz
efeitos ou ser suscetível de afetar o comércio entre EM (verificado).

Ora, o TFUE e as normas de concorrência não definem posição dominante - esta é


entendida como uma posição de força económica de que goza determinada empresa e que
lhe permite impedir a manutenção da concorrência efetiva no mercado, por ter o poder de
se comportar em larga medida de forma independente face aos seus clientes,
consumidores ou fornecedores.

Esta era a formulação inicial, vindo a mesma a ser flexibilizada para abranger os casos
em que a empresa, ainda que não determine, influencie, de forma decisiva, as condições
de concorrência no mercado - deste modo, também nestes casos se entende estar perante
casos de posição dominante.

Nota: Temos nesta matéria uma relação com o conceito de poder de mercado.

Mas a verdade é que esta posição dominante se tem de fazer sentir num mercado
relevante, sendo assim esta noção imprescindível para a análise da matéria do abuso de
posição dominante - ou seja, não releva a dimensão absoluta das empresas, porque
microempresas podem ter uma posição dominante dependendo da noção de mercado
relevante a que cheguemos.

É óbvio que a esta empresa (às empresas em geral) favorecerá a determinação do mercado
relevante como o da fruta fresca, e não o das bananas - porque em principio interessa um
mercado o mais lato possível, enquanto às Autoridades Nacionais da Concorrência
interessará o oposto.

Vistos e analisados estes conceitos, segue-se um raciocínio mais prático.

Temos, em primeiro lugar, de identificar a situação de abuso, se é que esta existe. Isto
porque, como já vimos em aulas anteriores, o Direito da Concorrência não pune a posição
dominante per se (até porque temos casos em que esta é atingida por mérito, não estando

Mariana Coelho e Lara Oliveira 72


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em causa comportamentos anti concorrenciais), porque entende que uma empresa em


posição dominante já tem uma responsabilidade especial e acrescida de não prejudicar a
concorrência efetiva no mercado.

Nota: Os arts. 102.º TFUE e 11.º LdC têm uma lista exemplificativa de potenciais abusos.

No caso UBC, o TJUE determinou a existência de vários comportamentos


consubstanciadores de abusos:
I. Cláusula que proíbe que os seus amadurecedores vendam bananas verdes a
outros, impedindo assim o acesso às bananas de outras empresas - limitação
da oferta em prejuízo dos consumidores. Aqui, a Comissão entendeu estar
perante um comportamento consubstanciador de abuso de posição dominante.
II. Recusa de abastecimento da Sociedade Olsen, cliente habitual seu, que
participou numa campanha publicitária de um concorrente - ora, apesar de,
como já vimos, o Direito da Concorrência não punir a posição dominante per
se, resulta desta uma responsabilidade especial para com os clientes,
consumidores e concorrentes. No caso, entendeu-se estar excedida a medida
do que poderia ser razoavelmente considerado como uma sanção razoável, até
porque a recusa de abastecer um cliente habitual afeta o comércio
transfronteiriço (um cliente que antes tinha acesso ao produto deixa de o ter).
III. Preços praticados:
a. Preços discriminatórios – verifica-se a aplicação de preços variáveis
consoante os EM em causa, sendo que os operadores adquiriam os
produtos nas mesmas condições (mesmo produto no mesmo local), pelo
que a diferenciação de preços não era de todo justificável, na medida em
que iria colocar determinados operadores em situação de desvantagem;
b. Preços excessivos ou não equitativos: neste domínio, a verdade é que o
TJUE anulou a decisão da Comissão (como já vimos em sede de DUE,
esta é uma possibilidade - a de anulação parcial de decisões da Comissão),
na medida em que entendeu que a Comissão Europeia não tinha
consubstanciado devidamente a sua condenação, defendendo que a base
de cálculo adotada não era suficiente, prestando-se a dúvidas e críticas.

Nota: A matéria dos preços excessivos é das mais controversas, isto porque não podemos
converter as Autoridades da Concorrência em autoridades de controlo de preços, por
consubstanciarem realidades diversas. A análise tem de ser muito cuidada.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 73


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Ficha de trabalho nº8, grupo I

A, sociedade de direito americano, com subsidiárias em vários Estados-Membros,


assegura a conceção, o desenvolvimento, o fabrico e a comercialização de
microprocessadores (a seguir «CPU»), de conjuntos de circuitos integrados (chipsets)
e de outros componentes semicondutores, bem como de soluções para plataformas no
âmbito do tratamento de dados e de dispositivos de comunicação, sendo titular de
quotas de mercado estáveis na ordem dos [70- 80]%. Descontente com a concorrência
recente da empresa B, relativamente aos CPU x86, A decidiu beneficiar quatro
grandes fabricantes de equipamentos informáticos com um conjunto de bónus, na
condição de estes lhe comprarem todos ou quase todos os respetivos CPU x86. A
procedeu, ainda, a pagamentos a esses mesmos fabricantes, em contrapartida de os
mesmos travarem, anularem ou limitarem a comercialização de certos produtos
equipados com CPU’s da empresa B.
Cf. acórdão do Tribunal de Justiça, de 06.09.2017, C-413/14 P, ECLI:EU:C:2017:632

Vamos, ao longo desta ficha, analisar em concreto o requisito do abuso da posição


dominante, sendo que em sede de avaliação todos os outros elementos deveriam ser
mencionados- mas é o abuso que mais diferenças apresenta caso a caso.

O indicio da quota de mercado é a questão do tempo, relevante para a estabilidade da


quota de mercado - “sendo titular de quotas de mercado estáveis na ordem dos [70-
80]%”.

1. Aprecie o sistema de bónus concedidos por A, à luz do artigo 102.º do TFUE.


Nota: todo o enquadramento inicial teria de ser convocado - ou seja, teríamos que
mencionar todos os outros pressupostos.

Já vimos que temos quotas de mercado indiciárias de posição dominante, pelo que nos
vamos focar em concreto no abuso.

Ora, a verdade é que estes tipos de ónus visam engrandecer ainda mais a empresa
dominante, pelo que, pelo menos à primeira vista, não parecem enquadrar-se no âmbito
da concorrência pelo mérito.

Este caso diz respeito a práticas de exclusividade, impondo benefícios a determinados


operadores sob a forma de descontos de fidelidade e outros.

Estas práticas podem cair no âmbito do artigo 102.º quando estejamos perante obrigações
contratuais de exclusividade, ou perante práticas comerciais que geram uma
exclusividade de facto, e ainda quando estejam em causa políticas de desconto que exijam
ou encorajem a exclusividade - é nesta 3º realidade que a prática da Comissão é mais
controversa, na medida em que estão em causa descontos de fidelização ou indutores da
mesma, nomeadamente quanto à matéria do abuso por objeto vs por efeito (distinção feita
com base na prova e na necessidade da mesma).

Mariana Coelho e Lara Oliveira 74


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Ou seja, a questão é saber se podem ser estas práticas consideradas como inerentemente
problemáticas quando implementadas por uma empresa com posição dominante, ou se se
deverá exigir a determinação positiva e concreta de danos reais para o consumidor.

A verdade é que, nas suas orientações, parece que a Comissão Europeia impõe uma
pratica ou análise baseada no teste AEC (do concorrente tão ou relativamente eficiente),
mas os tribunais têm vindo mais a considerar estas práticas como restrições por objeto -
considera-se, aliás, que o caso Intel abriu uma nova era na jurisprudência, na medida em
que abre uma maior analise a efeitos destas práticas.

Quando falamos em acordos exclusivos ou de exclusividade, existe um amplo espectro


de acordos e de práticas com o mesmo objetivo final - o de concentrar nas empresas as
compras dos clientes abrangidos por esta exclusividade.

Distinguimos assim várias realidades:


 Acordos de compra exclusiva: o consumidor/cliente compromete-se a comprar
a totalidade ou a quase totalidade das suas necessidades para o produto relevante
junto do fornecedor dominante, ou seja, temos uma obrigação de exclusividade;
 Descontos ou reduções condicionais: um cliente é incentivado de igual modo a
esse exclusivo, na medida em que é incentivado a concentrar a satisfação das suas
necessidades no fornecedor dominante através da concessão de bónus, de
descontos e de abatimentos que induzem essa finalidade.
Ora, a questão é que a concessão de descontos é um elemento normal de
concorrência, de diferenciação de bens e de serviços num mercado concorrencial,
pelo que o problema surge quando estas práticas são implementadas por empresas
em posição dominante, na medida em que a empresa pode, através destes,
alavancar o seu poder de mercado num mercado em que a sua posição não é
contestada para um outro, podendo ainda reforçar a posição de incontestabilidade.

A propósito desta ideia de bónus e descontos, o TJ distingue, na sua jurisprudência, 2


tipos de descontos:
i. Descontos de fidelização ou fidelidade - a concessão do desconto depende da
circunstância do cliente obter a totalidade das suas necessidades junto da
empresa dominante, sendo que não estão em causa obrigações de compra
exclusiva, que são realidades distintas;
ii. Descontos de quantidade - já não condicionam o desconto à circunstância de
comprar exclusivamente junto da empresa, mas são concedidos com base no
produto adquirido, sendo assim as preocupações distintas.

Mas a verdade é que, apesar da simplicidade entre estes dois polos, há realidades mistas
que podem introduzir uma dimensão de controvérsia - caso Intel, p.eg.

É neste sentido que o TJ procede, no caso Intel, a adotar uma distinção tripartida,
introduzindo um grupo “cinzento” de casos que necessitam de uma análise diferente.

Mariana Coelho e Lara Oliveira 75


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i. Descontos de quantidade - ligados em exclusivo ao número das compras


efetuadas pela empresa adquirente.
Deste modo, e relativamente ao critério jurisprudencial aplicável aos mesmos,
via de regra não se entende que estamos perante práticas abusivas nos termos
do artigo 102.º TFUE, na medida em que é legítimo e racional que, a partir do
momento em que há maior quantidade produzida, haja mais eficiências que
podem ser retransmitidas ao consumidor sob a forma de preços mais baixos
(descontos). Temos então aqui uma ideia de ganhos e de economias de escala;
ii. Descontos de exclusividade, fidelidade ou fidelização – a sua concessão está
dependente da circunstância de abastecimento exclusivo ou quase exclusivo
junto da empresa dominante.
Segundo o TJ, estes são incompatíveis com a ideia de uma concorrência não
falseada no mercado, na medida em que não assentam numa prestação
económica ou num racional económico que o justifique. O que a concessão
destes descontos faz é induzir os compradores a concentrarem as sua compras
na empesa dominante, prejudicando-se consequentemente as outras fontes de
abastecimento, e excluindo os concorrentes do mercado.
iii. Temos depois um 3º grupo de situações, que pode ser definido pela negativa -
estes são descontos que não estão diretamente relacionados com a aquisição
de um volume de produto junto da empresa dominante strictu sensu, nem estão
ligados à ideia da empresa concentrar a satisfação das necessidades do
consumidor, mas que vêm ainda assim associados a um efeito fidelizador. E.g:
descontos ligados a um sistema de vendas individuais.

Imaginemos a seguinte situação, cujo objetivo de venda é de 1000.


A empresa A tem vários fornecedores (X, Y, Z, W), sendo que W é uma empresa
dominante. W vira-se para A e diz que quando A atingir 1000 de vendas do seu produto,
lhe concede um desconto de 10%. Quando A atinge 800 em vendas, vai continuar a
adquirir produtos de W, de modo a conseguir efetivamente ter o desconto, para efeitos de
preencher o pressuposto de gozo do desconto.

Ora, nestes casos não há um estabelecimento direto da necessidade de satisfação total ou


quase total de necessidades junto da empresa dominante, mas a verdade é que o bónus
concedido acaba por ter o mesmo efeito de fidelização.

Aqui temos de analisar todas as circunstâncias do caso, como a intenção subjacente ao


desconto e a possibilidade de impedir o acesso ao mercado por parte dos concorrentes,
por força de impedir uma diversificação do distribuidor.

No nosso caso não temos uma obrigação de compra exclusiva, mas concede-se um
desconto na condição de ela fazer isso – temos, então, um desconto de fidelidade.

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2. Tendo em conta que a empresa sustentou, no procedimento administrativo junto da


Comissão, que o seu comportamento não fora capaz de produzir quaisquer efeitos de
exclusão, poderão os descontos conferidos por A ser considerados abusivos per se,
isto é, sem a necessidade de uma análise de todas as circunstâncias relevantes?

Vamos aqui, de acordo com o que já vimos relativamente à jurisprudência do caso Intel,
analisar a distinção entre abusos por objeto e abusos por efeito.

Neste caso o TG aceitou a posição da Comissão numa ótica de restrição por objeto, i.e.,
entendeu que a prática em causa infringia o artigo 102.º sem necessidade de avaliação dos
efeitos em concreto, na medida em que subjacente a estes descontos estava implícita a
obtenção exclusiva da satisfação de necessidades do consumidor junto da empresa
dominante.

O TJ, no entanto, introduziu uma terceira via, na medida em que entendeu que a empresa,
no processo administrativo, isto é, na sua defesa, tinha apresentado eficiências associadas
a estes descontos.

Deste modo, a conclusão a que chegamos é que, nos casos em que a empresa no
procedimento administrativo avança elementos que podem fazer surgir a duvida das
eficiências associadas a esses descontos, deverá a Comissão proceder a uma análise mais
apurada e detalhada, não ignorando os argumentos que são apresentados pelas partes.

Nota: Esta ideia é sempre diferente de uma justificação objetiva da conduta.

3. Que designação se poderá atribuir aos pagamentos aos fabricantes de equipamentos


informáticos, por A?

No nosso caso, a Intel não se limitou a conceder aqueles bónus ou descontos de fidelidade.
Pagou ainda a esses mesmos fabricantes para que esses não comercializassem produtos
equipados com CPU’s de empresas concorrentes, e atrasarem a comercialização dos
mesmos - “em contrapartida de os mesmos travarem, anularem ou limitarem a
comercialização de certos produtos equipados com CPU’s da empresa B”.

Neste caso, caímos na noção de naked restrictions, que são basicamente um conjunto de
pagamentos a clientes como contrapartida de uma obrigação que vai dirigida a impedir
que os concorrentes possam comercializar livremente os seus produtos. A particularidade
destes casos é então a intenção que lhes é subjacente e que leva a que, ao contrário dos
descontos de fidelização e das obrigações de compra exclusiva, seja difícil ponderar
qualquer via justificativa para a existência destes pagamentos.

Estas naked restrictions são hoje mencionadas expressamente nas Comunicações da CE.

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II.

A empresa Z, empresa de telecomunicações histórica na Alemanha, opera a rede


telefónica alemã. Desde a entrada em vigor da Lei alemã das telecomunicações
(‘TKG’), Z – que detinha, antes, o monopólio legal no domínio da prestação de
serviços de telecomunicações a utilizadores finais – encontra-se em concorrência com
outros operadores, quer i) no mercado do fornecimento de infraestruturas, quer ii) no
mercado da prestação de serviços de telecomunicações, detendo quotas de: i) 100%
no mercado alemão dos serviços de acesso grossista ao lacete local para serviços em
banda estreita e em banda larga; ii) 97% no dos serviços de acesso em banda estreita
destinados aos utilizadores finais e iii) 94% no mercado alemão de serviços de acesso
em banda larga destinados a assinantes. As redes locais de Z compõem-se, cada uma,
de vários lacetes locais( 1 ), cujo acesso é por esta facultado, tanto aos demais
operadores de telecomunicações como aos utilizadores finais. Entre 1 de janeiro de
1998 e 31 de dezembro de 2001, e dentro do que era permitido pela Autoridade
Reguladora das Telecomunicações, Z i) reduziu os preços cobrados aos utilizadores
finais e ii) aumentou os preços cobrados pelos serviços de acesso grossista ao lacete
local, obrigando os operadores concorrentes a cobrarem aos seus clientes tarifas mais
elevadas do que as faturadas por Z aos seus próprios clientes finais por serviços
idênticos, e privando-os de quaisquer lucros.
Cf. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 10.04.2008, T-271/03, ECLI:EU:T:2008:101, e do
Tribunal de Justiça, de 14.10.2010, C-280/08 P, ECLI:EU:C:2010:603

1. Configurará o comportamento de Z um abuso de posição dominante nos termos do


artigo 102.º do TFUE?

Retomando os conhecimentos já adquiridos, o objetivo é sempre o de vedar todo o tipo


de comportamentos que não configurem uma concorrência pelo mérito.

Neste caso parece que estamos perante uma compressão ou esmagamento de margens, ou
seja, uma exclusão de concorrentes do mercado, na medida em que temos um operador
que pode aumentar os níveis a que vende, ou seja, os preços que pratica, gerando assim
aumento dos custos para as outras empresas, sendo que as empresas vêm aumentados os
seus custos e vão ter de praticar preços mais elevados junto dos consumidores finais,
sendo que a empresa que vende as matérias primas a preços mais altos poderá assim
compensar o aumento de preços finais das restantes concorrentes.

Temos então uma empresa dominante no mercado: a montante - decorre a sequência de


liberalização, quando integrada num mercado vertical; a jusante - fixa os seus preços a
um nível tal que os seus concorrentes não conseguem concorrer no fornecimento do bem
ou prestação de serviço.

Este fenómeno ocorre em setores regulados e não regulados (sujeitos a uma autoridade
que pode definir preços e condições), mas a verdade é que o grosso da jurisprudência diz
respeito a setores regulados, especialmente o setor das telecomunicações, na sequencia
dos procedimentos de liberalização no mesmo.

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O ponto essencial é então a integração vertical da empresa, na medida em que esta atua
em dois mercados que se integram verticalmente em simultâneo.

Através desta integração, a empresa logra manipular as margens de lucro a jusante,


conseguindo influenciar o custo dos produtos dos concorrentes através do preço de
aquisição grossista. Para além disso, consegue influir nos seus lucros porque atua
simultaneamente como retalhista, conseguindo praticar um preço muito mais baixo
(através dos lucros que lhe advêm dos preços elevados de venda a retalhistas).

2. Será relevante a circunstância de a Autoridade Reguladora ter aprovado as tarifas


praticadas por Z?
A Comissão constatou que a empresa alemã praticou a conversão de margens no que diz
respeito ao acesso ao centro local.

A particularidade do caso está relacionada com o facto de os preços praticados pela


empresa terem sido previamente autorizados pela Autoridade reguladora. Será que isso
afastava a existência de uma conversão de margens? A CE entendeu que se mantinha a
posição do abuso, mesmo se fossem as tarifas aprovadas pela Autoridade reguladora.

Este caso chegou ao Tribunal que nos deu nota de que:


 O critério de custos (para saber se havia conversão) seguido pela CE foi o correto
 Não era possível à Comissão bastar-se a uma conversão de margens sem mais, era
necessário a demonstração dos efeitos. Ou seja, a CE nunca poderia entender não
estar obrigada a analisar todos os elementos relevantes para o caso concreto.

3 princípios basilares em matéria de esmagamento de margens:


 A aprovação dos preços praticados por uma empresa dominante pela Autoridade
reguladora não a imuniza do artigo 102.º TFUE (defesa da ação do Estado). O que
acontecia aqui é que a empresa notificava a autoridade, não havia qualquer
imposição desses preços e tinha margem para praticar preços conformes ao
Direito da Concorrência, pelo que não estavam preenchidos os pressupostos da
defesa da ação do Estado.
 Abuso isolado independentemente do caráter ou natureza excessiva dos preços do
fator de produção, ou seja, para efeito de estabelecer uma conversão de margens
não temos de os qualificar como preços predatórios ou excessivos, são um abuso
autónomo que depende dos preços que pratica enquanto retalhista e os que pratica
como grossista. O que interessa é a relação entre os dois.
 Teste relevante é AEC, ou seja, saber se a própria empresa dominante poderia ter
proposto os seus serviços sem incorrer em prejuízo se estivesse obrigada a pagar
o que os concorrentes tiveram de pagar a nível a montante;
 Intervenção do tribunal – um abuso de esmagamento de margens deve ser sempre
acompanhado de efeitos anti concorrenciais, sob a forma de exclusão de
concorrentes eficientes.

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