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Resumo
A iluminação de espaços sagrados de quaisquer períodos históricos, no contexto atual,
implica em considerações diversas. Analisando a simbologia da luz e o entendimento
teológico do tema, quais soluções lumínicas são mais apropriadas para o espaço litúrgico?
Busca-se elencar concepções luminotécnicas que auxiliem a prática litúrgica e que
correspondam com o pensamento teológico atual. São objetivos específicos: considerar a
simbologia da luz no espaço litúrgico; considerar os efeitos da percepção visual; considerar
como a iluminação pode colaborar ou prejudicar com a mistagogia do espaço sagrado. Para
tanto, o estudo apresenta um panorama de como o tema da luz é apresentado conceitual e
arquitetonicamente na história da Igreja, seguido de análise da liturgia e concepção de
espaço sagrado atual, por meio de bibliografia de arte, arquitetura, história e simbologia.
Por fim um estudo de caso apresenta exame do sistema luminotécnico de uma igreja e são
propostas intervenções baseadas nos referenciais teóricos. As observações teóricas de
religiosos e profissionais de arquitetura e iluminação indicam que pensar na luz de uma
igreja é também considerar a sombra, a penumbra e mesmo a escuridão, elementos que
exultam o fiel à contínua busca da luz. Concluiu-se que mesmo existindo um mínimo de
iluminância exigido por norma, a variação de intensidade luminosa é primaz para dirigir o
crente ao foco da ação litúrgica.
1. Introdução
O estudo se insere na área de arquitetura, concentrado na iluminação de interiores,
especificamente de igrejas. A análise trata da experiência Católica Romana, cuja história,
ritual e simbologia são amplamente debatidos e registrados.
A arquitetura cristã desde os primeiros séculos de existência já passou a apresentar soluções
técnicas nos edifícios de culto que tiram bastante partido da incidência de luz natural e/ou
artificial. O entendimento teológico de cada época de certa forma dirige a aplicação da luz.
Ao observar os métodos luminotécnicos historicamente utilizados e ao considerar o
entendimento atual da liturgia, o trabalho busca subsídios para implantação de soluções
contemporâneas de iluminação em espaços celebrativos de quaisquer períodos históricos.
A perda do entendimento do simbolismo, consideravelmente destacado na sociedade
hodierna, implicaria em uma iluminação estritamente funcional? A prática não apresenta uma
resposta uníssona no mundo. Mas a força e simbolismo da luz na igreja sugere uma avaliação
mais apurada.
A iluminação provoca no indivíduo reações distintas que podem e devem ser direcionadas
para que contribuam com o rito litúrgico. Independente da ação divina e/ou pessoal dos
sujeitos no momento, a iluminação intervém na experiência do fiel com o transcendente. A
solução luminotécnica pode diminuir a experiência de oração por chamar atenção mais a si
mesma ou iluminar tantas coisas que o fiel perde o foco.
A luz mesma é um símbolo cristão. Trabalhar este símbolo implica em considerar a sombra e
penumbra como elementos que potencializam, por contraste, a presença da luz. Para quem
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não entender esta presença luminosa como símbolo, bastará o sentido funcional, mas o
sentido mais profundo estará patente. À luz da fé, o Papa Francisco exulta que “quem
acredita, vê; vê com uma luz que ilumina todo o percurso da estrada, porque nos vem de
Cristo ressuscitado, estrela da manhã que não tem ocaso” (2013, p. 3).
2. Luz, visível aos olhos e à alma - E Deus viu que isso era bom (Gênesis 1, 18)
A luz, vital para a visão e percepção do espaço, sempre esteve presente e contribuiu para a
formação de centros de celebrações rituais e litúrgicas dentre diversas formações religiosas. A
experiência Católica Romana debruçou sensivelmente sobre o tema desde seu início. As
expressões artísticas plásticas, arquitetônicas e até cênicas formaram fisicamente um objeto de
análise, o espaço litúrgico, que se modifica contínua e lentamente ao longo de dois milênios.
Em cada momento histórico a luz revela fisicamente características distintas do espaço e da
teologia da época, mas em todos eles um entendimento comum, segundo Plazaola: “a luz se
converteu para a Igreja cristã o símbolo mais expressivo de Cristo” (1965, p. 217). Jesus é
apresentado pela Igreja Católica como o Sol que não tem ocaso, a luz permanente. Ratifica,
ou ao menos torna bastante lógica esta associação, o fato do termo “luz” – usualmente
atribuído a entendimento, esclarecimento, revelação, que torna as coisas visíveis – ter
significados que são características também atribuídas ao próprio Cristo.
A luz nos fala pelas realidades visíveis das realidades invisíveis. Ela revela o ambiente,
permite a visão ao indivíduo para o qual um novo horizonte pode se abrir. No espaço
celebrativo, este horizonte certamente deve ir além da materialidade, algo alhures.
Observando a experiência de fé cristã, Valentini (2013, p. 8) esclarece que a física e a
metafísica da luz se unem no tempo e no espaço litúrgico e sacramental. O ambiente
arquitetônico acolhe um evento ritual, cujo simbolismo e determinação sensorial participam
da percepção espiritual concreta da glória de Deus pelos participantes.
Tanto a Sagrada Escritura como a Sagrada Tradição, duas referências que balizam o
entendimento da Igreja, também oferecem subsídios que reforçam a união da física e
metafísica da luz no espaço litúrgico. A bíblia apresenta o verbete ou o tema da luz diversas
vezes, desde a primeira à última página. Logo no início do primeiro livro, o Gênesis, o relato
da criação indica que “Deus disse: ‘Faça-se a luz!’ E a luz foi feita” (Gênesis 1, 3). Já no final
do último livro, o Apocalipse, o autor escreve que “a cidade não necessita de sol nem de luz
para iluminar, porque a glória de Deus a ilumina, e a sua luz é o Cordeiro. As nações andarão
à sua luz” (Apocalipse 21, 23-24a). O relato da criação indica que a luz é criada antes mesmo
de qualquer fonte luminosa, como o sol. Esta luz é a Sabedoria.
A luz-Sabedoria permitiu ser compreendida toda a criação posterior a ela. E toda criação,
revelada pela luz-física somada à luz-Sabedoria, transmite ao observador um conhecimento,
uma experiência de espaço, tempo e relacionamento inter e intrapessoal. Segundo Bauer
(2000, p. 244) “a partir de Cristo, e em Cristo, que é a ‘luz verdadeira’ (João 1,9), mas
também nos cristãos que recebem sua luz e sua vida em si mesmos e a fazem operar no amor
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fraterno, o domínio da luz de Deus se expande e as trevas perdem terreno (1João 2,8)”.
Quanto a Sagrada Tradição, destacam-se dois indicativos importantes a respeito do tema luz.
Primeiro, é extensamente presente em homilias de padres e pensadores dos primeiros séculos
cristãos até hoje. Doutores da Igreja como Agostinho, Ambrósio e Teresa de Jesus, dentre
muitos outros, reforçam a experiência iluminadora da intimidade com Deus e da própria ação
divina.
A segunda ênfase sobre a luz na Tradição é revelada na ordenação do tempo, calendário e
tema de celebrações. Durante o ano litúrgico, há diversas festas que destacam a luz,
principalmente quando relativas diretamente a Jesus Cristo. São exemplos: Anunciação do
Senhor, o Natal (25 de dezembro), a Apresentação no Templo, Ascensão, o Batismo, a
Transfiguração (6 de agosto), além da Páscoa do Senhor. Até mesmo o dia em que são
determinadas muitas destas celebrações é relacionado com a luz e a marcação do tempo pelos
astros.
É representativo que a Páscoa se dê próxima ao equinócio, momento em que todo o globo
terrestre é iluminado igualmente entre o hemisfério sul e o norte. Calculada a data da Páscoa
(no primeiro domingo após a primeira lua cheia depois do equinócio), sabem-se também as
demais festas móveis do ciclo: quarta-feira de Cinzas (40 dias antes), a Ascensão (40 dias
depois), Pentecostes (50 dias depois), etc. Com estas festas, leituras e associações entre o
transcendente e a luz, a Igreja testemunha que a luz se põe em relação com as trevas, ou
ainda, o Divino se faz presente no humano.
Mais recentemente, o liturgista Francisco Moraes refletiu sobre o edifício de culto e afirmou
que é obra em que obrigatoriamente o significado não se esgota no fato de abrigar pessoas
com atividades específicas, mas se torna autonomamente um reflexo dos que a utilizam
(2009, p. 25). A luz é o elemento que revela este retrato da comunidade ao mesmo tempo em
que o integra. Ainda segundo Moraes (2009, p. 26), “A tradição viva da Igreja oferece
experiências magníficas para a elaboração atual do lugar da celebração, assim como exemplos
que devem ser até compreendidos, mas não simplesmente imitados”.
Figura 1- Exemplo de janelas de clerestório (à esquerda, Basílica Santa Maria Maior, Roma); lanternim
(ao centro, Basílica de São Pedro, Roma); óculo e seteiras (à direita, Sacre Couer, Paris). Fonte: do autor.
Mas é do segundo milênio cristão a maioria das igrejas sobreviventes ao tempo, guerras,
sinistros e etc. Os exemplares da arquitetura Românica, edificados entre séculos XI e XIII
são importantes referências construtivas e de soluções de iluminação que inspiraram igrejas
construídas até muitos séculos depois. Um exemplo icônico é o da Abadia de Le Thoronet,
igreja monástica cistercience que contribuiu com o trabalho de Le Corbusier para a moderna
Notre Dame du Haut em Ronchamp, na França.
O destaque é o jogo acentuado de luz e sombra das igrejas românicas que exploraram
massivamente fenestras altas, como óculos, lanternins e seteiras nas maciças alvenarias
laterais da nave comumente orientadas no eixo leste-oeste. Segundo Toman (2012, p.30) as
janelas típicas são como reproduções das portas românicas em miniatura, retangulares com o
topo em arco pleno. De fato, formam um conjunto de pequenas aberturas que iluminam a
matéria básica do ambiente, a pedra, e trazem a tona objetos devocionais cada vez mais
populares – como esculturas e pinturas de santos. Moraes (2009, p.31) ressalta que formam
um conjunto harmônico, com o interior marcado por uma alternância de escuridão e luz.
A arquitetura gótica (séculos XIII a XIV) expande a intensidade luminosa no interior das
igrejas. O novo sistema estrutural em pedra com arcos botantes e fenestras ogivais permitiu
ampliar a superfície envidraçada do edifício que, segundo Plazaola (2010, p.407), foi levada a
extremos que não se repetiram até o século XIX com a invenção do concreto armado. Esta
superfície recebe vitrais que filtram a luz solar e abundam de cor a nova plataforma
evangelizadora. É repleta de uma iconografia sensivelmente didática, mas não exatamente
voltada à liturgia. O fiel passa a se encantar com a luz “divina” filtrada e desvia o olhar do
lugar-sacramento primaz, o altar. A pequena Sainte-Chapelle na capital francesa revela muito
esta tendência. Ainda que tenha recebido preciosas relíquias como a suposta coroa de
espinhos de Cristo, o olhar do visitante se volta inevitavelmente para os grandes vitrais que
apresentam impressionantes 1113 cenas do Antigo, do Novo Testamento e da história do
mundo (CENTRE DES MONUMENTS NATIONAUX).
A partir do século XV, com o progresso de ideais humanistas na Europa, uma nova concepção
de homem, de sociedade e de vida abandona as ideias medievais. Observa-se na obra do
arquiteto Brunelleschi, conforme ressalta Gombrich (2013, p.168), que foi abdicado
inteiramente o estilo tradicional de construção para dar vez a inspirações da Roma clássica. O
estilo e visão romanos sobressaíram por sua valorização do homem, seu poder e autoridade.
Foram estudadas ruínas de templos e palácios romanos e usufruiu-se do domínio das técnicas
góticas para superar o modelo anterior, formando uma nova maneira de construir. Segundo
Plazaola (2010, p.591), “a glória de Deus não haveria de ser buscada necessariamente em
temas divinos e transcendentes, mas no próprio homem”, sua razão e conhecimento. É o
Renascimento.
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Figura 2- Iluminação em igreja gótica (à esquerda, Sainte-Chapelle, Paris) e barroca (à direita, Igreja de
São Francisco, Salvador). Fonte: do autor.
O edifício cristão passa a receber elementos clássicos como colunas e frontões, formas
geométricas, angulares e sólidas (GOMBRICH, 2013, p.169 e 171) alinhados por ideais de
perspectiva e proporção. A luz entra no templo limpa, direta, por fenestras menores que as
góticas e com enquadramento rigoroso e ritmado. A luz não é mais um foco visual como fora
nos vitrais góticos, mas volta a dar destaque ao objeto iluminado. Nos espaços sagrados
renascentistas, a luz é utilizada para reforçar a geometrização e a perspectiva dos cenários
arquitetônicos. A iluminação natural, e do tipo geral, chama atenção ao centro de interesse: a
obra humana.
O foco na capacidade humana trouxe a tona uma busca por inovação e efeitos surpreendentes
que interferiu nos objetivos corriqueiros da arquitetura (GOMBRICH, 2013, p. 275). Um pilar
para apoio de uma cúpula, por exemplo, passa a ter um tratamento de coluna com capitel,
base e ornamentos que não deixam de ser um “capricho” necessário à visão do arquiteto. A
ascensão da figura do artista ou arquiteto como profissional de visão própria traz cada vez
mais a tona experiências distintas em cada região/nação. Fazem-se mais necessárias as
análises das obras por região, uma vez que “a adesão permanente do terrestre” (PLAZAOLA,
2010, p. 571) é revelada mais distintamente em cada lugar.
As mudanças políticas, sociais, teológicas e eclesiológicas culminaram na realização do
Concílio Ecumênico de Trento, entre 1545 e 1563. A Igreja, liderada por reformadores centro-
europeus, apresentou numerosos decretos dogmáticos e documentos instrutivos como resposta
teológica e normativa contra a Reforma Protestante. As novas igrejas a serem construídas ou
reformadas assumiram a nova estética do mundo das Artes: o Barroco. A igreja del Gesù da
ordem religiosa recém formada, Companhia de Jesus, é expoente:
Como já dito, as experiências em cada canto do mundo passaram cada vez mais a trazer uma
tônica própria de cada região. Mas em comum, a dramaticidade da arquitetura barroca explora
a ornamentação e dinamicidade do espaço. Chama a atenção do fiel a algo demasiadamente
trabalhado, e não é exatamente o ofício, sacramento, oração ou experiência espiritual no
ambiente religioso, mas o aprendizado, a catequização, a experiência religiosa (católica
romana). Plazaola ressalta que diferentemente de outras escolas artísticas, o Barroco deixa o
misticismo da razão e ascese e dá ênfase ao misticismo do sentimento (2010, p.731).
Deve se reconhecer o exercício de aproximar o fiel ao centro da atenção litúrgica com a
elaboração de ornamentos extremamente rebuscados ao redor e no próprio altar. Mas esta
qualidade foi levada ao extremo e multiplicada demasiadamente. Não foi apenas o altar que
recebeu este rebuscamento. Surgem vários centros de atenção como as dezenas de capelas
devocionais. O douramento das superfícies curvas, iluminado pelas usuais janelas de
clerestório e lanternins produz um espetacular envolvimento do fiel com a cena. Moraes
(2009, p.38) ressalta que não existe preocupação com a autenticidade dos materiais, mas com
seu efeito cenográfico. O jogo de claro e escuro fica mais contrastante e dramático.
O desenvolvimento desta arquitetura de ostentação começou a ser questionada no século
XVIII e teve um marco de ruptura com a Revolução Francesa (GOMBRICH, 2013, p.362).
Um novo encanto pelo o imaginário romano é alimentado por novas descobertas e
reavaliações sobre a arquitetura romana. E o Neoclassicismo cai no gosto da burguesia. Nas
igrejas, o partido clássico (planta retangular, colunata, frontão) é iluminado por poucas janelas
altas e/ou zenitais que banham as naves de luz geral e natural. Em Paris, o Panteão – que foi
construído para ser igreja de Santa Genoveva – e La Madeleine, dedicada à Santa Maria
Madalena são exemplos icônicos. A iluminação artificial passa a ter mais presença, inclusive
para suprir a, por vezes pouca, luz solar.
Mas a retomada do clássico não foi amplamente consensual. O período não apresenta um
estilo acolhido amplamente. Os arquitetos mais do que seguir um estilo específico, atenderam
as aspirações dos clientes. Assim, surgiram também igrejas inspiradas no romantismo gótico
ou até mesmo em misturas entre elementos góticos e clássicos. Esta arquitetura de revival do
século XIX, mais conhecida como Ecletismo, responde pobremente ao momento de crise
espiritual que a sociedade passava – com movimentos anticlericais, fortalecimento de outras
correntes religiosas e da ciência.
Gombrich (2013, p.411) ressalta que a rotina vazia da construção civil no final do século XIX
foi sendo cada vez mais debatida. Mas a demanda por novas construções, inclusive religiosas
não podiam esperar definições. Surgem então numerosos “pastiches detestáveis”, como Sacré-
Coeur de Paris e a Basílica de Lourdes, ambas na França (PLAZAOLA, 2010, p. 894). Uma
das razões para essa depreciação qualitativa vem da dificuldade de reproduzir ornamentos
complexos. Não se dispunha mais de artesãos qualificados para fazê-los devido a crescente
industrialização dos processos produtivos.
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4. Sobre a Arquitetura Sacra Contemporânea – Vós sois a luz do mundo (Mt 5, 14)
Apesar de ter dado o primeiro exemplo de uma construção religiosa projetada conforme
critérios de racionalidade, economia e funcionalidade em Notre-Dame du Raincy, a França foi
tardia em aceitar a arquitetura moderna e não contou no período pós-guerra com uma equipe
de liturgistas suficientemente preparados para impulsionar e orientar o movimento de
renovação como foi o caso da Alemanha, Suíça e Áustria. Foi contemporânea à construção
em Raincy de 1923, mas na Alemanha, a consolidação de um grupo católico que buscou
estudar os princípios da moderna arquitetura eclesiástica em conexão com o movimento
teológico e litúrgico. O grupo de arquitetos, liturgistas, religiosos e leigos, reunido
primeiramente na Bélgica em 1909, se expandiu formando o movimento litúrgico.
Plazaola (2010, p. 934) ressalta que o interesse do movimento por construir com lógica e com
sinceridade sobre a base de novos materiais era tão grande como ter a consciência do que teria
de ser a “domus ecclesiae” e a importância da função litúrgica como causa final da
arquitetura. Destacam-se os seguintes critérios listados no Diretório para a Construção de
igrejas, da Comissão Episcopal Alemã em 1947:
Frade (2007, p. 107) acrescenta que a participação ativa na liturgia e o retorno às fontes do
cristianismo complementavam os princípios básicos, norteadores da ação do movimento. Para
tanto, se buscou a “eliminação ou redução de alguns elementos arquitetônicos de índole mais
devocional – diminuição ou, em alguns casos, retirada da estatuária interna, redução de altares
laterais (...) –, dando maior centralidade ao altar, mesa do Senhor”.
A resposta arquitetônica a este entendimento eclesiológico não foi uníssona no mundo. A
demanda por novas igrejas somada aos anseios, sensibilidade e visão de cada arquiteto
edificaram exemplares de igrejas muito distintos entre si. Por vezes se mantinha o padrão
funcional tridentino ou se dava apenas alguns “primeiros passos” para uma nova concepção
de espaço litúrgico.
A Notre-dame-du-Haut (1955) em Ronchamp, de Le Corbusier, é exemplo muito apreciado
pela técnica e plástica construtiva. A assembleia é ainda acomodada no layout típico de teatro,
com fileira de bancos voltados para o palco/presbitério. Mas o altar é separado da parede e o
concreto utilizado no edifício é visivelmente explorado, sem falsas impressões.
No Brasil, projetos importantes foram realizados com “sementes” do entendimento litúrgico
acima descrito. São exemplos: a Igreja de São Francisco de Assis (1943) em Belo Horizonte,
de Oscar Niemeyer; e o projeto original da Basílica Nacional de Nossa Senhora da Conceição
Aparecida, de Benedito Calixto de Jesus Neto. A adoção pouco incipiente de soluções de
layout que caracterizariam melhor o espaço litúrgico conforme se teorizava se deve não
apenas a própria formação e sensibilidade dos arquitetos, mas do próprio clero que, em termos
gerais, mantinha/mantém o ideal barroco de igreja.
Mas as reflexões do movimento marcaram presença posteriormente no Concílio Ecumênico
Vaticano II (finalizado em 1965), que reformou as diretrizes litúrgicas em voga desde o
Concílio de Trento e exultou a Igreja a se voltar em serviço ao mundo e não se fechar num
patamar autônomo. Muito se pensou e construiu após o Concílio em um contínuo exercício de
alcançar um espaço celebrativo condizente.
No Brasil, Claudio Pastro (programa iconográfico do Santuário Nacional de Aparecida, SP,
1997), Arq. Irmã Laide Sonda (Capela do Divino Mestre, Cabreúva-SP, 2002-03), Arq. João
Martins (Capela de Canudos-BA, 2006), Arq. Maria Inês Bolson Lunardini (Capelas do
Seminário Viamão-RS, 2003), Arq. Fabiana Trindade Longhi (Capela do Seminário
Propedêutico Santa Cruz, Goiânia-GO, 2012-13) são alguns dos profissionais que apresentam
obras em consonância com as discussões da Igreja no Brasil e romana pós-Vaticano II.
Figura 5 - Igreja São Pedro, Stavanger, Noruega. Utilizaçao de sistema de controle de luz permite
determinar cenários especificos conforme o uso. Fonte: thomasmayerarchive.com
Forconi (2016, p. 201) ressalta ainda que o design de uma fonte luminosa artificial sempre foi
relevante no espaço litúrgico, mas é notório o declínio na arquitetura contemporânea. A falta
de leitura simbólica da luz traz consequências negativas.
Moraes (2009, p.43) descreve luminárias bastante comuns em igrejas recentes: “no seu
interior, estátuas de gesso, anjos afeminados segurando feixe de lâmpadas como sentinelas de
Jesus ‘prisioneiro do sacrário’, apliques e lustres muito apropriados para um salão de baile”.
Elemento crucial para a percepção deste espaço é a luz. O monge beneditino Philippe
Markiewicz reforça que a luz na igreja não deve ser pensada apenas como questão funcional,
na nave, mas nos diversos e diferentes espaços no interior do templo (BIANCHI;
MARKIEWICZ, 2016, p. 34). O presbitério, o batistério, o tabernáculo, a assembleia, a
capela da reconciliação, capelas devocionais, cada lugar deve ser pensado individualmente,
mas em comunhão com o todo.
Brandão (2011, p.52) afirma que a iluminação deve ser a mais natural possível e a iluminação
artificial deve buscar conduzir ao recolhimento e à oração. O prior Enzo Bianchi, do
Monastério de Bose partilha que a imagem que lhe vem à mente sobre a luz de uma igreja é
de uma lâmpada constantemente acesa em uma atmosfera escura (BIANCHI;
11
MARKIEWICZ, 2016, p. 23). No diálogo entre luz e matéria, que revela o transcendente,
estão presentes a sombra, a penumbra e a escuridão.
A variação de intensidade luminosa é primaz e muito útil no espaço litúrgico para promover
atenção maior dos fiéis no presbitério, particularmente no altar e ambão – locais destacados
por Brandão (2011, p.52) a serem os mais iluminados. É inquestionável o fascínio e
preferência do olhar humano que busca visualizar o que está mais iluminado - como a
sedutora luz no fim do túnel. Nada mais eficaz, portanto, do que reforçar os níveis de
iluminância no presbitério e reduzi-la gradualmente em outros espaços. Quando a iluminância
é homogênea em toda a igreja, o olhar do fiel tem uma gama infinita de possibilidades de
atenção e na maior parte do tempo da celebração não se voltará aos pontos centrais do rito: a
mesa da Palavra (ambão) e a mesa do banquete e sacrifício (altar).
Brandão (2011, p.52) sugere evitar iluminação direta para não ocorrer ofuscamento. Igrejas
em que comumente fieis relatam boas experiências de oração não apresentam lâmpadas
expostas diretamente ao olhar. São exemplos de locais e escalas diferentes: o Templo
Expiatório Sagrada Família, em Barcelona; Santa Maria dos Anjos, em Assis; Nossa Senhora
da Medalha Milagrosa, Paris; Capela do Mosteiro de São Bento, em Brasília; Nossa Senhora
do Parto, Rio de Janeiro.
Interessante observar nesta lista de igrejas citadas por leigos de diferentes idades e regiões que
não se trata necessariamente de espaços litúrgicos turísticos e/ou populares. Mas locais em
que se sentiram exultados a orar. E em comum são encontrados sistemas de luz artificial geral
com variações de iluminância e com lâmpadas não visíveis diretamente ao olho do fiel.
O caso do templo expiatório da Sagrada Família em Barcelona, de Antonio Gaudí merece
uma atenção especial. O historiador H.R. Hitchcock (apud PLAZAOLA, 2010, p. 924) afirma
que esta igreja do início do século XX se destaca como o mais célebre monumento
arquitetônico sacro moderno. Engrandecendo o elevado valor arquitetônico e artístico, o
templo apresenta soluções de iluminação que buscam acentuar a mística do espaço. Na
homilia da Dedicação da igreja no dia 07 de novembro de 2010, o papa Bento XVI exultou
que “neste ambiente, Gaudí quis unir a inspiração que lhe chegava dos três grandes livros que
o alimentavam como homem, como crente e como arquiteto: o livro da natureza, o livro da
Sagrada Escritura e o livro da Liturgia” (BENTO XVI, 2010).
Segundo Gomez Gimeno (GIORDANO et al., 2010, p.132) todas as fontes de luz foram
concebidas para iluminar o interior do templo de modo similar à luz que adentra no interior de
uma floresta, por entre as folhas de altas árvores. Na Sagrada Família, a variação luminosa e
as fontes de luz artificial com difusores são desenvolvidas e posicionadas para iluminar assim
como a luz natural. Afinal de contas, o templo sugere ao fiel uma imagem do jardim do Éden,
local para louvar a Deus em comunhão com toda a criação.
Figura 7 – Foto editada da igreja Santo Inácio, a demonstrar intervenções no sistema luminotécnico. Fonte: do autor
7. Conclusão
A luz é um símbolo cristão pouco observado hodiernamente. Todavia, o efeito e a
contribuição da iluminação para o fiel frente ao mistério celebrado na igreja são elementos a
serem observados para uma melhor participação do espaço na liturgia. O espaço e sua
percepção pelo usuário influem na disposição e atenção do fiel para o evento celebrado.
Mesmo a Igreja Católica não definindo ou restringindo uma arquitetura, arte ou layout
específico como definitivos para o espaço celebrativo, ao longo dos dois milênios de
desenvolvimento destes espaços pode-se perceber como a luz contribuiu e de que forma o fez
para a revelação do sagrado, conforme o entendimento de liturgia e eclesiologia da época. A
gama de soluções luminotécnicas gerada ao longo da história da Igreja forma um portfólio
generoso que deve ser considerado para um projeto de iluminação contemporâneo.
Considerando o que se entende de espaço litúrgico hoje, a natureza de visão humana (que
observa mais o que está mais iluminado) e os efeitos da variação de intensidade luminosa,
ficou acessível confirmar que os locais-sacramento da liturgia devem ser priorizados na
iluminação assim como o declínio da luz nos demais ambientes não deve ser temido e sim
explorado. O tema é relativamente apreciado em literaturas a respeito de espaços litúrgicos e
arquitetura sacra, mas diluído em seus conteúdos. Há livros específicos de luz em igrejas, mas
não encontrados em língua portuguesa e nem no Brasil. Mas é possível reunir bastante
informação e buscar suprir a demanda por estudos e projetos que visam melhores locais de
oração e celebração litúrgica.
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