Você está na página 1de 62

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

ISAACK GAITANI MDINDILE

O TAMBOR AFRICANO: A “QUEST” CRISTOLÓGICA

SÃO PAULO
2017
ISAACK GAITANI MDINDILE

O TAMBOR AFRICANO: A “QUEST” CRISTOLÓGICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de
Teologia Nossa Senhora da Assunção, para obtenção do
título de Bacharel em Teologia, sob a orientação do Prof.
ANTONIO MANZATTO

SÃO PAULO
2017
Aos meus pais, aos professores e a toda Congregação dos Missionários da
Consolata, cujos esforços, confiança e fé permitiram-me chegar até este
momento.
A inculturação não debilita os valores verdadeiros, mas demonstra a sua
verdadeira força e a sua autenticidade, já que eles adaptam-se sem se alterar,
antes transformam pacífica e gradualmente as várias culturas. As culturas são
muito diferentes entre si, cada princípio geral, se quiser ser observado e aplicado,
precisa de ser inculturado.
(Papa Francisco- Evangelii Gaudium)
RESUMO

Este projeto tem como proposta: analisar, interpretar e traduzir a imagem, a pessoa de Jesus, O
Cristo, no contexto e tecido africano, particularmente, na África Subsaariana - a sua grande
diversidade e beleza cultural, situações da empobrecimento e exploração, fundamentalismo
religioso, secularidade, a religião tradicional e outras religiões, etc. Toda teologia deve ser
contextualizada por sua relevância e fidelidade ao evento pentecostal do Concilio Vaticano II
(1962-1965). Neste sentido, responder quem é Jesus para os africanos hoje é a preocupação e
ocupação pertinente de toda evangelização na África. Como Jesus é entendido e se faz presente no
cosmo visão africano é a pergunta central dessa pesquisa. Esse ensaio cristológico terá os seguintes
binômios: Inculturação e Libertação integral. Por isso, a religiosidade e a filosofia do povo, os
provérbios, metáforas, ditados, sem dúvida são bases cardinais para essa articulação. Dentro desta
perspectiva, se mostra como o Cristianismo é desafiado e convocado, a repensar bem a sua teologia
dentro desta realidade mutante e diversa, mas mantendo se firme e fiel na sua missão de ser
“inteligência da fé”.

Palavras-chave: Tambor africano, Questão Cristológica, Inculturação, Libertação, Dialogo.


ABSTRACT

The purpose of this research is to analyses, interpret, and translate the image and person of Jesus,
the Christ in the African context particularly in Sub-Saharan Africa - its great diversity and cultural
beauty, situations of poverty and exploitation, secularism, African traditional religion and other
religions, etc. For its relevance and fidelity to Council Vatican II, all theology must be
contextualized and Incultured. In this sense, responding who is Jesus to Africans today is the
concern of all evangelization in Africa. How Jesus is understood and made present in the African´s
world view is the central attention of this research. This Christological essay will have the
following binomials: Inculturation and Integral Liberation. Moreover, the religiosity, worldviews,
and popular philosophy of the people will be the base of this theological articulation.

Keywords: African drum; Christological question; Inculturation; Liberation; Dialogue.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8

2 METODOLOGIA E CONTEXTUALIZAÇÃO ......................................................... 10

2.1 Geografia e história da África-Subsaariana ...................................................... 13


2.1.1 Não existe o país “África” ................................................................................. 15

2.1.2 A sociologia dos grandes grupos étnicos-culturais ............................................ 18

2.2 Cultura e religião na África pré-colonial ........................................................... 19


2.3 A primeira Evangelização - teologia colonial..................................................... 20
2.3.1 A recepção e a relevância da teologia colonial .................................................. 21

3 O EVENTO CRISTOLÓGICO .................................................................................... 25

3.1 Uma cristologia inculturada ................................................................................ 26


3.1.1 Jesus: Proto-Ancestor ........................................................................................ 28

3.1.2 Jesus: o Curador e Curandeiro ........................................................................... 30

3.1.3 Jesus: o Libertador ............................................................................................. 31

3.2 A urgência da inculturação e nova evangelização ............................................. 32


3.2.1 A tendência sociocultural ou não-especulativa.................................................. 35

3.2.2 A tendência especulativa ................................................................................... 38

3.3 A teologia africana da libertação integral .......................................................... 39


3.3.1 Teologia cultural: possibilidades e limites ........................................................ 41

3.3.2 A libertação política e econômica...................................................................... 45

4 O FUTURO DO CRISTIANISMO E DA IGREJA CATÓLICA NA ÁFRICA ...... 49

4.1 Caminhos de diálogo na atualidade .................................................................... 52


4.1.1 Ecumenismo ...................................................................................................... 54

4.1.2 Inter-religiosos ................................................................................................... 55

5 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 57

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 59
8

1. INTRODUÇÃO

O próprio Jesus de Nazaré desafiou seus discípulos quando lhes perguntou: “Mas vós,
quem dizeis que eu sou?” (Mc 8:29). Esta questão de dois milênios foi - e ainda é - determinante
na formulação da imagem de Jesus chamado Messias. A busca pela Cristologia situada num
contexto sempre existiu na tradição crista. E o cristianismo na África não ficou fora da mesma. A
pessoa de Jesus, devido sua popularidade e novidades continua desafiando e provocando novas
interpretações de sua pessoa e missão, segundo às necessidades e tradições locais.
A pertinência dessa busca cristológica não é apenas o centro da fé, mas também o
encontro da religiosidade popular e das reflexões da teologia africana contemporânea, em que,
nesta última, há uma correlação muito forte entre a comunidade, ou seja, a família e a referência
de Jesus Cristo. Ter uma teologia menos essencialista e mais consequente do ponto de vista da ação
eclesial, permitindo compreender a história de onde se vem, o contexto onde se vive e o caminho
futuro que quer trilhar. Isso nos ajuda a perceber a ênfase do Concilio Vaticano II, sobretudo a
relação da Igreja com o ministério de Cristo.
Portanto, as questões cristológicas não são meramente retóricas, mas constituem os
desafios e demandas dos africanos em ter uma imagem, conceito e práxis de Jesus Cristo
compatível, bem com as tradições e convicções profundas do povo. Eis aqui a missão da Igreja da
África, denominada com palavras-chave de Inculturação e Libertação integral. Como titular melhor
esse Jesus e como aproximar e reconciliar a pluralidade desse cristologia africana? O objetivo desse
trabalho não é oferecer respostas prontas, e sim sintetizar e responder essa busca cristológica de
forma geral.
Por outro lado, o presente estudo tem por intuito apresentar a relação dialética, existente
entre a cristologia e a eclesiologia. Isso implica dizer que não somos nós que inventamos o Cristo,
ou seja, esse Jesus Africano é fruto de uma longa história e experiência da comunidade. Aderimos
a Ele tal qual nos é apresentado pela Igreja, segundo a tradição vivida ao longo dos séculos. Um
projeto da mesma depende, sempre, da visão que se tem do Cristo. A uma imagem do Cristo
corresponde uma imagem de Igreja, e não outra. O tambor africano é um símbolo-cultural que o
povo usa no acolhimento dos hospedes/estrangeiros, nas festas, ritos e celebrações litúrgicas. É
9

uma marca ontológica de hospitalidade, comunicação, refazendo suas relações, e reforçar a coesão
social. De fato, a linguagem sobre Deus se faz de várias formas: na fala, no corpo, na dança, na
pintura, enfim na criação. Neste sentido, Jesus Cristo é recebido e acolhido com danças como
hospede. A dança se fundamenta no mito de um Deus que dança, de um movimento eterno do
cosmo. O dinamismo “pericorético” trinitário- o conceito designa dança; o que significa: uma
dança girando, rodeando em torno do outro; e o outro rodeando o primeiro. Portanto, Jesus é vivido
e anunciado nos cantos, contos, histórias dos anciãos, provérbios e danças antes de ser
dogmatizado1.
Uma Igreja samaritana, participativa e profética é indubitavelmente universal, sendo
que a mesma é a comunidade das comunidades vivas, que encontram e comungam a palavra de
Deus, e a qual se mostra aberta e dirigida pelo poder do Espírito Santo, portanto, atentos aos sinais
dos tempos. Recuperando o Concílio Vaticano II que chamou a Igreja em saída, sendo “peregrina
é chamada por Cristo a essa reforma e missão permanente. Como instituição humana e terrena, a
Igreja necessita perpetuamente dessa reforma (UR 6)”.

1
Refiro-me á literatura como a arte de contar e escutar histórias. As grandes lições de ethos comum vêm vestidas de
histórias, de lendas, de fabulas. Quase em todos os continentes, em todas as gerações, os mais velhos inventaram
narrativas para encantar/enamorar os mais novos. E por via desse encantamento passavam não apenas sabedoria, mas
uma ideia de decoro, de decência, de respeito e de generosidade.
10

2. CAPÍTULO I
METODOLOGIA E CONTEXTUALIZAÇÃO

“Eu sou africano, não porque nasci em África, mas porque a África nasceu em mim”
(NKRUMAH,)2.

O primeiro desafio que a realidade africana impõe à teologia é quanto ao método: a


questão epistemológica. A aproximação entre teologia e comunidade africana não significa apenas
o nome de dois substantivos, ou uma teologia qualquer, pois esta última e a negritude indicam,
primeiramente, um compromisso real e concreto, isto é, um lugar a partir de onde se faz teologia.
Arno Meiring assinala:

African theology can be understood as a theology from below – or rather, “as


below, so above”. This phrase not only reflects the concept of “Ubuntu3” and the
African partiality towards horizontal relationships, but may help explain African
perspectives on shame and guilt, sin and reconciliation, liberation, inculturation,
the ancestors and eschatology. Subsequently, there seems to be some concurrence
between African theology and Western postmodern theology. Although these
theologies challenge traditional theology, and should in turn be scrutinized, they
may offer useful and valid ways of thinking and speaking about God4.

Portanto, os passos e espaços metodológicos de um processo de Evangelização


inculturada não se resume na simples aplicação de uma técnica, tampouco de um método único e
acabado. Trata-se de conjugar e julgar, com arte, a relação Igreja-Evangelho-cultura, sem que isso
signifique relegar tudo à subjetividade do evangelizador. Num processo metodológico
evangelizador, os primeiros passos são: presença no testemunho, ou seja, empatia, relação dialógica

2
“Eu sou africano, não porque eu nasci em Africa, mas porque a África nasceu em mim”, de Kwame Nkrumah, um
dos pioneiros do movimento “Black Identity”, ou seja, “Pan-Africanism”. Black Identity é um movimento iniciado no
século XX que propõe a união de todos os povos da África, tendo por intuito potencializar a voz do continente no
contexto internacional. Foi o primero president de Gana em 1957. (Tradução Nossa)
3
“UBUNTU” é uma palavra africana que tem origem na língua Zulu. Designa a cosmo-visão dos africana enfatizando
o valor da família, ou seja, a comunidade humana. O ditado popular “eu sou porque nós somos” (ADEYEMO,
1998:374; GERLOFF, 1998:49; NDUNGANE, 2003:102; SETILOANE, 2000:21; TUTU, 1999:35).
4
MEIRING, Arno. As below, so above; A perspective on African Theology, disponível em
http://www.hts.org.za/index.php/HTS/article/viewFile/220/154, P. 1. Acesso no dia 25 de outubro de 2016.
11

- ou de simpatia -, identificação e reconhecimentos dos valores da cultura como “sementes do


Verbo”, os quais constituem uma evangelização implícita5.
Neste sentido, a teologia deixa de ser considerada um saber teórico em primeiro lugar,
mas sim uma instância de compromisso. Em outras palavras, as pessoas não estudam teologia, mas
a praticam. Aqui, os seus modos de conhecimento não são como as das ciências exatas - empíricas
-, mas do conhecimento que envolve e compromete a pessoa enquanto sujeito consciente e livre
para acolher a fé.
A chamada teologia contextualizada - desde o Concílio Vaticano II - se tornou mais
vigente e urgente, ou seja, fazer reflexão a partir do mundo, das culturas e das mudanças
socioculturais. O teólogo Eduardo Hoonaert fala de enegrecimento da teologia6, significando que
a chave teológica se constitua a partir das situações concretas da opressão, diversidade cultural,
pobreza, discriminações e racismo por quais as comunidades se encontram.
Coincidentemente, a cristologia moderna também é confeccionada e construída a partir
do evento pascal, e esta caracteriza-se como aquela que assume o método de conhecimento indutivo
e ascendente. Esta cristologia parte da história de Jesus para chegar às noções da fé sobre a sua
pessoa, buscando a unidade entre o Jesus histórico, Jesus que viveu na Palestina e o Cristo da fé -
“fruto” da confissão da fé dos discípulos.
A teologia africana - como afirma o Bispo Tutu7 (1931) - é primeiramente uma
preocupação antropológica-teológica para ceifar as riquezas culturais e a consciência religiosa do
povo. Denomina-se, assim, de cristologia de baixo, cuja gramática metodológica é:

The method in discussion, to be more and specificity of African Christian theology


need not take a systematic form as it does in Europe, but that can emerge from
below, the Christology from below, (as below, so above-Ubuntu), religiosity of
people, culture, from experience of God´s people, and in particular from its
liturgical experiments which seem to be a place where a new theological
vocabulary is worked up, realist without being abstract8.

5
BRIGHENTI, Agenor. Por uma Evangelização Inculturada: Princípios pedagógicos e passos metodológicos,
Paulinas, São Paulo, 1998. P. 66.
6
APARECIDO DA SILVA, Antônio. Desafios teológico-pastorais a partir da causa dos Afro-brasileiros.
In:BRANDÃO, Carlos (Org.). Inculturação e Libertação: semana de estudo teológicos CNBB/CIMI. São Paulo:
Paulinas, 1986, P.180.
7
Desmond Tutu é um arcebispo da Igreja Anglicana consagrado com o Prêmio Nobel da Paz, em 1984, por conta de
sua luta contra o Apartheid em seu país natal - África do Sul.
8
BENEZET, Bujo. African Theology: which direction to take and what methodology to use. Paulines, Nairobi,1998.
P. 9. O método na discussão, para ser mais e especificamente da teologia cristã na africana não precisa tomar uma
forma dos outros lugares, mas pode emergir de baixo, a Cristologia de baixo (como abaixo, tal como acima-ditado
12

Na realidade, essa maneira de teologizar já existia desde a antiguidade, embora não


reconhecida como teologia “formal”, no sentido explícito. A teologia não pode ser confinada
apenas às discussões de salas de aula e bibliotecas, dado que a mesma deve informar todos os
departamentos da vida, empregando um tecido teológico africano, dessa forma, torna-se fiel à
própria história da teologia. Neste sentido, o nosso local de trabalho teológico é nas fronteiras, nas
periferias das periferias, nos últimos andares, nos marginais com a gente, missão ad gentes e entre
pessoas até os não crentes. “Não se conforme com uma teologia de gabinete, e não caiam na
tentação de pintá-la, perfumá-la, ajustá-la um pouco e domesticá-la”, como nos alerta Papa
Francisco9.
Como todo trabalho de reflexão teológica sistemática deve estar a serviço da fé da
comunidade eclesial, o rigor metodológico a ser utilizado no estudo da teologia só tem sentido na
medida em que colabora com o crescimento e enriquecimento da própria comunidade de fé - que
está inserida em determinado contexto sociocultural. Segundo Costa10, o que chamamos de “círculo
hermenêutico” é exatamente a relação - interligação - entre a comunidade, realidade e a cristologia.
A reflexão aqui não se restringe aos especialistas, mas sim a um trabalho da comunidade ativa.
A comunidade é o primeiro nível e de si requer fundamental reflexão teológica quanto
a Jesus. A dimensão da comunidade é forte no mundo africano, pois é neste meio que o individual
se realiza e se define. Os africanos são como uma escultura maconde11 - wajamaa12 -, isto é, um
ramo dessa grande árvore que lhes dá corpo e sombra. A ideia e o ideal de “wajamaa” é a
comunidade que evangeliza, mas também é evangelizada. É uma exigência inerente à toda vida
cristã, em que, perguntar por Jesus - e por seu significado na história humana - é interrogar-se sobre
aquilo que define e dá sentido real à sua existência. A maneira como a comunidade vive e vibra em
sua fé constitui, sem dúvida, a “matéria-prima” viva do saber teológico.
O segundo nível é o da contextualização, ou seja, da realidade circundante. O ambiente
da África-Subsaariana e suas dimensões sociais, políticas, econômicas e culturais constituem o

popular). Aproveitando a religiosidade do povo, cultura, e, em particular, de suas experiências litúrgicas que parecem
ser o lugar onde um novo vocabulário teológico é trabalhado, realista sem ser abstrato. (Traduçao livre)
9
Mensagem do Papa Francisco ao Cardeal-Arcebispo de Buenos Aires, por ocasião de centenário da Pontifícia
Universidade Católica Argentina, na terça-feira, dia 10 de março de 2015.
10
COSTA, Jose de Anchieta Lima. Conhecer Jesus; A cristologia ao alcance de todos, Paulus, São Paulo, 2014. P.29.
11
Povo do Norte de Moçambique.
12
Significa a família que aumenta de extensão, um termo que expressa numa escultura em que várias figuras humanas
se aglomeram de forma entrelaçada, simbolizando a unidade familiar.
13

lugar da reflexão. O contexto sociocultural, onde a comunidade dos crentes se encontra inserida,
provoca questionamentos, encanta e faz perguntas, embora essa mesma comunidade seja desafiada
e chamada a “dar explicação de sua esperança a quem o pedir”13.
É importante evitar o fundamentalismo cultural, isto é, justificar e aceitar tudo sobre a
cultura como base da definição teológica, sem uma crítica honesta e madura. Deve existir a relação
vital entre o texto e contexto onde teologizamos. A contextualização deve ser sincera e apresentar
teor crítico para preservar a verdade evangélica sem cair no sincretismo.
O último nível é a reflexão sistemática, em que o intuito é ir além da simples reflexão
sobre as experiências de fé que cada crente pode fazer. Para tal empreendimento, vamos utilizar os
resultados das pesquisas bíblicas, da exegese moderna, da história, da geografia, e de outras
ciências que nos ajudam a adquirir uma compreensão mais exata e o mais abrangente possível do
trabalho, que é responder à pergunta “quem é Jesus Cristo para os africanos de hoje?”
Na África, o problema central sempre foi a falta do diálogo com as culturas locais. Não
houve conhecimento mutua. A evangelização era sinônimo como colonização, propaganda
ideológica. Hoje é necessário que a Igreja se pergunte o que é a África e quem é este africano. A
questão antropológico-cultural é crucial e constituiu um ponto decisivo na produção teológica e
guia pastoral na África. É preciso que o evangelizador fale ao africano de modo que ele, como o
samaritano, possa dizer: “disse-me aquilo que eu fiz”14. É necessário que os africanos digam aos
evangelizadores o que os samaritanos disseram a Jesus: “Já não é pela tua palavra que nós cremos,
mas porque nós mesmo ouvimos e sabemos que Ele é verdadeiramente o Salvador do mundo15.

Geografia e história da África-Subsaariana

A ideia de que o continente africano evoluiu isoladamente dos grandes fluxos


internacionais é equivocada. Desde o início dos tempos históricos, as metades Norte, Leste e um
pouco do Sul do continente mantiveram contatos regulares com a Ásia e Europa16. Por essa razão,
qualquer estudo que deseje colocar o continente numa perspectiva global deve iniciar pelo
conhecimento e pela análise da dimensão pré-colonial, bem como das estruturas profundas da

13
Cf. 1Pd 3,15.
14
Cf. Jo 4,39.
15
Cf. Jo 4,42.
16
PEREIRA, A. Danilevicz. África pré-colonial: ambiente, povos e culturas, P.15.
14

história do continente. Da mesma forma, conhecer sua configuração geográfica é indispensável,


especialmente a partir da formação de um sistema mundial calcado dos fluxos comerciais dos
grandes espaços oceânicos a partir do século XV.
A África ocupa 20% das terras emersas e forma um continente territorialmente
compacto. Foi neste território que surgiu o Homo Sapiens, há cerca de 160 mil anos, bem como a
primeira civilização - o Egito -, há 5 mil anos17. A evolução da espécie humana teve início na África
Oriental e Meridional, ponto de partida para a colonização do restante do continente e do mundo,
quando estas formas se adaptavam a novos ambientes e especializavam-se, até surgirem os grupos
étnico-linguísticos diferenciados, embora tenha sido somente nas últimas décadas do século XX
que a África deixou de ser um continente subpovoado.
O continente africano está separado da Europa pelo mar Mediterrâneo e da Ásia pelo
Mar Vermelho, mas liga-se a ela por meio da sua extremidade Nordeste - o Istmo de Suez. A
principal subdivisão da África refere-se às duas regiões que ficam ao Norte e ao Sul do Deserto do
Saara-África-Subsaariana, e Norte da África. Sendo o terceiro maior continente da Terra, a África
ocupa, juntamente com as ilhas adjacentes, uma superfície de aproximadamente 30 milhões de km²,
mais de 20% do total da massa terrestre, formando um espaço compacto. Com exceção dos Montes
Atlas, no Norte, do maciço etíope e do Drakensberg sul-africano, o território africano é um planalto
vasto e ondulado, marcado por quatro grandes bacias hidrográficas: Nilo, Níger, Congo e Zambeze.
A África é riquíssima em recursos minerais, possuindo em seus subsolos a maioria dos
minerais conhecidos, sobretudo os mais raros e valiosos, muitos deles em quantidades notáveis.
Sua principal atividade econômica refere-se à mineração, principalmente nas grandes jazidas de
carvão, reservas de petróleo e de gás natural, bem como as maiores reservas do mundo de ouro,
diamantes, cobre, bauxita, manganês, níquel, rádio, germânio, lítio, titânio e fosfato. Os principais
países produtores desses minérios são a República Democrática do Congo, África do Sul e
Namíbia, representando, juntos, aproximadamente 98% da produção mundial de diamantes18.

17
Idem, P. 16.
18
Idem, P. 18.
15

Não existe o país “África”

A África não é só um país, mas um continente de 54 países, parece obvio, no entanto,


isso é entendido de forma errônea, dado que muitos abordam o continente como se fosse uma região
homogênea habitada por um único povo. A África como uma realidade única e singular não existe,
pois, a mesma é complexa, heterogênea e muito diversa, sendo a abordada, no presente estudo, a
África-Subsaariana19. É importante considerar que não há essa denominação de que muitas vezes
as mídias - particularmente as do Ocidente - apresentam, com informações minimamente
verificadas, preenchidas de estereótipos e incompletas. A África não existe no sentido de não ter
voz própria nos altares internacionais. Mas também na “cultura do silencio e indiferença” das
grandes mídias sobre tragédias, guerra na África. Por exemplo, a morte de cinco pessoas pelo
atentado em Paris se faz mais notícias inúmeras vez, que a morte de cem pessoas na Somaria. A
humanidade se dividiu em termos ideológicos, racistas, partidos e tribais. Eis é o pecado grave.
A exemplo disso são as apresentações da África como uma visão apenas de miséria, de
precária assistência geral, de savana como seu ambiente, da guerra por qual passam e dos negros,
mostrando, assim, observações equivocadas. A África, na realidade, é dinâmica e muito mais plural
do que se pode imaginar, como por exemplo, quanto aos africanos, que em sua maioria domina
mais do que uma língua de origem e, além disso, falam ao menos uma língua europeia. O que
geralmente é dado como problemático pode ser, afinal, uma potencialidade para o futuro,
considerando a habilidade do povo em ser poliglota, que pode lhes conferir um passaporte para
algo que atualmente se tornou perigosamente raro: a viagem entre identidades diversas e a
possibilidade de visitar a intimidade dos outros20.
A África que o presente estudo apresenta é o local em que o Cristianismo começou a
ser a religião do Estado, no século IV na Etiópia, antes mesmo da Europa. Segundo Allen Junior
(2015), esse continente produziu muitos mártires e doutores dos primeiros séculos, como por
exemplo, Orígenes, Santo Atanásio, São Cirilo, Tertuliano, São Cipriano e Santo Agostinho, bem
como gerou três papas africanos: Victor I (120-199), Melquíades (270-314), e Gelásio I (410-496).

19
África-Subsaariana é o nome geograficamente incorreto e equivocado. Dos 55 países, a ONU coloca 46 países como
países da África subsaariana, excluindo Algeria, Djibuti, Egito, Líbia, Marrocos, Somália, Sudão e Tunísia. A união
africana não usa o termo “África subsaariana”, prefere usar organizações regionais como “Comunidade da África
Oriental”. África subsaariana é o nome dado pelos colonialistas com finalidades discriminatório de dividir a “África
branca” e “África negra”.
20
Cf. COUTO, Mia. Se Obama fosse africano? E outras intervenções, Ndjira, Maputo, 2009. P. 24.
16

A África é agora o lugar de maior crescimento do Cristianismo, tido como continente cristão mais
populoso do mundo e atualmente com pouco mais cristãos quando comparado à América do Norte
- e os números estão em expansão. Os católicos africanos representam 17% de todos os católicos
do mundo. O ritmo de crescimento dos batizados ultrapassa 40%, ainda que a população africana
cresça ao ritmo de 23,8%. A pesquisa de Pew Forum mostra que, em 2050, a África-Subsaariana
terá 1,1 bilhões de cristãos, quase o dobro de seu rival mais próximo para adeptos - o Islã21.
A África também é um continente que não há muito tempo era um dos principais
destinos para os missionários estrangeiros, é agora aquele que está enviando os padres e pastores,
os quais são chamados - por sua percepção - para despertar a fé em outras partes do mundo que
acreditam estar em estado de dormência, no inverno eclesial. O continente africano conta com 66
seminaristas para cada cem presbíteros, o que indica uma renovação geracional ativa.
O momento histórico do crescimento do Cristianismo neste território é uma das
discussões globais, especialmente entre os cristãos acadêmicos e os missionários nos ciclos
pastorais. O interessante é que tal discussão inclui não apenas a relação do Cristianismo com outras
religiões e fé - particularmente o Islã -, mas também o papel dos cristãos no mundo da política, ou
seja, os impactos e feições da fé nas orientações e decisões públicas.
Uma das articulações teológicas inquietantes sobre a ascensão do Cristianismo na
África é: se esse crescimento é apenas numérico ou tem a ver com a ad intra dinâmica teológica-
cultural que chama essa atenção global. Será preciso reconstruir as bases eclesiais mais que delegar
tarefas, descentralizar atividades que os ministros ordenados não estão alcançando assumir.
Para entender a diversidade africana, porém, é preciso conhecer os sistemas de
pensamento e os universos religiosos desses indivíduos, que frequentemente são desprovidos de
nomes. Os sistemas de pensamento da ruralidade africana - que é maior - não são facilmente
redutíveis às logicas ocidentais, isto é, das razões comerciais/ideológicas que se fecham às outras
culturas, línguas e lógicas. Porém, O que permitiu a sobrevivência da espécie humana não foi
apenas a inteligência/tecnologia, mas a sua capacidade em produzir diversidade, esta última que
tem sido negada, atualmente, por um sistema que faz as escolhas por motivos financeiros e
facilidade de sucesso22. Hoje reinam pensamentos dominantes, unificantes de tal modo que quem
não se atém a eles é discriminado, rejeitado.

21
ALLEN, John. África: maior crescimento do Cristianismo de 30 de dezembro de 2015, e maior ameaça. In:
https://cruxnow.com/faith/2015/12/30/africa-christianitys-greatest-growth-and-greatest-threat/, P.1.
22
COUTO, Mia. Se Obama fosse africano? E outras intervenções, P. 24.
17

A África tem sido sujeita aos sucessivos processos de especialização e folclorização, e


muito daquilo que é proclamado como de origem africana resulta de invenções oriundas dos outros
ao continente. A consciência histórica mostra que desde a antiguidade os africanos tiveram sua
identidade negada. O seu território era a ausência, o seu tempo estava fora da história.
Posteriormente, o povo africano foi estudado como um caso clínico e, agora, com a manipulação
midiática, são ajudados a sobreviver no que restou da História.
A cultura africana não pode ser definida pelos padrões europeias - ou analogicamente
no sentido eurocêntrico -, isto seria uma simplificação excessiva ao caracterizar as culturas
ocidentais como racional, ao passo das culturas africanas como apenas emocionais. Porém, é justo
afirmar que as ideias religiosas-africanas não eram tradicionalmente expressadas na segunda ordem
da língua, como houve na teologia sistemática cristã. A gramática cultural da África se encontra no
interior da lógica da primeira ordem da expressão, empregando formas imaginativas, símbolos,
histórias, poesia, danças e canções23.
Acredito que para os africanos, se Jesus visitá-los, hoje, o acolheriam com danças,
cantos e o vestiriam com roupas dos anciãos - ou ancestrais - antes de formular dogmas sobre a sua
pessoa. Em outras palavras, essa é a teologia intuitiva do povo que consiste em fazer memória
coletiva dos acontecimentos na história do povo e, com seu Deus. É uma teologia comunitária,
popular e bem participativa.
Africanos têm o desejo legitimável, aliás o dever de reformular as verdades sagradas
segundo às suas formas culturais da expressão, como afirma o teólogo Harrington, quando escreveu
sobre a interpretação africana do Novo Testamento:

The closeness in the world views between the Bible and Africa, the positive
significance attributed to the supernatural elements in the Gospels, and the
liveliness of belief in demons-all these points boil down to the recognition that
Africans need not and should not replicate the intellectual history of Western
Europe in order to understand what the Gospels say about Jesus24.

23
SHORTER, Aylward. The contribution of African Theology to World Church-African Theology as
“Communication”, Paulines, Nairobi, 2000. P. 24.
24
DANIEL, J. Harrington. Anglican Theological Review, Vol. LXIV, no. 3, Some Voices in the New Testament
Interpretation, P.362-370. A proximidade da concepção do Mundo entre a África e Bíblia, o significado atributo aos
elementos supernaturais no evangelho e a crença no mundo das trevas-todos esses pontos mostram que africanos não
precisam reproduzir a história intelectual do mundo ocidental para entender o que o Evangelho que fala sobre Jesus
(Tradução livre).
18

É importante ressaltar que a teologia conota o conhecimento da palavra de Deus, e tal


percurso não depende apenas de uma única particular metodologia científica. No anúncio do
Cristianismo, desde a sua origem, vieram primeiramente - e mais importante - os símbolos,
parábolas, mitos, histórias e a memória coletiva da Igreja no anúncio de Kerigma. A metodologia
científica e crítica, até exegese são tardias no Cristianismo, por isso, a recuperação da memória
histórica de um povo é indispensável na caminhada de sua realização, pois um que perde a memória
acaba sem futuro.

2.1.2 A sociologia dos grandes grupos étnicos-culturais

Atualmente o continente africano abriga quase um bilhão de pessoas, com uma


densidade de 30,6 habitantes por km². As tribos urbanas é de, aproximadamente, 40%, ao passo
que a rural é de 60%. O continente está dividido em cerca de oitocentos grupos étnicos, cada qual
com sua própria língua e cultura. A distribuição populacional da África é muito irregular, em que
as regiões desérticas são quase desabitadas e, ao sul do Saara, predominam os povos negroides -
cerca de 70% da população africana. Na África Meridional ainda existem alguns elementos dos
povos khoisan, os habitantes originais. Os pigmeus concentram-se na bacia do Rio Congo e na
Tanzânia, enquanto que, agrupados principalmente na África Meridional, vivem 5 milhões de
brancos de origem europeia.
Na África são faladas mais de mil línguas diferentes, que são divididas em quatro
famílias: as afro-asiáticas, as khoisan, as nigero-congolesas e as Nilo-saarianas. Além do árabe, as
línguas que mais se falam são o suaíle e o hausa. Por fim, o Cristianismo - a crença mais difundida
- e o islamismo são as principais religiões, sendo que cerca de 15% dos povos africanos ainda
praticam as que são animistas ou locais, concentrando grande parte da atividade cultural africana
na família e no grupo étnico25. Não há uma África, mas várias áfricas tanto sua paisagem física
quanto humana.

25
Idem, P. 20.
19

Cultura e religião na África pré-colonial

A história do continente africano, geralmente, é construída do estrangeiro para seu


interior, tendo como base os interesses dos primeiros que ali buscaram - e ainda buscam - dominar
a África e seu povo, sem, contudo, isentar a atitude dos africanos, que se miram e vivem à imagem
dos povos que os sobrepujam, sem referências ao seu passado histórico.
Segundo o historiador Joseph Ki-Zerbo (1922-2006), é imperativo que a história e a
cultura da África sejam também vistas de dentro, sem serem analisadas por parâmetros de valores
exclusivamente europeus. Portanto, apesar dos mitos e preconceitos de todo tipo, que durante um
longo período de tempo ocultam a real história deste continente, existiu e existe até os dias de hoje
culturas, religiões e grupos linguísticos diversos, bem como uma organização social própria dos
povos africanos26.
A cultura tradicional africana põe e propõe especial ênfase nas virtudes como a
tolerância, a hospitalidade, a paciência, e todos os valores que asseguram a harmonia social. Daí o
rápido crescimento do Cristianismo e do islã no continente. Por exemplo, São José de Anchieta, ao
se deparar com uma cultura Tupi que já era religiosa e com valores comunitários, observou que a
mudança de percepção do Mistério se daria não somente pelo discurso, mas pela percepção de um
modo de viver diferente, que levaria a cultura a um magis, em que a teleologia do Evangelho vinha
ao encontro das expectativas da teleologia da cultura em seus anseios mais profundos, alargando,
assim, a visão para além do que até então se havia vivenciado27.
Neste sentido, conclui-se que, do ponto de vista cultural, principalmente no que diz
respeito à religião, a África tem sido uma grande precursora dos valores humanos incorporados
pelas religiões reveladas - Cristianismo e islamismo -, apesar do discurso que anunciava a tarefa
de “civilizar” os povos africanos a partir de seus valores. Da mesma maneira, a diversidade dos
grupos linguísticos, bem como a organização sociopolítica da África pré-colonial, continua pouco
conhecida ou simplesmente desvalorizada. A religião tradicional africana teve um papel importante

26
PEREIRA, A. Danilevicz. África pré-colonial: ambiente, povos e culturas, P.29.
27
Cf. BOAS, A. Villas. A dimensão social da evangelização na Evangelii Gaudium e o discernimento da caridade.
In: Revista de Cultura Teológica de Jul/Dez 2014, P. 15.
20

na formação política, social, econômica e cultural do continente, da mesma maneira que as outras
religiões e crenças em outras partes do mundo.

A primeira Evangelização - teologia colonial

A imposição da cultura europeia e suas instituições na África como tal, isso é


adequar o nativo com os costumes europeus constitui-se como processo análogo à
colonização que pouco coincide ou se sintoniza com proposta de Jesus e seus
evangelhos, que é muito mais processual e propositivo e menos impositivo
(VILLAS BOAS, 2014, p. 15-16).

Mesmo com a entrada das religiões monoteístas - Islamismo e Cristianismo -, vale


ressaltar que a religião tradicional continua sendo a principal crença, pois neste campo, na maioria
das vezes, a aceitação e a adoção das religiões estrangeiras eram vistas pelos africanos como uma
forma de receptividade e de acesso ao outro para fins comerciais.
Em outras palavras, a cultura e a religião são dois elementos fundamentais para o
entendimento da sociedade tradicional africana desde o período pré-colonial até os dias atuais, no
entanto, continuam pouco conhecidos e, principalmente, preenchidos com a base do etnocentrismo
ocidental, dado que sempre foi importante justificar a presença estrangeira no continente africano.
É importante ressaltar que o imperialismo europeu, responsável pela conquista da
África, representava a resposta defensiva a uma crise internacional que se esboçava: o declínio da
Pax Britanica em que se deu o sistema liberal e o “Império informal”. A emergência da Segunda
Revolução Industrial, a ascensão de potenciais industriais desafiantes - sejam as europeias ou não,
como os Estados Unidos e o Japão -, e a Grande Depressão iniciada - em 1873 - sinalizavam o
desgaste da hegemonia inglesa. Os missionários, exploradores, soldados e, principalmente os
comerciantes, foram os grupos que mais se empenharam na conquista colonial da África.
O continente africano, ao longo do processo de colonização, foi explorado em suas
riquezas materiais, culturais, sociais e espirituais. Nas palavras do Sínodo Africano sobre
inculturação, tem-se: “O reconhecimento do pluralismo cultural foi acelerado pela experiência
21

colonial, em que a África e outras partes do mundo foram dominadas politicamente e militarmente
pelos países europeus e sofreu a opressão cultural em suas mãos”28.
Nesse cenário, o povo africano se encontrava num dilema, em que, ao ser forçado
abandonar seus costumes, acabou por ocorrer mortes e sofrimento. Na verdade, discretamente, o
povo continuava a seguir seus costumes tribais, especialmente nos momentos de desafios como
doenças e mortes, nos quais a nova religião não conseguia dar respostas práticas aos problemas.
Os africanos eram obrigados a largar suas tradições e assistir às religiões dos colonizadores, que se
apresentavam contrários e desligados da vida cotidiana.
John Mbiti explica:

A missão da cristandade passou a significar para muitos nativos simplesmente


um conjunto de regras, a serem observadas, promessas a serem esperadas no
próximo mundo, hinos sem ritmo nem danças para serem cantados, rituais a
serem seguidas e algumas coisas para fora. É um Cristianismo que está preso seis
dias por semana, encontrando apenas por duas horas aos domingos e talvez uma
vez por semana. É um Cristianismo que está ativo dentro de uma Igreja. O resto
da semana está vazio. Os africanos, que tradicionalmente não conhecem uma
religião semanal, vazia e dos livros, sentem que não recebem o suficiente da
religião desse tipo de Cristianismo, uma vez que não toca toda a sua vida e sua
holos compreensão do universo29.

O antropólogo, que agora é o bispo Lerma Martinez, demostra claramente que os


primeiros missionários tiveram uma motivação dentro da África, que é cumprir a passagem do
Evangelho de Mateus (28; 19) -, que diz: “ide e batizai”. Martinez afirma - em sua obra Religiões
Africanas Hoje - que durante séculos a missão se impõe como tarefa principal de administrar os
sacramentos e salvar as almas perdidas. Na realidade, muitas pessoas foram batizadas, mas nunca
se tornaram “cristãs”, uma vez que, aparentemente submissas, se deixavam batizar, embora
continuando a ser quem sempre foi30. Se espantavam de uma religião dos livros e de domingo.

2.3.1 A recepção e a relevância da teologia colonial

28
SHORTER, Aylward. The African Synod, Paulines, Nairobi, 2005. P. 53.
29
Idem, P. 54.
30
Lerma Francisco Martinez é um antropólogo e missionário da Consolata, nascido na Espanha e que atua como
bispo na Gurué, em Moçambique.
22

A recepção é o elemento de verificação mais importante, pois revela quais as dimensões


foram capazes de passar para o cotidiano da Igreja, isto é, que as outras deixaram de ser assimiladas
e até mesmo as que foram seletivamente abandonadas. A recepção no sentido geral tornou-se mais
complexa, pois o processo geral de evangelização ocorreu de forma tensa, brutal, suspeita,
unilateral e totalmente ocidentalizada. Hoje é necessário afinar e observar em cada país como se
realiza esse processo de recepção das reformas. Pois, a reforma visa verificar os fundamentos,
retomando a leveza do Evangelho na ação de uma Igreja pobre e dos pobres. E levar a sério a vida
concreta das pessoas.
Como supracitado, não houve atração, cultura do encontro, tampouco uma adesão livre
da fé cristã pela comunidade africana, sendo assim, a recepção da mesma também ocorreu - de
modo geral - fria, indiferente e até mesmo ignorada. Os missionários se preocupavam mais em
converter os africanos em quantidade que em qualidade. A maioria dos padres não tinha
conhecimento adequado e se formava sem conhecimento próprio do seu povo nem da sua
identidade e, a Igreja, como instituição, não ajudou e não se preocupou em formar os africanos
como o são verdadeiramente antes de ser cristãos, pois assim seria ser protagonista da sua própria
história. A fé, neste sentido, não anula, mas alimenta a identidade daquele que é africano.
O Cristianismo do paternalismo e romantismo persistiu e ainda continua a prevalecer
na África até nos dias atuais, criando uma cultura de dependência e infantilismo espiritual mesmo
nas esferas política. Com doutrinas demasiadamente rígidas, o estilo clerical do catolicismo e o
certo ar de superioridade ainda mina e impede o diálogo e os esforços de ter uma Igreja
verdadeiramente africana. Para muitos missionários, não havia dúvidas de que, no plano divino, a
tarefa de conversão do gentio devia ser efetuada com o apoio estratégico dos militares. Os
religiosos, portanto, eram vistos como a “milícia espiritual” a serviço da colonização e
imperialismo, tendo por finalidade primordial da ação missionária a conversão dos povos
considerados pagãos.
Nesta perspectiva teológica, os povos africanos não eram vistos apenas como carentes
da fé, mas também como imbuídas de uma concepção de mundo que devia ser abandonada porque
era perniciosa, devendo ser substituída pela nova interpretação da realidade oferecida pela crença
cristã. Deviam os africanos abandonar suas falsas crenças e aderir à única e verdadeira fé crista
“europeia”.
23

De fato, a perspectiva de riqueza e a ganância levou os conquistadores a considerar os


negros como pertencentes a uma raça inferior, uma espécie de seres intermediários entre os homens
e os animais irracionais. Apesar do protesto inicial de alguns missionários e africanos, ficou
estabelecido como norma na cristandade colonial que o comércio de escravos realizado na África
deveria ser considerado justo. A escravidão era considerada como consequência do pecado de
Adão, e da maldição divina imposta ao homem de trabalhar a terra com o suor do rosto31
Os cultos africanos, portanto, eram considerados como verdadeira manifestação
diabólica, por isso, como forma de compensar os negros da perda de sua identidade religiosa, lhes
era ofertado o subsídio da proteção celeste própria do catolicismo, através do culto de Nossa
Senhora e dos Santos. Contudo, o povo não deixava de resistir, mesmo passivamente. Os
protestantes, ao usar línguas locais e abandonar a liturgia latina e celibato, tiveram mais sucesso na
evangelização em comparação aos católicos, sendo que, a única maneira de os tornar civilizados
era se converter à nova religião, restando, aos africanos, poucas alternativas senão se render e ser
batizados.
A resistência mais notável contra a teologia colonial foi o nascimento de African
independente churches, como movimento de separação e protesto: na África do Sul contra o
racismo, na Nigéria contra a dominação missionária, no Quênia contra a alienação cultural.
Os dois fatores para o nascimento dessas Igrejas independentes são, segundo o
historiador John Baur (1920)32:

a) a colonização: a mentalidade colonial dos colonizadores de se considerar superior que os


negros, portanto, os colonizar e usar outros como objeto. O Cristianismo, sob a umbrela do
colonialismo, foi rejeitado e trazia sentimentos de raiva e vingança. Mas também e mais grave
é a falta de adaptação e diálogo com as culturas locais.
b) protestantismo: o movimento deu mais liberdade para os africanos. Abriu logo a tradução da
Bíblia e liturgia nas línguas locais, mas também lhes deu - em mãos - o Livro Sagrado, sendo
que os leigos apresentaram maior empenho na evangelização. O catolicismo enfatizava e se
preocupava mais com a hierarquia, e dogmas, não priorizando, assim, as maiores necessidades
do povo.

31
AZZI, Riolando. A teologia colonial na formação da sociedade colonial brasileira, P.97.
32
BAUR, John. 2000 years of Christianity in Africa. Paulines, Nairobi, 1994. P. 491.
24

É interessante notar que o Candomblé é tido como a religião da resistência que se dá


por três motivos. O primeiro deles é porque criou a estratégica de cooperação entre as diversas
etnias africanas com intuito de sobreviver à escravidão e preservar suas tradições, o segundo é a
resistência perante aos ataques e violência da polícia e que era praticada pelos adeptos
“convertidos” às seitas cristãs e, por fim, o terceiro e último, que resiste contra a dominação de
uma religião num estado laico, ou seja, resiste contra o estado que favorece uma religião e ignora
outras religiões33.
No contexto da escravidão, a inculturação se expressa nas formas de resistência.
Agredido em seu modo de ser e fazer, o africano é obrigado a dar respostas às demandas que não
vinham da sua forma de viver e de organizar-se, pois o negro responde a tais demandas a partir do
gênio próprio de sua cultura. Esta atitude vai desde seu trabalho até às expressões religiosas, e, do
ponto de vista religioso, a reação ocorre na forma de sincretismo. Há várias abordagens sobre o
sincretismo, mas, em relação à população afro, o sincretismo se configura como disfarce. Trata-se
de aceitar aparentemente a imposição do outro, seus símbolos, imagens, festas religiosas, mas, na
realidade, manter de forma disfarçada o conteúdo próprio da sua prática cultural e religiosa de
origem.

33
MEIRELES, Márcia Candomblé, uma religião de resistência em Revista Brasileira de Dialogo Ecumênico e Inter
religião, Ano 02, nº 02, janeiro a julho de 2014, ISSN 2357-965X, P.63.
25

3. CAPÍTULO II
O EVENTO CRISTOLÓGICO

O teólogo Enyi Udoh (1988, p. 263) afirma que o problema da fé na África é


fundamentalmente cristológico. Os teólogos africanos não duvidam - nem poupam de
abordar - sobre a urgência da busca cristológica africana, em que, atualmente, a questão
crucial é como aliar os princípios da fé cristã com os da religião tradicional. Naturalmente
que isso gera tensão e conflitos. Em outras palavras, esse cristão-africano quer ser cristão
autentica sem perder suas origens. Essa abordagem é mais urgente, mas também complexa.
Jesus foi e sempre será um grande questionamento para o homem, sendo que, os termos
variam e as concepções se renovam, mas o enigma permanece34.
È comum ver os cristãos-africanos, em momentos de crise e de angústia, irem em
busca de respostas em raízes tradicionais. Quando as religiões estrangeiras não respondem
ou não solucionam imediatamente seus problemas, passam a buscar respostas em outras
forças. Essa situação é chamada de “Faith schizophrenia” - definição por Desmond Tutu. A
implicação disso tudo é crucial à teologia africana, pois significa que, a missão e a pessoa de
Jesus Cristo constituem um novo e atual desafio de fé na África. Muitos experimentaram
Jesus como estrangeiro, alguém de cor branca, um hóspede desprovido de casa, então, como
inculturar a pessoa e o significado de Jesus aos africanos?
Aparentemente, os africanos vêm dizendo: “Deus, nós o conhecemos,
reconhecemos nossos Ancestrais, mas quem é você, Jesus, o Cristo, filho de Deus para nós?”.
Os teólogos sentem a necessidade primordial de desenvolver essa concepção,
consequentemente a pastoralidade de Jesus mais próxima da cosmovisão dos africanos. A

34
UDOH, B. Enyi. Guest Christology: Na interpretative View of the Christological Problem in Africa, Studies
in the Intercultural History of Christianity 59 (Frank-furt: Peter Lang, 1988) 263. Chapter 2, “The
Christological Problem” reviews some theologians and novelist who affirm that traditional African religions
and pratices remain alive and well within Christian commitments. Udoh cites Desmund Tutu, who observes
that “the African Christian has suffered from a form of religious schizophrenia” (19), that is, he or she pays
lip service to the white Christ while deeply sensing their africanness has been violated. Udoh is from Nigeria.
(Alguns teólogos e autores afirmam que a religião tradicional-africana e suas práticas continuam vivas dentro
e entre os cristãos africanos. O teólogo Udoh cita Desmund Tutu, quem observa que “os cristão-africanos
sofrem algum tipo de fé schizophrenica” isso é os mesmos atendem O cristo dos cristãos, mas no fundo sentindo
que a sua africanidade foi violentada (Tradução livre).
26

preocupação é fazer Cristo sentir-se em casa, ou seja, traduzir Jesus usando nomes, ideias e
a visão comum das experiências locais. Como fazer de Cristo, fonte e razão do nosso ser
cristão ad vitam para a missão toda? Muitas coisas deverão ser feitas, sem dúvida, no campo
pastoral. Catequético, litúrgico, social...., mas nada é mais decisivo do que promover a
conversão a Jesus Cristo. Oque pode significar concretamente esta conversão?

3.1 Uma cristologia inculturada

“Uma fé que não se torne cultura é uma fé não plenamente recebida, não
inteiramente pensada nem fielmente vivida” (PAPA JOÃO PAULO II, (1920-2005).

Quem é Jesus? Eis é a questão central e decisiva na cristologia. Para a


comunidade, que professa Jesus morto e ressuscitado como “Kiristu35”, a compreensão da
identidade e da missão de Jesus é, ao mesmo tempo, a compreensão da missão dos cristãos.
A resposta para a pergunta inicial deste parágrafo recebe reações e conotações diferentes,
dependendo do contexto, história e tradição do povo. Essa diversidade no entendimento e
recepção da pessoa de Jesus é o que define, aliás, o que constitui a teologia cristã. Nunca
houve, nem mesmo no Novo Testamento, uma cristologia única e linear36. Essa inquietação
cristológica não está ausente na construção de uma teologia - ou de um Cristianismo -
verdadeiramente africana. Na realidade, essa busca cristológica embasa a função
fundamental de fazer uma teologia africana.
Eis um desafio permanente à Igreja e aos teólogos africanos, que é descobrir a
imagem, identidade, nome e vivência de Jesus, do Messias e do Cristo que correspondem
com as necessidades, questões, desafios, e concepção do mundo dos africanos. São vários os
títulos que lhes dão, como por exemplo, o Proto-Ancestor, Mediador, Curandeiro/Curador,
Hóspede e Libertador, sendo que esse mosaico de denominações está distante de apresentar

35
O nome popular de Cristo para o cristão de tribo “Sukuma-Tanzania”, que significa a vitória sobre a Morte.
Esse título é importante para essa tribo, que não acreditava na vida após a morte. Tradicionalmente, os corpos
dos mortos eram deixados no mato, portanto, Jesus que vence a morte é a verdadeira boa nova para esse povo.
36
DUPUIS, Jacques. Introdução a Cristologia, Edições Loyola, São Paulo, 1999. P.25.
27

uma face uniforme de Cristo na África (OROBATOR, 2009, p. 76-78), portanto, não há um
modelo cristológico que pode ser considerado absoluto, definido e melhor que os demais. A
pergunta crucial é como aproximar e aproveitar essa pluralidade dos títulos e modelos da
cristologia africana?
Há uma hermenêutica da continuidade na descontinuidade. Neste sentido, a
teologia da libertação e inculturação resume as figuras de Cristo na África-Subsaariana. Pois
seria, de fato, um erro histórico-teológico imaginar uma única e definida cristologia africana,
sem levar em consideração os variados contextos, diferentes etnias e mudança de situações.
Como não há uma África, também não há uma teologia/cristologia única.

Existem, certamente, na cultura africana em geral e na religião em


particular elementos que se apresentam com certa constância: a presença
do sagrado em todas as coisas, a relação harmônica entre a arquitetônica
do mundo visível e a do invisível, a relação dinâmica entre os vivos e os
mortos, o acesso às sucessivas etapas do amadurecimento técnico e
humano baseado nos processos pedagógicos de afiliação e de iniciação, a
construção identitária alicerçada sobre o sentido do comunitário
(CANTARELA, 2013, p. 99).

Jesus Cristo, como africano/negro é essencial, isso significa costurar Jesus nos
símbolos, experiências e significados no mundo africano que se identificam mais com a
pessoa e missão de Jesus. Como evangelizar melhor as culturas africanas? Em que
maneira/área os africanos podem contribuir na teologia cristã na sua globalidade? Como
contribuir ao diálogo da intercultural-teológico/diálogo inter-religioso com a religião
tradicional? E finalmente, como africanizar o Cristianismo, não como ideologia, nem como
uma cultura estrangeira, mas como semente/anúncio de Deus preparado no tempo oportuno
- kairos - para tornar esses africanos verdadeiros cristãos? Eis um desafio antropológico e
teológico.
O que os africanos e os teólogos africanos falam sobre Jesus? Os teólogos
coincidem em definir duas possibilidades de fazer cristologia africana: indigenização - ajudar
o povo a fazer memória da sua própria história, cultura e experiência comunitária - e
conscientização, para que essa memória não seja romantizada nem idealizada, devendo se
mostrar apropriada criticamente. Os teólogos/pastores desenvolvem os títulos e nomes de
Jesus dentro dos contextos africanos, como é explicitado a seguir.
28

3.1.1 Jesus: Proto-Ancestor

A definição “Proto-Ancestor” é descrita por Nyamiti (2003, p. 25), pois, dado o


conceito de ancestral, tem-se ancestralidade comum por muitos africanos, embora com
variações de nomes, categorias e lugares, mas o significado, contudo, continua o mesmo.

For example, for John S Pobee, writing from within the context of Akan
society in Ghana, Jesus is Nana, “the great and Greatest Ancestor “. For
E.J.Penoukou, whose society of origin is the Ewe-Mina of Togo, Christ is
ancêtre-joto. For Bénézet Bujo of Congo, Christ is the proto-ancestor.
Charles Nyamiti of Tanzania, who has written more about Christ as our
Ancestor. For him Christ is our Brother and Ancestor. For François
Kabaséle, also from Congo, Christ is an Elder-Brother Ancestor. The
limitation in applying the concept of ancestor to one´s interpretation of
Christ have been voiced, and yet the appeal to this tradition is strong.
Clearly, the concept of ancestor cannot be applied to Christ in a literal,
non-metaphorical way. Among the strengths of the image is that Christ as
a common ancestor can help us to overcome a destructive ethnocentrism or
tribalism. It reinforces the fact that we are one family in Christ, one tribe,
one community. We are all sons and daughter of one Ancestor named Jesus
Christ37.

Jesus não é um entre ancestral, mas ancestral por excelência, sendo que, não
apenas realiza as qualidades da mesma, mas vai além, transcendendo e dando mais
significação, considerando sua vida na terra e seu mistério pascal, que o fez “proto-ancestral”.
A encarnação é a base dessa ancestralidade, como ponte entre Deus e humanidade, com isso,

37
GOERGEN, J. Donald. The Quest for the Christ of Africa. In: opcentral.org. P. 4. Por exemplo, para John S
Pobee, escrevendo no contexto da sociedade Akan em Gana, Jesus é Nana, "o grande e o maior Ancestral". Para
E.J.Penoukou, cuja sociedade de origem é a Ewe-Mina do Togo, Cristo é ancêtre-joto. Para Bénézet Bujo do
Congo, Cristo é proto-ancetral. Charles Nyamiti da Tanzânia, que escreveu mais sobre Cristo como nosso
Ancestral. Para ele, Cristo é nosso Irmão e Ancestral. Para François Kabaséle, também do Congo, Cristo é
Ancestral Irmão. A limitação na aplicação do conceito de ancentralidade à interpretação de Cristo foi
expressada, e ainda assim o apelo a essa tradição é forte. Evidentemente, o conceito de ancestral não pode ser
aplicado a Cristo de uma maneira literal e não metafórica. Entre os pontos fortes de Jesus Cristo como ancestral
é a sua universalidade, isso nos ajuda a superar um etnocentrismo ou tribalismo e reforça o fato de que somos
uma família de Cristo, uma tribo catolica, uma comunidade humana. Somos todos filhos e filha de um Ancestral
comum chamado Jesus, O cristo.
29

o conceito desse termo deve ser “purificado” quando aplicado à pessoa de Jesus (SHORTER,
1983).
A abordagem dos ancestrais no contexto cultural-religioso da África não remete
a qualquer antepassado, mas às pessoas que já estão falecidas, embora ainda vivam na
memória coletiva do povo. Existe uma ligação muito forte entre a vida na terra e os ancestrais,
entre a terra e a espiritualidade; são as forças vitais - como Deus, que alimenta a vida
comunitária e hospitalidade - e a vida em sua totalidade, desde a concepção até à morte. A
alegria, a geração dos filhos, a harmonia com a natureza e o respeito são elementos
fundamentais da religião, ontologia e visão do mundo dos africanos, especialmente o bantus
- língua que deu origem às outras línguas africanas.
Os ancestrais não são como os santos na tradição cristã que, muitas às vezes
desconhecidos, mas ancestrais são membros da tribo, conhecidos aqueles dados como de
mesmo sangue, por isso, os filhos e seus netos carregam seus mesmos nomes – tornando
vivos e evocados sempre nos eventos da família.
Jesus não é qualquer ancestral, pois, além de ser verdadeiramente humano, Ele é
Deus - o Outrem38, portanto, transcende e vai além das categorias - ou padrões - do que se
denomina ancestral. Ele é o Proto-Ancestral, aquele que o é por excelência, é adorado e não
venerado como os demais ancestrais, além disso, é o eterno instante - brilhando de forma
incandescente e ardente. A ancestralidade de Cristo é universal, místico e sobrenatural, em
que o próprio Senhor configura a humanidade como seus descendentes39. O ser humano é
filho no Filho, ao passo que Deus é Abba de todos. O próprio Cristo é uma via e não requer
um termo, sendo que, como afirma São Paulo que o mesmo é “o princípio e o primogênito
dentre os mortos, para que tudo tenha a preeminência”40. Ele é fonte de todas as unidades e
forças vitais.
A vantagem desse enfoque cristológico é a colaboração de desenvolver um tipo
de cristologia tipicamente africana ao mesmo passo em que é cristã e, mesmo se essa

38
O assunto de Deus, diz o provérbio makwa, de Moçambique, é como o ovo: “se não seguramos cai no chão,
se seguramos demasiado parte-se”. O assunto de Deus é tão delicado e indizível, por isso, investe-se de
analogia e teologia apofática.
39
Cf. Jn 1:13; Mt 12:48 ff.
40
Cf. Cl 1:18.
30

ancestralidade não tenha significado pelo Ocidente, a mesma representa algo inerente à
África, tornando-a uma contribuição no campo da cristologia.

3.1.2 Jesus: o Curador e Curandeiro

Assim reconhecido, Jesus é o curandeiro - médico dos médicos, mganga,


witchdoctor41. Odeng [chama Cristo de duyefoo, que significa “homem da medicina”,
curandeiro, ou ainda aquele que atua com medicina alternativa, isto é, entre os adeptos
católicos de Gana. Além disso, como é aplicado no Cristo tal como pan-ethnic duyefoo no
rito católico, embora também se fale do Cristo como oaagyefoo (libertador) e como
kurotwiamansa (leopardo) entre os Asantes.
O homo africanus acredita na fundamentação teocêntrica da étnico-medicina, que
entende ser Deus - chamados de Ruwa, Ngai, Nguluvi, Mulungue entre outras denominações
pelos africanos - a fonte de saúde, bem-estar e o criador dos cosmos, com todos as suas floras
e faunas. Uma das características mais importantes da medicina tradicional da África é
abrangente, respondendo profundamente e amplamente aos aspectos físicos, sociais,
religiosos, culturais, espirituais, existenciais, biológicos e psicológicos do ser humano.
A fé em Deus é a chave para curar e ser curado e, o ministério da cura de Jesus é
abrangente, pois consistia em escutar e tocar o indivíduo42, impor as mãos43 e proferir
palavras de conforto44. É certo que as doenças e a saúde de uma pessoa vão além da dimensão
psicossomática, pois incluem dimensões religiosas, sociais e cósmicas. Sacramento da unção
dos enfermos sublinha também que a invocação do nome e poder do senhor Jesus torna
presente o seu poder terapêutico (At. 3,6).
É importante lembrar que, até os dias atuais, estima-se que aproximadamente
50% dos partos na África são feitos por parteiras - originalmente denominadas de wakunga
wa jadi - tradicionais, as quais desempenham um papel significativo como mediadoras e

41
A palavra “witchdoctor” traz conotação negativa para os cristãos do Ocidente, embora em si não o seja.
Witchdoctor não se assemelha ao witchman - feiticeiro - ou mchawi - bruxa -, mas, na linguagem
contemporânea, o termo na realidade define aquele que atua com medicina alternativa (AM).
42
Cf. Mc 1;41, Lc 14;4.
43
Cf. Mc 8; 23-26.
44
Cf. Lc 7;7.
31

conhecedoras dos segredos da natureza e tradições, estas, por sua vez, que nem sempre são
substituídas pelos procedimentos da obstetrícia moderna. Elas oferecem suporte - físico e
psicológico - único, mais há ainda a confidencialidade, cuidado, confiança, incentivo e
esperança de gestantes durante o período de maternidade, bem como em ajudar as mães
durante e depois do parto45.
O desenvolvimento da ciência e da tecnologia a partir do Iluminismo trouxe a
compreensão fragmentada do ser humano como corpo, mente e alma, a tendência em
considerar a enfermidade a partir da desarmonia corporal, bem como o esquecimento de
outras dimensões e a influência da psicologia e da psiquiatria, as quais pretendem explicar a
totalidade - pela mente e seus mecanismos psicológicos etc.
No entanto, a cura, o exorcismo e a pregação formam a unidade dos Ministérios
de Jesus, sendo assim, não podem ser separados, dado que Ele curava as pessoas com ações,
gestos e palavras. A medicina que empregava provém de sua atitude misericordiosa para com
os enfermos, mais além do estabelecido pela Lei, contudo, Jesus atua de forma ainda mais
plena - por sua ação curadora - quando descobre o sentido da enfermidade e da dor em sua
paixão, morte e ressureição - o mistério pascal.
Existem ainda outras feridas que necessitam da cura de Jesus, seja da economia,
da sociedade, da tribo, da nação e da política, sendo importante, considerar, que essa cura,
no contexto africano, nunca é individual, mas comunitária e global. Os dramas e narrativas
de exploração, corrupção, guerras e doenças precisam, inquestionavelmente, de Jesus - o
mganga e libertador. A música46 e dança em muitas tribos africanas tem finalidade de cura e
libertação e não apenas diversão. Canções, arte devem ajudar o ser humano no processo de
integração e relações.

3.1.3 Jesus: o Libertador

45
http://www.lishe.org/publication/2017/01/KITABU%20CHA%20MKUFUNZI_Low%20res%20(1).pdf.
Acesso no dia 13 de julho de 2016.
46
A musica deve levar nossa atenção a alguma coisa, não apenas rememorar uma espécie de tambor tribal. É
algo que deveria empurrar você para fora de si. Como dizia Buda, depois de conseguir iluminação você deve
voltar a se colocar no lugar de um macaco e praticar a compaixão com todos os seres humanos. Jesus não ficou
sentado a mesa; inclusive era considerado um criador de problemas. Confúcio foi falar com um imperador sobre
como mudar a China; e Maomé regressou a Meca para enfrentar o caos que havia ali naquele momento.
32

O desafio da África é primeiramente antropológico, dado que os problemas


sócio-políticos e econômicos são manifestações - ou síndromes - secundárias, portanto,
inicialmente se faz necessária a compreensão, aceitação e a valorização da história,
religiosidade, cultura e identidade africana, isto é, a busca de auto compreensão como
paradigma essencial e primária. O pecado institucional/social foi a romanização,
desapropriação, o paternalismo da Teologia colonial e a imposição da cultura europeia e suas
instituições na mentalidade africana47. Infelizmente, ate hoje, quase cinquenta anos depois
da independência de muitos países, os governantes, elites perpetuam a mesma mentalidade.
Contudo, existe uma ligação ontológica entre as análises cultural e social. O
teólogo Engebert Mveng (1930) descreve que existe uma pobreza antropológica que é mais
profunda e real como pobreza econômica. A libertação deve ser profundamente cultural
assim como econômica e social. Não há Inculturação fora da libertação sócio-político, e não
há libertação fora da inculturação. Não é só libertação da opressão, mas libertação para
comunhão e participação plena. Trata-se de uma teologia que é um verdadeiro intellectus
fidei compreendido como intellectus liberationis, misericordiae et amoris proporcionando á
emergência do sonho da nova criação e do novo homem.

3.2 A urgência da inculturação e nova evangelização

“A nova evangelização deve usar a linguagem da misericórdia, feita de gestos e de


atitudes, antes que de palavras. E é necessário “ir até os demais”, dialogando com
todos”48 (PAPA FRANCISCO).

47
Foi um erro institucional desconsiderar a religiosidade e teologia do povo local. O missionário que comete
essa falha corre o risco que foi anunciado e denunciado pelo mestre Gamaliel em At 5,39. Paradoxalmente, se
torna theomácos (inimigo de Deus). Cf. FRIZZI, G. Faith and Interculturality: Theology and Cultures in
Interculturality a new paradigm of the Mission. Consolata Missionaries, Roma, 2009, P. 25.
48
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524683-a-nova-evangelizacao-segundo-francisco. Acesso no dia 10
de maio de 2015.
33

Se a nova evangelização é uma questão de método, prática e expressão, é preciso


que passe através da inculturação, dado que é aí onde se encontra com a dinamicidade da
própria cultura local. A inculturação como mistério - mýein - da encarnação é um processo
jamais encerrado, aliás, a mesma não é um monopólio dos cristãos, mas da própria dinâmica
história da salvação. Deste modo, a experiência do mistério de Cristo encontra a sua
expressão nos africanos e torna-se princípio, critério e poder de recriação e de unificação na
vida pessoal e comunitária.
A evangelização não é um gesto único, mas um diálogo permanente entre a
mensagem evangélica e a cultura. Quando o Papa Paulo VI visitou a Uganda, afirmou que a
Igreja deve se africanizar, isto é, é o Cristianismo que deve ser africanizado, não basta apenas
adaptações e traduções. A africanização do Cristianismo é torná-lo belo - a beleza da
conversão daqueles que ainda não são cristãos -, atraente, criativo e participativo -
universalidade -, em outras palavras, oferecer dinâmica de evangelizar e ser evangelizado.
A própria definição clássica da Inculturação, segundo Pedro Arrupe49 (1978,
apud TEIXEIRA, 2002) é a encarnação da vida e da mensagem cristã em uma área cultural
concreta, de modo que não somente esta experiência se exprima com os elementos próprios
da cultura em questão - o que ainda não seria senão uma adaptação -, mas que esta mesma
experiência se transforme em um princípio de inspiração, a um tempo adequado e pela força
da unificação, que transforma e recria esta cultura, encontrando-se, assim, na origem de uma
“nova criação”.
Nesta clássica definição de Arrupe aparecem de forma nítida três elementos
essenciais da inculturação: a dimensão de encarnação da vida e da mensagem, a dimensão
transformante e pascal e, por fim, e a dimensão pentecostal - re-criativa. Segundo o evangelho
de Lucas (Lc 10;2) os discípulos acolheram os frutos do Reino antes mesmo de evangelizar.
Também em Atos dos Apóstolos (At 10, 47-48), na casa de Cornélio - em que estavam filhos
e amigos - receberam o Espírito Santo antes do batismo. Não se pode esquecer que a
comunicação/misericórdia de Deus é antonomásia, desde a eternidade, em que Ele se

49
Superior Geral dos Jesuítas entre 1965-1983.
34

comunica - auto comunicação de Deus - preferivelmente, mas não exclusivamente, através


do seu silêncio eloquente: “sigé”50.
A semântica e hermenêutica da missão de Jesus é a presença da comunidade que
testemunha o Jesus ressuscitado. O sujeito da missão é Deus, Aquele que deve aparecer e
permanecer e, sem seu Espírito Santo51, a memória, a missão é puramente ideológica e
propaganda humana, sendo os discípulos aqueles que vão para confirmar e dar continuidade
à missão iniciada. Devemos sempre reafirmar com força o essencial da nossa vida de sermos
para missão com todos: ad extra, ad intra, ad vitam, ad pauperes.
Segundo o teólogo Orobator (2008), a Inculturação é essencialmente um termo
relacional. É um encontro entre duas realidades e movimentos, ruptura e continuidade, em
que o Verbo se encontra com a carne e ambos não são a mesma realidade. Cada parte tem
algo a contribuir neste processo de encontro: questões, desafios, rejeição, recepção e doação.
Certamente, a inculturação do evangelho não acontece no vazio, pois precisa,
necessariamente, de tempo e espaço, e o primeiro é superior ao segundo, a realidade é mais
importante do que a ideia (EG 231), por isso a cabeça pensa melhor a partir de onde os pés
chegam, como afirma Papa Francisco (2013), isto é, existe uma tensão bipolar entre a
plenitude e o limite.
O teólogo Msafiri observa que:

Globalization and cultural globalization in particular are giving rise to newness,


discontinuity, mutations and hybrid cultures. Inculturation – be it medical,
liturgical, theological, technological etc. – must be our goal and concern if it truly
and substantially helps to transform the entire fabric of human life and values in
Tanzania or Africa, religiously, socially, biologically, existentially, theologically,
technologically, environmentally and politically. Conversely, inculturation is a
dangerous utopia if it perpetuates ignorance (homo idioticus), illusions, witchcraft
beliefs, underdevelopment, disease, and the lack of innovativeness, creativity and
a truly transformative forward-looking culture in Africa (MSAFIRI, 2012, p. 59).

50
Cf. FRIZZI, Giuseppe. Faith and Interculturality: Theology and Cultures in Interculturality a new paradigm
of the Mission. Consolata Missionaries, Roma, 2009, P. 25.
51
È interessante ver na religiosidade popular como se relaciona o espírito santo como pomba (simboliza
alegria). E nas festas do divino Espírito santo é bastante visível, os negros dançam para o divino por meio dos
ternos de Congo e Moçambique que se organizam como um corte imperial (tem rei, rainha, capitão, embaixada,
batalhão).
35

A dinamicidade do Evangelho e uma cultura fazem com que nasça uma nova
Igreja, que traduz uma nova figura histórica do Cristianismo, uma criação inédita do Espírito
de Cristo. Nesse mundo globalizado e cada vez mais plural, o novo nome de Deus é: ad intra
e ad extra. O primeiro significa “Deus é inculturação em si” - representa a vida trinitária -,
ao passo que o segundo é sinônimo de pluralidade, diferença, diversidade, continuidade e
descontinuidade, representando a história da salvação, seja no veterotestamentário ou no
novo testamento, dentro e fora da bíblia e, nos tempos anteriores, durante e em concordância
semina verbi52.
Há duas tendências nessa linha de inculturação: uma tendência especulativa e
não-especulativa - sociocultural.

3.2.1 A tendência sociocultural ou não-especulativa

Essa tendência emprega o diálogo entre o evangelho e o contexto cultural


africano. É uma linha pragmática e funcional, portanto, tem pouca simpatia com a
especulação metafísica. Nos termos teológicos, essa tendência usa um método comparativo,
onde os costumes africanos são examinados à luz da mensagem cristã, para descobrir a
relevância do evangelho nos cristãos-africanos. Por exemplo, o valor quase obrigatório de
gerar filhos significa dar continuidade à presença dos ancestrais e antepassados, ao passo que
na tradição cristã, significa a cooperação na obra criativa de Deus. Outro valor da
hospitalidade é tão africano como evangélico, e a acolhida é acompanhada com dança e
canções. Jesus, como Rei/peregrino, é acolhido com tais manifestações em seu caminho para
Jerusalém53.
É um Deus que é Homem, divindade e ao mesmo tempo humano, que dança e
canta como nas culturas semitas que o abordam como uma maneira mais antropomórfica e
intuitiva, mais concreta e menos filosófica ou abstrata. Assim como apresenta o Salmo 150:
“Louvai-o com tamborins e danças, louvai-o com instrumentos de cordas e com flautas!”. A
dança na África é uma epifania antropológica-teológica de aproximar e acolher o sagrado. O

52
Cf. FRIZZI, G. Faith and Interculturality: Theology and Cultures in Interculturality a new paradigm of the
Mission. Consolata Missionaries, Roma, 2009, P. 24.
53
Lc 19,37,38.
36

tambor africano expressa a busca infinita da verdade, estética e ordem. A Igreja - eclesia ex
gentibus - é essa peregrinação e o sinal em direção à beleza, bondade e verdade eterna. Outras
semelhanças entre o mundo africano e o hebraico é certamente o território da oração e
experiência do êxodo como seus ritos, sentido profundo da terra, sangue e casamento.
Esse enfoque também trabalha com a dimensão Política e a chamada Teologia da
Reconstrução, dada pelo teólogo Ka Mana. Em 1993 publicou “L´Afrique va-t-elle mourir?”,
e em 1994 sobre “Christ d´ Afrique”, em que reflete sobre os desafios políticos, sociais,
morais e espirituais do continente. Para ele, a teologia africana não pode ser uma teologia
apenas de revolta - uma teologia da insurreição - contra o Ocidente, mas sim uma teologia
de reconstrução - de insurreição à teologia da reconstrução. Essa é uma teologia da
integração incluindo temas de identidade e libertação, mas também de reconstrução da África
e o mundo de acordo com os requisitos humanos. O que é a humanidade? Eis a pergunta
filosófica, ética e teológica levantada por Ka Mana.
A teologia da reconstrução provoca um novo pensamento, que remete à relação
entre o Cristianismo e o mundo. Mesmo este último sendo tão complexo e contendo imensa
pluralidade, o Cristianismo deve procurar o método do diálogo ao se aproximar e propor as
realidades pertinentes da humanidade. Jesus é a chave da consciência e ciência da
humanidade, em que Mana assinala:

Christ poses essential questions for today´s world. It is a question of


substituting an ethical world for the cynical world and of denouncing
human misery. It is thus that Ka Mana proposes Christology as the heart of
the theology of reconstruction, not out of difference to the Christian faith
but because Christ is essential to constructing a human future. Jesus Christ
is the embodiment of the logic of love to which the world must turn. (Quem
é Jesus Cristo para África de hoje? Cristo é catalizador da reconstrução,
é energia política e ética, o poder da consciência, Christ d´Afrique54.

Diferentes políticas foram desenvolvidas na África-Subsaariana logo depois da


independência, as quais tinham o intuito de emancipar os africanos na luta por seus direitos
e buscar a independência em sua totalidade. Essas ideologias políticas são: The Ujamaa

54
MANA, Ka. Christ ď Afrique. Paris: Karthala, 1994, P. 28.
37

program55 por Julius Kambarage Nyerere56 - na Tanzânia -, Kaunda´s humanism57 da


Zâmbia, conscientíssimo por Kwame Nkrumah - de Gana - e Harambeism de Jomo Kenyatta,
do Quênia. Com suas deficiências, essas ideologias tinham como finalidades comuns resgatar
os valores africanos universais.
Portanto, a teologia da reconstrução está em sintonia com a teologia
contextualizada e os princípio da doutrina Social da Igreja (DSI), que se preocupa no
estabelecimento da sociedade democrática, espiritual e de inclusão. Constituem também a
promoção de desenvolvimento integral: a dignidade da pessoa humana, a solidariedade,
subsidiariedade, o bem comum, e destinação dos bens, direitos humanos, liberdade religiosa,
ecologia e justiça social. Esses princípios foram ressaltados de uma forma ou de outra nas
encíclicas sociais da Igreja.
Ainda quanto à tendência não especulativa, encontra-se a narrativa simbólica
approach por teólogos Healey e Sybertz no livro; “Towards an African Narrative Theology”
(Paulines, 2000)
Essa abordagem narrativa apresenta a fé e razão fazendo uso da literatura oral
africana, empregando provérbios, histórias, ditados, enigmas, mitos, canções e peças de
teatro. Dessa forma, mostra-se então uma teologia popular - a do povo. Os teólogos, nessa
linha, buscam a compreensão dos provérbios, cantos e danças, para depois buscar pela
mensagem central, comparando com outros aspectos orais - mesmo que de outros povos -
para observar o significado religioso ou paralelismo bíblico, para então, finalmente, sugerir
as formas possíveis de uso para a proclamação do Evangelho.
Essa tendência está em sintonia com a pedagogia/mitologia criativa de usar
metáforas, contar histórias e parábolas como fez Jesus, pois estas não funcionam apenas

55
Ujamaa é o termo da lingua suaíli (Tanzânia) que significa a familia alargada. O conceito de Ujamaa é
baseado na família, onde os membros são selados juntos como parentes independemente de raca, tribo,
ideologia e genro.. Foi introduzido em 1967 como caminho para promover a economia de comunhao ou auto-
sustentável. Alguns teólogos, como o bispo Mwoleka, o articularam em uma perspectiva teológica integrando
alguns dos seus elementos essenciais na construção de pequenas comunidades cristãs em sua diocese de
Rulenge na Tanzânia. Essencialmente, foi adotado como forma de promover a justiça social, a amizade, o
senso dos relacionamentos, a solidariedade e a amizade.
56
Foi o primero presidente da Tanzânia. Devido à sua fé, simplicidade e os valores em que acreditava como
um político, é venerado. A Igreja católica ainda estuda o caso para sua canonização.
57
Kaunda’s humanismo em Zâmbia comenta que o que importa na história humana é o bem comum em todos
âmbitos. Humanismo acredita na presença de Deus misericordioso, fonte da vida.
38

como processos pedagógicos, mas atuam de forma profunda à tradução de sua experiência e
leitura verdadeira do mundo.

3.2.2 A tendência especulativa

Segundo o teólogo Charles Nyamiti (2001, p. 60-70), essa tendência emprega


uma crítica filosófica e avaliação metafisica à realidade socioeconômica, bíblica e ensino
cristã-tradicional. A linha enfatiza o sentido ontológico da teologia como intellectus fides,
amoris e spes. O autor faz parte de uma das vozes nessa linha que define a teologia africana
como um esforço cientifico para compreender e apresentar a fé, esperança e o amor em
concordância com as necessidades e mentalidade africana, sendo um movimento que envolve
fé, experiência e fé - pela prática e pela palavra.
O esquema metodológico é usar a razão, e outras ideias de ciências sociais como
sociologia, filosofia, antropologia, linguística e história. Aplica-se também a analogia e
outros elementos culturais para aprofundar os mistérios cristãos e, por fim, questiona a
relevância da teologia específica na sociedade e seu impacto pastoral.
A razão fundamental da evangelização inculturada é a participação de todos no
banquete da vida. Se o ponto de partida da inculturação é a presença no meio da vida
fragmentada, o ponto de chegada é a participação da vida integral. A inculturação teológica
na sua dinamicidade deve englobar pelo menos as seguintes áreas principais: ação litúrgica,
o lugar das mulheres, iniciação cristã - ritos - e a influência da fé católica nas esferas públicas.
Na inculturação litúrgica, muitas iniciativas foram feitas nessa área, como o uso
da língua local nas celebrações, vestimentas, a tradução da Sagrada Escritura, adaptações nos
ritos matrimoniais e funerais, as danças e cantos58. Todos esses esforços fazem com que a
celebração seja mais ativa, bela e participativa, sem, contudo, deixar de lado a finalidade da
ação litúrgica - leitourgia -, que é fazer comunhão e estabelecer relação entre as pessoas e
como expressão máxima da celebração do Mistério pascal (MARTIN, 1977, p. 52, apud

58
Na África, a celebração não é completa se não há cântico ou danças, por isso, mesmo que litúrgica, é
acompanhada de expressões corporais, gestos e sinais. Isso vém de uma crença popular que diz: “anything
that is good must necessarily overflow. As one African proverb says, a good pot of okra sauce cannot be
confined to the cooking pot with a lid. It must bubble up and overflow -Significa que o que é visível nos olhos
manifesta o que está escondido no fundo spiritual de um povo (Tradução livre)
39

BOGAZ; HANSEN, 2017). Não se pode negar os exageros ou desvios, muitas vezes
provocados pelo mesmo desejo de ter uma liturgia autenticamente inculturada. A sagrada
liturgia não é, porém, a única atividade da Igreja, pois, antes de ter acesso à liturgia é preciso
ser conduzido à fé e se converter59.

3.3 A teologia africana da libertação integral

A libertação cultural e ecológica é a parte mais importante e diferenciada da


teologia africana, e pertence à antropologia-teológica. Vale ressaltar que a libertação é
entendida como processo que ocorre desde a criação, com finalidade escatológica. A teologia
da libertação não é genitiva, isto é, não se preocupa em pensar teologicamente a libertação,
mas sim em repensar a teologia a partir do processo da libertação dos pobres - os anawins -,
cuja caracterização é bastante ampla e plural60.
Essa linha envolve as seguintes categorias: black theology, a teologia feminina,
a libertação econômica e política e a libertação espiritual que enfatiza mais a espiritualidade
e não a religião, reforçando a vivência e libertação total - e não doutrinação -, isto é, não uma
religião que domestica o mistério, clericaliza o espírito santo, mas uma que seja aberta à
realidade.
A Black Theology é uma teologia desenvolvida, especialmente na África do Sul,
a partir da experiência discriminativa racial. A teologia denuncia a famosa Apatheid policy61.
Os teólogos dessa linha são mais protestantes, como por exemplo, o bispo Desmond Tutu,
Nelson Mandela, Allan Abbrey Boesak, Basil Moore e Manas Buthelezi. Interpretam Jesus
como um Messias Negro, Murato, onde Ele é libertador por excelência dentro dos contextos
Sul-Africanos. Hoje é uma abordagem que vai além das questões raciais, pois inclui questões

59
VATICANO II, Mensagem, Documentos e Decretos. São Paulo, Paulinas, 1998, P.145.
60
MANZATTO, Antônio. O Papa Francisco e a Teologia da Libertação. Revista Cultura, n. 86, ano XXIII,
Jul/Dez 2015, P. 3.
61
Apatheid Policy foi uma política de segregação racial adotada de 1948 a 1994 na África do Sul, a qual
dividia os habitantes em grupos raciais, separando as áreas residenciais - muitas vezes através de remoções
forçadas.
40

políticas, sociais, culturais e econômicas. É uma análise reconstrutiva e de reconciliação, que


apela para uma consciência humana, não apenas sofredora como indígena, negra etc.
A teologia feminina, por sua vez, ainda é recente, mas que consiste na resistência
das várias formas de opressão das mulheres por estruturas patriarcas e/ou machistas. Mais do
que ser uma teologia de reivindicações, é uma teologal de reconstrução e integração.
O enfoque está nas situações concretas como a violência doméstica, prostituição,
viuvez, assédio sexual, desigualdade no trabalho, diferença salarial em comparação aos
homens, mutilação feminina e casamentos infantis. As teólogas nesse campo são Souga e
Tappa - de Camarões -, Oduyoye e Amoah - de Gana - e Mary, do Quênia, em que todas
refletem Jesus da perspectiva feminina e maternal em vista da libertação da mulher62. Essa
teologia traz campos e corpos pouco decifrados como sexualidade, corporeidade, relações de
poder, desigualdade salarial e gênero.
Esse enfoque também trabalha com as questões éticas/cosméticas, sobretudo
comportamentos éticos diante da influência estrangeira de como se vestir, do movimento
feminista e o aborto. Trabalhar a beleza na sua naturalidade, portanto contra toda
manipulação midiática de maquiagem. A ênfase se coloca em aceitar e apreciar a beleza de
ser negros e negras, tendo por inspiração a própria Sagrada Escritura63.
O teólogo nigeriano Orobator (2008) aborda sobre o estado da participação
feminina na Igreja, que a leva a uma questão profundamente desconfortável, destacando:
“uma questão importante que temos de fazer neste momento é: “Igreja, onde está a sua irmã?
Igreja, onde está a sua mãe?”. Quando a uma Igreja mutualmente mais inclusiva, remonta a
um contexto de símbolos e imagens que se encontram dentro da experiência da catolicidade.
Os africanos entendem a Trindade e reflete sobre um arquétipo da mulher na
cultura do povo nigeriano Yorubá, conhecido como “Obirin meta”, em que “obirin” significa
mulher e “meta”, significa três. É a imagem de uma mulher extenuada de trabalho em três
modos diferentes: o primeiro é aquele que a mostra andar e equilibrar, ao mesmo tempo, um

62
Na cultura africana fala-se de Nneka - Nigéria - ou Nani kama mama! -Tanzânia, que significa que o valor
da mãe é incomparável. Também se afirma que o homem pertence ao pai quando em tempos de calmaria, mas
quando a vida se torna amarga pertence à mãe. É nesse ambiente cultural em que nasce a devoção à Nossa
Senhora do Socorro - Nossa Senhora da África.
63
O Cântico de Salomão 1:5 expõe: “Eu sou negro/a e belo/a” E se as religiões na África, qualquer que seja,
falharem em abraçar a experiência estética/beleza da negritude, então nada se terá a passar à alma africana.
41

balde de água sobre sua cabeça, um segundo modo é com um bebê enrolado às costas e, por
fim, um outro em seu ventre (OROBATOR, 2008, apud INSTITUTO HUMANITAS
UNISINOS, 2016). É uma imagem da Igreja-mãe peregrina, carregando as alegrias e dramas
humanos.

3.3.1 Teologia cultural: possibilidades e limites

O complexo cultural da humanidade envolve a vida com a arte, simbologia,


filosofia, religião, política, ciência, indústria e técnica. As seis primeiras explicam a vida, ao
passo que as duas últimas - além de outras - a concretizam. Em síntese, a cultura é P×T×S
(TYLOR, 2009, p. 261). É um Patrimônio, que é transmitido em determinado Tempo -
elemento temporal - de geração em geração, dentro dum grupo Social - dado sociológico. A
cultura é a base, a matéria-prima de todo processo de desenvolvimento, libertação e
civilização64.
Papa Francisco insiste que o desaparecimento de uma cultura pode ser tão grave
quanto o desaparecimento de uma espécie de planta ou animal, assim sendo, convida a
humanidade a não resolver todas as dificuldades através de normativos uniformes, mas
assumir a perspectiva dos direitos do povo e das culturas. A ecologia é entendida como o
conjunto de relações entre organismos vivos e o meio ambiente onde se desenvolvem.
Também a cosmovisão africana entende que toda existência é sagrada, ou seja, há um pouco
do divino em tudo o que existe. A terra e a floresta na África têm uma reverência mítica e
mística65. De fato, a terra não é apenas um espaço geográfico, mas o útero que nos gera, o
sagrado que nos envolve, a pele que habitamos ou que nos reveste. Precisamos ser sensíveis
ao silencio da voz, ao cantar dos pássaros, ao cheiro da terra molhada das chuvas para sermos
verdadeiramente ecológicos.

64
TYLOR, E. B. Alle origini dela cultura, Ateneo, Roma 1985, in Interculturality a new paradigm of the
Mission. Roma, Consolata Missionaries, 2009, P. 261.
65
Em nível popular, existe uma analogia que diz que “tudo é floresta ou floresta é tudo”, isto é observar que
a floresta - terra - não se dá apenas na dimensão econômica ou utilitária, mas como um santuário de rezas,
peregrinação, ritos, cemitério, medicina, comida, entre outros. De forma paralela à Bíblia, afirma-se que “nós
somos terra” - húmus - em Gn 2,7.
42

Nesse sentido, a libertação cultural quer repensar criticamente toda herança


colonial - seja ela econômica, psicológica, social, política e religiosa - e o sistema de crença
recebido dos ancestrais e estrangeiros ao longo da história. Por séculos, a cultura africana foi
considerada “primitiva e inferior” por parâmetros alheios. Sob essa experiência, a
complexidade inferior foi internalizada e fazendo parte da identidade africana. Para mudar
esse fenômeno, precisa-se desenvolver uma ressignificação da “cultura africana” além das
definições incompletas e acidentais.
A teologia deve questionar ideologias, utopias, costumes, ritos, e outros saberes
de dentro e de variadas perspectivas. É a tarefa hermenêutica, de autocrítica, provocar
imaginação, e reinventar o mundo que é um meio eficaz, no qual podemos entender modelos
diferentes de pensar e enxergar as raízes das crises, guerras, ditadura, pobreza e do fanatismo.
Precisamos utopias como ideal, é aquele lugar maravilhoso que ainda não tem lugar. Porém,
a utopia não nasce no solo estéril da falta de consciência crítica. Utopia é o lugar da unidade
imaginaria, com seu projeto de ação em resposta à divisão vivida.
Um exemplo disso são as doações e ajuda financeira feitas pelos países “de
primeiro mundo”, colaboram com a criação da mentalidade infantil e uma cultura de
dependência. Os próprios termos comumente utilizados – “países desenvolvidos contra
menos desenvolvidos - devem ser colocados em pauta”. A globalização só tem sentido
quando cria mecanismo e cultura, em que todos possam participar das decisões e pela qual a
economia beneficia sem distinção. Cada país e povo é único, então não pode haver um país
ou cultura que se considera superior aos demais.
A herança colonial que foi deixada na maior parte dos países colonizados se
perpetua de forma estrutural e mentalmente. Não se pode permitir a continuação desse rito
de uma ausência de responsabilidade, pois, assim, as conquistas da liberdade, democracia e
independência - que atualmente a África usufruem - apenas estarão completas quando se
converterem numa cultura de encontro, em benefício das massas. Nos dias atuais, muito é
abordado sobre o crescimento do continente africano, em que gráficos de Produto Interno
Bruto (PIB) apresentam boas estatísticas, embora irrelevantes nas vidas do povo - em sua
maioria. Essa leitura, muitas vezes interpretada por mídia estrangeira, tratam as pessoas e
43

dimensionam a economia em termos de produtos, números e clientes, e não como seres


humanos66.
Os problemas da África não são primeiramente de cunho financeiro, mas na
incapacidade de gerar pensamentos e atitudes produtivas, ousadas e inovadoras. A própria
complexidade da pobreza67 e desigualdade no mundo global não podem ser erradicadas
apenas por soluções políticas, ideológicas, programas sociais e investimentos financeiros. O
desafio global, hoje, é como aliviar a pobreza e sua ausência de cultura sem degradar o meio
ambiente e os valores culturais. Combater o ciclo vicioso da pobreza não pode, com isso,
ignorar os papéis da natureza e da cultura, em outras palavras, significa em solucionar a
pobreza indo além da questão financeira (HAIDER; LADE, 2017)68.
Deve haver impulso e convicções profundas que vêm da cultura, ética social e
espiritualidade. A pobreza, como tal, é material, antropológica, espiritual e social. Através
de uma pedagogia transformadora, investimento nas riquezas locais, disciplina e dedicação
no trabalho, boa liderança, criação de mecanismos locais - que controlam meios de produção
- e promoção da cultura de sustentabilidade são alguns aspectos que podem colaborar numa
nova África, verdadeiramente independente.
Nada se mostra mais importante e urgente comparado à criação do centro de
estudos e reflexão voltado à provocação da imaginação e criatividade, em que se permite a
ousadia de sonhar uma nova África. Entre as saudades do passado e o mundo moderno que
se encontra, o africano vive um dilema, porém, não é exclusivo de seu território, dado que a
modernidade, embora com facilidade de acesso e comunicação, os encontros se tornam cada
vez mais escassas. Há falta de cultura quanto a isso, ao passo que há desequilibro geral, em
que os avanços tecnológicos não seguiram a ética.
Precisamos compreender a realidade atual da África e seu poder de mobilização,
que vai além de redescobrir crenças tradicionais e instituições. Em meio às tantas tensões e
esperança, o evangelho torna-se um rio onde os africanos encontram a água viva, que

66
Is africa really “rising” por Ali Mufuruki em TEDxEuston (2014) <disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=OjgJ2KpyJ5w, Acesso no dia 12 de julho de 2017.
67
É interessante notar que, nessa cultura, “ser pobre” vai além da materialidade, mas, sim, perder a rede das
relações. Um pobre” é designado como sendo “chisiwana”, expressão que quer dizer órfão.
68
HAIDER, L. Jamila; Solving Poverty means thinking beyond Money in World Economic Forum. In:
http://theconversation.com/why-thinking-beyond-money-is-vital-for-solving-the-poverty-puzzle-
77600.Acesso no dia 27 de julho 2017.
44

preenche tamanha sede existencial. Para criar a África, o povo precisa de um novo paradigma
cultural e, sua história, após se encontrar com outras culturas ocidentais estagnou-se, não
acompanhando o desenvolvimento tecnológico e ciência estrangeira, ficando, então, par trás
os avanços de história e cultura local.
O maior desafio do africano é a rejeição que o mesmo tem por si, sendo a leitura
de sua história advinda de olhos alheios. Deixa-se, assim, o que é de suas raízes e ao mesmo
tempo apropriar-se do que vem do estrangeiro - sem raízes culturais. É o que Fanon (1925-
1961) condena, quando diz que a mentalidade de imitar e procurar soluções de fora para
problemas africanos é o pior que pode ser feito. A África ficou quase estéril nesse mundo
globalizado, por falta de preparação de competir, portanto não ter fortes Instituições.
Há uma tendência geral do povo em aceitar as coisas como estão, isto é, tabus
que foram recebidos sem crítica nem atualização. Uma crítica cultural, logo, é percebida
como ameaça. Como afirma Gyekye (1997, p. 62) - de Gana -, quando diz que “os problemas
africanos são culturais no sentido que são relacionados com algumas práticas, hábitos,
atitudes e visões herdadas na cultura”.
Portanto, os valores e instituições herdados, tanto nas tradições como na
experiência colonial deve ser inculturado, isto é, reinterpretar e reavaliar segundo às
necessidades e contexto africano atuais. A busca pelo renascimento africano precisa de uma
criatividade intelectual e transformação cultural dos africanos, em primeiro lugar.

The comprehension of culture as both [sic] symbolic dimension (art, music


etc.), societal dimension (organization of institutions) and instrumental
dimension (technology, agriculture etc) was not grasped. Culture which
was to be a base of development continued to be viewed in a narrow way
as outlined in the formation of the Ministry of Culture (Mshana 1992, p.
205-206). He further lamented that that the search for the best of our
traditions outlined by Nyerere was limited to collecting traditional symbols
of culture such as sculptors, songs and dances hence very little was done to
revive our indigenous knowledge on soil, ecology and agriculture as
proposed in other development policies (CHACHAGE, 2008, p. 3)69.

69
CHACHAGE, Change. Engenering sustainable development through Struggles for Cultural Liberty. Paper
prepared for the International Conference on African Culture and Development (ICACD) to be held in Kumasi,
Ghana (21-26 April, 2008). The author is an independent researcher and policy analyst, based in Dar-es-
Salaam, Tanzania.
45

A cultura estática não existe. A África está em busca de seu lugar e de um


horizonte próprio. Um poeta antilhano afirmava que os negros não estão em busca de tempo
perdido, mas daquele que foi violado. É importante ressaltar que, ao longo do curso da
história, as forças externas da política e religião eliminaram essa dinamicidade cultural,
embora a memória histórica seja essencial. Alguns críticos afirmam que os negros escrevem
muito sobre o passado, de igual forma aos escritores judeus, pois ambos têm necessidade de
retomá-lo. Os africanos sofrem de um sentimento doloroso quanto a isso, e que ainda precisa
ser tornar explícita.
A religião, como parte integrante da cultura, também tem grande influência na
percepção do mundo, embora frequentemente as teorias de desenvolvimento tendem a
desprezar o poder que a mesma exerce nas esferas econômicas. Entretanto, a religião possui
dos lados: pode ser destrutiva quando manipulada e ideologizada, ou construtiva, quando é
percebida como fonte de inspiração divina que nutre a vida humana. Na África, na maioria
das vezes, a religião tem pouco papel nas esferas públicas e políticas nos dias atuais. Seu
papel é mais assistencial e linear que dialogar com outras instituições. Algumas leituras
alienadas separam demasiadamente a relação entre Igreja e Estado, privado e público.

3.3.2 A libertação política e econômica

“Não há nada mais político do que dizer que a religião nada tem a ver com a
política” (TUTU, 1931).

O questionamento que se deve fazer e esclarecer é de que maneira Deus e a


teologia se relacionam com a economia, no entanto, ele é envolvo por expressões de dúvidas.
Este paradoxo é um reflexo de um problema existente nas pastorais comprometidas com os
pobres e na teologia da libertação, e o qual é fruto de uma anomalia, isto é, a não ocorrência
desta reflexão, como era de se esperar a partir do paradigma teológico assumido pelas
comunidades dos teólogos da libertação.
A economia (oiko+nomos), como indica o próprio termo, deve ser pensada como
a arte de alcançar uma adequada administração da casa comum, portanto, a economia e
46

desenvolvimento não devem ser encaradas pela ótica da maximização do lucro, mas sim pelo
bem-estar de todos. Não é possível que apenas 20% da população atual detenha 80% da
riqueza do planeta70. A humanidade vive, neste momento, uma transformação histórica, que
podemos constatar pelo progresso verificado em vários campos. Todavia, não se pode
esquecer que a maior parte dos homens e mulheres atuais vivem sua rotina de forma precária,
com funestas consequências.
É preciso lutar para viver, e muitas vezes isso ocorre com pouca dignidade. Assim
como há o mandamento “não matar” impõe um limite claro para assegurar o valor da vida
humana, hoje devemos dizer “não à economia da exclusão e da desigualdade social”, pois ela
é uma forma de matar. Não é possível que a morte por enregelamento de um idoso sem abrigo
não seja notícia, enquanto ainda se faça muito dela pela queda de dois pontos na Bolsa de
valores. Isto é exclusão, segundo Papa Francisco (2013).
Portanto, tanto na economia como na política (polis) os cristãos devem participar,
pois é obrigação dos mesmos e assim não podem se fazer de Pilatos e lavar as mãos. Os
cristãos devem se envolver na política, dado que esta é uma das formas mais elevadas da
caridade, em que procura o bem comum. O toque cristão especifica a qualidade do bem
comum ao privilegiar as camadas pobres e marginalizadas. A fé cristã passa algo aos cristãos
que participam do mundo político e econômico. Existe, hoje, um consenso global e fatos que
revelam a péssima situação entre ambos, ou seja, uma insatisfação total dessa ligação.
Mas em que consiste preparar melhor o cristão para a prática político-partidária?
Existem duas possibilidades:

a) esta preparação seria restrita ao campo ético-utópico decorrente da fé cristã;


b) a preparação incluiria também as mediações políticas. A primeira tentativa é uma mera
repetição do objetivo de “aprofundar a experiência e a reflexão da fé”, o que é
insuficiente; a segunda possibilidade nos leva às questões presentes no problema da
articulação política dos cristãos.

70
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/13/economia/1484311487_191821.html. Acesso no dia 16 de janeiro
de 2017.
47

A pergunta de fundo é: o Cristianismo tem ou não tem uma boa-nova no campo


político? O Cristianismo tem algo a contribuir no atual debate, que concerne sobre uma
alternativa à África e na busca de um novo paradigma no campo político e econômico que
supere o atual estado das coisas? Primeiramente, deve-se tomar consciência de que o mundo
da política não se fundamenta mais na religião ou na tradição, mas sim numa crença da
validez de um estatuto legal, fundado em regras racionalmente estabelecidas. Este talvez seja
uma inculturação mais radical do que em relação ao mundo ou cultura ainda fortemente
marcada pela religião.
Cristianismo não é um projeto político, mas nos concede princípios
fundamentais, parâmetros e instrumentos de desmascaramento das inversões realizadas pelas
classes dominantes, que devem estar a serviço da elaboração e implantação de um novo
projeto político. Na África, não se pode separar fé e política, assim como não seria possível
fazê-lo na Palestina no século 1. Na terra de Jesus, quem detinha o poder político, detinha
também o poder religioso. E vice-versa.
Historicamente, esse poder de decisão tem sido terceirizado a “representantes”
dos cidadãos, denominando-se “democracia”. Tais representantes se organizam em partidos,
ou seja, grupos que, em teoria, defendem propostas específicas de gestão da comunidade. Na
prática, nem sempre é fácil saber qual é, exatamente, a proposta específica de cada partido
para promover o real bem-estar da população, sendo bastante comum que os partidos digam
algo, mas que, no entanto, façam outra coisa, ou ainda se aliem de maneiras pouco coerentes
com as propostas que supostamente defendem.
A partir dessa confusa gestão da comunidade feita pelos representantes do povo,
surge no próprio povo a ideia errônea de que política é apenas a dinâmica partidária - ou
partidarista - ou coisa de tolos, dado os casos ininterruptos de corrupção ou, pelo menos, de
incompetência71. Precisa-se ser repensado as práticas políticas e suas consequências na vida
de uma nação.

71
https://pt.aleteia.org/2015/10/02/catolicos-nao-se-envolvem-em-politica-e-mesmo-entao-diga-isto-ao-papa-
francisco/.Acesso no dia 24 de maio de 2016.
48

Conclui-se que, Jesus - o Cristo72 -, tanto histórico como da fé, tem relevância na
África, porém, a prioridade não está na historicidade dos evangelhos, mas na fé experimental
do povo, que inclui a apresentação Dele nos cantos, contos e símbolos que a comunidade
possa identificar e sentir-se parte. Nesse sentido, o Cristianismo e a pessoa de Jesus se tornam
relevantes a esse povo (HEALEY; SYBERTZ, 2000, p. 92).

72
The Life of Jesus Mafa series de Camaronês é o melhor exemplo da arte Africana, que mostra Jesus tipico
africano. Essas pinturas utilizam o método participativo, arte e estilo e, algumas delas foram usada num
pequeno livro para inaugurar a Celebração Eucarística do Sínodo Africano na Basílica de São Pedro em
Roma, em 10 de abril de 1994.
49

4. CAPÍTULO III
O FUTURO DO CRISTIANISMO E DA IGREJA CATÓLICA NA ÁFRICA

“O futuro da Igreja como leitourgia dependerá da fé de um lado e de outro, isto é,


da qualidade da martyria e da diakonia, as quais a eucaristia deve estar mais
ligada. Mas também dependerá da celebração como tal. Isso é de cuidar do caráter
festivo, celebrante, acolhida do Mistério, mas também desenvolver a Inculturação
no sentido amplo, estilo e conteúdo das pregações, de outras intervenções;
expressos faladas e não faladas, gestuais e artística musicais segundo às diversas
sensibilidades de hoje” (INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS, 2013).

O sínodo Africano dos Bispos e teólogos que ocorreu em Roma em 1994 definiu
a Igreja da África como Família, devido à importância da família para o africano, dado que
a mesma é um valor importante e de dimensão religiosa, sociocultural, política e econômica.
Mbiti (1970) afirma que, na tradição africana, ser humano é pertence a toda comunidade e,
para fazê-lo, significa participar dos ritos, cerimônias e os todos acontecimentos
comunitários.
Portanto, a missão para os teólogos africanos é desenvolver uma eclesiologia
focalizada no conceito da Igreja como família. Esse processo significa explorar o significado,
implicação e consequência da Igreja como família. O espírito da comunidade em países
africanos, principalmente bantus, se chama Ujamaa, em que este termo implica
familiaridade, comunhão, partilha e corresponsabilidade das pessoas. Nesse sentido, quando
se fala da Igreja, fala-se da pessoa humana e seu compromisso no mundo começando na
família.
Pelo Concílio Vaticano II - um Concílio pastoral-eclesiológico - a abordagem da
Igreja no mundo atualmente é que o essencial do Mistério da Igreja é que seja uma comunhão
como o Pai por Jesus Cristo, no Espírito Santo, e que viva em comunhão fraterna. O Concílio
nos apresenta a Igreja como Povo de Deus (etne e laios) e, foi sobretudo com a Constituição
pastoral Gaudium et spes que o Concílio operou a passagem de uma Igreja, anteriormente
mais voltada sobre si, para aquela que se volta ao mundo como lugar próprio da sua missão.
50

A Igreja passa, então, do confronto ao diálogo crítico com o mundo. Uma igreja de portas
abertas
A Igreja, como família, simboliza sua identidade e consequentemente sua missão
global, em outras palavras, a credibilidade e relevância da Igreja africana está na sua atenção,
sensibilidade e responsabilidade às necessidades dos africanos e sua contribuição concreta
na transformação e renovação da sociedade africana. A eclesiologia africana, como
articulação teológica, ainda não é muito desenvolvida. Muitos missionários e teólogos
assinalam que há uma falta de aprofundamento na teologia, dimensão profética e consistência
com Evangelho como falta o protagonismo dos leigos Como um provérbio africano recorda:
“não pode jogar fora a água da bacia porque vai chover”, portanto, há necessidade de se
atentar ao que os teólogos abordam sobre a eclesiologia africana.
O historiador Adrian Hastings73 (1929-2001) comenta que a Igreja da África
recebeu como herança missionária uma Igreja mais jurídica e ocidental que sinal da
comunhão ou povo de Deus, embora, os esforços feitos pelos missionários na evangelização
do continente não podem ser desconsiderados. A igreja na África é a maior Instituição da
caridade, programas educacionais e cuidado de saúde. Uma Igreja ainda muito clerical. Essa
eclesiologia missionária fez com que a Igreja ficasse muito silenciosa, obediente e infantil.
Como New People Media Center (1997) afirma: “The african church is praised for its great
obedience and conformity but never for its courageous innovation and creativity, its identity
or its relevance”.
Essa uniformidade no caráter da Igreja Africana se encontra nos campos
litúrgicos, na pastoral, no exercício da autoridade e nos ministérios. Por falta de autonomia,
a Igreja a torna dependente em todos os níveis, tudo por conta de seu contexto histórico.
Desde seu início, a Igreja da África foi muito marginal e inaudível, até mesmo nos concílios.
Mesmo com essa avaliação crítica, a Igreja católica na África continua sendo uma voz ativa
nos setores da educação, saúde, assistência social, do diálogo, da paz e justiça, bem como nas
questões morais.

73
ADRIAN Hastings (1929-2001) foi teólogo, historiador e missionário britânico que trabalhou muitos anos
na África.
51

O teólogo Uzukwu (1997) examina positivamente a Inculturação litúrgica da


África, afirmando que a liturgia africana conseguiu desenvolver sua maneira de celebração.
Tem muita criatividade e a liturgia é bem animada e participativa, em que a primeira
consegue se comunicar e mostrar encontro entre a cultura local e o evangelho. A
movimentação corporal e gestos, bem como o uso de símbolos, contribuem não apenas para
Igreja africana, mas também se mostra uma riqueza para à Igreja universal.
Outro lugar de relevante interesse são as comunidades eclesiais de base,
chamados de Small Christian Comunities (SCCs). Desde a sua fundação, pela Association of
Member Episcopal Conferences in Eastern Africa (AMECEA) em 1970, as comunidades
servem como lugar de atualização da Igreja como família. De forma inquestionável, o futuro
da Igreja dependerá desse criatividade e dinamicidade cultural, bem como da coragem
profética da Instituição em responder às necessidades locais. Os cristãos-africanos querem
que esta última seja simples, que passem por uma experiência comunitária e de mais
comunhão com a autoridade.
A Igreja mais participativa não deve ocorrer apenas no âmbito da celebração, mas
em conjunto à missão, isto é, no múnus profética, real e sacerdotal da Igreja, a ocorrer não
somente dos ministros ordenados, mas daqueles que forem batizados. Na Igreja, há profunda
igualdade entre todos na dignidade de filhos e filhas de Deus, na vocação à santidade e na
missão, sendo que, aquilo que diferencia os africanos são as vocações, serviços, ministérios,
carismas e dons. Todos somos povo de Deus, discípulos missionários de Jesus, com a missão
de Evangelizar. “Por instituição divina” diz o concílio, “ a Igreja é estruturada e regida com
admirável variedade” (LG 32).
Contudo, a missão da Igreja no mundo de hoje deve ser kerygmática - anúncio e
denúncia das injustiças e de libertação aos escravos -, diaconal - de cura, reconciliação e
medicação para as feridas sociais -, koinonia - a beleza da solidariedade e
corresponsabilidade -, dialogal - a pastoral da escuta e diálogo com todos - e, por fim,
exorcista - libertação das idolatrias ou das heranças arcaicas que envenenam a vida social. O
padre José Comblin gostava de indicar sete palavras-chave, bebidas nas fontes conciliares,
como urgências a serem colocadas em prática, que são as seguintes: preocupação pela pessoa
humana, Liberdade, Povo de Deus, Colégio episcopal, Diálogo, Serviço e Missão
(BERNARDINO, 2012, p. 9).
52

A eclesiologia do Papa Francisco da comunidade empobrecida é pertinente e


coincide com a teologia dos pobres do Jean-Marc Ela - de Camarões -, que enfatiza a conexão
entre a Revelação, Libertação e Salvação. Èla (2001) afirma que Deus não é neutro, pois
sempre se posiciona e age nos esquecidos, os invisíveis. Ele se revela, se identifica com os
pobres, estrangeiros, marginalizados e todos aqueles vulneráveis.

4.1 Caminhos de diálogo na atualidade

O diálogo em todos os âmbitos constitui um dos mais importantes desafios de


nosso tempo. O caminho está no empreendimento cooperativo, como tão bem sublinhou
Edwar Said: “Parece-me que, se não enfatizarmos e fomentarmos o espírito de cooperação e
intercambio humanístico- e aqui falo não de deleite desinformado e entusiasmo amadorístico
pelo exótico, mas de um profundo compromisso existencial e trabalho em prol do outro-,
vamos acabar batendo no tambor estridente e superficial da defesa de “nossa” cultura contra
as demais (SAID, 2003, p.330).
Não há horizonte possível de paz sem essa dinâmica de despojamentos, atenção
e abertura que acompanha o movimento de conversação com a alteridade. Acreditar no
diálogo não é escamotear as dificuldades reais de entendimento entre os povos, as ideologias,
os partidos e as religiões, pois, a imagem que ainda vigora em nosso tempo é a das afirmações
identitárias rígidas, de um mundo marcado pela demonização do outro e pela irradiação dos
nacionalismos mortíferos (GEERTZ, 2001).
No entanto, é preciso buscar horizontes alternativos, de ampliação da visão e de
exercício de um cuidado singular com os outros, em sua diferença irredutível e irrevogável.
Há que ampliar as cordas para suscitar um novo conhecimento e abertura dialogais, pois, ou
os africanos cultivam esse conhecimento mútuo ou acabarão “isolados num mundo
beckettiano de solilóquios em choque” (GEERTZ, 2001, p. 82).
Schillebeeckx (1992) acentua que a acolhida da diversidade está na essência do
Cristianismo, sendo o seu fundamento o anúncio e prática do reino de Deus por Jesus.A
fidelidade autêntica a Jesus Cristo envolve a abertura aos outros, pois é Ele mesmo que lança
53

a humanidade ao desafio radical da alteridade. O mesmo Deus que Jesus anuncia é também
um Deus de todos:

Ele é o ‘Pai do céu’. Não está ligado ao templo de Jerusalém nem a qualquer outro
lugar sagrado. É o Pai de todos, sem discriminação nem exclusão alguma. Não
pertence a um povo privilegiado. Não é propriedade de uma religião. Todos podem
invocá-lo como Pai (PAGOLA, 2010, p. 20).

A cultura do diálogo nasce da convicção de que não há nova evangelização sem


dialogar com todos os indivíduos e seus setores. A Igreja da África tarda a entender essa
urgência, mesmo com a profecia de Paulo VI em 1963 quando afirmou ser o diálogo a nova
maneira de ser Igreja, em que, sua missão é ser sinal, sacramento da comunhão com Deus e
com todos os povos, especialmente neste continente que vem sofrendo divisão entre tribos,
guerras civis, religiões e condições econômicas precárias. Ser cristão, hoje, é ser inter-
religioso. É preciso também diálogo com o governo, no sentido de trabalhar em conjunto
sobre as migrações, refugiados, doenças - como HIV e Aids -, débitos internacionais,
urbanização e escravatura moderna (MCGARRY, 2001).
No documento do magistério - Dialogue and Proclamation, de 1991 -, McGarry
(2001, p. 216-217) explicita os termos de diálogo como:

i) um diálogo sobre a vida, onde o povo se encontra para partilhar suas


alegrias e tristezas, problemas e preocupações;
ii) um diálogo de oração e ações, onde todo povo, independentemente da
religião, participa de um projeto de desenvolvimento;
iii) um diálogo teológico/profissional, onde os teólogos participam e
organizam debates e trocas de experiências e pesquisas, entre outros.

Uma pesquisa realizada durante dez anos, em conjunto com a Universidade de


Würzburg - na Alemanha -, propõe oito padrões de qualidade para a Igreja local, de acordo
com um levantamento em mais de mil Igrejas, em 32 países dos cinco continentes, com o
54

objetivo de descobrir elementos que promovam ou não o crescimento de Igrejas. Chegou-se


à conclusão de que são oito os fatores principais74.

i) liderança que capacita;


ii) ministérios orientados pelos dons;
iii) espiritualidade contagiante;
iv) estrutura eficaz;
v) culto inspirador;
vi) pequenos grupos e células familiares;
vii) evangelização orientada para as necessidades concretas das pessoas;
viii) relacionamentos marcados pelo amor fraternal.

O primeiro e mais importante passo de diálogo é dentro da Igreja com seus


segmentos e, a comunhão e testemunha ad-intra da Igreja africana é que devem sobressair.
Os desafios cardiais que devem caracterizar essa interioridade são: abraçar com vigor a
pastoral bíblica, realizar celebrações litúrgicas com intensa participação dos fiéis, convocar
e formar os leigos e leigas para a missão e ter gestos de solidariedade para com os que sofrem.

4.1.1 Ecumenismo

O Concílio Ecumênico Vaticano II considerou a unidade dos cristãos como um


de seus objetivos principais. Se faz urgente a lembrança de que outras Igrejas Cristãs
conservam muitos elementos positivos que, em parte, são os mesmos que a Católica possui.
O concílio, com o decreto Unitatis Redintegratio, sobre o ecumenismo, mostra uma
necessidade de católicos firmes em sua fé e que sejam abertos ao diálogo, acolhedores, sem
fechamentos e jamais sectários. O ecumenismo não é mistura das Igrejas cristãs, é um
movimento inspirado pelo Espírito Santo que caminha lenta e humildemente, enfrentando
muitas dificuldades.

74
BERNARDINO. A. S. Concílio da Primavera na Igreja, São Paulo. Paulus, 2012, P. 9.
55

O catolicismo e o movimento ecumênico em Igrejas como a ortodoxa,


Protestante, Anglicana e African independente churches, por exemplo, devem trabalhar
muito na solução de algumas tensões, conflitos e confusões deixadas pela herança das
missões cristãs no continente. As Igrejas estão divididas na interpretação do querigma cristão
e dos elementos que constituem a natureza e o conteúdo da fé cristã, como a doutrina da graça
e os sacramentos, a natureza da Igreja e os ministérios, entre outros. As diferentes tradições
eclesiais sustentam compreensões divergentes da fé cristã.
Dada a gravidade do contratestemunho da divisão entre cristãos, sobretudo na
Ásia e na África, torna-se urgente a busca de caminhos de unidade. Os missionários, nesses
continentes, referem repetidamente as críticas, queixas e sarcasmos que recebem por causa
do escândalo dos cristãos divididos.
As Igrejas protestantes e carismáticas estão cada vez mais numerosas na África
devido à influência de evangelismo americano entre os anos 1970 e 1980. A questão não é a
quantidade, mas a qualidade desses movimentos, dessa espiritualidade, da teologia da
prosperidade e imensos templos.
Em geral, a África não avançou muito no ecumenismo. O que foi feito até agora
é apenas uma coexistência pacífica, mas de pouca cooperação nos projetos comum e poucos
encontros teológicos, pois parece que poucos sentem a necessidade de evoluir. O fatalismo,
identidade e o tribalismo africano parecem ser mais importantes que os dons e valores
africanos de diálogo, reconciliação, hospitalidade e universalidade de amor humano.

4.1.2 Inter-religiosos

Uma atitude de abertura na verdade e no amor deve caracterizar o diálogo com


os crentes das religiões não cristãs, apesar de vários obstáculos e dificuldades, de modo
particular o fundamentalismo de ambos os lados. Este diálogo é, em primeiro lugar, uma
conversa sobre a vida humana. O primeiro passo deve ser de conhecimento dessas religiões,
como o Islã e as de tradição africana, além de outras.
Uma insatisfação histórica por parte dos muçulmanos os acompanha desde os
tempos coloniais na África, em que esta religião sofreu por causa da ocupação de um poderio
vindo principalmente de uma maioria cristã. No entanto, também vale afirmar que o Islã foi
56

favorecido pelos colonizadores franceses em comparação aos cristãos, especialmente no leste


da África. Contudo, isso não impediu que os missionários construíssem escolas e centros de
saúde para todos.
As tendências fanáticas, o fundamentalismo dos grupos como Boko haram - na
Nigéria -, Alshabab - na Somália - e kikundi cha uamusho, em Zanzibar, na Tanzânia,
continuam ameaçando a coexistência dessas duas grandes religiões. Atualmente há projetos
e esforços, como o Islam in Africa Project Council, que tem como intuito facilitar o
conhecimento mútuo. A Organização Mundial das Igrejas (WCC) também serve como
instrumento e um canal para mostrar a possibilidade de conviver na diversidade, a qual afirma
que ambas as crenças tenham uma herança comum e ainda partilhem da mesma cultura
africana, que é fundamentalmente religiosa e comunitária75.
Em diálogo com as religiões tradicionais africanas, dois fatores devem ser
considerados, sendo o primeiro com a religião dos africanos da África-Subsaariana e o
segundo como a que se apresenta como herança dos cristãos-africanos. As incompreensões e
equívocos do passado perante essas religiões geraram medo e desconfiança, tendo por
caminho a derrota de ambos o diálogo e cultura do encontro, caraterizado pela amizade e
pelo respeito mútuo.
Enfim, dialogar não significa renunciar à própria identidade, quando de encontro
ao outro, bem como não significa ceder aos comprometimentos do respeito, da fé e da moral
cristã, pelo contrário, a verdadeira abertura implica conservar-se firme nas próprias
convicções mais profundas, com uma identidade clara e jubilosa. Por esse motivo, o diálogo
- ecumênico e inter-religioso - e a evangelização não se excluem, mas alimentam-se
reciprocamente. O futuro das religiões e da humanidade encontra-se na convivência
respeitosa das diversidades, não na homologação a um pensamento único.

75
BAUR, John. 2000 years of Christianity in Africa, Paulines, Nairobi, 2001. P. 506.
57

CONCLUSÃO

Uma das preocupações do presente estudo foi afirmar sobre a natividade de Deus
na África: Ele não é estrangeiro para os africanos, porém, o desafio maior aos mesmos é o
Cristo, dos cristãos. A crise da fé é tipicamente cristológica, e por isso muitos questionam-se
quem é Jesus, pois, como dizia meu avô a respeito: “a única novidade que os missionários
nos trouxeram é Jesus Cristo, não Deus”.
A necessidade de trazer resposta à essa pergunta levou ao desenvolvimento dos
modelos cristológicos que procuram mostrar um Jesus em visões autenticamente africanas.
Em geral, modelos são relevantes para explicar a adesão rápida e crescimento do
Cristianismo no continente. Conclui-se que as questões cristológicas são mais desafios
pastorais, no sentido de fazer o africano cristão sentir-se bem com sua adesão à fé na pessoa
e missão de Jesus Cristo.
Enquanto todos os modelos mostram implicitamente a dimensão pastoral dessa
cristologia, nenhum deles traz um projeto pastoral concreto como resposta para essa adesão,
ou seja, embora desenvolva-se os títulos e modelos de Cristo, o processo concreto de como
aplicá-los na vida dos africanos é outra questão não tão bem resolvida. O modelo cristologico
determina também que tipo da Igreja devemos ser.
Dessa forma, algumas conclusões sugestivas a respeito desses modelos
cristológicos é a missão dos teólogos em fazer uma integração entre a cristologia e a teologia
pastoral. A integração pode vir a ajudar os africanos a sair da alienação que há entre estes e
Cristo, bem como contribuir na descoberta de que Jesus não é conhecido formalmente, mas
está implícito na vida cotidiana do povo. Esse compromisso requer uma catequese de
cristologia, usando métodos e língua mais acessível à população, em que a história de Jesus
deve ser narrada, contada como uma linguagem simples, poética isto é, de Cristo como Proto-
Ancestor, hóspede, chefe, médico dos médicos e outros modelos.
De outra forma, a cristologia pode resgatar as práxis de Jesus de Nazaré, isto é,
uma que dialoga e questiona as estruturas, sistemas, costumes e leis opressoras. Deve ser
funcional e comprometida, não devocional ou apenas com intuito de batizar. Uma cristologia
58

particularmente africana assim será apenas quando esta transforma a vida e traduz a
experiência religiosa libertadora a uma teologia e pastoral cultural que salva homem de forma
afetiva e efetiva.
O futuro do Cristianismo, neste continente, não depende da quantia de Igrejas
construídas, nem de escolas assistidas pelos missionários, contudo, depende de como os
africanos sentem-se com o Cristianismo, em outras palavras, qualquer assistencialismo, seja
espiritual ou econômico, agrava a queda e alimenta infantilismo já existente. Precisamos mais
as reivindicações dos leigos em geral por novos instrumentos de participação, até mesmo no
âmbito da moral, que propiciem maior vivencia da sinodalidade e a construção da democracia
na instituição. Também precisamos um novo pensamento sobre a sexualidade sem
espiritualiza-la e que a considere como parte de uma compreensão global da pessoa humana.
A África precisa caminhar e cantar a beleza da diversidade de sua própria
história, ao passo que os africanos necessitam fazer sua própria experiência fenomenal e
teologal, que continua se revelando na vida e na história. Se o Cristianismo está polarizado e
deteriorando-se no Ocidente, deve-se a ausência da vivência em seus contextos, radicalidade
e dinamicidade, enquanto que o Cristianismo na África pode testemunhar e recuperar essa
vivacidade e universalidade da fé cristã presente.
Importante ressaltar, no entanto, que não somente o Cristianismo é relevante ao
continente africano, mas o próprio Cristo. A cristologia está no centro da teologia da
Inculturação e Libertação Integral. É imperativo e divino ter um tipo de Cristianismo africano
diferente, embora universal. Eis é a riqueza e sentido de ser a Igreja Católica e Apostólica e,
para isso, pode-se concluir que o futuro do Cristianismo africano depende de sua ousadia de
dialogar com todos, do acolhimento da dinamicidade cultural do povo e, por fim, do
testemunho de Jesus Morto e Ressuscitado com alegria e simplicidade - aquilo em que se crê
e o que a humanidade é.
59

REFERÊNCIAS

ALETEIA BRASIL. “Católicos não se envolvem em política”. É mesmo? Então diga isto
ao Papa Francisco. [S.l.], 02 out. 2015. Disponível em:
<https://pt.aleteia.org/2015/10/02/catolicos-nao-se-envolvem-em-politica-e-mesmo-entao-
diga-isto-ao-papa-francisco/>. Acesso em: 02 ago. 2017.

ALLEN JÚNIOR, J. L. Africa: Christianity's greatest growth, and greatest threat. Colorado (EUA),
30 dez. 2015. Disponível em: <https://cruxnow.com/faith/2015/12/30/africa-christianitys-greatest-
growth-and-greatest-threat/>. Acesso em: 02 ago. 2017.

AZZI, RIOLANDO. A teologia colonial na formação da sociedade colonial brasileira. 97.

BAUR, JOHN. 2000 years of Christianity in Africa.

BENEZET, BUJO. African Theology: which direction to take and what methodology to use.

BERNARDINO, A. SANDALO. Concílio da Primavera na Igreja. São Paulo: Paulus, 2012.

BÍBLIA TRADUÇÃO ECUMÊNCIA. São Paulo: Loyola, 1994.

BOGAZ, A. S.; HANSEN, J. H. Reforma litúrgica pós-conciliar: renovação e fidelidade.


Vista Pastoral, São Paulo, jul./ago. 2017. Disponível em:
<http://www.vidapastoral.com.br/ano/2012/reforma-liturgica-pos-conciliar-renovacao-e-
fidelida/>. Acesso em: 02 ago. 2017.

BRIGHENTI, AGENOR. Por uma Evangelização Inculturada: princípios pedagógicos e


passos metodológicos.

CANTARELA, A. G. Traços do proprium cultural africano e sua relação com o sagrado.


Horizonte, Belo Horizonte, v. 11, n. 29, p. 88-108, jan/mar. 2013, ISSN 2175-5841.
Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-
5841.2013v11n29p88>. Acesso em: 01 ago. 2017.

COSTA, J. A. LIMA. Conhecer Jesus: a cristologia ao alcance de todos. São Paulo, 2014.
60

COUTO, MIA. Se Obama fosse africano? E outras intervenções. Maputo, 1998.

DUPUIS, JACQUES. Introdução à Cristologia. São Paulo, 1999.

ÈLA, J. MARC. My Faith as African. Acton publishers, 2001.

FANON, FRANTZ. Black skin, white masks. Paris 1990.

GOERGEN, J. DONALD The Quest for the Christ of Africa. Disponível em:
<opcentral.org>. Acesso em: 02 ago. 2017.

GYEKYE, K. Tradition and Modernity: Philosophical Reflection on the African Experience.


26 In.: African Christian Studies by Aquiline Tarimo. Oxford: Oxford University Press,
1997. Disponível em: <>. Acesso em: 02 ago. 2017.

HAIDER, L. J.; LADE, S. J. Why thinking beyond money is vital for solving the
poverty puzzle. Massachusetts (EUA), 23 maio 2017. Disponível em:
<http://theconversation.com/why-thinking-beyond-money-is-vital-for-solving-the-poverty-
puzzle-77600>. Acesso em: 27 jun. 2017.

HARRINGTON, D. J. SJ Anglican Theological Review. Some Voices in the New Testament


Interpretation, vol. LXIV, n. 3, p. 362-370.

HEALEY, J.; SYBERTZ, D. Towards an African Narrative Theology. Nairobi: Paulines,


2000.

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. A esquecida profecia de Ratzinger sobre o futuro


da Igreja. São Leopoldo, 18 fev. 2013. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/517696-
a-esquecida-profecia-de-ratzinger-sobre-o-futuro-da-Igreja>. Acesso em: 27 jun. 2017.

______ . A “nova evangelização” segundo Francisco. São Leopoldo, 16 out. 2013.


Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524683-a-nova-evangelizacao-
segundo-francisco>. Acesso em: 04 ago. 2017.

______ . Orobator, padre jesuíta africano, pede pela inclusão da mulher nas estruturas da
Igreja. São Leopoldo, 20 dez. 2016. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/563538-
orobator-padre-jesuita-africano-pede-pela-inclusao-da-mulher-nas-estruturas-da-Igreja>.
Acesso em: 02 ago. 2017.

MAJAWA, C. C. A. Intergrated Aproach to African Christian Theology of Inculturation.


Lusaka: Paulines, 2000.

MANA, KA. Christ ď Afrique. Paris: Karthala, 1994.

MANZATTO, ANTONIO. O Papa Francisco e a Teologia da Libertação. Revista Cultura,


n. 86, ano XXIII, jul./dez. 2015.
61

______ . O paradigma Cristológico do Vaticano II e sua incidência na cristologia Latino-


americana, em Concilio Vaticano II: Análise e prospectivas por Gonçalves, P. S. L e
Bombonato, V. I. (Org). São Paulo: Paulinas, data.

MCGARRY, C. A community of disciples to witness to the kingdom: Inculturating the Church in


Africa. Nairobi: Paulines, 2001.

MEIRELES, MÀCRY Candomblé, uma religião de resistência. Revista Brasileira de


Diálogo Ecumênico e Inter religião, ano 2, n. 2, jan./jul. 2014, ISSN 2357-965X.

MEIRING, A. ARNO. As below, so above: A perspective on African Theology. HTS,


Pretória, v. 63, n. 2, 2007, p. 733-750. Disponível em:
<http://www.hts.org.za/index.php/HTS/article/viewFile/220/154>. Acesso em: 25 out. 2016.

MSAFIRI, A. G. Globalisation of Concern II: Essays on Education, Health, Climate Change


and Cyberspace. Suíça, 23 ago. 2012. Disponível em:
<http://www.globethics.net/documents/4289936/13403252/FocusSeries_08_Globalisation
OfConcerII_Msafiri_text.pdf/747a0619-0171-4643-975d-13c67f1230df>. Acesso em: 03
ago. 2017.

MUFURUKI, ALI Is africa really “rising”. In.: TEDxEuston. Disponível em: <>. Acesso
em: https://www.youtube.com/watch?v=OjgJ2KpyJ5w 01 ago. 2017.

NEW PEOPLE MEDIA CENTER. An Analysis of the Church in Africa, in Africa Faith and
Justice Network: The African Synod. Ano de publicação.

NYAMITI, C. African Christologies Today in Jesus in African Christianity: Experimentation


and Diversity in African Christology. Nairobi: Action, 2003.

______ . Relevance of Fides et Ratio for African Theology in Hekima. Review 25. Nairobi:
Kolbe Press, may 2001.

ODENG, ODENG. Asante Catholicism. Lagos: Free media, 1999.

OROBATOR, E. A. The quest for an African Christ: Na Essay on Contemporary African


Christology. Nairobi: Paulines, 2009.

PAGOLA, J. ANTONIO. Jesus: aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2010.

PAPA FRANCISCO. Exortação Evangelii Gaudium. Coleção Voz do Papa, nº 53. São
Paulo: Paulinas, 2013.

PEREIRA, A. D. Rio Zambeze. [S.l.], s.d. Disponível em:


<https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Zambeze>. Acesso em: 20 jun. 2017.
62

SCHILLEBEECKX, E. Umanitá la storia de Dio. Brescia: Queriniana, 1992.

SCHWARZ, C. A.; SCHALK, C. O desenvolvimento natural da Igreja. Local: Editora


Esperança, 1998.

SHORTER, AYWALD Ancestor Veneration Revisited. AFER, vol. 25, n. 4, p. 197-203,


1983.

______ . The African Synod. Nairobi: Paulines, 1995.

______ . The contribution of African Theology to World Church-African Theology as


“Communication”.

SILVA, A. Desafios teológico-pastorais a partir da causa dos Afro-brasileiros.In:


Inculturação e Libertação. CNBB/CIMI.

TEIXEIRA, FAUSTINO. Inculturação da fé e pluralismo religioso. In.: Rede Latino-


Americana de Missiologia (RELAMI), [S.l], 25 out. 2002. Disponível em:
<http://www.missiologia.org.br/cms/UserFiles/cms_artigos_pdf_45.pdf>. Acesso em: 05
ago. 2017.

TYLOR, E. B. Alle origini dela cultura: In Interculturality a new paradigm of the Mission.
Consolata Missionaries: Roma, 2009.

UZUKWU, E. Worship as Body Language: Introduction to Christian Worship: Na African


Orientation. Collegeville, Minessota: The Liturgical Press, 1997.

VATICANO II. Mensagem, Documentos e Decretos. São Paulo: Paulinas, 1998.

VILLAS BOAS, ALEX. A dimensão social da evangelização na Evangelii Gaudium e o


discernimento da caridade. Revista de Cultura Teológica, [S.l.], jul./dez. 2014.

Você também pode gostar