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Grade Posicional
Jogo posicional
“Não se trata de movimentar a bola, trata-se de movimentar o adversário.” -
JUAN MANUEL LILLO
➢Gestão do Espaço-Tempo
➢Viajar juntos
➢Olhar para o campo
➢Encontrar o Homem Livre
➢A bola vai para a posição, e não a posição vai para a bola.
Espaço-Tempo
Homem Livre
Jogadores com bola: driblam para atrair os rivais, fazem passes para os
companheiros mais próximos ou seguram a bola se não houver opção.
Agora que esclarecemos alguns dos Princípios do Jogo Posicional e alguns dos
conceitos por trás dele, vamos falar sobre algumas das dinâmicas que
podemos usar para criar/desbloquear algumas vantagens.
Xavi Hernández
A busca de superioridades
Agora tentaremos descrever os tipos de superioridades que tentamos criar.
Existem 5 tipos de superioridades:
1- numérica,
2- posicional
3- qualitativa,
4- dinâmica (cinestésica)
5- sócio-afetiva são frutos do jogo posicional e, em última análise, serão
expressas coletivamente nas partidas.
➢ Quantitativo (Numérico)
➢ Qualitativo (Melhor Jogador vs. Pior)
➢ Posicional (Espaço)
➢ Dinâmico (Movimentação, busca por espaço com Velocidade)
➢ Socio-afetivo (Relacionamentos)
O Jogo Posicional é uma filosofia que tem muitos princípios, mas o princípio
fundamental é a busca pela superioridade. Existem várias maneiras de obter
superioridade e vários tipos de superioridade que podem ser alcançadas. Uma
vez encontrada a superioridade, a equipe pode usar a situação para dominar o
jogo.
Com o domínio destes conceitos por parte dos jogadores, a posse ganha
importância pois é um fenômeno que pretende desestabilizar o adversário, eliminar
rivais e condicionar o seu balanço defensivo. Desta forma, impõe ao rival sua forma
de jogo, que deixa de ser aquele pretendido por seu técnico
O guia prático para realmente compreender o jogo
posicional
Ataque, defesa, transições, o que quer que seja – a principal pergunta que qualquer
jogador invariavelmente se faz em campo é sobre posicionamento. Não o
comumente ensinado “como posso marcar” ou “como posso evitar que o adversário
marque”, mas algo muito mais fundamental: “como posso agregar valor, como
posso ajudar à minha equipe e onde devo estar para conseguir isso?”
A Tragédia do Coletivo
À medida que ponderamos os detalhes periféricos que rodeiam o posicionamento
individual, o futebol continua a lembrar-nos que dificilmente é um esporte individual.
As equipes complicam ainda mais as coisas.
Tentamos responder a este problema sozinhos, dentro de nós mesmos e dentro dos
limites daquilo que as nossas mentes e corpos podem controlar, mas o dilema do
posicionamento é fundamentalmente algo que deve ser resolvido por um grupo. As
equipes nos permitem alcançar mais, com mais, mas a tragédia do coletivo é que a
otimização de uma única unidade pode parecer fútil do ponto de vista da resolução
de problemas. O que determina o resultado de qualquer cenário raramente é o
posicionamento de um componente, mas sim daqueles próximos e, por extensão,
de toda a equipe. Este problema de “posicionamento”, localização intencional,
assume assim um significado muito maior.
Não só devemos avaliar constantemente para onde vamos, mas também devemos
reconhecer o que representamos dentro do sistema mais amplo. Como nosso
movimento impacta os de nossos companheiros de equipe? Como nossas posições
individuais afetam o coletivo? Como nossa posição coletiva afeta o jogo?
E então, realisticamente, temos muito o que processar aqui! É por isso que,
claramente, o futebol é difícil. Saber onde estar em qualquer cenário tem um grau
de níveis paralisantes – então, como podemos saber?
Mais ainda, existem infinitas situações e configurações que qualquer jogador pode
enfrentar em qualquer partida. Um número ilimitado de problemas para resolver.
Como alguém, mesmo o mais experiente dos jogadores, pode ter respostas viáveis
para todas elas?
Por toda a Internet, tenho certeza de que você já ouviu os termos “jogo posicional”,
“juego de posição” ou “JdP”. A ideia, amplamente defendida, mas raramente
totalmente compreendida, é uma abordagem contracultural sobre esta mesma
questão.
Mesmo que saibamos as respostas para infinitos problemas, sempre haverá mais.
Ao pegar nosso tom padrão e sobrepor nele uma grade translúcida – pense em
papel de projetor da 1ª série – podemos pegar algo grande e indefinido e dividi-lo
em partes mais gerenciáveis. Obviamente, tal método perderia utilidade e
implementabilidade se a “resolução” fosse muito alta, então nossos pedaços ainda
são bem grandes e fáceis de lembrar. No entanto, essas partes ajudam muito a
entender o posicionamento.
Agora, tudo bem, temos uma grade, mas o que tudo isso significa? Como isso pode ajudar a
resolver um problema individual, para todos, ao mesmo tempo? Para começar, precisamos
nomear tudo.
O vermelho marca na nossa direção, o que significa que o meio-espaço avançado é aquele
mais próximo do gol de baixo.
Perto das bordas do campo, temos a largura, os canais, os flancos, as asas, ou como você
quiser chamá-los. No fundo, chamaremos isso de centro ou meio. Entre cada uma dessas 3
regiões intuitivas temos o meio espaço menos conhecido, uma zona intermediária que
carrega grande significado.
Ao dividir a paisagem, como mostrado, seremos mais capazes de instruir onde nossos
jogadores deveriam estar. Claramente, temos uma melhor compreensão do território que
existe entre as regiões ampla e central – e como descobriremos em breve, essa é uma
grande descoberta.
Contrariando o padrão 442, uma das interpretações formacionais mais comuns do futebol,
esta grade é convenientemente projetada para formar vértices onde cada um dos
defensores, meio-campistas e atacantes aparecem nominalmente. Imagine um bloco médio-
baixo segurando o 18 como linha de impedimento – e vemos algo assim:
Nem é preciso dizer que algo no posicionamento acima parece melhor do que na imagem
abaixo. Preferimos passar para um jogador com espaço ao seu redor, do que com uma
marca logo ao lado. Isso faz sentido. Nossas chances de passar, receber e continuar a jogada
são maiores se não houver ninguém por perto para interceptar.
Mas o que está abaixo da superfície, aqui, é a ideia de que passar para locais de baixa
pressão não apenas torna mais fácil manter a posse de bola, mas também atrai a oposição
para ela. Uma bola que chega longe de um defensor, cuja responsabilidade seria cobrir
aquela região do campo, invariavelmente fará com que esse DF seja arrastado em sua
direção. Tal é a ideia de “magnetismo” ou “gravidade”, uma ideia discutida em It all Starts
with Hopping the Fence: How to Disrupt a 4-4-2 with a 3-2-5.
“Este conceito surge da sugestão de que os jogadores tendem a ter um efeito gravitacional
sobre os outros, ao assumirem posições próximas deles. O chamariz funciona porque suga
um defensor para um determinado espaço para proteger uma ameaça presumível,
puxando-o para fora de posição como um poste positivo faria com um poste carregado
negativamente, e abrindo verdadeiras oportunidades além deles. Um atacante que fica
pendurado no lado do gol da defesa e corre atrás irá gradualmente desestabilizar os CBs e
incentivará uma linha de impedimento mais baixa para que os CBs possam ver melhor seu
movimento. Como tal, ele puxará o oponente usando sua “atração gravitacional”. Se os alas
tiverem giz nas chuteiras, os zagueiros adversários hesitarão em ficar dentro de casa, com
medo de ficarem muito expostos nos canais. Assim, eles também serão desenhados na
largura a ser coberta. Esta é uma ideia fundamental que podemos explorar de forma
generalizada, especialmente quando procuramos manter as nossas superioridades
numéricas através da acumulação e evitar que a oposição condense demasiado o nosso
espaço. Usamos a noção de magnetismo para atrair a defesa para certas regiões,
espalhando-as e nos concedendo mais espaço para trabalhar.”
Com este efeito sedutor que os objetos de valor e intriga têm sobre os nossos inimigos,
podemos refinar a nossa compreensão dos benefícios que “encontrar espaço” pode ter.
Sim, “menos pressão” parece óptimo porque significa que temos mais hipóteses de manter
a bola, mas se encontrarmos estas cavidades dentro da estrutura inimiga, elas podem
aumentar subitamente a sua presença defensiva localizada à medida que colapsam para
dentro para parar a ameaça. Isso não parece tão ideal, uma vez que o nosso espaço estará
agora sufocado. Certo?
Sim e não. À medida que o inimigo se move para tentar esmagar nossa progressão com
entusiasmo, isso normalmente assume a forma de um daqueles defensores “pisando” em
direção à bola e efetivamente arrastando sua estrutura antes organizada para fora de
forma. Essa oportunidade específica pode ter desaparecido, mas ao forçar a defesa a cobrir
algo que eles não estavam interessados em cobrir antes, agora agitamos uma varinha
mágica e forçamos a sua mão de posicionamento. Fizemos algo que os levou a fazer outra
coisa. Se não o fizessem, seriam punidos, mas se o fizessem, simplesmente puniríamos de
forma diferente.
Sim, temos tentado descobrir como nos posicionar, mas agora encontrámos um princípio
que nos permite ditar para onde o nosso inimigo realmente irá. Se você encontrar brechas
na defesa, isso significa que será mais difícil para eles impedi-lo, mas também significa que
eles se esforçarão mais para fazê-lo. Ou você aproveita o espaço e o explora, ou colhe os
benefícios de uma equipe que tenta eliminar rapidamente um ponto fraco –
invariavelmente abrindo outros.
Ainda nem entramos nas famosas regras do JdP, mas já descobrimos um princípio
fundamental do jogo posicional. Quanto mais pudermos colocar a bola dentro de lacunas
internas – ou como é muitas vezes referido coloquialmente como “nas entrelinhas” – mais
frequentemente poderemos alcançar um resultado quase ganha-ganha: continuar
ameaçando, contra a vontade deles, ou deslocá-los, contra sua vontade.
1. O CB pisa forte no 10 que recebe no halfspace. Amarelo recebe, tem a linha de arremesso
ou caminho direto em direção ao gol fechado – o que pode inicialmente ser percebido como
negativo. Eles procedem ao redirecionamento para fora, enquanto outro jogador amarelo
observa o novo buraco na defesa azul. Isso faz com que eles se aproximem do poste para
uma cabeçada de relance. Esta zona não estaria tão disponível para tal jogada, não fosse a
pressão inicialmente atraída pelo amarelo naquela cavidade interna.
2. Jogar em uma caçapa faz com que o zagueiro pressione, de forma bastante imprudente,
já que a fuga é então encontrada no canal para um ala em corrida penetrar por trás. O
jogador pode ter ficado frustrado com o fechamento da abertura, mas a gratificação
demora e uma solução é descoberta em outro lugar. O novo caminho é menos direto, mas
abre um punhado de opções criativas, com maior proximidade com o objetivo.
3. O 6 azul do lado da bola cai para pressionar o 10 amarelo por trás. A bola retorna para o 6
amarelo enquanto eles avançam para dentro, aproveitando o terreno recém-aberto e agora
arrastando o outro 6 azul em sua direção para se acomodar. O efeito dominó em colapso
continua à medida que a bola é passada, novamente, com os dois 6 azuis arrastados para o
lado, enquanto um jogador amarelo, que antes estava do outro lado, combina com o
atacante para marcar o gol.
Halfspaces Dourados: Parte 1, Incerteza Territorial
Tudo bem. Agora temos nossa grade, sabemos por que ela é moldada dessa maneira e
entendemos o efeito magnético que jogar nas entrelinhas pode ter sobre um oponente que
tenta se manter organizado. Então, por que tanto alarido sobre o halfspace em geral? Por
que isso tem “grande significado”? Por que todos os nossos exemplos acima envolveram
coincidentemente jogar isso?
A primeira justificativa é que os meios-espaços são zonas ideais nas quais nosso mecanismo
de gravidade pode atacar a maioria dos jogadores adversários. Esta região normalmente
pode atrair um zagueiro central, um zagueiro, um meio-campista central, um meio-campista
lateral ou até mesmo uma presença de ataque recuada em alguns casos. Você tem que ver
isso, um pouco, nos 3 vídeos em exibição.
Quando comparamos isso com jogar a bola ao lado, local onde a concentração de pressão é
invariavelmente menor e as cavidades não são mais tão internas à estrutura adversária, há
menos defensores para magnetizar contra sua vontade. Esta pode ser uma opção mais
segura do ponto de vista superficial de segurar a bola, pois é menos arriscado
imediatamente, mas as recompensas a serem colhidas também são menores. Mesmo que
um jogador lateral seja atraído para fora, o território que ele deixa para trás vale
comparativamente menos do que um zagueiro empurrando alto para colapsar um vazio
central, deixando para trás uma região aberta e alta de xG.
Now, one might argue that the central zone could offer the same thing, with lots of
players in possibly even higher density areas, and great potential for magnetic
displacement, but there are a few distinguishing features of the halfspace that may
make it even more appealing.
When we mention those susceptible to being yanked out of line, it is a unique thing
for those involved in that tugging mechanism to bridge the gap between the
traditionally central and traditionally wide players. At this point in time, in
football, we rarely have “halfspace midfielders”, we have wide and central ones.
The same goes for defense and even attack. There are usually 3 identity choices:
left, right, and center. A halfspace pocket’s vertices typically includes 2 central
players and 2 wide ones, meaning the marking decision that’s been created is not
only a pain, like most, but in highly ambiguous territory that makes it even worse.
Touchline Theory has often touched upon the importance of forcing an opponent to
make these marking decisions, a skill that inherently imposes discomfort while
putting the defensive team’s communication and accountability skills to the test.
These hand-off scenarios are prone to error, and a team that forces the other to
make more of them over the course of a match will likely result in having the better
chances. See an example outlining the overlap’s efficacy, through the lens of
marking decisions, and even apart from generating superiorities:
Para resolver rotineiramente esses cenários, uma pista importante que os defensores
usarão é o território difícil que o invasor ocupa. Se um atacante lateral recebe uma bola
entre um lateral defensor e um lateral lateral, a localização vertical desse jogador pode ser
uma forte indicação de quem é o ônus de pressionar primeiro. Mas a escolha horizontal é
um tanto simples e as duas opções são claras.
No entanto, no estranho território intermediário que é o meio-espaço, esse contexto é
removido. Verticalmente, podemos ter as mesmas pistas, mas agora envolvemos também o
defesa-central e o médio-central na nossa decisão de marcação. Dois desses atores
deveriam ser “centrais”, enquanto os outros deveriam ser “amplos”. Qualquer afastamento
do posto pretendido implicará uma transição para o outro; um meio-campista central que
pega um atacante de meio espaço estará se movendo para fora, enquanto um meio-
campista lateral fazendo isso os vê se moverem centralmente. Então, qual deles deve fazer
isso? Qual deles mergulhará no desconhecido?
e compararmos isto com o caso central, todos os envolvidos nessa decisão de marcação são
um “jogador central” com funções de “jogador central” e uma identidade de “jogador
central”. Qualquer um deles pode estar bem em aplicar pressão, já que seu “posto” não terá
sido deixado para trás. Qualquer um dos 4 ainda estará pressionando centralmente. A
propriedade horizontal é mais clara no meio e no exterior – mas não é assim no meio
espaço.
Assim, como resumiu o treinador da Molde Academy, Eric Laurie, num tweet recente, esta
posição intermediária serve como uma região confusa e cheia de incerteza defensiva. Isso é
algo que pode ser altamente valioso em posse. A apreensão da marcação horizontal é um
excelente resultado para um ataque que prospera em contratempos da oposição. Quanto
menos intuitiva for a defesa, mais difícil ela se tornar
Os jogadores devem utilizar toda a largura do campo quando a sua equipa estiver com a
posse de bola, para criar o máximo de espaço possível no centro do campo. Eles também
devem estar cientes de onde devem estar e onde estão seus companheiros, para que
possam ajustar sua posição constantemente. Fora da bola, os jogadores devem assumir
posições que provoquem movimentos adversários que abram vias de passe para o portador
da bola.
Quais são as responsabilidades fora da posse de bola de uma equipe que usa jogo
posicional?
O jogo posicional é uma filosofia de futebol com posse de bola, portanto não existem
estratégias específicas fora de posse de bola empregadas pelas equipes que utilizam este
estilo de jogo. No entanto, a contra-pressão costuma ser associada ao jogo posicional. Aqui,
as equipes buscam recuperar a posse de bola no alto do campo e impedir os contra-ataques
o mais cedo possível.
Isto evita a vulnerabilidade defensiva, com as equipas sobrecarregadas devido à sua forma
de posse de bola.
Quais equipes usam melhor o jogo posicional?
Manchester City de Pep Guardiola
O City é o melhor e mais bem-sucedido defensor do jogo posicional. Tentam obter uma
vantagem numérica na primeira linha, através dos seus defesas-centrais movimentando-se
ao lado e do número seis ocupando uma posição além da primeira linha de defesa
adversária para criar um triângulo (acima). Os defesas-centrais tentam provocar os
avançados adversários a saltarem para pressionar, criando por sua vez uma linha de passe
para o médio.
O objetivo é colocar o pivô na bola. Este jogador posiciona-se numa zona central, na
esperança de depois poder progredir no jogo lateral para lateral ou médio. Se o passe para
o meio-campista não for feito, eles jogam para o seu parceiro zagueiro. Eles podem então
ultrapassar a primeira linha adversária e encontrar um passe para frente a partir daí.
Quando bem utilizado, o jogo posicional pode produzir um futebol de qualidade excepcional
e altamente eficaz. É extremamente divertido de assistir e pode trazer grande sucesso,
como mostrou o Manchester City de Pep Guardiola. O jogo posicional cria grandes espaços
graças aos jogadores que alongam o campo. Isso cria espaço nas áreas centrais para os
jogadores pegarem a bola – algo com que muitas equipes têm dificuldade.
O jogo posicional também pode levar a muitas oportunidades para colocar os jogadores
atrás em posições amplas. Isso pode levar a passes realizados em frente ao gol e chances de
alta qualidade que provavelmente levarão a um gol.
Quais são as desvantagens de usar o jogo posicional?
O jogo posicional requer jogadores de alta qualidade, capazes de receber no meio-turno e
identificar rapidamente o próximo passe. Sem jogadores de calibre suficientemente
elevado, o jogo posicional pode facilmente falhar. Os jogadores também precisam
compreender as complexidades do jogo posicional e exatamente o que é exigido deles em
um determinado momento. Isso significa que há necessidade de jogadores que sejam
capazes de compreender um sistema e implementá-lo em campo. Também exige bastante
tempo no campo de treinamento, onde os jogadores devem aprender tudo o que precisam.
Os sistemas com os jogadores configurados em uma forma expansiva de posse de bola
podem ser vulneráveis a contra-ataques porque há muito espaço no interior de sua
estrutura. O jogo com posse de bola exige jogadores capazes de fazer recuperações rápidas
e longas e que estejam totalmente comprometidos com o sistema.
Quando as equipes acertam, o jogo posicional pode ser atraente e perigoso. Mas há uma
razão pela qual tão poucas equipes são capazes de alcançá-lo. É muito, muito difícil
aperfeiçoar.
O que fazer para que os jogadores façam (entender, manter foco, motivação,
respeito, disciplina e acima de tudo mantê-los comprometidos com nossas
ideias de jogo?)
Modelo de Sessão:
Exemplo: Em uma área de 12x12 mts, usamos três equipes de três jogadores,
gerando um 6 vs 3, conforme mostrado abaixo. Não há limite de toques e a
equipe que perder a bola deverá reagir imediatamente, pressionando as outras
duas equipes. O jogador mais próximo aplica uma pressão agressiva intensa e
defenderemos em triângulo, enquanto os outros dois jogadores controlam os
espaços ao redor da bola e se antecipam. Neste sentido, a PRESSÃO PÓS-
PERDA e será nosso DIFERENCIAL CULTURAL para CREDIBILIZAR E MANTER
nosso futebol DOMINANTE como PROTAGONISTA tendo também dentro desse
quesito o CONTROLE DO JOGO, isto não está previsto como uma proposta – é
uma LEI – DEVER, que será trabalhado dentro da Insituição Cruzeiro Esporte
Clube com TODOS profissionais que fazem parte do quesito Metodológico
Sistêmico.
Exercício Modelo:
Pressão Pós-perda, SERÁ ESTABELECIDA dentro da Instituição Cruzeiro Esporte
Clube como: Arma Ofensiva
Neste exercício queremos criar o foco certo para a parte essencial da sessão.
Queremos que ENTENDAM e MANTENHAM O FOCO, como tendo sempre uma
NECESSIDADE de recuperar a bola, criando momentos caóticos e controlando
esses momentos sendo ‘rápidos e assertivos na TOMADA de DECISÃO’ , com
orientação, habilidade, precisão e conexão. Queremos períodos curtos e
intensos, alternados com períodos de descanso para que os jogadores
permaneçam focados e em prontidão para absorver informações e aprender o
tempo todo. No quesito de Organização Defensiva, dentro do nosso contexto
educacional, o jogador mais próximo da bola será o primeiro defensor e com
agressividade-intensidade máxima será responsável para pressionar dentro da
sua zona, SEMPRE com intensidade-agressividade – mas isso deve ser
controlado com uma antecipação de para onde irá o próximo passe e com a
reorganização constante e rápida dos companheiros de equipe dentro da zona
de pressão. Em termos de erros típicos, por vezes algumas frustrações depois
de perder a posse de bola e os jogadores não reagem imediatamente. O
desenvolvimento leva tempo – as vezes leva tempo para os “jovens” tomarem
decisões com base nas intervenções e referências coletivas. Não queremos
uma situação linear ou mecânica – um desenvolvimento aceitável e criativo
leva tempo. Uma equipe de alta intensidade e pressão pós-perda muitas vezes
cometerá mais erros porque tentamos mais – em última análise, a paciência e
a expectativa de cometer erros são realmente aceitáveis.
Posse de posse 8v8+2 ( 4 quadrados (25 minutos). Esta é uma prática de posse
multidirecional com duas equipes de oito jogadores mais dois flutuadores, que
tentam apoiar a equipe com posse de bola. A equipe com posse de bola deve
utilizar o espaço com sabedoria para mantê-la com a ideia de trocar a bola.
Seguiremos o princípio de não completar mais de quatro passes dentro da
mesma área, sendo que a equipe com posse de bola ganha um ponto cada vez
que completa com sucesso esses quatro passes e transfere a bola para outra
área. Podemos limitar o número de jogadores em cada quadrado se o grupo
estiver com dificuldades.
Montamos agora um jogo reduzido, GL+6v6+GL+6 ou GL+¿7vs7+GL+6 com
gols centrais, conforme mostrado. Duas equipes de seis jogadores competem
pela posse de bola dentro da área demarcada entre linhas, com uma terceira
equipe de seis jogadores usada como complemento de apoio do lado de fora.
Os gols ficam voltados para lados opostos no meio do campo com um goleiro
em cada um, dividindo a área em duas. Ambas as equipes dentro das áreas são
livres de movimentar os seus jogadores para onde quiserem, mas devem
sempre estar focados na realização dos princípios de ter forma e equilíbrio
organizado na utilização inteligente desse espaço. Para conseguir marcar ou
atacar o gol, a equipe que possui a posse de bola tem que mudar a jogada de
um lado-espaço, para outro pelo menos uma vez, para então identificar o
melhor momento para criar uma chance de gol. Para construir situações o
número de toques pode ser manipulado com as equipes dentro da área. Assim,
por exemplo, estaríamos criando situações de 1v1 dentro das áreas, ou por
pelos lados. Se insistirmos em dois toques, estaríamos procurando mudanças
de jogo vindas de fora; e se dirigirmos o jogo com um toque, podemos estar
propiciando dos jogadores que apoiam por dentro.
TRABALHE O OPONENTE
- Pressão pós-perda
-Ultra agressividade
- Adaptação
- Contra-ataque
Embora isto pareça uma decisão simples e não táctica, esta crença no trabalho
árduo e cognitivo no quesito de tomadas de decisões e sempre no desejo de
superar o adversário é tão importante, se não mais importante, do que
qualquer uma das decisões táticas que são tomadas dentro da sua filosofia de
treino.
-Esta sessão foi assistida mostra como a quebra de bloqueio simples e eficaz
pode ser treinada para jogadores de qualquer idade. Esta sessão fácil de usar
pode ser transferida muito rapidamente para o seu treino e é incrivelmente
eficaz para os treinadores que jogam com laterais de ataque alto ou pelos
lados que frequentemente jogam contra blocos defensivos baixos.
2 JOGANDO CONTRA UM BLOCO BAIXO
Explicação:
Esta sessão é muito simples, por exemplo: adversário no 4-3-3, depois jogam
contra um 4-3-2, porém os dois atacantes não atuam até que os azuis por
exemplo, ganhem a posse de bola. Isso significa que o time vermelho consegue
criar uma forma ao redor do bloco e tentar expor a forma do adversário.
O treino começará simplesmente com o goleiro com uma saída longa , por
exemplo para o zagueiro vermelho, que então tentará fazer uma transição
rápida para o ataque; procurando colocar os laterais em posições de ataque.
Esta é uma tentativa de expor a forma defensiva do adversário.
Detalhe do treinamento:
FERNANDO VELUDO
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o
o
Estou triste contigo. Não me trouxeste um pastel de nata nem um
bolinho.
[risos] Olha, por acaso tenho ali duas garrafas de vinho para ti, portanto já
começaste mal. Não acertaste no porta-aviões, foi ao lado [risos].
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FERNANDO VELUDO
Criticaste a Liga portuguesa no início da época pela falta de jogos e
pela calendarização.
Critiquei o calendário, sim, porque a dificuldade do Rio Ave no arranque
teve a ver com isto. Nós fazíamos dois ou três jogos e parávamos. Isto não
dá. Para nós, treinadores, o grau de aferição das coisas são os jogos
competitivos. É aí que sabemos onde estamos. Não são os treinos nem os
jogos de treino, é nos jogos a sério, porque aí conseguimos aferir as coisas
para conseguir evoluir a equipa. Nessa altura tive alguma dificuldade em
fazer evoluir a equipa porque não tinha referências da competição. Sem
isso, e com paragens de semanas, é difícil.
Mesmo com jogos particulares?
Não servem de aferidor, só o mínimo. A natureza competitiva é diferente,
porque o jogador aí joga sempre nos limites, enquanto nos jogos de treino,
também dependendo do adversário e do resultado, as coisas alteram-se
com muita facilidade. Se compararmos então com Inglaterra,
particularmente no Championship [2ª Divisão]... Lembro-me
perfeitamente de ter começado a jogar a 5 de agosto e no final do mês já
tinha sete jogos. Sete jogos. Já íamos na 7ª jornada em agosto.
Isso também não é um exagero? Ficas sem tempo para treinar, só
recuperas.
Pode ser, mas é uma prova de fogo. Aí é que se vê a importância da pré-
época, num campeonato que tem uma densidade competitiva muito
grande. É muito importante sob a perspetiva de ganhares fundamentos
táticos para a competição. Porque depois de entrares na competição... Se
eventualmente pensasse que ia retificar coisas do ponto de vista tático nas
paragens, chegava ali e não tinha hipóteses, porque tinha seis ou sete
jogadores que iam para as seleções, são os jogadores que normalmente
jogam, que são a base da equipa. Portanto, a base tática que tens de
adquirir logo na pré-época, muito mais do que a base física, é o que te vai
servir de suporte para uma época que nunca mais para, em que há jogos de
três em três dias. É um desafio para um treinador, estamos sempre nos
limites. O Championship deve ser a competição mais dura do mundo.
Falaste-me inicialmente da Premier League mas estou aqui a meter o
Championship porque é uma competição que na minha perspetiva é mais
aliciante, sob o ponto de vista da operacionalidade, para um treinador, até
pela heterogeneidade dos competidores.
Por exemplo?
Por exemplo, jogámos num sábado no Newcastle, fomos lá ganhar 1-0 e
fizemos um jogo brilhante, e na terça-feira recebemos o Rotherham, que ia
em último, que joga um jogo direto, muito físico, e ganhámos com um
golo aos 94 minutos. Ou seja, foi muito mais difícil do que contra o
Newcastle. E preparar uma equipa dentro desta heterogeneidade e ter de
jogar para ganhar os jogos todos, com a densidade competitiva de jogar de
três em três dias, é um desafio para rangers, para comandos, sempre disse
que aquilo não é para meninos. Depois passado um ano - passei dois anos
e meio no Championship - sais de lá muito mais treinador, muito mais
competente, porque tens de estar com os sentidos sempre apurados. Isto
fez parte da minha evolução recente, porque terminas um jogo e vamos
jogar, sei lá, a Londres, e depois estamos a voltar no autocarro ou no
comboio e já estamos com a análise do próximo jogo, de sábado para
terça-feira, o que não nos permite sequer um momento de descanso. Estás
permanentemente em cima do jogo e tu sabes que isto tremendo, porque
um jogo é um desgaste muito grande para um treinador. Aprendes a ter de
gerir isto, a ter de entrar logo no jogo seguinte, a reformular, a não perder
a tua identidade, mas a perceber que o Newcastle te obrigou a jogar numa
perspetiva de o desmontar com um determinado tipo de jogo e a ter de
condicioná-lo de uma forma quando perdes a bola e, passados três dias,
com a mesma base e com os mesmos jogadores, vais enfrentar um
adversário que também tem de ser desmontado mas com problemas
completamente opostos, porque vai jogar direto e procurar segundas bolas
e sob o ponto de vista físico é muito mais forte. Tens de ter a astúcia de
pensar nisto tudo e reformular estratégias. Foi isso que me levou cada vez
mais a pensar que se calhar os sistemas de jogo, aquilo que definimos
como 4-4-2, 4-3-3, na minha opinião, são castradores, porque muitas vezes
é o próprio sistema que castra as dinâmicas das equipas. Hoje chego a essa
conclusão. É a mesma coisa que digo relativamente aos objetivos. Muitas
vezes define-se um determinado tipo de objetivo, mas os objetivos muitas
vezes são castradores, ao contrário do que muita gente pensa.
Porquê?
Por exemplo, nós, no Championship: defines chegar aoplay-off. Mas
imagina que o andamento da competição, com cada jogo que vais vivendo
e vais ganhando, se calhar chegas ao final da época e dizes assim: se não
jogássemos com esta ideia de fundo de chegar ao play-off e tivéssemos a
liberdade de em cada jogo fazermos o jogo da nossa vida, se calhar
podíamos ter subido diretamente à Premier League. No fundo, este
objetivo acabou por ser castrador para a equipa. E eu hoje entendo que não
devo castrar. Não castrei a equipa do Rio Ave. O que disse sempre, e já o
fiz anteriormente, é que nós temos o dever, seja com que adversário for,
seja onde for, lutar pelos três pontos e conseguirmos ser melhores do que
os adversários. Se conseguirmos fazer isto em cada jogo, vamos atingir, no
final da época, o nosso limite. Logo se verá qual é o nosso limite. No caso
do Rio Ave foi o 5º lugar, poderia ter sido o 4º, poderia ter sido o 3º,
poderia ter sido o 7º ou o 8º.
FERNANDO VELUDO
E agora, no Braga?
Vai ser exatamente a mesma coisa. Não quero castrar a equipa com
objetivos. O que quero é uma equipa que seja capaz de olhar olhos nos
olhos para qualquer adversário, em qualquer estádio, para vencer o jogo,
partindo do pressuposto que o jogo mais importante é o primeiro. E a
seguir será o segundo e haverá Liga Europa e haverá outras competições, e
tentaremos ir o mais longe possível em todas.
O que pediu o presidente António Salvador?
Disse-me exatamente isto. O lugar do Braga tem sido nos quatro primeiros
lugares e temos de fazer o nosso campeonato o melhor possível para
chegar o mais à frente possível.
Relativamente ao que disseste sobre os sistemas serem castradores, e
de não treinares assim, o que é algo disruptivo...
[interrompe] É disruptivo.
Quando é que começas a pensar que a operacionalização da tua forma
de jogar não necessita de um sistema como base?
Isto já vem de reflexões anteriores. Quero frisar isto: não estou a dizer que
somos piores ou melhores do que ninguém, atenção. Há muitas formas de
preparar uma equipa, não estamos agora a dizer que descobrimos a
pólvora. Não é isso. A realidade é esta: comecei a treinar com 32 anos e
transgredi completamente. Esta é a realidade. Na altura fui um transgressor
ao método tradicional de treino e os meus jogadores são testemunhas
disso. Comecei a treinar no Espinho de uma forma que nunca tinha
treinado nem tinha visto ninguém treinar assim. Na altura ouvia falar do
Eriksson, que tinha trazido métodos diferentes para o Benfica, mas não
fazia ideia nenhuma de quais eram esses métodos. Tinha a minha vivência
prática e a minha formação com alguém de quem tenho o prazer de ser
amigo, o professor Vítor Frade, que me abriu horizontes relativamente a
muitas coisas, e outras fui construindo por mim. Estamos a falar... Já tenho
54, tinha 32, é só fazer contas [risos]. Já foi há muitos anos.
Nunca treinaste assim enquanto jogador?
Nada, absolutamente. Nunca vivi nada daquilo. Nem vi, sequer. Quando
começo a treinar, elaboro a forma como queria que a equipa jogasse e a
partir dali começo a operacionalizar as minhas ideias dentro do campo
desde o primeiro dia. Foi estranho para os jogadores, sem dúvida. Tive a
felicidade de, na altura, de lidar com pessoas com uma cultura avançada,
que não me questionaram.
Nem sobre a forma física?
Chegaram se calhar a fazer uma ou outra pergunta: "Então e a mata? Não
há corridas?" Preparámos a equipa para jogar e os resultados foram
ajudando, mas evidentemente quando se perde um jogo ou outro há
sempre algum questionamento, mas sempre tudo com muita elevação,
aliás, o Espinho tinha uma escola de dirigentes muito grande, com muita
elevação. Consegui pôr em prática as minhas ideias e os jogadores
absorveram isso muito bem. Isso também aconteceu em Inglaterra. Tive a
ajuda de ter alguns jogadores portugueses lá, o Semedo... E havia um ou
outro jogador que já tinha tido um treinador mais europeu, principalmente
o capitão, o Gleen Loovens, e o Barry Bannan. Mas para a maioria dos
britânicos no Sheffield Wednesday a nossa forma de treinar também foi
uma surpresa. Não foi fácil, no início. Mas, quando começaram a perceber,
principalmente pela qualidade de jogo, porque no primeiro ano o Sheffield
Wednesday foi a equipa que melhor jogou no Championship, isto foi
unânime. No segundo ano nem tanto, também tivemos algumas lesões e o
fator surpresa condicionou-nos, as equipas aí já jogaram mais fechadas.
Mas esse primeiro ano, no fundo, não foi uma transgressão, porque nessa
altura já havia muita experiência como treinador, mas houve algum choque
cultural que foi ultrapassado.
És flexível caso os jogadores te peçam para dar umas corridas, por
exemplo?
Sempre. Chamo isso o treino do melhoral: nem faz bem nem faz mal
[risos]. Quero é que os jogadores façam esse trabalho extra em
consonância com os dias da minha matriz de treino. Imagina, temos jogo
domingo e domingo. Se um jogador quer, na quarta-feira, fazer aberturas
de 60 metros, não permito. Mas permito que faça acelerações e
desacelerações em espaços muito curtos. Se ele na quinta-feira quiser fazer
umas aberturas, permito. Só tem de respeitar a matriz. Daí eu ser algo
crítico em relação aos personal trainers dos jogadores, precisamente por
esta dessincronização, que depois pode ser grave, porque pode provocar
lesões musculares nos jogadores. Dou essa abertura porque acima de tudo
quero que os meus jogadores estejam bem da cabeça para chegar ao jogo e
jogar.
Sempre deixaste que fizessem isso ou foste aprendendo a
compreender?
Posso dizer que sempre fui deixando, se calhar com exceção da Grécia,
quando ainda era um passarinho, um treinador jovem, que não conhecia
bem a mentalidade, se calhar cometi ali alguns erros. Mas aprendi
rapidamente e já chego ao Besiktas completamente diferente.
Por exemplo?
Não tive tempo para conhecer a cultura grega, a forma como eles olhavam
para o jogo e para o treino. Era uma cultura muito virada para o ginásio e
para o trabalho físico, e chegar um treinador e fechar o ginásio e levar a
chave para casa e eles andarem a bater com a cabeça na parede... [risos]. O
não trabalhar o lado físico mais puro foi um choque muito grande para
eles. Entraria hoje muito mais devagar. Por isso é que eu digo que é o
melhoral: hoje em dia temos ferramentas acessórias que são importantes,
como o GPS, e quando tenho um jogador que diz que quer fazer umas
aberturas de 60 metros, às vezes até me dá vontade de rir, porque esse
mesmo jogador fez 30 a 40 corridas de 60 metros no próprio treino, em
situações de jogo. Mas aquelas três ou quatro que ele quer fazer sozinho
fazem bem à cabeça, porque ele tem necessidade de fazer, é a cabeça a
pedir e nós temos de respeitar esse histórico. É o que eu digo: eu quero é
que os meus jogadores estejam bem da cabeça. Se no início da época tenho
uns 10 crentes nisso, se calhar no final da época já só tenho um ou dois
crentes.
FERNANDO VELUDO
Voltando atrás: como surgiu afinal o treinar sobre conceitos e não
sobre sistemas?
Sim, eu estava a historiar isto, por causa da transgressão. Tinha vindo a
falar com os meus adjuntos sobre isso, com o Bruno [Lage], com o Luís
[Nascimento], mas fundamentalmente com o João Mário, que é o meu
braço direito e a pessoa com quem eu mais falo sobre estas coisas: "Ó
João, eu acho que isto é castrador, nós temos de preparar as coisas de
forma diferente." Não só o ir ao encontro das potencialidades do jogador,
mas é procurar uma dinâmica que perceba que o jogo tem adversários
dentro do campo e os jogadores estão com determinado tipo de
posicionamentos, e a nossa ideia, desde sempre, contra qualquer
adversário, é sempre esta: como é que vamos desbloquear o adversário?
Mesmo jogando contra o Manchester City, contra o Liverpool, contra o
Arsenal. Ganhámos ao Arsenal e ao Liverpool e perdemos com o City e
com o United. Mas a intenção é sempre essa. O adversário depois pode é
não permitir que consigamos isso, pela sua valia, isso é outra coisa. Nós
olhamos para o campo, para o tabuleiro, é a forma como nós olhamos hoje
para o jogo, e vemos jogadores da equipa adversária e procuramos com
bola tentar fazer uma saída limpa desde trás, para chegar à baliza. Eu
consigo hoje ver o futebol sem olhar para os jogadores dentro de um
sistema, mas dentro de uma dinâmica onde identificamos as falências do
adversário, relativamente a determinados espaços, ou onde nós podemos
criar a abertura de determinado tipo de espaços, até em função das
características dos adversários.
Por exemplo?
Um central que faz com facilidade encurtamentos [no avançado
adversário] e abandona a posição e abandona o espaço, ou então um
central que funciona em recuo permanente e vai abrir o espaço à frente
dele, ou um lateral que fecha mal o espaço interior, ou uma equipa que só
tem um pivô e liberta os espaços à esquerda e à direita dele, ou uma equipa
que joga com duplo pivô com um jogador à frente, e há espaço à direita e à
esquerda dele, ou os avançados da equipa adversária que pressionam à
frente e somos nós que temos de saber como criar o espaço, ou uma equipa
que não tem capacidade de pressão à frente, então os espaços já estão
conseguidos por natureza... Hoje em dia nós vemos o jogo assim e isto não
tem muito a ver com o sistema, tem a ver com os espaços que se libertam e
com os espaços que nós vamos criar. Depois tem a ver com a forma como
vamos atacar os espaços e como é que vamos criar as dinâmicas. E no
meio de tudo isto há uma coisa que é fundamental, que eu acho que é a
pedra filosofal de qualquer treinador: é conseguir que tenhamos dentro do
campo 11 jogadores a olhar uns para os outros. Isto é o mais difícil, é
conseguir que os jogadores estejam a olhar uns para os outros, a jogar em
interdependência. Só assim é que nós conseguimos funcionar para
aproveitar os espaços, criar roturas no adversário, entrar por dentro das
equipas adversárias... Penso que sabes que houve uma análise, acho que
da Goalpoint, que disse nós éramos a sexta equipa na Europa que fazia
mais passes verticais e isso tem muito a ver com isto que te estou a
explicar, e com a dinâmica que nós criamos no treino. O que dizia a
análise é que somos uma equipa de posse, mas dentro da posse fazemos
muitos passes verticais para entrar dentro da equipa adversária. É
exatamente isto, é provocar espaços, para entrar dentro, para ir para fora,
para tornar a vir para trás, para tornar a entrar dentro, para ir por fora, para
criar roturas... Andamos permanentemente a tentar fazer isto ao adversário,
a puxá-lo, a levá-lo para fora, se ele fecha fora, a entrar para dentro, se
fecha dentro, vamos para fora, se abre atrás, exploramos as costas...
Pronto, começamos a perceber que o jogo se calhar faz muito mais sentido
assim e isto é uma rotura na nossa própria visão sobre o jogo, sem dúvida.
Foi por isso que vieste para o Rio Ave?
Nós tínhamos alguma certeza de que isto iria funcionar e daí também a
nossa opção pelo Rio Ave. Obviamente pelo próprio Rio Ave, que
sabíamos que tinha uma estrutura calma, com o presidente António
Campos, que é sem dúvida um grande presidente, com pessoas à volta que
também percebem de futebol. É uma estrutura leve mas que suporta muito
esta situação, sem grande pressão. Entendemos que o Rio Ave seria o sítio
ideal para a rotura da forma de preparar a equipa. Essa proposta foi
lançada aos jogadores logo de início, foi uma proposta ousadíssima. No
início, por não haver muitos jogos e pela proposta ser muito ousada houve
alguma dificuldade, porque o Rio Ave à 7ª ou 8ª jornada andava ali no
meio da tabela.
Como reagiram os jogadores?
Ter um capitão de equipa como o Tarantini é um privilégio, porque tem
sentido crítico. Recordo-me perfeitamente que ele um dia veio ter comigo:
"Ó mister, você não acha que isto é uma proposta de jogo demasiado
ousada para o nível do Rio Ave? Você veja lá, pá. Estou a ver malta com
algumas dificuldades..."
FERNANDO VELUDO
Dá-me um exemplo. A equipa está a iniciar a construção por
trás e onde é que está o estímulo para decidir de que forma
vão construir? Se a dois, a três, se vem um médio, um lateral...
Sim. Nós vamos para um jogo e vemos que, pelas nossas análises,
o adversário não tem capacidade de pressão. E nós normalmente
até saímos a três a jogar...
Aí saem a dois?
Vamos sair a dois. E depois os jogadores criam dinâmicas... Mas
as dinâmicas podem ser bloqueadas, certo? Vamos sair a dois,
mas bloqueiam-nos as saídas. Então os jogadores percebem que a
saída está bloqueada e aparece o terceiro homem. Mas o terceiro
homem não tem de ser necessariamente o mesmo. Porque muitas
vezes se sais sempre com o mesmo, os adversários - nós temos
excelentes treinadores em Portugal, que fazem isto muito bem -
bloqueiam-te a saída do terceiro homem. Mas se a saída do
terceiro homem estiver bloqueada, pode haver um outro terceiro
homem, não tem de ser necessariamente aquele. Podes dar
alternância a isto. Agora, os jogadores têm é de estar muito bem
posicionados. Lá está, é a capacidade de conseguirem olhar uns
para os outros. Porque se tu jogas com dois médios e se tiras um
médio da linha média para vir atrás construir, ficas só com um
médio. Mas tens dois interiores, certo? Esses dois passam a ser o
médio. E se isto acontecer e já tiveres o lateral a atirar-se em
profundidade, então tens um ala que não pode estar no corredor,
tem de vir para o espaço interior - têm de olhar uns para os outros.
Então o espaço que era ocupado pelo interior, que passou a ser
médio, é ocupado pelo ala que veio para dentro. Agora, tens é de
operacionalizar isto, certo? É o mais difícil [risos]. Agora, não tem
necessariamente de ser com um sistema nem tem de ser sempre
com os mesmos. Têm é de olhar uns para os outros e nós temos
de criar exercícios para que isto aconteça. Se um vem, quem é que
vem, quem é que vai. Os espaços têm de estar ocupados, porque
se tu rodas à esquerda e se o teu interior direito não te baixa, a
bola não roda para a direita, vai bloquear o jogo ali. É perceber isto.
Lá está, tens de ter capacidade de pôr os jogadores a pensar sobre
isto e de ter exercícios que possam ter isto. É um pensar até mais
de intuição, porque quando colocamos um jogador a parar para
pensar, esta fração de segundo já serve para perdertimings que
são necessários. Portanto isto entra no domínio já do
subconsciente, na dinâmica dos exercícios, no estarmos ligados
uns aos outros. Uma das situações que me ocorreu... Nós fomos
jogar ao Manchester City, com o Swansea, e eu, na brincadeira,
disse para o João Mário, o meu adjunto: "Ó João, f... conseguimos
aguentar cinco minutos sem estar a perder" [risos]. E começámos a
rir os dois. Ao sexto minuto, há uma bola larga do lateral direito que
se mete para dentro, e o De Bruyne, que era o interior direito,
estava aberto na esquerda, depois faz um passe interior e resulta
dali um golo. Lá está... Até pedi o iPad para ver aquilo. Comecei a
olhar para aquilo e vejo que fizeram uma superioridade numérica
de quatro contra três no lado esquerdo. "Mas este gajo é interior
direito e aparece-me ali no corredor esquerdo?" Isto deixa-nos a
refletir. Não é o nosso caso, porque não colocamos o nosso interior
direito na esquerda, não fazemos isso. Mas esta situação de tu
lidares com a imprevisibilidade do adversário, com a qual não estás
a contar, desmonta-te.
Por exemplo?
Um exemplo concreto: fomos jogar ao Boavista. A intencionalidade
era sair a jogar a três. O que é que nós queríamos? Queríamos
que os jogadores do Boavista se referenciassem por nós, de forma
mais individualizada. Quando eles fizessem isso, o que é que nós
íamos fazer? A partir de determinada altura, ali pelos cinco
minutos, nós íamos abandonar a linha de três e íamos começar a
jogar a dois, atirando o nosso lateral esquerdo em profundidade.
Para quê? Para confundir, em função do relacionamento individual
que os jogadores tinham connosco. Desestruturávamos o
adversário pela surpresa da dinâmica diferente que queria colocar.
Mas disse aos jogadores: "Se sairmos a jogar a três e se
eventualmente estivermos por cima do jogo, não alterem para dois,
deixem estar." Porque estaríamos a construir algo de positivo e não
haveria essa necessidade. Mas se eles se referenciassem e
bloqueassem o nosso jogo, aí sim, começávamos a arranjar
alternância. O que é que aconteceu no jogo? Nós saímos a três, os
jogadores do Boavista referenciaram-se, mas não fizeram pressão
sobre os nossos três defesas como estávamos à espera. Então,
estávamos com bola, estávamos confortáveis e eu não disse nada
para dentro do campo. Os jogadores sentiram-se bem e não
alteraram nada. Se eventualmente o jogo fosse bloqueado, eu não
tinha de dizer nada, os jogadores estavam preparados para alterar
dinâmicas a partir de trás, para sair.
Mas tens dinâmicas que são padrão contra qualquer
adversário, certo? Os alas receberem por dentro na
construção ou prepararem-se para receber segunda bola
quando há lançamento aéreo para o avançado, por exemplo?
Sim, mas isso já são sub-dinâmicas. São situações que nós até
nos aquecimentos aproveitamos para fazer. A busca do terceiro
homem, por exemplo, ou o aclaramento de jogadores pelas
costas... Já são sub-dinâmicas que são treinadas, é a natureza do
teu jogo. Estruturalmente nós temos um padrão que nos define.
Agora, o jogo é feito de espaços e tu queres desestruturar as
equipas adversárias, por isso tens de aproveitar os espaços ou
criar os espaços. Nós jogamos com isso, essencialmente. E não
perdemos posição, atenção. Porque isto poderia ser feito de uma
forma caótica. Como o De Bruyne aparecer aberto na esquerda.
Nós não temos muito isso, procuramos que os jogadores
mantenham o sentido posicional, com o jogo a ter largura e
profundidade suficientes, e dinâmica suficiente para chamar
jogadores e libertar outros.
Por exemplo, contra o Sporting, esses movimentos de apoio e
aclaramento deram em jogadas de golo.
E porquê? Porque o sentido era puxar jogadores do Sporting para
nos virem pressionar, tentar fazer movimentos verticais para apoio,
para libertar os nossos jogadores que têm características para
aproveitar o espaço, nomeadamente o Mehdi [Taremi], que caía,
naquele jogo, fundamentalmente para a esquerda. E nós, para
libertarmos o Mehdi, tínhamos de chamar a atenção do lateral
direito, para ele estar condicionado. Lá está, é a tal situação dos
espaços. O nosso ala podia estar eventualmente em profundidade,
mas queríamos que viesse em apoio para libertar o espaço, para
deixar o Taremi em situação de um contra um contra o central
direito do Sporting. Aí, com uma defesa subida, sabendo que o
Mehdi é muito rápido, a bola podia entrar nas costas. É mais uma
situação de aproveitamento dos espaços que o adversário deixa,
mas tens de saber criá-los. Se o nosso ala estivesse em
profundidade, então o defesa direito adversário estava em
coordenação mais fácil com o central. Como tu puxas o adversário,
neste caso em função do posicionamento do Nuno Santos, para
mais baixo, das duas umas: ou o lateral acompanha para
pressionar, ou não acompanha e o Nuno recebe a bola no pé.
Também podia acontecer o ala vir dentro, tocar no médio e ser ele
a lançar o Mehdi, porque o Sporting na altura tinha as linhas
subidas. Lá está, isto não tem nada a ver com o sistema, tem a ver
com o puxar jogadores e libertar jogadores para outras coisas.
A questão é que, habitualmente, tendo um sistema como base,
os jogadores já sabem onde têm os colegas. Assim, como
fazem?
Essa é uma boa questão. O jogador está sempre lá: pode é não
estar o Manel e estar o Joaquim. Mas está sempre lá um jogador,
daí eu dizer-te que nós mantemos a identidade. "Ah eu não sei se
o Manel está lá". Pois não, mas se o Manel não estiver, está lá o
Joaquim. Garanto-te a ti. E se o Joaquim está no posicionamento
do Francisco, estará o António no posicionamento dele. Volto a
dizer: não estamos aqui a vender que somos a melhor equipa do
mundo. Temos as nossas ideias e a nossa personalidade, e temos
inteligência suficiente para perceber que o jogo está sempre em
evolução e temos de evoluir. Se pararmos no tempo, ficamos iguais
aos outros e nós não queremos ser iguais aos outros, queremos
ser diferenciados. Foi um risco, foi novo, mas tínhamos convicção
de que isto iria ser bem sucedido. Independentemente de
conseguirmos chegar à Europa. Porque o que eu sei é que nós
ainda não tínhamos conseguido chegar à Europa e já havia muita
gente de fora a querer comprar, entre aspas, o conceito do jogo do
Rio Ave e isso para mim foi uma satisfação muito grande. Foi a
forma de jogar do Rio Ave que começou a ser vista e houve
conversações e convites, e aquilo que nos disseram foi que isso
não teve a ver com a classificação: "Nós gostámos muito da forma
de jogar da sua equipa e gostávamos que a nossa equipa jogasse
como o Rio Ave joga".
Relativamente ao que disseste sobre as características
individuais dos jogadores, se tiveres, por exemplo, alas que
têm dificuldade em jogar por dentro, entre linhas, e enquadrar
naquele espaço, como fazes?
Boa pergunta também. Estás a fazer boas perguntas hoje [risos].
Se analisares a evolução do Rio Ave, vais ver o Nuno Santos a
jogar na direita, a vir para dentro, na esquerda, a vir para dentro, e
depois vai chegar uma altura em que vês o Nuno Santos aberto na
esquerda. Encontrámos o espaço do Nuno, ou o Nuno encontrou o
seu espaço, dentro da nossa forma de jogar. Passou a jogar no
lugar em que estava mais confortável e nada melhor para um
jogador do que jogar no sítio e nos espaços em que se sente mais
confortável. Nós levaríamos anos a pôr o Nuno Santos a ser um
bom jogador no espaço interior. Mas conseguimos, num ano,
potencializar o Nuno Santos a jogar por fora a um nível
elevadíssimo. Por exemplo, muitas vezes há a ideia de conseguir
fazer com que um jogador que não é rápido, fazendo muitos treinos
de velocidade, melhore. Ele vai melhorar 0,5% em dois anos de
trabalho, ou 1%, para ser otimista. Muitas vezes um jogador tem na
sua natureza um determinado tipo de características, nas quais ele
pode ser muitíssimo bom, e se nós o metemos a jogar onde ele
está desconfortável, nunca será um bom jogador. Esse é um bom
exemplo. O Nuno teve essa passagem e rapidamente acabou por
jogar no sítio onde acho que ele é diferenciado, que é no corredor
esquerdo.
CARLOS RODRIGUES/GETTY
Por falar no Nuno Santos, penso que foi ele contra o Sporting
de Braga e o Diogo Figueiras contra o FC Porto a descerem
para formar uma linha de cinco a defender. Porquê?
Olha, nesse jogo com o FC Porto não jogou o Diego, que
normalmente era o nosso interior esquerdo, e em função disso
jogou o Pedro Amaral, salvo erro, a lateral esquerdo, e o Nuno a
interior esquerdo. E o que é que nós fizemos: jogou o Figueiras,
sim, a fazer o corredor direito, mas o Figueiras tinha dois
momentos distintos. Havia o momento em que o FC Porto estava
com a bola no guarda-redes ou na linha defensiva, em que o
Figueiras avançava para jogar como ala, para tentarmos
condicionar o FC Porto. Mas se o FC Porto tivesse a capacidade,
como teve, várias vezes, de conseguir passar esta primeira linha
de pressão, o Figueiras adotava outro comportamento, que era vir
para a linha defensiva, fazendo uma linha de cinco.
E porquê?
Porque entendemos que jogar com três atrás, naquele jogo... E
fizemos uma alteração estratégica, o que não é muito comum, mas
jogámos com o Toni [Borek] a central do lado esquerdo, ele
normalmente joga na direita. Porque o posicionamento do Marega
era pela esquerda e ele é extremamente rápido a criar
desequilíbrios, por isso o Toni, que é um central rápido, jogou pela
esquerda. Foi bastante eficiente no que tinha de fazer. Depois o
Marega até foi para o outro lado, mas ele do outro lado não é tão
perigoso como a jogar na direita. Entendemos que era importante
ter a linha de cinco a defender e a atacar, nesse jogo,
fundamentalmente a atacar, para desestrurar o FC Porto. Mas
percebemos que poderíamos jogar demasiado baixos se muito
rapidamente viéssemos para a linha de cinco. Se fizéssemos a
linha de cinco a qualquer momento, o FC Porto ia instalar-se no
meio-campo ofensivo e a intenção não era essa, era manter a
matriz. Por isso é que adiantámos o Figueiras e ficávamos com três
jogadores na linha ofensiva, como gostamos de estar, e com mais
três médios, e instalávamos no meio-campo adversário para tentar
condicionar a primeira fase deles o máximo possível, sustendo ali o
adversário o máximo possível. Mas também é importante notar isto:
tens a capacidade de ser altamente pressionante e passado dez
segundos sabes defender em bloco médio/baixo e tens uma
eficiência muito grande a fazê-lo. Da mesma forma que o Figueiras
pressionava, se passassem a linha de pressão, baixávamos as
linhas e ficávamos juntos e difíceis de sermos batidos, dez
segundos depois. Agora as respostas ao ganho de bola também
são completamente distintas.
Dependendo da zona do campo?
Uma coisa é ganhares bola perto da baliza adversária e teres
ações de acordo com isso, mas não é por seres uma equipa de
posse que cada vez que ganhas uma bola e estás no teu meio-
campo defensivo és obrigado a fazer um passe para trás, para os
centrais, e sair limpinho a jogar, etc. Não. Por isso é que digo que
queremos ser uma equipa completa. Podemos ser uma equipa de
posse e gostar de ter a bola, mas se as circunstâncias do jogo nos
obrigaram a jogar em baixo, temos de ser fortes a transitar, porque
temos espaço e jogadores para transitar ofensivamente, portanto
vamos aproveitá-lo. Como é que se treina isto? Dá muito trabalho
[risos]. No fundo, é fazer, no treino, e pôr os jogadores a pensar e a
pressionar num bloco médio, a baixar... Volto a dizê-lo: é a
simplicidade de ter os jogadores todos a olharem uns para os
outros.
Mas tens de treinar tudo: formas de entrar em blocos baixos,
como atacar a profundidade...
Sim. Nós dividimos as coisas assim, já o fazemos há muitos anos:
tenho um treinador focado na organização defensiva, que é o João
Mário, depois o Sérgio [Ferreira] está mais vocacionado para a
dinâmica ofensiva, o João Mário mais para as transições
defensivas e o Sérgio mais para as transições ofensivas. O [João]
Meireles fica na parte inicial que, como já te disse, dá para
perceber que está conectada com a nossa forma de jogar, porque
nos aquecimentos já há alguns indicadores de sub-dinâmicas.
Assim como o treinador de guarda-redes está intimamente ligado
com o nosso processo defensivo. Só para te dar um exemplo desta
ligação: nesse jogo que referiste, do FC Porto, sabes quanto é que
correu o Pawel Kieszek, o nosso guarda-redes? Normalmente os
defesas correm nove ou 10 quilómetros...
Cinco quilómetros?
Correu 7.7 quilómetros. E não correu a defender, correu a dar
linhas de passe, porque precisámos dele a fazer isso no jogo,
correu a tirar profundidade... Corre sempre muito precisamente
porque também está a jogar. Isto é um trabalho... Chegar, fazer 55
pontos numa equipa como o Rio Ave - que tinha o máximo de 51 -,
atingir a Europa e num ano muito difícil, porque normalmente os 51
chegam para atingir a Europa, jogar ao nível que nós jogámos: isto
só é possível se tiveres bons jogadores, obviamente,
comprometidos, e se tiveres uma ideia evoluída para lá chegar, se
não não tens hipótese. E estabilidade do clube em si, que também
é extremamente importante. Tudo isto levou-nos à melhor época de
sempre do Rio Ave.
Relativamente aos adjuntos, já tiveste contigo muitos
treinadores que agora são treinadores principais.
Tem havido ao longo dos tempos, penso que é normal, alguns
jovens que pedem para observar os treinos. O Bruno Lage e o
Renato Paiva, quando eu estava no Vitória de Setúbal, assistiram
praticamente a todos os treinos da época e quando fui para o
Belenenses também. Isso tem sido recorrente. Já tive o Miguel
Cardoso como adjunto, fui buscá-lo a formação do FC Porto,
também tive o Miguel Leal, depois o Bruno, o Luís Nascimento,
agora o Sérgio... A ideia é sempre ir buscar jovens com talento,
que possam acrescentar à equipa técnica e que ao mesmo tempo
que aprendem venham com espírito crítico, porque trabalhar na
formação é necessariamente diferente de trabalhar no futebol
profissional. O que procuramos fazer é tentar puxar por jovens com
talento e dar-lhes a possibilidade de perceberem como agimos e
interagimos com os jogadores. Percebo que eles trazem coisas
mas também levam muitas coisas e, ao fim de um determinado
ciclo, porque esse é o compromisso, estão com liberdade total para
poderem treinar e seguir uma carreia a solo. Beneficiamos todos e
tenho sabido escolher, porque o critério é muito apertado: o critério
número um é a competência e temos tido pessoas competentes a
acompanhar-nos.
MÁRIO CRUZ
Se eu agora quiser antecipar como é que o Braga vai jogar, o
que é que posso dizer?
O Braga vai jogar com os mesmos fundamentos que tivemos, a
fazer evoluir o que nós começámos. Nós, no Rio Ave, começámos.
Tivemos uma experiência muito grande no passado, mesmo em
competições internacionais, no Besiktas, no Sporting, no Braga...
Sentes-te um treinador muito diferente?
Sim, hoje sinto-me um treinador completamente diferente. A
situação do Sporting e do Besiktas foram importantes sob o ponto
de vista da capacidade de resiliência. Vivi situações nos dois
clubes que fizeram de mim um treinador hiper resistente. Não falo
sobre o ponto de vista tático, estratégico, da preparação da equipa,
nessa altura ainda estávamos em evolução e demos respostas ao
que nos pediram. Creio que o Sporting praticou um grande futebol
a determinada altura, com problemas dentro, mas tenho a
convicção que praticámos um grande futebol e precisámos ali de
um ou outro ajustamento que não foi possível, mas tínhamos uma
equipa boa. O meu Besiktas jogava muitíssimo bem, as pessoas
ainda hoje falam disso, fizemos um trajeto espetacular,
principalmente nas competições europeias. O Sheffield Wednesday
jogava muitíssimo bem, por isso é que ainda hoje tenho algum
crédito, modéstia à parte, em Inglaterra. Foi pela forma de jogar,
não só pela forma de abordagem nas aparições públicas [risos].
Mas há sem dúvida nenhuma aqui um momento, não vou dizer que
é um corte, porque não é, mas é um upgrade relativamente ao
passado recente, que foi agora no Rio Ave, que acho sinceramente
que nos atirou para outro nível. E agora queremos dar sequência a
isso.
FERNANDO VELUDO
Não achas que a tua imagem saiu prejudicada, principalmente
pela passagem pelo Sporting?
Não. Como é que eu vou dizer isto.... Tenho uma relação excelente
com muita gente importante, em muitas áreas. Mas as relações
que tenho são pessoais, têm a ver com a minha natureza. Sou uma
pessoa que não é fácil, neste sentido: estou num clube e se eu
entender que este jogador que eventualmente o clube quer
contratar não interessa, eu digo que não interessa. E sei que
muitas vezes dizer "aqui" que não interessa, depois vai prejudicar-
me "ali". Percebes? Era muito mais fácil para mim, se calhar, sim,
senhor, faz favor, está aqui a passadeira. Eu não faço isso, ajo em
consciência. Às ponho-me a refletir que eventualmente já merecia,
nos momentos em que tenho épocas excecionais, em que ninguém
fez o que foi feito, como Leixões, que vai à final da Taça de
Portugal, Vitória de Setúbal, que vence a Taça da Liga, e agora no
Rio Ave... Ainda agora no final desta época tive convites de vários
países. Mas nenhum veio de um empurrão que poderia ter vindo,
de pessoas que conheço e que me poderiam empurrar. Então eu
faço este trabalho, há análises a elogiar, há equipas estrangeiras a
vir falar comigo, pessoas entusiasmadas com a minha forma de
jogar, e aqui no meu país não tenho alguém que me dê um
empurrãozito aqui e ali, pá, como muitos colegas meus têm? Não
tem a ver com relacionamento, porque o meu relacionamento é
excelente com toda a gente, só que eu não sou uma pessoa
cómoda, percebes? Eu não faço fretes a ninguém. Não estou a
dizer que os outros fazem, mas eu não faço e isso tem prejudicado
a minha ascensão mais rápida. Mas prefiro assim, porque já treinei
na 3ª divisão em Portugal, na 2ª, na 1ª, levei equipas às
competições europeias, nunca lutei pelo título em Portugal porque
não pude, porque quando cheguei ao Sporting a equipa estava em
9º lugar. Treinei em condições estratosféricas no Besiktas, um dia
escrevo um livro sobre aquilo. Estava sozinho ali, com uma língua
diferente, com uma equipa técnica que era do treinador anterior,
que estava preso, e que depois veio da cadeia e queria ficar com a
equipa, mas os adeptos não deixam, ficou como diretor desportivo
mas a querer ser treinador... Foi uma coisa... Depois vou para o
Sheffield, reparam em mim e vou para o Swansea, venho para o
Rio Ave, talvez pela primeira vez, aqui em Portugal, numa situação
em que eu estava hiper confortável, em função do meu passado, e
venho agora para o Braga na mesma circunstância. Chego ao
Braga hiper confortável, muito bem comigo, já com estatuto, mas
nunca levei um catalisador, percebes? E eu deveria ter levado um
catalisador e deveria estar a treinar na Premier League um bom
clube, digo isto com toda a sinceridade, devia estar aí e não estou
porque não tenho catalisador. Mas eu vou chegar lá. Agora vou
fazer dois excelentes anos no Braga e depois volto para a Premier
League. Mas vou por mim, ninguém me vai ajudar. E digo isto com
uma ponta de orgulho, mas ao mesmo tempo sabendo que tenho
uma excelente relação com todos, presidentes, agentes e
jornalistas, mas de cordialidade. Agora, fazer favores, não faço. As
pessoas sabem disso. Mesmo os jornalistas amigos, que às vezes
me pedem uma informação: amizade é uma coisa, profissionalismo
é outra. Sei que vou ser penalizado amanhã e o que estou a dizer é
real, sei que vou ser penalizado. Se calhar uma pessoa menos
bem formada pensa: "Não me deste a informação e agora vou dar-
te aqui uma bicada". Já me aconteceu isto no passado. Faço o
meu trabalho e vou por mim. É como a equipa, é não colocar
limites. Até onde puder ir, é ir. Tem sido um trajeto sinuoso porque
nós gostamos de ir para onde nos querem.
Chegaste a dizer que para voltares a um grande precisavam de
te ir buscar pela mão...
Exatamente. Vim pela mão.
O presidente António Salvador foi a casa buscar-te pela mão?
Foi a casa buscar-me pela mão, metaforicamente, sim. Sem dúvida
alguma. Isso foi determinante para estar agora aqui no Sporting
Clube de Braga. O presidente disse: "Gostava muito que viesses,
és a nossa única opção". E mesmo que tivesse outra, não havia
problema, porque esta seria sempre a melhor, portanto para mim
dava-me igual se havia mais opções [risos]. Estou a brincar.
Também temos de ter a nossa autoestima. Não foi nenhum
empresário, com muito respeito. O presidente tem o meu número,
ligou-me: "Preciso de falar contigo, gostava que viesses treinar o
Sporting Clube de Braga". 90% já estava resolvido. Os 10% foram
os pormenores. No Rio Ave também foi assim, 90% foram pela
chamada do presidente António Campos e o Marco Aurélio é um
amigo de longa data. Para mim, é fundamental entrar num clube
assim.
Dizias que ainda não tiveste uma equipa para lutar por ser
campeão. Com os reforços que o Braga já anunciou, já tens
equipa para isso?
Eu percebo a pergunta e, aliás, vou levar com essa pergunta ao
longo do ano e ser metralhado com ela, mas vou responder sempre
da mesma forma.
Mas é o melhor plantel que já tiveste?
O Besiktas tinha um grande plantel, muito bom também, com
muitos internacionais. E o Sporting também, Moutinho, Veloso,
Liedson, Izmailov - craque... Vou responder-te dentro do que já
disse há pouco: não imponho limites mas também não balizo nada
a longo prazo. Temos de tentar perceber até onde podemos ir.
Agora, o que é certo é que perdemos o Trincão, que vai ser
realmente um jogador de eleição, e eventualmente estou preparado
para perder o Paulinho. Estes dois juntos devem ter feito 40 golos,
convém dizer isto. Vamos ter de colmatar. Mas isto não tira
ambição, estou apenas a descrever a realidade. Vamos tentar
ganhar os jogos todos, jogo a jogo, e ver até onde é que a equipa
pode chegar.
Pensando nessa falta de opções no ataque, pediste ao
presidente para o Taremi vir para o Braga?
Sim, sim, obviamente que sim. Se eu dissesse o contrário, as
pessoas iriam estranhar. Foi um jogador que fui buscar e apostei
nele.
Onde é que o viste?
Via muitas vezes a jogar, porque sigo o Carlos Queiroz, tenho
apreço e amizade por ele, o Irão, e o Mehdi jogava
fundamentalmente da esquerda para dentro. Era um jogador com
características muito boas. Depois vi-o numa viagem que fiz a
Doha, para ver a Aspire, porque havia uma possibilidade de
trabalhar lá e fiquei uma semana. Vi um jogo em que o Mehdi jogou
como avançado e gostei muito dele. Dele e de um guarda-redes
que estava na seleção do Irão. Tentámos os dois para o Rio Ave.
Demorámos quase um mês a convencer o Mehdi a vir para
Portugal. Falei com ele, pedi ajuda ao Carlos Queiroz, ele depois
entrou em contacto com o tradutor, que também deu uma grande
ajuda. Ele queria vir para a Europa, porque ele tinha uma proposta
da ex-equipa do Rui Faria, que era muito alta do ponto de vista
financeiro. Ele é uma pessoa diferenciada. Creio que ele está um
bocadinho para o futebol como eu: gosta do jogo, tem paixão pelo
jogo, não põe o dinheiro à frente, gosta de pessoas que o agarrem
pelo braço e que o tragam, e que o façam sentir. Conheço bem as
pessoas do Irão, são pessoas que falam muito do coração, dizem
muito: "És meu amigo do coração". E ele é realmente uma pessoa
de afetos. Gosta de se sentir desejado e acabou por aceitar vir
para um clube... Com muito respeito pelo Rio Ave, mas era um
jogador com um nível completamente diferente.
Acreditas que vai jogar no Braga?
O futuro não sei. Não o tenho prisioneiro a mim, obviamente. Se
gostava que ele viesse? Sim, muito. Se vier, muito bem,
acrescenta, se não vier, o Sporting Clube de Braga continua a ser
uma grande equipa.
O Gaitán também acrescenta?
Se vier, acrescenta, sim. Tive oportunidade de falar com ele, o que
é importante para perceber o que vai na cabeça do jogador, e vi um
jogador extremamente motivado, cheio de vontade. Conheço bem
o perfil dos jogadores que têm na casa dos 31, 32, 33 anos. Há três
tipos de combustíveis, não é no futebol, é na vida: pessoas que se
movem pelo dinheiro, pessoas que se movem pelo medo e
pessoas que se movem naturalmente, pelo orgulho que têm
naquilo que fazem, independentemente do medo ou de não haver
dinheiro, até para ordenados, e o Gaitán pareceu-me claramente
um jogador deste registo, de orgulho, tipicamente argentino. Estes
jogadores que são grandes jogadores, chegam à casa dos 30 anos
e querem prosseguir a carreira o máximo possível, porque gostam
de jogar e querem mostrar a toda a gente que continuam bem, e
têm até às vezes maior ambição do que miúdos de 18 e 19 anos.
Senti o Gaitán assim.
Foi opinião mais ou menos unânime em relação à época que
passou: tirando o Rio Ave e o Famalicão, talvez as equipas
que mais se destacaram, não houve grande qualidade de jogo
na Liga. Na próxima época, contigo no Braga, com o regresso
de Jorge Jesus ao Benfica e com a entrada de treinadores
jovens, como o Vasco Seabra e o Mário Silva, vês condições
para a Liga ser mais interessante?
Os bons treinadores são bem-vindos. Ainda esta semana estava a
falar com um amigo e pensámos nisto: imagina se 70% dos
treinadores portugueses regressassem a Portugal. Não havia
clubes para todos, obviamente [risos], mas considerando apenas
os melhores treinadores, assim como os melhores jogadores
portugueses que temos no estrangeiro: tínhamos uma Liga top.
Esta é que é a realidade. Ou seja, temos treinadores e temos
jogadores, temos dirigentes, temos bom jornalismo, de análise,
competente, mas tratamos mal o futebol. Nós tratamos muito mal o
futebol. Temos esta pecha, não sabemos valorizar aquilo que
temos de bom, numa indústria que exporta milhões de euros, como
se viu agora com o Trincão, e com o João Félix no ano passado.
São milhões de euros que colocamos no estrangeiro e às vezes
levamos isto de forma leviana. Relativamente à qualidade, os
treinadores são bem-vindos e o regresso de Jesus é bem-vindo,
porque é um excelente treinador, que vai trazer qualidade à Liga,
obviamente. E há também jovens treinadores que querem provar
que têm qualidade. Espero, aliás, tenho a certeza que a Liga para a
próxima época vai ser melhor. Realmente, o nível das equipas que
lutaram pelo título este ano não esteve no habitual. Vamos esperar
que todas as equipas possam produzir melhor futebol, com mais
qualidade, porque realmente não foi um bom ano. O Rio Ave e o
Famalicão, concordo, diferenciaram-se pela qualidade de jogo. O
FC Porto, pelo ganhar, porque também temos de olhar um pouco
para os recursos do treinador, porque gerir os recursos que temos
é uma forma inteligente de conseguir os objetivos. Mas, no geral, a
qualidade da Liga acabou por ser mediana e todos nós temos de
fazer melhor na próxima época
Universidade do Futebol
Até aí, provavelmente nenhuma novidade, já que esse tema vem sendo
profundamente discutido. Mas, mesmo procurando otimizar o tempo
disponível durante os treinos, a dificuldade de alguns jogadores para
“compreender” certos aspectos do jogo – e observando de forma particular
as dificuldades táticas de tantos brasileiros que jogam no exterior – me
fizeram refletir sobre formas “alternativas” para melhorar o entendimento
de certos conceitos táticos. Uma dessas alternativas seria encontrar
soluções para aproveitar o tempo fora do espaço normal de treinos,
criando condições favoráveis à capacidade dos jogadores de se
desenvolverem.
Diversos podem ser os fatores para que este tipo de estratégia não seja
eficaz. Por mais que se procure criar um ambiente receptivo a comentários
e participações, quando a análise é feita na frente de toda a equipe, às
vezes os jogadores estão mais preocupados em não “parecerem tolos”
diante dos companheiros do que desenvolverem conceitos. Muito
dificilmente um jogador dirá na frente dos outros que não compreendeu
uma explicação feita pelo treinador de como a jogada deveria ter sido
desenvolvida, já que isso reforçaria na frente do grupo sua incapacidade
de resolver uma determinada situação.
Em análises feitas individualmente não existe a pressão do grupo, mas,
mesmo assim, a necessidade de defender a própria autoestima
(Coopersmith, 1967) (Heatherton & Polivy, 1991) pode também desviar a
atenção no processo. Mais do que esses fatores, frequentemente os
jogadores não estão realmente desenvolvendo conceitos, somente
recebendo informações sobre erros cometidos ou acertos que tiveram em
situações específicas. Essa prática é com certeza útil, mas não ideal sob
um ponto de vista de desenvolvimento.
Mais eficaz do que receber análises vindas dos treinadores ou ter que
responder prontamente a perguntas, seria interessante os jogadores
desenvolverem as próprias capacidades de análise e criarem respostas
nas quais acreditaram plenamente, já que eles mesmos as desenvolveram
e, consequentemente, serão transferidas para dentro dos gramados.
Vamos ilustrar com um exemplo prático: sua equipe tem um atacante que,
apesar de habilidoso, tem dificuldades de movimentação sem bola. Vamos
supor que sua equipe não é profissional e você, treinador, não tem a
possibilidade de simplesmente obrigá-lo a fazer análises de jogos. Até
porque, mesmo que essa seja uma opção, os ganhos serão maiores se o
jogador estiver motivado a realizar esse tipo de trabalho.
Quando o treinador, baseado nas análises feitas pelo atleta, acreditar que
ele tem ou adquiriu conhecimentos suficientes para analisar seu próprio
desempenho, ele poderá começar esse processo. É importante relembrar
que analisar o desempenho do seu atleta é uma tarefa mais delicada, já
que a autoestima do jogador estará em questão. Uma estratégia
frequentemente eficaz para a elaboração desse tipo de análise é pedir ao
atleta que, baseado nos conceitos que ele mesmo apresentou, faça uma
autoanálise das principais qualidades e metas de desenvolvimento. As
chances de aceitação de um “desafio” serão muito maiores se partirem do
próprio atleta. A partir daí, treinador e jogador poderão, juntos, discutir
formas de alcançar os objetivos. Após conquistar resultados, como
consequência de um trabalho que treinador e jogador montaram juntos,
existe uma grande possibilidade que o jogador esteja mais disponível para
ouvir sugestões feitas pelo treinador e trabalhe aspectos que não
conseguiu individualizar sozinho.
Considerações finais
Para os que, ao lerem este artigo, pensam “além de não termos recursos
para isso, essa não é a cultura brasileira, quem tentar fazer isso não será
respeitado pelos atletas”, vale lembrar que o custo disso pode ser muito
baixo ou nulo. O desenvolvimento da tecnologia fornece uma grande
ferramenta de acesso gratuito para um conhecimento muito valioso no
mundo do futebol, que é a forma e detalhes de como jogam as equipes e
como se movimentam os jogadores dentro das plataformas de jogo. Com
relação a nossa cultura, basta ler pesquisas ou estórias sobre professores
que devem ensinar em salas de aula onde, por diversos motivos, os alunos
são considerados “incapazes ou desinteressados”. Enquanto a maioria dos
profes
sores não consegue atingir seus objetivos, outros são capazes de
compreender a cultura local, respeitar o conhecimento prévio e com
conhecimento de psicologia, metodologia e criatividade engajar os alunos
(no caso, atletas) e atingir grandes resultados.
Espero que este artigo possa contribuir para motivar alguns treinadores a
uma constante reflexão sobre a possibilidade de inovarem seus métodos
de ensino. Com certeza, vários dos leitores são profissionais do futebol, e
comentários com ideias sobre como motivar atletas a se desenvolverem
serão muito bem-vindos.
Alternância de momentos
inter-relacionados dentro da
continuidade do jogo:
transições!
março 7, 2013
Universidade do Futebol
Tendo em vista que, dentro de uma partida de futebol temos dois sistemas
(equipes) lutando para se manter estável e desestabilizar o oponente,
podemos concluir que as transições de momentos com posse de bola
(organização ofensiva) e sem a mesma (organização defensiva) devem
respeitar as orientações e ideias contidas nestas duas organizações e ser
executada de modo mais rápido possível, aproveitando as dúvidas e
confusões do adversário, de modo a alcançar os objetivos oferecidos pela
lógica do jogo, vencer!
Ser rápido dentro de um processo tão dinâmico é algo que mais me atrai
neste momento e, de modo simples e objetivo, significa realizar as ações
necessária antes do adversário, seja esta executada em qualquer
velocidade.
http://www.youtube.com/watch?v=ZGaRG5GaIuM&feature=related
Hudson Martins
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Fabinho, hoje no Liverpool: educado nos modelos de jogo e no método do
Paulínia FC. (Foto: Reprodução/ig)
***
“Pra quem não sabe para onde vai. Qualquer caminho serve” Lewis Carroll
O jogo evoluiu e hoje temos visto nas equipes ideias claras de como se deve sair jogando e qual
caminho busca-se percorrer para chegar ao ataque. No entanto, é na subfase de finalização que
constatamos a ausência de condutas coletivas e movimentos preferenciais que possam guiar os
atletas a encontrar as melhores vantagens no último quarto do campo.
Nessa subfase do jogo somente a livre intuição dos jogadores tem sido preconizada. Não que essa
seja uma alternativa errada. Pelo contrário, a intuição do jogador deve estar em tudo! Porém ela
deve fazer interação com os princípios táticos da equipe como um todo e estes devem ser revelados
em todas as subfases do jogo.
Nesse contexto, apresento abaixo comportamentos táticos que podem ser desenvolvidos no último
quarto do campo. Partindo da ideia do Jogo Posicional onde interpreta-se o jogo a partir de 4 tipos
de vantagem: vantagem posicional, vantagem numérica, vantagem qualitativa e vantagem cinética.
(https://universidadedofutebol.com.br/a- interpretacao-do-jogo-a-partir-dos-tipos-de-
superioridades/)
É importante ressaltar que existe uma diferença entre chegar ao ataque e ficar no ataque. Para ter
vantagem na subfase de finalização é preciso primeiro se estabelecer de maneira posicional nessa
região do campo (temporização ofensiva) caso não haja uma vantagem clara para ir ao gol.
Após a equipe se localizar no campo de ataque busca-se explorar três corredores verticais (corredor
lateral-esquerdo, corredor central e corredor lateral-direito).
O uso de uma linha com 4 defensores tem sido mais utilizada pelas equipes brasileiras. A partir dessa
disposição podemos promover 4 tipos de condutas.
O 1x1 no corredor lateral, em que o lateral pode superar o adversário com sua vantagem qualitativa
(drible) e depois invadir a área.
O 3x2 no corredor central, o atacante recebe entrelinhas em vantagem posicional e pode realizar um
3x2 com os pontas. Nessa situação se nenhum marcador se aproximar, o atacante pode conduzir e
finalizar ao gol.
Por último o 3x2 no corredor central, após a condução de um dos laterais para esse setor. Onde se o
lateral não for pressionado pode finalizar ou se caso algum marcador sair da linha defensiva o ponta
ou atacante podem receber em vantagem posicional.
Essas condutas táticas são alternativas ofensivas que a equipe pode desenvolver na subfase de
finalização. Apenas uma ideia, para que os jogadores cheguem ao ataque sabendo pra onde podem
ir com a bola. Claro que tudo vai depender de inúmeras situações complexas que o jogo apresenta e
das características dos jogadores. Porém, tais condutas se vivenciadas nos treinamentos, podem
desenvolver uma inteligência coletiva nos jogadores que irá guia-los nessa subfase do jogo.
Nesse sentido, cabe ao treinador identificar como sua equipe interage melhor na subfase de
finalização. Para que não seja refém exclusivamente da intuição dos jogadores, que não tenha nada
definido, para que sua equipe não sabia para onde vai com a bola. Pois “quem não sabe pra onde
vai, qualquer caminho serve”. E qualquer caminho é muito pouco para quem quer vencer.
As condutas preferentes
para desenvolver a iniciativa
defensiva no jogo
novembro 21, 2017
Universidade do Futebol
Evidente que muitos são os métodos para alcançar esse objetivo. Nesse
sentido, a finalidade dessa reflexão é apenas expor de maneira simples
(pois precisaria de muito mais linhas para desenvolver todo o processo) as
condutas preferentes que acredito serem importantes para se buscar uma
iniciativa defensiva eficiente no momento defensivo.
Caro leitor, toda essa reflexão visa apenas demonstrar um dos possíveis
caminhos para gerar condutas preferentes no momento em que a equipe
está buscando recuperar a posse de bola. Mas, sem dúvidas, existem
outros métodos para cumprir esse objetivo.
É preciso deixar claro que esta proposta visa despertar nos atletas um
comportamento de menor “expectativa” e maior iniciativa defensiva, ou
seja, estabelecer na equipe um protagonismo dentro do jogo (e portanto
controlá-lo) ainda que não se tenha a bola. Mostrar aos jogadores que é
possível influenciar no jogo em todos os momentos, mas com as condutas
certas e organizadas, evitando desgastes físicos e, principalmente,
mentais.
Nessa perspectiva a frase “quem tem a bola joga e quem não tem corre”,
poderá ser substituída por “quem tem a bola joga e quem não tem, joga
também”.
Identidade de jogo: você
realmente joga como treina?
– PARTE 1
janeiro 25, 2017
Exemplos:
OK, agora quais equipes e treinadores têm uma Identidade de jogo bem
definida?! Podemos dividir em dois blocos, que são as únicas duas fases
do futebol – posse ou não posse da bola. Todas as outras “fases”
(transições ofensivas e defensivas, bola parada, etc) são definidas por
estas duas e podem ser diferentes de acordo com seu modo de entender o
futebol. Dentro destas duas fases podemos destacar algumas equipes ou
treinadores que servem de exemplo para nosso estudo.
Nos próximos artigos vamos começar a refletir sobre como preparar todo o
planejamento de treinamentos e as características que serão necessárias
a partir de uma identidade denifinida de jogo.
Espero que esse primeiro artigo possa ter servido para criar reflexões,
questionamentos, dúvidas e perguntas para todos, e estou ansioso para o
confronto de ideias e discussões a respeito
Abraço a todos!
Identidade de jogo: você
realmente joga como treina?
– Parte 2
outubro 6, 2017
Neste artigo vamos definir uma identidade de jogo e a partir dela refletir sobre
o planejamento do que seria necessário para conseguir em partida realmente
jogar como se treina.
O primeiro passo para ter uma identidade é crer fielmente que desta maneira
você e seus jogadores terão maior probabilidade de vencer os jogos, a coisa
mais importante é convicção sua e de todos do staff técnico na sua proposta
de jogo pois a comunicação e a linguagem comum entre todos os membros é
fundamental.
Hipotizamos que o staff técnico tem como ideia comum o comando de jogo a
partir da posse de bola e vamos começar a pensar como devemos treinar
nossos jogadores a partir desta ideia de jogo.
Com este segundo dado fica evidente como as habilidades técnicas de base
(domínio, condução, e passe) e capacidade de escolha se tornam pilares
para este tipo de identidade. O domínio em todas suas formas (aberto, de
proteção, em velocidade, com finta, orientado), os diferentes tipos de passe
(vertical, diagonal, horizontal, curto, médio e longo), a condução (em
velocidade; para conquista campo, para atrair adversários, para realizar
superioridade numérica com 1vs1) devem ser trabalhados de maneira
exaustiva.
Implantar uma identidade de jogo (com posse ou não posse de bola) requer
planejamento, treinamento e tempo para que os jogadores consigam
aprender, realizar e principalmente interiorizar seus conceitos. O apoio por
parte do clube como entidade em um projeto de identidade de jogo deve ser
incondicional para que o objetivo possa ser alcançado independente de
quem o realiza, mantendo um perfil definido mesmo com troca de
treinadores.
A interpretação do jogo a
partir dos tipos de
superioridades
maio 18, 2017
Universidade do Futebol
FERNANDO VELUDO
Criticaste a Liga portuguesa no início da época pela falta de jogos e
pela calendarização.
Critiquei o calendário, sim, porque a dificuldade do Rio Ave no arranque
teve a ver com isto. Nós fazíamos dois ou três jogos e parávamos. Isto não
dá. Para nós, treinadores, o grau de aferição das coisas são os jogos
competitivos. É aí que sabemos onde estamos. Não são os treinos nem os
jogos de treino, é nos jogos a sério, porque aí conseguimos aferir as coisas
para conseguir evoluir a equipa. Nessa altura tive alguma dificuldade em
fazer evoluir a equipa porque não tinha referências da competição. Sem
isso, e com paragens de semanas, é difícil.
Mesmo com jogos particulares?
Não servem de aferidor, só o mínimo. A natureza competitiva é diferente,
porque o jogador aí joga sempre nos limites, enquanto nos jogos de treino,
também dependendo do adversário e do resultado, as coisas alteram-se
com muita facilidade. Se compararmos então com Inglaterra,
particularmente no Championship [2ª Divisão]... Lembro-me
perfeitamente de ter começado a jogar a 5 de agosto e no final do mês já
tinha sete jogos. Sete jogos. Já íamos na 7ª jornada em agosto.
Isso também não é um exagero? Ficas sem tempo para treinar, só
recuperas.
Pode ser, mas é uma prova de fogo. Aí é que se vê a importância da pré-
época, num campeonato que tem uma densidade competitiva muito
grande. É muito importante sob a perspetiva de ganhares fundamentos
táticos para a competição. Porque depois de entrares na competição... Se
eventualmente pensasse que ia retificar coisas do ponto de vista tático nas
paragens, chegava ali e não tinha hipóteses, porque tinha seis ou sete
jogadores que iam para as seleções, são os jogadores que normalmente
jogam, que são a base da equipa. Portanto, a base tática que tens de
adquirir logo na pré-época, muito mais do que a base física, é o que te vai
servir de suporte para uma época que nunca mais para, em que há jogos de
três em três dias. É um desafio para um treinador, estamos sempre nos
limites. O Championship deve ser a competição mais dura do mundo.
Falaste-me inicialmente da Premier League mas estou aqui a meter o
Championship porque é uma competição que na minha perspetiva é mais
aliciante, sob o ponto de vista da operacionalidade, para um treinador, até
pela heterogeneidade dos competidores.
Por exemplo?
Por exemplo, jogámos num sábado no Newcastle, fomos lá ganhar 1-0 e
fizemos um jogo brilhante, e na terça-feira recebemos o Rotherham, que ia
em último, que joga um jogo direto, muito físico, e ganhámos com um
golo aos 94 minutos. Ou seja, foi muito mais difícil do que contra o
Newcastle. E preparar uma equipa dentro desta heterogeneidade e ter de
jogar para ganhar os jogos todos, com a densidade competitiva de jogar de
três em três dias, é um desafio para rangers, para comandos, sempre disse
que aquilo não é para meninos. Depois passado um ano - passei dois anos
e meio no Championship - sais de lá muito mais treinador, muito mais
competente, porque tens de estar com os sentidos sempre apurados. Isto
fez parte da minha evolução recente, porque terminas um jogo e vamos
jogar, sei lá, a Londres, e depois estamos a voltar no autocarro ou no
comboio e já estamos com a análise do próximo jogo, de sábado para
terça-feira, o que não nos permite sequer um momento de descanso. Estás
permanentemente em cima do jogo e tu sabes que isto tremendo, porque
um jogo é um desgaste muito grande para um treinador. Aprendes a ter de
gerir isto, a ter de entrar logo no jogo seguinte, a reformular, a não perder
a tua identidade, mas a perceber que o Newcastle te obrigou a jogar numa
perspetiva de o desmontar com um determinado tipo de jogo e a ter de
condicioná-lo de uma forma quando perdes a bola e, passados três dias,
com a mesma base e com os mesmos jogadores, vais enfrentar um
adversário que também tem de ser desmontado mas com problemas
completamente opostos, porque vai jogar direto e procurar segundas bolas
e sob o ponto de vista físico é muito mais forte. Tens de ter a astúcia de
pensar nisto tudo e reformular estratégias. Foi isso que me levou cada vez
mais a pensar que se calhar os sistemas de jogo, aquilo que definimos
como 4-4-2, 4-3-3, na minha opinião, são castradores, porque muitas vezes
é o próprio sistema que castra as dinâmicas das equipas. Hoje chego a essa
conclusão. É a mesma coisa que digo relativamente aos objetivos. Muitas
vezes define-se um determinado tipo de objetivo, mas os objetivos muitas
vezes são castradores, ao contrário do que muita gente pensa.
Porquê?
Por exemplo, nós, no Championship: defines chegar aoplay-off. Mas
imagina que o andamento da competição, com cada jogo que vais vivendo
e vais ganhando, se calhar chegas ao final da época e dizes assim: se não
jogássemos com esta ideia de fundo de chegar ao play-off e tivéssemos a
liberdade de em cada jogo fazermos o jogo da nossa vida, se calhar
podíamos ter subido diretamente à Premier League. No fundo, este
objetivo acabou por ser castrador para a equipa. E eu hoje entendo que não
devo castrar. Não castrei a equipa do Rio Ave. O que disse sempre, e já o
fiz anteriormente, é que nós temos o dever, seja com que adversário for,
seja onde for, lutar pelos três pontos e conseguirmos ser melhores do que
os adversários. Se conseguirmos fazer isto em cada jogo, vamos atingir, no
final da época, o nosso limite. Logo se verá qual é o nosso limite. No caso
do Rio Ave foi o 5º lugar, poderia ter sido o 4º, poderia ter sido o 3º,
poderia ter sido o 7º ou o 8º.
FERNANDO VELUDO
E agora, no Braga?
Vai ser exatamente a mesma coisa. Não quero castrar a equipa com
objetivos. O que quero é uma equipa que seja capaz de olhar olhos nos
olhos para qualquer adversário, em qualquer estádio, para vencer o jogo,
partindo do pressuposto que o jogo mais importante é o primeiro. E a
seguir será o segundo e haverá Liga Europa e haverá outras competições, e
tentaremos ir o mais longe possível em todas.
O que pediu o presidente António Salvador?
Disse-me exatamente isto. O lugar do Braga tem sido nos quatro primeiros
lugares e temos de fazer o nosso campeonato o melhor possível para
chegar o mais à frente possível.
Relativamente ao que disseste sobre os sistemas serem castradores, e
de não treinares assim, o que é algo disruptivo...
[interrompe] É disruptivo.
Quando é que começas a pensar que a operacionalização da tua forma
de jogar não necessita de um sistema como base?
Isto já vem de reflexões anteriores. Quero frisar isto: não estou a dizer que
somos piores ou melhores do que ninguém, atenção. Há muitas formas de
preparar uma equipa, não estamos agora a dizer que descobrimos a
pólvora. Não é isso. A realidade é esta: comecei a treinar com 32 anos e
transgredi completamente. Esta é a realidade. Na altura fui um transgressor
ao método tradicional de treino e os meus jogadores são testemunhas
disso. Comecei a treinar no Espinho de uma forma que nunca tinha
treinado nem tinha visto ninguém treinar assim. Na altura ouvia falar do
Eriksson, que tinha trazido métodos diferentes para o Benfica, mas não
fazia ideia nenhuma de quais eram esses métodos. Tinha a minha vivência
prática e a minha formação com alguém de quem tenho o prazer de ser
amigo, o professor Vítor Frade, que me abriu horizontes relativamente a
muitas coisas, e outras fui construindo por mim. Estamos a falar... Já tenho
54, tinha 32, é só fazer contas [risos]. Já foi há muitos anos.
Nunca treinaste assim enquanto jogador?
Nada, absolutamente. Nunca vivi nada daquilo. Nem vi, sequer. Quando
começo a treinar, elaboro a forma como queria que a equipa jogasse e a
partir dali começo a operacionalizar as minhas ideias dentro do campo
desde o primeiro dia. Foi estranho para os jogadores, sem dúvida. Tive a
felicidade de, na altura, de lidar com pessoas com uma cultura avançada,
que não me questionaram.
Nem sobre a forma física?
Chegaram se calhar a fazer uma ou outra pergunta: "Então e a mata? Não
há corridas?" Preparámos a equipa para jogar e os resultados foram
ajudando, mas evidentemente quando se perde um jogo ou outro há
sempre algum questionamento, mas sempre tudo com muita elevação,
aliás, o Espinho tinha uma escola de dirigentes muito grande, com muita
elevação. Consegui pôr em prática as minhas ideias e os jogadores
absorveram isso muito bem. Isso também aconteceu em Inglaterra. Tive a
ajuda de ter alguns jogadores portugueses lá, o Semedo... E havia um ou
outro jogador que já tinha tido um treinador mais europeu, principalmente
o capitão, o Gleen Loovens, e o Barry Bannan. Mas para a maioria dos
britânicos no Sheffield Wednesday a nossa forma de treinar também foi
uma surpresa. Não foi fácil, no início. Mas, quando começaram a perceber,
principalmente pela qualidade de jogo, porque no primeiro ano o Sheffield
Wednesday foi a equipa que melhor jogou no Championship, isto foi
unânime. No segundo ano nem tanto, também tivemos algumas lesões e o
fator surpresa condicionou-nos, as equipas aí já jogaram mais fechadas.
Mas esse primeiro ano, no fundo, não foi uma transgressão, porque nessa
altura já havia muita experiência como treinador, mas houve algum choque
cultural que foi ultrapassado.
És flexível caso os jogadores te peçam para dar umas corridas, por
exemplo?
Sempre. Chamo isso o treino do melhoral: nem faz bem nem faz mal
[risos]. Quero é que os jogadores façam esse trabalho extra em
consonância com os dias da minha matriz de treino. Imagina, temos jogo
domingo e domingo. Se um jogador quer, na quarta-feira, fazer aberturas
de 60 metros, não permito. Mas permito que faça acelerações e
desacelerações em espaços muito curtos. Se ele na quinta-feira quiser fazer
umas aberturas, permito. Só tem de respeitar a matriz. Daí eu ser algo
crítico em relação aos personal trainers dos jogadores, precisamente por
esta dessincronização, que depois pode ser grave, porque pode provocar
lesões musculares nos jogadores. Dou essa abertura porque acima de tudo
quero que os meus jogadores estejam bem da cabeça para chegar ao jogo e
jogar.
Sempre deixaste que fizessem isso ou foste aprendendo a
compreender?
Posso dizer que sempre fui deixando, se calhar com exceção da Grécia,
quando ainda era um passarinho, um treinador jovem, que não conhecia
bem a mentalidade, se calhar cometi ali alguns erros. Mas aprendi
rapidamente e já chego ao Besiktas completamente diferente.
Por exemplo?
Não tive tempo para conhecer a cultura grega, a forma como eles olhavam
para o jogo e para o treino. Era uma cultura muito virada para o ginásio e
para o trabalho físico, e chegar um treinador e fechar o ginásio e levar a
chave para casa e eles andarem a bater com a cabeça na parede... [risos]. O
não trabalhar o lado físico mais puro foi um choque muito grande para
eles. Entraria hoje muito mais devagar. Por isso é que eu digo que é o
melhoral: hoje em dia temos ferramentas acessórias que são importantes,
como o GPS, e quando tenho um jogador que diz que quer fazer umas
aberturas de 60 metros, às vezes até me dá vontade de rir, porque esse
mesmo jogador fez 30 a 40 corridas de 60 metros no próprio treino, em
situações de jogo. Mas aquelas três ou quatro que ele quer fazer sozinho
fazem bem à cabeça, porque ele tem necessidade de fazer, é a cabeça a
pedir e nós temos de respeitar esse histórico. É o que eu digo: eu quero é
que os meus jogadores estejam bem da cabeça. Se no início da época tenho
uns 10 crentes nisso, se calhar no final da época já só tenho um ou dois
crentes.
FERNANDO VELUDO
Voltando atrás: como surgiu afinal o treinar sobre conceitos e não
sobre sistemas?
Sim, eu estava a historiar isto, por causa da transgressão. Tinha vindo a
falar com os meus adjuntos sobre isso, com o Bruno [Lage], com o Luís
[Nascimento], mas fundamentalmente com o João Mário, que é o meu
braço direito e a pessoa com quem eu mais falo sobre estas coisas: "Ó
João, eu acho que isto é castrador, nós temos de preparar as coisas de
forma diferente." Não só o ir ao encontro das potencialidades do jogador,
mas é procurar uma dinâmica que perceba que o jogo tem adversários
dentro do campo e os jogadores estão com determinado tipo de
posicionamentos, e a nossa ideia, desde sempre, contra qualquer
adversário, é sempre esta: como é que vamos desbloquear o adversário?
Mesmo jogando contra o Manchester City, contra o Liverpool, contra o
Arsenal. Ganhámos ao Arsenal e ao Liverpool e perdemos com o City e
com o United. Mas a intenção é sempre essa. O adversário depois pode é
não permitir que consigamos isso, pela sua valia, isso é outra coisa. Nós
olhamos para o campo, para o tabuleiro, é a forma como nós olhamos hoje
para o jogo, e vemos jogadores da equipa adversária e procuramos com
bola tentar fazer uma saída limpa desde trás, para chegar à baliza. Eu
consigo hoje ver o futebol sem olhar para os jogadores dentro de um
sistema, mas dentro de uma dinâmica onde identificamos as falências do
adversário, relativamente a determinados espaços, ou onde nós podemos
criar a abertura de determinado tipo de espaços, até em função das
características dos adversários.
Por exemplo?
Um central que faz com facilidade encurtamentos [no avançado
adversário] e abandona a posição e abandona o espaço, ou então um
central que funciona em recuo permanente e vai abrir o espaço à frente
dele, ou um lateral que fecha mal o espaço interior, ou uma equipa que só
tem um pivô e liberta os espaços à esquerda e à direita dele, ou uma equipa
que joga com duplo pivô com um jogador à frente, e há espaço à direita e à
esquerda dele, ou os avançados da equipa adversária que pressionam à
frente e somos nós que temos de saber como criar o espaço, ou uma equipa
que não tem capacidade de pressão à frente, então os espaços já estão
conseguidos por natureza... Hoje em dia nós vemos o jogo assim e isto não
tem muito a ver com o sistema, tem a ver com os espaços que se libertam e
com os espaços que nós vamos criar. Depois tem a ver com a forma como
vamos atacar os espaços e como é que vamos criar as dinâmicas. E no
meio de tudo isto há uma coisa que é fundamental, que eu acho que é a
pedra filosofal de qualquer treinador: é conseguir que tenhamos dentro do
campo 11 jogadores a olhar uns para os outros. Isto é o mais difícil, é
conseguir que os jogadores estejam a olhar uns para os outros, a jogar em
interdependência. Só assim é que nós conseguimos funcionar para
aproveitar os espaços, criar roturas no adversário, entrar por dentro das
equipas adversárias... Penso que sabes que houve uma análise, acho que
da Goalpoint, que disse nós éramos a sexta equipa na Europa que fazia
mais passes verticais e isso tem muito a ver com isto que te estou a
explicar, e com a dinâmica que nós criamos no treino. O que dizia a
análise é que somos uma equipa de posse, mas dentro da posse fazemos
muitos passes verticais para entrar dentro da equipa adversária. É
exatamente isto, é provocar espaços, para entrar dentro, para ir para fora,
para tornar a vir para trás, para tornar a entrar dentro, para ir por fora, para
criar roturas... Andamos permanentemente a tentar fazer isto ao adversário,
a puxá-lo, a levá-lo para fora, se ele fecha fora, a entrar para dentro, se
fecha dentro, vamos para fora, se abre atrás, exploramos as costas...
Pronto, começamos a perceber que o jogo se calhar faz muito mais sentido
assim e isto é uma rotura na nossa própria visão sobre o jogo, sem dúvida.
Foi por isso que vieste para o Rio Ave?
Nós tínhamos alguma certeza de que isto iria funcionar e daí também a
nossa opção pelo Rio Ave. Obviamente pelo próprio Rio Ave, que
sabíamos que tinha uma estrutura calma, com o presidente António
Campos, que é sem dúvida um grande presidente, com pessoas à volta que
também percebem de futebol. É uma estrutura leve mas que suporta muito
esta situação, sem grande pressão. Entendemos que o Rio Ave seria o sítio
ideal para a rotura da forma de preparar a equipa. Essa proposta foi
lançada aos jogadores logo de início, foi uma proposta ousadíssima. No
início, por não haver muitos jogos e pela proposta ser muito ousada houve
alguma dificuldade, porque o Rio Ave à 7ª ou 8ª jornada andava ali no
meio da tabela.
Como reagiram os jogadores?
Ter um capitão de equipa como o Tarantini é um privilégio, porque tem
sentido crítico. Recordo-me perfeitamente que ele um dia veio ter comigo:
"Ó mister, você não acha que isto é uma proposta de jogo demasiado
ousada para o nível do Rio Ave? Você veja lá, pá. Estou a ver malta com
algumas dificuldades..."
Este Ainda
assim, pode parecer complexo.
Não, acaba por ser simples. Neste momento é simples verificar
isto. O adversário aperta-nos as linhas, então dá espaço atrás. Não
posso, no meu plano de jogo, andar uma semana inteira a dizer
que este adversário aperta as linhas e nós temos de desmontar as
linhas explorando o espaço nas costas. Não é assim. Porque isto
dura cinco minutos. O jogo começa e cinco minutos depois, na
segunda vez em que lançarmos uma bola para as costas da linha
defensiva adversária, a linha já desceu 20 metros. E se tu não tens
competências, e se através do treino não colocas os teus
jogadores a raciocinar que o problema do jogo afinal já é diferente,
o teu plano de jogo esgota-se em cinco minutos. É tudo isto que
acho que é importante o jogador incorporar, é perceber o jogo,
perceber onde estão os espaços e agir em conformidade. Isto
obriga a pensar, obviamente.
Isso já te aconteceu?
Olha, um jogo de que me lembro perfeitamente, aqui em Braga.
Viemos aqui com o Besiktas, ganhámos 2-0 e jogámos com o
[Ricardo] Quaresma a ponta de lança, não jogou o Hugo Almeida
nesse jogo. O que é que nós tínhamos verificado: a linha defensiva
do Braga, sempre que nós ganhávamos a bola, recuava. Então
colocámos ali o Quaresma porque vinha sempre buscar a bola
entre linhas, quando eles recuavam. Ele fartou-se de receber bolas
ali e depois lançava o Simão pela esquerda e lançava já não me
lembro quem pela direita. Surpreendemos o Braga e fizemos dois
golos assim. Nós tínhamos um conhecimento profundo da equipa
do Braga, era o Leonardo Jardim o treinador, e quando jogámos na
Turquia, o Braga surpreendeu-nos. Jogou com a linha defensiva
em cima do meio-campo e estabilizou-se ali. Nunca o tinha feito.
Tivemos uma dificuldade tremenda, lá está. Porquê? Porque nos
preparámos para jogar num espaço entre linhas que agora já não
existia. E não houve resposta para conseguirmos fazer coisas
diferentes.
Hoje já não aconteceria?
Hoje isso já não aconteceria. No Rio Ave isto não aconteceria. A
partir do momento em que nos apertavam à frente, nós dávamos
resposta para ir buscar atrás. E se eles iam atrás, nós daríamos
resposta para ir buscar o espaço entre linhas. Percebes? Portanto,
no fundo, diria que é colocar os jogadores a pensar. No final da
época, nós temos como rescaldo disto os jogadores do Rio Ave
muito valorizados. Aliás, têm feito capas de jornais todos os dias. E
digo-te que este foi um ponto de partida, não foi um ponto de
chegada. Senti, com toda a sinceridade, que o Rio Ave foi
um upgradeem relação ao passado e este é um novo começo.
Porque a ideia de transgredir no Rio Ave em função disto que estou
a dizer, dizia também respeito à nossa própria motivação, enquanto
equipa técnica, para nos prepararmos para o futuro, para tentarmos
evoluir e fazer coisas diferentes. Porque nós também necessitamos
de estar constantemente em evolução e com novos desafios,
senão também nos desmotivamos.
Mas, fazendo de advogada do diabo, como é que consegues
uma equipa com uma identidade clara e um modelo claro, se
ela joga de uma maneira e de outra?
Porque essa é a identidade.
Jogar de várias maneiras?
Essa é a identidade. A nossa identidade é a flexibilidade. Fizeram-
me uma questão pertinente um dia destes, num fórum.
Perguntaram-me sobre o peso da estratégia no nosso jogo. Eu
respondi assim: o peso da estratégia é todo e nenhum.
Porque os constrangimentos que o adversário pode
apresentar já estão contemplados dentro do próprio modelo?
Eu digo que o peso é todo, porque nós vamos à busca dos
espaços quando temos bola, porque sabemos que o adversário os
dá ou porque vamos provocá-los para desbloqueá-los. Por
exemplo, o Arsenal deixa espaços diferentes do Brighton, nós
sabemos isto. Mas, ao mesmo tempo, as dinâmicas que nós temos
e o nosso sentido posicional não se altera ao fazer isto, porque nós
temos uma dinâmica que assenta num bom sentido posicional. Tu
não vias os jogadores do Rio Ave muito fora da posição. Vias era
dinâmicas diferentes, de jogo para jogo, mas elas fazem parte do
treino e da própria identidade. Na parte defensiva havia maior
rigidez, porque aí não há muita criatividade.
FERNANDO VELUDO
Dá-me um exemplo. A equipa está a iniciar a construção por
trás e onde é que está o estímulo para decidir de que forma
vão construir? Se a dois, a três, se vem um médio, um lateral...
Sim. Nós vamos para um jogo e vemos que, pelas nossas análises,
o adversário não tem capacidade de pressão. E nós normalmente
até saímos a três a jogar...
Aí saem a dois?
Vamos sair a dois. E depois os jogadores criam dinâmicas... Mas
as dinâmicas podem ser bloqueadas, certo? Vamos sair a dois,
mas bloqueiam-nos as saídas. Então os jogadores percebem que a
saída está bloqueada e aparece o terceiro homem. Mas o terceiro
homem não tem de ser necessariamente o mesmo. Porque muitas
vezes se sais sempre com o mesmo, os adversários - nós temos
excelentes treinadores em Portugal, que fazem isto muito bem -
bloqueiam-te a saída do terceiro homem. Mas se a saída do
terceiro homem estiver bloqueada, pode haver um outro terceiro
homem, não tem de ser necessariamente aquele. Podes dar
alternância a isto. Agora, os jogadores têm é de estar muito bem
posicionados. Lá está, é a capacidade de conseguirem olhar uns
para os outros. Porque se tu jogas com dois médios e se tiras um
médio da linha média para vir atrás construir, ficas só com um
médio. Mas tens dois interiores, certo? Esses dois passam a ser o
médio. E se isto acontecer e já tiveres o lateral a atirar-se em
profundidade, então tens um ala que não pode estar no corredor,
tem de vir para o espaço interior - têm de olhar uns para os outros.
Então o espaço que era ocupado pelo interior, que passou a ser
médio, é ocupado pelo ala que veio para dentro. Agora, tens é de
operacionalizar isto, certo? É o mais difícil [risos]. Agora, não tem
necessariamente de ser com um sistema nem tem de ser sempre
com os mesmos. Têm é de olhar uns para os outros e nós temos
de criar exercícios para que isto aconteça. Se um vem, quem é que
vem, quem é que vai. Os espaços têm de estar ocupados, porque
se tu rodas à esquerda e se o teu interior direito não te baixa, a
bola não roda para a direita, vai bloquear o jogo ali. É perceber isto.
Lá está, tens de ter capacidade de pôr os jogadores a pensar sobre
isto e de ter exercícios que possam ter isto. É um pensar até mais
de intuição, porque quando colocamos um jogador a parar para
pensar, esta fração de segundo já serve para perdertimings que
são necessários. Portanto isto entra no domínio já do
subconsciente, na dinâmica dos exercícios, no estarmos ligados
uns aos outros. Uma das situações que me ocorreu... Nós fomos
jogar ao Manchester City, com o Swansea, e eu, na brincadeira,
disse para o João Mário, o meu adjunto: "Ó João, f... conseguimos
aguentar cinco minutos sem estar a perder" [risos]. E começámos a
rir os dois. Ao sexto minuto, há uma bola larga do lateral direito que
se mete para dentro, e o De Bruyne, que era o interior direito,
estava aberto na esquerda, depois faz um passe interior e resulta
dali um golo. Lá está... Até pedi o iPad para ver aquilo. Comecei a
olhar para aquilo e vejo que fizeram uma superioridade numérica
de quatro contra três no lado esquerdo. "Mas este gajo é interior
direito e aparece-me ali no corredor esquerdo?" Isto deixa-nos a
refletir. Não é o nosso caso, porque não colocamos o nosso interior
direito na esquerda, não fazemos isso. Mas esta situação de tu
lidares com a imprevisibilidade do adversário, com a qual não estás
a contar, desmonta-te.
Por exemplo?
Um exemplo concreto: fomos jogar ao Boavista. A intencionalidade
era sair a jogar a três. O que é que nós queríamos? Queríamos
que os jogadores do Boavista se referenciassem por nós, de forma
mais individualizada. Quando eles fizessem isso, o que é que nós
íamos fazer? A partir de determinada altura, ali pelos cinco
minutos, nós íamos abandonar a linha de três e íamos começar a
jogar a dois, atirando o nosso lateral esquerdo em profundidade.
Para quê? Para confundir, em função do relacionamento individual
que os jogadores tinham connosco. Desestruturávamos o
adversário pela surpresa da dinâmica diferente que queria colocar.
Mas disse aos jogadores: "Se sairmos a jogar a três e se
eventualmente estivermos por cima do jogo, não alterem para dois,
deixem estar." Porque estaríamos a construir algo de positivo e não
haveria essa necessidade. Mas se eles se referenciassem e
bloqueassem o nosso jogo, aí sim, começávamos a arranjar
alternância. O que é que aconteceu no jogo? Nós saímos a três, os
jogadores do Boavista referenciaram-se, mas não fizeram pressão
sobre os nossos três defesas como estávamos à espera. Então,
estávamos com bola, estávamos confortáveis e eu não disse nada
para dentro do campo. Os jogadores sentiram-se bem e não
alteraram nada. Se eventualmente o jogo fosse bloqueado, eu não
tinha de dizer nada, os jogadores estavam preparados para alterar
dinâmicas a partir de trás, para sair.
Mas tens dinâmicas que são padrão contra qualquer
adversário, certo? Os alas receberem por dentro na
construção ou prepararem-se para receber segunda bola
quando há lançamento aéreo para o avançado, por exemplo?
Sim, mas isso já são sub-dinâmicas. São situações que nós até
nos aquecimentos aproveitamos para fazer. A busca do terceiro
homem, por exemplo, ou o aclaramento de jogadores pelas
costas... Já são sub-dinâmicas que são treinadas, é a natureza do
teu jogo. Estruturalmente nós temos um padrão que nos define.
Agora, o jogo é feito de espaços e tu queres desestruturar as
equipas adversárias, por isso tens de aproveitar os espaços ou
criar os espaços. Nós jogamos com isso, essencialmente. E não
perdemos posição, atenção. Porque isto poderia ser feito de uma
forma caótica. Como o De Bruyne aparecer aberto na esquerda.
Nós não temos muito isso, procuramos que os jogadores
mantenham o sentido posicional, com o jogo a ter largura e
profundidade suficientes, e dinâmica suficiente para chamar
jogadores e libertar outros.
Por exemplo, contra o Sporting, esses movimentos de apoio e
aclaramento deram em jogadas de golo.
E porquê? Porque o sentido era puxar jogadores do Sporting para
nos virem pressionar, tentar fazer movimentos verticais para apoio,
para libertar os nossos jogadores que têm características para
aproveitar o espaço, nomeadamente o Mehdi [Taremi], que caía,
naquele jogo, fundamentalmente para a esquerda. E nós, para
libertarmos o Mehdi, tínhamos de chamar a atenção do lateral
direito, para ele estar condicionado. Lá está, é a tal situação dos
espaços. O nosso ala podia estar eventualmente em profundidade,
mas queríamos que viesse em apoio para libertar o espaço, para
deixar o Taremi em situação de um contra um contra o central
direito do Sporting. Aí, com uma defesa subida, sabendo que o
Mehdi é muito rápido, a bola podia entrar nas costas. É mais uma
situação de aproveitamento dos espaços que o adversário deixa,
mas tens de saber criá-los. Se o nosso ala estivesse em
profundidade, então o defesa direito adversário estava em
coordenação mais fácil com o central. Como tu puxas o adversário,
neste caso em função do posicionamento do Nuno Santos, para
mais baixo, das duas umas: ou o lateral acompanha para
pressionar, ou não acompanha e o Nuno recebe a bola no pé.
Também podia acontecer o ala vir dentro, tocar no médio e ser ele
a lançar o Mehdi, porque o Sporting na altura tinha as linhas
subidas. Lá está, isto não tem nada a ver com o sistema, tem a ver
com o puxar jogadores e libertar jogadores para outras coisas.
A questão é que, habitualmente, tendo um sistema como base,
os jogadores já sabem onde têm os colegas. Assim, como
fazem?
Essa é uma boa questão. O jogador está sempre lá: pode é não
estar o Manel e estar o Joaquim. Mas está sempre lá um jogador,
daí eu dizer-te que nós mantemos a identidade. "Ah eu não sei se
o Manel está lá". Pois não, mas se o Manel não estiver, está lá o
Joaquim. Garanto-te a ti. E se o Joaquim está no posicionamento
do Francisco, estará o António no posicionamento dele. Volto a
dizer: não estamos aqui a vender que somos a melhor equipa do
mundo. Temos as nossas ideias e a nossa personalidade, e temos
inteligência suficiente para perceber que o jogo está sempre em
evolução e temos de evoluir. Se pararmos no tempo, ficamos iguais
aos outros e nós não queremos ser iguais aos outros, queremos
ser diferenciados. Foi um risco, foi novo, mas tínhamos convicção
de que isto iria ser bem sucedido. Independentemente de
conseguirmos chegar à Europa. Porque o que eu sei é que nós
ainda não tínhamos conseguido chegar à Europa e já havia muita
gente de fora a querer comprar, entre aspas, o conceito do jogo do
Rio Ave e isso para mim foi uma satisfação muito grande. Foi a
forma de jogar do Rio Ave que começou a ser vista e houve
conversações e convites, e aquilo que nos disseram foi que isso
não teve a ver com a classificação: "Nós gostámos muito da forma
de jogar da sua equipa e gostávamos que a nossa equipa jogasse
como o Rio Ave joga".
Relativamente ao que disseste sobre as características
individuais dos jogadores, se tiveres, por exemplo, alas que
têm dificuldade em jogar por dentro, entre linhas, e enquadrar
naquele espaço, como fazes?
Boa pergunta também. Estás a fazer boas perguntas hoje [risos].
Se analisares a evolução do Rio Ave, vais ver o Nuno Santos a
jogar na direita, a vir para dentro, na esquerda, a vir para dentro, e
depois vai chegar uma altura em que vês o Nuno Santos aberto na
esquerda. Encontrámos o espaço do Nuno, ou o Nuno encontrou o
seu espaço, dentro da nossa forma de jogar. Passou a jogar no
lugar em que estava mais confortável e nada melhor para um
jogador do que jogar no sítio e nos espaços em que se sente mais
confortável. Nós levaríamos anos a pôr o Nuno Santos a ser um
bom jogador no espaço interior. Mas conseguimos, num ano,
potencializar o Nuno Santos a jogar por fora a um nível
elevadíssimo. Por exemplo, muitas vezes há a ideia de conseguir
fazer com que um jogador que não é rápido, fazendo muitos treinos
de velocidade, melhore. Ele vai melhorar 0,5% em dois anos de
trabalho, ou 1%, para ser otimista. Muitas vezes um jogador tem na
sua natureza um determinado tipo de características, nas quais ele
pode ser muitíssimo bom, e se nós o metemos a jogar onde ele
está desconfortável, nunca será um bom jogador. Esse é um bom
exemplo. O Nuno teve essa passagem e rapidamente acabou por
jogar no sítio onde acho que ele é diferenciado, que é no corredor
esquerdo.
CARLOS RODRIGUES/GETTY
Por falar no Nuno Santos, penso que foi ele contra o Sporting
de Braga e o Diogo Figueiras contra o FC Porto a descerem
para formar uma linha de cinco a defender. Porquê?
Olha, nesse jogo com o FC Porto não jogou o Diego, que
normalmente era o nosso interior esquerdo, e em função disso
jogou o Pedro Amaral, salvo erro, a lateral esquerdo, e o Nuno a
interior esquerdo. E o que é que nós fizemos: jogou o Figueiras,
sim, a fazer o corredor direito, mas o Figueiras tinha dois
momentos distintos. Havia o momento em que o FC Porto estava
com a bola no guarda-redes ou na linha defensiva, em que o
Figueiras avançava para jogar como ala, para tentarmos
condicionar o FC Porto. Mas se o FC Porto tivesse a capacidade,
como teve, várias vezes, de conseguir passar esta primeira linha
de pressão, o Figueiras adotava outro comportamento, que era vir
para a linha defensiva, fazendo uma linha de cinco.
E porquê?
Porque entendemos que jogar com três atrás, naquele jogo... E
fizemos uma alteração estratégica, o que não é muito comum, mas
jogámos com o Toni [Borek] a central do lado esquerdo, ele
normalmente joga na direita. Porque o posicionamento do Marega
era pela esquerda e ele é extremamente rápido a criar
desequilíbrios, por isso o Toni, que é um central rápido, jogou pela
esquerda. Foi bastante eficiente no que tinha de fazer. Depois o
Marega até foi para o outro lado, mas ele do outro lado não é tão
perigoso como a jogar na direita. Entendemos que era importante
ter a linha de cinco a defender e a atacar, nesse jogo,
fundamentalmente a atacar, para desestrurar o FC Porto. Mas
percebemos que poderíamos jogar demasiado baixos se muito
rapidamente viéssemos para a linha de cinco. Se fizéssemos a
linha de cinco a qualquer momento, o FC Porto ia instalar-se no
meio-campo ofensivo e a intenção não era essa, era manter a
matriz. Por isso é que adiantámos o Figueiras e ficávamos com três
jogadores na linha ofensiva, como gostamos de estar, e com mais
três médios, e instalávamos no meio-campo adversário para tentar
condicionar a primeira fase deles o máximo possível, sustendo ali o
adversário o máximo possível. Mas também é importante notar isto:
tens a capacidade de ser altamente pressionante e passado dez
segundos sabes defender em bloco médio/baixo e tens uma
eficiência muito grande a fazê-lo. Da mesma forma que o Figueiras
pressionava, se passassem a linha de pressão, baixávamos as
linhas e ficávamos juntos e difíceis de sermos batidos, dez
segundos depois. Agora as respostas ao ganho de bola também
são completamente distintas.
Dependendo da zona do campo?
Uma coisa é ganhares bola perto da baliza adversária e teres
ações de acordo com isso, mas não é por seres uma equipa de
posse que cada vez que ganhas uma bola e estás no teu meio-
campo defensivo és obrigado a fazer um passe para trás, para os
centrais, e sair limpinho a jogar, etc. Não. Por isso é que digo que
queremos ser uma equipa completa. Podemos ser uma equipa de
posse e gostar de ter a bola, mas se as circunstâncias do jogo nos
obrigaram a jogar em baixo, temos de ser fortes a transitar, porque
temos espaço e jogadores para transitar ofensivamente, portanto
vamos aproveitá-lo. Como é que se treina isto? Dá muito trabalho
[risos]. No fundo, é fazer, no treino, e pôr os jogadores a pensar e a
pressionar num bloco médio, a baixar... Volto a dizê-lo: é a
simplicidade de ter os jogadores todos a olharem uns para os
outros.
Mas tens de treinar tudo: formas de entrar em blocos baixos,
como atacar a profundidade...
Sim. Nós dividimos as coisas assim, já o fazemos há muitos anos:
tenho um treinador focado na organização defensiva, que é o João
Mário, depois o Sérgio [Ferreira] está mais vocacionado para a
dinâmica ofensiva, o João Mário mais para as transições
defensivas e o Sérgio mais para as transições ofensivas. O [João]
Meireles fica na parte inicial que, como já te disse, dá para
perceber que está conectada com a nossa forma de jogar, porque
nos aquecimentos já há alguns indicadores de sub-dinâmicas.
Assim como o treinador de guarda-redes está intimamente ligado
com o nosso processo defensivo. Só para te dar um exemplo desta
ligação: nesse jogo que referiste, do FC Porto, sabes quanto é que
correu o Pawel Kieszek, o nosso guarda-redes? Normalmente os
defesas correm nove ou 10 quilómetros...
Cinco quilómetros?
Correu 7.7 quilómetros. E não correu a defender, correu a dar
linhas de passe, porque precisámos dele a fazer isso no jogo,
correu a tirar profundidade... Corre sempre muito precisamente
porque também está a jogar. Isto é um trabalho... Chegar, fazer 55
pontos numa equipa como o Rio Ave - que tinha o máximo de 51 -,
atingir a Europa e num ano muito difícil, porque normalmente os 51
chegam para atingir a Europa, jogar ao nível que nós jogámos: isto
só é possível se tiveres bons jogadores, obviamente,
comprometidos, e se tiveres uma ideia evoluída para lá chegar, se
não não tens hipótese. E estabilidade do clube em si, que também
é extremamente importante. Tudo isto levou-nos à melhor época de
sempre do Rio Ave.
Relativamente aos adjuntos, já tiveste contigo muitos
treinadores que agora são treinadores principais.
Tem havido ao longo dos tempos, penso que é normal, alguns
jovens que pedem para observar os treinos. O Bruno Lage e o
Renato Paiva, quando eu estava no Vitória de Setúbal, assistiram
praticamente a todos os treinos da época e quando fui para o
Belenenses também. Isso tem sido recorrente. Já tive o Miguel
Cardoso como adjunto, fui buscá-lo a formação do FC Porto,
também tive o Miguel Leal, depois o Bruno, o Luís Nascimento,
agora o Sérgio... A ideia é sempre ir buscar jovens com talento,
que possam acrescentar à equipa técnica e que ao mesmo tempo
que aprendem venham com espírito crítico, porque trabalhar na
formação é necessariamente diferente de trabalhar no futebol
profissional. O que procuramos fazer é tentar puxar por jovens com
talento e dar-lhes a possibilidade de perceberem como agimos e
interagimos com os jogadores. Percebo que eles trazem coisas
mas também levam muitas coisas e, ao fim de um determinado
ciclo, porque esse é o compromisso, estão com liberdade total para
poderem treinar e seguir uma carreia a solo. Beneficiamos todos e
tenho sabido escolher, porque o critério é muito apertado: o critério
número um é a competência e temos tido pessoas competentes a
acompanhar-nos.
MÁRIO CRUZ
Se eu agora quiser antecipar como é que o Braga vai jogar, o
que é que posso dizer?
O Braga vai jogar com os mesmos fundamentos que tivemos, a
fazer evoluir o que nós começámos. Nós, no Rio Ave, começámos.
Tivemos uma experiência muito grande no passado, mesmo em
competições internacionais, no Besiktas, no Sporting, no Braga...
Sentes-te um treinador muito diferente?
Sim, hoje sinto-me um treinador completamente diferente. A
situação do Sporting e do Besiktas foram importantes sob o ponto
de vista da capacidade de resiliência. Vivi situações nos dois
clubes que fizeram de mim um treinador hiper resistente. Não falo
sobre o ponto de vista tático, estratégico, da preparação da equipa,
nessa altura ainda estávamos em evolução e demos respostas ao
que nos pediram. Creio que o Sporting praticou um grande futebol
a determinada altura, com problemas dentro, mas tenho a
convicção que praticámos um grande futebol e precisámos ali de
um ou outro ajustamento que não foi possível, mas tínhamos uma
equipa boa. O meu Besiktas jogava muitíssimo bem, as pessoas
ainda hoje falam disso, fizemos um trajeto espetacular,
principalmente nas competições europeias. O Sheffield Wednesday
jogava muitíssimo bem, por isso é que ainda hoje tenho algum
crédito, modéstia à parte, em Inglaterra. Foi pela forma de jogar,
não só pela forma de abordagem nas aparições públicas [risos].
Mas há sem dúvida nenhuma aqui um momento, não vou dizer que
é um corte, porque não é, mas é um upgrade relativamente ao
passado recente, que foi agora no Rio Ave, que acho sinceramente
que nos atirou para outro nível. E agora queremos dar sequência a
isso.
FERNANDO VELUDO
Não achas que a tua imagem saiu prejudicada, principalmente
pela passagem pelo Sporting?
Não. Como é que eu vou dizer isto.... Tenho uma relação excelente
com muita gente importante, em muitas áreas. Mas as relações
que tenho são pessoais, têm a ver com a minha natureza. Sou uma
pessoa que não é fácil, neste sentido: estou num clube e se eu
entender que este jogador que eventualmente o clube quer
contratar não interessa, eu digo que não interessa. E sei que
muitas vezes dizer "aqui" que não interessa, depois vai prejudicar-
me "ali". Percebes? Era muito mais fácil para mim, se calhar, sim,
senhor, faz favor, está aqui a passadeira. Eu não faço isso, ajo em
consciência. Às ponho-me a refletir que eventualmente já merecia,
nos momentos em que tenho épocas excecionais, em que ninguém
fez o que foi feito, como Leixões, que vai à final da Taça de
Portugal, Vitória de Setúbal, que vence a Taça da Liga, e agora no
Rio Ave... Ainda agora no final desta época tive convites de vários
países. Mas nenhum veio de um empurrão que poderia ter vindo,
de pessoas que conheço e que me poderiam empurrar. Então eu
faço este trabalho, há análises a elogiar, há equipas estrangeiras a
vir falar comigo, pessoas entusiasmadas com a minha forma de
jogar, e aqui no meu país não tenho alguém que me dê um
empurrãozito aqui e ali, pá, como muitos colegas meus têm? Não
tem a ver com relacionamento, porque o meu relacionamento é
excelente com toda a gente, só que eu não sou uma pessoa
cómoda, percebes? Eu não faço fretes a ninguém. Não estou a
dizer que os outros fazem, mas eu não faço e isso tem prejudicado
a minha ascensão mais rápida. Mas prefiro assim, porque já treinei
na 3ª divisão em Portugal, na 2ª, na 1ª, levei equipas às
competições europeias, nunca lutei pelo título em Portugal porque
não pude, porque quando cheguei ao Sporting a equipa estava em
9º lugar. Treinei em condições estratosféricas no Besiktas, um dia
escrevo um livro sobre aquilo. Estava sozinho ali, com uma língua
diferente, com uma equipa técnica que era do treinador anterior,
que estava preso, e que depois veio da cadeia e queria ficar com a
equipa, mas os adeptos não deixam, ficou como diretor desportivo
mas a querer ser treinador... Foi uma coisa... Depois vou para o
Sheffield, reparam em mim e vou para o Swansea, venho para o
Rio Ave, talvez pela primeira vez, aqui em Portugal, numa situação
em que eu estava hiper confortável, em função do meu passado, e
venho agora para o Braga na mesma circunstância. Chego ao
Braga hiper confortável, muito bem comigo, já com estatuto, mas
nunca levei um catalisador, percebes? E eu deveria ter levado um
catalisador e deveria estar a treinar na Premier League um bom
clube, digo isto com toda a sinceridade, devia estar aí e não estou
porque não tenho catalisador. Mas eu vou chegar lá. Agora vou
fazer dois excelentes anos no Braga e depois volto para a Premier
League. Mas vou por mim, ninguém me vai ajudar. E digo isto com
uma ponta de orgulho, mas ao mesmo tempo sabendo que tenho
uma excelente relação com todos, presidentes, agentes e
jornalistas, mas de cordialidade. Agora, fazer favores, não faço. As
pessoas sabem disso. Mesmo os jornalistas amigos, que às vezes
me pedem uma informação: amizade é uma coisa, profissionalismo
é outra. Sei que vou ser penalizado amanhã e o que estou a dizer é
real, sei que vou ser penalizado. Se calhar uma pessoa menos
bem formada pensa: "Não me deste a informação e agora vou dar-
te aqui uma bicada". Já me aconteceu isto no passado. Faço o
meu trabalho e vou por mim. É como a equipa, é não colocar
limites. Até onde puder ir, é ir. Tem sido um trajeto sinuoso porque
nós gostamos de ir para onde nos querem.
Chegaste a dizer que para voltares a um grande precisavam de
te ir buscar pela mão...
Exatamente. Vim pela mão.
O presidente António Salvador foi a casa buscar-te pela mão?
Foi a casa buscar-me pela mão, metaforicamente, sim. Sem dúvida
alguma. Isso foi determinante para estar agora aqui no Sporting
Clube de Braga. O presidente disse: "Gostava muito que viesses,
és a nossa única opção". E mesmo que tivesse outra, não havia
problema, porque esta seria sempre a melhor, portanto para mim
dava-me igual se havia mais opções [risos]. Estou a brincar.
Também temos de ter a nossa autoestima. Não foi nenhum
empresário, com muito respeito. O presidente tem o meu número,
ligou-me: "Preciso de falar contigo, gostava que viesses treinar o
Sporting Clube de Braga". 90% já estava resolvido. Os 10% foram
os pormenores. No Rio Ave também foi assim, 90% foram pela
chamada do presidente António Campos e o Marco Aurélio é um
amigo de longa data. Para mim, é fundamental entrar num clube
assim.
Dizias que ainda não tiveste uma equipa para lutar por ser
campeão. Com os reforços que o Braga já anunciou, já tens
equipa para isso?
Eu percebo a pergunta e, aliás, vou levar com essa pergunta ao
longo do ano e ser metralhado com ela, mas vou responder sempre
da mesma forma.
Mas é o melhor plantel que já tiveste?
O Besiktas tinha um grande plantel, muito bom também, com
muitos internacionais. E o Sporting também, Moutinho, Veloso,
Liedson, Izmailov - craque... Vou responder-te dentro do que já
disse há pouco: não imponho limites mas também não balizo nada
a longo prazo. Temos de tentar perceber até onde podemos ir.
Agora, o que é certo é que perdemos o Trincão, que vai ser
realmente um jogador de eleição, e eventualmente estou preparado
para perder o Paulinho. Estes dois juntos devem ter feito 40 golos,
convém dizer isto. Vamos ter de colmatar. Mas isto não tira
ambição, estou apenas a descrever a realidade. Vamos tentar
ganhar os jogos todos, jogo a jogo, e ver até onde é que a equipa
pode chegar.
Pensando nessa falta de opções no ataque, pediste ao
presidente para o Taremi vir para o Braga?
Sim, sim, obviamente que sim. Se eu dissesse o contrário, as
pessoas iriam estranhar. Foi um jogador que fui buscar e apostei
nele.
Onde é que o viste?
Via muitas vezes a jogar, porque sigo o Carlos Queiroz, tenho
apreço e amizade por ele, o Irão, e o Mehdi jogava
fundamentalmente da esquerda para dentro. Era um jogador com
características muito boas. Depois vi-o numa viagem que fiz a
Doha, para ver a Aspire, porque havia uma possibilidade de
trabalhar lá e fiquei uma semana. Vi um jogo em que o Mehdi jogou
como avançado e gostei muito dele. Dele e de um guarda-redes
que estava na seleção do Irão. Tentámos os dois para o Rio Ave.
Demorámos quase um mês a convencer o Mehdi a vir para
Portugal. Falei com ele, pedi ajuda ao Carlos Queiroz, ele depois
entrou em contacto com o tradutor, que também deu uma grande
ajuda. Ele queria vir para a Europa, porque ele tinha uma proposta
da ex-equipa do Rui Faria, que era muito alta do ponto de vista
financeiro. Ele é uma pessoa diferenciada. Creio que ele está um
bocadinho para o futebol como eu: gosta do jogo, tem paixão pelo
jogo, não põe o dinheiro à frente, gosta de pessoas que o agarrem
pelo braço e que o tragam, e que o façam sentir. Conheço bem as
pessoas do Irão, são pessoas que falam muito do coração, dizem
muito: "És meu amigo do coração". E ele é realmente uma pessoa
de afetos. Gosta de se sentir desejado e acabou por aceitar vir
para um clube... Com muito respeito pelo Rio Ave, mas era um
jogador com um nível completamente diferente.
Acreditas que vai jogar no Braga?
O futuro não sei. Não o tenho prisioneiro a mim, obviamente. Se
gostava que ele viesse? Sim, muito. Se vier, muito bem,
acrescenta, se não vier, o Sporting Clube de Braga continua a ser
uma grande equipa.
O Gaitán também acrescenta?
Se vier, acrescenta, sim. Tive oportunidade de falar com ele, o que
é importante para perceber o que vai na cabeça do jogador, e vi um
jogador extremamente motivado, cheio de vontade. Conheço bem
o perfil dos jogadores que têm na casa dos 31, 32, 33 anos. Há três
tipos de combustíveis, não é no futebol, é na vida: pessoas que se
movem pelo dinheiro, pessoas que se movem pelo medo e
pessoas que se movem naturalmente, pelo orgulho que têm
naquilo que fazem, independentemente do medo ou de não haver
dinheiro, até para ordenados, e o Gaitán pareceu-me claramente
um jogador deste registo, de orgulho, tipicamente argentino. Estes
jogadores que são grandes jogadores, chegam à casa dos 30 anos
e querem prosseguir a carreira o máximo possível, porque gostam
de jogar e querem mostrar a toda a gente que continuam bem, e
têm até às vezes maior ambição do que miúdos de 18 e 19 anos.
Senti o Gaitán assim.
Foi opinião mais ou menos unânime em relação à época que
passou: tirando o Rio Ave e o Famalicão, talvez as equipas
que mais se destacaram, não houve grande qualidade de jogo
na Liga. Na próxima época, contigo no Braga, com o regresso
de Jorge Jesus ao Benfica e com a entrada de treinadores
jovens, como o Vasco Seabra e o Mário Silva, vês condições
para a Liga ser mais interessante?
Os bons treinadores são bem-vindos. Ainda esta semana estava a
falar com um amigo e pensámos nisto: imagina se 70% dos
treinadores portugueses regressassem a Portugal. Não havia
clubes para todos, obviamente [risos], mas considerando apenas
os melhores treinadores, assim como os melhores jogadores
portugueses que temos no estrangeiro: tínhamos uma Liga top.
Esta é que é a realidade. Ou seja, temos treinadores e temos
jogadores, temos dirigentes, temos bom jornalismo, de análise,
competente, mas tratamos mal o futebol. Nós tratamos muito mal o
futebol. Temos esta pecha, não sabemos valorizar aquilo que
temos de bom, numa indústria que exporta milhões de euros, como
se viu agora com o Trincão, e com o João Félix no ano passado.
São milhões de euros que colocamos no estrangeiro e às vezes
levamos isto de forma leviana. Relativamente à qualidade, os
treinadores são bem-vindos e o regresso de Jesus é bem-vindo,
porque é um excelente treinador, que vai trazer qualidade à Liga,
obviamente. E há também jovens treinadores que querem provar
que têm qualidade. Espero, aliás, tenho a certeza que a Liga para a
próxima época vai ser melhor. Realmente, o nível das equipas que
lutaram pelo título este ano não esteve no habitual. Vamos esperar
que todas as equipas possam produzir melhor futebol, com mais
qualidade, porque realmente não foi um bom ano. O Rio Ave e o
Famalicão, concordo, diferenciaram-se pela qualidade de jogo. O
FC Porto, pelo ganhar, porque também temos de olhar um pouco
para os recursos do treinador, porque gerir os recursos que temos
é uma forma inteligente de conseguir os objetivos. Mas, no geral, a
qualidade da Liga acabou por ser mediana e todos nós temos de
fazer melhor na próxima época.