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Formar e ser Formado: A condição do ser jovem educador popular em movimento

Julio Carlos de Souza


juliocarlosoficial@hotmail.com - (35) 98402-8473
Graduando em Ciências Sociais
Integrante do Programa Observatório da Juventude
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Gabriel Lyra de Melo Franco


gabriel.franco1291@gmail.com - (31) 97578-0920
Graduando em Ciências Sociais
Integrante do Programa Observatório da Juventude
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Resumo: O Emancipa Floresta é uma unidade de cursinho popular em Belo Horizonte da


Rede Emancipa, que se configura como um movimento social de educação popular com
atuação em todas as regiões do Brasil há mais de 10 anos. O cursinho atualmente é composto
por 3 coordenadoras/es, 18 professoras/es, e 6 alunas/es/os ativos por semana. As aulas na
nossa unidade, que acontecem aos sábados, compõem um quadro de oito horários por
semana. Estar no cursinho, presencialmente, proporciona diversos espaços de sociabilidade,
nos quais educadoras/es, educandas/es/os e coordenadoras/es fazem trocas constantemente.
Atuar dentro de um movimento social de educação como o Emancipa atravessa processos
dinâmicos que são constituídos por toda uma organização sobre o que é sermos
educadoras/es, educandas/es/os, militantes, coordenadoras/es e pesquisadoras/es. Essa
organização não se faz, porém, sem o diálogo e construção de identidades que cada um dos
sujeitos traz no cotidiano do movimentar-se. Se é de sujeitos e a partir deles que se faz a
prática, é importante ressaltar o caráter coletivo que se torna pilar central da nossa concepção
de educação. Portanto, temos, como base, os princípios da educação popular de perspectiva
Freiriana, que compreende a relação com os outros como centro dos processos de produção
de conhecimento. Nosso artigo se apoia na ideia de que a educação é um processo através do
qual cada indivíduo vai se formando e sendo formado como ser humano através da
experimenta­ção de si mesmo (CHARLOT, 2000). Por meio dessas experimentações,
entendemos que nossas juventudes são produzidas. Contudo, defendemos que essa produção
só faz sentido se for colocada em um contexto territorial, temporal, histórico, político, teórico
e dialético.

INTRODUÇÃO
À medida que os movimentos sociais se educam e são educadores (GOMES, 2012),
fica cada vez mais evidente a necessidade de registro e memória das experiências
proporcionadas por eles, para que também os espaços acadêmicos sejam educados, e
posteriormente eduquem com esses saberes produzidos e necessários para a construção de
uma sociedade mais igualitária. É com esse objetivo que, enquanto jovens educadores de
Ciências Sociais da Rede Emancipa, decidimos escrever este artigo, para compartilhar as
reflexões que os saberes da nossa experiência nos proporcionaram, refletindo na ação, e
agindo na reflexão, durante três anos de trabalho.
O recorte do nosso trabalho não é possível se não contextualizado com o chão que
pisamos, e com as trocas que fazemos nos espaços que ocupamos. É por isso que nos
apresentamos enquanto docentes de Ciências Sociais, estudantes universitários da
Universidade Federal de Minas Gerais, bolsistas de Iniciação Científica no Observatório da
Juventude e militantes do movimento social de educação Rede Emancipa.
Estar nesses espaços nos proporcionou construir nossa prática docente com a
consciência de que a educação, por mais que fortemente desafiada pelas mazelas sociais e
pelo sistema reprodutor de desigualdades sociais que é o capitalismo, persiste e resiste, sendo
um campo de transformação social. É nele que construímos a educação popular, e é por meio
dele que pretendemos, coletivamente, lutar pela emancipação popular. Nos possibilitou
também, problematizar não só esses espaços, mas apontar suas potencialidades também, na
busca de uma construção efetiva, mas que não alheia de suas lacunas.

O MOVIMENTO DA REDE EMANCIPA-BH


Participar de um movimento social implica, necessariamente, em uma atuação que,
organizada, trabalha com motivações e princípios políticos. Os pilares que sustentam o
movimento que fazemos parte são a Educação Popular, a luta anticapitalista pela
emancipação da população, e a construção dialética de sentido da nossa prática com todas/os
as/os envolvidas/os. Mas quais as implicações desses princípios na organização de cursinho
popular, afinal? Qual a diferença na organização de um cursinho pré-ENEM das instituições
privadas dos populares? Como um movimento que defende o fim dos exames
pré-vestibulares se organiza na preparação para esses exames? Essas são perguntas que, ainda
que não ocupem a centralidade deste artigo, atravessam diretamente nosso trabalho, e que
serão apresentadas nessa seção.
Aqui trazemos a noção de “movimento” em duas dimensões que se articulam
continuamente: 1) a de sermos docentes em um “movimento social” de educação; 2) e a de
reconhecermos os processos dinâmicos pelos quais passamos no cursinho, que exigem uma
movimentação constante. Para isso, vamos apresentar o movimento que fazermos parte, a
Rede Emancipa, e depois vamos falar sobre o recorte da docência neste movimento em Belo
Horizonte/MG.
A Rede Emancipa se configura enquanto um movimento social de educação popular,
e tem atuação em mais de vinte cidades, espalhadas pelas cinco regiões do país, se
organizando, em maior parte, a partir de cursinhos pré-universitários1. A regional que
ocupamos na rede é a da região metropolitana de Belo Horizonte, que apesar de já ter sido
composta por quatro unidades, hoje é composta por duas, que persistiram apesar das
dificuldades impostas pela pandemia de COVID-19.
A nossa unidade, nomeada Emancipa Floresta, está ativa há mais de 2 anos, e se
localiza, presencialmente, no Centro de Referência das Juventudes (CRJ), equipamento
público da prefeitura de BH, no centro da cidade. A escolha do centro da cidade foi política, a
partir de discussões sobre a necessidade de ocupação dos equipamentos públicos e da cidade
e pela facilitação de acesso de transporte público das diversas periferias de BHRM para o
centro.
Atualmente, em 2022, nossa equipe é composta por 3 coordenadoras/es2, 18
professoras/es, e no início do ano, obtivemos um total de 72 inscrições de alunas/es/os. Desse
quadro educadoras/es, somente uma pessoa já se formou na universidade, o que significa que
a equipe de professoras/es é majoritariamente composta por estudantes universitárias/es/os,
em maior parte no percurso de licenciatura (vão se certificar para se tornarem professoras/es).
É possível dizer, então, que essa equipe é composta, necessariamente, por ‘novas/es/os
docentes’.
As aulas da nossa unidade acontecem aos sábados, e são compostas por um quadro de
oito horários que começam às 9h e terminam às 17h20, contando com três intervalos durante
o dia. Ainda que seja uma carga horária extensa para um dia, a escolha dessa de aulas
somente aos sábados partiu do objetivo de atender a um público, sobretudo juvenil, que
estuda e/ou trabalha durante a semana, e que teria, enquanto alternativa para estudar para o
ENEM, comparecer presencialmente durante a noite ou no fim de semana.

1
Nomear o cursinho enquanto pré-universitário, e não pré-vestibular ou pré-ENEM, se enquadra
enquanto classificação política da nossa atuação. Distante de ser uma organização de aulas para passar
em um exame, está intrínseco, enquanto intencionalidade no nosso planejamento, as discussões sobre
o que é a universidade, suas culturas, e no que implica o próprio ENEM.
2
A linguagem neutra e não sexista adota neste artigo se apresenta enquanto uma escolha política e
inclusiva.
A partir das experiências dos últimos três anos, podemos dizer que há uma evasão
recorrente do alunado ao longo do ano. Então se por um lado começamos o ano com 72
inscrições, hoje nosso alunado “constante”3 compõe um grupo de aproximadamente 7
alunas/es/os. Aqui é importante ressaltar que essa “nossa” evasão pouco se parece com a
evasão escolar, ainda que ambas sejam multidimensionais e sejam atravessadas por
problemáticas similares. Esse assunto, muito caro às organizações dos cursinhos, merece
atenção, aprofundamento, pesquisa e discussão.
Foi nessa dinâmica de aulas que a Ciências Sociais4 se inseriu no quadro de horários
rotativos dos sábados tendo aulas quinzenais, duas vezes por mês, que somaram doze aulas
durante o ano de 2022. Nossa atuação começou no planejamento do nosso cronograma de
iraulas, e persistiu perene em reuniões semanais nas quais avaliamos e planejamos as aulas
que ministramos, construindo um registro virtual no Google Drive para construir a memória
da nossa atuação, e para também compartilhar com nossos pares por quais caminhos
passamos e quais reflexões foram provocadas por esses caminhares.
Dentre as avaliações, podemos ressaltar com centralidade a necessidade que surgiu de
(re)fazer constantemente nosso cronograma temático de aulas, já que não houve uma
presença constante de alunas/es/os durante o ano. Foi frequente, portanto, não só a retomada
de conceitos e discussões que fizemos em aulas que já haviam acontecido, como também
adiantarmos discussões que havíamos previsto de acontecer depois, pelo reconhecimento de
que não necessariamente aquelas/es alunas/es/os estariam nas próximas aulas.
Além do “desapego” intencional que tivemos com nosso planejamento anual, também
teve centralidade nas nossas avaliações quais metodologias eram possíveis, diante da
intencionalidade das/os alunas/es/os de se prepararem para o ENEM. Quais aberturas
metodológicas são possíveis de serem aproveitadas para experimentar outros modelos, que
não o “tradicional expositivo” de aula?; e de quais formas podemos construir educação
popular na exposição e preparação para o exame conteudista que é o ENEM? Essas perguntas
nos orientaram diversas vezes, quando desmotivados com a limitação que é estar em um
cursinho, porque ainda que não exista uma resposta pronta - e nem possa ter - são nelas que
retomamos a intencionalidade da nossa atuação: formar e sermos formados com o alunado,

3
Consideramos constantes os alunos que têm tido uma frequência regular nos sábados, e que, apesar
de algumas faltas, comparece às atividades propostas dentro e fora do CRJ.
4
Cada vez mais se tem discutido a necessidade de mudança do nome disciplinar de “Sociologia” para
“Ciências Sociais”, pelo reconhecimento não só da afinidade das três áreas do saber - Sociologia,
Ciência Política e Antropologia -, mas também das razões pelas quais “sociologia” ocupou esse
espaço na educação básica. Essa mudança também atravessou o cursinho, e implicou na mudança do
nome da disciplina para “Ciências Sociais” para o ano de 2023.
no fortalecimento de um imaginário coletivo crítico que defenda o acesso à universidade
enquanto um direito, sem um processo excludente. Portanto, já em nossos princípios
apresentamos que “um cursinho não deveria existir e lutamos para que a barreira do
vestibular deixe de existir”, e para isso, nas aulas, constantemente sociologizamos o ENEM, e
o acesso às Universidades.

JUVENTUDES EM MOVIMENTO
Compartilhamos aqui nossa prática, que se apresenta contextualizada em nossa
condição juvenil. Nos apoiamos na discussão teórica a respeito das juventudes tanto na
formulação de nosso argumento nesse artigo, quanto em nosso trabalho construído
diariamente dentro do movimento social. Partimos da defesa de que a juventude não se limita
apenas na dimensão etária, mas sim, referenciando Margulis e Urresti (1996), é uma categoria
que se constrói dentro da dimensão simbólica, dos signos, de forma cultural e também dentro
da produção social, histórica, e política. E que o ser jovem, pode ser construído a partir de
singularidades diversas, configurando um caráter plural para as juventudes.
Dessa forma, percebemos que nossa atuação dentro de um movimento social está
diretamente associada com a nossa condição juvenil. Ser jovem e estar em movimento, para
nós, se configura em enfrentar constantemente concepções limitantes acerca de nossas
representações. Especialmente no que se refere à pré-concepção de jovem enquanto um ser
‘rebelde’, ‘problemático’, ‘transgressor’ (ABRAMO, 2005; DAYRELL e CARRANO,
2014), como também o hábito comum de subestimarem e menosprezarem as potencialidades
das/es/os sujeitas/es/os apenas por serem jovens, entendendo a condição juvenil como um
“vir a ser” (DAYRELL; CARRANO, 2014, p. 106), e que portanto, não possui qualificação
ou status para participar nas discussões, ou ter suas opiniões valorizadas nas tomadas de
decisões.
Mesmo dentro do Emancipa, que se propõe a ser construído a partir de uma
horizontalidade das/es/os atores, não é fácil de romper com a hierarquia etária que todos já
estão acostumados. As/os educadoras/es mais jovens comumente se sentem mais inseguras/os
de exercerem espaços de liderança e coordenação. E tentamos, ainda, produzir uma educação
popular feita COM as/es/os educandas/es/os, que por sua vez, apresentam dificuldades
iniciais de se sentirem parte do processo, por estarem acostumadas/es/os com a educação
bancária e tradicional.
Caracterizamos a juventude em movimento, enquanto jovens ou grupos juvenis que se
organizam enquanto redes, e que carregam consigo e em suas ações “a característica juvenil
através da mudança e da transitoriedade” (MELUCCI, 1997, p. 13). Que constróem em seus
cotidianos novas formas de relações sociais, de perspectivas de mundo, e outras vivências.
Redes que negociam o novo e o velho, o viável e o inviável, o individual e o coletivo, as
potencialidades e as limitações, na busca de uma mudança da realidade social.
Contudo, é necessário pontuar que não se trata de uma negociação tranquila, estável,
nem pacífica. É uma negociação que se faz muitas vezes pelo conflito, pela briga, pela
dialética. Não podemos simplesmente considerar as juventudes como “atores com papel
especial de transformação” (ABRAMO, 2005, p. 22), sem explicitar a grande dificuldade de
transformação social que é imposta pelo sistema opressor capitalista no qual vivemos. Como
pode a juventude ser responsável por movimentar a sociedade sem ter ao menos seus direitos
garantidos? Ou sem que suas demandas sejam ouvidas e atendidas?
Consideramos, logo, as juventudes enquanto parte essencial e singular da sociedade
civil. Em um aspecto social e plural, como sujeitas/es/os, cidadãs/ãos, que são capazes de
opinar e tomar suas próprias decisões, e que também precisam de garantir seus direitos, e
políticas públicas que de fato atendam a suas necessidades. Para Melucci: “Quando a
democracia for capaz de garantir um espaço para que as vozes juvenis sejam ouvidas, (…)
movimentos juvenis poderão tornar-se importantes atores na inovação política e social da
sociedade contemporânea” (1997, p. 13-14). Porém, defendemos que essa ideia precisa ser
ultrapassada. E que não basta apenas construir um espaço de escuta para as juventudes, mas
sim se dispor a construir espaços em conjunto com elas.
Atentamos que as juventudes em movimento já se constituem enquanto atores centrais
na esfera política e social. Todavia rejeitamos a visão de responsabilizar as juventudes
enquanto uma espécie de salvadoras/es, desempenhando um papel de resolver, mudar ou
mitigar todos os problemas da sociedade. A inovação de fato só é possível se for construída
em um diálogo horizontal com as juventudes, no qual elas/es não sejam alvo de estigmas, por
conta de suas deformações, nem idealizadas/es/os, por expectativas inalcançáveis que lhes
foram lançadas.

ATORES EM MOVIMENTO
Trazendo essa perspectiva para uma materialidade maior, entendemos as juventudes
em movimento da Rede Emancipa enquanto grupos juvenis que não só clamam por direitos
sociais e políticos, mas como também por uma educação popular verdadeiramente
emancipadora. Assumimos em nossa prática, que a educação popular, e o fazer COM elas/es
são eixos principais e que não pode ser dissociado de nenhuma ação que produzimos. Logo,
consideramos que lutar por uma educação formativa que entenda essas/es educandas/es/os
enquanto sujeitas/es/os centrais do processo educativo, é também lutar pelas necessidades e
demandas de cada um desses sujeitas/es/os. É lutar pela garantia dos direitos fundamentais
delas/es, lutar por uma possibilidade de vida digna de cada um, se posicionar contra a
estrutura colonial, racista, capitalista, patriarcal, lgbtqia+fóbica, capacitista e intolerante.
Mas quando falamos de estrutura, falamos de um sistema opressor que não só foi
imposto, mas que criou mecanismos de auto-alimentação constantes e contemporâneos, em
um ciclo infinito, produzindo cada vez mais obstáculos para a luta social. Então se posicionar
contra esse sistema, significa entender que fazemos parte dele, e que ele nos atravessa de
diversas formas. Mas que também, para rompê-lo, é necessário um trabalho árduo e longo de
ressignificação, a partir das brechas do próprio sistema. Por entendermos que se trata de uma
luta que vai além de nós, que está presente há muitos anos e estará por muito mais outros,
tentamos construir, aos poucos, espaços de ressignificação dentro do cursinho, para que seja
cada vez mais possível reverter essa estrutura, e enfrentar essas opressões.
Um exemplo de ressignificação é a prática de “círculos” que fazemos no
Emancipa-BH, essa prática se inspira nos círculos de cultura muito produzidos por
movimentos de educação popular, pautados em uma metodologia freireana. Nos círculos,
sentamos em roda, e discutimos, em conjunto, temáticas que perpassam o contexto dos
nossas/es/os educandas/es/os e educadoras/es. Em algumas ocasiões os círculos são
rigorosamente preparados previamente, e em outras ele é construído horizontalmente, a partir
das discussões mais latentes que as aulas proporcionaram naquele dia em específico.
A produção dentro desses espaços ultrapassa a limitação das disciplinas e dos
conteúdos fechados, indo por caminhos da transversalidade e interseccionalidade a depender
das/es/os sujeitas/es/os que ali estão presentes. Dessa forma, vamos ressignificando o que é
construção de conhecimento, quem tem o poder de dizer ou saber algo e quais são os saberes
relevantes de serem discutidos. É uma das estratégias pedagógicas do movimento de não se
limitar em uma preparação para o ENEM, ou só construir conhecimentos fechados em
disciplinas isoladas.
Outro exemplo de limitações que necessitam de ressignificação é a própria preparação
para o Exame Nacional do Ensino Médio - que de médio não tem nada - na qual é exigido
uma carga teórica extremamente conteudista. Nesse contexto, a solução mais “fácil” - e
geralmente adotada por cursos pré-vestibulares - é um modelo de aula que se baseia em
transmitir conteúdos continuamente PARA o alunado, com o objetivo de apresentar o
máximo de conteúdo possível, mesmo que de forma superficial ou dissociada da realidade
das/os jovens. Porém, como nos comprometemos com a educação popular, foi necessário
reconhecer a intencionalidade das/es/os nossas/es/os alunas/es/os, que é “passar no ENEM”,
para depois entender com qual intencionalidade seriam planejadas as aulas, com quais
metodologias e grades curriculares.

FORMAR E SER FORMADO

A noção de que a certificação, dada pelas licenciaturas nas universidades, é o marco


para o “se tornar docente” é comum, e faz parte de um conjunto de pré-concepções do que
essa categoria representa na sociedade. Por isso, não é um exercício comum, por exemplo,
imaginarmos que nossas/es/os professoras/es, sejam elas/es do ensino infantil, sejam elas/es
pós-doutoras/es do ensino superior, em algum momento ministraram suas “primeiras aulas”.
Ou seja, tiveram o “frio na barriga” e a insegurança de mediar um espaço formativo e
educativo pela primeira vez, que não se sentiam preparadas/es/os para ministrar. Isso porque,
dentre as pré-concepções que citamos, estão entre elas a visão de que professoras/es já são
seres acabadas/es/os, ou, utilizando a linguagem dos processos escolares, “formadas/es/os”.
Sobre essa noção “conclusiva” que perpassa o imaginário coletivo do que é ser
professor/a, Freire (2007) nos permite refletir como é importante que reconheçamos e
compreendamos nosso inacabamento enquanto seres humanos, já que estamos
constantemente aprendendo em todas as nossas experiências. Pois “a consciência do mundo
e consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua
inconclusão num permanente movimento de busca” (FREIRE, 2007)
Logo, é nesse inacabamento do ser humano que entendemos a nossa potência
enquanto seres sociais. Entendemos que é dessa forma que produzimos o “sistema de
sentido” que Bernard Charlot chama de educação: “Esse sistema se elabora no próprio
movimento através do qual eu me construo e sou construído pelos outros” (2000, p. 53). E
assim, de forma coletiva, vamos construindo e sendo construídos enquanto educadores,
formando e sendo formados dentro dos contextos em que vivemos, e dos espaços sociais em
que pisamos. Tanto nos espaços acadêmicos, quanto nos espaços de experiências, pois
entendemos que ambos são formativos.

CONCLUSÃO
Para além de todas as problemáticas que desenvolvemos neste trabalho, evidenciamos
aqui a potência que é nos lançarmos à elas. A docência, no Brasil, é uma das categorias que
têm maior capilarização social, logo, não há docência sem política. Ser movimento social é
isso: estar em movimento. Sabemos que defender e construir uma educação que seja
verdadeiramente popular não é seguir um modelo pronto e muito menos cristalizado, mas sim
lidar dialeticamente com as contradições sistêmicas e cotidianas que nos atravessam na
sociedade em que vivemos. Nosso objetivo não é apresentar soluções para o que levantamos,
mas coletivizar e registrar algumas das brechas e atalhos que encontramos nos caminhos que
percorremos na nossa trajetória docente.
Quando Soares do Bem diz que os movimentos sociais são e vêm se construindo cada
vez mais enquanto alternativa e referência. (2006), é possível acrescentar que isso acontece
porque são construídos por e com quem lida com a dinâmica social. Ou seja, as alternativas e
decisões construídas pelos movimentos sociais não são, ou pelo menos não devem ser,
individuais, mas sim coletivas, porque apresentam soluções coletivas para problemas
coletivos. Por isso, apontamos a necessidade de uma emancipação da população, que seja
fundamentada e construída dentro da educação popular, porque “se a educação sozinha não
transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. (FREIRE, 2000).
Nem sempre é possível estar em plenas condições de trabalho dentro de um
movimento social, na qual requer comprometimento, energia, disposição, e vontade.
Especialmente se contextualizarmos na sociedade capitalista em que vivemos, a noção de
trabalho, que para muitos é vista dentro de uma lógica produtivista, salarial e lucrativa.
Contudo, concordamos com Leal quando diz que “O trabalho, para os jovens,
constitui seus vínculos sociais, suas identidades e subjetividades” (2017, p. 148). E assim,
entendemos, que a Rede Emancipa se coloca enquanto um movimento social de educação,
que luta por uma educação popular emancipadora e anticapitalista que promova a formação
humana. O que nos possibilita construir um vínculo com nosso trabalho, no qual nos
sentimos representados,pois nos identificamos com ele, o que impulsiona nossos esforços e
complementa nossa atuação.
Para isso, mais uma vez salientamos que é necessário comprometimento,
territorialização, responsabilização coletiva, e condições materiais de trabalho e atuação.
Portanto, é justamente reconhecendo os desafios que são lançados as diferentes atuações
juvenis no país que são necessárias mais políticas e aberturas institucionais para a construção
de espaços formativos, em que educamos enquanto somos educados. Nesse sentido, paralelo
às discussões propostas por Nilma Lino Gomes, apresentamos que os movimentos sociais de
educação também são educativos e formativos, sobretudo quando construídos com a
diversidade de juventudes que vivem e apresentam alternativas às diferentes dinâmicas
sociais.
Referências Bibliográficas

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