Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DE
CATÁSTROFES
O r g a n iz a d o r e s
At í l i o Ava n c i n i
Madalena Hashimoto
M i c h i ko O k a n o
ECOS
DE
CATÁSTROFES
O r g a n iz a d o r e s
At í l i o Ava n c i n i
Madalena Hashimoto
M i c h i ko O k a n o
ECOS
DE
CATÁSTROFES
O r g a n iz a d o r e s
At í l i o Ava n c i n i
Madalena Hashimoto
M i c h i ko O k a n o
Organização
Atílio Avancini
Madalena Natsuko Hashimoto Cordaro
Michiko Okano
Revisão
Atílio Avancini
Madalena Natsuko Hashimoto Cordaro
Michiko Okano
Renata Manoni Castanho
Tikinet
Comissão editorial
Cynthia Andersen Sarti (Universidade Federal de São Paulo)
Joel La Laina Sene (Universidade de São Paulo)
José Afonso Medeiros de Souza (Universidade Federal do Pará)
Marco Giannotti (Universidade de São Paulo)
Pedro Rabelo Erber (Universidade Waseda)
Rosana Pereira de Freitas (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Seth David Jacobowitz (Universidade do Estado do Texas)
Shiro Iyanaga (Universidade de Quioto para Estudos Estrangeiros)
Comissão técnica
João Kurohiji
Rafael Mariano Garcia
Alexandre Nakahara
Ryanddre Sampaio de Souza
ISBN : 978-65-87080-52-9 .
Relvas de verão:
Combates dos heróis
Menos que um sonho.
Trad. de Olga Savary
Relvas de verão!
Dos sonhos dos guerreiros,
Apenas o que restaram.
Trad. de Meiko Shimon
19 Prefácio
Michiko Okano
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
RESUMO
Conceito importante na estética japonesa, mono-no-aware foi
associado por Donald Richie a alguns filmes, que abordam a
bomba atômica de Hiroshima, como um modo de se caracte-
rizar a reação passiva e conformista autenticamente nipônica
perante catástrofes. Este texto procura revisitar o significado
desse conceito, geralmente compreendido como uma sensi-
bilidade centrada na percepção de transitoriedade, efemeri-
dade e melancolia que cerca as coisas do mundo, bem como
discutir as relações estabelecidas por Richie. Observa-se que
o vocábulo adquiriu significados diversos de acordo com os
períodos e permanece atualmente a correlação realizada
por Motoori Norinaga, pesquisador da linhagem Kokugaku
no período Edo (1603-1868), vinculando-o especificamente
à obra clássica Narrativas de Genji, de Murasaki Shikibu,
do período Heian (794-1185). Para aprofundar no tema e
seu diálogo com a arte e cultura japonesa, serão utilizados
teóricos como Yoshinori Ōnishi, Yoshie Okazaki e Takahito
Momokawa, entre outros.
Palavras-chave: Arte. Estética japonesa. Cinema japonês.
Mono-no-aware.
36 Cordaro M. N. H. & Okano M.
ABSTRACT
An important concept in Japanese aesthetics, mono-no-aware
was associated by Donald Richie with some films, which deal
with Hiroshima’s atomic bomb, as a way of characterizing the
typical passive and conformist Nipponese reaction in the face of
catastrophes. This text intends to revisit the meaning of this concept,
usually understood as a sensibility centered on the perception of
transience, ephemerality, and melancholy towards the things of the
world, and discuss the relationship established by Richie. We observe
that the word acquired different meanings according to the periods
and, to this day, the correlation carried out by Motoori Norinaga
(1730-1801), researcher and linguist from the Kokugaku lineage
in the Edo period (1603-1868), remains, linking it specifically to
the classic oeuvre The Tale of Genji, by Murasaki Shikibu, of the
Heian period (794-1185). To deepen the theme and its dialogue
with art and culture, works from scholars such as Yoshinori Ōnishi,
Yoshie Okazaki, and Takahito Momokawa will be used.
Keywords: Art. Japanese Aesthetics. Japanese Movies. Mono no aware.
2 “‘This happened; it is all over and finished, but isn’t it too bad? Still, this world
is a transient place and this too is sad; what we feel today we forget tomorrow;
this is not as it perhaps should be, but it is as it is’. This awareness of evanescence
and the resulting lamentation has a term in Japanese: mono no aware. It indi-
cates a feeling for the transience of all earthly things; it involves a near-Buddhist
insistence upon recognition of the eternal flux of life upon this earth. This is the
authentic Japanese attitude toward death and disaster (once an interval has
passed), and the earliest films as well as the latest, in part at least, insist upon it.”
REFLEXÕES SOBRE MONO-NO-AWARE 39
5 “One forgets, it is too bad, but one forgets pain as one forgets pleasure, one
cannot hold this smooth and moving life.”
6 “Life is transient, life is evanescent, life is forgetting; ‘and in this valley of tears
there is no meaning’.”
REFLEXÕES SOBRE MONO-NO-AWARE 41
10 “[...] Norinaga associates depth of feeling with torment and pathos; in his
view, sorrow over forbidden and repressed desires is more powerful than joy
and happiness, better suited for producing moving poems and monogatari.”
Monogatari refere a forma de escrita de ficção em prosa que se originou
no século X; várias traduções são possíveis de acordo com suas carac-
terísticas e correspondências com formas ocidentais: Genji monogatari
traduz-se por The Tale of Genji, Le Dit de Genji, Narrativas de Genji. Outras
versões incluem: Genji novel, La novela de Genji, Contos de Genji, Romance
de Genji. Aqui adota-se o termo “narrativas” por ser mais próximo de
sua acepção linguística (mono o kataru, contar coisas), bem como uma
posição mais afastada dos gêneros literários ocidentais.
46 Cordaro M. N. H. & Okano M.
11 “[...] only the first step in the process of grasping the objective potential of aware
as the result of an aesthetic experience.”
12 O dicionário, compilado de 1932 a 1937 pelo lexicólogo, linguista e
historiador Fumihiko Ōtsuki (1847-1928), foi registrado por Ōnishi,
aqui citado por Marra (1999).
48 Cordaro M. N. H. & Okano M.
17 “It is like a dark and secluded depth that lies equally, togetherly and basically
in the innermost of mono no aware that the phenomena of the present world
occasionally recall to our memory.”
18 “[...] a communication is created in which the subject (or ‘moment of artistic
feeling’) and the object (or ‘moment of natural feeling’) come together.”
19 “[...] concealed in the ‘abyss’ (Abgrund) of ‘nothingness’ from which sorrow
and pleasure originate.”
REFLEXÕES SOBRE MONO-NO-AWARE 51
23 “I have said at the outset that mono no aware was a sentiment of sadness, but in
fact it is a sadness that is constantly evolving toward gaiety. I should be careful
to note that his gaiety was nothing other than a sort of salvation for the urban
citizen of the early modern period for whom a feeling of powerlessness was
endemic. In this way, ‘mono no aware’ becomes the basic principle of solidarity
and of salvation in the godless cities of early modern Japan.”
54 Cordaro M. N. H. & Okano M.
BIBLIOGRAFIA
MEMORY and Time in Hiroshima Mon Amour | Film Analysis. [S. l.:
s. n.], 2020. 1 vídeo (17 min). Publicado pelo canal Homeland Cinema.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=W11W9BGonVA.
Acesso em: 19 mar. 2022.
SILVA, Diego César Porto da. Mono no aware e sua relevância filosó-
fica: a melancolia na poética japonesa. In: FREITAS, Verlaine; COSTA,
Rachel; PAZETTO, Debora (org.). O trágico, o sublime e a melancolia.
Belo Horizonte: Associação Brasileira de Estética, 2016. v. 4, p. 61-79.
FILMOGRAFIA
ANATOMIA do medo (Ikimono-no kiroku 生きものの記録). Direção: Akira
Kurosawa 黒澤明. Tokyo: Toho Company, 1955. 1 DVD (103 min), P&B,
mono.
A ARTE DA PAZ:
O CORAÇÃO DE HIROSHIMA
ATENUA A BOMBA ATÔMICA
Atílio Avancini
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO
Na temática “A arte da catástrofe e a cultura japonesa”,
o que visamos aqui é apresentar um relato crítico de expe-
riência pessoal no parque e no museu Memorial da Paz em
Hiroshima. Com o acontecimento desastroso de grandes
proporções causado pela explosão da bomba atômica em 6 de
agosto de 1945, busca-se encontrar na estética museográfica
do horror uma ressignificação. A proposta de compreender
“o coração de Hiroshima”, mobilizado pelo desejo de paz,
fomenta a conciliação da não violência e do silêncio, desen-
volvendo firme rejeição à tragédia e superação do trauma.
Na integração entre o tempo presente e o tempo passado,
a imaginação voa alto ao encontro das sensações do filme
Hiroshima mon amour (1959), de Alain Resnais. Parque e
museu podem ser um tempo-espaço de reflexão sobre um
fato catastrófico, mas totalmente dedicado à conscientização
da paz — hipótese central deste texto.
Palavras-chave: Arte contemporânea. Estética japonesa.
Tradição cultural. Arte da catástrofe. Museografia.
60 Avancini A.
SOMMAIRE
Dans le cadre du thème “L’Art de la catastrophe et la culture japo-
naise”, notre objectif ici est de présenter un compte rendu critique de
l’expérience personnelle vécue dans le parc et le musée du Mémorial
de la Paix à Hiroshima. Avec l’événement désastreux de grande
ampleur provoqué par l’explosion de la bombe atomique le 6 août
1945, on cherche à trouver dans l’esthétique muséographique de
l’horreur une resignification. La proposition de comprendre “le cœur
d’Hiroshima”, mobilisée par le désir de paix, favorise la concilia-
tion de la non-violence et du silence, en développant un rejet ferme
de la tragédie et dépassant le traumatisme. Dans l’intégration
entre le temps présent et le temps passé, l’imaginaire s’envole à la
rencontre des sensations du film Hiroshima mon amour (1959),
d’Alain Resnais. Le parc et le musée peuvent être un espace-temps
de réflexion sur un fait catastrophique, mais totalement dédié à la
sensibilisation à la paix — hipótese central deste texto.
Mots-clés: Art contemporain. Esthétique japonaise. Tradition
culturelle. Art catastrophique. Muséographie.
INTRODUÇÃO
Figura 2. Janela do museu Memorial da Paz, que está planejado em linha com o
Cenotáfio e o Domo. Hiroshima, 2006. Fonte: Avancini (2008, p. 144).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O parque Memorial da Paz e o museu Memorial da Paz
evidenciam que a destruição atômica extrapolou fronteiras:
não há mais distância física entre Hiroshima e qualquer país
ou cidade do planeta, ou seja, somos mais iguais quando
vítimas da destrutividade e prepotência humana.
Não tivemos a experiência direta da bomba atômica e não
sabemos o que o evento trágico em si significa. “Você não viu
nada em Hiroshima... Você inventou tudo...” (HIROSHIMA...,
1959, tradução nossa).7 Essa afirmação promove algo novo,
que desestabiliza a memória do fato histórico. A concepção
da história é sempre insustentável, endossando a visão do
“anjo” benjaminiano de ser levado por uma tempestade “irre-
sistivelmente para o futuro” (BENJAMIN, 2000, p. 434).
De fato, essa proposta fílmica dialoga com a ideia da
tragédia, gênero teatral ou dramático encenado durante a
Grécia Antiga, que envolvia de forma solene os deuses e a
sociedade com final infeliz e trágico. Isso poderia promover
o exercício da catarse para purificar os sentimentos e fazer
o possível para que esses fatos não ocorressem novamente.
Teria sido esse o mote curatorial do museu Memorial da Paz?
BIBLIOGRAFIA
A PAZ. Intérpretes: Gilberto Gil e João Donato. Compositores: João
Donato e Gilberto Gil. In: DONATURAL. Intérprete: João Donato. Rio de
Janeiro: Espaço Cultural Sérgio Porto, 2009. 1 CD, faixa 10 (3 min).
HIROSHIMA mon amour. Direção: Alain Resnais. [S. l.]: Argos Films;
Daiei Studios, 1959. 1 longa-metragem (92 minutos).
PEACE is every step. Direção: Gaetano Kazuo Maida. Paris: NTSC, 1997.
1 longa-metragem (52 min), color.
TEMPOS DE GUERRA:
A ARTE E A DEVASTAÇÃO NUCLEAR1
Michiko Okano
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Paulo Endo
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO
O ensaio trata da repetição das guerras em um mundo ética e
moralmente degradado, que destitui valores, formas e huma-
nidade em troca de exposição de força bruta, do risco iminente
de uma devastação nuclear e da fascinação pelos artefatos
de guerra e destruição em massa. Será retomado o exemplo
japonês do bombardeio nuclear de Hiroshima e Nagasaki, que
inaugura um período de ameaças, sem termo, a toda a humani-
dade, levadas a cabo pelos Estados Unidos durante a Segunda
Guerra Mundial. Aqui será enfatizado o trabalho dos artistas Iri
e Toshi Maruki e do pensamento que se ergue na obra de arte
para apontar o intolerável diante da banalização e apoio em
massa da destruição sem fim de povos, nações e populações
inteiras, em um mundo em permanente beligerância.
Palavras-chave: Guerras. Hiroshima e Nagasaki. Bombas
nucleares. Iri e Toshi Maruki.
1 Este ensaio, escrito há alguns anos, nos surpreendeu por sua atua-
lidade, quando a destruição do planeta volta a lançar sua sombra a
partir da invasão da Rússia à Ucrânia no início de 2022. Milhões de
refugiados, milhares de mortos e desabrigados, famílias desfeitas e
o terror de uma guerra nuclear evidenciam que a brutalidade ainda
pauta, soberana, as relações humanas, entre países, e o pincel, o
formão e a caneta ainda circundam o perímetro que resgata homens e
mulheres entre bombas, fuselagens e fumaça.
78 Okano M. & Endo P.
ABSTRACT
This essay deals with the repetition of wars in a world that is
ethically and morally degraded and that deprives values, forms,
and humanity in exchange for the exposure of brute force, of the
imminent risk of nuclear devastation, and of the fascination for
war artifacts and mass destruction. We will return to the Japanese
example of the nuclear bombing of Hiroshima and Nagasaki,
which inaugurates a period of endless threats to all humanity,
carried out by the United States during the Second World War.
Here will be emphasize the work of the artists Iri and Toshi
Maruki and the thought that arises in the work of art to point out
the intolerable in the face of the trivialization and mass support of
the endless destruction of peoples, nations, and entire populations
in a world in permanent belligerence.
Keywords: War. Hiroshima and Nagasaki. Nuclear bombs.
Iri and Toshi Maruki.
10 Suiboku (水墨) ou suibokuga (水墨画) são pinturas feitas com tinta sumi
(墨), que é produzida da fuligem da queima de óleo de canola ou de
raízes de pinheiro, solidificados com uma cola à base de peles e ossos
de animais ou peixes.
11 Washi é um papel artesanal tradicional japonês geralmente produzido
com fibras de plantas como ganpi, kōzo e mitsumata.
12 O museu foi construído inicialmente em 1974, e recebeu acréscimos
em 1983, 1986 e 1991.
TEMPOS DE GUERRA 91
BIBLIOGRAFIA
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz. Trad. de Selvino J.
Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008.
FILMOGRAFIA
A ANATOMIA do medo (Ikimono-no kiroku 生きものの記録). Produção:
Akira Kurosawa e Sōjirō Motoki. Burbank, CA: Warner Bros. Pictures;
Tokyo: Tōhō Co. Ltda,1955. 1 DVD (103 min).
Figura 2
MARUKI, Iri; MARUKI, Toshi. “Fogo” (“Hi” 火) (detalhe), 1950. Pintura a
base de água, carvão, tinta sumi e pigmento, 1,8 m × 7,2 m. Fonte: Maruki
Gallery for the Hiroshima Panels.
Figura 3
MARUKI, Iri; MARUKI, Toshi. “Morte dos prisioneiros americanos da
Guerra” (“Beikoku horyō-no shi” 米国捕虜の死) (detalhe), 1971. Pintura
sumi, 1,8 m × 7,2 m. Fonte: Maruki Gallery for the Hiroshima Panels.
Figura 4
MARUKI, Iri; MARUKI, Toshi. Massacre de Nanquim (Nankin gyaku-
satsu-no zu 南京虐殺の図), 1975. Pintura sumi, 4 m × 8 m. Fonte: Maruki
Gallery for the Hiroshima Panels.
IMAFUKU R.
DE NAGASAKI, PARA
ARQUIPÉLAGOS DO TEMPO:
A NAGASAKI DE SHŌMEI TŌMATSU
Ryūta Imafuku
Universidade de Tóquio para Estudos Estrangeiros (TUFS)
RESUMO
Fotografias de guerras e catástrofes não faltam na história,
especialmente em documentos objetivos e pragmáticos.
Todavia, a reflexão sobre os tempos congelados, represen-
tados por fotógrafos como Shōmei Tōmatsu (1930-2012),
resulta num resgate de atos e acontecimentos por meio de
personagens que sobreviveram ao bombardeio atômico em
Nagasaki. Conhecida como cidade cristã por excelência
desde a presença de missionários portugueses e espanhóis,
imagens sacras de igrejas católicas são reverenciadas por
seus crentes. Depois da Guerra, as ruínas tomam forma
épica num relógio que marca a exata hora da explosão da
bomba, num porão que oculta partes de estátuas cristãs,
numa cabeça de anjo dilapidada, numa lasca de vitral de
uma catedral, signos que sobrevivem nos registros visuais
resultantes de inúmeras visitas que o fotógrafo Tōmatsu fez
à cidade em diversas ocasiões. Assim, este ensaio se propõe
a analisar e interpretar os tempos oscilante, cauterizado,
descoberto, restituído, contatado, interceptado, permeado e,
finalmente, resgatado.
Palavras-chave: Fotografia e tempo. Bomba atômica. Nagasaki.
Shōmei Tōmatsu. Montagem fotográfica.
106 IMAFUKU R.
ABSTRACT
The history is full of photographs of wars and catastrophes, especially
in objective and pragmatic documents. However, the reflection
about the frozen times, represented by photographers such as Shōmei
Tōmatsu (1930-2012), results in a rescue of acts and happenings by
characters that survived the atomic bombing of Nagasaki. Known
as a Christian city by excellence since the presence of Portuguese and
Spanish missionaries, sacred images of Catholic churches are revered
by their devotees. After the War, the ruins take an epic form in a
clock that records the exact time of the bomb explosion, in a basement
that hides parts of Christian statues, in a dilapidated angel head,
in a splinter of stained glass from a cathedral, signs that survived in
the visual registers of the many visits of the photographer Tōmatsu
to the city in diverse occasions. Thus, this essay seeks to analyze and
interpret the oscillating, cauterized, uncovered, restituted, told,
intercepted, permeated, and, finally, recovered time.
Keywords: Photography and time. Atomic bomb. Nagasaki. Shōmei
Tōmatsu. Photo montage.
TEMPO: SUSPENSO
TEMPO: OSCILANTE
O relógio parado em onze e dois permeia silenciosamente o
passado e o presente — o de Nagasaki e o nosso —, como uma
evidência física de um trauma inextinguível. Na imobilidade de
seus ponteiros, existe um poderoso antídoto contra o desvane-
cimento e a perda da memória. Simultaneamente, a imagem
visual daquele pedaço de tempo mudo e imóvel é um forte
lembrete de que o tempo não cessa de passar para ninguém.
A imobilidade do relógio, como uma imagem de tempo silen-
ciado, contrariamente nos lembra que a contemporaneidade
da história, enquanto processo dinâmico, não é possível.
DE NAGASAKI, PARA ARQUIPÉLAGOS DO TEMPO 109
TEMPO: CAUTERIZADO
BIBLIOGRAFIA
ASADA, Akira 浅田彰; KARATANI, Kōjin 柄谷行人. Hihyō kūkan 批評
空間 (Espaço crítico), 1999, v. 2, n. 24, p. 114-133.
PRESENTIFICAÇÃO DA CATÁSTROFE:
CHIM↑POM E OS LIMITES E
AUSÊNCIAS DAS ZONAS DE
EXCLUSÃO NUCLEAR PÓS-2011
RESUMO
O presente ensaio reflete sobre o nexo arte-catástrofe no
contexto social japonês depois do chamado Triplo Desastre,
ocorrido em 11 de março de 2011. Depois do acidente na
Usina Nuclear de Fukushima Daiichi, foram criadas
zonas de exclusão em Fukushima, uma cartografia radio-
ativa que “produziu paisagens de renegociação de poder”,
conforme Pablo Figueroa, onde alguns artistas passaram a
atuar ativamente, entre eles o coletivo Chim↑Pom. Serão
analisados dois projetos desse coletivo produzidos sobre
o triplo desastre dentro das zonas de exclusão nuclear:
REAL TIMES (2011) e Don’t Follow the Wind (2015). Esta
análise tem por foco o conceito de presentificação a partir
da ideia de representação da ausência, de Ken’ichi Kondō,
refletindo assim sobre os limites e as ausências traba-
lhados pelos artistas. Sugerimos a ideia de presentificação
como uma forma de lidar com a catástrofe nesse campo de
tensões entre o que é oculto e o que é mostrado (ou, ainda,
o que pode ou não ser acessado), produzindo, segundo
Hisayasu Nakagawa, um jogo metonímico através do qual
126 de Souza R. S.
ABSTRACT
This paper reflects on the art-catastrophe nexus in the Japanese
social context after the so-called Triple Disaster that occurred on
March 11, 2011. After the accident at the Fukushima Daiichi
Nuclear Power Plant, exclusion zones were created in Fukushima,
a radioactive cartography that “produced landscapes of renego-
tiation of power,” as pointed out by Figueroa, where some artists
began to actively act, among them the collective Chim↑Pom. Two
projects by this collective produced on the triple disaster within the
nuclear exclusion zones will be analyzed: REAL TIMES (2011)
and Don’t follow the wind (2015). This analysis will focus on the
concept of presentification, based on the idea of representation
of absence, by Ken’ichi Kondō, thus reflecting on the limits and
absences that are reflected by these artists. I suggest the idea of
presentification as a way of dealing with catastrophe in this field
of tensions between what is hidden and what is shown (or even
what can or cannot be accessed) producing, according to Hisayasu
Nakagawa, a metonymic game by which the elements that have
the power of suggestion and imagination are valued, instead of
their objective representation.
Keywords: Presentification. Triple Disaster. Fukushima. Chim↑Pom.
Nuclear Exclusion.
6 “We heard many artists saying that they could not create without under-
standing and digesting the reality first. However, as Chim↑Pom we
often act without digesting (laughs). We are a collective of six people, so
we can’t digest what’s happening as a group, collectively. Doubts remain
doubts, contradictions remain contradictions, but we think it might be
good to keep doubts and contradictions as they are, because those doubts
and contradictions cannot be digested by a collective of six people, they will
remain indigestible for other people, too. If we create something under those
circumstances, then we believe the creation itself will have a voice and will
attract its own audience.”
132 de Souza R. S.
16 “Japan found itself rethinking many aspects of its own culture [...]
questioning their usage of energy and their relationship to the natural
environment.”
17 “[...] Fukushima forced poets to reconsider the relationship between art,
representation, and lived experience.”
142 de Souza R. S.
20 “The images from 3.11 shown at this exhibition, however, make a deli-
berate attempt to avoid shocking subjects, for instance, Chim↑Pom’s less
dramatic documentary videos, Hirakawa Kota and Takeda Shimpei’s
abstract works, or Ikeda Manabu’s allegorical fictions. Although this was
a decision partly made out of consideration for the victims, the power of art
was originally thought to have little to do with its visual shock value.”
21 Doutoramento em curso no Programa de Pós-graduação em
Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGSA-IFCS-UFRJ) sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Els Lagrou.
PRESENTIFICAÇÃO DA CATÁSTROFE 145
22 “While we may find ourselves safe in a relative peace in our own particular
corner of the globe, we see that others are not so fortunate.”
23 “Catastrophe and disaster are therefore events that reveal ‘where we are
standing’ [...] define the nature of our ‘perspective’, the relative position of
our point of view.”
24 “What we find in many forms of contemporary artistic practice are
methods and techniques which dissolve the strong oppositions between ‘here’
and ‘there’ on which representation depends. Artists of recent years have
developed forms of art which bring what is part of the outside world into
the gallery — rather than represent the outside world, they present it.”
146 de Souza R. S.
CONCLUSÕES
Considerado um dos piores desastres do Japão, acompa-
nhado de um dos piores acidentes nucleares da história,
o 3.11 trouxe novamente à tona ao mundo e, particularmente,
aos japoneses, a memória dolorosa da potência destrutiva
da radiação, evidenciando a gravidade de uma vida organi-
zada em torno do risco assumido pelo homem em busca do
desenvolvimento econômico através das dinâmicas predató-
rias do capitalismo. O desastre de Fukushima, “um desastre
composto, que é assombrado por memórias de devastação
após os bombardeios atômicos” (FIGUEROA, 2018, p. 59,
tradução nossa),27 não apenas transformou horizontes e
cidades inteiras em desertos nucleares, mas fez também
ruir todo um campo de possibilidades e de certezas acerca
do mundo, da arte, da natureza e da sociedade. Ao produzir
uma cartografia fantasmagórica cujos limites foram
BIBLIOGRAFIA
ANGLES, Jeffrey. Poetry in an Era of Nuclear Power: Three Poetic
Responses to Fukushima. In: GEILHORN, Barbara; IWATA-
WEICKGENANNT, Kristina (org.). Fukushima and the Arts: Negotiating
Nuclear Disaster. New York: Routledge, 2018.
RADIOATIVIDADE:
A INVISIBILIDADE DO MEDO
RESUMO
Invisibilidade, mistério e imprevisibilidade envolvem a
exposição Não siga o vento (Don’t Follow the Wind) que se situa
dentro da zona de exclusão de Fukushima, após o terremoto
de 2011 e a catástrofe nuclear. Essas obras permanecem
inacessíveis ao público, e expostas à maresia, radioatividade
entre outros fatores, não garantem a sua conservação para
as próximas gerações. Este texto busca elucidar o debate
da memória coletiva de sobreviventes da tríplice catástrofe
de Fukushima, por meio das exposições com a curadoria e
participação do grupo Chim↑Pom. Apesar de a memória
coletiva ser um estudo amplo e permear diferentes áreas,
ela nos permite compreender a criação artística do grupo,
seus desafios, debates e abordagens.
Palavras-chave: Artes. Museologia. Memória coletiva. Catástrofe.
Fukushima.
ABSTRACT
Invisibility, mystery, and unpredictability involve the Don’t
Follow the Wind exhibition. It locates inside the Fukushima
exclusion zone after the earthquake of 2011 and its nuclear
catastrophe. The artworks there remain inaccessible to the public,
exposed to the sea mist, radioactivity and other factors that do not
156 PINHO H. O.
INTRODUÇÃO
Figura 1. Bond Nakao e Chim↑Pom, Making the Sky of Hiroshima PIKA!, 2009.
6 “Some, such as Mieke Bal, use the term ‘cultural memory’ to refer to
‘memory that can be understood as a cultural phenomenon as well as an
individual or social one’. ‘Social memory’ tends to be preferred among
164 PINHO H. O.
9 “At first sight memory and activism may seem poles apart, with the former
oriented towards the past and the latter towards the future. At second sight,
however, they deeply entangled.”
10 “From this perspective, collective memory is more like a space of contesta-
tion than a body of knowledge — a space in which local groups engage
in an ongoing struggle against elites and state authorities to control the
understanding of the past.”
RADIOATIVIDADE 167
11 “When people use museums, they bring their life experiences with them.
Often, their encounter with objects in the museum brings back vivid recol-
lections, half-remembered places and emotions which would otherwise
have remained forgotten. It is a commonplace for such memories to be
discussed amongst the social or family group taking part in the visit. From
the exhibits encountered, and the memories evoked and shared, new mean-
ings are made. [...] These memories and meanings arise not as a result of
only visual access to museum collections but also from other forms of access.”
RADIOATIVIDADE 173
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As exposições aqui apresentadas conseguem abordar de
forma tangível o sentimento de exclusão, desenvolver
uma sinestesia com o espaço-tempo e transpor os senti-
mentos de uma comunidade que não mais pode habitar
alguns espaços devido à radioatividade. Esta mudou toda
e qualquer característica de um desastre que foi tripli-
cado e trouxe consequências para além do medo, da dor
e da perda, pois, inexiste a possibilidade de uma recons-
trução imediata no mesmo espaço-tempo, deve-se ressig-
nificar o local apenas por meio da memória. Movida por
uma dualidade em que há, de um lado, a efemeridade das
exposições, e, do outro, a busca de “perpetuar” a memória,
o maior desafio do curador e das instituições é expor esses
diálogos para que sejam passados às futuras gerações e
democratizar seu acesso, a partir da internacionalização
e digitalização via web.
Assim como o cuidado e a empatia devem reger cada
parte do processo de criação e exposição dessas memórias
para as pessoas que sobreviveram à tríplice catástrofe em
Fukushima, esse material criativo torna-se fruto de um
constante olhar para a dor e perda, mas também incentivo
para a superação e resiliência da comunidade e de outras,
que podem vir a passar por algo similar. Para um artista em
seu processo criativo, sua liberdade de expressão torna-se
176 PINHO H. O.
BIBLIOGRAFIA
ABE, Kenichi. Chim↑Pom: A Brief History of Making the Sky of
Hiroshima “PIKA!”. Fine Print, Tarntanya (Adelaide), n. 25, jun.
2021. Disponível em: http://www.fineprintmagazine.com/recent#/
chim-pom. Acesso em: 7 set. 2021.
DON’T Follow the Wind. Don’t Follow the Wind, [S. l.], 2015. Disponível
em: http://dontfollowthewind.info/. Acesso em: 16 set. 2021.
TEZUKA, Miwako. Don’t Follow the Wind: Chim↑Pom and the Creation
of a Collective Imaginary. FIELD: A Journal of Socially Engaged Art
Criticism, San Diego, v. 1, n. 7, 2017. p. 119.
FONTES AUDIOVISUAIS
COVER Reveal: Thousand Years of Joys and Sorrows. [S. l.: s. n.], 2021.
1 vídeo (14 s). Penguin Books South Africa. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=pxonpOKKtCk&t=8s. Acesso em: 25 fev. 2022.
Figura 2
PAGLEN, Trevor. Trinity Cube. Fukushima (zona de exclusão), 2015.
Em andamento. Vidro radioativo, 20 × 20 × 20 cm. Foto; Trevor Paglen
e Don’t Follow the Wind. Fonte: cortesia do artista e Don’t Follow the
Wind.
Figura 3
FUJII, Hikaru. The Classroom Divided by a Red Line. 2021. 1 vídeo. Art
Tower Mito. Foto: Hikaru Fujii. Fonte: cortesia do artista Hikaru Fujii.
Figura 4
AI, Weiwei. A Ray of Hope. Fukushima (zona de exclusão), 2015.
Instalação de painéis solares, luzes LED e timer, dimensões variadas.
Foto: Kenji Morita. Fonte: cortesia do artista e Don’t Follow the Wind.
Figura 5
DON’T FOLLOW THE WIND. A Walk in Fukushima. Fukushima
(zona de exclusão), 2016. 20º Bienal de Sydney. 1 vídeo de 360º, fones
de ouvido e mobiliário de um café de Fukushima. Foto: cortesia do
Don’t Follow the Wind.
Akstein J.
Juliana Akstein
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO
O presente ensaio busca estudar a fotografia japonesa reali-
zada logo após o desastre triplo que atingiu o Japão, em
março de 2011. Posteriormente à catástrofe, houve uma
grande circulação de imagens ao redor de todo o mundo
que expunham a tragédia vivenciada pela população nipô-
nica. Eram principalmente fotografias jornalísticas, que, em
sua maior parte, retratavam destroços de edifícios e o sofri-
mento experienciado pelos moradores das regiões atingidas.
Entretanto, por meio do estudo das obras dos fotógrafos
Takashi Arai e Shimpei Takeda, analisar-se-á como houve
também respostas diversas e com propostas diferentes
dessas imagens jornalísticas. Como se examinará nesse
estudo, ambos os artistas se empenharam, sobretudo, em
apresentar consequências invisíveis da calamidade, como a
contaminação radioativa que se espalhou rapidamente após
o acidente nuclear na Usina de Fukushima.
Palavras-chave: Fotografia japonesa contemporânea. Desastre
triplo. Fukushima. Takashi Arai. Shimpei Takeda.
182 Akstein J.
ABSTRACT
This essay aims at studying the Japanese photography taken shortly
after the triple disaster that hit Japan in March 2011. After the
catastrophe, there was a wide circulation of images throughout
the world showing the tragedy experienced by the Japanese popu-
lation. They were mainly journalistic photographs, most of them
portraying the wreckage of buildings and the grief experienced by
the residents of the affected regions. However, upon studying the
works of photographers Takashi Arai and Shimpei Takeda, it is
noted that there were different responses and different proposals
to these journalistic images. As seen in this study, both artists were
committed to presenting invisible consequences of the disaster, such
as the radioactive contamination that rapidly spread after the
nuclear accident at the Fukushima Power Plant.
Keywords: Contemporary Japanese photography. Triple disaster.
Fukushima. Takashi Arai. Shimpei Takeda.
2 “[...]nearly half of the households that were forced to evacuate [...] are
split up. Often, this is due to fears over radioactive contamination as well
as locations of schools and workplaces. Adding to this disruption, ongoing
stress affects Fukushima residents. A recent large-scale survey conducted
by the prefectural government shows that 1,656 people in Fukushima
Prefecture died from stress-related illnesses, surpassing the 1,607 people
who died from injuries related to the disasters. More than a thousand
residents were similarly affected in the Iwate and Miyagi Prefectures [...]
Idogawa Katsutaka, the former mayor of Futaba Town which co-hosted the
Fukushima plant along with Okuma Town, thinks that despite what the
government says, it is by no means safe to return to Fukushima. According
to Idogawa, radiation maps reveal that the levels of contamination in
certain areas are so high and widespread that it is impossible to avoid
exposure if one lives there. Idogawa feels that the government has neglected
Futaba’s nuclear evacuees, an issue enhanced by the perceived lack of proper
housing and psychological support.”
O DESASTRE TRIPLO NA FOTOGRAFIA JAPONESA CONTEMPORÂNEA 185
TAKASHI ARAI
Takashi Arai (Kawasaki, 1978-) é um artista visual e cine-
asta que trabalha atualmente entre as cidades de Kawasaki,
Tōno e Berlim. Ele se formou em biologia na International
Christian University de Tóquio, em 2001. Paralelamente
aos seus estudos na ICU, Arai desenvolveu um interesse
186 Akstein J.
4 “The first time I visited devastated areas, I couldn’t take more than three or
four out-of-focused digital photos because I felt useless. My digital camera
cannot capture anything from such gigantic and traumatic sights. A few
weeks later, I started using daguerreotype to portray people and landscapes,
and gradually, I became convinced that this particular process has the
potential to connect people with far different experiences.”
5 O daguerreótipo foi o primeiro método fotográfico a ser comerciali-
zado em grande escala. Seu processo é realizado através das seguintes
etapas: uma placa de prata é polida e sensibilizada com vapor de iodo.
Em seguida, a placa é transferida para uma câmera escura e, então,
exposta à luz por cerca de 15 a 25 minutos. Após a exposição, a imagem
da placa é revelada com o uso de vapor de mercúrio. Depois, para fixar
a imagem na placa, utiliza-se hipossulfito de sódio. Trata-se, assim,
de um processo direto, que cria imagens únicas, fixadas diretamente
sobre a placa final, sem o uso de um filme negativo.
188 Akstein J.
“No fundo, sei que nós nunca mais teremos como morar
aqui. Mas fazer isto nos dá um propósito. Estamos dizendo
que esta casa ainda é nossa” — disse Hiroko, que deixou
a cidade de Koriyama, onde agora vive com seu marido
(EX-MORADORES..., 2013).
SHIMPEI TAKEDA
Shimpei Takeda é um artista visual e cineasta que nasceu
em 1982 em Fukushima, e cresceu em Chiba, nos arre-
dores de Tóquio. Durante sua infância, o artista costu-
mava visitar anualmente seus avós em Sukagawa, cidade
localizada a 64 quilômetros da Usina Nuclear Fukushima
Daiichi. Quando completou vinte anos, Takeda se mudou
para Nova York, onde começou a colaborar com diversos
compositores e artistas sonoros na produção de vídeos.
Após alguns anos de trabalho na cidade, Takeda se voltou
definitivamente para a fotografia conceitual, baseada em
uma estética abstrata.
Em 11 de março de 2011, quando estava nos Estados
Unidos, Takeda soube do acidente nuclear de Fukushima
pela mídia, reconhecendo de imediato os nomes das cidades
e o dialeto falado por seus avós (O’MALLEY, 2013). Embora
sua família estivesse em Sukagawa, cidade localizada fora
da zona de evacuação, toda a região foi afetada pela radiação
nuclear de alguma forma, seja econômica ou socialmente.
O artista decide, então, retornar ao Japão e desenvolver
um trabalho de fotografia que documentasse materialmente
o desastre nuclear. Em especial, seu intuito era fazer uma
contraposição à mídia japonesa que, segundo ele, estava
ocupada cobrindo as consequências econômicas do desastre,
enquanto a precipitação radioativa física e o potencial para
O DESASTRE TRIPLO NA FOTOGRAFIA JAPONESA CONTEMPORÂNEA 193
9 “At the same time, I wanted to visualize the invisible disaster in some
way. Seeing data visualizations of radiation in the air, soil and ocean
didn’t feel real. I needed to see a physically solid record of the disaster.
Then I started to realize that radiation, such as gamma rays and visible
light, basically work the same way on photographic materials. On the
surface of light-sensitive materials, silver halide darkens when exposed
to electromagnetic radiation.”
194 Akstein J.
10 “[...] strong memory of life and death, such as temples, shrines, war sites,
ruins of castles.”
11 “I wanted to see how different soil textures could affect the image making.
At the end, it didn’t really affect the results aesthetically, but some soil
textures such as moss contain more radioactive substances than others. That is
something that I realized after the first attempt. Certainly, the more contam-
inated the soil is, the more the photographic materials are exposed. For each
location I measured the radiation level in the air and ground’s surface.”
12 Fotograma é uma imagem fotográfica obtida sem o auxílio de uma
câmera. Nessa técnica, objetos são posicionados sobre um papel fotos-
sensível e, em seguida, expostos à luz, como Takeda fez ao submeter
o papel fotográfico à radiação nuclear, por meio do contato direto com
as amostras de solo coletadas.
O DESASTRE TRIPLO NA FOTOGRAFIA JAPONESA CONTEMPORÂNEA 195
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo desse ensaio foi compreender qual papel
a fotografia pode desempenhar na documentação de catás-
trofes, como o desastre triplo que atingiu o Japão, em 11 de
março de 2011.
Através dos trabalhos dos fotógrafos Takashi Arai
e Shimpei Takeda, observou-se que diferentes técnicas,
como o daguerreótipo e o fotograma, foram fundamentais
BIBLIOGRAFIA
ARAI, Takashi. Takashi Arai and Daguerreotypes. SOVO// Magazine,
Los Angeles, 2019. Disponível em: https://sovoprojects.com/takashi-
arai/. Acesso em: 21 jan. 2022.
Figura 2
ARAI, Takashi. Agricultores no trabalho, Minamisoma, Fukushima
(Farmers at Work, Minamisoma, Fukushima), 2012. Daguerreótipo,
25,2 × 19,3 cm. Acervo do artista. Disponível em: https://takashiarai.com/
here-and-there-tomorrows-islands/#ms-368. Acesso em: 30 mar. 2022.
Figura 3
TAKEDA, Shimpei. “Traço #1, Cataratas de Kegon” (“Trace #1, Kegon
Falls”), 2012. Impressão em gelatina de prata, 40 × 50,5 cm. Acervo do
artista. Disponível em: https://www.icp.org/browse/archive/objects/
trace-1-kegon-falls. Acesso em: 30 mar. 2022.
Figura 4
TAKEDA, Shimpei. “Traço #16, Lago Hayama” (“Trace #16, Lake
Hayama”), 2012. Impressão em gelatina de prata, 40 × 50,5 cm. Acervo
do artista. Disponível em: https://www.icp.org/browse/archive/
objects/trace-16-lake-hayama-mano-dam. Acesso em: 30 mar. 2022.
CINEMA JAPONÊS:
EXPERIMENTAÇÕES FRENTE
À ERA ATÔMICA
RESUMO
A tripla catástrofe que assolou o Japão em 11 de março de
2011 foi um dos recentes e mais marcantes acontecimentos
registrados por inúmeras câmeras e assistido por milhões
de pessoas pela televisão e internet, nesse regime de inces-
sante produção e disseminação de imagens que tem caracte-
rizado o nosso tempo. A destruição causada pelo tsunami na
região de Fukushima foi vista pelos mais diversos ângulos e
pontos de vista, por meio de milhares de vídeos profissionais
e amadores. Apesar de ter obtido uma suposta visibilidade
total, há uma dimensão invisível dessa catástrofe que não pôde
ser flagrada pelas câmeras: os efeitos da radiação causados
pela destruição da usina nuclear de Fukushima Daiichi. Este
texto busca investigar três obras audiovisuais experimentais
realizadas por artistas japoneses que procuraram dar forma e
responder aos dilemas da camada mais obscura da catástrofe
nuclear: 1945-1998 (de Isao Hashimoto, 2003); Sound of a Million
Insects, Light of a Thousand Stars (de Tomonari Nishikawa, 2014);
e Generator (de Takashi Makino, 2011).
Palavras-chave: Cinema experimental japonês. Catástrofe
de Fukushima. Isao Hashimoto. Tomonari Nishikawa.
Takashi Makino.
202 Drummond A. A.
ABSTRACT
The triple catastrophe that struck Japan on March 11, 2011,
was one of the recent and major events recorded by numerous
cameras and watched by millions of people on television and on
the Internet, in this system of unceasing production and dissemi-
nation of images that has characterized our time. The destruction
caused by the tsunami in the Fukushima region has been seen from
many different angles and points of view by means of thousands of
videos, both professional and amateur. Despite this supposed total
visibility, there is an invisible dimension of this catastrophe that
cannot be detected by the cameras: the effects of radiation caused
by the destruction of the Fukushima Daiichi Nuclear Power
Plant. This essay seeks to investigate three experimental audiovi-
sual works of Japanese artists who sought to shape and respond to
the dilemmas of this darker layer of the nuclear catastrophe: 1945-
1998 (of Isao Hashimoto, 2003); Sound of a Million Insects,
Light of a Thousand Stars (of Tomonari Nishikawa, 2014);
and Generator (of Takashi Makino, 2011).
Keywords: Japanese experimental cinema. Fukushima’s catastrophe.
Isao Hashimoto. Tomonari Nishikawa. Takashi Makino.
INTRODUÇÃO
4 “‘Big data’ is of no help when it comes to tracing the memories of the dead.
It cannot record the voices of the deceased. But isn’t that what humans have
their imagination for?”
206 Drummond A. A.
A ERA ATÔMICA
Para nos aproximarmos dessas três obras que se debruçam
sobre a catástrofe atômica, cumpre antes estabelecer um
diálogo com alguns autores que auxiliarão a leitura desses
materiais. Em 1959, o filósofo alemão Günther Anders minis-
trou um seminário na Universidade Livre de Berlim sobre
as implicações morais do que ele chamou de Era Atômica,
e, a partir dessa experiência, publicou um ensaio constituído
por 22 aforismos, nomeado Teses para a Era Atômica (Thesen
zum Atomzeithalter). Essas teses procuram demonstrar que,
7 “Generalized catastrophe”.
CINEMA JAPONÊS 209
8 “But the ‘after’ we are speaking of here stems on the contrary not from succes-
sion but from rupture, and less from anticipation than from suspense, even
stupor. It is an ‘after’ that means: Is there an after? Is there anything that
follows? Are we still headed somewhere? ”
9 “We should know, though, that visionary or prophetic anticipation does not
exist. What after the fact seems prophetic was in fact seen clearly at the
time. It is not a question of pessimism but of clear vision.”
210 Drummond A. A.
11 “My artworks may not be the perfect solution to convey to audiences the
seriousness of nuclear problems, but I sincerely hope they are of some
guidance in some way. As an artist, I will continue to create artwork that
builds an interface between uninformed people and the extremely grave
and current issues of the world.”
12 “In 1945-1998 I did not use any blasting sound for the explosions of each
test, but instead used electronic beeps. I tried to be as ‘cool’ and ‘neutral’
CINEMA JAPONÊS 215
14 “While for several weeks after 3.11, the mass media suspended investiga-
tive journalism on site, i.e. within the 50-km zone, they nonetheless promul-
gated the government’s line that the risk of radiation escaping from the
reactors and thus the risk of irradiation to the population of Fukushima
and the Tōhoku and Kantō areas were ‘minimal’.”
CINEMA JAPONÊS 217
Figura 2.Tomonari Nishikawa, Sound of a Million Insects, Light of a Thousand Stars, 2014.
15 “The night was beautiful with a starry sky, and numerous summer insects
were singing loud. The area was once an evacuation zone, but now people
220 Drummond A. A.
live there after the removal of the contaminated soil. This film was exposed
to the possible remaining of the radioactive materials.”
CINEMA JAPONÊS 221
BIBLIOGRAFIA
ANDERS, Günther. Teses para a Era Atômica. Trad. de Alexandre Nodari
e Déborah Danowski. Sopro, Florianópolis, v. 87, 2013. Disponível em:
http://culturaebarbarie.org/sopro/outros/anders.html. Acesso em:
10 fev. 2022.
College-Review-of-Environment-and-Society_Spring_15_Final.pdf.
Acesso em: 16 fev. 2022.
WATCH a Massive Tsunami Engulf Entire Towns in Japan (2011). [S. l.:
s. n.], 11 mar. 2011. 1 vídeo (18 min). Publicado pelo canal CNN. Disponível
em: http:// https://www.youtube.com/watch?v=zxm050h0k2I
FILMOGRAFIA
1945-1998. Direção: Isao Hashimoto. Japão: [s. n.], 2003. (14 min).
SOUND of a Million Insects, Light of a Thousand Stars. Direção:
Tomonari Nishikawa. Japão: [s. n.], 2003. (2 min).
GENERATOR. Direção: Takashi Makino. Japão: [s. n.], 2003. (21 min).
228 Drummond A. A.
Figura 2
NISHIKAWA, Tomonari. Sound of a Million Insects, Light of a Thousand
Stars. 2014. Fonte: NISHIKAWA, Tomonari. (Postado por Jessica
Bardsley). An Interview with Tomonari Nishikawa by Tom McCormack.
[Entrevista cedida a] Tom McCormack. Conversation at the Edge:
Experimental Media Series, Chicago, 12 abr. 2012. Disponível em: https://
sites.saic.edu/cate/2012/05/11/an-interview-with-tomonari-nishikawa-
by-tom-mccormack/. Acesso em: 14 mar. 2022.
Figura 3
MAKINO, Takashi. Generator. Japão, 2011. DCP (19 min). Fonte:
Fotograma extraído do filme.
Tsuda C. E.
RESUMO
Neste ensaio, abordo as relações sócio-político-ambientais
relacionadas ao acidente nuclear de Fukushima, discutidas
nas performances Jantar e ILHA, integrantes da plata-
forma artística Medo e Confiança e da série A vida é uma
utopia. Busco elucidar as questões levantadas em ambas as
pesquisas artísticas, partindo de uma crítica à modernidade
concernente à tecnificação e objetificação sistemática da
vida. Apresento os conceitos de devir ambiente e devir pós-aní-
mico, transversais que atuam como formas de agenciamentos
poéticos e estéticos da vida pública e suas inúmeras implica-
ções sócio-político-ambientais na relação entre o homem e a
natureza, a sociedade e a espiritualidade, o corpo e a alma, e
a comunidade, a espiritualidade e a natureza. A partir dessa
base epistemológica, traço longitudinais entre o conceito —
ou filosofia — de pós-animismo ou animismo pós-moderno,
apontado pela socióloga japonesa Shoko Yoneyama; a noção
de animismo e as cosmologias indígenas praticadas por
autores como Ailton Krenak e Davi Kopenawa; as práticas
232 Tsuda C. E.
ABSTRACT
In this essay, I approach the socio-political-environmental relations
about the Fukushima nuclear accident, discussed in the performances
Dinner and ISLAND, part of the artistic platform Medo e Confiança
and the series Life is an Utopia. I seek to elucidate the questions raised
in both artistic researches, starting from a critique of modernity
concerning the systematic technification and objectification of life.
I present the concepts of becoming environment and becoming
post-animic, transversals that act as forms of poetic and aesthetic
assemblages of the public life and their countless socio-political-envi-
ronmental implications in the relationship between man and nature,
society and spirituality, body and soul, and community, spirituality
and nature. From this epistemological basis, I trace longitudinal lines
between the concept — or philosophy — of post-animism or post-modern
animism, pointed out by the Japanese sociologist Shoko Yoneyama; the
notion of animism and the indigenous cosmologies practiced by authors
such as Ailton Krenak and Davi Kopenawa; the artistic practices of
Jaider Esbell and Denilson Baniwa; and the Amerindian cosmological
perspectivism identified by Eduardo Viveiros de Castro.
Keywords: Post-animism. Performance. Performance for public space.
Becoming environment. Becoming post-animic.
DO PENSAR
PÓS-MODERNIDADE E ESPIRITUALIDADE
GUERRILHAS PÓS-ANÍMICAS
Figura 1. Jaider Esbell. Era uma vez Amazônia. Cada um de nós destrói a Natureza,
o Futuro, na medida da construção de nosso Presente, na nossa
fardofelicidade pseudomerecida..., 2016.
DO PROCESSO CRIATIVO
YUJI, O FAZENDEIRO
Conheci Yuji em 2013, quando estive em Tóquio na resi-
dência artística Tokyo Wonder Site, atual Tokyo Arts and
Space (TOKAS). Ele tinha uma tenda de arroz na feirinha
de orgânicos que acontecia aos sábados na praça em frente
ao edifício da residência. Nosso primeiro encontro foi
marcado por uma profunda e complexa relação entre medo e
confiança, tão interessante por sua complexidade e profundi-
dade, que daria origem a uma plataforma de ações artísticas
meses depois. Fui atraído a sua tenda por seus pacotes de
arroz orgânico e, desse interesse banal, surgiu uma conversa
muito especial sobre a forma como ele vivia em sua fazenda
MAPA DO MEDO, TERRITÓRIO DA CONFIANÇA 247
FUKUSHIMA
Naquela interessantíssima apresentação, aprendi que, quando
você passa doze horas num avião — tempo médio de voo entre
o Brasil e alguns países da Europa, por exemplo —, você recebe
radiação espacial equivalente a um período de quatro horas na
área onde ocorreu o acidente nuclear. O problema da contami-
nação não possui muita ligação com a exposição à radiação
emitida, mas com a ingestão, inalação e/ou contato de alguma
mucosa com partículas alfa e beta, fragmentos de material
MAPA DO MEDO, TERRITÓRIO DA CONFIANÇA 249
MAPA E TERRITÓRIO
A situação dicotômica entre medo e confiança atraiu-me cada
vez mais para o forte componente cultural na forma como
as pessoas lidam com seus medos, sobretudo com relação
às questões vinculadas ao território. Isso direcionou meu
olhar para outras facetas do problema: a reação das pessoas
aos produtos advindos da região e a relação intrínseca entre
medo e informação.
MAPA DO MEDO, TERRITÓRIO DA CONFIANÇA 251
MAPA DO MEDO
Essas constatações aguçaram minha percepção para um
tipo de leitura do espaço que passou a considerar a comple-
xidade dessas relações, deixando-me intrigando a traduzir
essas contraposições entre medo e confiança e mapa e terri-
tório na nossa realidade brasileira. Dessa cisma, nasceu a
plataforma de ações artísticas Medo e Confiança, desenvol-
vida durante o período de residência artística no Paço das
Artes de São Paulo, entre dezembro de 2014 e março de 2015.
252 Tsuda C. E.
TERRITÓRIOS DO AFETO
Em Jantar, exercito o território do afeto ao propor um encontro
informal com convidados para discutir relações de medo e
confiança acerca da questão da contaminação de alimentos.
Ao servir pratos japoneses com pescados do litoral nordes-
tino, legumes e verduras não orgânicos e arroz proveniente
na região de Fukushima, busco provocar discussões e refle-
xões sócio-político-ambientais em relação ao tema da conta-
minação dos alimentos e confrontar os participantes com
seus próprios medos, preconceitos e atos discriminatórios.
Nesse sentido, a ação questiona discursos e mecanismos de
construção de verdades, ao mesmo tempo em que estabelece
elos de confiança na comunhão em torno do alimento.
Para sua realização, produzo um jantar com pratos
típicos japoneses, utilizando verduras, legumes, peixes
frescos e arroz cateto branco especial para culinária japo-
nesa. Organizo a refeição de modo a guardar o arroz para
MAPA DO MEDO, TERRITÓRIO DA CONFIANÇA 253
CIRCULARIDADES
Em ILHA, apresento uma performance para espaço público
que tensiona a contradição entre mapa e território a partir da
proposição de uma experiência coletiva concernente a nossa
espiritualidade e nossa relação com a natureza. Na ação, oito
participantes portando mochilas infanto-juvenis japonesas13
equipadas com caixas de som formam um círculo em um
local pré-determinado e, juntos, circundam o espaço resso-
ando o som do mar. Em roda, os performers ficam imóveis,
experienciando a sensação meditativa proporcionada
pelo som das ondas e pela espacialização circular do som.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É saliente a transversal crítica relacionada à mercantili-
zação e à objetificação da natureza praticadas pelo capita-
lismo moderno, e de como esse processo nos distanciou,
e nos distancia, da nossa verdadeira essência. Irrompe com
a nossa conexão ontológica enquanto seres vivos, criando
fronteiras imaginárias que perpetuam a mentalidade de que
a existência humana depende de um certo exaurimento das
formas de vida na Terra para o seu desenvolvimento pleno.
256 Tsuda C. E.
BIBLIOGRAFIA
BANIWA, Denilson. Carta, por Denilson Baniwa. In: DEMARCHI,
André et al. Tucum. [S. l.], 6 nov. 2021. Disponível em: https://site.
tucumbrasil.com/carta-por-denilson-baniwa/. Acesso em: 10 nov. 2021.
PALBERT, Peter Pel. Fala no curso Tempo Que Somos. São Paulo:
Atelier Paulista, 16 ago. 2021.
em: http://www.jaideresbell.com.br/site/2016/07/01/it-was-amazon/.
Acesso em: 29 mar. 2022.
Figura 2
TSUDA, Dudu. Yuji Ishizuka em sua barraca de produtos orgânicos na
feira de orgânicos em Tóquio, em frente ao prédio da ONU e da resi-
dência artística Tokyo Wonder Site, 2013. Fotografia. Acervo do artista.
Figura 3
KAWAKUBO, Yoi. If the Radiance of a Thousand Suns Were to Burst
into the Skies at Once, 2014. Película fotográfica, a cores, não exposta,
enterrada sob o solo e em local radioativo. Disponível em: https://www.
yoikawakubo.com/thousand-suns. Acesso em: 29 mar. 2022.
Figura 4
YOSHIOKA, Helena. Jantar:: A vida é uma utopia, 2015. Fotografia.
Acervo pessoal.
Figura 5
MELLO, Cassandra. ILHA:: A vida é uma utopia, 2021. Fotografia.
Acervo pessoal.
WOLKOFF G. G., GAZOLA M. B. & DA SILVA R. T.
RESPOSTAS POÉTICAS AO
TRAUMA DE HIROSHIMA
RESUMO
Os estudos transculturais são observados nas obras de escri-
tores irlandeses que se dedicam à escrita sobre o trauma
da bomba atômica em Hiroshima, reforçando uma relação
com o Japão, a partir da qual, buscou-se observar como os
poetas irlandeses responderam aos ataques sofridos pelo
país. Para isso, foram selecionados dois poetas que respon-
deram ao trauma da bomba atômica por meio de seus
versos. O primeiro, Thomas Kinsella, em “Old Harry”, fez
uma menção ao presidente dos Estados Unidos à época do
ataque em Hiroshima. O segundo poeta, Anthony Glavin,
escreveu poemas para o livro Living in Hiroshima, como
uma resposta sentimental sobre a bomba que ficou conhe-
cida como The Little Boy. Visto que se estuda a Irlanda a
partir do Brasil, foram propostas as traduções ao português
dos poemas de Glavin e Kinsella, além de um poema inédito
escrito pela poeta brasileira G.G. Wolkoff sobre o tema.
Palavras-chave: Hiroshima. Poesia. Irlanda. Brasil.
Transculturalidade.
260 Wolkoff G. G., GAZOLA M. B. & da Silva r. t.
ABSTRACT
Transcultural studies are observed in the works of Irish writers
who have dedicated themselves to writing about trauma regar-
ding Hiroshima and the atomic bomb, reinforcing the rela-
tionship with Japan, from which we have examined how Irish
poets responded to the attacks suffered by Japan. Therefore, two
poets have been selected. The first one, Thomas Kinsella, who, in
his poem “Old Harry”, mentions the president of the United States
of America at the time of the attack in Hiroshima; and the second
poet, Anthony Glavin, who has written poems for the book Living
in Hiroshima as a sentimental reply about the bomb, known as
The Little Boy. Since we have studied Ireland from Brazil, we have
proposed translations to the Portuguese language of Glavin’s and
Kinsella’s poems, as well as a new poem written by the Brazilian
poet G.G. Wolkoff on the theme.
Keywords: Hiroshima. Poetry. Ireland. Brazil. Transculturality.
8 : 16 : 42 8 : 16 : 42
A fleeing Nazi skis down an Alpine Um nazista fugitivo esquia uma
glacier; Pius XII bows low to intone geleira alpina; Pio XII inclina-se
the Agnus Dei; para entoar o Agnus Dei;
Heartbeats; lifetimes; seconds Batidas de corações; vidas; segundos
ticking away; The sky blurts open passando; O céu se abre como uma
like a Morning Glory. Manhã de Glória.
268 Wolkoff G. G., GAZOLA M. B. & da Silva r. t.
Lovers Enamorados
Infinita dor
Já não vamos à Hiroshima
sem amor
porque de tanta dor
houve mais (que) pavor
Nunca mais iríamos à Hiroshima.
Ouvimos angustiados o decreto:
Não mais Hiroshima:
deixamo-la ao relento desatento
perdemo-la ao som do deserto intento.
Já não iríamos mais à Hiroshima.
Mas depois já não a deixaríamos
Já não deixaríamos de ir à Hiroshima
Já não deixaríamos nunca mais de ir à Hiroshima,
onde mais o amor do perdão
É que ao longe quase não se sabe
do dom das cruzes & do som dos sinos
porque de tão longe
não se dobra sem ser de joelhos.
E, então, já não deixamos mais de ir à Hiroshima
onde só se vai se for por amor
onde só se vai quem flor
onde só &
onde não só
andam as ondas do pavor
& há pólvoras da dor
evaporando o terror
truculento como são tudo o que foi nuvem
densa em que se perde o menininho de vista
virou dissipação e veio, voltando Hiroshima
amor, só para reiniciantes
no Ocidente em que se lamente
270 Wolkoff G. G., GAZOLA M. B. & da Silva r. t.
a falta do amor
em que se preze
mais mar
onde só pode haver
tempo (de)
mor
te
mar
de morrer de amor
Hiroshima, longe do mar,
só lá vou com o teu pavor
em amor que é para só regressar
BIBLIOGRAFIA
ANGELIS, Irene de. The Japanese Effect in Contemporary Irish Poetry.
Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2012.
O LAMENTO UIVANTE DO
VENTO PELOS PINHEIROS:
MUGEN-NŌ, MORTE E LUTO NA
PEÇA DE NŌ MATSUKAZE
RESUMO
Uma das características mais distintas do teatro nō japonês
é sua relação próxima com a morte — ou com a figura dos
mortos. Em geral, deparamo-nos com histórias que narram
eventos envolvendo protagonistas já falecidos, a exemplo
das muitas narrativas do chamado mugen-nō 夢幻能. Nessa
categoria de peças, o enredo apresentado é fruto de um
sonho ou uma ilusão vivida pelo coadjuvante, para o qual o
protagonista — um fantasma ou ser divino — conta sua vida
passada. A peça Matsukaze, de autoria atribuída a Kiyotsugu
Kan’ami, cuja origem data do século XIV, é um dos exem-
plos mais famosos desse tipo de nō. O ensaio examina
alguns aspectos dessa categoria por meio de uma análise
sobre a centralidade da morte para a construção da narra-
tiva apresentada, comentando aspectos relacionados ao luto
e à impossibilidade do reencontro com uma pessoa amada.
A partir disso, refletimos acerca da catástrofe individual:
a perda e a dor da concretização do nunca mais.
Palavras-chave: Teatro nō. Mugen-nō. Matsukaze. Morte. Catástrofe.
280 PINTO F. M.
ABSTRACT
One of the most distinctive features of Japanese nō theater is its close
relationship with death — or the figure of the dead. In general, we
come across stories that narrate events involving deceased protago-
nists, as in the many narratives of the so called mugen-nō 夢幻能.
In this category of plays, the plot presented is usually the result of
a dream or an illusion experienced by the supporting character,
to which the protagonist — a ghost or divine being — tells his past
life. The play Matsukaze, by Kiyotsugu Kan’ami, whose origins
date back to the 14th century, is one of the most famous examples
of this type of nō. This essay examines some aspects of this cate-
gory with an analysis of the centrality of death for the construc-
tion of the narrative presented, commenting on aspects related to
mourning and the impossibility of meeting a loved one. From this,
we reflect on the catastrophe at the individual level: the loss and
pain of the realization of the never again.
Keywords: Nō theatre. Mugen-nō. Matsukaze. Death. Catastrophe.
INTRODUÇÃO
1 Nome pelo qual era conhecido o Japão antes do termo Nihon 日本,
utilizado atualmente. A língua japonesa antiga é chamada Yamato
kotoba 大和言葉 ou wago 和語.
O LAMENTO UIVANTE DO VENTO PELOS PINHEIROS 281
2 Algumas das mais importantes são: Kanze 観世, Hōshō 宝生, Konparu
金春, Kongō 金剛 e Kita 喜多.
3 A ideia da flor (花) é central no pensamento de Zeami, e diríamos, de
modo um tanto reducionista, que representa a ideia do Belo, buscada
pelo ator em seu trabalho de interpretação.
O LAMENTO UIVANTE DO VENTO PELOS PINHEIROS 283
CARACTERÍSTICAS DO MUGEN-NŌ
O termo é grafado 夢幻能. O primeiro ideograma, 夢 (mu) —
que sozinho pode ser lido yume —, remete à ideia de sonho,
ilusão ou visão. O segundo, 幻 (gen), carrega essas mesmas
noções, mas adiciona as de fantasma ou aparição (GEN,
[202-]). Podemos perceber como os kanji apresentam ideias
convergentes, apesar de, cada um ao seu modo, agregarem
ao termo significados próprios. O terceiro ideograma
5 “In mugen noh, the setting is more than a frame for the action; it is the
catalyst. Shite A is a ghost whose story is linked with Site A, which the waki
happens to visit; if the waki had chosen Site B, then he would have encoun-
tered Shite B perhaps, and Shite A would have had no reason to appear.”
O LAMENTO UIVANTE DO VENTO PELOS PINHEIROS 285
6 “In the mugen play (the bulk of the repertoire) the shite or main role is
not a human, but, for example, a ghost, deity, or spirit. A more nuanced
classification was introduced in the seventeenth century (Edo era) in which
the type of character played by the shite was the determining factor: the
first category is a deity play, and such pieces may eulogize the emperor’s
peaceful reign; the second category involves a male warrior’s ghost in recol-
lection of the past; the third category concerns a refined female protago-
nist who may be a living woman or a ghost-woman; the fourth category
contains miscellaneous plays, featuring human characters and passions;
and the fifth category play involves the shite portraying a demon.”
286 PINTO F. M.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
GEN 幻. In: JISHO. [S. l.: s. n.], [202-]. Disponível em: https://jisho.org/
search/幻%20%23kanji. Acesso em: 10 jan. 2022.
日本の美的概念に関する時代推移とその構成モデ ル 美的空間創造のための
基礎的研究 (As mudanças temporais do conceito estético japonês e o
seu modelo composicional: pesquisa estrutural para a criação de um
espaço estético). Geijutsu kōgakkaishi 芸術工学会誌 (Revista de Artes e
Engenharia), Kōbe, n. 77, out. 2018, p. 158-165
FONTE DA FIGURA
Kōgyo Tsukioka (1869-1924). Representação de cena da peça
de nō Matsukaze, década de 1910. Xilogravura, 36,8 × 50,8 cm.
The Metropolitan Museum of Art.
Barretto L. M. Y.
RESUMO
Em 2012, a exposição individual Murakami-Ego, do artista
contemporâneo Takashi Murakami (1962-) apresentou a
obra Os quinhentos arhats (The Five Hundred Arhats, 2012),
produzida como uma reação ao grande terremoto e conse-
quente tsunami que atingiram o Japão em 2011. Os perso-
nagens tema da obra são discípulos de Buda, figuras
iluminadas que poderiam, segundo o artista, trazer alento
à sociedade, profundamente ferida por aqueles eventos.
A inspiração para a pintura vem da obra Os quinhentos rakan
(Gohyaku rakan 五百羅漢, 1854-1863) de Kazunobu Kanō
(1813-1863) — um trabalho encomendado em 1854 pelo
templo budista Zōjō-ji, mas que se tornou urgente quando,
no ano seguinte, um grande terremoto devastou a cidade de
Edo (atual Tóquio). Pretende-se aqui apresentar a reação
desses dois artistas perante a destruição deixada por uma
catástrofe natural.
Palavras-chave: Takashi Murakami. Kazunobu Kanō. Arhats.
Artes visuais. Catástrofe.
294 Barretto L. M. Y.
ABSTRACT
In 2012, the solo exhibit Murakami-Ego, of the contemporary
artist Takashi Murakami (1962-) presented the work The Five
Hundred Arhats (2012), which was produced as a reaction to
the great earthquake and consequent tsunami that hit Japan in
2011. The piece’s title-characters are disciples of Buddha, enligh-
tened figures that could, according to the artist, bring comfort to
the society, deeply wounded by those events. The inspiration for
the painting came from the work The Five Hundred Rakan
(Gohyaku rakan 五百羅漢, 1854-1863) by Kazunobu Kanō
(1813-1863) — a work commissioned in 1854 by the Buddhist
temple Zōjō-ji, but that had become urgent when, in the following
year, a massive earthquake devastated the city of Edo (current
Tokyo). Here, it is intended to present the reaction of those two
artists to the destruction caused by a natural disaster.
Keywords: Takashi Murakami. Kazunobu Kanō. Arhats. Visual arts.
Catastrophe.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Uma fonte para a nossa compreensão do tema desenvol-
vido por ambos os artistas se deu pelo livro Simbolismo e
motivos da arte chinesa: um extenso manual sobre o simbolismo
na arte chinesa através do tempo (Chinese Symbolism and Art
Motifs: A Comprehensive Handbook on Symbolism in Chinese
DISCUSSÃO
Sendo a obra de Kazunobu Kanō antecedente e uma refe-
rência ao trabalho de Murakami, nossa análise começa
por ela. Segundo Graham (2010), o artista, nascido em Edo
e filho de antiquário, ainda jovem já demonstrava talento
para a pintura, tendo estudado com Tsutsumi Tōrin III
(1789-1830), cujo estilo combinava os das escolas Tosa
(caracterizada pelo uso de cores claras, em pinturas deli-
cadas que representam histórias do Japão antigo) e Shijō
ARTE COMO CONSOLO 299
,
Figura 2. Kazunobu Kanō. Os quinhentos rakan: vida cotidiana rolo 2, c. 1854-1863.
6 O texto de Tsuji (2017) traduzido para o inglês intitula essa seção como
“The Six Realms of Existence” (“Os seis reinos da existência”), em vez
de “Navigating the Six Realms” (“Navegando os seis reinos”), que, como
explicado em nota anterior, decidiu-se adotar neste artigo. Porém, na
ausência dos títulos originais em japonês, considerou-se pertinente,
quando possível, oferecer os diferentes títulos encontrados.
7 Traduzida em Tsuji (2017) como “Sutra on the Twelve Disciplines”
(“Sutra sobre as doze disciplinas”).
304 Barretto L. M. Y.
10 “The [Five Hundred] Arhats was conceived after 3/11 — the Japanese
earthquake in 2011. In the old days, when there was a disaster, the monks
had paintings made that they used to promote religion among the people
who were suffering. I consider The [Five Hundred] Arhats to be an
equivalent of those historical works. It’s a consolatory painting — it’s my
Guernica, perhaps.”
308 Barretto L. M. Y.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além do título em comum, a comparação das obras de
Kazunobu e Murakami pode trazer uma série de aproxi-
mações — e distanciamentos. A monumentalidade, por
exemplo, é uma característica compartilhada por ambos
os projetos. Mesmo que consideremos que, no caso de
Kazunobu, o formato foi ditado pelo templo que fez a enco-
menda, seria impossível não reconhecer o esforço tanto de
sua pesquisa quanto da execução exigidas para conclusão
da obra. De maneira semelhante, mesmo sem intenção,
Murakami equiparou a dificuldade de executar sua visão,
mesmo contando com centenas de assistentes, ao criar uma
pintura extremamente complexa. A construção dos seus
arhats envolveu o uso de mais de quatro mil telas serigrá-
ficas para obter traços precisos, aplicando uma extensa
paleta cromática.
Na verdade, o intrincado trabalho com cores não é
inédito na obra de Murakami, embora aqui tenha atingido
um novo patamar. Mas se Kazunobu ainda operava dentro
da estética Kanō, divergindo dela com certa timidez —
como apontado por Ulak (2012) —, o artista contemporâneo
está totalmente desprendido de influências externas,
expandindo continuamente a estética que ele desenvolve
ARTE COMO CONSOLO 311
BIBLIOGRAFIA
CARRION-MURAYARI, Garry. Takashi Murakami: The 500 Arhats.
In: MASSIMILIANO, Gioni; MURAKAMI, Takashi. Murakami-Ego.
New York: Goto Design, 2012. p. 119-122.
Figura 2
KANŌ, Kazunobu (18161863). Os quinhentos rakan: vida cotidiana,
rolo 1 (The Five Hundred Rakan: Daily Life, scroll 1), c. 18541863. Rolo
de pintura, seda, tinta sumi e pigmento sobre seda, 172,3 × 85,3 cm.
Coleção do templo Zōjō-ji, Tokyo. Disponível em: https://archive.
asia.si.edu/exhibitions/online/masters-of-mercy/detail.asp?theme=-
fm&set=01-02. Acesso em: 13 ago. 2020.
314 Barretto L. M. Y.
Figura 3
MURAKAMI, Takashi (1962-). Os quinhentos arhats (Tigre branco)
(The Five Hundred Arhats [White Tiger]), detalhe, 2012. Tinta acrílica
sobre tela montada em madeira, 302 × 2500 cm. Galerie Perrotin, Paris.
Disponível em: TSUJI, Nobuo. Nobuo Tsuji vs. Takashi Murakami:
Battle Royale!: Japanese Art History. Trad. de Christopher Stephens,
Yuko Sakata. Tokyo: Kaikai Kiki, 2017.
Figura 4
MURAKAMI, Takashi (1962-). Os quinhentos arhats (Pássaro vermelho)
(The Five Hundred Arhats [Vermilion Bird]), detalhe, 2012. Tinta acrí-
lica sobre tela montada em madeira, 302 × 2500 cm, Galerie Perrotin,
Paris. Disponível em: TSUJI, Nobuo. Nobuo Tsuji vs. Takashi Murakami:
Battle Royale!: Japanese Art History. Trad. de Christopher Stephens,
Yuko Sakata. Tokyo: Kaikai Kiki, 2017.
Shimizu P. Y.
RESUMO
Em 1º de setembro de 1923 houve um grande terremoto na
região de Kantō, no Japão, e subsequentes tsunamis e incên-
dios, os quais resultaram em morte e destruição. Tamanha fora
a catástrofe que, a partir de 1960, esse dia foi eleito como o Dia
de Prevenção de Desastres (Bōsai-no hi 防災の日). Depois do
terremoto, o Japão teve que se reconstruir mais uma vez. Neste
ensaio, foram analisadas duas estampas feitas por Sengai
Igawa (1876-1961), artista japonês que desenvolveu gravuras a
partir de suas experiências em guerras e desastres. Elas fazem
parte da série Imagens do terremoto de Taishō (Taishō shinsai gashū
大正震災画集), da qual nove artistas participaram. A partir do
estudo dessas estampas, procura-se refletir de que forma os
japoneses lidam com as catástrofes naturais, com suas causas
e consequências, e quais os motivos que levam as pessoas a
consumir narrativas e imagens de dor e sofrimento.
Palavras-chave: Terremoto de Kantō. Xilogravura japonesa.
Catástrofe. Sengai Igawa.
ABSTRACT
In September 1st, 1923, there was a great earthquake in the Kantō
region, in Japan, and subsequent tsunamis and fires followed,
which resulted in death and destruction. Such was the catastrophe
318 Shimizu P. Y.
that, from 1960 onwards, such day was elected as the Disaster
Prevention Day (Bōsai-no hi 防災の日). After the earthquake,
Japan had to rebuild itself once more. In this text, we analyzed two
woodcut prints made by Sengai Igawa (1876-1961), a Japanese
artist who developed prints from his war and disaster expe-
riences. They are part of a series entitled Images of the Taishō
Earthquake (Taishō shinsai gashū 大正震災画集), in which
nine artists participated. From the study of these prints, we aim
to reflect upon questions such as the way Japanese people deal with
natural disasters, their causes and consequences and the reasons
why people consume narratives and images of pain and suffering.
Keywords: Kantō earthquake. Japanese woodblock print. Catastrophe.
Sengai Igawa.
BIBLIOGRAFIA
CLANCEY, Gregory. The Meiji Earthquake: Nature, Nation, and the
Ambiguities of Catastrophe. Modern Asian Studies, New York, v. 40,
n. 4, 2006. p. 909-951.
Figura 2
IGAWA, Sengai. “Cena de miséria na área das gueixas em Yanagibashi”
(“Karyūkai-no Sanjō Yanagibashi shoken”), da série Imagens do terremoto
de Taishō (Taishō shinsai gashū), 1926. Xilogravura, 21,9 × 28,9 cm. Coleção
da Biblioteca Wolfsonian FIU. Disponível em: https://digital.wolfsonian.
org/WOLF054675/00001/thumbs?nt=-1. Acesso em: 15 fev. 2021.
O GRANDE TERREMOTO DE KANTŌ DE 1923 331
Figura 3
IGAWA, Sengai. “Refúgio atrás de Asakusa Kannon” (“Asakusa
Kannon ura-no hinan”), da série Imagens do Terremoto de Taishō (Taishō
shinsai gashū), 1926. Xilogravura, 21,9 × 28,9 cm. Coleção Biblioteca
Wolfsonian FIU. Disponível em: https://digital.wolfsonian.org/
WOLF054675/00001/thumbs?nt=-1. Acesso em: 15 fev. 2021.
Figura 4
FOTÓGRAFO DESCONHECIDO. Distrito de Asakusa antes e depois
do terremoto, [1923]. Coleção M. William Steele. Disponível em:
STEELE, M. William. Postcards from Hell: Glimpses of the Great Kantō
Earthquake. Asian Cultural Studies, Tokyo, v. 41, 2018, p. 115.
Kurohiji J.
João Kurohiji
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO
A partir da imaginação de possibilidades de vínculo huma-
no-mineral no desastre da ficção científica Mizu-no naka-no
hachigatsu (1995), chegamos à atualidade da pandemia de
covid19 sob perspectiva do ensaio escrito pelo artista e filó-
sofo Lee Ufan. Segundo Lee, a existência agora catastró-
fica do vírus pode nos mover a aprender e a restaurar, por
exemplo, o entrelaçamento do orgânico com o inorgânico.
Assim, busca-se na sua obra artística um lugar de afeto e de
encontro com o outro no qual a pedra é significante — relação
com o inorgânico resgatada do que o artista entende por
antigo e/ou primitivo ao presente da sociedade industrial.
Consequentemente, propõe-se, neste ensaio, a ideia de que
habitar com a pedra é como reabitarmos modos de existência
humano-mineral em nosso momento corrente de catástrofes,
uma experiência sensível e imaginativa capaz de colaborar
com os esforços coletivos para habitarmos outros futuros.
Palavras-chave: Pedra. Modos de existência humano-mineral.
Lee Ufan. Mizu-no naka-no hachigatsu.
ABSTRACT
From the imagination of possibilities of the human-mineral bond
in the disaster of the science fiction Mizu no naka no hachigatsu
(1995), we reach the present day of the covid19 pandemic from
334 Kurohiji J.
5 “The onslaught of this virus feels like a warning against the rapid evolu-
tion of civilization. It could also serve as a brake on the indiscriminate
development of the earth, the excessive growth of the population, and our
HABITAR COM A PEDRA, HABITAR OUTROS FUTUROS 343
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras,
2020a. E-book.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2020b.
LEE, Ufan. Artists Respond: Lee Ufan. Trad.de Ashley Rawlings. Pace
Gallery, New York, 2020. Disponível em: https://www.pacegallery.
com/journal/artists-respond-lee-ufan/. Acesso em: 3 fev. 2021.
LEE, Ufan. Lee Ufan: Korean at the Forefront of Japan’s Modern Art.
Entrevista concedida a Edan Corkill. The Japan Times, Tokyo, 1 ago. 2010.
PELBART, Peter Pál. Por uma arte de instaurar modos de existência que
“não existem”. In: FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (org.). Como
[...] coisas que não existem. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2014.
p. 250-265. E-book.
REFERÊNCIA CINEMATOGRÁFICA
MIZU-no naka-no hachigatsu. Direção: Gakuryū Ishii. Produtor:
Binbun Furusawa. Japão: Hill Villa Co., 1995. 1 vídeo (117 min).
Hett R.
AS SUBCULTURAS DA MODA
JAPONESA COMO UM ATO
DE RESISTÊNCIA
Rafael Hett
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO
As subculturas da moda japonesa são fenômenos ampla-
mente conhecidos na atualidade, embora ainda exista muita
desinformação circulando nos mais diferentes ambientes,
em especial nas redes sociais. O choque inicial causado
pela estética agressiva de algumas subculturas acaba por
revelar preconceitos, estereótipos e visões orientalistas
sem que haja, por outro lado, uma contextualização capaz
de explicar o porquê desse modo de vestir e de se portar
provocar tanta estranheza. Este ensaio pretende, portanto,
discutir as subculturas à luz da teoria de moda a fim de
compreender de que maneira a moda em seu potencial de
criar identidades e subjetividades foi apropriada pela juven-
tude para contestar e resistir aos discursos e expectativas
tradicionais. Argumenta-se que subculturas são poderosas
formas de socialização de indivíduos que compartilham das
mesmas inseguranças e ansiedades, acentuadas em meio à
instabilidade econômica, política e social do Japão no fim da
década de 1980 e início dos anos de 1990. Contudo, as subcul-
turas não parecem escapar da lógica da moda que torna
social o que antes era subversivo, apontando, assim, para a
362 Hett R.
ABSTRACT
Japanese fashion cultures are widely known phenomena nowa-
days, even if there is still a lot of disinformation circulating in
the most different spaces, especially on social media. The initial
shock caused by the aggressive aesthetics of some subcultures unveils
prejudices, stereotypes and orientalist visions. On the other hand, a
contextualization capable of explaining why these ways of dressing
or behaving are generally seen with strangeness. This essay aims
then to discuss subcultures under fashion theory to understand how
fashion in its potential to create identities and subjectivities was
taken by the youth to challenge and to resist traditional discou-
rses and expectations. It is argued that subcultures are powerful
forms of socialization of individuals that share the same insecu-
rities and anxieties, hugely accentuated amid Japan’s economic,
political and social instabilities in late 80’s early 90’s. However,
subcultures are unlikely to escape the logic of fashion that trans-
forms what was subversive into something socially acceptable.
This points to the own plasticity and dynamism of the field, as well
as to the need to constantly update the categories of comprehension
concerning Japanese fashion.
Keywords: Fashion subcultures. Street fashion. Japanese fashion.
FRUiTS. Ryuko Tsushin.
1 “Fashion has always been a reflection of the current situation of the society.
Ironically, Japan’s economic slowdown in the first decade of the twenty-first
century may have played a role in today’s longer-lasting street fashion.
There is a widespread feeling of disillusionment, alienation, uncertainty,
and anger, which has spread throughout Japanese society. This has led to
the breakdown of traditional Japanese values, such as perseverance, disci-
pline, and belief in education — especially among children. Their norm-
-breaking attitude is exhibited through their appearance, which is a way to
make themselves seen and heard.”
366 Hett R.
5 Em outubro de 1989, o New York Times noticiou que uma zona comer-
cial em Ginza, no edifício da Meidi-ya Company, chegou a custar
254 mil dólares por metro quadrado no ano anterior. O maior valor por
metro quadrado em zona residencial registrado foi de 88 mil dólares.
Disponível em: https://www.nytimes.com/1989/10/03/business/
prices-of-land-higher-in-japan.html. Acesso em: 20 mar. 2022.
AS SUBCULTURAS DA MODA JAPONESA 373
12 “As the novelty gains in extension and loses its novelty, it loses its intensity
and its informative capacity.”
AS SUBCULTURAS DA MODA JAPONESA 381
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito principal deste ensaio não era apresentar as
subculturas de Tóquio, material que já foi extensamente
produzido por inúmeros veículos e pesquisadores de quali-
dade. Por isso, o leitor que tenha vindo em busca de um
descritivo dos grupos, com suas características mais proe-
minentes e estilos icônicos, talvez se sinta decepcionado.
Contudo, conforme mencionado no início, o motivador
para esse ensaio foi um vídeo que trata as subculturas como
meras excentricidades de um Japão exótico, pronto para ser
descoberto e julgado pelo olhar ocidentalizado. Meu intuito
foi, então, o de mostrar que as subculturas são um fenômeno
de moda com um contexto histórico, social e geográfico
muito particular. Longe de serem meras expressões frívolas
de uma juventude perdida, as subculturas emergiram no
Japão, e mais precisamente em Tóquio, em um momento
delicado, no qual as fraturas de uma sociedade extrema-
mente pressurizada romperam e causaram uma fragilização
nos pilares que possibilitavam uma coesão social.
O estouro da bolha econômica na década de 1990, conhe-
cida como a “década perdida”, fez com que os antigos sonhos
AS SUBCULTURAS DA MODA JAPONESA 383
BIBLIOGRAFIA
BENVENUTO, Sergio. Fashion: Georg Simmel. Journal of Artificial
Societies and Social Simulation, Guildford, v. 3, n. 2, 2000. Disponível
em: https://www.jasss.org/3/2/forum/2.html. Acesso em: 17 mar. 2022.
SLADE, Toby. Japanese Fashion: A Cultural History. New York: Berg, 2009.
Figura 2
Foto do editorial de 1986, “A melancolia da lolita: vestindo-se como
uma garota”, da Ryuko Tsushin. Disponível em: https://honeydewdolly.
com/blog/the-beginning-of-nymphet-fashion-in-japan-a-translation-
of-ryuko-tsushin-1986-lolitas-melancholy-dressing-like-a-girl/. Acesso
em: 23 mar. 2022.
MURAKAMI A.
Anais Murakami
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO
Esta pesquisa baseia-se nas relações entre arte, corpo e
catástrofe e sugere a dança Butō como ferramenta para
questionar e repensar a vida. O texto aponta as conexões
entre o Butō e as filosofias e conceitos japoneses, como o
ma 間 e o mushin 無心. A partir dos artistas Kazuo Ohno,
Min Tanaka, Tadashi Endo, Tatsumi Hijikata e Yoshito
Ohno, a dança Butō é analisada como uma prática que
desloca as concepções sobre existência, arte, cultura e
natureza, sendo observada como uma perspectiva que não
demarca a dicotomia, mas, ao contrário, agrupa as coisas,
busca a transposição das diferenças e o corpo sem fron-
teiras, como uma proposta de existência política. O ensaio
relaciona a prática de Butō ao animismo e alarga as rela-
ções entre esta e o conceito japonês ma 間, trazendo-o além
do Butoh-Ma, de Tadashi Endo, e identificando o espaço
entre como cerne dessa prática que se dá como ferramenta
para a travessia da catástrofe.
Palavras-chave: Butō. Catástrofe. Ma. Animismo.
388 MURAKAMI A.
ABSTRACT
This research is based on the relations between art, body, and
catastrophe and suggests the Butō dance as a tool to question and
rethink life. The text points the connections between Butō and
Japanese philosophies and concepts, such as ma 間 and mushin
無心. From artists such as Kazuo Ohno, Min Tanaka, Tadashi
Endo, Tatsumi Hijikata, and Yoshito Ohno, the Butō dance is
analyzed as a practice that displaces conceptions about existence,
art, culture, and nature, and is observed as a perspective that does
not demarcate dichotomy but, on the contrary, brings things toge-
ther, seeks the transposition of differences and the body without
borders, as a proposal for political existence. The essay relates the
practice of Butō to animism and extends the relationship between
it and the Japanese concept of ma 間, bringing it beyond Tadashi
Endo’s Butoh-Ma, and identifying the space in between as the core
of this practice that occurs as a tool for traversing the catastrophe.
Keywords: Butō. Catastrophe. Ma. Animism.
BIBLIOGRAFIA
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Trad. de Eliana Livia Reis, Glauce
Gonçalves e Myriam Avila. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
OHNO, Kazuo. Treino e(m) poema. Trad. de Tae Suzuki. São Paulo:
n−1 edições, 2016.
Helena Ariano
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
RESUMO
Este ensaio apresenta algumas considerações sobre o curta
Yūkoku: rito de amor e morte, roteirizado, produzido, diri-
gido e atuado pelo escritor Yukio Mishima (1925-1970) em
1965. Para esta análise, são levantadas reflexões sobre os
aspectos essenciais de seu pensamento: um diálogo entre a
importância do corpo, sua relação com a morte e o erotismo
e seu patriotismo. Para uma maior compreensão das bases
presentes em sua ideologia, considerações sobre algumas
obras suas, como Sol e aço (1968) e Hagakure: a ética dos samu-
rais e o Japão moderno (1967), são realizadas, além de alguns
levantamentos sobre o Japão Pós-Guerra, seus efeitos sobre
o escritor e de que forma a modernidade japonesa e a ociden-
talização interferem em sua concepção ideológica e estética
e, consequentemente, no curta em questão.
Palavras-chave: Yukio Mishima. Japão Pós-Guerra. Corpo.
Morte. Erotismo.
ABSTRACT
This essay outlines a few considerations on the short film Yūkoku:
Patriotism or the Rite of Love and Death, scripted, produced,
directed, and performed by author Yukio Mishima (1925-1970)
410 ARIANO H.
8 Em The Life and Death of Yukio Mishima, Stokes traduz essa parte
como “I had to make my body beautiful” (“eu tinha que transformar
meu corpo em algo belo”, em tradução livre), associando, portanto,
a virilidade do corpo a sua beleza.
9 Como muitos jovens de seu tempo, que vivenciaram o nacionalismo da
guerra e a derrota do Japão, Mishima nutria um sentimento de glorifi-
cação da morte que perdurou durante toda sua vida.
10 O resfriado de Mishima foi confundido com um quadro de tuberculose.
O escritor, à época, não desmentiu o diagnóstico dado erroneamente.
414 ARIANO H.
O CONTEXTO PÓS-GUERRA
Mishima viveu parte de sua juventude nos tempos da guerra,
e houve certas influências dessa época em seu pensamento.
O período em questão trouxe importantes implicações polí-
ticas e sociais no Japão, além de consequências direcio-
nadas à corporeidade, à existência dos indivíduos. Segundo
Yoshikuni Igarashi (2011)21 essas repercussões se refletiram
não apenas nos corpos dos sujeitos anônimos, mas mesmo no
do Imperador, ecoando, portanto, na identidade japonesa de
forma geral. Em relação aos corpos dos cidadãos, houve uma
espécie de “senso de libertação” após a derrota: por conta da
perda do controle do Estado japonês sobre eles, que não mais
estavam sob a regulação política nacionalista dos tempos
de guerra, os sujeitos muitas vezes passaram a se entregar
a prazeres físicos como sexo e a comida — embora esta
fosse escassa. No entanto, se por um lado havia a libertação
do controle do Estado japonês, por outro lado esses corpos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
GIROUX, Sakae Murakami. Zeami: cena e pensamento nō. São Paulo:
Perspectiva; Fundação Japão; Aliança Cultural Brasil-Japão, 1991.
STOKES, Henry Scott. The Life and Death of Yukio Mishima. New York:
Cooper Square, 2000.
YUKIO MISHIMA, PATRIOTISMO E TRAGÉDIA 433
Figura 2
Tenente e Reiko no leito. Fonte: YŪKOKU: rito de amor e morte.
Direção de Yukio Mishima. Japão: Art Theatre Guild (ATG), 1965
(8 min 42).
Figura 3
A morte do tenente. Fonte: YŪKOKU: rito de amor e morte. Direção
de Yukio Mishima. Japão: Art Theatre Guild (ATG), 1965 (18 min 50).
Figura 4
Reiko na Sala do Espelho. Fonte: YŪKOKU: rito de amor e morte.
Direção de Yukio Mishima. Japão: Art Theatre Guild (ATG), 1965
(22 min 52).
Figura 5
Casal sobre jardim japonês. Fonte: YŪKOKU: rito de amor e morte.
Direção de Yukio Mishima. Japão: Art Theatre Guild (ATG), 1965
(27 min 6).
RIBEIRO JUNIOR P.
RESUMO
A partir de uma tipologia que busca alargar a dimensão
acerca daquilo que pode ser considerado uma catástrofe —
não apenas eventos de grande relevância histórico-social
(como terremotos, guerras, acidentes nucleares etc.), mas
também acontecimentos que constituam uma faceta mais
subjetiva e íntima, como a morte de um familiar — o presente
texto tem como objetivo principal traçar um panorama que
ilustre de que maneira essas catástrofes afetaram a vida
e a obra de artistas do campo literário japonês. O recorte
temporal adotado privilegia fatos e acontecimentos que
ocorreram ao longo do século XX. Além disso, a bibliografia
selecionada permitirá que sejam estabelecidos paralelos
comparativos entre autores e/ou obras provenientes de
outras regiões geográficas, mas que nutram laços efetivos —
e afetivos — com a realidade social e artística do Japão.
Palavras-chave: Literatura. Japão. Catástrofe. Luto. Resiliência.
RÉSUMÉ
Basé sur une typologie qui cherche à élargir la dimension de ce que
l’on peut considérer comme une catastrophe — c’est-à-dire, non
seulement des événements de grande importance historique et sociale
(comme les tremblements de terre, les guerres, les accidents nucléaires
etc.), mais aussi des événements qui constituent une facette plus
subjective et intime, comme la mort d’un membre de la famille —
cet article vise à dresser un panorama qui illustre la manière dont
ces catastrophes ont affecté la vie et l’œuvre d’artistes appartenant au
champ littéraire japonais. L’approche temporelle adoptée privilégie
des faits et des événements qui ont eu lieu au long du XXème siècle.
En outre, la bibliographie choisie permettra d’établir des parallèles
comparatifs entre des auteurs et/ou des œuvres provenant d’autres
régions géographiques, mais qui ont des liens effectifs — et affectifs —
avec la réalité sociale et artistique du Japon.
Mots-clés: Littérature. Japon. Catastrophe. Deuil. Résilience.
2 Cabe ressaltar que, nesse texto, foi usada a versão em francês das
obras literárias citadas.
3 Barreira do Leste, onde se encontra a capital Tóquio, assim como
Yokohama.
ENTRE SIRENES E SUSSURROS 437
21 O livro ainda não foi publicado em português. A análise desse texto foi
feita a partir da versão francesa, publicada em 2002, cujo título original
é Après le tremblement de terre.
ENTRE SIRENES E SUSSURROS 443
DIÁLOGOS CATASTRÓFICOS
Como já se disse, as tragédias ocorridas no Japão em 1995 foram
o estopim da decisão de Murakami de voltar a viver no Japão
(na altura, ele vivia nos Estados Unidos). De outras maneiras,
em outros períodos, as catástrofes serviram como plataforma
de diálogo entre o Japão e o ocidente. Uma das mais emble-
máticas foi encarnada pela atriz Emmanuelle Riva, no filme
Hiroshima mon amour (Hiroshima meu amor), dirigido por Alain
Resnais e apresentado no Festival de Cannes de 1959:
24 “Cette forêt, c’est en moi-même qu’elle est, après tout. C’est moi-même qui
l’ai créée. Ces bêtes sauvages, c’est au fond de moi qu’elles vivent.”
25 “ELLE: J’ai toujours pleuré sur le sort de Hiroshima. Toujours.
LUI: Non. Sur quoi aurais-tu pleuré?
ELLE: J’ai vu les actualités. Le deuxième jour, dit l’Histoire, je ne l’ai pas
inventé, dès le deuxième jour, des espèces animales précises ont resurgi des
profondeurs de la terre et des cendres. Des chiens ont été photographiés.
Pour toujours. Je les ai vus [...]
ENTRE SIRENES E SUSSURROS 445
Bird, pela primeira vez, viu seu filho. Era um bebê medonho,
com uma carinha vermelha e enrugada. [...] Meu filho tem
a cabeça envolta em bandagem, como Apollinaire ao ser
ferido no campo de batalha, pensou Bird. Meu filho foi ferido
como Apollinaire, num campo de batalha abandonado, que
eu nunca vi — e agora ele grita silenciosamente. [...] Terei
que enterrá-lo como um soldado morto na Guerra (ŌE, 2000,
p. 43-44, tradução nossa).36
POSSIBILIDADES DE RECONSTRUÇÃO
Qualquer que seja a dimensão da catástrofe, há uma tempo-
ralidade própria a cada uma delas, o que implica, para cada
indivíduo, superar o estrondo inicial para ocupar-se do
que vem a seguir: o momento pós-catástrofe. Isso implica
em lidar com o impacto do choque, mas também com os
destroços, tanto no plano material quanto nos planos
psíquicos e metafóricos, como se esse momento pós-catás-
trofe fosse uma espécie de no man’s land e o ato de criação
representasse uma redenção viável, uma possibilidade de
reconstrução (fukkô 復興).
Como especifica o arquiteto e professor Shōichirō
Sendai, essa acepção de construção que se tornou popular
na sequência do grande sismo de Kantō de 1923 (Kantō
daishinsai 関東大震災) não visa a restauração de um estado
39 “Sans cette semaine-là, il est sûr que ni ma vie littéraire ni la vie d’homme
que j’ai menée à partir de là n’auraient existé.”
40 Como no caso do artigo “Adeus ao nuclear!” (“Adieu au nucléaire!”),
publicado inicialmente no Japão e, na sequência, traduzido para
o francês para integrar uma coletânea de artigos acerca do Japão
pós-11 de março (ŌE, 2012, p. 205-208).
41 “[...] l’étrange pouvoir curateur de l’art.”
ENTRE SIRENES E SUSSURROS 451
Figura 1. Plinio Ribeiro Jr. Ornamenta urbis. Grafite num muro, Paris, 2020.43
BIBLIOGRAFIA
DELECROIX, Vincent; FOREST, Philippe. Le Deuil: entre le chagrin
et le néant. Paris: Gallimard, 2017.
FONTE DA FIGURA
RIBEIRO JR., Plinio. Ornamenta urbis. Grafite num muro. Paris, 2020.
Fotografia digital. Fonte: arquivo pessoal.
Job M. I.
FILHO DE UBUME:
GENEALOGIA DE UM YŌKAI 1 NO
MANGÁ DO JAPÃO PÓS-GUERRA
RESUMO
O artista de mangá Shigeru Mizuki (1922-2015) construiu sua
carreira no Pós-Guerra, depois de servir ao exército japonês
por quatro anos. Partindo do pressuposto de que a arte tem
um potencial transformador de experiências e de simbo-
lização, e que as criações artísticas carregam em si traços
que ecoam o vivido, este ensaio narra um experimento de
investigação iconológica do personagem que consolidou o
sucesso de Mizuki no Japão, GeGeGe-no Kitarō. A noção de
Pathosformel, emprestada do historiador alemão da cultura
Aby Warburg (1866-1929), foi o instrumento com o qual
se operou neste estudo. Por se tratar de um empréstimo
conceitual delicado, referimo-nos à pesquisa que resultou
neste texto como narrativa de experimento, cientes dos riscos,
mas também da importância de buscar novos recursos para
ABSTRACT
The manga artist Shigeru Mizuki (1922-2015) built his career
in the post-war period, after serving in the Japanese army for four
years. On the assumption that art has a transformative potential
of experience, a potential of symbolization, and that artistic crea-
tions carry within them traces that echo the lived, this essay narrates
an experiment in iconological investigation of the character that
cemented Mizuki’s success in Japan, GeGeGe no Kitarō. The notion
of Pathosformel, borrowed from the German cultural historian
Aby Warburg (1866-1929), was the instrument with which this
study operated. Since it is a delicate conceptual borrowing, we refer
to the research that resulted in this text as a narrative experiment,
aware of the risks, but also of the importance of turning to new
resources for understanding images and for formulating how their
transmissions take place across times and cultures.
Keywords: Shigeru Mizuki. GeGeGe no Kitarō. Aby Warburg.
Pathosformel. Catastrophe.
AS FORMULAÇÕES DE PÁTHOS
Ao escrever sobre a conferência de caráter autobiográfico
que Aby Warburg proferiu em dezembro de 1927, no salão
da Kulturwissenschaftliche Bibliothek Warburg (Biblioteca
Warburg para a Ciência da Cultura), por ele formada em
Hamburgo, Cássio Fernandes (1969-) menciona o fato de
Warburg ter construído em sua fala “o sentido e a coerência
BIBLIOGRAFIA
ADACHI, Noriyuki. Posfácio. In: SHIGERU, M. Marcha para a morte.
São Paulo: Devir, 2018. p. 361-364.
BOYER, Guy. Éditorial: des années folles. Connaissance des arts, Paris,
juil./août 2021. p. 3.
MAYER, Fanny Hagin (ed., trad.). The Yanagita Kunio Guide to the
Japanese Folk Tale. Bloomington, IN: Indiana University Press, 1986.
PAPP, Zilia. Anime and Its Roots in Early Japanese Monster Art. Leiden:
Global Oriental, 2010.
Figura 2
TATSUMI, Kei. Hakaba Kitarō. [S. l.]. [194-?]. Disponível em: https://
aminoapps.com/c/join-the-battle/page/blog/kbaf-birth-of-kitaro-bonus/
aYvj_V0S0ueQPX1RzKzDp04qLzXJMw4j3x. Acesso em: 29 ago. 2022.
Figura 3
MIZUKI SHIGERU MEMORIAL MUSEUM. Quadro mostrando as
transformações na imagem de Kitarō. Sakaiminato, abr. 2018. Fonte:
acervo da autora.
Figura 4
Quadro montado pela autora: Hitotsume kozō. Disponível em: https://
pt.wikipedia.org/wiki/Hitotsume-kozo#/media/Ficheiro:Obake_
Karuta_4-06.jpg; Ao bōzu. Disponível em: https://narutoworldbrazil.
blogspot.com/2013/05/mitologia-e-folclore-ao-bozu.html; e Kasa
obake. Fotografia digital da autora, no Mizuki Shigeru Museum,
Sakaiminato, abr. 2018.
Gibson L.
MAPEANDO O TEMPO:
TRAUMA, GUERRA E MEMÓRIA
NO FOTOLIVRO CHIZU (1965)
DE KIKUJI KAWADA
Lucas Gibson
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
RESUMO
Em 1965, vinte anos após o bombardeiro atômico de Hiroshima,
o fotógrafo Kikuji Kawada (1933-) publicou seu fotolivro O mapa
(Chizu 地図) com imagens que fazem referência às memórias
da Segunda Guerra Mundial e seu impacto social, econômico
e político para o Japão, como as manchas de radiação no
Memorial da Paz de Hiroshima, o desenvolvimento da socie-
dade de consumo e o militarismo japonês. A obra de Kawada, de
caráter mais subjetivo, tem um design inovador e teve algumas
reimpressões, gerando interpretações diversas no decurso
do tempo. Este texto tem por objetivo investigar o impacto de
Chizu como fotolivro desde sua primeira edição até os dias de
hoje, analisando seu contexto histórico de produção, as inten-
ções e vivências do autor, a experiência sensorial do livro, as
escolhas técnicas em sua confecção, o conteúdo das imagens
e sua atemporalidade. Adicionalmente, os conceitos de tempo,
memória e trauma são trabalhados em conjunto com a análise
do livro, com o intuito de compreender sua relevância e ressig-
nificações ao longo dos anos.
Palavras-chave: Fotografia. Japão. Pós-Guerra. Kikuji Kawada.
O mapa.
474 Gibson L.
ABSTRACT
In 1965, twenty years after the atomic bombing of Hiroshima,
the photographer Kikuji Kawada (1933-) published his photobook
The Map (Chizu 地図), with images that refer to the memories of the
Second World War and its social, economic, and political impact for
Japan, such as the radiation stains at the Hiroshima Peace Memorial,
the development of consumer society and Japanese militarism.
Kawada’s work, of a more subjective character, has an innovative design
and had a few reprints, generating different interpretations over time.
This essay aims to investigate the impact of Chizu as a photobook from
its first edition to the present day, analyzing its historical context of
production, the author’s intentions and experiences, the book’s sensory
experience, the technical choices in its making, the content of the images
and their timelessness. Additionally, the concepts of time, memory,
and trauma are studied together with the analysis of the book,
to understand its relevance and reinterpretations over the years.
Keywords: Photography. Japan. Postwar. Kikuji Kawada. The Map.
INTRODUÇÃO
4 “Inside,it was damp, dark, there was a strange smell... my eyes took a
moment to adjust before I noticed the stains. It was an unspeakably
powerful moment. I felt like I had encountered this terrifying, unknown
place. I had the illusion that I could almost hear faint voices merged with
the wind and crackling sounds coming out of the walls. [...] New events like
that for me are often connected with my senses of smell and hearing. When
I encountered the stains, I felt electrified. It was unlike any previous images
I had pictured in my mind of Hiroshima.”
5 Kawada escolhe o título Chizu (O mapa) por considerá-lo abrangente,
permitindo uma melhor adequação de imagens de natureza distinta
no projeto. Além disso, um mapa transmite a ideia de “um certo lugar
e um certo tempo”, além de “representar as paisagens espirituais e
psicológicas de um certo período” (CHUANG; HINTON, 2021, p. 13-14).
6 Muito se discute sobre a nomenclatura fotolivro e sua utilização em
trabalhos de pesquisa em português, além de sua aplicação em deter-
minados contextos. Não é nosso objetivo aprofundar essa discussão,
de modo que utilizaremos o termo para caracterizar a obra de Kawada
tendo como referência a definição de Gerry Badger, que caracteriza
o fotolivro como “um tipo particular de livro fotográfico, em que as
MAPEANDO O TEMPO 477
considering the images of the walls of the Atomic Bomb Dome too
10 “[...]
abstract to stand alone, condensed the two bodies of work into one volume.”
11 Para Vartanian e Kaneko (2009, p. 19), o mérito dos designs de Sugiura
para os fotolivros das décadas de 1960 e 1970 reside, principalmente
em sua capacidade de “suprimir a ideia de que o fotolivro seria a repro-
dução de um original, e sim o original ele mesmo”.
12 Kawada começou a editar o livro entre 1962 e 1963, quando conhece
Sugiura, em um espaço alugado em Yotsuya chamado Shōheikan,
482 Gibson L.
could see the face of the pilot as its machine guns issued bullets,
16 “[...]
rapid-fire.”
MAPEANDO O TEMPO 489
20 “[...] calculable, foreseeable, and leaves open the potential for formal
intervention.”
21 “[...] dimension of the unforeseen.”
22 “[...] an occurrence: something in the image occurs or something falls into
the image.” (grifos do autor)
492 Gibson L.
BIBLIOGRAFIA
ANDRÉ, Richard Gonçalves. O ogro e o demônio: a representação foto-
gráfica da devastação nuclear em “Hiroshima”, de Ken Domon (1945-
1958). Domínios da Imagem, Londrina, PR, v. 13, n. 24, 2019. p. 30-65.
Figura 2
KAWADA, Kikuji. “Hinomaru, a bandeira nacional japonesa”.
Imagem da série O mapa. c. 1960-1965. Impressão em gelatina
de prata, 18,42 × 24.13 cm. Acervo do Museu de Arte Moderna
de São Francisco. Disponível em: https://www.sfmoma.org/
artwork/2002.65.10. Acesso em: 31 mar. 2022.
MAPEANDO O TEMPO 495
Figura 3
KANEKO, Ryuichi; VARTANIAN, Ivan. Japanese Photobooks of the 1960s
and ‘70s. New York: Aperture, 2009.
Figura 4
KAWADA, Kikuji. Chizu. [S. l.]: Nazraeli Press & Getsuyosha, 2005.
Fotolivro. Disponível em: https://cuatrocuerpos.com/donde-esta-
nuestro-mapa/. Acesso em: 31 mar. 2022.
Figura 5
KAWADA, Kikuji. Chizu. Maquette Edition. London: MACK, 2021.
Fotolivro. Disponível em: https://bookobscura.com/items/61af3f98d-
5ffeb16bac63b69. Acesso em: 31 mar. 2022.
REFERÊNCIAS DAS
IMAGENS ARTÍSTICAS
Figura 1
Ponta-seca, água-forte e monotipias sobre pergaminho (acima).
Fotografia feita com celular, de arquivo da internet, retrabalhada (abaixo).
Figura 2
Ponta-seca, água-forte, monotipia e desenho sobre pergaminho
(acima). Fotografia feita com celular, de arquivo da internet, retraba-
lhada (abaixo).
Figura 3
Ponta-seca, água-forte, monotipia e desenho sobre pergaminho
(acima). Fotografia feita com celular, de arquivo da internet, retraba-
lhada (abaixo).
Figura 4
Ponta-seca, água-tinta, monotipia e desenho sobre pergaminho
(acima). Fotografia feita com celular, de arquivo da internet, retraba-
lhada (abaixo).
Figura 2
Hokusai nos trópicos 208. 1994-2022. Colagem de xilo e tinta sumi sobre
papel artesanal, com excerto de Hokusai Manga volume 2 (1879).
29 × 22 cm (irregular). Monge Kūkai 空海 (774-835), mais conhecido
como Kōbō Daishi, fundador do budismo Shingon, autor de peças de
nō, retira-se no monte Takano e controla árvores em chamas.
Figura 3
Hokusai nos trópicos 209. 1994-2022. Colagem de xilogravura e tinta acrí-
lica sobre papel artesanal, com excerto de calendário Shikō Munakata
(1903-1975) e Hokusai Manga volume 2 (1879). 29 × 22 cm (irregular).
Lendário monge Hōshōbō 法性坊, mestre de Michizane Sugawara
(845-903), personagem de teatro nō, que assusta na forma de relâm-
pago e apazigua o espírito do mestre zen Eihei Dōgen (1200-1253).
Figura 4
Hokusai nos trópicos 217. 1994-2022. Colagem e tinta sumi sobre
papel artesanal, com excerto de Hokusai Manga volume 2
(1879). 29 × 22 cm (irregular). Handaka sonja 半託迦尊者,
o 16º arhat recluso nas montanhas; tinha poderes mágicos como voar,
atravessar rochas e portar tigela, das quais escapam dragões.
M.A.D.A.L.I (1980-)
(Madali Rosa Tschope)
Série Yūreiga 幽霊画.
Figura 1
Yūrei 幽霊 1. 2021. Fotografia manipulada digitalmente.
Figura 2
Yūrei 幽霊 2. 2021. Fotografia manipulada digitalmente.
Figura 3
Yūrei 幽霊 3. 2021. Fotografia manipulada digitalmente.
Figura 4
Yūrei 幽霊 4. 2021. Fotografia manipulada digitalmente.
Referências das imagens artísticas 503
Figura 2
Varsóvia – Trecho do muro do gueto de Varsóvia. Fotografia.
Figura 3
Hiroshima. Fotografia.
Figura 4
Tóquio – Detalhe de casa que sobreviveu tanto ao terremoto de 1923
quanto aos bombardeios da cidade durante a Segunda Guerra. Fotografia.
SOBRE OS AUTORES