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Português – 11.

º Ano
Educação Literária

«Sermão de Santo António aos peixes»

Contextualização

O «Sermão de Santo António» é um discurso religioso, de caráter exortativo, que representa


uma alegoria moral e política. Vieira utiliza o esquema alegórico como meio de satirizar e
caricaturar o poder dos brancos maranhenses: constrói como auditório fictício os peixes para
dirigir, indiretamente, uma forte crítica social aos colonos, condenando o seu
comportamento, com o objetivo de o alterar. Foi pregado na cidade de São Luís do Maranhão,
a 13 de junho de 1654.

«Sermão de Santo António aos peixes»

«Este Sermão (que todo é alegórico) pregou o Autor três dias antes de se embarcar
ocultamente para o Reino, a procurar o remédio da salvação dos Índios, pelas causas que se
apontam no 1.º Sermão do 1.º Tomo. E nele tocou todos os pontos de doutrina (posto que
perseguida) que mais necessários eram ao bem espiritual, e temporal daquela terra, como
facilmente se pode entender das mesmas alegorias.

Vos estis sal terrae. [Mt. 5]»

O sermão é constituído por seis capítulos (estrutura externa), obedecendo a uma estrutura
interna tripartida: o exórdio, que corresponde à introdução; a exposição e a confirmação,
que correspondem ao desenvolvimento; e a peroração, que corresponde à conclusão.

Capítulo I – Exórdio (Síntese)


Neste capítulo, introduz-se o assunto do sermão: uma pregação que é feita aos peixes, mas
que, na verdade, se dirige aos homens; aborda-se a importância da palavra dos pregadores
(«o sal») na preservação da moralidade e da integridade dos homens («a terra»); elogia-se
Santo António como modelo a seguir; e invoca-se a Virgem Maria, pedindo-lhe inspiração.

➢ Exemplo:

«Isto suposto, quero hoje à imitação de Santo António voltar-me da terra ao mar, e
já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes.»
Definição do assunto do sermão
• «Vós sois o sal da terra» é a frase bíblica que funciona como conceito predicável, ou
seja, um processo retórico que consiste na interpretação de um passo da Sagrada
Escritura, com base em associações de ideias devidamente fundamentadas por uma
autoridade teológica. É através do conceito predicável que se vai desenvolver todo o
raciocínio.

➢ Exemplo:

««Vós», diz Cristo Senhor nosso, falando com os Pregadores, «sois o sal da terra»
[…].»

Importância da palavra dos pregadores na preservação da moralidade e da integridade


dos homens
Tal como o sal impede a corrupção e é fonte de purificação, os Pregadores devem
impedir a corrupção das almas. Contudo, apesar de haver muitos Pregadores, a terra
mantém-se corrupta.
➢ Exemplos:

«[…] e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal.»
«O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como
está a nossa […].»

Este cenário indesejado pode ser da responsabilidade dos Pregadores, por três motivos: ou
os Pregadores não ensinam a verdadeira mensagem do Evangelho, ou os comportamentos
dos pregadores não são coerentes com as suas palavras, ou, por vaidade, centram o ato de
pregar em si e não na mensagem cristã.

➢ Exemplo

«Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina; […]
ou é porque o sal não salga, e os Pregadores dizem uma coisa, e fazem outra; […] ou
é porque o sal não salga, e os Pregadores se pregam a si, e não a Cristo; […].»

Por outro lado, pode ser da responsabilidade dos ouvintes por recusarem receber a
doutrina cristã, por imitarem a conduta dos falsos pregadores e não as palavras da doutrina
que eles proferem, ou por não se guiarem pelas palavras de Cristo, mas, sim, pelos seus
impulsos pecaminosos.
➢ Exemplo
«[…] ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a
doutrina, que lhes dão, a não querem receber; […] ou porque a terra se não
deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o
que dizem […] ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes em vez de
servir a Cristo servem a seus apetites.»

O orador, no segundo e no terceiro parágrafos, indica o destino que deve ser dado aos
Pregadores que não pregam a verdadeira palavra de Deus e aos ouvintes que não a querem
ouvir. Como Cristo ensinou, os maus pregadores devem ser desprezados e expulsos da
comunidade.

➢ Exemplos

«Se o sal perder a substância, e a virtude, e o Pregador faltar à doutrina, e ao exemplo,


o que se lhe há de fazer é lançá-lo fora como inútil, para que seja pisado de todos.»
«[…] assim é merecedor de todo o desprezo, e de ser metido debaixo dos pés, o que
com a palavra, ou com a vida prega o contrário.»

Se os ouvintes recusarem a evangelização dos pregadores, estes devem ignorá-los, e mudar


o auditório, indo assim pregar aos peixes. O ato de pregar aos peixes, e não aos homens,
sugere a indignação do orador pelo facto de os seus semelhantes ignorarem a palavra que os
pode salvar. Ao dirigir-se aos peixes, Santo António denuncia a inconsciência dos homens,
que parecem ter menos sensatez do que os animais irracionais.

➢ Exemplo

«Mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as


praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes:
«Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes».»

Elogio a Santo António como modelo a seguir


Santo António é um exemplo para todos os pregadores, incluindo Vieira, não só por ser um
grande orador e um homem virtuoso como também por ter persistido na sua missão
(pregando), não abandonando a doutrina cristã, quando os homens o ignoravam.
➢ Exemplo

«[…] o zelo da glória divina, que ardia naquele peito […].»


Vieira pretende seguir-lhe as pisadas e continuar a evangelizar os colonos do Brasil, apesar
de estes não seguirem nem praticarem os ensinamentos de Cristo. Tal como as palavras de
Santo António não eram escutadas em Arimino, Itália, também as de Vieira não eram
ouvidas no Brasil.

➢ Exemplos

«Santo António foi sal da terra, e foi sal do mar. Este é o assunto, que eu tinha para
tomar hoje. […] Quanto mais, que o sal da minha doutrina, qualquer que ele seja, tem tido
nesta terra uma fortuna tão parecida à de Santo António em Arimino, que é força segui-la
em tudo.»

«Isto suposto, quero hoje à imitação de Santo António voltar -me da terra ao mar, e
já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes.»

Invocação à Virgem

O orador dirige-se a Maria (mãe de Cristo) para lhe pedir ajuda e inspiração, de modo a
transmitir a mensagem cristã da forma mais justa e eficaz. Segundo Vieira, o nome da
Virgem significa «Senhora do mar»; e, como o Sermão tem um tema marinho, é a esta
figura que o pregador pede auxílio para a sua tarefa.

➢ Exemplo

«Maria quer dizer Domina maris: «Senhora do mar»; e posto que o assunto seja tão
desusado, espero que me não falte com a costumada graça. Ave Maria.»

Linguagem e estilo

Neste capítulo, o orador usa diferentes recursos linguísticos que imprimem um ritmo rápido
e cadenciado e geram uma entoação viva e apelativa.

Vejamos esses recursos:


- frases curtas;

➢ Exemplos

«Isto é o que se deve fazer ao sal, que não salga.»


«O mar está tão perto, que bem me ouvirão.»

- frases exclamativas;

➢ Exemplos

«Ainda mal!», «Oh maravilhas do Altíssimo!».


- interrogações retóricas;

➢ Exemplos

«Não é tudo isto verdade?»


«Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?»

- antítese;

➢ Exemplo

«Muitas vezes vos tenho pregado nesta Igreja, e noutras de manhã, e de tarde, de dia,
e de noite, […].»

- adjetivação;

➢ Exemplo

«[…] sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito verdadeira […].»

- construções anafóricas.

➢ Exemplos

«Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal
não salga, […] ou porque a terra se não deixa salgar, […] ou é porque o sal não salga,
[…].»

«Deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar […].»

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