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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky

Igor Stravinsky foi um compositor, pianista e maestro russo, considerado por muitos um dos
compositores mais importantes e influentes do século XX. Foi considerado pela revista Time como
uma das 100 pessoas mais influentes do século. Além do reconhecimento que obteve pelas suas
composições, ficou ainda famoso como pianista e maestro, estando nessa condição muitas vezes nas
estreias das suas obras.

Período russo (1908-1919)


Excluindo diversos trabalhos anteriores considerados menores, o primeiro período começou com
Feu d’artifice e atingiu o seu apogeu com os três “ballets russes” compostos para Sergei Diaghilev,
O Pássaro de Fogo “L’Oiseau de Feu”, Petrushka, e A Sagração da Primavera “Le Sacre du
Printemps”. Estes três trabalhos partilhavam várias características: foram compostos para uma
orquestra extremamente grande, usavam temas do folclore russo e eram influenciados pela obra de
Korsakov. O primeiro deles, O Pássaro de Fogo, tornou-se extremamente importante e notável
devido à sua orquestração. O segundo, Petrushka, é o primeiro que apresenta para além do folclore
real, uma mitologia folclórica. No terceiro, A Sagração da Primavera, o compositor tenta retratar
em primeira análise, a brutalidade da russia pagã. Outras obras deste período são: Le Rossignol,
Histoire du soldat e Les Noces.

Período neoclássico (1920-1954)


O segundo período de Stravinsky começa em cerca de 1920, quando o compositor adota uma
linguagem musical semelhante à do classicismo, e estende-se até 1954. A partir desta data o
compositor começa a trabalhar segundo os pressupostos do dodecafonismo. Pulcinella e o Octet,
são as primeiras composições do autor a apresentar características da música clássica. Coincidem
com revisões feitas por Stravinsky à música de Mozart, Bach e outros seus contemporâneos. Na sua
fase neoclássica, o compositor abandona as grandes orquestras exigidas pelos ballets russes, e foca-
se essencialmente nos instrumentos de sopro, no piano, no coro, compondo essencialmente musica
de câmara. Dentro das mais importantes obras deste período encontramos o oratório Oedipus Rex,
Apollon musagète, Persephone. Também três sinfonias, Symphony of Psalms, Symphony in C, e
Symphony in Three Movements, e ainda um outro ballet, Orpheus. Apollon, Persephone e Orpheus
caracterizam não só o retorno de Stravinsky ao classicismo musical de meados do séc.18 ao início
do séc.19, mas também o uso de temas ligados à antiguidade clássica, com a exploração da
mitologia grega. Em 1951, o compositor terminou o seu último trabalho neoclássico, a ópera The
Rake's Progress.

Período serial (1954-1968)


Stravinsky começou a usar as técnicas seriais, entre elas o dodecafonismo de Schönberg, a partir da
década de 1950, encorajado por Robert Craft. Começou por realizar pequenos trabalhos para voz e
música de câmara. Cantata, Septet e Three Songs from Shakespeare. Agon é o primeiro trabalho que
utiliza o dodecafonismo com bastante frequência, sendo esta técnica ainda mais proeminente na
obra Threni. Ainda, A Sermon, a Narrative, and a Prayer e The Flood, sendo estas duas últimas
baseadas em textos bíblicos. Agon é um ballet coreografado para doze dançarinos, e representa uma
importante transição entre os períodos neoclássico e serial. Outras obras deste período são
Movements for Piano and Orchestra, Variations: Aldous Huxley in memoriam, Requiem Canticles.

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky
Symphonies of Wind Instruments é uma obra num andamento único que Stravinsky escreveu em
1920, originalmente para instrumentos de sopro, i.e., madeiras e metais, tendo esta uma duração
aproximada de 12 minutos. A obra foi dedicada a Claude Debussy, e a sua estreia aconteceu a 10 de
junho de 1921 no Queen's Hall em Londres, sobre a direção do maestro Serge Koussevitzky. Desta
obra existe uma redução de piano realizada por Arthur Lourié, tendo sido esta última publicada em
1926. Mais tarde em 1947 Stravinsky publicou uma versão reorquestrada da obra.

A versão de 1947 foi escrita para 23 instrumentistas, tendo a seguinte orquestração: 3 flutes, 2
oboes, English horn, 3 clarinets, 3 bassoons (3rd doubling contrabassoon), 4 horns, 3 trumpets, 3
trombones, tuba.

O título da obra encontra-se no plural, i.e., Symphonies; em forma de conotação à abrangência do


significado grego “soar em conjunto”, sendo de notar ainda nas palavras do compositor, “sem
nenhuma intenção de rotular a obra como uma espécie de ensaio sobre a forma sinfónica”.

A obra é inspirada em elementos folclóricos russos, formada por três episódios contrastantes com
tempos diferentes, onde não obstante, é mantida uma relação entre estes.

O coral que conclui a obra na última secção desta, foi originalmente publicado na revista La Revue
musicale numa edição intitulada Le Tombeau de Claude Debussy. Nesta edição foram incluídas
outras pequenas obras dedicadas à memória de Debussy, de compositores como, Maurice Ravel e
Manuel de Falla.

A estreia da Symphonies of Wind Instruments foi inicialmente recebida com risos e escárnio por
parte de um público não habituado ao trabalho experimental de Stravinsky. De acordo com Arthur
Rubinstein, que assistiu à actuação ao lado de Stravinsky, as gargalhadas iniciaram-se durante uma
passagem mais exposta do fagote. Koussevitzky, em vez de cancelar a actuação, dirigiu-se ao
público assegurando-lhes que se tratava de uma obra muito séria, ainda que numa linguagem
moderna. Não obstante todo o sucedido, Straviteinsky não deixou a sala, tendo inclusivamente
subido ao palco no final da apresentação, agradecendo ao público com uma vénia prolongada.

Características gerais da música de Igor Stravinsky


Estas características estão presentes em toda a música de Igor Stravinsky, independentemente dos
diferentes períodos pelos quais passou. São efetivamente estes elementos, e não outros, que nos
permitem caracterizar o estilo do compositor:

• música por camadas;


• justaposição e sobreposição de blocos;
• pequenas estruturas ou células passíveis de se reconhecerem ao longo do discurso;
• o todo é construído a partir de diversos elementos individuais;
• esses elementos podem ser rítmicos, melódicos, harmónicos e/ou combinações destes;
• textura resulta da sobreposição/justaposição dos vários blocos e elementos;
• resulta naquilo que se pode chamar de forma mosaico;
• desagregação ou agregação dos diversos elementos;
• politonalidade;
• poliritmia;
• kfm (Klang Färben Melodie) - melodia de cores e timbres.

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky
Timbre
Numa perspectiva de blocos, i.e., “música por camadas”; “justaposição e sobreposição de blocos”;
"o todo é construído a partir de diversos elementos individuais”; “textura resulta da sobreposição/
justaposição dos vários blocos e elementos”; “forma mosaico”; Stravinsky utiliza vários grupos de
instrumentos com um resultado tímbrico específico para a construção desta obra. São estes grupos
de instrumentos que na Secção I vão apresentado os diferentes blocos de música ao longo do
discurso musical. Estes, em primeira análise, raramente se sobrepõem. Os blocos são regra geral
contrastantes. Como ferramenta de análise estes são enumerados A1, A2, etc.

É ainda de salientar que entre estes blocos não existe nenhum tipo de transição, característica da
música de Stravinsky em toda a sua vasta produção, e que inequivocamente nos leva para o que se
entende como Forma Mosaico, bem associada a este compositor.

Tempo
Nesta obra em específico, o tempo é também um factor bastante importante. Stravinsky utiliza três
tempos principais (Œ72, Œ108 e Œ144), mantendo sempre a pulsação da colcheia em cada um destes,
alternando entre divisão binária/ternária, donde resulta métricas mistas. Ainda que estes sejam
frequentemente alterados de forma abrupta, eles estão relacionados pelo rácio 2:3:4, sendo assim
mais facilmente executáveis, pelo menos na visão de Stravinsky.

metrónomo figura base tempo rácio

72 Π72 2

108 ‰. 72*1,5=108 3

144 ‰ 72*2=144 4

As indicações de metrónomo apresentam-se assim de diferentes formas, mas sempre mantendo uma
relação entre estas.

NE NE NE

0 38 46

6 39 56

9 40 57

11 42 58

26 43 64

29 44 65

37 45

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky
Forma
A obra pode ser dividida em três secções, onde uma pequena secção de introdução poderá ser
destacada.

NE

São apresentados seis blocos de música em diferentes ordens e sempre justapostos,


Secção I 0 com exceção do NE11, onde estão sobrepostos dois desses blocos.
Começa por ser apresentado o acorde que também inicia a Secção III, seguido de
Introdução à Secção II 42 outros materiais reminescentes da Secção I.
Apenas dois dos blocos anteriores são apresentados nesta secção, sendo que ambos
Secção II 46 foram alvo de proliferação, donde não se apresentam na sua forma original.
O acorde anteriormente referido [G7b9] abre esta secção, que apresenta uma textura
Secção III 65 coral distinta da restante obra. Nesta secção não existem outras referências aos blocos
anteriormente apresentados.

Segmentação
Como anteriormente dito as características da música de Stravinsky são transversais a toda a sua
obra, onde esta não será exceção. Assim no contexto de características como, “pequenas estruturas
ou células passíveis de se reconhecerem ao longo do discurso”; “o todo é construído a partir de
diversos elementos individuais”. Seguem-se alguns exemplos de segmentação desses elementos
individuais.
O motivo inicial que está atribuído ao 1º
clarinete, (com participação do 2º clarinete),
está diretamente associado ao primeiro gesto
da obra (A1).

À direita podemos observar que em cada


uma das suas apresentações Stravinsky
trabalha sobre dois segmentos distintos (a e
b) e manipula estes de forma livre, através de
transposição, aumentação/diminuição,
agregação/desagregação de elementos, etc.

Mas sempre considerando os dois segmentos


de forma separada.
O solo da 1ª flauta é outro bom exemplo da utilização de segmentação.

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky
Ao longo do discurso Stravinsky irá utilizar estes pequenos segmentos de forma individual,
sobrepostos e/ou justapostos. Também no NE40 o solo que foi anteriormente apresentado no NE6
está agora transposto uma 3ª maior acima, continua a ser acompanhado pelas outras duas flautas,
mas o último segmento deste (q, p3) não é apresentado, i.e., desagregação do elemento original.

O solo de 1º fagote apresentado no NE8 é construído a partir de um


segmento de três notas, a partir do qual Stravinsky manipula as suas
durações.

Mesmo quando o discurso não é tão rítmico, a segmentação está presente, sendo o melhor exemplo
desse tipo de segmentação o que acontece no NE69, já dentro da Secção III, i.e., do coral final.

O segmento assinado com (a)


articula com o coral de metais,
sendo por isso tratado de forma
individual do restante material do
discurso.

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky

A segmentação pode ainda ser vista sobre outro


ponto de vista, onde os materiais melódicos
apresentados são construídos através de uma
técnica chamda central tone technique, onde
uma ou mais notas assumem um papel na
orientação melódica, sendo que a melodia é
sempre em torno dessas notas centrais. Este tipo
de estrutura é muito visível no NE3 onde a
melodia por 5ªs está centrada nas notas (sol - ré)
e as restantes são “aproximações” diatónicas.
Não menos importante é salientar que estas duas notas são as notas que iniciam a obra, donde este
motivo melódico será seguramente uma derivação do inicial.

Ao longo da obra existem outros exemplos de segmentação, quer dos motivos melódicos (temas)
quer de outro tipo de elementos.

Universo Harmónico
Esta obra foi composta no início do período neoclássico de Stravinsky, tendo por isso conotações
muito óbvias ao período clássico. Para além do nome i.e., Sinfonia(s); encontramos no âmbito da
harmonia, vários momentos onde é possível estabelecer uma relação direta com o tonalismo e a
harmonia funcional.

Stravinsky utiliza maioritariamente dois universos escalares com uma conotação direta ao
tonalismo, sendo que o mais evidente é a escala octatónica (diminuta). Esta escala de 8 sons, está
intrinsecamente ligada à função de dominante, pois é a partir desta que por 3ªs consecutivas é
possível construir dois acordes diminutos, aos quais pode ser atribuída a função de dominante.

Nesta escala estão presentes dois acordes


diminutos, ou seja a sua função de dominante é
passível de ser orientada para quatro tónicas
distintas, ou seja oito tonalidades possíveis.

No NE41 a construção vertical, ainda que complexa consiste na utilização de duas estruturas
octatónicas/diminutas, e duas estruturas diatónicas/pentatónicas.

Cada momento vertical (1, 2, 3 e 4) é


construído a partir das escalas acima. As
notas vermelho são omitidas na execução
dos acordes da textura orquestral. É ainda
de salientar o uso de tensão (1 e 3) a
resolver em distensão (2 e 4).

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky

No NE58 também é muito


visível a alternância entre o
modo octatónico e o modo
diatónico, sendo que este tipo
de procedimento existe em
diversos outros sítios do
discurso musical.

Não menos importante é salientar que este tipo de procedimento resulta no que pode ser visto como
politonalidade, ou melhor dizendo polimodalidade, sendo esta característica típica da música de
Stravinsky, "justaposição e sobreposição de blocos”. Desta forma Stravinsky garante uma
identidade musical, independentemente dos recursos estilísticos da linguagem que utiliza.

Ainda de um ponto de vista harmónico é eventualmente inequívoco que esta termina no centro tonal
de dó, ou que pelo menos a tuba encaminha o discurso para essa fundamental. O acorde que
encontramos no fim da obra é na realidade um acorde politonal (dois acordes).

O acorde de dó maior na De forma a sustentar ainda


região grave, e o acorde mais esta teoria de que a
de sol maior na região obra poderia estar em dó
média e aguda. maior, podemos considerar
o momento em que se inicia
o coral NE65. Aqui
encontramos uma acorde
que não é mais do que a
inversão do acorde (como
escrito) que é a dominante
da fundamental dó.

Num plano geral também é


possível avaliar onde Stravinsky
utiliza predominantemente o
universo diatónico, o universo
octatónico e a sobreposição dos
dois universos.

NE

octatónico/diminuto 1 43

diatónico/pentatónico 40 42 65 71 74 75

sobreposição 0 9 26 54

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky
Materiais Temáticos - Secção I

NE1 - Motivo de abertura


(M1), tema nos clarinetes

NE3 - Motivo derivado do


inicial (M2), atribuído aos
oboés e english horn.

NE6 - solo de flauta (T1)


com acompanhamento das
outras duas flautas.

NE8 - solo de fagote (T2)


com acompanhamento das
flautas

NE11 a 15 - Aqui é apresentada uma textura que de alguma forma resulta da


soma de algumas das características das texturas apresentadas anteriormente.
Dentro desta surge ainda um elemento recursivo (R1), melódico, que será
desenvolvido a partir do NE21.

Antes do NE15 encontramos ainda uma pequena secção que é exclusivamente atribuída às palhetas
duplas.

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky
NE 15 a 26
Três solistas em simultâneo (1ª flauta, 1º clarinete e 2º clarinete), vão articulando o discurso,
entrando e saindo deste. Surgem diversas intervenções de outros instrumentos. Da mesma forma, é
importante salientar que a intervenção do 1º clarinete, ainda que como solista, é na realidade
recursiva, i.e., é sempre igual nas suas apresentações.

O solo da 1ª flauta que se inicia no NE40 e se prolonga até ao final da secção é na realidade o solo
que foi anteriormente apresentado no NE6. Está agora transposto uma 3ª maior acima e continua a
ser acompanhado pelas outras duas flautas.

No NE41 encontramos um material que de


alguma forma está ligado aos materiais
anteriormente apresentados. Este, numa
espécie de resumo, encerra a primeira
secção da obra.

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky
NE42 Introdução à Secção II

Apresentação do material do coral pela 1ª vez, antes do coral


propriamente dito (Secção III).

NE46 Secção II

No NE48 voltamos a encontra uma secção exclusivamente atribuída às palhetas duplas.

A Secção II é encerrada com um gesto muito semelhante ao que encerrou a Secção I. Na mesma
região, com o mesmo tempo,

NE65 Secção III


Coral

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Symphonies of Wind Instruments, Igor Stravinsky

NE total
A1 (M1) 0 2 9 (c.3) 26 (c.3) 37 39 6
A2 1 (c.7) 1 4 5 4
A3 (c.5) 1 (c.4) 4 (c.3) 4 (c.3) 10 26 (c.2) 27 [28] 37 (c.5) 39 8
A4 (M2) 3 1

AD (c.3) 13 48 2

T1 6 40 2
T2 8 38 2
TC (c.2) 15 18 (c.2) 22 (c.3) 29 4

R1 (c.4) 11 (c.3) 12 (c.2) 13 3


R1’ 21 (c.3) 23 33 (c.3) 34 4

Bibliografia
Rehding, A. (1998). Towards A “Logic of Discontinuity” in Stravinsky’s “Symphonies of Wind
Instruments”: Hasty, Kramer and Straus Reconsidered. Music Analysis, 17(1), 39–65. https://
doi.org/10.2307/854370

Somfai, L. (1972). Symphonies of Wind Instruments (1920). Observations on Stravinsky’s Organic


Construction. Studia Musicologica Academiae Scientiarum Hungaricae, 14(1/4), 355–383. https://
doi.org/10.2307/901875

Matthews, Jeremy (1998) Post-tonal analytical techniques: Stravinsky's symphonies of wind


instruments, Durham theses, Durham University. Available at Durham E-Theses Online: http://
etheses.dur.ac.uk/5014/

https://windliterature.org/2013/12/06/symphonies-of-wind-instruments-by-igor-stravinsky/

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