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Jussara Maia
MAIA, J. Globo Rural: ao estilo da cultura do campo. In: GOMES, IMM., org. Gênero televisivo e
modo de endereçamento no telejornalismo [online]. Salvador: EDUFBA, 2011, pp. 101-120. ISBN
978-85-232-1199-8. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.
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Globo Rural: ao estilo da cultura do campo
Jussara Maia
INTRODUÇÃO
Em meio ao contexto teórico-metodológico conformado pelos Estu-
dos Culturais, esta pesquisa volta-se para a análise do modo de ende-
reçamento do Globo Rural, de domingo1. A proposta, na dissertação, foi
utilizar aspectos relativos ao gênero e ao modo de endereçamento para
identificar as marcas que apontam para a definição do subgênero telejor-
nal e do jornalismo temático. A amostra foi colhida no período de 23 de
maio de 2004 a 22 de junho de 2004, reunindo cinco edições de domingo
e 22 edições do Globo Rural semanal, exibido de segunda a sexta-feira.
Apresentado desde janeiro de 1980, o Globo Rural está entre os mais an-
tigos programas jornalísticos temáticos da televisão brasileira, indicando
a utilização de uma receita que está conseguindo conquistar e manter
estável um bom nível de audiência. Significa que, além de construir e
firmar no fluxo televisivo um espaço reservado ao jornalismo especiali-
zado, está conseguindo, com sucesso, atualizar o seu formato2, em meio
às transformações por que passaram a televisão e a sociedade brasileira,
nos últimos 25 anos. A partir de 2000, o Globo Rural passou a ser exibido
também em edições diárias, às 6h15min, entre o Telecurso e o Jornal da
Manhã (telejornal local). Mas, apesar do mesmo nome, os programas têm
modos de endereçamento diferenciados.
1 Extraído da dissertação que analisa o Globo Rural em sua totalidade, as edições de domingo
e as diárias, este texto limitou-se a apontar os principais aspectos relativos ao modo de en-
dereçamento do programa dominical por considerá-lo o mais representativo da definição da
identidade da produção. Como têm endereçamentos diversos, os programas mereceriam um
aprofundamento de análise, cuja extensão não se aplica aos limites do presente artigo. Mais
informações em Jussara Peixoto Maia (2005).
2 Sem uma precisão, o termo formato remete ao jargão usual das redações e diz, aqui, da arqui-
tetura interna do programa.
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A VOZ DA EXPERIÊNCIA
Não é casual que, além de serem os apresentadores mais frequentes no
programa, Nelson Araújo, Helen Martins e Vico Iasi são também repórte-
res e, muitas vezes, apresentam suas próprias matérias. Mas, se por um
4 “In recent years, and in a more ‘social science’ context, the word ‘culture’ is used to refer to
whatever is distinctive about the ‘way of life’ of a people, community, nation or social group.
This has come to be known as the ‘anthropological’ definition. Alternatively, the word can be
used to describe the ‘shared values’ of a group of societh – which is like the anthropological
definition, only with a more sociological emphasis.” (HALL, 1997, p. 2)
5 “[...] ‘figures who personify characteristics which are taken to be typical of the
‘target’audience’[...]” (transcrição literal, em inglês, do trecho da definição do mediador).
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CONVITE AO DIÁLOGO
As pessoas que vivem neste mundo rural ou que reconhecem vínculos
com esta esfera de abordagem da temática são convidadas a um diálogo
que o programa pressupõe e configura com a sua audiência. O enqua-
dramento nas entrevistas reserva espaço para a presença de uma tercei-
ra pessoa que, desse modo, é convocada para conversar e desvendar o
universo das atividades e do modo de vida do campo, ao lado do repór-
ter, do especialista e/ou produtor que não têm um microfone direcional
à frente. O tratamento de “doutor” na entrevista com especialistas, in-
dependente da sua formação na área médica, traduz o respeito à figura do
profissional com formação de nível superior, típico da cultura do campo.
Assim, o Globo Rural destina para si uma posição próxima daquela ocupa-
da pelo homem do campo, ratificando a credibilidade que o especialista
tem no meio rural. De modo implícito, assegura a credibilidade de suas
informações pelo acesso aos “doutores”. São combinadas personagens e
histórias reais numa cena construída para traduzir um mundo que ganha
significado pela interpretação implícita de uma natureza pujante, sedu-
tora e parte do sucesso com a vitória sobre os desafios, embalado nos sons
tradicionais e elementos de apelo cultural.
O telespectador é representado como aquele que partilha interes-
ses pelas referências rurais expressas em procedimentos técnicos e/ou
aspectos das múltiplas raízes culturais brasileiras inscritas no modo de
conduzir as matérias jornalísticas. Com este posicionamento, o Globo Ru-
ral de domingo assume, através da estratégia comunicativa do diálogo,
o papel de conselheiro e pressupõe um público que não é composto ape-
nas pelo homem do campo, mas, também, aqueles que vivem em centros
urbanos e têm em comum o traço cultural que aqui assume o papel de
um idioma. A vertente cultural que modula a formatação serve de senha
no endereçamento ao produtor que se sente incluído, ao reconhecer-se
pela familiaridade, e ao citadino, que é convidado e seduzido a desvelar
o, ainda pouco conhecido por ele, universo rural.
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AUTORIDADE DE CONSELHEIRO
Os apresentadores são constantemente reafirmados, através de diver-
sos expedientes, como conhecedores daquilo sobre o que estão falando.
É esta, na realidade, a finalidade da nota pé, que não tem no programa
a função que normalmente lhe é atribuída nos telejornais. A nota pé cor-
responderia à reflexão a que se refere Véron (1983), citada anteriormente,
que, aqui, ocupa a posição traduzida pela metáfora do conselheiro e tem
uma informação colhida junto aos especialistas, não divulgada na repor-
tagem, para que tenha sempre a palavra, a recomendação final. É o con-
selheiro que incorpora, de forma comedida e circunspecta, a autoridade,
o conhecimento e a familiaridade que, combinados, modulam todos os
apresentadores, mas, especialmente, o posicionamento de Nelson Araú-
jo diante do telespectador.
A utilização do pé é um padrão do Globo Rural, que o coloca após, ab-
solutamente, todas as reportagens. Só para exemplificar vamos citar a re-
portagem mais longa da amostra, que foi a exibida nos terceiro e quarto
blocos da edição de 13 de junho de 2004, sobre o Instituto Butantã. Após
21 minutos de reportagem, o apresentador Nelson Araújo complementou:
Loc - O pessoal do Instituto Butantã pede para que não mate as
cobras, que podem ser muito mais úteis para a pesquisa do que
mortas. E quem quiser mais informações é só escrever para lá.
O endereço é [...]7.
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dizer que cada grão tem seu próprio cabelo, quer saber se isso é
verdade e pergunta também se o cabelo do milho é a flor do mi-
lho. Quem vai esclarecer essas dúvidas é o Manoel Xavier dos San-
tos, agrônomo do Departamento de Genética e Melhoramento da
Embrapa de Sete Lagoas. Xavier é verdade isso? Cada grão tem seu
próprio cabelo?9
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NOTÍCIA HUMANIZADA
Apesar da valorização da informação pela sua utilidade para a lucrati-
vidade dos negócios do homem do campo, o programa não possui uma
abordagem marcadamente mercadológica graças à chamada humaniza-
ção do relato. É o critério de noticiabilidade denominado de Interesse
Humano10, que aborda os acontecimentos a partir de uma ótica particu-
lar, do modo como uma ou várias personagens enfrentam uma determi-
nada situação, largamente utilizado no Globo Rural, na estrutura das ma-
térias desenvolvidas a partir da história de um indivíduo ligado ao campo.
Na seção de cartas, o “interesse humano” é substituído pelo “interesse
10 “A frialdade das estatísticas, a descrição de uma obra pública que será inaugurada, bem como
o discurso de um governador ou um debate na ONU, devem ser entremeados com notícias que
falem do próprio homem, que participa desses acontecimentos [...].” (ERBOLATO, 2002, p. 62)
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REFERÊNCIAS
BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é comunicação rural. São Paulo:
Brasiliense, 1983.
ERBOLATO, Mário L. Técnicas de codificação em jornalismo. São
Paulo: Ática, 2002.
HALL, Stuart. The Work of representation In:______.
Representation: cultural representations and signifying practices.
London: Sage; The Open University, 1997. 400 p.
HALL, Stuart et al. A produção social das notícias: o ‘mugging’
nos media In: TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões,
teorias e <<estórias>>. Tradução de Luís Manuel Dionísio. Lisboa:
Vega, 1993, p. 224-248.
HARTLEY, John. Understanding news. London: Routledge, 2001.
203p.
MAIA, Jussara Peixoto. Jornal Nacional e Globo Rural: sob o
olhar das relações entre gênero e modo de endereçamento.
2005. Dissertação. (Mestrado em Comunicação e Cultura
Contemporâneas) – Faculdade de Comunicação, Universidade
Federal da Bahia, Salvador.
TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e
<<estórias>>. Tradução Luís Manuel Dionísio. Lisboa: Vega, 1993.
VÉRON, Éliséo. Esta ahí, lo veo, me habla. Tradução Maria Rosa
Del Coto. Enunciacion et cinema, Revista Comunicativa, Seul, Paris,
n. 38, 1983.
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