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Prof. Isaias Lobão P. Jr.

A Doutrina da Trindade

A DOUTRINA DA TRINDADE.
ISAIAS LOBÃO P. Jr. – Professor do Seminário
Presbiteriano de Brasília – SPB; Membro da World
Reformed Fellowship e pesquisador do Projeto de
Estudos Judaicos-Helenísticos (PEJ-UnB) .Bacharel
em teologia pela Faculdade Cristã Evangélica,
Bacharel e Licenciado em História pela Universidade
de Brasília.

Glória sempre seja dada ao Pai


Glória ao Filho e ao Santo Espírito.
Um só Deus, supremo e redentor,
Por todos os tempos sem fim. Amém.

Salmos e Hinos no. 35

INTRODUÇÃO
A doutrina da Trindade é talvez, a doutrina mais misteriosa e difícil que
encontramos nas Escrituras. Por isto, é uma insensatez afirmar que podemos dar uma
explicação completa sobre ela. Devido à natureza do assunto, só podemos saber, a
respeito de Deus, e da Trindade, o pouco que as Escrituras nos revelam. A tripla
personalidade de Deus é, exclusivamente, uma verdade da Revelação.

Antes de toda e qualquer criação, Deus era completamente autossuficiente e


todo-inclusivo. Tudo que existia era Deus; não havia nada que não fosse Deus. Sem
início, Deus existe para sempre numa essência imutável, escolhendo eternamente ser a si
mesmo a partir de sua natureza.1 Além disso, o Ser supremo é infinito em cada uma de
suas características, muitas que talvez nunca foram reveladas e nem poderiam ser
entendidas pelos seres humanos.2

A razoabilidade da fé na Trindade transparece melhor quando confrontada com


o monoteísmo e o politeísmo, em diálogo como a unidade e a pluralidade. No monoteísmo
nos defrontamos com a solidão do Uno. Por mais rico e pleno de vida, inteligência e amor
que ele seja não terá jamais alguém do lado dele. Ele estará eternamente só. Todos os
demais seres lhe serão subalternos e dependentes. Se comunhão houver, ela sempre
será desigual.

1
J. Scott Horrell. Uma Cosmovisão Trinitária, in Vox Scripturae. 4 (março de 1994).
2
Vale destacar várias obras que discutem os atributos de Deus, entre elas, Louis Berkof, Teologia
Sistemática. - James I. Packer. O Conhecimento de Deus. - João Calvino. As Institutas da Religião Cristã.

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No politeísmo na compreensão comum, temos a ver com a pluralidade de


divindades, com hierarquias e diferenças de natureza, benéfica ou maléfica. Esvai-se a
unidade divina.

A base para entender-se a Trindade é a personalidade de Deus. A Escritura


apresenta-nos um Deus pessoal, Porque assim diz o Alto e o Sublime, que vive para
sempre, e cujo nome é Santo: habito num lugar alto e santo; mas habito também com o
contrito e humilde de espírito, para dar novo ânimo ao espírito do humilde e novo alento
ao coração do contrito. Isaías 57.15.(NVI) Visto que o homem foi criado conforme a
imagem de Deus podemos compreender algo da vida pessoal de Deus pela observação
da personalidade como a conhecemos no homem.3

Evidentemente, pela natureza das coisas, a personalidade divina é algo


infinitamente superior à personalidade humana; mas é a única alternativa para um Deus
pessoal é, cremos, um Deus impessoal. E quando afirmamos que Deus é impessoal,
passamos a defender o primeiro dogma do ateísmo. Loraine Boettner, conhecido teólogo
reformado, afirma que: se Deus existe, tem que ser pessoal. Não podemos adorar o
Princípio do Absoluto, nem ter comunhão com um Poder Cósmico; e, afirmar que Deus é
superpessoal, é iludirmos, com uma frase altissonante.4

Uma das objeções mais comuns alegadas contra a doutrina da Trindade é que
ela implica no triteísmo, ou seja, a crenças em três Deuses. E como veremos adiante, a
formalização histórica da doutrina se deu nas controvérsias anti-trinitárias. Porém, o fato é
que, as Escrituras nos ensinam que há um só Ser, auto-existente, eterno e supremo, em
quem são inerentes todos os atributos divinos. Tanto o Velho como o Novo Testamento
ensinam a unidade de Deus.

A doutrina de um só Deus – Pai e criador – constitui o pano de fundo e a


premissa inquestionável da fé da igreja. Herdada do judaísmo, ela foi sua proteção contra
o politeísmo pagão, o emanacionismo gnóstico 5 e o dualismo marcionita6. Para a teologia,
o problema era integrá-la no âmbito intelectual como os novos dados da revelação
especificamente cristã. Reduzimos à sua formulação mais simples, tratavam-se das
convicções de que Deus Se havia dado a conhecer na Pessoa de Jesus, o Messias,
ressuscitando-o dos mortos e oferecendo salvação aos homens por seu intermédio, e que
Ele havia derramado Seu Santo Espírito sobre a igreja.7

3
Louis Berhof. Teologia Sistemática. Luz para o caminho. 1990.
4
BOETTNER, Loraine & WARFIELD, Benjamin. A Doutrina da Trindade. Leira: Edições Vida Nova.
5
O Gnosticismo foi uma heresia refutada pela igreja primitiva. Ele afirmava entre outras coisas, que o corpo
de Jesus Cristo não era real, era apenas uma emanação (ilusória) da divindade.
6
Márcion (85-160 d.C.) Defendia que a matéria era má, enquanto valorizavam o espírito, a salvação
proposta por Cristo, era só para o espírito, não incluía o corpo. Ele rejeitava o Deus do Antigo Testamento,
porque achava que este era um Deus cruel.
7
J.N.D. Kelly. Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São Paulo. Edições Vida Nova.1994.

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A TRINDADE E O VELHO TESTAMENTO


O Velho Testamento não contém a plena revelação da existência trinitária de
Deus, mas contém várias indicações dela. Esta revelação vai tendo maior clareza, na
medida em que a obra redentora de Deus é revelada mais claramente, como na
encarnação do Filho, e no derramamento do Espírito.

Alguns teólogos divergem quanto às provas bíblicas da Trindade no Velho


Testamento. Berkohf não concorda que a distinção, muito utilizada, entre Iavé e Elohim, e
o plural Elohim, sejam provas da doutrina. Segundo ele; é mais plausível entender que as
passagens em que Deus fala de si mesmo no plural, em Gn 1.26; 11.7, contém uma
indicação de distinções pessoais em Deus, conquanto não sugiram uma triplicidade, mas
apenas uma pluralidade de pessoas.8

Porém, Klaas Runia,9 professor do Seminário Teológico Reformado Holandês,


crê que Gn 1.26, indique a Trindade. A fórmula plural de Gn 1.26, possui caráter trinitário;
trata-se, segundo ele, não de um plural majestático, como alguns querem, ou de um plural
deliberativo, como outros interpretam, visto que isto era totalmente desconhecido dos
hebreus. Tem sido considerado no mesmo nível de palavras como “água” e “céu”, que
também aparecem no hebraico. A água pode ser imaginada em gotas individuais de
chuva ou em termos da massa de água no oceano. O plural nesse caso aponta para a
“diversidade na unidade”. Alguns creem que o mesmo acontece com o plural Eloim que
aparece em Gn 1.26. Runia segue o pensamento dos Pais da Igreja, que sempre se
referiam a esta passagem como base para a elaboração dos conceitos trinitários.

Os escritores do Velho Testamento afirmam o monoteísmo divino. É a partir


dele que se definiu a doutrina da Trindade. Deus é uno tanto no Antigo como no novo
Testamento: Dt 6.4 "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus, é o único Senhor", Mc 12.29
"Respondeu Jesus: o principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor!";
Ef 4.6 (Há) um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e
está em todos".

Vemos aqui afirmações claras e inequívocas de monoteísmo: Deus é um só.


Essa confissão de fé assinala Israel como uma nação absolutamente dedicada ao
monoteísmo. Separa claramente a fé religiosa do Antigo Testamento de qualquer das
formas de politeísmo.

Os nomes de Deus no Velho Testamento são importantes para entender a


Trindade. Muito se escreveu desde o século passado em relação a este tema,
principalmente a escola teológica liberal alemã, que baseou suas pesquisas nas

8
Louis Berkohf. Teologia Sistemática. Luz para o Caminho. 1990.
9
Trindade, in KEELEY, Robin. Fundamentos da Teologia Cristã. Editora Vida, pp. 109-116.

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diferenças no uso dos nomes de Deus em todo o Velho Testamento, dando origem a
famosa teoria documental.10

No primeiro capítulo de Gênesis, verifica-se que os nomes de Deus estão no


plural, Elohim, e, também, Adonai; e a estes plurais do nome divino, juntam-se em geral
verbos e adjetivos no singular. Um fenômeno singular extraordinário, dado que em
hebraico existe uma palavra singular El, para Deus. O texto de Deuteronômio, afirma em
hebraico, palavras no plural: "Iavé, nosso Elohim, é um só Iavé".

Isto mostra que Deus, o Senhor, na Sua maneira de ser e nos pactos firmados
por Ele com os homens, é mais do que um, ainda que ”um só Iavé", quanto à essência do
Seu ser.

Muito importante é o fato de que, começando no livro de Gênesis, e


prosseguindo, cada vez mais com nitidez, através de outros livros do V. T., encontramos
uma distinção entre Iavé e o Anjo de Iavé, que se apresenta como um em essência com
Iavé, porém distinto d'Ele. Tal acontecimento, em que Deus toma a forma de um anjo ou
de um homem, para falar, visível e audivelmente, ao homem é chamado de Teofania.

À medida que a revelação vai sendo desenvolvida, mediante uma sucessão de


profetas, verifica-se que títulos divinos, e adoração divina, são dados a este Anjo, que
Este os aceita; que Ele se revela como um Ser eterno, o Deus Todo-Poderoso, o Príncipe
da Paz, o Adonai, o Senhor de Davi; que vai nascer de uma virgem; que Ele será
desprezado e rejeitado pelos homens. Varão de dores e experimentado em trabalhos; que
Ele levará sobre Si o pecado de muitos e que, acima de tudo, estabelecerá o reino de
justiça, que aumentará até encher a terra.

Estas profecias, como o Novo Testamento mostra, foram cumpridas em Cristo,


a Segunda Pessoa da Trindade.

Em geral, as referências, no Antigo Testamento, a respeito do Espírito Santo,


eram tão indistintas, que pareciam referir-se apenas a uma energia ou influência,
procedente de Deus. Em parte alguma se chama ao Espírito, especificamente, uma
Pessoa; e, no entanto, quando se fala Dele, é em termos que poderíamos aplicar muito
bem a uma pessoa.

Lidos à luz do Novo Testamento, porém, há muitas passagens em que se


percebe que é uma Pessoa distinta. As Escrituras usam pronomes pessoais para indicar o
Espírito Santo, elas revelam o Espírito não como uma força abstrata, um poder ou uma
coisa, mas como "ele".

10
Para maiores esclarecimentos veja. Gehard Von Radd. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo.
ASTE. 1965, para a defesa da posição liberal, e Gleason Archer. Merece Confiança o Antigo Testamento?
São Paulo. Edições Vida Nova. 1990, para a refutação conservadora.

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Por exemplo, aquilo que é dito sobre Deus Pai é dito também a respeito do
Espírito de Deus. A expressão “Deus disse" e "o Espírito disse" são repetidamente
intercaladas. E as obras do Espírito Santo aparecem como obras de Deus.

Em Isaías 6.9, Deus diz: "Vai e diz a este povo". No Novo Testamento é citado
da seguinte maneira, At 28.25, começando com estas palavras, "Bem falou o Espírito
Santo a vossos pais, por intermédio do profeta Isaías..." Nesse caso o apóstolo atribuiu o
falar de Deus ao Espírito Santo.

A TRINDADE E O NOVO TESTAMENTO


O Novo Testamento traz consigo uma revelação mais clara das distinções da
Divindade. Esta revelação foi feita na encarnação de Cristo, e no derramamento do
Espírito Santo. Segundo Warfield, foi na vinda do Filho de Deus, na semelhança da carne
do pecado, para se oferecer a Si mesmo com um sacrifício pelo pecado; e na vinda do
Espírito Santo, para convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo, que a Trindade
de Pessoas na Unidade da Divindade foi revelada, de uma vez para sempre, aos
homens.11

O texto básico para discutir-se a divindade do Filho é João 1.1-2, 14.

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era


Deus. Ele estava no princípio com Deus. E o Verbo se fez carne, e
habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do
Pai, cheio de graça e de verdade. (ARA)

O vocábulo grego logos é traduzido por "Palavra" nas versões modernas, como
a NVI, BLH e Bíblia de Jerusalém. O termo indica que o Logos é uma Pessoa divina, que
estava no princípio da Criação. Interessante notar que na Septuaginta, versão grega do
A.T., a construção poética de Gênesis 1 tem um paralelo formidável com este texto de
João.

A expressão de João que o Verbo era Deus, indica a divindade do Verbo, e o


verso 14, indica a sua humanidade, quando afirma que ele habitou entre nós.

O Espírito Santo é apresentado como a terceira pessoa divina, ligado ao Pai e


ao Filho, mas distinto deles, da mesma forma que o Pai e o Filho são distintos um do
outro. A sua individualidade está dentro da unidade de Deus. A própria palavra ‘santo’
sugere sua divindade. Jesus declara que o nome de Deus, em que devem ser batizados
aqueles que se tornam seus discípulos, é tripessoal. Portanto vão e façam discípulos de
todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Mateus
28.19 (NVI).

11
Benjamin B. Warfield. A Doutrina da Trindade. Portugal. Edições Vida Nova. pp 135

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CAMINHOS EQUIVOCADOS
Os servos da congregação que estão encarregados do Salão do Reino dar-lhe-
ão boas vindas com rostos sorridentes e braços abertos. Eles falarão do amor que
encontraram na Organização de Deus, a Sociedade Torre de Vigia, a religião das
Testemunhas de Jeová.12

As palavras de David Reed são um alerta para a Igreja. Apesar do zelo, do


cuidado, da postura quase cristã, as Testemunhas de Jeová negam a autoridade das
Escrituras, negam a divindade de Cristo e do Espírito, bem como sua pessoalidade. A
Trindade para eles é uma forma de politeísmo pagão.

Para muitos crentes alheios à história da igreja, este discurso se apresenta


como novidade. E mesmo as Testemunhas de Jeová desconheciam seus antecedentes
históricos. Sua postura teológica é ariana. De acordo com o bispo Ário do quarto século.
Que negava a preexistência de Cristo, afirmando que ele tinha sido criado pelo Pai. Cristo
era divino, mas não em igualdade com o Pai.

Segundo Gordon D. Fee, hoje eles se declaram arianos auto-conscientes, em


uma nota de seu livro, "Paulo, o Espírito e o Povo de Deus"13, Fee afirma:

"Foram necessárias muitas décadas para as Testemunhas de Jeová


descobrissem que eram arianos. Desde aquele dia eles cessaram de 'testemunhar' a
respeito do assunto do 'reino', como era sua praxe, e em vez disso adotaram seu
arianismo antitrinitário com total e intencional vigor".14

Quais são as distorções da doutrina da Trindade? Pode-se dividir


didaticamente em três principais:

Pai, Filho e Espírito Santo, três modos de aparecer do mesmo Deus.

O Modalismo.

O termo foi cunhado por Adolf Von Harnack, no século XIX. Diz a doutrina:
Deus é um e único. Ele funda uma monarquia cósmica, pois somente Ele é senhor sobre
todas as coisas. É por Ele que os reis e governadores governam. Entretanto, em sua
comunicação com a história, este Deus único se mostrou sob três modos. A mesma e
única divindade aparece sob três rostos e mora em nosso meio de três maneiras
12
David Reed. A Liberdade Religiosa versus o Domínio da Torre de Vigia das Testemunhas de Jeová. In
Defesa da Fé, n. 5 julho/setembro 1997.
13
Gordon D. Fee é um erudito pentecostal, especializado em estudos do Novo Testamento. Ele já lecionou
no Seminário Gordon-Conwell, em Boston, e hoje está no Regent College, em Vancouver, Canadá. O livro
citado foi publicado pela United Press em 1997. Campinas, SP. Para Fee a experiência carismática leva-nos
a um entendimento mais profundo da Trindade. Veja também, Tom Smail. A Pessoa do Espírito Santo. São
Paulo. Editora Loyola.
14
Gordon D. Fee. Paulo, o Espírito e o Povo de Deus. Campinas. United Press. Pp 52

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diferentes como Pai, Filho e Espírito Santo. O mesmo Deus enquanto cria e nos entrega a
Lei se chama Pai; o mesmo Deus enquanto nos redime se chama Filho; e o mesmo Deus
enquanto nos santifica e nos dá sempre a vida se chama Espírito Santo. O mesmo Deus
teria três pseudônimos. Deus é indivisível, não existe comunhão de três pessoas nele; o
que existe é a unicidade divina projetando para nós mediante três modos diferentes.

O modalismo foi condenado insuficiente para expressar a fé cristã na Trindade.


No batismo de Jesus, foram manifestadas a três pessoas distintas da Trindade - o Pai
falando do céu, o Filho saindo das águas, e o Espírito repousando sobre Ele (Mc 1.11).
Nos evangelhos, encontramos Jesus, frequentemente, fazendo menção do Pai como
outra Pessoa. Muitas vezes Ele se dirigia ao Pai em oração (João 17).

O Pai é o único Deus, o Filho e o Espírito Santo são criaturas subordinadas.

Subordinacionismo.

Afirma-se também a unidade de Deus, em detrimento as outras pessoas


divinas. Deve-se tributar prudente veneração a Jesus Cristo, mas não ao ponto de igualá-
lo a Deus mesmo, pois tal excesso destrói o sentido autêntico de Deus. Ele pode ser
semelhante (homoioúsios) a Deus, jamais, porém igual (homooúsios) a Ele. Ele é a
primeira criatura, o protótipo de todas as criaturas, mas não Deus.

Ário é o teólogo mais influente que defendeu esta tese. Ele e seus discípulos
enfatizavam o fato de que Jesus foi um ser humano perfeitíssimo, porque ele estava cheio
do Espírito. Nota-se uma influência muito grande do pensamento filosófico grego em Ário.
Para ele o Logos de João não é Deus. Pois Deus não pode se comunicar com o mundo,
Ele é um mistério indecifrável e transcendente. Sua natureza é incomunicável, portanto,
para ser conhecido Ele tem que se servir de um mediador, o Logos. Este Logos não é
Deus, mas pertence a esfera divina. Jesus, cheio do Espírito, alcançou a perfeição a
ponto de merecer um nome divino. Foi adotado pelo Pai como seu filho. O filho
permanece sempre subordinado ao Pai, porque foi criado ou gerado pelo Pai. Também é
chamado de subordinacionismo adocianista ou monarquismo dinâmico, porque, para eles,
Jesus mereceu ser adotado pelo Pai.

Ele é a criatura mais semelhante ao Pai que se possa conceber (homoioúsios),


sem entretanto chegar à igualdade de natureza com o Pai (homooúsios). Os críticos
sempre se deleitaram em escarnecer a doutrina da Trindade, porque afirmavam que ela
era uma disputa de loucos, sem relevância, pois os teólogos se digladiavam por um iota.

Esta corrente pretendia fazer justiça a duas doutrinas básicas da fé. A unidade
de Deus, pois não há ninguém igual a Ele e, ao mesmo tempo, ele possui um
Primogênito, perfeito, divino porquanto foi adotado por Deus, e proposto como mediador,
salvador e caminho exclusivo de acesso ao Pai.

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O Concílio de Nicéia (325) refutou a doutrina de Ário, e afirmou que Jesus


Cristo é o único Filho de Deus. “Cremos em um só Senhor Jesus Cristo, Filho Unigênito
de Deus, gerado desde a eternidade do Pai: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro
de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubtancial ao Pai.”.

Mas ao afirmar a divindade de Cristo, tem que se lembrar que Ele optou
esvaziar-se e tornar-se submisso ao Pai. Mantendo na Trindade uma subordinação, mas
não como afirmou Ário.

O Pai, o Filho e o Espírito Santo são três deuses.

O Triteísmo.

O triteísmo afirma as três Pessoas divinas. Acredita na divindade do Filho, na


Pessoa do Espírito como Deus em igualdade. Mas são três substâncias independentes e
autônomas. Não se afirma a relação entre elas nem a comunhão como constitutivo da
Pessoa divina. A Trindade transforma-se em três deuses. Somam-se os três divinos,
como se atrás de cada Pessoa não houvesse um Único. Existem então três absolutos e
não um, três seres eternos e não um, e três criadores e não um.

A afirmação trinitária destaca a existência objetiva de três Únicos, Pai, Filho e


Espírito Santo. Mas não os vê separados e não relacionados. Crê que as Pessoas da
Trindade estão eternamente relacionadas em comunhão infinita. Pode-se dizer, há três
Pessoas de uma única comunhão.

O termo usado para explicar a comunhão das Pessoas da Trindade é


pericórese, (latim, circumincessio). O sentido seria o fato de envolver - circum - e entrar
numa profunda intimidade. Cada membro da Trindade, em algum sentido, habita no outro,
sem diminuição da total pessoalidade de cada um.

TRINDADE ONTOLÓGICA E TRINDADE ECONÔMICA


Ao discutir a doutrina da Trindade, temos que distinguir o que é tecnicamente
conhecido como Trindade Ontológica e Trindade Econômica.

Por Trindade Ontológica, entende-se a Trindade que subsiste na Divindade,


desde toda eternidade. Na sua vida essencial e inata, dizemos que o Pai, o Filho e o
Espírito Santo são os mesmos em substância, possuindo atributos e poderes idênticos e,
portanto, são iguais em glória. Isto diz respeito à existência essencial de Deus.

Por Trindade Econômica, significamos a Trindade tal como se manifesta no


mundo, especialmente na redenção do pecador. Existem três obras adicionais, se assim
podemos descrever, que são atribuídas à Trindade, a saber, a Criação, a Redenção e a
Santificação.

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Encontramos nas Escrituras que o plano da redenção toma a forma de um


pacto, não só entre Deus e o Seu povo, como também entre as várias Pessoas dentro da
Trindade, de maneira que há, por assim dizer, uma divisão de tarefas, cada Pessoa
tomando, voluntariamente, determinada fase da obra.

Ao Pai atribui-se, em primeiro lugar, a obra da Criação, assim como a eleição


de certo número de indivíduos que Ele deu ao Filho. Ao filho atribui-se a obra da
Redenção, para o cumprimento da qual se encarnou, tomando a natureza humana, de
forma que, como representante de seus eleitos, assume a culpa do seu pecado, para
resgatá-los da morte. Ao Espírito Santo são atribuídas as obras de Regeneração e de
Santificação, ou a aplicação aos corações dos indivíduos, da expiação objetiva que Cristo
realizou. Ele faz isto renovando espiritualmente os corações, operando neles a fé e o
arrependimento. E glorificando-os finalmente no céu.

A redenção, pois é um assunto da graça soberana, planejada antes da


fundação do mundo, apresentada na forma de um pacto ou aliança. Não é um plano
departamentalizado, dispencionalizado ou repartido, mas é uma ação global que envolve
toda a Pessoa da Trindade. Ela é planejada pelo Pai, comprada pelo Filho, e aplicada
pelo Espírito Santo.

A TRINDADE E A JUSTIFICAÇÃO
Como um Deus perfeitamente santo pode prover perdão aos pecadores? A
análise tem que passar necessariamente pela impossibilidade do Deus uno salvar e pela
possibilidade lógica da pluralidade divina salvar o pecador.

Para Scott Horrell o Deus uno se comprometeria em sua santidade para


providenciar a salvação15. Se Deus fosse uma só pessoa, ele poderia ser perfeitamente
justo e santo, mas seria incapaz de perdoar os nossos pecados sem comprometer sua
santidade. Por exemplo, no islamismo, Alá fica acima da ponte da morte que passa da via
terrestre para o paraíso. Embaixo da ponte estreita fica o abismo do inferno. Um homem
que teve uma vida 70% boa e 30% má talvez tenha permissão de passar para o paraíso e
para a presença de Deus, mas um homem com menos virtude seria empurrado por Alá
para o abismo. Pressupondo que nenhum homem é 100% bom (e assim moralmente igual
a Alá), Alá deve comprometer sua santidade ao permitir qualquer pessoa entrar no
paraíso.

Como é que o Absoluto Moral do universo pode perdoar e ter comunhão com
um pecador? Na Bíblia, Deus é justo, mas também o Justificador de nossos pecados (Rm
3.23-26), precisamente porque ele é mais do que uma pessoa. Por causa da pluralidade
de pessoas, o Deus Triúno pode ser o Santo Juiz sem se comprometer, o Cordeiro
sacrificial que morreu em meu lugar e o Espírito santificador que atua em mim.

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A Doutrina da Trindade

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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