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DIREITOS

ISBN: 000-00-00000-00-0

2020
TERRITÓRIOS E MEMÓRIAS
CELEBRAÇÕES
Diálogos sobre o patrimônio arqueológico e cultural de
São Gonçalo do Gurguéia / PI

Diálogos sobre o patrimônio arqueológico e cultural de São Gonçalo do Gurguéia / PI


DIREITOS
DIVERSIDADE

SABERES

IDENTIDADES

MEMÓRIAS

HERANÇA

ARQUEOLOGIA

TERRITÓRIOS E MEMÓRIAS

LUGARES
TERRITÓRIOS E MEMÓRIAS
Diálogos sobre o patrimônio arqueológico e cultural de
São Gonçalo do Gurguéia / PI

Zanettini Arqueologia
1ª Edição
São Paulo
2020
EDIÇÃO
Zanettini Arqueologia SUMÁRIO
AUTORAS
PARTES I e III
Camila Azevedo de Moraes Wichers 05 Palavra do empreendedor
Cristiane Eugenia da Silva Amarante
Melina Pissolato Moreira 07 Começo de conversa
PARTE II
Ariane Couto Costa
PARTE I. PASSO A PASSO DO TRABALHO
LEVANTAMENTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Ariane Couto Costa 11 Empreendimentos, licenciamento ambiental e direitos culturais
Bernardo Daniel Carvalho
Enrique Castro 13 Arqueologia: uma forma de ler o mundo
Paula Stumpf
Victor Balan 15 Patrimônio cultural: campo de luta e representação

CONSULTORIA CIENTÍFICA 16 Referências culturais: ampliando o campo patrimonial


Alex Alves de Barros
Ícaro Rêgo Soares 19 Educação patrimonial: aprender por meio do patrimônio, construir novos patrimônios
Juliana Freitas
Luciana Bozzo Alves
PARTE II. RESULTADOS DAS PESQUISAS
REVISÃO
Ariane Costa 22 Olhares sobre o território
Glória Tega
24 Que tal uma história? No passado distante...
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Gabriela Ribeiro Farias 31 Patrimônio cultural: diverso como nós somos
Ocktodesign
ILUSTRAÇÕES
Ricardo Sanzi PARTE III. POR QUE TUDO ISSO? OS USOS DO PATRIMÔNIO

FOTOS 46 Próximos passos


Enrique Castro
Leilda Lima 47 Inventário do patrimônio cultural
Fabiana Nascimento
Valmira Nascimento
48 Como desenvolver um projeto pedagógico que abarque tempos e memórias múltiplas

Zanettini Arqueologia 50 Um intinerário possível: análise do objeto


TIRAGEM
1.000 exemplares
52 Referências bibliográficas e sugestões de leitura

54 Sugestões de livros, sites e vídeos paradidáticos

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELO EDITOR 55 Agradecimentos


M8277t MORAES WICHERS, Camila.
Territórios e Memórias: diálogos sobre Patrimônio arqueológico e cultural de São Gonçalo
do Gurguéia / Camila Moraes Wichers, Cristiane Eugenia da Silva Amarante, Melina Pissolato
Moreira e Ariane Couto Costa. São Paulo: Zanettini Arqueologia, 2020.
56p.; 25 x 20cm; il.
ISBN: 978-85-63868-17-6
1.Arqueologia 2. Patrimônio Cultural 3. História. I. Zanettini Arqueologia. II.
Título.
CDD 930.1
PALAVRA DO EMPREENDEDOR

Possuir e gozar de plena cidadania passa pelo conhecimento da história. E a


história local é a porta de entrada que nos leva para além de nossas frontei-
ras e nos torna conscientes de nossa realidade. Ao resgatar estudos arqueo­
lógicos do Piauí, e em especial em São Gonçalo do Gurguéia, este livro nos
transporta para o passado e, ao mesmo tempo, nos convida a refletir sobre o
futuro: como esperamos escrever a história nos próximos anos?

A Enel tem o compromisso de contribuir para o crescimento sustentável dos


locais onde atua. No Piauí, a Enel Green Power Brasil iniciou a construção
da usina solar fotovoltaica São Gonçalo em 2019, na cidade de São Gonçalo
do Gurguéia, gerando energia limpa e estimulando o desenvolvimento local.
Assim que concluído, o parque será mais um exemplo de que é possível pro-
duzir energia e desenvolvimento também no interior do país.

Em seus empreendimentos, o compromisso da Enel estende-se para além


das fronteiras locais. A Enel se orgulha de participar na diversificação da ma-
triz energética brasileira e se consolida como uma das maiores geradoras de
energia fotovoltaica no País. Que os próximos capítulos da história revelem
um estado, uma região e um país cada vez mais comprometidos com um
desenvolvimento consciente.

05
COMEÇO DE CONVERSA
uso sustentável
do patrimônio
Convidamos você a conversar um pouco a respeito dos territórios onde sua
vida é tecida. Espaços de convívio e de afeto, mas também marcados por
disputas. Lugares permeados por memórias compostas por saberes de co-
educação museologia
patrimonial social munidades e coletivos. Territórios e memórias vão inspirar nossa conversa.

Esse diálogo tem origem no licenciamento ambiental do Parque Solar São


Gonçalo, em processo de ins­talação no Piauí. Você já ouviu falar desse
leitura do narrativas
empreendimento?
território comunitárias
De acordo com a legislação brasileira, a instalação de empreendimentos
como rodovias, ferrovias, hidrelétricas, linhas de transmissão, parques eóli-
cos e solares, dentre outros, deve ser acompanhada por estudos ambien-
ESTUDOS
tais. Isso porque essas obras podem causar impactos às populações que
AMBIENTAIS pesquisa
ocupam esses territórios. Esses estudos envolvem, dentre outras ações,
arqueológica
pesquisas arqueológicas e levantamentos do patrimônio cultural, assim
como Programas de Educação Patrimonial como o que estamos realizando
na sua região. Você já escutou algo a respeito da Arqueologia? O que essa
ciência tem a dizer sobre a sua vida? E patrimônio cultural, o que é isso?

Há milhares de anos, o território onde você mora já era ocupado por povos
indígenas. Com a invasão europeia, muitos desses povos foram extermi-
nados. Populações africanas foram trazidas e escravizadas, um processo
dotado de violência e exploração, que deixou marcas. Olhar essas mar-
cas e essas histórias nos ajuda a pensar que a colonização resultou em
exclusões e desigualdades, que persistem no presente, ocasionando dife­
renças étnicas, raciais, de gênero e de classe. Como isso está marcado em
nossas memórias? O que foi esquecido?

Essas são algumas das questões que iremos abordar neste livro, ampli-
ando olhares e abrindo portas, sem chegar, entretanto, a respostas fixas.
Convidamos a você a olhar o seu território de forma diferente: como cam-
po de possibilidades e de luta na construção de vidas mais justas. Nesse
processo, os patrimônios culturais e memórias têm papel fundamental.
respeito ao valorização dos
colaboração olhar local saberes locais 07
DIREITOS
PARTE I.
PASSO A PASSO DO TRABALHO

CELEBRAÇÕES

LUGARES

IDENTIDADES

EDIFICAÇÕES

HERANÇA

ARQUEOLOGIA

SABERES

MEMÓRIAS
DIVERSIDADE

EXPRESSÕES
EMPREENDIMENTOS,
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
E DIREITOS CULTURAIS
Uma crescente preocupação com a proteção do meio ambiente tem integrado a agenda política internacional.
Desde a década de 1980, existe uma resolução ambiental brasileira que indica a necessidade de uma licença
ambiental para atividades e empreendimentos de grande impacto, colocando o licenciamento como exigência
legal e uma ferramenta do poder público para o controle ambiental. É nesse campo que a pesquisa arqueológica
e o levantamento do patrimônio cultural, realizados na sua região, enquadram-se. Esse tipo de Arqueologia é
denominado como Arqueologia Preventiva e tem como objetivo preservar o patrimônio arqueológico no âmbito
desses estudos, prevendo possíveis danos.

tos
direi ais
Por sua vez, a Constituição Brasileira de 1988, sobretudo nos seus Artigos 215 e 216, consolida o papel do Estado
ur
cult
Brasileiro na garantia dos direitos culturais de cada cidadã e cidadão, assim como define o patrimônio cultu­
ral como “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de

proteção
referência à identidade, à nação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

do meio Dessa forma, avaliar os possíveis danos que um empreendimento pode causar ao patrimônio cultural de uma
cidad
ambiente ania comunidade é garantir que os direitos de cada pessoa sejam respeitados.

Desde 1961, temos a Lei 3.924 que proíbe a destruição das jazidas arqueológicas, ou seja, dos sítios arqueológi-
cos inseridos no território brasileiro. No ano de 2000, de forma pioneira, o Decreto nº 3.551 instituiu o Registro
de Bens Culturais de Natureza Imaterial, ampliando os mecanismos de preservação para patrimônios até então
pouco reconhecidos. Vale lembrar que os bens materiais são alvo, desde a década de 1930, do instrumento legal
do tombamento.

A presente pesquisa, ao atender à Portaria lnterministerial nº60/2015 e à Instrução Normativa lphan nº 01/2015,
envolveu estudos que abarcaram o patrimônio arqueológico (sítios arqueológicos), o patrimônio tombado (bens
materiais) e o patrimônio registrado (bens imateriais), integrando ainda as referências culturais, ou seja, as coi­
respeito à sas, lugares, saberes e manifestações importantes para as pessoas que compõem as comunidades do entorno dos
diversidade empreendimentos, mas não contam com reconhecimento oficial.

preservação do INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN)

patrimônio cultural Criado em 1937, o IPHAN é responsável pela proteção do patrimônio cultural brasileiro. Em suas primeiras
décadas de trabalho, o instituto voltou-se aos bens edificados de matriz colonial, por meio do instrumento do
tombamento. Contudo, nos últimos anos tem ampliado sua atuação, atendendo a demandas crescentes dos
movimentos sociais que não se vêm representados nos patrimônios até então reconhecidos.
Para saber mais acesse www.iphan.gov.br

11
ETAPAS DA PESQUISA ARQUEOLÓGICA ARQUEOLOGIA:
UMA FORMA DE LER O MUNDO
1. A primeira etapa da pesquisa arqueológica envolve o estudo de diver- Vivemos imersos em um mundo de coisas, presentes no nosso dia-a-dia, no nosso trabalho, na escola, em casa,
no lazer, na nossa forma de comunicar e de interagir com o outro. Como seria nossa vida sem as coisas que nos
sos documentos – como mapas e imagens aéreas da região do empreen-
cercam?
dimento – fundamental para o planejamento das atividades de campo.
A capacidade de produzir objetos a partir de matérias-primas da natureza, juntamente com nossa capacidade
de comunicação, é que nos torna humanos. Desse modo, ler o mundo significa também ler esses objetos, essas
coisas. Para Paulo Freire, a leitura do mundo vem antes das palavras e, para a leitura delas, não se pode abrir mão
2. Já no local destinado ao empreendimento, o objetivo é localizar pos- do aprendizado do mundo. Mas o que significa ler o mundo?
síveis sítios arqueológicos: a equipe de Arqueologia caminha quilômetros
Ler o mundo é dominar processos de trabalho, criar sentidos, aceder às relações de poder e exercer a cidadania.
observando o local e faz pequenas perfurações no terreno para verificar se
Cada um de nós faz uma leitura única do mundo: nós trabalhamos, criamos e damos sentido às coisas. Essa leitura
há vestígios arqueológicos enterra­dos. Essa etapa é denominada de ava­
e ação no mundo acontece por meio dos objetos.
liação arqueológica.
A Arqueologia coloca-se, assim, como campo do conhecimento que busca entender as sociedades a partir das
coisas produzidas, utilizadas e descartadas pelas mulheres, homens e crianças, no passado distante ou recente.

Em termos operacionais, a pesquisa arqueológica debruça-se sobre os denominados sítios arqueológicos, luga­
3. Nos sítios arqueológicos encontrados, realizam-se atividades de docu- res onde são realizados estudos voltados aos objetos, estruturas e modificações na paisagem. Os sítios arque-
mentação e resgate: áreas são escavadas, desenhadas e fotografadas e as
ológicos podem ser classificados como pré-coloniais ou históricos. Os primeiros estariam associados a períodos
peças resgatadas têm sua localização documentada.
anteriores à invasão europeia e os segundos ao período posterior. Existem, ainda, sítios arqueológicos cujos
vestígios encontra­dos mesclam esses dois períodos. Essa divisão é apenas referencial, pois o importante é voltar
o olhar aos processos históricos e sociais que resultaram nos sítios estudados.

4. Finalizada a etapa de campo, os vestígios coletados são levados ao Ao ler essas coisas, as arqueólogas e arqueólogos procuram compreender a transformação das sociedades. Mais
labo­ratório, onde são higienizados, numerados, analisa­dos e fotografados. do que isso, a Arqueologia pode nos auxiliar a ler o mundo em que vivemos, a refletir criticamente e a pensar
O conjunto dessas peças - o Acervo - segue para um museu ou instituição como as relações de poder, ou seja, de domínio e de resistência, são tecidas materialmente.
de guarda, que deve estar localizados o mais próximo possível da região
Esses são apenas alguns dos muitos caminhos possíveis...
pesquisada.

5. Todas as etapas da pesquisa arqueológica devem ser realizadas em SÍTIOS


diálogo com as comunidades envolvidas. Sendo também fruto dessa ARQUEOLÓGICOS
cons­trução um Programa de Educação Patrimonial que objetiva colocar são patrimônios da
em debate os resultados das pesquisas o mais próximo possível da região União.
pesquisada.

13
ETAPAS DO LEVANTAMENTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL PATRIMÔNIO CULTURAL:
CAMPO DE LUTA E REPRESENTAÇÃO
1. O primeiro passo envolve a análise de referências
bibliográficas a respeito do local a ser pesquisado, Como o DNA é carteira de identidade de um indivíduo, que o associa a sua
linhagem inteira, do mesmo modo o patrimônio é a carteira de identidade da
dados socioeconômicos e culturais também são con-
comunidade atual ligada a uma continuidade sem limites. Por outro lado, como é
sultados. São acessados sites de instituições para ob- difícil, senão impossível, conhecer todos os detalhes do DNA de uma pessoa, ou o
ter informações, tais como Instituto Socioambiental, genoma humano, é inútil conhecer o patrimônio em sua totalidade.
Fundação Palmares, IPHAN e Instituto Nacional de Hugues de Varine
Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
O patrimônio cultural está associado à memória, à ancestralidade e à identidade cultural. Ele influencia hábi-
tos, costumes, modos de vestir, comer, morar, entre outros. O patrimônio constitui quem somos. Como o trecho
acima destaca, é impossível conhecermos todo o patrimônio de uma comunidade, ou seja, falar em patrimônio
2. Em campo, a equipe dialoga com as comunidades que vivem no entor- cultural é falar em seleções e negociações. Dentre o amplo mosaico daquilo que uma comunidade reconhece
no do empreendimento a ser instalado. É a chamada pesquisa etnográfica: como patrimô­nio, como herança, apenas uma parcela é assim intitulada pelo Estado, portanto, nem todas as
pesquisadoras/es entram em contato com o universo das pessoas do lugar, cidadãs e cidadãos são representados nos patrimônios oficiais. Por que alguns bens são relegados ao abandono
conversam, observam e escutam. Por vezes, mecanismos da História Oral e e ao esquecimento e outros são protegidos? Quem faz essa seleção?
da Museologia Social são utilizados. Nesta etapa, os bens e referências são
O IPHAN é instituto vinculado ao Ministério da Cultura e responsável pela preservação do patrimônio cultural no
fotografados e georreferenciados.
nível federal. Entretanto, os governos estaduais e municipais também devem promover a identificação e preser-
vação do patrimônio cultural.

No âmbito do Estado Brasileiro, existem leis voltadas a definir o que é patrimônio. A Instrução Normativa 01/
3. Finalizado o trabalho de cam- 2015, já mencionada, trata dos bens acautelados, portanto, aqueles reconhecidos pelo Estado, a saber:
po, um relatório é produzido. Nele
bens e referências culturais são BENS TOMBADOS → bens materiais móveis e imóveis, aglutinados sobre o termo de patrimônio material;
apresentados. O relatório é finali­
BENS ARQUEOLÓGICOS → sítios arqueológicos e objetos deles provenientes que, embora também sejam
zado com a indicação das medidas
patrimônio material, são tratados de forma específica;
necessárias para reduzir impactos.
BENS VALORADOS → bens ferroviários, que também são bens materiais, mas tratados por instrumentos
específicos;

4. Os resultados do levantamento são discutidos com as comuni­dades BENS REGISTRADOS → bens de natureza imaterial, Celebrações, Lugares, Formas de Expressão e Saberes.

envolvidas no âmbito do Programa de Educação Patrimonial. Toda pesqui-


Entretanto, diversas/os autoras/es têm salientado a dificuldade de separarmos o patrimônio entre “material” e
sa realizada para licenciar obras também gera conheci- mento científico:
“imaterial”. Isso porque esses dois conceitos devem ser entendidos não como opostos, mas como complementa-
estudantes usam dados gerados para fazerem mestrados e doutorados e
res: o patrimônio imaterial tem uma face material expressa em objetos concretos (artefatos, vestimentas, locais
pesquisadores divulgam as informações em publicações específicas, possi-
de produção e reprodução) da mesma forma que monumentos, edificações e sítios possuem uma face imaterial
bilitando a reflexão sobre concei­tos e a construção de novas teorias.
expressa em valores e representações sociais a eles atribuídos. Pense em algo que você considere importante na
sua comunidade, um patrimônio cultural. Você considera esse patrimônio material ou imaterial?

15
REFERÊNCIAS CULTURAIS: CELEBRAÇÕES: momentos de sociabilidade que envolvem práticas com
regras específicas de papéis sociais, produção e uso de vestuário e orna-
AMPLIANDO O CAMPO PATRIMONIAL mentação de lugares, preparo e consumo de bebidas e comidas, objetos,
músicas, orações, danças, entre outros. Em geral essas atividades partici-
pam da produção de sentidos específicos de territórios.
Falar em referências culturais significa, pois, dirigir o olhar para representações
que configuram uma identidade da região para seus habitantes, e que remetem à
paisagem, às edificações e objetos, aos fazeres e saberes, às crenças, hábitos, etc.
Maria Cecília Londres Fonseca

Na década de 1.970, a política patrimonial vigente era direcionada aos


FORMAS DE EXPRESSÃO: manifestações literárias, musicais, plásticas,
monumentos edificados de matriz colonial. Pessoas insatisfeitas com esse
cênicas e lúdicas associadas a determinados grupos sociais ou regiões, fa-
cenário propuseram, então, o conceito de Referência Cultural. Quando
zendo parte de suas identidades. As formas de expressão serão inventari-
falamos em referências, falamos em sujeitos para os quais essas referên-
adas através dos modos como elas são postas em prática.
cias fazem sentido, deslocando o olhar dos bens como produtos acaba-
dos, para os processos sociais e culturais. O IPHAN propõe, no Inventário
Nacional de Referências de Culturais (INRC), a seguinte classificação:

As gravuras rupestres, como as do sitio

OFÍCIOS, SABERES E MODOS DE FAZER: atividades desenvolvi­das por co­ TOCA DOS CABOCLOS, em São Gonçalo do Gurguéia,

nhe­cedoras/es de técnicas e matérias-primas que identificam um grupo compõem o Patrimônio Cultural do Piauí e do Brasil.

social ou uma localidade. Os modos de fazer são inventariados por meio


da prática de determinadas/os executantes, como, por exemplo, artesãs/
ãos, benzedeiras/es, pessoas que trabalham com culinária ou técnicas
construtivas.

LUGARES: espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais


coletivas, com sentido cultural diferenciado para a população local. As
atividades e sentidos abrigados pelos lugares são atributos reconhecidos e
tematizados pelas populações locais.

EDIFICAÇÕES: construções que não tenham necessariamente o valor cul-


tural do patrimônio edificado objeto de tombamento, mas que são refe­
renciais para práticas coletivas, memória e a identidade de grupos, ou se
relacionam de alguma forma aos demais bens culturais de natureza imate-
rial, sendo, assim, portadoras de significado diferenciado.

16 17
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL:
APRENDER POR MEIO DO PATRIMÔNIO,
CONSTRUIR NOVOS PATRIMÔNIOS
Acreditamos que o conceito de Educação Patrimonial deva servir como sinal que
nos obriga a questionar o papel da educação na constituição do patrimônio, o
papel do patrimônio no processo educativo e a função de ambos na dinâmica
social que articula a lembrança e o esquecimento.
Flávio Leonel Abreu da Silveira e Márcia Bezerra

A Educação Patrimonial é um processo no qual patrimônios e referências culturais são fonte de conhecimento.
Sendo assim, qualquer manifestação cultural das comunidades do presente ou dos povos do passado – como um
instrumento musical, um objeto arqueológico, festas populares, um prato típico, um centro histórico, entre ou­
tros – pode ser utilizada como ferramenta didática, dentro ou fora da escola. Por outro lado, os processos educa­
tivos também são construtores de patrimônios e referências, podendo problematizar o que foi selecionado como
memória e o que foi esquecido ou excluído.

A Coordenação de Educação Patrimonial (CEDUC) do IPHAN destaca alguns princípios e diretrizes conceituais a
serem considerados em projetos de Educação Patrimonial, vamos conhecê-los?

OS TERRITÓRIOS COMO ESPAÇO EDUCATIVOS Ações educativas não são mais centradas em coleções e
construções isoladas, mas sim consideram um território como “documento vivo, passível de leitura e inter-
pretação por meio de múltiplas estratégias educacionais”;

OS BENS CULTURAIS INSERIDOS NOS ESPAÇOS DE VIDA DAS PESSOAS a preservação deve associar esses
bens ao dia-a-dia das pessoas e não engessá-lo como algo alheio ao cotidiano da comunidade;

AS COMUNIDADES COMO PARTICIPANTES EFETIVAS DAS AÇÕES EDUCATIVAS as pessoas da comunidade


devem participar da formulação, implementação e execução das atividades;

O PATRIMÔNIO CULTURAL COMO CAMPO DE DISPUTA preservar algo implica em gerenciar conflitos e ne-
gociações entre “grupos sociais envolvidos na definição dos critérios de seleção, na atribuição de valores e
nas práticas de proteção dos bens e manifestações culturais”.
Fonte: Educação Patrimonial. Histórico, Conceitos e Processos, IPHAN, 2014

Quais são os desafios que a


EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
nos coloca?

19
DIREITOS
PARTE II.
RESULTADOS DAS PESQUISAS

CELEBRAÇÕES

LUGARES

IDENTIDADES

EDIFICAÇÕES

HERANÇA

ARQUEOLOGIA

SABERES

MEMÓRIAS
DIVERSIDADE

EXPRESSÕES
OLHARES SOBRE O TERRITÓRIO REFERÊNCIA CULTURAIS EM
SÃO GONÇALO DO GURGUÉIA “Que outras culturas de
Os estudos realizados para o licenciamento do Parque Solar São Gonçalo envolveram olhares diversos sobre este São Gonçalo do Gurgueia
território, a partir de várias áreas científicas. Nossas pesquisas se concentraram sobre o patrimônio cultural! De • Tecelagem
poderiam ser listadas aqui?”
um lado, estudando a arqueologia, isto é, os vestígios que povos do passado deixaram por aqui; e de outro, • Engenhos de cana/ rapadura
as culturas mais recentes, aquelas que ainda moram nas memórias dos mais antigos ou que estão vivas e fazem • Casas de Farinha
parte do cotidiano das pessoas hoje. • Ofício de Vaqueiro
• Agricultura
Nas pesquisas arqueológicas do empreendimento Parque Solar São Gonçalo identificamos 02 sítios, que batiza-
• Mercado Municipal
mos de Sítio Campeiro e Sítio Calango. Esses sítios, que datam de mais de 4.300 anos, como muitos dos que são
• Artesanato
encontrados no Brasil, são testemunhos da nossa pré-história, isto é, são objetos ou partes de objetos deixados
• Sabão de “dicuada”
ali por pessoas que passaram neste lugar muito antes do que conhecemos por “descobrimento” do Brasil. Por
• Festa de São Gonçalo
estarem em áreas próximas de onde está sendo implantado o Parque Solar, eles foram escavados e as peças
• Festejos / Novenas
arqueológicas encontradas, retiradas dali para serem estudadas. Além disso, arqueólogos e arqueólogas têm
• Igreja de São Gonçalo
acompa­nhado as obras para garantir que caso apareçam novos sítios, eles sejam devidamente salvos de qualquer
• Rezadeiras
prejuízo.
• Parteiras
As pesquisas possibilitaram a coleta de 135 peças, que serão encaminhadas ao Museu de Arqueologia e • Penitência
Paleontologia da Universidade Federal do Piauí, em Teresina, o local mais próximo com capacidade e habilitação • Esmolas
pelo IPHAN para recebê-las. Apesar de guardadas no museu, elas são públicas e pertencem a todos nós! • Roda de São Gonçalo
Por sua vez, o levantamento dos bens culturais também trouxe resultados muito interessantes. Através de con- • Reisado
versas e entrevistas com diversas pessoas da cidade, jovens e idosos, homens e mulheres, de todos os grupos • Sanfoneiros / Forró
sociais, registramos mais de 20 culturas que são referências para a vida das pessoas de São Gonçalo atualmente. • Quadrilha Junina
• Gincana Cultural
• Motocross
• Pedra Pendurada
PAISAGEM • Serras e Caminhos
RIO 2 SÍTIOS • Paisagem

GURGUEIA ARQUEOLÓGICOS MAIS DE 20 • Rio Gurguéia


PRÉ-HISTÓRICOS REFERÊNCIAS
CULTURAIS IDENTIFICADAS
E POTENCIAL PARA PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO
MUITO MAIS!
Os sítios que encontramos mostram que até
o momento, os mais antigos gonçalenses
VARIEDADE têm pelo menos 4.300 anos! Como era São
DE PLANTAS VARIEDADE Gonçalo do Gurguéia nessa época? Você
E ERVAS DA consegue imaginar?
DE FAUNA
REGIÃO
22 23
QUE TAL UMA HISTÓRIA? Restos de uma fogueira feita há
50 mil anos, encontrada na Serra

NO PASSADO DISTANTE... da Capivara, em São Raimundo


Nonato-PI, junto restos de ferra-
mentas de pedra são algumas das
pistas mais importantes de que
A idade da Terra é um mistério. Cientistas acreditam nós, humanos, estávamos aqui
que foram necessários milhares de milhões de anos e já há muito tempo... E olhe só: os
inúmeros aquecimentos, explosões e resfriamentos, homens mais antigos das Américas
movimentações e acomodações para que o planeta estavam bem aqui, no Piauí!!
atingisse as condições ideais para a vida se desenvol­
ver nele. Até os continentes eram diferentes! E os pri-
meiros “seres vivos” teriam sido animais da água... Essas pessoas andavam muito, principalmente para
caçar e também para pegar nas matas as frutas e ou­
tros alimentos. Algumas vezes dormiam em abrigos de
pedra, como cavernas, tocas e grutas e quase sempre
Nessa longa história, depois de muitas reviravoltas do deixavam ali suas marcas, nas paredes de rocha. Uma
clima, os pesquisadores acreditam que pelo menos 100 enorme quantidade de desenhos e gravuras foram
mil anos atrás essa região do Brasil teria se transfor- encontrados na Serra da Capivara, bem perto daqui!
mado em um refúgio florestal. Com clima temperado e Mas podem também ser encontrados em diversos
muito verde, parecida com a Mata Atlântica, esse lugar paredões e abrigos por todo o Brasil e em várias partes
atraía animais enormes, a mega-fauna. Tatus gigantes, do mundo! São desenhados animais, pessoas, plantas,
Preguiças gigantes, onças com dentes longos...e toda aves, peixes, seres misteriosos, cenas de caça, dança,
sorte de animais atraídos por esse ambiente. Era uma rituais... Mas pouco se sabe sobre seu significado, que
explosão de vida! ainda é um mistério.

Os cientistas acreditam que os primeiros humanos, os


“homo sapiens” vieram da África, onde foram achados
os mais antigos vestígios deixados por nós humanos. Hoje as arqueólogas e arqueólogos
Não se sabe ao certo como essas pessoas chegaram na identificam, escavam e estudam
América, mas há muitas teorias e estudos sobre isso! essas ferramentas, objetos, potes
Podem ter vindo de barco, pelo hemisfério Norte, ou e pinturas para compreender um
a pé, quando o mar recuou muito e lugares que hoje pouco mais sobre o cotidiano
são o fundo do oceano, ficaram secos. Alguns afir- daqueles que viveram e passaram
mam que os humanos só chegaram aqui há 20 ou10 por aqui.
mil anos atrás. Outros afirmam que muito antes dis-
so! As pesquisas nunca param e a cada dia há novas
descobertas!

24 25
PEDRAS QUE FALAM Com o tempo mais e mais pessoas passaram a produzir também objetos de pedra polida. O processo era seme­
lhante ao anterior, mas, depois de moldadas, as ferramentas passavam por um polimento, no qual, geralmente,
eram utilizadas areia e água. Mãos habilidosas esfregavam as ferramentas em rochas que ficam às margens dos
A produção de instrumentos em pedra é chamada pelas/os arqueólogas/os de indústria lítica, que vem do radical
rios. Normalmente de granito pesado e escuro, esses machados polidos eram aerodinâmicos, bons para corte de
grego lito, que significa pedra. Fabricar ferramentas de pedra envolve conhecimentos e habilidades que tornam
galhos, árvores, ossos. Bem mais próximos dos machados ou marretas que utilizamos hoje.
este saber uma verdadeira arte.
E nós continuamos polindo! De amolar uma faca de cozinha, ou uma enxada, até o simples “arear uma panela” en-
Além de saber que ferramenta produzir para cada finalidade, é preciso saber como moldar e conhecer muito
volvem a reprodução diária de saberes e técnicas que todos “herdamos” das experiências desses antepassados!
bem os materiais. Rochas mais resistentes, como o granito, por exemplo, eram utilizadas para lascar rochas mais
“moldáveis”, como o silexito. Seixos de rio com formato de “ovo” eram ótimos para bater em outras rochas e
produzir lâminas afiadas, se bem utilizados.

As ferramentas produzidas em rocha são as mais variadas. São encontrados, dentre outros utensílios, raspadores
para tirar a carne dos animais, madeira, etc., percutores utilizados para quebrar pedras mais maleáveis, castanhas
e ossos, pedaços de flechas, lanças, furadores para furar couro e outros materiais, além de machados, pilões e
principalmente: tudo o que sobrou desse trabalho de produzir essas ferramentas!
1. Onde mais usamos a técnica
de polir?

2. Você conseguiria fa­zer uma fle-


cha e um machado de pedra?

3. Por que você acha que eles fa-


ziam essas ferramentas e não
outras?

4. Que técnicas ou saberes você


usa hoje e acha que serão
mantidas daqui a milhares de
anos?

Processo de produção de uma ponta de flecha ou


lança em “lítico lascado”.

Conjunto de ferramentas encontradas no Sítio Campeiro.


Para que você acha que foram utilizadas?
Você consegue fazer peças parecidas?

26 27
HISTÓRIAS NAS PAREDES A VIDA MOLDADA À MÃO

Outra forma de conhecer esse período é por meio das pinturas e gravuras nas paredes de rocha: são os Sítios Quando caçavam e coletavam, os humanos eram nômades, isto é, eles não tinham pouso fixo. Moravam acam-
Rupestres. No Piauí, o Parque Nacional da Serra da Capivara, que fica em São Raimundo Nonato, abriga os sítios pados, colhendo vegetais, frutas, raízes e castanhas e caçando. De tempos em tempos saíam, em busca de novos
mais antigos das Américas! Essas imagens desenhadas e gravadas na pedra atraem turistas do Brasil e do mundo! lugares com alimento e condições climáticas para se viver. Então os humanos começaram tentativas e mais ten-
tativas para domesticar plantas e animais. Plantar e criar bichos, que serviriam para o consumo, quando a coleta
Além de curiosas, essas imagens nos permitem dizer que os humanos “pré-coloniais” passavam parte do seu
ou a caça estivesse difícil. Era um meio seguro de sempre ter alimentos!
tempo caçando, em experiências religiosas, em celebrações: em muitas figuras é possível reconhecer pessoas
dançando em roda, como fazemos no São Gonçalo, no Reis ou na Quadrilha! Com mais alimento, mais pessoas sobreviviam e assim, aos poucos mais e mais pessoas deixaram a vida “ambu-
lante”, para um estilo de vida fixado num lugar, onde a agricultura e a criação passaram a predominar. E quem
As tintas utilizadas eram retiradas da própria natureza: rochas moídas, plantas, seiva de árvores, gordura, sangue,
planta, colhe! E era preciso cozinhar e guardar esses alimentos! Cestos e potes se tornaram mais necessários!
ossos ralados e carvão. Provavelmente, galhos, pêlos, fibras, penas, e os próprios dedos ou partes do corpo eram
Por isso nos sítios arqueológicos desse período, encontramos muitas cerâmicas, que são os restos dos potes
usados como pincéis.
e as pane­las de barro deixados por eles. Muito provavelmente eram elaborados pelas mulheres das aldeias.
Grande parte dos desenhos representam animais, seres humanos em grupo, plantas, ou desenhos geométricos Envolviam o conhecimento das fontes de barro, das misturas para “temperar” a massa, da modelagem das peças
considerados pelos cientistas como “abstratos”. Em São Gonçalo, o Sítio Toca dos Caboclos, com gravuras e pin- por meio de cordéis de argila, de técnicas decorativas e de queima. As vasilhas cumpriam diversas funções. De uso
turas, é conhecido por muitas pessoas e é tido como referência cultural! Esse sítio talvez seja tão antigo ou mais doméstico a rituais de enterro, essas cerâmicas estavam mais e mais presentes nas vidas dos povos originários.
dos que os sítios Calango e Campeiro. Já imaginou, desenhos que duram 4 mil anos?
Os indígenas possuem uma forma
de expressão muito forte, através
de suas artes gráficas. São centenas
de padrões de desenhos geométri-
cos que cobrem os corpos, os obje-
tos e os adornos. Os desenhos têm,
muitas vezes, uma forte relação
com sua forma de ver o mundo, a
Por que você acha natureza e a si mesmos.
que eles gravaram pés
pequenos na parede desse 1. Você consegue reproduzir
abrigo? O que mais você algum dos padrões dos ­desenhos
consegue ver aí? dessas cerâmicas? Já viu algo
parecido?

2. Se pudesse fazer seus


objetos, como seria a decoração
deles?

28 29
TRANÇADO DE CULTURAS PATRIMÔNIO CULTURAL:
Dezenas de povos indígenas ocupavam e circulavam pelo Sul do atual estado do Piauí, como, por exemplo, os DIVERSO COMO NÓS SOMOS
Pimenteiras, os Akroás, Gueguês da família Karib e os Sakriaba. Desde o começo das invasões europeias muitos
desses povos foram mortos por combates ou doenças e os que sobraram, foram escravizados, presos, ou disper- A vida inventa!
sos de suas famílias. A gente principia as coisas,
no não saber por que,
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o Piauí possuía 2.944
e desde aí perde o poder de continuação
pessoas que se autodeclaravam indígenas, mas esse número vem crescendo. Atualmente, o estado possui as
porque a vida é mutirão de todos,
seguintes etnias: Kariri da Serra Grande, Tabajara do Nazaré, Tabajara Itacoatiara, Tabajara dos Tucuns e Tabajara
por todos remexida e temperada.
Ypy.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto:
Além dos povos originários, dezenas de anos após as primeiras invasões europeias foram trazidas à força, por que as pessoas não estão sempre iguais,
esses “colonizadores”, milhões de pessoas de várias partes do continente Africano para o trabalho escravo no ainda não foram terminadas,
Brasil. Além de sua foça braçal, eles também eram possuidores de grandes habilidades e conhecimentos na mine­ mas que elas vão sempre mudando.
ração, metalurgia, agricultura, arquitetura, criação de gado entre outros e por isso foram promotores da econo-
Grande Sertão Veredas, João Guimarães Rosa.
mia, mesmo não tendo direito a nada do que produziam. Muitos eram nobres, reis ou rainhas em seus países
de origem na África mas chegando aqui, eram tratados como se não fossem humanos. Apesar disso resistiram e
deixaram heranças preciosas na cultura, religião, formas de organização, nos campos do conhecimento, na arte, A vida não para e a cultura, como produto dos humanos no tempo e no espaço, também não. Desde nosso nas­
no trabalho, etc. cimento, estamos juntando, guardando, separando, escolhendo, misturando ou renovando crenças, hábitos, cos-
tumes, tradições, objetos, modos de ser e estar no mundo. Cada um de nós forma sua própria coleção. Mas como
Muitos povos indígenas e africanos, somados a muitos outros povos estrangeiros migrados para cá ao longo dos
estamos juntos no mundo e circulamos, muitos elementos são iguais na minha ou na sua coleção!
séculos criaram—mesmo que de forma conflituosa-- novas formas de viver, se adaptando ao território e à paisa­
gem e acabaram se adaptando uns dos outros e criando novos hábitos, crenças e culturas. Falando com diversas pessoas de São Gonçalo do Gurguéia percebemos que as coleções, isto é, as referências
culturais de vocês são muito parecidas. E isto tem a ver com o fato de que o senso de comunidade e partilha
esteve e está presente em São Gonçalo! Partilhar um espaço é partilhar uma série de costumes e objetos, ofícios
e saberes...!

Vamos conhecer essas culturas que permanecem partilhadas entre vocês e formam o tronco e as raízes dessa
cultura local?

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IGREJA (MATRIZ) DE SÃO GONÇALO RODA DE SÃO GONÇALO

Fundada nos anos 1972 como salão, se tornou igreja em 1988, quando o bispo Dom Ramon teria mandado trazer A história da Roda de São Gonçalo no município de São Gonçalo do Gurguéia é cheia de caminhos e descaminhos.
do Rio de Janeiro a imagem do padroeiro. De lá para cá a igreja, que se tornou matriz em 2009, já sofreu inúmeras A partir da fundação da igreja alguns fiéis foram em busca de formar uma roda de São Gonçalo, que alguns já
reformas até seu estado atual. A igreja tem se mantido como referência, organizando grupos de oração, terço conhe­ciam de outros lugares no Piauí e na Bahia. Formada por mulheres, acompanhadas de violão e pandeiros,
dos homens e grupos jovens, além das missas semanais. Os mais antigos dizem que antes da fundação da igreja elas iniciaram a prática há cerca de 25 anos. Apesar dos esforços, a roda permanece quase que apenas como
e a oficialização de São Gonçalo como santo padroeiro, o santo mais festejado pelos locais era Santo Reis. São memória ente os cidadãos de São Gonçalo do Gurguéia, tendo sido descontinuada há aproximadamente 10 anos.
mudanças que vêm, costumes que chegam e ficam e se tornam referência para a vida das pessoas. Ainda muito presentes, sobretudo nas cidades que margeiam o rio São Francisco, as rodas de São Gonçalo en-
volvem homens e mulheres, que dançam e festejam aos pares, dançando ritmado debaixo de arcos floridos e en-
feitados, cantando o santo em celebração de curas e promessas cumpridas. Uma tradição do catolicismo popular!

Afim de acordar esta memória alguns moradores sugeriram ao programa de Educação Patrimonial Trabalho e
Memória o apoio para a realização de um concurso, em que grupos de jovens da cidade se aplicaram, pesqui­
saram­, ensaiaram e apresentaram, no dia 22 de maio de 2019, duas rodas de São Gonçalo. As duas equipes foram
muito bem e todos ganharam com as ótimas apresentações! “Viva, viva São Gonçalo!”

“Seria bom que as pessoas valorizassem a cultura local.


Algumas pessoas vão deixando se perder isso.
As pessoas precisam saber o que foi no passado para pensar o futuro.”
Padre Thailsson Guerra Dantas.

32 33
FESTEJO DE SÃO GONÇALO TECELAGEM

O Festejo, que acontece desde a fundação da igreja entre os anos 1970/1980, foi concebido como uma festa A tecelagem é um saber local dos mais presentes entre as mulheres de São Gonçalo do Gurguéia! Donas de mui-
da igreja e acontecia após a missa, no último dia da novena. Com o tempo o festejo passou a ganhar apoio da tos meios de vida, essas mulheres de ontem e hoje sabem de cor todos os passos dessa produção: como plantar o
prefeitura. Hoje a festa ocorre após a missa durante as nove noites da novena. A procissão, com dezenas de fiéis, algodão, o tempo e a hora de colher, como descaroçar, bater, juntar, fiar em rodas ou fusos pra fazer fios finos, tin-
percorre as ruas da cidade, que sob o comando do padre, oram, cantam, e demonstam sua devoção pelo padro­ gir quando necessário, sabem colocá-los no tear e assim produzir tecidos, que com corte e costura, se tornavam
eiro da cidade. as roupas que vestiam os filhos e marido, o alcochonil que cobria a sela do cavalo, os panos de casa e também as
redes onde a família podia dormir. São as mãos dessas mulheres tecendo as relações, afetos, proteção, trabalho
O festejo é um momento de união, encontro e lazer da comunidade, envolvendo idosos, adultos, jovens e cri-
e acolhimento das famílias ao longo de gerações e gerações! É a força, o trabalho e cuidado das mulheres unindo
anças. Comidas, bebidas e apresentações musicais marcam esse período em que a cidade fica em festa! É uma
a comunidade!
celebração religiosa, e também uma forma de expressão através da festa que reune as pessoas de toda a cidade!

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OFÍCIO DOS VAQUEIROS E CAVALGADA DOS VAQUEIROS SANFONEIROS/ FORRÓ

Um ofício muito antigo, o ofício do Vaqueiro é um dos responsáveis pela expansão do Brasil e pela formação de Seu Raimundo e Seu Roberto são dois sanfoneiros que ainda representam essa tradição em São Gonçalo! Seu
vilas e cidades! A lida com o gado não é só um trabalho, mas uma cultura, muito antiga, que era exercida pelos in- Roberto começou a tocar aos vinte anos por influência dos forrós que ouvia na rádio. “Ouvia na rádio nacional!”,
dígenas e negros. As heranças e saberes de como tocar uma boiada na “chapada” permanecem! O ofício, que foi diz. Trabalhando em Brasília conseguiu uma sanfona simples. Ouvia as músicas na rádio e tirava as músicas “de
e é ainda o ganha-pão de muitas pessoas em São Gonçalo do Gurguéia, é celebrado anualmente com a Cavalgada ouvido”. E assim os sanfoneiros faziam seu repertório e tocavam nos bailes, casamentos, festejos, na Festa de
dos Vaqueiros e com a Missa dos Vaqueiros! São homens e mulheres reverenciando sua história, com aboios, Santo Reis. E faziam a alegria das comunidades com os forrós. As sanfonas e o saber dos sanfoneiros são “jóias”
berrantes, encourados sobre seus cavalos, mostrando a força da tradição! regionais que trazem muito da tradição cultural do Piauí e do nordeste! As sanfonas acompanham também os
Reis, as folias de santo e os festejos, alegrando as comunidades por onde passa.

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REIS E ESMOLA QUADRILHA JUNINA

O Reis é uma celebração cristã católica que festeja, durante o mês de janeiro, o Santo Reis, ou a visita dos reis ma- As quadrilhas juninas vêm de muito longe. Historiadores dizem que eram festas das camadas mais ricas na França.
gos ao menino Jesus recém nascido. Tradicional, o Reis é sempre celebrado como uma folia, um festejo animado Chegando ao Brasil, essa festa ganhou o gosto popular no final dos anos 1800 e início dos 1900. Ganhou tam-
com zabumba, sanfona, tambor e pandeiro, acompanhado de dança e cantigas-reza que contam histórias sobre bém muitas referências populares, mestiças. Se tornou um símbolo do Brasil rural, com comidas típicas, música
o nascimento e a visita dos reis magos. O Reis dura seis noites, e apenas à noite, de primeiro a seis de janeiro e é e dança em roda e muitos símbolos do mundo rural, do falar caipira, dos modos, dos costumes, tudo encenado
festejado de casa em casa. com muita alegria e humor. Em São Gonçalo do Gurguéia as quadrilhas são uma tradição fomentada pela escola
e já se tornaram uma referência para as gerações mais jovens!
A esmola, ocorre de dia e acompanha a bandeira de um santo que entra na casa do fiel “para chamar o povo para
a reza”.

Além de uma festa que agregava a comunidade rural, o Reis é uma celebração religiosa, que confirma a presença
da fé entre seus participantes e é passada de geração em geração, como uma herança.

“Aqui vem cantando o Santo Reis

Não é só pelo dinheiro

É cumprindo uma promessa

De janeiro ao dia seis

Janeiro festa de reis

Pois que vem cantando o reis

Olha vai a pomba voando

Nos ares bateu as asas....”

“O alferes da bandeira

É o rei imperador

Traz coroa na cabeça

Que é o retrato do Senhor.”

“Quando a gente tomou entendimento já existia aqui os Festejos de Santo Reis.


As pessoas que se interessassem os mais velhos ensinavam.
Quando morreram os mais velhos a gente ficou cantando.
O que eu aprendi, aprendi com o pai e ele, com a mãe dele. Ela era cabocla.”
Seu Raimundo, 79 anos.

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MOTOCROSS ARTESANATO

O esporte começou na Europa, no final do século XIX, na Inglaterra, quase que juntamente com a motocicleta, A arte de transformar com as mãos é uma característica muito presente aos habitantes de São Gonçalo do
que era uma bicicleta a motor. No Brasil teria chegado nos anos 1950, pelo sul, e daí se espalhado. A partir dos Gurguéia. As palmeiras de Buriti, tão simbólicas nos brejões do município, embelezam a paisagem e fornecem
anos 2000 fez-se notar um grande aumento no número de motocicletas no interior do país, substituindo em matéria prima para diversos usos, como os doces, suco, óleos, remédios e sua palha, serve de material para pro-
grande parte, o uso de transporte animal (cavalos, jumentos). Da familiaridade com as motos à expansão do es- duzir vários objetos. O tapiti, instrumento de palha, tem nome e origem indígena. Conhecido por muitos gonça­
porte não demorou muito. O Piauí, com suas belas paisagens e a grande fartura de trilhas e caminhos seculares, lenses, serve para tirar o sumo da mandioca e fabricar a farinha ou o beiju. O cacique, outro nome que relembra
de difícil acesso, conquistou rapidamente, mais e mais adeptos. os indígenas, é um objeto que coava o sumo do timbó para fazer o “sabão de dicuada”, também! As peneiras
de barro e cestos que auxiliavam no trabalho na roça com o milho e a mandioca e até as esteiras, passavam por
Em São Gonçalo do Gurguéia os campeonatos de Motocross ou mesmo as trilhas de velocidade com motos,
essas mãos habilidosas, que vem trazendo essa herança de séculos dos antepassados, de quem os nomes nem
ganharam fama e movimentam a cidade! Em 2019 foi realizado pela quinto ano o campeonato de Motocross e
se sabe mais!
as manobras radicais admiram e encantam a juventude, sendo uma referência e um desejo de muitos, passar a
competir nessa modalidade! Essas mãos ancestrais também ensinaram a colher a argila do rio e moldar os potes de barro, que serviram para
guardar água fresca para a família. E através destas mesmas mãos, eram colhidas e cortadas as cabaças, que
serviam de medida pra “um prato” de farinha ou pra pegar água, ou que esculpiam a madeira para fazer colher,
para fazer cochos, estante de pote. Desse fazer da casa ao artesanato “decorativo”, os trabalhos manuais ainda
são uma cultura muito forte e presente em São Gonçalo e uma herança rica que as novas gerações não podem
deixar se perder!

40 41
CONHECIMENTOS DA NATUREZA RIO GURGUÉIA

A natureza exuberante do Piauí se deixa revelar grandemente em São Gonçalo do Gurguéia! Cercada pelo Rio O rio Gurguéia é um bem que todo cidadão reconhece e valoriza! Suas águas, que seus moradores dizem já terem
Gurguéia, seus brejos, veredas e riachos, chapada, boqueirões e serras, esse território atrai muitos animais dife­ sido muito mais caudalosas, são uma fonte de vida nesse território. Elas atraem e matam a sede de animais e
rentes, como macacos, araras, tatus, antas, onças, urubus-reis. pessoas, refrescam os que nela vão se banhar, trazem memórias de quando se ia até o rio pegar água para beber,
lavar a roupa, lavar os utensílios da casa... O rio molda a cidade e é a grande ligação entre as pessoas e a natureza
Os caminhos pelas serras, que os mais antigos percorriam de jumento e à cavalo, por entre as escarpas dos mor-
que se curva à sua existência.
ros, também reafirmam a relação dos moradores mais antigos com essa natureza. As ervas serviam de cura. Pra
todos os tipos de males há uma erva, uma “casca de pau”. Pra comer, o jatobá, os côcos, as mangas de sumo, a Hoje os gonçalenses têm medo de que um dia possam perder o rio, para a poluição ou para os danos ambientais
macaúba, o caju. Cultivando, os moradores sempre tiveram o milho, a mandioca, o algodão! Exatamente como causados por humanos, por usos irresponsáveis ou pela falta de cuidado das pessoas e instituições. Também o
nossos primos indígenas! As casas de barro, o timbó que faz o sabão de “dicuada”, a tecelagem de algodão, a tinta desmatamento e o lixo são uma ameaça pra essa vida do rio. Contra a poluição, os moradores agem, limpando
de tabatinga, que pintava as casas, o óleo de mamona que iluminou muitos candeeiros... O gonçalense tradicional o rio uma vez ao ano, recolhendo lixo dele e criando ações de conscientização que envolvam os jovens. Contra o
sabe como extrair dos segredos da terra tudo o que é necessário para seu bem-viver! Segredos que a terra entre- desmatamento, é a atuação dos gestores públicos e de cada cidadão é que fazem a diferença, cobrando, vigiando
ga a quem sabe lidar com respeito, com essa natureza que nutre a vida em todos os sentidos. e cuidando, para que essa natureza linda não desapareça.

O rio Guguéia, que nasce ali mesmo no município, numa área que faz parte do Parque Nacional das Nascentes do
Parnaíba, é um patrimônio natural dessa cidade e de todo o Piauí!

“da natureza se tem tudo... tudo a natureza nos dá!


Você já plantava sua roça já baseado no que você ia criar.
Seu alimento servia pra você e pra seus animais.”
Dona Conceição Aguiar.

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DIREITOS
PARTE III.
POR QUE TUDO ISSO?
OS USOS DO PATRIMÔNIO

CELEBRAÇÕES

LUGARES

IDENTIDADES

EDIFICAÇÕES

HERANÇA

ARQUEOLOGIA

SABERES

MEMÓRIAS
DIVERSIDADE

EXPRESSÕES
PRÓXIMOS PASSOS INVENTÁRIO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Ao longo deste livro, apresentamos os resultados das pesquisas realizadas em São Gonçalo de Gurguéia. Por meio Todo indivíduo, grupo, comunidade, município e região tem um patrimônio cultural. Propomos algumas questões
delas, encontramos um patrimônio cultural dinâmico e plural, em constante transformação e vivo. que podem estimular uma discussão a respeito do patrimônio na sua comunidade:

Como conhecer esse patrimônio? Como mapeá-lo? Como preservá-lo?


• O que você entende por patrimônio cultural?
Preservar não é apenas guardar e proteger. Preservar é converter aquilo que selecionamos como patrimônio
• O que você entende por desenvolvimento local? E qualidade de vida?
cultural em um elemento que contribua para a nossa qualidade de vida. É, também, selecionar aquilo que nos
representa. • Para que serve o patrimônio?

Este programa de Educação Patrimonial procurou fazer com que adultos e crianças conheçam e apropriem-se do • Que futuro você pode prever para esse patrimônio?
patrimônio cultural e arqueológico da região, pois, dentro ou fora da sala de aula, acreditamos que o patrimônio
surge como uma ferramenta poderosa para a construção e valorização de nossas identidades culturais. Dessa As ideias aqui apresentadas estão baseadas no pensamento do francês Hugues de Varine, que atua como agente
forma, trazemos aqui algumas ideias de atividades a serem desenvolvidas na educação formal ou não-formal. do desenvolvimento local em vários países do mundo. Em seu livro “As raízes do futuro. O patrimônio a serviço
do desenvolvimento local”, encontramos diversas reflexões e experiências sobre o tema.
Nossa intenção é que as sugestões propostas possam ser adaptadas de acordo com o contexto no qual cada
pessoa atua. Cabe a cada educadora e educador avaliar, no decorrer do processo, como aplicar nossas sugestões. O livro “Educação Patrimonial: inventários participativos: manual de aplicação”, editado pelo IPHAN, também traz
importantes dicas a respeito dos inventários, destacando a importância de um amplo diálogo entre as pessoas,
O processo educativo tem por natureza o seu caráter continuado. Assim, este programa lança alguns conceitos
as instituições e as comunidades que detêm as referências culturais a serem inventariadas. Para o IPHAN, o in-
e métodos fundamentais da Educação Patrimonial, mas sua efetiva transformação em processo educativo conta
ventário é, primordialmente, uma atividade de educação patrimonial.
com o seu apoio!

ALGUNS PASSOS DE UM INVENTÁRIO PARTICIPATIVO

1. DEFINIR O OBJETIVO DO LEVANTAMENTO


Fazer um diagnóstico estratégico; criar um museu; elaborar um circuito
turístico, entre outros.
DEPENDE DE 2. DETERMINAR UM TERRITÓRIO A SER LEVANTADO
VOCÊ! O município como um todo? um povoado ou comunidade rural? uma co-
munidade quilombola?

3. RELACIONAR AS FONTES DISPONÍVEIS


Membros da comunidade, instituições e parcerias.

4. REGISTRAR AS CONTRIBUIÇÕES

5. INSERIR OS DADOS EM UMA BASE CARTOGRÁFICA

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COMO DESENVOLVER UM
PROJETO PEDAGÓGICO QUE ABARQUE ● O próximo passo é definir as etapas do projeto. Como os caminhos para a elaboração serão diferenciados, é
preciso, neste momento, pensar no produto final: um jornal impresso, uma peça de teatro, uma exposição
TEMPOS E MEMÓRIAS MÚLTIPLAS ou um blog. É preciso também observar os conhecimentos prévios, questionamentos e hipóteses dos estu-
dantes. Eles guiarão as fontes a serem investigadas – livros, vídeos, sites, entrevistados, estudos do meio e
Inserimos aqui algumas sugestões para o trabalho com o patrimônio cultural no ensino formal. Esse trabalho outros. Dica: Procure sempre fontes confiáveis.
pode ser realizado em qualquer área do conhecimento (português, matemática, história, ciências, artes, geogra- ● Estabeleça o cronograma para as etapas e organize os materiais necessários para todas elas.
fia, entre outras), sendo que cabe a cada educadora ou educador, a partir de sua realidade, a adaptação dessas
● É muito importante que todo projeto pedagógico seja divulgado para os demais estudantes, familiares ou
propostas.
em outros locais fora dos muros escolares, envolvendo a comunidade onde a escola está inserida. Essa divul-
A seguir, uma sugestão de etapas para a elaboração de um projeto pedagógico: gação ocorre por meio do produto final e/ou utilizando-se de produtos que se originaram durante as etapas.
● O primeiro passo é escolher o tema do projeto. Escolhido o tema, elabora-se a justificativa – Para quê estudar
o tema selecionado? Para aprender mais sobre as manifestações culturais do território ao longo do tempo?
● Ao longo das etapas, questionamentos são respondidos, hipóteses são confirmadas ou não e conhecimentos
prévios são enriquecidos. Em alguns momentos, torna-se interessante reorganizar o cronograma inicial, caso
Para conhecer as relações entre ocupações humanas e a paisagem? Para inserir a Arqueologia e o patrimônio
haja oportunidade e/ou necessidade.
como estímulo para a aprendizagem de conteúdos diversos? Quais questões envolvem seu tema?

● Defina também seus objetivos - Onde você quer chegar ao final do seu projeto? Redija seu objetivo geral e
● Um ponto essencial a ser observado ao longo de todo o processo é a avaliação. Durante as etapas, os estu-
dantes realizam diversas atividades em grupo e individualmente. Esses momentos devem ser utilizados para
alguns objetivos específicos.
compreender o desenvolvimento e o envolvimento das alunas, alunos e do grupo dentro da construção do
● Tente, ao máximo, fazer integrações entre o projeto pedagógico e os conteúdos conceituais, procedimentais projet o.
e atitudinais próprios da sua disciplina ou série. Reflita sobre quais conteúdos podem ser trabalhados no
projeto de maneira que eles façam sentido para seus alunos.
● A professora ou professor pode organizar as informações utilizando um portfólio contendo atividades repre-
sentativas, imagens e anotações.
● Antes de iniciar o projeto, converse bastante com sua turma e realize um levantamento de dados. Na lousa
ou em outro suporte que todos visualizem, anote o que seus alunos já conhecem sobre o tema, ou seja,
● Caso sinta que é necessário, é possível orientar seus estudantes a montarem portfólios individuais, registran-
do suas hipóteses iniciais, o processo de investigação e suas considerações a respeito do assunto estudado.
os conhecimentos prévios (anote inclusive o que você considera que não esteja correto). Em outra coluna,
regis­tre as dúvidas, os questionamentos. Anote também o que eles acham que vão descobrir sobre o tema ● Veja outras informações em “A organização do currículo por projetos de trabalho” de autoria de Fernando
ao longo da pesquisa. São as hipóteses. Hernandez e Montserrat Ventura.

Ao lado, exposição organizada por pro- Visita ao sítio arqueológico rupestre Moita A utilização de tecnologias, quando possí­ Recursos como mapas acompanhados por No Sítio Morrinhas, em São Paulo (SP), as
fessoras de Olímpia (SP), onde cartazes, dos Porcos, em Caetité (BA). As visitas a vel, também traz bons resultados. Acima, imagens a serem colocadas em seus luga­ pessoas puderam participar da esca­vação.
maquetes, réplicas de objetos e jogos tor- espaços de memória ou patrimônios são realidade aumentada na Exposição “Mãos res podem ser bem interessantes. Acima, Uma ideia interessante é a montagem de
naram-se recursos pedagógicos. Acima, produtivas quando inseridas em um proje- no Barro da Cidade: uma olaria no coração mapa Interativo na Exposição “Pelos ca­ sítios simulados, com objetos que serão
uma das maquetes produzidas. to pedagógico abrangente. de Pinheiros”, São Paulo (SP). minhos da Arqueologia”. Botucatu (SP). escavados e analisados pelos estudantes.

48 49
UM INTINERÁRIO POSSÍVEL: ROTEIRO PARA ANÁLISE DO OBJETO

ANÁLISE DO OBJETO

FONTE: Horta, M.L.P.; Grunberg, E.; Monteiro, A. Q. Guia Básico de Educação Patrimonial, Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.
OBJETIVOS Que cor tem? Que cheiro tem?
Que barulho faz?
Estimular a percepção e a análise por meio da observação e manipulação de objetos do cotidiano. Aspectos físicos De que material é feito?
O que parece ser esse objeto? O material é manual ou manufaturado?
O objeto está completo?
CONTEÚDOS Foi adaptado, alterado ou consertado? Está usado?
Metodologia do trabalho do arqueólogo e o fazer científico.

TEMPO ESTIMADO Onde foi feito?


Duas aulas. Foi feito à mão ou à máquina?
Construção
Foi feito em uma peça única ou em partes separadas? Com uso
Como foi feito? de molde ou modelado à mão?
MATERIAL NECESSÁRIO Como foi montado (com parafusos, pregos, cola ou encaixes)?
Objetos do cotidiano: prato, chave, escova de dente, garrafa, telha, lápis, copo descartável, entre outros.

DESENVOLVIMENTO
Quem o fez?
Primeira Etapa:
Função Para que finalidade?
Para que foi feito? Como foi ou é usado?
Propomos, o desenvolvimento de um exercício de análise de um copo descartável. Saliente que esse copo é cultu- O uso inicial foi mudado?
ra material, na medida em que foi produzido e utilizado por nossa sociedade, a partir da transformação dos recur-
sos naturais. Há uma longa história sobre esse objet o. Desde a extração do petróleo, posteriormente processado
em uma usina, sua transformação industrial, até sua comercialização, num processo que envolve muitas pessoas. De que maneira a forma indica a função?
Proponha algumas questões: Por que na nossa sociedade existem coisas descartáveis? Como têm sido as mu- Ele é bem adequado para o uso pretendido?
Forma (design) O material utilizado é adequado?
danças em nossos hábitos e costumes? Como essa região tem sido afetada por essas mudanças globais? Ou seja,
O objeto tem uma boa forma? É decorado, ornamentado?
simples objetos do nosso cotidiano oferecem uma gama variada de informações sobre a sociedade que o criou. Como é a decoração?
É bem desenhado?
O que a forma e a decoração indicam?
Segunda Etapa: Sua aparência lhe agrada?

Divida a turma em grupos. Peça para que um representante de cada grupo pegue, sem olhar, um objeto em
Para as pessoas que o fabricam?
uma caixa previamente preparada com os materiais do cotidiano acima indicados ou outros que você achar Para as pessoas que o usam (ou usaram)?
importantes. Cada grupo deve responder às perguntas do roteiro de análise do objet o. Por fim, faça um círculo Valor Para as pessoas que o guardaram?
colocando no centro os objetos analisados e propondo uma discussão acerca das semelhanças e diferenças entre Quanto vale esse objeto? Para as pessoas que o venderam?Para você?
Para um banco?
esses objetos. Saliente que os objetos revelam aspectos sobre a sociedade que os criou e utilizou. É assim que a Para um museu?
Arqueologia trabalha.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E
SUGESTÕES DE LEITURA
ARQUEOLOGIA Patrimônio Cultural e Educação Patrimonial: Artigos e Resultados - Euder Arrais Barreto, Joel Ribeiro Zaratim,
Lídia dos Reis Freire, Márcia Bezerra, Maria Joana Cruvinel Caixeta e Vera Lúcia Abrantes D’Osvualdo.
Arqueologia - Pedro Paulo Funari Goiânia, 2010. Disponível em:
Contexto, São Paulo - SP, 2003 http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_PatrimonioCulturaIEEducPatrimoniaI_m.pdf
O Brasil Antes dos Brasileiros: A Pré-História do Nosso País - André Prous A temática indígena na escola: subsídios para os professores - Pedro Paulo Funari e Ana Pifíon Contexto,
Editora Jorge Zahar, Rio de Janeiro - RJ, 2006 São Paulo - SP, 2011
Imagens da Pré-História : Os Biomas e as Sociedades Humanas no Parque Nacional Serra da Capivara - Anne- A organização do currículo por projetos de trabalho - Fernando Hernandez e Montserrat Ventura.
Marie Pessis FUHMDAM / Editora São Paulo, São Paulo - SP, 2013 (2ª edição) Porto Alegre. Artes Médicas. 1998.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL MUSEOLOGIA E PATRIMÔNIO


Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos - Sônia Rampim Florêncio, Pedro Lerot, Juliana Bezerra Pontos de Memória: Metodologia e Práticas em Museologia Social
e Rodrigo Ramassote Instituto Brasileiro de Museus, Organização dos Estados Ibero Americanos para a Educação, a Ciência e a
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Brasília - DF, 2014. Disponível em: Cultura Phábrica, Brasília - DF, 2016. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_EducacaoPatrimonia1_m.pdf http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2016/07/Pontos-de-Memoria-ebook-Portugues.pdf
Educação Patrimonial : Inventários Participativos - Sônia Regina Rampim Florêncio et al As Raízes do Futuro: O Patrimônio a Serviço do Desenvolvimento Local - Hugues de Varine Medianiz,
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Brasília - DF, 2016. Disponível em: Porto Alegre - RS, 2012
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/InventarioDoPatrimonio_15x21web.pdf
Referências Culturais: base para novas políticas de patrimônio - Maria Cecília Londres Fonseca
Educação Patrimonial: Orientações ao Professor, Caderno Temático 1 Políticas Sociais - acompanhamento e análise nº 2, 2001. Disponível em:
Superintendência do IPHAN na Paraíba, João Pessoa - PB, 2011. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/porta1/images/stories/PDFs/politicas_sociais/referencia_2.pdf
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_EducPatrimaniaIOrientacoesAOProfessor_ctl_m.pdf
Educação Patrimonial: Educação, Memórias e Identidade, Caderno Temático 3 - Organização: Átila Bezerra
Tolentino Superintendência do IPHAN na Paraíba, João Pessoa - PB, 2013. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/caderno_tematico_de_educacao_patrimoniaI_nr_03.pdf
Educação Patrimonial : Diálogos entre Escola, Museu e Cidade, Caderno Temático 4 - Organização: Átila
Bezerra Tolentino Superintendência do IPHAN na Paraíba, João Pessoa - PB, 2014. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br /uploads/publicacao/4(2).pdf
Cadernos do Patrimônio Cultural: Educação Patrimonial - Organização: Adson Rodrigo 5. Pinheiro
lphan (Secultfor), Fortaleza - CE, 2015. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_Cadernos_do_patrimonio_educacao_patrimoniaI_ vo11(3).pdf
Educação Patrimonial: perspectivas e dilemas - Flávio Silveira e Márcia Bezerra
Antropologia e Patrimônio Cultural. Diálogos e Desa fi os Contemporâneos. Blumenau: Nova Letra, 2007.
Disponível em:
http:// www.abant.org.br/conteudo/Iivros/PatrimonioCultural.pdf
Guia Básico de Educação Patrimonial - Maria de Lourdes Parreiras Horta, Evelina Grunberg e Adriane Queiroz
Monteiro Edição: IPHAN, Brasília - DF, 1999
Manual de Atividades Práticas de Educação Patrimonial - Evelina Grunberg
PHAN, Brasília - BF, 2007. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_ManuaIAtividadesPraticas_m.pdf

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SUGESTÕES DE LIVROS, SITES E AGRADECIMENTOS
VÍDEOS PARADIDÁTICOS
LIVROS VÍDEOS Fabiana e Valmira do Nascimento

Os antigos habitantes do Brasil - Pedro Paulo Funari e Vida Maria - Curta de animação Leilda Lima e família
Luiz Galdino Diretor: Márcio Ramos Dona Felisbela (Belinha) e Família
Imprensa Oficial, São Paulo - SP, 2000 Duração: 9 minutos | Ano: 2006 | País: Brasil
Disponível em: Matheus Lustosa e família
Arqueologia: Uma atividade muito divertida
https://www.youtube.com/watch?v=k-A-gBfGrl Dona Conceição (Conça) e família
Laboratório de Arqueologia Pública - Unicamp
Caluh, Campinas - SP, 2014 Severinas - Curta metragem Dona Conceição Aguiar e família
Disponível em: Agência Pública
https://www.academia.edu/14009298/ Duração: 10 minutos | Ano: 2013 | País: Brasil Dona Luiza e Sr. Alexandre Barros
Arqueologia_uma_atividade_divertida Disponível em: Renata (Assist. Social)
A Arqueologia Passo a Passo - Raphael de Philippo https://www.youtube.com/watch?v=vt62puheABw
Grupo de idosos do CRAS São Gonçalo do Gurgueia
Companhia das Letrinhas, São Paulo - SP, 2011 Chimamanda Adichie: o perigo de uma única história
Discurso Grupo de Reis de São Gonçalo do Gurgueia
Descobrindo a Arqueologia: O que os mortos podem
nos contar sobre a vida? - Cecília Petronilho, Luis Pezo Conferência TED (Tecnologia, Entretenimento e Padre Thailsson Dantas
Lanfranco, Sabine Eggers Design)
Prefeito Paulinho
Editora Cortez, São Paulo - SP, 2014 Duração: 19 minutos | Ano: 2009 | País: Inglaterra
Disponível em: Icaro Rego Soares
O Mistério do Índio Voador - Elisabeth Loibl https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_dan-
Editora Melhoramentos, São Paulo - SP, 1994 Joana Virginia Matos
ger_of_a_single_story?language=pt-br
A Caverna do Tempo Perdido - Elisabeth Loibl Alex Barros
A Casa de Pequenos Cubos - Curta de Animação
Editora Melhoramentos, São Paulo - SP, 2010 Diretor: Kunio Katô Luciana Bozzo Alves
Duração: 12 minutos | Ano: 2008 | País: Japão
Enel Green Power
Disponível em:
SITES https://www.youtube.com/watch?v=9KM7TrJ2CHw Prefeitura de São Gonçalo do Gurguéia
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional UHUG - Na Serra da Capivara - Curta de animação Secretaria de Assistência social de São Gonçalo do Gurgueia
(IPHAN) Diretor: Marco Bravo
para saber dados sobre patrimônio material e imaterial CRAS São Gonçalo do Gurgueia
Duração: 10 minutos | Ano: 2005 | País: Brasil
www.iphan.gov.br Disponível em:
Fundação do Homem Americano (FUNDHAM) https://www.youtube.com/watch?v=IQXYDeGPQNU
http://fumdham.org.br

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