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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


RESENHA DE HISTÓRIA DO BRASIL I (FCHD 184)
DOCENTE: CARLOS FRANCISCO DA SILVA JUNIOR
DISCENTES: CARLOS EDMAR FRANCO DE OLIVEIRA

PALMARES RECONTADO

LARA, Silvia Hunold. Palmares & Cucaú: o aprendizado da dominação.São Paulo:


EdUSP, 2021.

Palmares tornou-se um dos símbolos da História do Brasil, devido aos diversos estudos e
trabalhos acadêmicos, iniciados desde o início do século XIX, e também, devido às diversas
representações populares sobre a História de Palmares. A importância historiográfica e
política de Palmares, transformou-o em cânone, já que é o exemplo de resistência à
escravidão mais extenso e duradouro do Brasil. Dessa forma, o livro Palmares e Cucaú da
historiadora Silvia Lara, carrega a difícil missão de lidar com um dos marcos da história
brasileira.
Palmares como cânone da História Nacional também se cerca sobre de diversas disputas
políticas e historiográficas, pois como Lara salienta, a construção da narrativa acerca da
sociedade palmarina passou por diversas disputas narrativas, pois seu primeiro uso foi para
exaltar a destruição de Palmeiras pelo poder colonial pernambucano, como forma de criar
uma identidade da elite pernambucana, outrora foi a vez dos paulistas, que reivindicam para
si a destruição de Palmares, por causa da ação dos bandeirantes, e por fim, tanto pelo
movimento abolicionista e posteriormente o movimento negro a exaltação de Palmares como
símbolo nacional da resistência negra. Por isso, o livro de Lara carrega tamanha importância
ao se propor reunir toda a documentação de Palmares.
O desafio de contar, novamente, a História de Palmares percorre várias questões, pois como
dito anteriormente, os estudos sobre Palmares remontam desde o início do século XIX e por
isso criou-se uma extensa bibliografia sobre o assunto. Nesse sentido, Silvia Lara percorre
essa extensa bibliografia e se destaca pelo seu extenso trabalho nas fontes primárias, com o
uso de diversos documentos inéditos acerca de Palmares. Inclusive, um dos pilares da crítica
a essa extensa bibliografia é modo como elas não se apegaram às fontes primárias, pois como
ela ressalta, o ofício do historiador além de pesquisador o que já foi estudado sobre o tema
trata-se também da pesquisa documental, em que se percorre a documentação da época em
busca das respostas da sua pesquisa.
Ainda, sobre o trabalho de Silvia Lara nas fontes primárias, é inegável a contribuição da
pesquisa nas documentações para entender e compreender a sociedade palmarina. Ela
conseguiu incorporar documentos que não foram utilizados e aqueles que foram poucos
utilizados, pela bibliografia anterior, além da documentação inédita encontrada no Arquivo
Histórico Ultramarino e as descobertas Disposições dos Governadores de Pernambuco. Dessa
forma, o livro apresenta uma reunião completa da bibliografia e documentação sobre
Palmares já produzida, sendo uma base de dados completa sobre o assunto, e vale destacar,
que o livro anuncia uma base de dados online e gratuita sobre Palmares, democratizando o
acesso a essas informações e espalhando a informação sobre um cânone da História do Brasil.
Com o desafio já posto a mesa, Lara baseia-se principalmente em duas documentações para
entender e compreender a experiência palmarina, um deles é a “Relação” de 1678 uma
documentação feita a mando do governador de Pernambuco em que busca descrever
Palmares, ela se torna uma base devido ao seu caráter descritivo da sociedade palmarina,
apesar da visão europeia sobre ela. Outra documentação base da pesquisa é sobre os acordos
entre as autoridades coloniais com as autoridades palmarinas, que segundo Lara, esse é o
diferencial de sua pesquisa, que busca entender e compreender o acordo selado por Gana
Zumba e o governador de Pernambuco e a aldeia de Cucaú. São através dessas
documentações entrelaçadas as outras fontes que Silvia Lara fundamenta seu argumento e
constrói outra história de Palmares, que não procura enfatizar a resistência armada pelos
palmarinos, mas pautar a resistência através de acordos e negociações, dando motivos e
explicações que levaram a esse tipo de resistência.
Dessa forma, com base nessas documentações, principalmente nos acordos de Gana Zumba,
Silvia Lara procura dar ênfase a uma parte da história de Palmares que ficou esquecida,
sombreada pelas disputas narrativas na construção da memória de Palmares. Ela propõe outro
caminho interpretativo e analítico, que deixa de lado esse terreno de disputas políticas para a
investigação histórica, percorrendo os eventos ocorridos para compreender as ações e
intenções dos homens e mulheres que os produziram e os conflitos que estiveram inseridos.
Mas, também, o livro entende e empreende um percurso analítico nas diversas tradições
historiográficas, que resulta numa análise histórica também. Por isso, o livro pode ser a
análise das diversas documentações já mencionadas, como também um estudo sobre os
processos de dominação escravista no Brasil e da experiência daqueles que a enfrentaram e
buscaram outros caminhos para combatê-la.
Com todo esses detalhes estabelecidos sobre a obra, no primeiro capítulo a autora decide se
debruçar sobre o modo que o poder colonial enxergava Palmares, e como a existência de
Palmares influenciava os caminhos da política colonial em Pernambuco, pois se percebe
como o problema de Palmares era visto de governo em governo na capitania de Pernambuco
e como o Conselho Ultramarino lidava com essas questões, além da necessidade desses
governadores em mostrarem seus feitos para combater aquele “mal”. Lara também se debruça
sobre duas documentações, uma é o acordo de paz, importante ponto para entender o que
levou os interesses de Gana Zumba e das autoridades coloniais em realizar um acordo de paz,
e a outra é uma documentação de 1678, que conta uma expedição, feita a mando do poder
colonial, a Palmares, que nos revela questões centrais para entender o território e a sociedade
palmarina, e também ajuda a compreender o estabelecimento desse acordo entre as
autoridades.
Em relação ao acordo de paz, muito se foi discutido na época a questão de negociar ou
guerrear com os fugitivos que se escondiam nas matas. Pois, os acordos com Gana Zumba,
não são fatos isolados, a documentação revela que houve negociações anteriores a 1678, de
modo que elas aparecerem em diversas outras alternativas em se lidar com os mocambos. O
trabalho de Silvia Lara, também nos indica a ambiguidade que aparece na documentação
sobre o que estava estabelecido nas cláusulas, e no que se debate a bibliografia. Contudo, o
que deve ser destacado, é a concessão de terras para Cucaú, a concessão da liberdade para os
nascidos em Cucaú e o reconhecimento de Gana Zumba enquanto uma figura política.
Desse modo, entender essas cláusulas e o reconhecimento do poder de Gana Zumba,
leva-nos a outra documentação base da pesquisa de Lara, que é a expedição de 1678. Nela,
apesar da escrita pela visão europeia sobre a sociedade palmarina, é relevante para entender
como o governo colonial lia essa sociedade. E, como a autora mostra no livro, Palmares é
vista como uma sociedade que tem fé, lei e rei, que naquele contexto político indicaria uma
nação, um estado. Por isso, a “Relação” de 1678, mostra uma delegação de Palmares
negociando com o governo colonial de Pernambuco, em Recife. Esses são pontos importantes
para se entender e compreender Palmares, e no caso da pesquisa de Lara, o que levou as
negociações pelo acordo de paz. Além disso, a autora mostra a influência africana,
especialmente angolana, na formação de Palmares, e assim expõe uma proposta estabelecida
pela historiografia que Palmares, poderia ter a influência de diversas nações africanas, mas
como os dados do tráfico negreiro mostram, a “onda” angolana de importação para o Brasil
revelam as influências culturais, sociais e políticas da sociedade palmarina.
Dessa forma, estabelecendo o argumento que Palmares tinha uma organização política
muito parecida com os Reinos africanos de Angola, nos seguintes capítulos a autora procura
se debruçar em um contexto maior em relação a história de Palmares. Ela não se prende
apenas aos acontecimentos envolvendo os mocambos da região, mas procura entender e criar
conexões, não de um Palmares isolado e um evento única da Escravidão nas Américas, mas
um Palmares conectado com as diversas experiências de mocambos nas Américas, e
principalmente, uma História de Palmares conectada entre as relações de África e Brasil.
O olhar pela América, possibilitou mostrar ao leitor que os casos de negociações e acordo de
paz entre as autoridades coloniais e os fugitivos não foi um caso isolado na História de
Palmares. Os acordos de paz poderiam até ter intenções diversas para cada uma das partes,
mas não há como negar que esses tratados e acordos de paz implicavam no reconhecimento
das autoridades coloniais que os fugitivos eram comunidades independentes, com autonomia
política, e como no caso de Palmares, no direito a terras.
A questão sobre as heranças africanas na comunidade de Palmares, é um leque que se
estende sobre todas as comunidades de fugitivos da América, e são questões debatidas pelos
historiadores, se as experiências vividas em África eram herdadas nessas comunidades, ou
haveria a criação de uma cultura local com influência de diversas culturas africanas na
construção dessas sociedades. Mas, como Silvia Lara apresenta, um ponto importante para
discutir essa questão é que a expedição de 1678 é crucial para compreender essas heranças
africanas na sociedade palmarina. E, como já foi descrito, há fortes evidências de que a
organização da sociedade tem fortes heranças de culturas angolanas, em África.
Por isso, neste pensamento que ao longo do capítulo 3, Silvia Lara, preocupa-se em
apresentar essas sociedades africanas ao leitor, e também suas influências na sociedade de
Palmares, pois os escravos que foram levados, por diversos motivos, da África Central ao
Brasil carregavam consigo uma mesma cultura política entre as diversas sociedades que ali
viviam na região centro-africana. Por isso, quando foram encaminhados ao Brasil, suas
experiências políticas haviam sido carregadas com eles. Destaco aqui, a importância dessa
argumentação para comprovar a tese do livro, afinal, os acordos estabelecidos por Gana
Zumba, para Lara, tem fortes heranças das sociedades da África Central, e por isso a
necessidade de citá-las e compreendê-las. Lara, também evidencia o motivo pelas quais a
cláusula de devolver os fugitivos ao poder colonial era importante no reconhecimento de
Gana Zumba enquanto autoridade política, pois ali estava se tratando de uma negociação
entre duas nações.
Assim, estabelecido e defendido a proposta do livro de dar luz ao acordo de Gana Zumba,
provando que o acordo teria um motivo, uma herança e uma resistência a escravidão. O
próximo capítulo atenua os planos de Gana Zumba para os territórios concedidos no acordo e
na construção de Cucaú, que como a autora explica a consolidação de um reino
centro-africano no Brasil. E, também, infelizmente, apresenta o fim do sonho de Cucaú e as
diversas brigas e disputas políticas coloniais que levaram ao então fim de Palmares, pois ela
apresenta a visão de Lisboa sobre o acordo, e o desfecho que as elites pernambucanas
propuseram para Cucaú e a região dos mocambos de Palmares. Vale destacar, também, duas
questões apresentadas no capítulo, a primeira é a dificuldade que o governo colonial
encontrou na cobrança de devassas para a guerra contra Palmares, criando, inclusive para o
governo, uma desconfiança que a população local estava ao lado dos “negros fugidos”, e
também, que com a derrota de Gana Zumba, a figura de Zumbi enquanto rei de Palmares e a
resposta pela guerra acentuou após a queda do acordo de paz.
A guerra contra Palmares, parecia inevitável, todos em Lisboa e Pernambuco concordavam
com as investidas contra Palmares, agora localizado na Serra do Barriga, e governados por
Zumbi. E, como é notório na História de Palmares, o governo colonial contratou os paulistas
nas investidas contra Palmares, e em 1895, Zumbi é morto pelas tropas que invadiram
Palmares. Contudo, além de narrar a guerra no último capítulo do livro, Silvia Lara mostra
que apesar do acordo de paz não ter durado, existiram consequências dele na guerra contra
Palmares, inclusive, sobre a escravização ou não dos reminiscentes da aldeia de Cucaú.
Contudo, como Lara destaca, Lisboa finalmente se pronuncia e dá fim a essa discussão, em
que permite a escravização de todos os prisioneiros da guerra contra Palmares, e esse era
dado fim ao último eco do acordo de 1675.
Dessa forma, apesar da vitória do poder colonial sobre Palmares, sua história, influência e
memória como símbolo da resistência negra à escravidão nas Americas é marcante, pois
Palmares caiu, mas diversos outros mocambos, quilombolos e resistências escravas
aconteceram após a queda de Palmares. E, assim o livro “Palmares e Cucaú: O aprendizado
da Dominação” encerra-se, seu objetivo como dito pela autora e ressaltado ao longo do livro
é de dar luz às negociações de 1675, de compreender e entender o que levou, o que foi e os
desfechos que esse acordo tiveram para a História de Palmares. Além de mostrar a visão
colonial sobre Palmares e dar voz às experiências palmarinas sobre o acordo e o fim de
Palmares. Pois, o acordo representou o sonho de uma nação livre da condição de escravos
segundo a lógica europeia-colonial, mesmo que pouco duradouro, Cucaú representa uma
outra síntese da resistência escrava nas Américas, afinal mesmo que algumas cláusulas e
questões distorcem do discurso político sobre Palmares, a conquista de Cucaú foi de legitimar
a figura de Gana Zumba enquanto autoridade política e fazer de seus filhos pessoas livres.
Palmares e Cucaú torna-se um desafio cumprido por Silvia Lara de escrever e analisar uma
parte tão importante da História Nacional. O trabalho de transformar o livro num banco de
dados sobre a História de Palmares, e a proposta de dar ênfase há um fato histórico de
tamanha relevância é fundamental. Contudo, o grande ganho do livro é a anunciação de um
banco de dados online sobre a História de Palmares, apesar desse não ser o objetivo do livro é
um fato importante e um projeto político necessário para esse cânone da História do Brasil.

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