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ATUALIZAÇÃO / UPDATE

MORTE SÚBITA:
CAUSAS, IDENTIFICAÇÃO DE PESSOAS SOB RISCO
E PREVENÇÃO

João Pimenta*

I. GENERALIDADES algumas arritmias documentadas durante o óbito


súbito, são secundárias aos problemas não cardíacos
É considerada morte súbita (MS) quando como embolia pulmonar, dissecção aguda da aorta,
um desenlace ocorre dentro de 2 horas após o AVC hemorrágico, etc., e aarritmia cardíaca é o
início dos sintomas. Contudo, há alguns autores evento final, mas esta não é a causa primária. Um
que definem como ocorrendo até 24 horas após o evento isquêmico miocárdico pode provocar arritmia
início dos sintomas. Essa definição pode também ventricular maligna que termina em MS, embora
enquadrar a morte súbita instantânea, quando possa haver um sucesso de até 90% quando a
acontece dentro de segundos. desfibrilação é feita rapidamente, seja por meio
Dados estatísticos publicados indicam que manual nos serviços de emergência ou por meio de
esse tipo de óbito ocorre em, aproximadamente, dispositivos implantados.
400 mil pessoas nos Estados Unidos anualmente, Incidência (%ao ano)
TV/FV pós IM
50% antes de atendimento médico, números que se
mostram maiores nos homens, negros, com PCR

tendência a aumentar em pessoas cada vez mais ICC e FE 30%

jovens. Evento coronário prévio


Embora a MS possa ocorrer em Coronariano de alto risco
conseqüência a eventos não cardiovasculares População geral adulta
(mortes violentas, por exemplo), neste breve relato
5 10 15 20 25 30 35
serão abordados apenas as de causas clínicas, Figura1: Gráfico mostrando as causas de MS numa população adulta.1
principalmente as de origem cardiovascular, por
serem as mais comuns e que merecem atenção II. CAUSAS
médica quanto à prevenção e tratamento. Assim, a
maior causa de MS nos países mais avançados é de A MS pode ocorrer em cardiopatas e em
origem cardíaca e entre estas, 2/3 são de origem pessoas sem cardiopatia estrutural evidente. Para a
coronariana (cardiopatia isquêmica aguda ou crônica conclusão de que um indivíduo não é portador de
- Fig.1), quase sempre por propiciar arritmia cardiopatia, o correto seria chegar-se até a intimidade
ventricular.1 Numa revisão de 1.000 casos de MS, bioquímica da célula miocárdica, mas isto é
necropsiados em indivíduos com idade inferior a 65 impossível em qualquer ambiente, acadêmico ou
2
anos, Loire et alencontrou 407 de causa coronariana não. Dessa forma, o diagnóstico de ausência de
e 152 sem qualquer cardiopatia estrutural (Quadro I). cardiopatia estrutural é confirmado baseando-se na
No Brasil, poucas referências estatísticas têm sido história clínica, antecedentes, exame físico,
relatadas sobre o assunto. Uma publicação de 1980 radiografia de tórax, eletrocardiograma (ECG) e
mostrava que entre 2.743 casos de MS, 371 (13,5%) ecocardiograma (ECO). Raramente lança-se mão de
ocorreram por morte violenta e 2.372 por causas exame invasivo para se confirmar o diagnóstico de
naturais, entre estas, 138 (5,8%) subitamente, coração normal. Assim, as causas de MS, em
correspondendo a 0,029% ao ano, em uma portadores ou não de cardiopatia, estão listadas no
população de uma determinada área urbana.3 Em, Quadro II.
aproximadamente 80%, as MS de origem cardíaca Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 4, n. 1-2, p. 6 -12, 2002
ocorrem por fibrilação ventricular, sendo que 15 a * Doutor em Medicina, Área de Clínica Médica, Diretor do Serviço de
20% por bradiarritmia. Não se deve esquecer, que Cardiologia do Hospital do Servidor Público Estadual, São Paulo/SP.

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Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba

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Quadro I. Morte súbita cardíaca em 1.000 casos autopsiados (idade <65 anos).
Doenças n idade (média)
Coronarianos 407 45,2
Miocardiopatias 193 45,4
Alterações do feixe de His 106 40,1
Doença de Uhl 50 28,0
Valvopatias 22 39,0
Prolapso valvar mitral 14 43,5
TEP, DPOC, dissecção Ao, contusão VE 48 43,3
Miocardite 8 38,0
Negativo 152 41,0
Total 1.000 41,27

Quadro II. Principais causas de MS em pacientes com e sem alterações cardíacas


estruturais.
CARDIOPATIA ESTRUTURAL

1. Doença cardíaca isquêmica (aguda/crônica) 7. Pós-operatório de tetralogia de Fallot


aterosclerótica
não-aterosclerótica 8. Síndrome de Woff-Parkinson-White
origem anômala de coronária
hipoplasia coronariana
espasmo
dissecção coronariana
arterite
SEM CARDIOPATIA EVIDENTE
2. Cardiomiopatias
dilatada 1. Tromboembolismo pulmonar
hipertrófica
idiopática (estenose subaórtica) 2. Dissecção aguda da aorta
hipertensiva
atletas supertreinados 3. Síndromes eletrogenéticas
displasia do ventrículo direito síndrome do QT longo
congênito
3. Distúrbios da condução adquirido síndrome de Brugada
intraventricular taquicardia ventricular idiopática
atrioventricular fibrilação ventricular idiopática

4. Valvopatias 4. Ações indesejáveis de substâncias químicas


estenose aórtica fármacos
prolapso valvar mitral antiarrítmicos (classes Ia, Ic, III)
endocardite infecciosa diuréticos
antidepressivos tricíclicos
5. Congênitas anti-histamínicos
doença de Fallot antiinflamatórios não hormonais
doença de Ebstein drogas ilícitas
hipertensão pulmonar organofosforado
estenose aórtica "plantas venenosas”
atresias valvares ou vasculares
5. Alterações hidroeletrolíticas
6. Tumores cardíacos hipocalemia
mixomas hipocalcemia
trombos
rabdomiomas 6. Dietas anoréxicas

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Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 4, n. 1-2, p. 6-12, 2002

A. MORTE SÚBITA COM CARDIOPATIA 2. Cardiomiopatias


ESTRUTURAL
Têm papel importante entre as causas de
1. Cardiopatia isquêmica MS. As miocardites, mais comuns entre os mais
jovens, podem levar a grandes perdas musculares e
É a principal causa de MS no s países distúrbios da condução intraventricular e
industrializados. As síndromes isquêmicas agudas atrioventricular, causando MS por assistolia ou
respondem pela grande maioria, daí resultando a arritmias ventriculares. As dilatadas idiopáticas,
necessidade d e seu atendimento ráp ido e sua chagásica ou infiltrativas com disfunção ventricular
prevenção primária na população considerada de esquerda (VE) são as que mais merecem atenção
risco. Neste grupo, incluem-se os que exibem dos cardiologistas. É consenso que cardiopatas com
fortes antecedentes familiares para doença disfunção do VE com FE <35% e extra-sístoles
isquêmica cardíaca também de aterosclerose ventriculares (EV) com registro de mais de 10 EV
precoce como doenças cerebrovasculares e por hora, apresentam maior mortalidade a médio e
arteriopatia periférica, tabagismo, hipertensão longo prazo, com grande percentagem de MS;
arterial, diabetes, dislipidemias, obesidade e nestes, a prevenção sempre deve ser cogitada.
sedentarismo. Há evidências de que a associação Quando se documentam arritmias ventriculares,
dos dois primeiros antecedentes familiares e devem-se usar antiarrítmicos, mormente aqueles
tabagismo estão presentes na grande maioria dos desprovidos de ação pro-arrítmica, colocando a
casos de MS. As cardiopatias isquêmicas de amiodarona entre eles, pois está comprovado que
origem não ateroscleróticas e que podem induzir à faz diminuir a mortalidade global e cardíaca.
MS são incomuns e entre elas colocam-se a origem Métodos invasivos como o estudo eletrofisiológico
anômala da coronária esquerda, hipoplasia para indução de arritmias ventriculares têm
coronariana, espasmo, dissecção e arterite identificado subgrupos de pacientes que es
coronarianas. beneficiariam com o emprego de desfibriladores
implantáveis, mas em nosso país essa estratégia
Identificação de pessoas sob risco: pacientes com ainda não é rotina. A cardiomiopatia hipertrófica é
antecedentes de infarto do miocárdio (IM), facilmente suspeitada pelo exame clínico e
portadores de disfunção miocárdica com fração de eletrocardiográfico, e o diagnóstico confirmado
ejeção do VE (FE) reduzida (<0,35), recuperados de pelo ECO. Vários estudos têm comprovado que a
arritmias ventriculares malignas com simples presença de hipertrofia miocárdica, de
comprometimento hemodinâmico, são os mais qualquer et iologia, re laciona-se c om ma ior
suscetíveis à morte súbita. Esses indivíduos devem incidência de MS. A sua identificação é facilitada
ser submetidos a exames preventivos de pela sensibilidade do ECG bem como pelo ECO e o
estratificação de risco pelo menos a cada dois anos, controle da doença de base, quando existir como
após a idade de 45 anos. A prevenção deve ser feita hipertensão arterial, lesões valvares, etc. pode
com antiarrítmicos que não tenham demonstrado diminuir a hipertrofia, mas resultados objetivos não
ação pró-arrítmica (ver mais adiante). Quando a parecem animadores, principalmente quanto à
função do VE for normal, o uso de -bloqueadores é clássica cardiomiopatia hipertrófica subaórtica.
mandatória. A presença de extra-sístoles isoladas, Ênfase deve ser dada aos atletas supertreinados,
mesmo em pacientes que sofreram IM, mas com principalmente os maratonistas, e a MS que tem
função ventricular esquerda conservada, sugere risco sido observada neste subgrupo de indivíduos é
relativo e deve ser tratada com cautela pelo risco de creditada à hipertrofia miocárdica.
MS, devido à possibilidade de pró-arritmia induzida
por fármacos antiarrítmicos. O emprego de - Identificação de p essoas s ob r isco: nas
bloqueadores é a opção recomendada. As de origem cardiomiopatias dilatadas de qualquer etiologia,
não coronariana têm uma identificação mais difícil, por si só, a disfunção do VE é um fator de risco
embora o ECG, o ECO, exames invasivos e teste para MS. Contudo, a presença de arritmias
ergométrico com radionuclídeo possam favorecer o ventriculares detectadas numa gravação
diagnóstico e estratificar o risco. eletrocardiográfica de 24h (mais de 10 EV/h) ter

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Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba

experimentado episódios de taquicardia 24h, para análise da estabilidade do intervalo PR. Ao


ventricular maligna ou recuperação de parada documentar-se variações na condutibilidade AV, o
cardiorrespiratória (PCR), são também fatores que estudo eletrofisiológico deverá ser cogitado. Se
as classificam como de alto risco. No caso da houver alterações na condução AV, o implante de
cardiomiopatia hipertrófica, o aumento do marcapasso estará indicado. Nos portadores de
gradiente intraventricular, a presença de síncope, cardiopatia chagásica, a presença de bloqueio
arritmias ventriculares ou desadaptação completo do ramo direito, já significa risco
ventricular esquerda com indução de fibrilação aumentado de MS, mas não temos ainda, meios de
atrial são situações que predizem a possibilidade estratificar qual paciente merecia abordagem mais
de MS. agressiva.
As cardiomiopatias dilatadas com ICC, FE
<35% associadas a arritmias ventriculares merecem Identificação de pessoas sob risco: episódios de
muita ate nção e introdução d e um tratamento síncope, portadores de bloqueio AV intermitente,
antiarrítmico preventivo. A amiodarona, segundo antecedentes de IM ou chagásicos, são os mais sérios
vários ensaios multicêntricos com grande número candidatos. Contudo, implante de marcapasso
de pacientes, se mostrou um fármaco que diminui a definitivo e posterior administração de antiarrítmicos
mortalidade global e de causa cardíaca a longo podem prevenir piores eventos. Mesmo assim, os
prazo. Esses ensaios mostraram, contudo, que o pacientes portadores de cardiopatia chagásica
cardioversor-desfibrilador implantável (CDI) parecem ter maior possibilidade de MS apesar da
apresenta melhores resultados e está indicado nos terapêutica com marcapasso.5A detecção de arritmias
pacientes que foram recuperados de PCR, bem ventriculares malignas com PCR devem orientar para
como naqueles com passado de síncope e que foi implante de CDI.
possível induzir arritmias ventriculares malignas
durante estimulação ventricular artificial. Entre as 4. Valvopatias
hipertróficas, o uso de -bloqueadores ou inibidores
dos canais de cálcio (verapamil) tem sido de grande As valvopatias podem levar à MS,
valia, não só no controle dos sintomas como para principalmente a estenose aórtica. Por diminuir a
prevenção de arritmias. Seriam alternativas para pressão média da raiz da aorta e, conseqüentemente,
reduzir o gradiente intraventricular, a intervenção a pressão de perfusão coronariana, a lesão estenótica
cirúrgica, a ablação parcial do septo interventricular aórtica pode provocar isquemias agudas e
com emprego de alcoolização miocárdica e o degeneração para arritmias ventriculares malignas.
emprego de marcapasso de dupla câmara. O uso de Por outro lado, a hipertrofia miocárdica presente
CDI estaria indicado nos casos com arritmias nessa anomalia "per se" pode também contribuir para
ventriculares malignas documentadas. MS. É facilmente identificada pelo exame clínico,
confirmada pelo ECO. A cirurgia para troca valvar é
3. Distúrbios da condução o tratamento preconizado. O prolapso valvar mitral
tem sido considerado como causa potencial de MS.
Costumam ocorrer a partir da 4ª década da Contudo, até o momento, o simples encontro dessa
vida e, na grande maioria, secundários à degeneração anomalia num exame ecocardiográfico de rotina não
idiopática do sistema de condução, raramente tem mostrado relação com mortalidade, exceto
relacionados à coronariopatia, exceto nos casos com quando o aparelho valvar mitral exibir sinais de
infarto do miocárdio prévio documentado. Também degeneração mixomatosa. Mesmo assim, deve
podem ter origem congênita, a episódios de proceder-se a documentação de arritmias
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miocardite aguda e devido à cardiopatia chagásica. ventriculares malignas para uma atitude mais
Iniciam-se com bloqueios de ramo, sendo facilmente agressiva quanto à prevenção de MS. A endocardite
diagnosticados pelo ECG e sua evolução pode infecciosa também é uma causa de MS, porém os
provocar bloqueios atrioventriculares paroxísticos, fenômenos tromboembólicos que dela decorrem,
assistolia e MS. Por isso, aconselha-se que raramente são de dimensões suficientes para
portadores de bloqueios de ramo, submetam-se, provocar eventos dessa monta, com obstrução
anualmente, a um ECG e gravações de Holter de coronariana.

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Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 4, n. 1-2, p. 6-12, 2002

Identificação de pessoas sob risco: estreitamento da


via de saída com gradientes importantes, levando a Embora raros, podem provocar MS, entre
angina e síncope, são os que devem merecer maior eles os mixomas e os trombos. Os mixomas,
atenção e que têm indicação cirúrgica de troca valvar neoformações benignas quanto a sua celularidade,
com maior rapidez. Isto pode ser obtido com um localizam-se com maior freqüência nos átrios, são
ECO, podendo ser complementado por pedunculados e, por isso, podem levar à obstrução
cineangiocoronariografia para melhor visibilização do f luxo s anguíneo a través d as v alvas
da árvore coronariana e intervenção simultânea na atrioventriculares, provocando síncope e MS. O
valva e na coronária porventura afetada. mais comum é situar-se no átrio esquerdo, cujo
quadro semiológico amiudemente simula estenose
5. Anomalias congênitas mitral, sendo o ECO muito útil no diagnóstico e até
suficiente para indicação cirúrgica, que é o
Colocam-se a displasia arritmogênica tratamento único e curativo. Os trombos valvares
ventricular direita, a origem anômala da coronária (ball thrombus) costumam assestar-se em
esquerda, anoma lia de Ebstein, hipertensão aparelhos valvares doentes, principalmente, na
pulmonar, estenose aórtica e atresias valvares e estenose mitral e a sua progressão leva à obstrução
vasculares, todas felizmente incomuns. A valvar com síncope e MS. O ECO elucida o quadro
displasia arritmogênica ventricular direita, e, em casos sintomáticos, a cirurgia deve ser
também identificada como uma variante da realizada o mais rápido possível para evitar o
doença de Uhl, manifesta-se na infância e óbito. Os rabdomiossarcomas, mais raros ainda,
adolescência, raramente chegando à vida adulta, podem provocar MS pelo desarranjo celular
devido à uma dilatação do ventrículo direito, por miocárdico e indução de arritmias ventriculares
substituição do miocárdio por tecido malignas.
fibroadiposo.6 As ilhotas de fibras miocárdicas
remanescentes entremeadas ao tecido Identificação de pessoas sob risco: nestes casos,
fibroadiposo são focos arritmogênicos, com inexiste este tipo de abordagem, já que simplesmente
potencialidade para MS. Quando aparecem a sua presença indica possibilidade de MS e o
alterações no ECG, podem ser identificadas, mas tratamento cirúrgico é imperioso, exceto aqueles
apenas o ECO pode confirmar o diagnóstico. Para sésseis ou muito aderentes à parede endocárdica, que
isso, é interessante que, no caso de suspeita clínica, os tornam mais difíceis de obstruir as valvas
ao solicitar o exame, o médico indique a atrioventriculares.
necessidade de avaliação do ventrículo direito,
porque nem sempre é feito de rotina. O tratamento 7. Pós-operatório tardio de cirurgia
seria por meio do uso de antiarrítmicos, a ablação
por cateteres e implante de desfibrilador. A origem As cicatrizes da cirurgia reparadora para a
anômala da coronária esquerda da artéria Tetralogia de Fallot é uma pré-disposição para
pulmonar manifesta-se já nos primeiros meses de arritmias ventriculares malignas e MS. É difícil a
vida, e a alteração típica do ECG, simulando estratificação de risco desses pacientes, derivando
infarto agudo de parede lateral, sugere o daí, a dificuldade para a prevenção.
diagnóstico. A cirurgia para reimplante da artéria
na raiz da aorta é o tratamento preconizado, com 8. Síndrome de Woff-Parkinson-White
bons resultados. Hipertensão pulmonar primária
ou secundária pode ser causa de MS, ocorrendo, Caracteriza-se por alterações típicas no ECG,
principalmente, durante episódios de anóxia.7 O com complexos QRS alargados por empastamento
tratamento, quando se apresenta com cardiopatia inicial conhecido como onda "delta", quando é
passível de correção, é a cirurgia. Contudo, manifesta, por possuir uma conexão anômala entre o
quando o defeito é na árvore pulmonar, o átrio e o ventrículo, pode provocar arritmias já na
transplante cardiopulmonar é a única opção viável. infância. O desencadeamento de fibrilação atrial
pode levar a freqüências ventriculares elevadas e esta
6. Tumores cardíacos

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Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba

situação provocar baixo débito cardíaco, queda uso de fármacos antiarrítmicos. Embora possa
súbita na perfusão coronariana e indução de parecer paradoxal, o tratamento de arritmias com
fibrilação ventricular e MS. emprego de antiarrítmicos, principalmente da
classe I (quinidina, lidocaína, mexiletine,
Identificação de pessoas sob risco: a presença de flecainida, encainida entre outras), pode provocar
pré-excitação no eletrocardiograma já pode arritmias letais. Esse fato era desconhecido até o
antecipadamente sugerir a possibilidade de que esse final da década de 80, quando foi desenhado um
indivíduo tem maior chance de falecer subitamente estudo com grande número de pacientes que
que a população geral. Os assintomáticos têm menor tiveram infarto agudo do miocárdio. Esse estudo foi
risco, mas os que já experimentaram episódios de interrompido porque se demonstrou que pacientes
taquicardia são considerados de maior risco. Porém, recebendo substância ativa - antiarrítmicos como
os que já apresentaram síncope, demonstram alto flecainida e encainida - apresentaram maior
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risco, necessitando de tratamento mais agressivo. O mortalidade em relação ao placebo. A partir desses
estudo eletrofisiológico invasivo indica aqueles com achados tornou-se contra-indicado o tratamento de
maior possíbilidade de MS, analisando-se o período arritmias benignas com um antiarrítmico que
refratário efetivo da condução anterógrada da via potencialmente possa ser arritmogênico. Nesses
anômala. O tratamento de eleição é a ablação da via casos, deve-se optar por substâncias que,
anômala por meio de cateter e uso de energia de comprovadamente, já demonstraram não ter efeitos
radiofreqüência, com resultados que beiram o proarrítimicos como os -bloqueadores.
sucesso de 98% e baixos índices de complicações.
Talvez seja uma das únicas anomalias no campo da 2. Síndromes eletrogenéticas
cardiologia cujo tratamento pode ser considerado
curativo. Colocam-se aqui, as alterações do intervalo
QT e a síndrome de Brugada. São causadas por
B. MORTE SÚBITA SEM alterações genéticas já bem definidas, congênitas ou
CARDIOPATIA ESTRUTURAL adquiridas por mutações, predominantes em jovens,
com caráter familiar, com prevalência maior em
Várias outras causas de MS podem ser populações asiáticas como na Tailândia. A síndrome
documentadas na ausência de cardiopatia de Brugada apresenta alterações típicas no ECG,
estrutural. As mais comuns, de conhecimento de revelando supradesnivelamento do segmento ST nas
todos, é o tromboembolismo pulmonar devido as derivações V1 a V3, mimificando bloqueio do ramo
mais variadas causas, dissecção aguda da aorta, direito, com intervalo AT, dentro dos limites normais.
alterações metabólicas hidroeletrolíticas e Deve-se à uma alteração genética já conhecida e ainda
intoxicações exógenas por plantas, agrotóxicos, não há um tratamento específico. Após a identificação
picadas de animais (abelhas, cobras), etc. desses subgrupos, o uso de antiarrítmicos é uma
Contudo, algumas situações merecem uma melhor alternativa terapêutica a ser considerada, mas o
discussão. implante de desfibrilador tem demonstrado resultados
extremamente protetores em salvar as vidas desses
1. Fármacos não cardioativos indivíduos, até então, considerados normais.

Há uma lista cada vez maior de fármacos Identificação de pessoas sob risco: a presença de
que potencialmente podem levar à MS, destacando alterações no intervalo QT no ECG pode predizer
os antidepressivos tricíclicos e os anti-histamínicos. possibilidade de desfecho inesperado a esses
Atuam sobre os canais de sódio, alterando o pacientes. Contudo, mais importante são os
potencial de ação, às vezes, manifestando-se no antecedentes familiares de MS, passado de
ECG, por aumento do intervalo QT. Parece que isso arritmia ventricular com síncope ou pacientes
só ocorre em indivíduos geneticamente recuperados de PCR. Estes devem ser observados
predispostos e que não conseguem previamente, com maior rigor, terapêutica farmacológica mais
serem identificados. Reveste-se de suma agressiva e, como se discutiu, melhor seria
importância a possibilidade de MS decorrente do implante de CDI.

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Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 4, n. 1-2, p. 6-12, 2002

3. Regimes dietéticos com os já conhecidos cursos de suporte de vida


(BLS, ACLS), tanto a médicos como a paramédicos
Pessoas obesas submetidas a dietas rígidas ou leigos, tem mostrado um horizonte mais
sem um controle adequado da reposição de animador para intervenção nos casos de emergência,
substâncias inerentes ao metabolismo saudável, onde um centro de recuperação não consegue chegar
têm sido vítimas de MS. O déficit de ingestão em intervalo de tempo adequado para salvar o
calórico e protéico pode provocar alterações paciente. Nos Estados Unidos, as últimas estatísticas
metabólicas, alterações do intervalo QT no ECG e divulgadas9 citam que até 25% dos indivíduos
provocar arritmias letais. atendidos por pessoal não médico e totalmente leigo
em recuperação cardíaca, foram recuperados com
III. PERSPECTIVAS FUTURAS essa intervenção, sem o que, anteriormente, todos
poderiam ser considerados óbitos. Assim, é dever de
Embora a incidência de MS ainda continue a todos nós, incentivarmos a discussão de se
desafiar as autoridades de saúde pública, muito já colocarem desfibriladores portáteis nos pontos mais
tem sido feito para preveni-la e tratá-la. Os meios críticos dos ambientes que costumamos freqüentar,
diagnósticos e de estratificação de risco das por serem de baixo custo e alta eficácia e salvarem
cardiopatias têm evoluído de forma marcante, bem vidas, até as nossas, dos médicos, quando
como os métodos terapêuticos. Recentemente, várias precisarmos.
técnicas de detecção de variabilidade da freqüência
cardíaca durante uma gravação prolongada do ECG, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
têm revelado que pacientes com diminuição da
variabilidade da freqüência, apresentam maior taxa 1. Myerburg RJ, Kessler KM, Castellanos A. Sudden cardiac
de MS, devido a alterações do sistema nervoso death: structure, function, and time-dependence of risk.
Circulation 1992; 85 (supl.I): I-2-10.
autônomo. Porém, mecanismos eficazes para 2. Loire R, Tabib A. Mort subite cardiaque inattendue. Bilan
controlar essa alteração ainda não foram de 1000 autopsies. Arch Mal Coeur 1996;89:13-8.
descobertos. O desenvolvimento dos desfibriladores, 3. Laurenti R, Souza JMF, Prado MHM, Gotlieb SL. Estudo
dispositivos de pequenas dimensões, implantáveis, epidemiológico da morte súbita em adultos de 1 a 74 anos na
com capacidade de automaticamente se ativarem e cidade de São Paulo. Arq Bras Cardiol 1980; 35: 5-14.
4.Pimenta J, Miranda M, Pereira CB. Electrophysiologic
salvarem uma vida, é fato consagrado nos dias de findings in long-term asymptomatic chagasic individuals.
hoje. A par desse avanço, acham-se disponíveis Am Heart J 1983; 106: 374-80.
aparelhos portáteis para rápido uso, por pessoas 5.Pimenta J, Valente N, Miranda M. Evolução clínica a
leigas e razoavelmente treinadas. Assim, em locais longo prazo, correlacionando a presença de bloqueios da
de circulação e concentração de grande número de condução intraventricular em pacientes chagásicos e não
chagásicos assintomáticos. Rev Soc Bras Med Trop 1999;
pessoas como bancos, escolas, clubes associativos, 32: 621-319.
estádios, metrôs, cinemas, aviões, etc., a 6.Pimenta J, Maia HC, Silva ES, Tosta C. Anomalia de Uhl
disponibilidade desses aparelhos, de baixo custo e no adulto associada à coronariopatia. Arq Bras Cardiol 1991;
fácil manipulação, está se tornando um fato real. 57: 407-1.
Algumas companhias aéreas já dispõem em suas 7. Pimenta J. Correlação anatomoclínica. Arq Bras Cardiol
1999; 73: 399-402.
aeronaves, de desfibriladores portáteis, colocados 8.Cardiac Arrhythmia Suppression Trial (Cast)
em locais de fácil visibilidade e rápido acesso para Investigators. Preliminary report: Effect of encainide and
intervenção de emergência pelo pessoal de bordo, flecainide on mortality in a randomized trial of arrhythmia
previamente treinados. A filosofia da Sociedade suppression after myocardial infarction. N Engl J Med 1989;
Brasileira de Cardiologia, por meio do SBC-Funcor, 321: 406-12.
9.Myerburg RJ. Epidemiologic aspects of sudden death in
de promover treinamento em recuperação de PCR, the USA. NASPE Meeting, San Diego, CA, May, 2002.

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