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BIOQUÍMICA CLÍNICA

Francine Luciano Rahmeier


Diagnóstico da
função cardíaca
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar os principais parâmetros utilizados na avaliação de pacientes


com cardiopatia isquêmica.
>> Reconhecer a importância do tempo no diagnóstico específicos do infarto
agudo do miocárdio.
>> Diferenciar os tipos de marcadores cardíacos e caracterizar sua importância.

Introdução
A cardiopatia isquêmica é um tipo de complicação que afeta o músculo cardíaco
pela deficiência de oxigenação tecidual. Pode trazer sérios danos funcionais e
é umas principais causas de morte no Brasil e no mundo. Grande parte dos pa-
cientes sequer chega a ser internada, visto que cerca de 40% dos portadores de
cardiopatia acabam morrendo subitamente antes mesmo de saber da existência
do quadro obstrutivo.
Entre as manifestações mais importantes e graves desse tipo de cardiopatia,
temos o desenvolvimento de angina instável e o infarto agudo do miocárdio, ca-
racterísticos da síndrome coronariana aguda grave, que coloca a vida do paciente
em risco iminente.
Por meio da leitura deste capítulo, você vai entender melhor como realizar
a avaliação do paciente com cardiopatia isquêmica e quais são os principais
parâmetros avaliados. Também vai descobrir como se procede o diagnóstico de
infarto agudo do miocárdio, a importância da detecção de biomarcadores da
função cardíaca e a relevância de um diagnóstico rápido e preciso.
2 Diagnóstico da função cardíaca

Avaliação da cardiopatia isquêmica


A doença isquêmica do coração (DIC) é caracterizada pelo desbalanço entre
o consumo e a oferta de oxigênio para o músculo cardíaco. Uma das maiores
causas da DIC é a obstrução das artérias coronárias, que são as principais
responsáveis pelo fornecimento de sangue, nutrientes e oxigênio para o tecido
muscular cardíaco (miocárdio). Essa obstrução pode manifestar-se, principal-
mente, a partir da deposição de placas de conteúdo lipídico na parede das
artérias, que com o tempo, pode evoluir para uma aterosclerose coronariana
e doença arterial coronariana (DAC) (FUCHS, 2016; SANTOS; BIANCO, 2018).
As placas ateroscleróticas, por si, já são capazes de obstruir as artérias
coronárias. O caso se agrava quando essa placa se rompe, provocando agre-
gados plaquetários e a formação de trombos, o que pode levar à obstrução
parcial ou total da luz arterial. A partir dessas obstruções, inicia-se o processo
de isquemia, que, se não for revertido a tempo, pode gerar extensas áreas
de necrose no tecido cardíaco, fazendo esse tecido infartado perder sua
capacidade contrátil a ponto de parar subitamente (FUCHS, 2016; SANTOS;
BIANCO, 2018; SILVA; MORESCO, 2011).
Umas das maiores queixas de pessoas com DAC é a angina, que se manifesta
como dor ou desconforto no peito, decorrente da vasodilatação no local, como
uma resposta compensatória à obstrução e que diminui ao cessar qualquer
esforço físico. A falta de tratamento pode levar a complicações sérias, que
comumente se manifestam como angina instável (AI) e infarto agudo do mio-
cárdio (IAM). O IAM pode apresentar supradesnível do segmento ST (IAMCSST,
infarto agudo do miocárdio com supradesnível de ST) ou não apresentar esse
supradesnível (IAMSSST, infarto agudo do miocárdio sem supradesnível de
ST). Esses eventos compõem a síndrome coronariana aguda (SCA) com ou sem
supradesnível do segmento ST (FUCHS, 2016; PIEGAS et al., 2015).

A SCA representa um desafio para o corpo médico, tanto para diag-


nosticar quanto para tratar e acompanhar a evolução clínica, pois o
atendimento precisa ser feito de forma rápida. Logo que o paciente chega ao
serviço de urgência apresentando sintomatologia sugestiva de SCA, devem ser
feitos a avaliação e o exame físico, exames bioquímicos, eletrocardiográficos
e de imagem, além da estratificação do risco (PIEGAS et al., 2015; SANTOS;
BIANCO, 2018).
Diagnóstico da função cardíaca 3

Sintomatologia e exame físico

A avaliação dos sintomas manifestados nas últimas 48h é uma das eta-
pas mais importantes da condução de um diagnóstico. O sintoma mais
característico de lesões isquêmicas é a dor ou desconforto precordial ou
retroesternal, que irradia para o braço e regiões adjacentes, e geralmente
é o que faz o paciente procurar um serviço médico de urgência. Sintomas
como sensação de aperto ou queimação no peito, dispneia, sudorese, pele
fria e pálida, náusea, vômito e taquicardia são os primeiros sinais impor-
tantes, que direcionam a investigação mais apropriada para se estabelecer
um diagnóstico bastante característico de SCA (Quadro 1) (SANTOS et al.,
2011; SANTOS; BIANCO, 2018).

Quadro 1. Classificação de risco dos sintomas atribuídos à SCA

Características Alta Moderada Baixa

Dor precordial Dor precordial ou Dor precordial ou Sintomas de


em membro su- em membro su- isquemia prová-
perior esquerdo, perior esquerdo, veis, mas sem as
ou desconforto ou desconforto características de
semelhante a epi- retroesternal risco moderado
sódio de angina como sintoma
ou infarto prévio principal

Idade > 70 anos

História de car- Sexo masculino Dor torácica


diopatia isquê- reproduzia à
mica conhecida palpação

Diabetes melito Uso recente


de cocaína

Evidência de Edema pulmonar, Doença vascular Normal


disfunção piora o surgi- extracardíaca
ventricular mento de sopro
de regurgitação
mitral, B3,
hipotensão

(Continua)
4 Diagnóstico da função cardíaca

(Continuação)

Características Alta Moderada Baixa

Eletrocar- Infradesnível Ondas Q Normal ou


diograma do segmento ST patológicas inalterado
(≥ 0,05 mm) ou
inversão de onda Infradesnível
T (≥ 0,2 mm) nova do segmento ST
ou inversão de
onda T antiga

Marcadores séri- Elevados Normais Normais


cos de isquemia

Fonte: Adaptado de Nasi (2012).

O quadro de dor precordial com duração superior a 20 minutos, sem qual-


quer melhora, mesmo após terapia com nitratos de ação rápida, é extrema-
mente sugestivo de SCA por obstrução total do acesso arterial, característico
de SCA com supradesnível do segmento ST (SCASSST), que apresenta maior
probabilidade de evoluir para óbito. Essa mesma situação, mas quando o
paciente tem uma leve melhora em repouso e responde ao tratamento precoce
com nitratos, pode sugerir SCA sem supradesnível do segmento ST (SCASSST)
(PIEGAS et al., 2015; SANTOS; BIANCO, 2018).
A avaliação dos fatores de risco também é bastante interessante, pois
pode fornecer informações importantes para o diagnóstico. Os principais
fatores de risco associados são idade avançada, histórico familiar de DAC,
angina estável, dislipidemias, obesidade, diabetes, acúmulo de gordura ab-
dominal, sedentarismo, alcoolismo, tabagismo e hipertensão arterial (PIEGAS
et al., 2015).

Eletrocardiograma e exames de imagem


Se a sintomatologia for sugestiva de SCA, é de extrema importância proceder
algum tipo de exame que forneça informações diretamente do miocárdio.
Como rotina nos serviços de saúde, o eletrocardiograma (ECG) é a primeira
escolha, que permite observar sinais de IAM com ou sem supradesnivelamento
do segmento T (PIEGAS et al., 2015; SANTOS; BIANCO, 2018). O ecocardiograma
também é uma alternativa muito útil para acompanhamento do paciente
internado, pois fornece informações sobre a contratilidade do miocárdio e
a presença de sequelas mecânicas (SANTOS; BIANCO, 2018).
Diagnóstico da função cardíaca 5

O padrão-ouro para a observação da função do miocárdio é a ressonância


magnética cardíaca utilizando um contraste de gadolínio, que tem afinidade
pelo meio extracelular e não consegue se ligar a membranas celulares ínte-
gras. Dessa forma, é possível avaliar com precisão as áreas de necrose no
coração, possibilitando a diferenciação de um tecido viável a partir de um
tecido necrótico (SANTOS; BIANCO, 2018).
A cintilografia miocárdica também é um exame bastante útil para o acom-
panhamento dos pacientes, pois permite observar a integridade da membrana
celular presente no miocárdio por meio do uso do tálio-201, um radiotraçador
o que permite avaliar a viabilidade do miocárdio (SANTOS; BIANCO, 2018).

Dosagem de biomarcadores de função cardíaca


Além de todos os exames já citados, a avaliação dos biomarcadores é extrema-
mente importante para fornecer informações sobre a presença e a extensão
dos danos ocasionados às células miocárdicas durante um evento isquêmico,
tendo em vista que, em alguns casos, o ECG não demonstra qualquer tipo
de alteração sugestiva que possa direcionar o diagnóstico (MIRANDA; LIMA,
2014; SANTOS; BIANCO, 2018).
Essa avaliação pode ser feita a partir da coleta da amostra sanguínea,
geralmente utilizando soro para a realização de métodos cinético-enzimáticos,
radioimunoensaio, imunoensaio fluorescente e quimioluminescência, que
fornecem dados quantitativos sobre a concentração de cada marcador ana-
lisado (PIEGAS et al., 2015; SOARES et al., 2012).
Entre os marcadores mais sensíveis e específicos, temos as troponinas I
e T (TnI, TnT), as creatinoquinases (CK total, CK-MB) e a mioglobina, que são
dosados nas primeiras horas a partir do início dos sintomas, durante o curso
clínico e após a estabilização do evento. Muitas vezes, a medição desses
biomarcadores permite que eventos isquêmicos cardíacos e outros tipos de
injúrias sejam contidos mediante tratamento adequado (SANTOS; BIANCO,
2018). Abordaremos esses marcadores em detalhes mais adiante.
Todos os parâmetros apresentados nesta seção permitirão o diag-
nóstico diferencial e do risco de progressão para IAM do paciente, para
que se possa seguir com o tratamento adequado (PIEGAS et al., 2015). O
prognóstico vai depender de uma série de fatores, como a presença de
doenças associadas, estilo de vida, tipos de complicações, níveis dos
marcadores bioquímicos e estado da função ventricular, além de idade
e sexo (SANTOS; BIANCO, 2018).
6 Diagnóstico da função cardíaca

Diagnóstico do infarto agudo do miocárdio


O IAM é uma condição clínica que merece toda a atenção necessária, espe-
cialmente durante as primeiras horas do aparecimento de sintomas. Esse
período é crítico, de forma que diagnóstico, atendimento e intervenção médica
adequados são cruciais para salvar a vida do paciente, tendo em vista que
cerca de 40–65% dos óbitos por IAM ocorre já na primeira hora, e até 80%
das mortes ocorre em até 24h. A maioria dos óbitos por IAM ocorre fora do
ambiente hospitalar, sem que o paciente tenha sequer procurado atendimento
médico (PIEGAS et al., 2015).
A importância de estabelecer o diagnóstico correto a respeito do tipo de IAM
que o paciente está tendo se relaciona diretamente com a conduta de tratamento
do paciente, pois cada um possui um nível de urgência. A partir do momento
que se estabelece, com a ajuda principalmente de ECG, se esse IAM possui ou
não supradesnível do segmento ST, é possível agir (SANTOS; BIANCO, 2018).
Em casos de IAMCSST, sabe-se que ocorre especialmente pela oclusão total
da artéria devido a um evento trombótico, o que pode levar o paciente à morte
em pouco tempo, caso a isquemia intensa não seja controlada. Inicialmente,
deve-se administrar morfina (analgésico), nitrato e ácido acetilsalicílico (que
atuam sobre a agregação plaquetária presente no trombo) e suprimento de
oxigênio. Pode-se optar, também, pela administração de agentes trombolíticos,
por angioplastia (entre 2–24h após o início dos sintomas, embora o ideal é que
seja feita em até 90 minutos desde a entrada do paciente no hospital) para
redução da obstrução arterial e por terapia de reperfusão imediata, para o
restabelecimento da circulação coronária e do suprimento de oxigênio para
o tecido (SANTOS; BIANCO, 2018; SILVA; MORESCO, 2011).
Em casos de IAMSSST, a obstrução geralmente ocorre de maneira parcial, não
sendo tão fatal quanto o IAMCSST. Nesse caso, como não há muitas alterações
a serem observadas no ECG, o médico deve investir fortemente nas dosagens
de biomarcadores precoces e tardios definitivos para acompanhar o desen-
volvimento e a evolução do IAM (MIRANDA; LIMA, 2014; SANTOS; BIANCO, 2018).
Recomenda-se que se faça a dosagem de CK total e CK-MB a cada 3–4h a
partir da admissão do paciente para acompanhar sua evolução, pois a CK total
só atinge seu pico 18h após o início do infarto, enquanto a CK-MB atividade
(que mensura a atividade enzimática da CK-MB) e a CK-MB massa (expressa a
concentração plasmática de moléculas da enzima CK-MB, independentemente
de sua atividade) atingem o pico em até 24h.
Diagnóstico da função cardíaca 7

Isoladamente, a CK-MB não consegue fornecer muitas informações,


tendo em vista que ela pode ser detectada em pessoas saudáveis ou
na presença de lesão muscular esquelética. Assim, sempre deve ser feita junto
com as dosagens de troponina, que possui maior sensibilidade e especificidade
em relação à CK-MB, logo no início do surgimento do quadro sintomatológico
(MIRANDA; LIMA, 2014; SANTOS et al., 2011; SOARES et al., 2012).

Com base nas dosagens séricas de marcadores de necrose tecidual cardí-


aca, o diagnóstico de IAM deve ser feito obedecendo os seguintes parâmetros
(PIEGAS et al., 2015):

1. aumento acima de 99% dos níveis de troponina I ou T, pelo menos em


um momento, nas primeiras 24h;
2. elevação dos níveis de CK-MB acima do limite em duas amostras conse-
cutivas ou aumento de CK-MB nas primeiras 2h, com níveis aumentados
duas vezes acima do limite normal. Se não disponíveis, testar CK total,
que deve estar aumentada duas vezes acima do limite.

O tratamento farmacológico inicial é semelhante ao escolhido para IA-


MCSST, mas também se pode usar estatinas, anticoagulantes e betabloque-
adores (SANTOS; BIANCO, 2018).
Vemos, portanto, que a dosagem dos marcadores de lesão cardíaca é
extremamente importante na avaliação temporal da progressão do quadro
isquêmico, que auxilia a predizer qual é a melhor conduta a ser seguida para
cada paciente e cada caso em específico (PIEGAS et al., 2015).

A Sociedade Brasileira de Cardiologia disponibiliza gratuitamente


na web um documento que contém todas as informações sobre
como proceder para estabelecer o diagnóstico, o acompanhamento e o prog-
nóstico seguro do paciente suspeito de IAM. Digite “Diretrizes da Sociedade
Brasileira de Cardiologia sobre angina instável e infarto agudo do miocárdio
sem supradesnível do segmento ST” em seu motor de busca preferido para
ter acesso ao arquivo.
8 Diagnóstico da função cardíaca

Marcadores da função cardíaca


Como vimos anteriormente, a dosagem de marcadores bioquímicos fornece
informações-chave sobre o funcionamento e a integridade celular, a presença
de lesões necróticas e a extensão dessas lesões. É um método relativamente
rápido e pouco invasivo, que possibilita realizar o diagnóstico de disfunções
cardíacas existentes e acompanhar a evolução clínica do paciente cardíaco,
além de estabelecer um prognóstico, possibilitando, até mesmo, prever
eventos a tempo de controlá-los. Com a dosagem desses marcadores, em
associação a outros parâmetros clínicos avaliados, é possível estabelecer
ou afastar um diagnóstico de IAM em pacientes suspeitos de SCA (NASI, 2012;
PIEGAS et al., 2015; SANTOS et al., 2011; SOARES et al., 2012).
Entre os marcadores da função cardíaca, destacam-se a creatinoquinase
(total e isoforma MB), a troponina (I e T) e a mioglobina, que são os principais
marcadores para o estabelecimento do diagnóstico de IAM, além do peptídeo
natriurético cerebral (BNP) e de seu fragmento N-terminal inativo (NT-proBNP).
Cada um desses marcadores se eleva em momentos diferentes durante o
curso do IAM (Quadro 2) (MIRANDA; LIMA, 2014).

Quadro 2. Cronologia da elevação, pico de liberação e tempo para norma-


lização dos marcadores de necrose tecidual cardíaca

Marcador Início da elevação Pico de liberação Normalização

Mioglobina 1–2h 5–12h 12–24h

Troponina l 3–12h 12–24 5–10 dias

Troponina T 3–12h 18–48 10–15 dias

CK total 4–8h 12–18h 2–3 dias

CK-MB massa 3–6h 10–24h 3–4 dias

CK-MB atividade 4–6h 18h 3–4 dias

Fonte: Adaptado de Piegas et al. (2015) e de Soares et al. (2012).

Creatinoquinase
A creatinoquinase (CK) é uma enzima que regula a síntese e o uso de fosfatos
de alta energia utilizados pelos tecidos contráteis (MIRANDA; LIMA, 2014).
Diagnóstico da função cardíaca 9

Essa enzima possui duas subunidades, a B (brain, cérebro) e a M (muscle,


músculo), que se combinam para formar outros tipos específicos. No músculo
esquelético, está presente a fração CK-MM; no tecido cerebral, encontramos
a CK-BB; no músculo cardíaco e nos músculos periféricos, predomina a fração
CK-MB (MIRANDA; LIMA, 2014; SOARES et al., 2012).
Após 4–8h do aparecimento dos sintomas sugestivos de IAM, a CK total
se eleva, chegando a seus níveis mais altos em torno de 18h após o estabe-
lecimento da sintomatologia. É de suma importância que, além da CK-total,
realize-se a dosagem de CK-MB no soro (atividade enzimática, ou seja, ativi-
dade da enzima em formar produtos a partir de substratos), para confirmar
que existe realmente uma lesão cardíaca, não em outro tipo de músculo
(MIRANDA; LIMA, 2014; SOARES et al., 2012).
Após as dosagens de CK-total e CK-MB, pode-se fazer um cálculo para
avaliar a percentagem correspondente de CK-MB dentro da CK-total, aplicando-
-se a fórmula a seguir:

100 × (CK-MB/CK-total)

A obtenção de valores de CK-MB inferiores a 4% remete à presença de


lesões musculares periféricas, enquanto valores entre 4–25% sugerem IAM.
Ao interpretar os resultados desse exame, cabe ao médico conhecer a
história clínica do paciente, a presença de doenças crônicas e seu estilo
de vida, pois a presença de insuficiência renal crônica, de lesão muscular
periférica crônica ou de lesões no sistema nervoso central, ou a prática de
exercícios físicos desgastantes em dias anteriores ao exame podem ocasio-
nar a liberação de CK e CK-MB, fornecendo resultado falso positivo para IAM
(SOARES et al., 2012).
Além disso, é importante atentar para valores de CK-MB superiores a 25%,
pois informam sobre a presença de macroenzimas (macro-CK) circulantes,
que são um tipo de CK de maior peso molecular, agregado às imunoglobuli-
nas circulantes (formando a CK tipo 1, elevada em doenças cardiovasculares
e autoimunes), ou com CK de origem mitocondrial (que forma a CK tipo 2,
elevada na presença de alguns tumores). A presença de macro-CK pode
estimular o aumento da atividade de CK-MB e gerar diagnósticos errôneos
de IAM (SOARES et al., 2012).
Além da CK total e da CK-MB atividade, podemos avaliar a CK-MB massa,
medida no plasma do paciente para avaliar não sua atividade, mas a concen-
tração dessa CK na circulação sanguínea, mesmo que ela ainda não esteja
exercendo qualquer atividade. Por esse motivo, a CK-MB massa possibilita
10 Diagnóstico da função cardíaca

uma avaliação mais precoce, pois apresenta-se alterada antes da CK-MB


atividade mostrar-se elevada, demonstrando uma sensibilidade de detecção
de 50% nas primeiras 3h do aparecimento de sintomas, e de 80% em 6 horas
(BORGES; JESUS; MOURA, 2019; MIRANDA; LIMA, 2014; PIEGAS et al., 2015).

A determinação dos níveis de CK-total, CK-MB atividade e CK-MB


massa é muito útil para estabelecer ou descartar o diagnóstico de
IAM, reinfarto e avaliação do miocárdio após intervenção coronariana (MIRANDA;
LIMA, 2014). Apesar disso, é importante que ela seja feita em conjunto com outros
marcadores, como a troponina, que se mostra mais sensível, pois cerca de 30%
dos pacientes com sensação de desconforto no peito e que são diagnosticados
com IAM não apresentam elevação de CK-MB, mas possuem níveis de troponina
aumentados (SANTOS et al., 2011).

Troponina
Desde 1992, a dosagem de troponinas cardíacas tem se mostrado bastante
específica e eficiente para o estabelecimento do diagnóstico de IAM, sendo
utilizada na rotina clínica como padrão-ouro dos marcadores de função cardí-
aca, que também permite avaliar o prognóstico do paciente e prever eventos
cardíacos (MIRANDA; LIMA, 2014; SANTOS et al., 2011; SANTOS; BIANCO, 2018).
A proteína troponina, presente nos filamentos finos da musculatura estriada,
atua sobre a contração muscular, regulando a interação actina/miosina. Exis-
tem três polipeptídios que se formam a partir da ligação da troponina com a
tropomiosina (TnT), com a actina (TnI) e com o cálcio (TnC), mas apenas os dois
primeiros possuem interesse e relevância clínica para o diagnóstico de lesão
cardíaca (BORGES; JESUS; MOURA, 2019; MIRANDA; LIMA, 2014; SOARES et al., 2012).
Após o início da formação da lesão no miocárdio, a troponina começa a
ser liberada do citoplasma dos cardiomiócitos para a circulação sanguínea,
sendo detectada a partir de 3h. Seus níveis aumentam gradativamente con-
forme sua liberação, cujo pico é obtido a partir de 12h (SOARES et al., 2012).

Evidências sugerem que pacientes com SCA e aumento de troponinas


têm alto risco de apresentar IAM dentro de um mês, podendo evoluir
para óbito. Além disso, há maior taxa de mortalidade e morbidade entre pessoas
com CK-MB elevadas e troponina normal, em comparação àquelas com CK-MB
em níveis normais (SANTOS et al., 2011).
Diagnóstico da função cardíaca 11

As troponinas possuem uma sensibilidade variável com o tempo, mas uma


especificidade estável de 83 e 98%; porém, assim como a CK-MB, elas não
conseguem sustentar um diagnóstico preciso sozinhas, pois não apenas o
IAM é capaz de elevar a liberação de troponinas, mas também outros eventos
cardíacos e doenças, como os listados a seguir (BORGES; JESUS; MOURA, 2019;
MIRANDA; LIMA, 2014; SANTOS; BIANCO, 2018; SOARES et al., 2012).

„„ Trauma cardíaco (biópsia, cirurgia, contusão).


„„ Dissecção da aorta.
„„ Taquiarritmia, doença valvar aórtica.
„„ Acidente vascular encefálico, hemorragia subaracnoidea.
„„ Hipotireoidismo, doenças infiltrativas.
„„ Exercício físico exaustivo ao extremo.
„„ Embolia pulmonar, falência respiratória.
„„ Cardiomiopatia (hipertrófica e de Tokotsubo).
„„ Rabdomiólise.
„„ Queimaduras em áreas extensas do corpo.
„„ Toxicidade de alguns medicamentos.
„„ Doença de Kawasaki.

Mioglobina
A mioglobina é uma proteína presente no músculo esquelético e cardíaco
cuja função é carregar oxigênio para as mitocôndrias presentes do tecido
muscular. Não chega a ser um marcador muito específico de lesão cardíaca,
pois pode elevar-se em situações em que haja dano muscular esquelético,
distrofia muscular, choque e trauma. No entanto, é um marcador que possui
a liberação mais rápida para a corrente sanguínea a partir do início da injúria,
cerca de 1–2h (PIEGAS et al., 2015).
Valores de referência normais para mioglobina nas primeiras horas após
o início da dor (ou desconforto) torácica podem auxiliar no afastamento da
suspeita de IAM (alto valor preditivo negativo, ou seja, capacidade de excluir
a presença da doença se os valores não estiverem alterados) (MIRANDA; LIMA,
2014; PIEGAS et al., 2015; SOARES et al., 2012).

Peptídeo natriurético cerebral


O peptídeo natriurético cerebral (BNP, do inglês brain natriuretic peptide) é
um hormônio peptídeo produzido no tecido cerebral e pelos miócitos ven-
12 Diagnóstico da função cardíaca

triculares em situações de alteração hemodinâmica, como sobrecarga de


volume e de pressão no coração. Frente a essas alterações, ocorre a liberação
do BNP como uma resposta compensatória da função miocárdica reduzida,
estimulando a vasodilatação do músculo liso e o aumento da diurese e da
natriurese (SOARES et al., 2012).
No processo de clivagem da proBNP, ocorre a liberação da BNP e a formação
NT-proBNP, composta pelo fragmento N-terminal ativo (NT-proBNP) (Figura
1). Ambas são consideradas excelentes biomarcadores para o diagnóstico, a
classificação de risco e o prognóstico da isquemia cardíaca. São muito úteis
no diagnóstico e na estratificação de risco da SAC, além de na prevenção de
eventos cardíacos futuros. Geralmente, os níveis de NT-proBNP se mantêm
elevados por mais tempo do que a BNP, devido à diferença no tempo de
meia vida de ambas, de 120 e 22 minutos, respectivamente; porém, ambas
possuem sensibilidade de cerca de 50% e especificidade de 79% (MIRANDA;
LIMA, 2014; SOARES et al., 2012).

Figura 1. Clivagem da proBNP em suas frações e funções.


Fonte: Flato et al. (2009, p. 399).

Apesar de não serem marcadores cardíacos específicos, pois elevam-


-se também em casos de insuficiência renal, embolia pulmonar e doenças
hepáticas, seus níveis elevados podem sugerir fortemente um alto risco de
evoluir para óbito e são muito interessantes para avaliar o prognóstico do
paciente (SILVA; MORESCO, 2011).
Diagnóstico da função cardíaca 13

Existem outros marcadores que poderiam ser utilizados para auxiliar no


diagnóstico diferencial, mas ainda não há evidências científicas suficientes
que justifiquem seu uso ou que demonstrem grandes benefícios aplicáveis.
Veja-os a seguir (MIRANDA; LIMA, 2014).

„„ Proteína de ligação de ácidos graxos cardíaca (H-FABP).


„„ Peptídeo natriurético atrial (ANP) e seu fragmento MR-proANP.
„„ Copeptin.
„„ Fator-15 de diferenciação e crescimento (GDF-15).
„„ Proteína receptora da interleucina 1 (ST2).
„„ Cardiotrofina (CT-1).
„„ Endotelina-1 (ET-1).
„„ Fosfolipase A2 associada à lipoproteína (Lp-PLA2).
„„ Biomarcadores do processamento do colágeno (PINP, PIIINP, TIMP-1,
ICTP).

Leia mais sobre os principais biomarcadores de doenças cardíacas


no livro Métodos diagnósticos: consulta rápida, da editora Artmed
(2012). Nesse livro, você encontra, de forma didática, explicações sobre a função
de cada marcador, valores de referência, aplicações clínicas e muito mais!

Referências
BORGES, L. P.; JESUS, R. C. S.; MOURA, R. L. Utilização de biomarcadores cardíacos na
detecção de infarto agudo do miocárdio. Revista Eletrônica Acervo Saúde, Campinas,
v. 11, n. 13, 2019. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/
view/940. Acesso em: 3 ago. 2020.
FLATO, U. A. P. et al. Peptídeo natriurético na emergência: quando usar? Revista da
Sociedade Brasileira de Clínica Médica, São Paulo, v. 7, p. 398-405, 2009.
FUCHS, F. D. Prevenção primária de cardiopatia isquêmica: medidas não medicamentosas
e medicamentosas. Uso racional de medicamentos: fundamentação em condutas tera-
pêuticas e nos macroprocessos de assistência farmacêutica, Brasília, v. 1, n. 5, p. 1-9, 2016.
NASI, L. A. (Org.). Rotinas em unidade vascular. Porto Alegre: Artmed, 2012.
PIEGAS, L. S. et al. V diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre tratamento
do infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST. Arquivos Brasileiros
de Cardiologia, São Paulo, v. 105, n. 2, supl. 1, p. 1-105, ago. 2015.
14 Diagnóstico da função cardíaca

SANTOS, E. S. et al. Comparação entre troponina I cardíaca e CK-MB massa em síndrome


coronariana aguda sem supra de ST. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo,
v. 96, n. 3, p. 179-187, 2011.
SANTOS, E. B.; BIANCO, H. T. Atualizações em doença cardíaca isquêmica aguda e
crônica. Revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, São Paulo, v. 16, n. 1, p.
52-58, jan./mar. 2018.
SILVA, S. H.; MORESCO, R. N. Biomarcadores cardíacos na avaliação da síndrome coro-
nariana aguda. Scientia Medica, Porto Alegre, v. 21, n. 3, p. 132-142, 2011.
SOARES, J. L. M. F. et al. (Orgs.). Métodos diagnósticos: consulta rápida. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2012. E-book.

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