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Rev Bras Anestesiol

1994; 44: 1: 83 - 90

Antiarrítmicos
Carlos Alberto de Souza Martins,TSA 1

Martins CAS - Antiarrythmics


Key Words: PHARMACOLOGY: antiarrythmics

O coração é uma bomba aspirante - premente que


exerce sua atividade em toda a plenitude,
graças a um arranjo harmonioso entre os eventos
tato direto com o miocárdio ventricular, onde ocorre
a característica resposta contrátil.

elétricos gerados a partir de correntes iônicos e sua - Potenciais de Ação Cardíacos


condução pelo tecido especializado até a intimidade
Quando a despolarização de uma célula
do miocárdio contrátil.
atinge um determinado limiar, ocorre como conse-
Mantida essa harmonia, é possível ao órgão
qüência o aparecimento de um potencial de ação,
centro do sistema cardiovascular receber sangue em
que é conduzido e transmitido às células adjacentes,
seu átrio direito, oriundo do corpo, com baixa
de forma imediata.
saturação de hemoglobina, fazê-lo passar através da
No caso do tecido cardíaco, tem sido de-
válvula tricúspide até o ventrículo direito, bombeá-lo
scrito dois tipos diferentes de potenciais de ação
para os pulmões onde sofre aeração, retornando ao
(PA). O chamado potencial de ação rápido, mais
átrio esquerdo com saturação adequada, passando
freqüente e característico da maioria das células
ao ventrículo esquerdo de onde é expulso para
atriais, ventriculares e fibras de Purkinje. Nesse tipo
suprimir as necessidades orgânicas de oxigênio e
de potencial são observadas 5 fases. O outro,
nutrientes. Quando há um distúrbio no ritmo
chamado de lento, típico das células marca-passo
cardíaco, suficiente para alterar a seqüência normal
(nó sino atrial e átrio-ventricular) e marca-passo lat-
de ativação das câmaras, faz-se necessário o uso de
entes. Nesse caso, chama atenção uma fase 4, in-
drogas, que na grande maioria dos casos, não são
stável pela presença de despolarização diastólica e
capazes de restaurar o funcionamento às condições
a ausência da fase 1.
de plena normalidade, possibilitando, no entanto,
Os agentes antirrítmicos modificam os dois
uma melhora da capacidade funcional do órgão. O
tipos de potenciais de forma previsível.
conhecimento do mecanismo de ação das drogas
mais comuns facilita sua indicação quando ne-
- Potencial de Repouso
cessária.
Uma célula em repouso apresenta-se po-
NOÇÕES DE ELETROFISIOLOGIA larizada ou seja, há uma diferença de potencial entre
o interstício e o citoplasma celular, comportando-se
A seqüência normal de ativação do coração
a membrana como um capacitor. Essa diferença de
começa com a despolarização dos tecidos do nó
potencial em repouso é o resultado do funcionamento
sino-atrial, redundando num potencial de ação con-
da bomba de Na+ e K+ aliada à baixa condutância da
duzido através do tecido atrial especializado e que
membrana ao Na+. Graças a isto, criam-se gradien-
atinge o nó átrio-ventricular (AV). Neste ponto há um
tes químicos e/ou eletroquímicos aos íons Na+ e K+.
retardo, após o que, o potencial de ação, seguindo
A tendência do Na+ de entrar na célula é contra-
pelo feixe de His e seus ramos, atinge as fibras
balançada pela baixa condutância da membrana em
terminais de Purkinje. Estas encontram-se em con-
repouso e ao funcionamento da bomba de Na+ e K+.
A tendência do K+ de seguir seu gradiente químico,
1 Professor Adjunto de Farmacologia da UFMA, Anestesiologista da abandonando a célula, é contrabalançada pela pre-
Clínica São Marcos - São Luiz - MA
sença de cargas elétricas negativas, principalmente
proteínas, existentes em seu interior, e pela saída
Correspondência para Carlos Alberto de Souza Martins desse íon, devido a aumentada condutância da mem-
Av Grande Oriente Qd 36 - C.27 - Renascença brana que, por sua positividade acaba gerando um
65075-180 São Luís - MA
campo elétrico que lhe é antagônico. No final ob-
© 1994, Sociedade Brasileira de Anestesiologia serva-se uma predominância de íons K+ (150 mM/L)

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no interior da célula e de íons Na+ (140 mM/L) no exibem automatismo (despolarizam) durante a
interstício celular mantendo uma diferença de poten- diástole, chamadas de marca-passo, como os nódu-
cial no músculo cardíaco de -90 mV (potencial de los SA e AV. Nessas células ocorre uma entrada de
repouso). Ca++ e Na+, aliada à uma diminuição de velocidade
de saída de K+, reduzindo o potencial, até o limiar de
- Forma dos Potenciais e Íons Envolvidos excitação e início da nova fase zero. Como o nódulo
sino-atrial é quem atinge mais rapidamente o limiar
A simples observação do registro de poten- de excitação, é ele quem comanda o ritmo cardíaco.
ciais obtidos de diferentes regiões do coração per- Nos potenciais de despolarização lenta, a
mite distinguir as diferenças quanto a forma daqueles fase zero parece ser devida à entrada de Ca++. A
oriundos de tecido especializado, com função de velocidade de condução, que como se sabe é de-
marca-passo (nó sino-atrial e átrio-ventricular), em pendente de V max, será mais lenta. As fases 1 e 2
relação aos demais. não são nítidas e a fase 3 é dependente da saída de
A forma que aparece nos registros obtidos K+ (repolarização).
de células miocárdicas depende da magnitude da
corrente predominante em cada momento e dos íons
que lhes dão origem.
Assim é que a fase zero (0) é devida a um
súbito aumento da condutância ao íon Na+. Esse íon
entra na célula nessa fase, através de canais rápidos
dependentes de voltagem, específicos, que se abrem
em torno de -60 mV (limiar de excitabilidade) e per-
manecem abertos por cerca de um milissegundo.
Estes canais apresentam-se em três estados distin-
tos: repouso, aberto, inativado e são controlado por
dois portões: de ativação (portão M) - abre-se quando
o limiar de excitabilidade celular é atingido (-60 mV)
e deixa entrar o Na+; o de inativação (portão H)
encontra-se aberto quando a célula está em repouso,
Fig 1 - a) potencial de despolarização lenta e b) potencial de despolari -
fecha-se em potenciais mais positivos e sua abertura zação rápida.
ocorrerá quando a repolarização fizer retornar o po-
tencial a seu valor de repouso.
Então, quanto maior for a negatividade da Pode-se depreender do que foi explicado
célula, maior será a disponibilidade de canais de Na+ acima, que em dado momento a onda de excitação
para abertura do portão de ativação e, conseqüente- pode encontrar células com potenciais de repouso
mente, maior será a velocidade de entrada da cor- distintos (mais ou menos despolarizadas) e sabendo-
rente despolarizante de Na+, levando a inversão do se:
potencial da célula que passará a ser positivo em
1- Quanto mais negativo for o potencial, maior a
relação ao exterior em cerca de 40 mV. A velocidade
disponibilidade para abertura de canais de
de ascensão da fase zero (V max) medida pelo dv/dt
Na+.
é dependente da negatividade intracelular, visto que,
2- A magnitude de corrente despolarizante de Na+
quanto maior a negatividade, maior será V max e depende dessa disponibilidade.
mais rapidamente o impulso será conduzido. A isso 3- A velocidade de condução é diretamente pro-
se chama de responsividade da membrana. porcional a velocidade de ascensão da fase
A fase 1, que se segue, é devida a inati- zero (V max).
vação da corrente de Na+ e a repolarização rápida e
limitada, depende da saída de K+. Pode-se concluir ser possível a um impulso
A fase 2 interrompe a repolarização rápida originado no marca-passo sinusal chegar ao músculo
e é devida a entrada de Ca++ pelos canais depen-- ventricular em tempos diferentes, segundo a veloci-
dentes de voltagem, mantendo um platô carac- dade de condução.
terístico desse tipo de PA. Durante a fase zero 1, 2, e parte inicial da
A fase 3 é devida a saída de K+ da célula e fase 3 a célula não responde a estímulos mesmo
é chamada de repolarização rápida. supra-liminares. É o período refratário absoluto
A fase 4 é diferente para as células que (PRA). Na parte terminal da fase 3 um estímulo

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ANTIARRÍTMICOS

supra-limiar é capaz de provocar resposta. É o músculo esquelético obrigando uma redução


chamado período refratário relativo. Dentro do pe- da dose do cardiotônico em cerca de 50%.
ríodo refratário relativo encontra-se o período efetivo Farmacocinética - O sulfato de quinidina é rapida-
(PRE), que é o menor espaço entre dois impulsos mente absorvido após administração oral, at-
propagados. ingindo o pico de concentração plasmática
entre 60 e 90 minutos. A injeção endovenosa
MECANISMOS RESPONSÁVEIS PELA deve ser evitada devido a ação bloqueadores
ARRITMIAS α-adrenérgica que a droga possui e que tem
como conseqüência uma queda na resistên-
I- Anormalidade na Geração de Impulsos
cia periférica. Cerca de 80 a 90% liga-se à
Automaticidade Normal Alterada - O tecido albumina, é hidroxilada no fígado (metabo-
automático normal do coração (nódulo litos inativos) e excretada na urina sendo 20%
sinusal, AV, sistema His-Purkinje) ou latente na forma inalterada.
(tratos internodais, fibras situadas próximas Farmacodinâmica - Bloqueio da corrente rápida de
ao óstio do seio coronário) gera o impulso sódio, diminuição da ascensão da fase 0 do
com freqüência alterada. potencial de ação (PA) cardíaco, prolonga-
Automaticidade Anormal - Ocorre quando células mento do período refratário efetivo, retardo
não automáticas (músculo atrial e ventricular) da condução;diminui a despolarização es-
tem seu potencial de repouso reduzido (-60 pontânea - Fase 4; diminui a responsividade
mV) facilitando o aparecimento de despolari- da membrana (elevação do limiar de excitabi-
zação diastólica espontânea, e deflagração lidade)em maior intensidade na hipercalemia.
automática. Efeitos Antiarrítmicos - Deprime a automaticidade
Atividade Deflagrada - Geração de impulsos por normal sendo pouco efetiva na automatici--
pós-despolarização precoce ou tardia, que dade anormal; abole as arritmias por reen-
alcançam o limiar, também em células não trada ao converter um bloqueio unidirecional
automáticas (atriais e ventriculares). Chama- em bi-direcional.
se de precoce quando a despolarização Efeitos no Eletrocardiograma - Alonga o P-R, QRS
acontece antes que ocorra a repolarização ao e Q-T. O alongamento Q-T é devido à repo-
estímulo anterior. É dita retardada quando a larização lenta dos ventrículos. Quando muito
despolarização ocorre após a repolarização aumentada é sinal de toxicidade e pode facili-
ter ocorrido totalmente. Estas alterações são tar o aparecimento de arritmia que pose ter-
correntemente induzidas pelos digitálicos. minar em fibrilação ventricular.
Efeitos Cardiovasculares e Hemodinâmicos - Pos-
II - Anormalidade na Condução do Impulso sui um efeito inotrópico negativo, de pequena
Alteração da Resposta Rápida - Acontece quando intensidade. Pode causar hipotensão pelo
o potencial de repouso é reduzido para valo- efeito bloqueador α-adrenérgico. Ação se-
res inferiores a -60 mV. Em potencial de re- melhante a da atropina, favorece o apare-
pouso de -50 mV o canal de Na+ encontra-se cimento de taquicardia, principalmente em
inativado, a entrada de Na+ não ocorre e a doses baixas.
resposta rápida não acontece. A alteração da Contra-Indicações - O bloqueio de terceiro grau
resposta rápida e a condução lenta permitem contra-indica o uso de quinidina porque a
o aparecimento de reentrada. depressão da automaticidade por ação no
marca-passo nodal ou ventricular alternativo
- Grupo I A causará assistolia. Não deve ser usada em
Quinidina - Usada freqüentemente para evitar presença de Insuficiência Cardíaca Conges-
recaídas de fibrilação atrial ou para suprimir tiva. Em miastênico pode haver piora do
contrações ventriculares prematuras. É quadro, em resposta à diminuição da lib-
efetiva no tratamento agudo e crônico das eração de acetilcolina com o uso de quinidina.
taquiarritmias supraventriculares. Devido a
Procainamida - É o resultado de pesquisas que
ação anticolinérgica, pode causar aumento
visavam tornar a procaína, um anestésico
paradoxal da freqüência ventricular em local, menos susceptível a destruição pela
pacientes portadores de flutter-fibrilação colinesterase plasmática. Seu perfil antiar--
atrial. Nestes casos é comum a associação rítmico é em tudo semelhante ao da quinidina,
com os digitálicos. É interessante frisar, no tornando-se, porém, droga de escolha
entanto, que a quinidina desloca a digoxina quando a via endovenosa se impõe.
dos locais de ligação no tecido cardíaco e no

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Classificação das Drogas Antiarrítmicas Segundo o Mecanismo de Ação.


Grupo Drogas
Bloqueio dos Canais de Na +
Depressão moderada da fase zero Quinidina
I-A Retardo moderado da condução Procainamida
Prolongamento da repolarização Disopiramida
Depressão mínima da fase zero Lidocaína
I-B Retardamento mínimo da condução Fenitoína
Encurtamento da repolarização Mexiletina
Depressão pronunciada da fase zero Encainida
I-C Retardamento pronunciado da condução Lorcainida
Interfere pouco com a repolarização Flecainida
II Bloqueio ß-adrenérgico Propranolol e similares
III Prolongamento da Repolarização Amiodarona e Bretílio
IV Bloqueio dos Canais de Cálcio Diltiazem e Verapamil

Disopiramida - Pertence à mesma classe dos


O uso prolongado é, no entanto, prejudicado anteriormente estudados, apresentando car-
pelo aparecimento de uma síndrome semel- acterísticas farmacológicas semelhante às
hante ao Lupus Eritematoso Sistêmico. daquelas drogas. Chama a atenção o efeito
Farmacocinética - É bem absorvida após adminis- inotrópico negativo pronunciado e uma ação
tração oral, atingindo o pico de concentração vasoconstritora que aumenta a pós-carga.
plasmática em 45 a 75 minutos. A via en- Esta última não é observada com a quinidina
dovenosa é utilizada com freqüência, por- e a procainamida. É usada somente por via
tanto sua ação bloqueadora α-adrenérgica é oral, atingindo pico plasmático entre 1 a 2
bem menor do que a da quinidina, havendo horas. Liga-se pouco às proteínas plasmáti-
um menor risco de hipotensão. É metabo- cas (15%). O metabolismo hepático produz
lizada no fígado por acetilação, dando origem pelo menos um composto ativo que é bem
a N-acetil procainamida (NAPA). A veloci- menos ativo do que o original. Cerca de 50%
dade de acetilação permite distinguir a popu- da droga é eliminada inalterada pelos rins.
lação em dois grupos: acetiladores rápidos e Sua ação anticolinérgica é bem mais intensa
lentos. Nos acetiladores rápidos, a formação do que a vista com os demais membros do
de NAPA em elevadas concentrações excede grupo.
a do composto original. Esse metabólito da
procainamida, ao contrário desta, tem - Grupo I B
pequeno efeito sobre a velocidade de ascen-
são da fase zero (V max) das fibras de Purk- Lidocaína - É um anestésico local, usado pela
inje, prolongando a repolarização e potencial primeira vez como antiarrítmico em 1950,
de ação. Dessa forma, por ser considerado sendo hoje o principal recurso no tratamento
como antiarrítmico do Grupo III. O NAPA pos- de arritmias ventriculares que ameaçam a
sui meia-vida de eliminação maior do que a vida. Sua vantagem, quando comparada à
da procainamida, sendo excretada primaria- quinidina e a procainamida, é devida a um
mente pelos rins. mais rápido início e desaparecimento de efei-
Farmacodinâmica - Os efeitos antiarrítmicos e ele- tos, permitindo adequar, momento a mo-
trocardiográficos se assemelham aos da mento, a velocidade de infusão necessária ao
quinidina. tratamento antiarrítmico.
Efeitos Cardiovascular e Hemodinâmico - São Farmacocinética - A biodisponibilidade após a
comparáveis aos da quinidina senso a vaso- ingestão oral é pequena devido ao efeito 1ª
dilatação menos acentuada e a depressão do passagem (metabolização hepática). A via
inotropismo mais intensa, quando a via en- normalmente utilizada é a endovenosa. Esse
dovenosa é utilizada. composto possui um meia-vida de dis-
Contra-Indicações - Bloqueio de terceiro grau, na tribuição em torno de 20 minutos sendo a de
miastenia gravis e em pacientes que apre- eliminação de 2 horas. O equilíbrio dinâmico
sentem hipersensibilidade à procaína. é atingido entre 5 a 7 horas. Cerca de 70% da
lidocaína liga-se à α1 glicoproteína ácida.

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ANTIARRÍTMICOS

Farmacodinâmica - Deprime a maneira pouco e previne o aparecimento de fibrilação ventri-


acentuada a fase zero, interferindo, por con- cular com relativa segurança por causa da
seguinte, muito pouco na velocidade de con- ausência de efeitos hemodinâmicos poten-
dução. Encurta a repolarização. tes.
Efeitos Antiarrítmicos - Reduz a duração do poten-
cial de ação (PA); o período refratário efetivo - Grupo I C
é também reduzido. É preciso atentar para o Flecainida - É um anestésico local fluorinado,
fato de que a redução no PA é maior do que análogo da procainamida, eficaz em suprimir
a observada no período refratário efetivo arritmias ventriculares não sustentadas em
(PRE), tendo-se no final um alongamento do pacientes com função ventricular esquerda
PRE em relação a duração do potencial de normal ou pouco comprometida. O uso
ação. Em outras palavras, há a repolarização crônico no tratamento de arritmias ventricu-
do tecido mais refratariedade contínua, lares que se seguem ao infarto agudo do
provavelmente devida à ligação da droga aos miocárdio está relacionado ao aumento da
canais de Na+ no estado aberto e/ou inati- incidência de morte súbita. Devido as al-
vado, alterando a velocidade de retorno ao terações observadas no eletrocardiograma,
estado de repouso. acredita-se que diferentemente da procai-
As ações no PA são menos intensas no tecido namida, a flecainida determina um bloqueio
atrial. Ao contrário das drogas do grupo IA, a de condução do impulso nervoso nas regiões
lidocaína suprime a automaticidade anormal infra-nodal e átrio-ventricular.
em condições de intoxicação digitálica. Parece deprimir a função do nódulo sinusal
Abole a reentrada ventricular por mecanismo de forma similar aos bloqueadores de entrada
similar ao da quinidina. O retardo na con- de Ca++.
dução é muito mais intenso em tecidos doen- Farmacocinética - Possui meia-vida longa, 16 a 20
tes (hipóxicos,isquêmicos) com células horas, após administração oral; sofre
despolarizadas (potencial de repouso menos biotransformação mínima, dando lugar a
negativo) e com alta freqüência de estimula- metabólito inativo.
ção(efeito dependente do uso ou freqüência). Farmacodinâmica - Bloqueio dos canais de Na+,
Efeitos no Eletrocardiograma - Os efeitos são míni- com depressão acentuada da fase zero, de-
mos, sendo visto esporadicamente um encur- pressão acentuada da condução, afeta pouco
tamento no intervalo Q-T, às custas da ação a repolarização celular.
na repolarização. Efeitos Antiarrítmicos - Deprime V max nas células
Efeitos Hemodinâmicos - Nas doses usuais não miocárdicas (atriais e ventriculares) e na fibra
há alteração da função ventricular esquerda, de Purkinje. Reduz a automaticidade por ele-
não se observando interferência na função var o potencial limiar mais do que por interferir
autonômica. na velocidade de inclinação da despolari-
Efeitos Adversos - As concentrações terapêuticas zação diastólica.
variam em torno de 1 a 5 µg/ml. Com níveis Efeitos no Eletrocardiograma - A flecainida
plasmáticos acima de 5 µg/ml podem ser aumenta: Q-R, QRS e Q-T de maneira dose
observados: sonolência, abalos musculares, depen--dente.
parestesias, distúrbios da fala, vertigem, Efeitos Hemodinâmicos - Possui efeito inotrópico
zumbidos e desorientação. Níveis de 9 µg/ml negativo, pouco pronunciado. Não parece al-
ou acima, estão associados a convulsões e terar a pressão arterial.
parada respiratória. Os níveis tóxicos podem Efeitos Adversos - Tem um potencial arritmogênico
causar bradicardia severa, parada sinusal e e em corações insuficientes em recuperação
bloqueio átrio-ventricular (BAV). O uso con- de infarto do miocárdio, seu uso deve ser feito
comitante de cimetidina eleva os níveis plas- com cautela.
máticos de lidocaína. Contra-Indicações - Pacientes com baixa de
Contra-Indicações - Disfunção hepática severa, ejeção; com doença no nódulo sinusal; com
história prévia de convulsões tipo grande mal bloqueio átrio-ventricular.
com uso anterior da droga; presença de BAV
de 2º ou 3º grau. Encainida - A farmacologia da encainida se asse-
Uso Clínico - É usada quase que exclusivamente melha a da flecainida. Ocorrem dois metabóli-
no tratamento de arritmias ventriculares. É tos potentes com perfis farmacocinéticos
ineficaz em arritmias supraventriculares. distintos, e que são responsáveis pelo efeito
Em pacientes infartados controla as arritmias antiarrítmico na maioria dos pacientes.

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Propafenona - Esta droga é quase completamen- vadas.


te absorvida por via oral sendo sua biodispo- Efeitos Hemodinâmicos - Ocorre bradicardia, inot-
nibilidade afetada pela intensa ropismo negativo, diminuição de débito
metabolização hepática (efeito 1ª pas- cardíaco, elevação de resistência vascular
sagem). Atinge pico de concentração plas- periférica devido ao bloqueio de receptores
mática em aproximadamente 3 horas. Cerca ß2 e compensação simpática reflexa que es-
de 97% liga-se a α1 - glicoproteína ácida. timula receptores α vasculares.
Dos metabólitos (cerca de 11), pelo menos Efeitos Adversos - Indução de falência ventricular
dois apresentam ação farmacológica e efei- em pacientes com função dependente da
tos semelhantes ao da droga primária. atividade simpática aumentada.
A semelhança da flecainida e encainida, re- Brondoespasmo. Hipoglicemia devido ao bloqueio
tarda acentuadamente a condução em todo o da glicogenólise muscular.
tecido cardíaco. Exerce pouco efeito na auto- Uso Clínico - Taquiarritmias supraventriculares,
maticidade sinusal. despolarizações ventriculares prematuras.
Arritmias ventriculares devidas ao exercício,
- Grupo II ansiedade, feocromocitoma e tireotoxicose.
São drogas que inibem o efeito da estimula- Arritmias induzidas pelos anestésicos
ção simpática do coração, agindo nos recep- inalatórios que sensibilizam o miocárdio às
tores beta. Costuma-se fazer uma diferença catecolaminas.
na afinidade destas drogas pelos dois dife-
rentes tipos de receptores beta: ß1-cardíaco - Grupo III
e ß2-músculo liso bronquial e vascular. É Drogas que prolongam a repolarização
importante ter em mente, no entanto, que em
doses elevadas ambos os receptores são Bretílio - Um composto benzilamônico, usado no
bloqueados. O protótipo desse grupo de sub- início com a perspectiva de tratar hipertensão
stância é o propranolol. arterial. Ocorre que sua baixa biodisponibili-
Farmacocinética - É bem absorvido após a inges- dade por via oral e o desenvolvimento de
tão, porém sua biodisponibilidade é reduzida tolerância levaram ao abandono desta droga
como anti-hipertensivo.
em 25% devido a extensa metabolização he-
Farmacocinética - Absorção precária após a in-
pática.
gestão oral, é excretada inalterada pela urina.
A via endovenosa é a preferida nas urgên-
Farmacodinâmica - Prolonga a duração do poten-
cias, a dose utilizada é de 5 a 15 µg/kg num
cial de ação e o período refratário efetivo
total de 1 a 3 mg. A concentração terapêutica
(PRE) das fibras de Purkinje e músculo ven-
varia amplamente,de acordo com o tipo de ar-
tricular. Libera a epinefina dos terminais sim-
ritmias, entre 20 a 1000 µg/ml. páticos,o que gera um aumento do
A meia-vida de eliminação é de 2 a 4 horas. automatismo em tecido nodal e fibras de
Farmacodinâmica - Bloqueio dos receptores ß 1 Purkinje.
com inibição da ação simpática; aumento da Efeitos no Eletrocardiograma - Prolonga o inter-
condutância ao K+ (corrente repolarizante) e valo Q-T.
em doses elevadas, depressão da corrente Efeitos Hemodinâmicos - Devido a sua ação no
de Na+ (ação anestésica local). terminal adrenérgico ocorre um discreto au-
Efeitos Antiarrítmicos - Diminui a velocidade de mento na freqüência e na pressão arterial no
inclinação da fase 4 (despolarização diastóli- início do tratamento. O uso prolongado vai
ca) no nódulo sinusal e fibra de Purkinje, provocar depleção do transmissor à seme-
principalmente quando há predomínio simpá- lhança da guanetidina.
tico, endógeno ou exógeno (drogas). A velo- Efeitos Adversos - Modificação da função adrenér-
cidade de condução átrio-ventricular é gica. A injeção endovenosa rápida pode
deprimida pelo propranolol e o período refra- causar hipotensão severa, pela diminuição
tário efetivo é alongado. As arritmias devidas da resistência periférica.
a atividade deflagrada tipo pós- despolariza- Uso Clínico - É reservado para uso em arritmias
ções tardias, melhoram com seu uso. Em ventriculares, especialmente taquicardia ven-
doses elevadas possui ações do tipo das da tricular, que não respondem ao uso de procai-
quinidina (ação anestésica local). namida, lidocaína ou corrente direta.
Efeitos no Eletrocardiograma - O intervalo P-R é Amiodarona - É um derivado benzofurano, estru-
prolongado, o Q-T é encurtado mas o QRS turalmente similar ao hormônio tireoidiano.
é alterado somente em concentrações ele- Possui ações semelhantes às do bretílio no

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ANTIARRÍTMICOS

músculo ventricular e fibras de Purkinje, atu- - Grupo IV


ando ainda no músculo atrial e células nodais. Os fármacos pertencentes a este grupo são
Farmacocinética - A absorção por via oral é defi- utilizados como antiarrítmicos devido a sua
ciente com biodisponibilidade de 45%. O pico propriedade bloqueadora dos canais de cál-
de concentração plasmática ocorre por volta cio. No que diz respeito a esse efeito desta-
de 5 ou 6 horas após a dose oral. Liga-se cam-se o verapamil e diltiazem.
muito aos tecidos periféricos, sendo metabo- Farmacocinética - Boa absorção por via oral, mas
lizada lentamente no fígado. Sua meia-vida a biodisponibilidade é prejudicada pelo efeito
de eliminação é de 25 a 60 dias. 1ª passagem. O pico plasmático ocorre em
Farmacodinâmica - É complexa, possuindo ações torno dos 30 minutos.
do grupo I, II, III e IV. Atua principalmente Cerca de 70 a 99% liga-se às proteínas plas-
prolongando a duração do PA e da refrata- máticas e possuem meia-vida de 1,3 a 5
riedade no tecido cardíaco especializado (nó- horas. O metabolismo hepático produz meta-
dulo e sistema de condução) e não bólitos ativos.
especializado (músculo). Farmacodinâmica - Os canais de Ca++ são ativa-
Bloqueia de forma não competitiva os recep- dos por voltagem (seletivos): T, L e N ou pelo
tores adrenérgicos αe ß. Bloqueia os canais acoplamento de uma substância agonista.
de cálcio. Devido a seu elevado conteúdo em Como conseqüência há um aumento da con-
iodo exerce ação antitireoide que pode ter dutância ao Ca++ que entra na célula segun-
efeito antiarrítmico. do seu gradiente de concentração.
Efeitos no Eletrocardiograma - Causa aumento do Os fármacos antiarrítmicos do grupo IV agem
intervalo P-R, Q-T e do QRS. Pode ocorrer bloqueando os canais L, que participam no
bradicardia sinusal. acoplamento excitação contração na fase
Efeitos Hemodinâmicos - Vasodilatação periférica zero do potencial de ação dos nódulos sinusal
e efeito antianginoso eficaz. Deprime de for- e átrio-ventricular.
ma pouco acentuada o inotropismo cardíaco. Efeitos Antiarrítmicos - Retardo na condução no
Efeitos Adversos - Microdepósitos cornearios as- nódulo átrio-ventricular, prolongamento do
sintomáticos tem sido descritos em quase período efetivo (PRE). Depressão da despo-
todos os pacientes fazendo uso do fármaco. larização diastólica.
Neuropatia periférica e hipotireoidismo. Fo- Efeitos no Eletrocardiograma - Aumentam o inter-
tossensibilidade e coloração acinzentada da valo P-R.
pele. Efeitos Hemodinâmicos - Diminuição da resistên-
Fibrose pulmonar ocorre em 15% dos pacien- cia vascular periférica, aumento do fluxo
tes constituindo-se no efeito adverso mais coronário e efeito inotrópico negativo. Di-
temível. minuição da pressão arterial.
Contra-Indicações - Em pneumopatas, hepa- Efeitos Adversos - Menos de 1% dos pacientes
topatas e em pacientes com função ventricu- podem apresentar respostas adversas que
lar deficiente seu uso deve ser criterioso. ameaçam a vida, como hipotensão severa,
Uso Clínico - Poderia ser usada em tratamento de bradicardia/assistolia.
praticamente todas as arritmias cardíacas, Uso Clínico - Droga de escolha no tratamento da
não fora seu elevado potencial tóxico . taquicardia supraventricular paroxística,
Dessa maneira, seu uso restringe-se ao tra- devido à reentrada, na região do nódulo átrio-
tamento agudo das arritmias que ameaçam a ventricular ou condução anormal (síndrome
vida, se não revertidas imediatamente. de Wolf-Parkinson White).

Resumo Farmacocinética das Principais Drogas de Cada Grupo

Biodisponibilidade t1
Droga Oral (%) Vd (L/kg) Ligação Protéica (%) Faixa Terapêutica
2
Quinidina 70 a 75 2,0 a 3,0 75 a 90 4,0 - 8 h 2-6 µg/ml
Procainamida 75 a 95 1,5 a 2,5 15 a 25 2,0 - 4 h 4-10 µg/ml
Lidocaína -------- 1,0 a 2,0 65 a 75 0,3 - 2 h 1,5-5 µg/ml
Fenitoina variável 0,5 a 1,0 90 18,0 - 36 h 10-20 µg/ml
Flecainida 95 9,0 50 14,0 - 50 h 20-1000 ng.ml
Propranolol 25 a 50 3,0 a 4,0 85 a 95 3,0 - 6 h 50-100 ng/ml
Bretílio 15 a 30 56,0 < 10 6,0 - 10 h 0,5-1,5 µg/ml
Amiodorona 20 a 50 muito grande provavelmente alta 20,0 - 50 dias 0,5-3 µg/ml

Revista Brasileira de Anestesiologia 89


Vol. 44 : Nº 1, Janeiro - Fevereiro, 1994
MARTINS

Resumo dos Efeitos Eletrofisiológicos e Hemodinâmicos


Droga Automatismo DPA PRE QRS Efeitos Hemodinâmicos
- + + + Inotropismo negativo
Quinidina Vasodilatação
Hipotensão
- + 0,+ + Inotropismo negativo
Procainamida Vasodilatação
Hipotensão
Lidocaína - - + 0 Não interfere no inotropismo
Fenitoina - - 0,- 0 Hipotensão
Altera freqüência cardíaca
Flecainida - - 0 + Arritmias
Dor no tórax
Propranolol 0,- 0,- 0,+ 0 Inotropismo negativo
Hipotensão
Bretílio 0,+ + 0 0 Hipotensão
- + + 0 Não interfere no inotropismo
Amiodorona Hipotensão
Aumento do fluxo coronário
- + 0 Inotropismo negativo
Verapamil Vasodilatação
Hipotensão
DPA= Duração do Potencial de Ação; PRE= Período Refratário Efetivo; -= diminui; += aumenta; 0=não altera

Drogas Úteis no Manuseio de Arritmias Perioperatórias


Droga Indicações
Bradicardia sinusal,
Atropina B= 0,4 - 1,0 mg (até 2,0 mg) batimento de escape
Bloqueios de 1 o e 2o grau
B= 5-10 mg durante 2-3 minutos
Quinidina Arritmias atriais e ventriculares
I= 5 µg.kg-1.min-1
B= 25-50 mg durante 1 minuto
Procainamida Arritmias atriais e ventriculares
I= 6-13 mg.kg -1; 0,5 mg.kg -1.min-1
B= 1,0-2,0 mg.kg -1
Lidocaína Arritmias ventriculares
I= 10-50 µg.kg-1.min-1
B= 50-100 mg cada 5 minutos
máxima de 1000 mg
Fenitoina Arritmias atriais e ventriculares por digital
I= 25-50 m.min -1
máxima de 1000 mg
Propranolol B= 0,25-0,5 mg cada 5/10 minutos Arritmias por estimulação simpática
até 0,15-0,2 mg/kg
Taquicardia ventricular renetente
Bretílio B= 5-10 mg.kg -1 I= 1-2 mg/min -1 ameaçando a vida
B= 5-10 mg durante 1-2 minutos Taquicardia paroxística supraventricular.
Verapamil
I= 5 µg.kg-1.min-1 Flutter/Fibrilação atrial
B= Bolus; I= Infusão

Martins CAS - Antirrítmicos 02. Bigger Jr JT, Hoffman BF - Antiarrhythmic Drugs,


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