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O músculo cardíaco é único por ser capaz de gerar e conduzir rapidamente seus próprios impulsos elétricos
ou potenciais de ação. Esses potenciais de ação resultam na excitação das fibras musculares por todo o
miocárdio. Assim, a formação e a condução do impulso resultam em correntes elétricas fracas que se
espalham pelo coração. São esses impulsos que são registados com eletrocardiograma (ECG). Assim, as
arritmias são alterações no ritmo normal do coração devidos a problemas na geração ou transmissão de
impulsos elétricos neste órgão.
As alterações patológicas do ritmo cardíaco criam atividade desordenada do coração, o que interfere com o
funcionamento normal do miocárdio. Existe uma diversidade de arritmias, que podem variar entre leves, como
os ritmos anormais ocasionais, até serias anomalias que prejudicam gravemente a função do coração e que
podem provocar sérios perigos para a vida das pessoas.
Em certas áreas do coração, existem células miocárdicas especializadas que constituem o sistema de
condução do impulso. Essas células especializadas possuem a capacidade de autoexcitação que è capaz de
iniciar e conduzir os impulsos e, assim mantém a eficiência do bombeamento do coração. As células
especializadas geram impulsos, como um marcapassos natural, e o tecido de condução transmite esses
impulsos rapidamente e de forma seuqencial através de todo o coração. As células musculares cardíacas
também conseguem transmitir os impulsos, mas com uma velocidade de transmisao que é inferior à das
células do sistema de condução. Devido a essas propriedades do sistema de condução, este é o que
normalmente controla o ritmo cardíaco.
Para conhecer em que consistem as arritmias é necessário conhecer o funcionamento do sistema de
condução de impulsos no coração. As células especializadas que geram automatismo, denominadas células
marcapasos, geram potencias de acção rítmicos (regulares) em ausência de estímulos externos. Assim
coração tem duas propriedades intrínsecas:
a) O automatismo, pois consegue iniciar a sua própria atividade contráctil;
b) O ritmo, pois contrai periodicamente.
Como mostra a figura 1.1, apenas algumas células, localizadas em estruturas chamadas de nós, são capazes
de iniciar despolarizações espontaneamente. Estas células são cardiomiócitos especializados na condução
do impulso, embora também podem contrair muito fracamente em comparação com as células contráteis
cardíacas.
O nó sino-auricular ou sinusal (NSA), localizado na área de contato entre a aurícula direita e a veia cava
superior, constitui o marca-passos fisiológico, pois é a parte que gera impulsos rítmicos mais rapidamente.
Assim o impulso de cada batimento inicia no NSA, que gera os estímulos que são propagados para a aurícula,
que contrai, e também para o nó auriculoventricular (NAV).
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O NAV está localizado na região do septo interventricular, em uma área adjacente à válvula tricúspide. Do
NAV, o impulso é transmitido para o feixe de His, que atravessa o septo interventricular e se bifurca em dois
ramos principais (esquerdo e direito). Por sua vez, o ramo esquerdo se bifurca em duas subdivisões
principais. Todos os ramos do feixe de His são seguidos pelas fibras de Purkinje, que entram em contato com
o tecido do miocárdio ventricular transmitindo o impulso e provocando a contração ventricular.
Depois que uma célula ou grupo de células dentro do coração é estimulado eletricamente, segue-se um breve
período em que essas células não podem ser novamente excitadas. Este período é conhecido como período
refratário. Pode ocorrer que, à medida que a frente da onda elétrica desce pelo sistema de condução, o
impulso eventualmente pode encontrar tecido refratário à estimulação (recentemente excitado) e,
subsequentemente, o impulso finaliza neste nível. Após, é preciso ocorrer a condução de um novo impulso,
gerado no NSA.
O NSA é uma zona ricamente irrigada e também é enervada pelo sistema nervoso autônomo. Assim, embora
o NSA gera, independentemente do sistema nervoso, os impulsos que promovem a frequência cardíaca, o
sistema nervoso autónomo pode controlar o grau do automatismo do NSA (revisar bibliografia da UP2). O
suprimento nervoso origina-se do centro cardioregulatório na medula oblonga que está situada no tronco
encefálico. Assim, os nervos do sistema simpático aumentam a frequência cardíaca e os do parassimpático
(vago) diminuem a frequência cardíaca, pois ambos inervam o coração (nós e musculo). Neste sentido, outros
fatores, como o stress, a idade, e a temperatura corporal, o balanço eletrolítico, a volemia e o oxigénio em
sangue, influenciam a frequência cardíaca através do sistema nervoso
O automatismo é uma propriedade especial das células do NSA e do NAV. O automatismo é devido a que as
células especializadas se despolarizam espontaneamente.
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As células têm um potencial de repouso, provocado pelas diferentes concentrações de iões fora e dentro das
células, o que foi garantido pela ação de transportadores de iões. As membranas celulares também possuem
canais específicos para iões Na(+), Ca(2+), K(+) ou Cl(-), os quais permitem a sua movimentação, de forma
que podem provocar mudanças no potencial de membrana, os quais se podem transformar num potencial de
ação transmembranar (PAT).
As células do NSA não têm realmente um potencial de repouso pois o potencial de membrana varia
constantemente entre valores de aproximadamente -60mV até valores ligeiramente acima de 0mV.
Realmente ocorrem três fases diferentes nestas células (figura 1.2, parte direita), devidas a movimentos de
iões através da membrana.
- Fase 4 de despolarização espontânea - Despolarização espontânea, em que a voltagem começa a
aumentar lentamente, devido principalmente à entrada de Na(+) [I(Na)] e à entrada de Ca(2+) através
dos canais tipo T [l(Ca,T)], embora também há uma contribuição devida à diminuição da saída de K(+)
através dos canais de potássio tipo funny [I(Kf)];
- Fase 0 de despolarização rápida – quando a despolarização lenta da fase 4 atinge valores de -40mV,
são ativados os canais de Ca(2+) tipo L [l(Ca,L)] e ocorre uma despolarização rápida;
- Fase 3 de repolarização – quando na fase anterior o PAT atinge valores positivos, fecham os l(Ca,L) e
são ativados os canais de potássio dependentes de voltagem [I(K)];que permitem a saída de potássio
e o potencial de membrana volta aos valores iniciais da fase 4.
Em repouso, estas fases ocorrem e repetem-se aproximadamente cada segundo. A despolarização inicial
destas células é lenta, quando comparamos com o que ocorre em células musculares, como analisaremos
posteriormente, motivo pelo qual são denominados de potenciais lentos.
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As células musculares e de Purkinge possuem um conjunto de canais iónicos diferentes as que têm as células
do NSA, sendo que têm um potencial de repouso de aproximadamente -90mV. Quando o impulso
despolarizador das células marca-passos chega a uma célula cardíaca, esta sofre uma despolarização. Isto
também pode ocorrer se o impulso despolarizador vem de uma célula muscular vizinha. A figura 1.2 mostra,
no lado esquerdo, a variação do potencial de ação transmembranar nos cardiomiócitos ventriculares:
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- Fase 0 – Ocorre uma despolarização rápida, que envolve aumento do potencial de repouso devido à
entrada rápida de Na(+) na célula [I(Na)], o que faz com que o potencial de membrana atinja valores
positivos;
- Fase 1 – A despolarização provoca ativação de canais l(Ca,L), a inativação da corrente de sódio [I(Na)]
e a ativação de uma corrente transitória de K(+) para o exterior da célula [I(Kto)];
- Fase 2 de plateau - Devida à que o equilíbrio entre a atividade dos l(Ca,L) e a dos canais de K(+) que
provoca uma fase de plateau;
- Fase 3 – A leve repolarização da fase anterior fecha os l(Ca,L) e a saída de K(+) pelos I(K) provoca uma
maior repolarização;
- Fase 4 de descanso elétrico – Os canais de potássio fecham e ainda há trocas de Na(+) (que sai) por
K(+) (que entra) mediadas por uma ATPase-Na/K e o potencial volta a estado de repouso.
P01_A. O que é a frequência cardíaca? Qual a origem dos impulsos e as vias de condução?
P01_B. Quais os tipos de células existentes no coração que participam na ocorrência e
regulação da frequência e força de contração?
P01_C. Explique os acontecimentos que ocorrem no potencial de ação das células do NSA;
P01_D. Explique os acontecimentos que ocorrem no potencial de ação nos cardiomiócitos
ventriculares
P01_E. Explique a figura 1.3 da bibliografia
A morfologia do potencial de ação, nas diferentes células cardíacas, varia entre os dois modelos mostrados
anteriormente, existentes nas células do NSA e nas células ventriculares (Figura 1.3). Por outro lado, durante
o ciclo cardíaco, a condução do impulso faz com que a fase de despolarização seja sequencial, com uma
diferença de milissegundos. Assim, por exemplo, a despolarização das células de Purkinje começa 150ms
mais tarde do que a das células do NSA e as do ventrículo esquerdo 400ms mais tarde (Figura 1.3). A
composição temporal de todas as formas de PAT do coração dá origem ao perfil do eletrocardiograma (ECG)
(Figura 1.3).
Em realidade, as células marca-passo estão presentes no NSA, NAV e no sistema His-Purkinje. No coração
humano, a taxa normal de descarga do NSA está entre 60 e 100 batimentos por minuto (bpm) e os outros
marca-passos subsidiários descarregam em taxas mais lentas. Assim, os marca-passos subsidiários são
geralmente latentes e redefinidos pelo marca-passo dominante com a maior taxa intrínseca de descarga, ou
seja, o NSA.
Por outro lado, como referido anteriormente, o sistema nervoso autónomo influencia a formação e condução
dos estímulos, uma vez que o simpático aumenta a frequência e a condutividade, enquanto o parassimpático
os diminui.
As células do feixe de His e seus ramos, as fibras de Purkinje, assim como certas fibras auriculares com uma
organização estrutural especial, têm uma propriedade chamada condutividade, isto é, os estímulos viajam
através deles mais rapidamente que no miocárdio contrátil. Esta facilidade na condução é devida ao arranjo
particular de junções estreitas (formadas por proteínas chamadas conexões) que facilitam a transmissão de
impulsos. Assim, nas células do NSA e do NAV, as junções estreitas são escassas e dispersas, o que explica,
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em parte, o atraso na condução dos estímulos. No entanto, nas células do sistema His-Purkinje, as junções
são abundantes e distribuídas por toda a superfície celular. Finalmente, nas células auriculares e
ventriculares, as junções estreitas estão localizadas nas extremidades das células e são escassas nas
regiões laterais. Deve ser notado que o atraso na condução de estímulos no NAV permite o enchimento dos
ventrículos antes de serem excitados.
As arritmias refletem distúrbios na geração e/ou na transmissão de impulsos cardíacos e podem ser
desencadeadas por múltiplas causas. No geral, são devidos a “focos ectópicos”, que provocam a geração de
impulsos anormais, ou a “impulsos de reentrada”, que provocam uma anormal condução dos impulsos. Assim
do ponto de vista fisiopatológico, as arritmias podem ser classificadas por:
a) Distúrbios do automatismo;
b) Anomalias da condução dos estímulos;
c) A soma dos mecanismos anteriores (“a” e “b”).
As causas mais importantes destes distúrbios ou anomalias são: isquemia miocárdica, alterações físico-
químicas ao nível do coração (em particular, hipoxemia, acidose, distúrbios de K(+) e Ca(2+)), alterações
provocadas pelo sistema nervoso autónomo (SNA) e/ou pelo aumento de catecolaminas, efeitos de agentes
tóxicos (exemplo - intoxicação por digitálicos), defeitos hereditários (exemplo - síndromes de alongamento do
intervalo QT), e fenômenos autoimunes (exemplo - autoanticorpos contra alguns canais iônicos).
TRASTORNOS DO AUTOMATISMO
Como já referido, o SNA é capaz de regular ao automatismo cardíaco, de facto o sistema simpático provoca
um aumento e o parassimpático provoca uma diminuição do automatismo do sistema de geração de impulsos.
Assim, excessiva ativação simpática ou parassimpática pode causar arritmias, que normalmente consistem
em aumento ou diminuição da frequência, devido ao aumento ou diminuição do automatismo normal.
Por outro lado, em certas condições outras partes do miocárdio podem passar a gerar impulsos anormais
que começam a exercer a função de marca-passos e de controlo do ritmo cardíaco. Se esses estímulos são
gerados de forma não sincrónica ou com mais frequência do que os impulsos normais, um foco ectópico
aparece. Isto pode dar origem a depolarizações cardíacas prematuras que alteram a condução normal e que
entram em conflito com os impulsos originados pelo NSA.
Assim, os focos ectópicos são locais que originam impulsos anormais no coração (fora do NSA). Os focos
ectópicos podem ocorrer nas aurículas ou nos ventrículos. Às vezes, os focos ectópicos podem surgir como
resultado de situações não fisiológicas, como em caso de hipoxia ou de hipopotassemia.
Finalmente podem ocorrer pós-despolarizações ou pós-potenciais, que impulsos que surgem
espontaneamente durante ou após a repolarização (fases 3 e 4 do potencial de ação) (Figura 1.4). Estes
podem ser devidos a correntes de entrada de cálcio (fase 3) ou sódio (início da fase 4) anormais, podendo
ocorrer principalmente quando há alterações hidro-eletrolíticas. Os pós-potenciais são os responsáveis pela
taquicardia do tipo “torsades de pointes”, arritmia maligna que acontece devido ao prolongamento do intervalo
QT causado por medicamentos.
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Os pós-potenciais tardios aparecem após a célula ter atingido a repolarização total e são devidos ao aumento
do Ca(2+) intracelular. Uma das principais causas de pós-despolarizações tardias são os fármacos digitálicos
em doses tóxicas. Sabe-se que estes fármacos inibem a ATPase-Na/K, provocando acúmulo de Na(+) na
célula que, por sua vez, aumenta a liberação de Ca(2+) do retículo sarcoplasmático.
P01_F. Indique duas condições fisiológicas em que muda a frequência cardíaca? Explique
porque muda.
P01_G. Como pode mudar o automatismo cardíaco normal?
P01_H. Como pode ocorrer a aparição de um automatismo anormal?
P01_I. Quais as possíveis causas do aparecimento de um foco ectópico?
P01_J. Explique a figura 1.4.
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O tecido cardíaco com cicatrizes interfere com o movimento adequado dos impulsos elétricos que fazem
o coração funcionar adequadamente. Nesta situação, o coração pode bater rápido demais (taquicardia
ventricular) ou de forma irregular (fibrilação ventricular);
- Cardiomiopatia ou doença do miocárdio (músculo cardíaco) - as paredes dos ventrículos podem ser
modificadas na sua estrutura e a eficiência do bombeamento de sangue do coração é afetada;
- Doenças valvulares - se as válvulas cardíacas se afunilarem ou vazarem, o músculo cardíaco pode esticar
e engrossar e há um risco significativo de desenvolver arritmia.
As principais razões para os distúrbios na condução do impulso são os bloqueios da transmissão e os ritmos
da reentrada.
Bloqueio
No geral podem acontecer bloqueios na transmissão devido a alterações estruturais (dano ou necrose em
um local da zona de condução), podendo ocorrer:
a) Aumento absoluto do período refratário, de tal forma que a célula não é capaz de ser excitada e o
impulso não é transmitido para as células vizinhas;
b) As células adotam o tipo de resposta lenta na evolução do PAT, o que atrasa a condução do impulso;
c) A fragmentação dos estímulos, devido a uma condução não homogénea; deste modo, a dispersão faz
a transmissão inefetiva.
Reentrada ou reingresso
Durante ritmo sinusal normal, o impulso elétrico despolariza as aurículas e ventrículos sequencialmente, e
após todas as regiões terem sido ativadas, os tecidos encontram-se em período refratário absoluto, e o
referido impulso se extingue. Posteriormente, um novo impulso deve ser formado para que o processo se
repita.
Em condições patológicas, as células das aurículas ou dos ventrículos podem ser reativadas pelo mesmo
impulso após o término do período refratário, e tal reativação é denominada de reentrada ou excitação
reentrante. Estos são casos particulares de distúrbios de condução que muito frequente desencadeiam
arritmias. A reentrada significa que um estímulo circula pelo miocárdio através de um caminho anormal e
circular, e pode circular indefinidamente.
A Figura 1.5 ilustra quatro painéis nos quais um único feixe (S) de fibras cardíacas (células) é dividido em
dois ramos (L e R). Também existe um feixe celular conector (C), podendo ocorrer quatro situações
diferentes:
A) O impulso que chega por S divide-se en L y R. Parte circula para abaixo e outra parte encontra-se no
ponto C, em sentidos opostos e anulam-se. O restante impulso continua en sentido descendente por
L e R.
B) Existem dois bloqueios, um em cada ramo e o impulso não continua en sentido descendente por
nenhum dos ramos.
C) Existe um bloqueio bidirecional no ramo R e os impulsos que lá chegam não conseguem retroceder
em sentido oposto. Os outros impulsos continuam em sentido descendente.
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D) Existe um bloqueio unidirecional em R, o impulso que chega da parte superior por R e que não avança
por este ramo, mas avança por S, parte do impulso passa por C e ao ingressar em R de forma
ascendente, fá-lo em sentido contrario ao que deveria ser. Estamos perante uma situação de
“reingresso” em sentido contrário.
Assim, no painel "D" e no ramo R, pode ocorrer a coexistência de um impulso inicial num sentido e um impulso
retrógrado. Essa coexistência depende da redução do período refratário e da condução lenta, de modo que
a reentrada ocorre, porque se ambos os impulsos não coexistirem ao mesmo tempo, em cujo caso se
anulariam.
O painel E mostra um exemplo de uma reentrada global entre aurículas e ventrículos que pode envolver vias
de condução acessórias (“bypass tracts") como o “Bundle of Kent” que é uma estrutura muscular que
atravessa a estrutura fibrosa aurículo-ventricular e fornece uma conexão acessória direta entre as aurículas
e os ventrículos.
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Arritmias supraventriculares
São originadas nas aurículas ou nas vias auriculares de condução do sinal. Geralmente, são menos graves
que as ventriculares. As mais comuns e que frequentemente requerem tratamento farmacológico são a
fibrilação e flutter auriculares e as taquicardias paroxísticas supraventriculares. Outras arritmias
supraventriculares comuns que ordinariamente não requerem terapia medicamentosa incluem bradicardia e
taquicardia sinusais.
Taquicardia sinusal
Consiste no aumento do automatismo com elevação da frequência cardíaca (> 100 bpm e <150bpm), com
ondas P e PR normais (ECG). É devida a um aumento do número de estímulos provocados pelo NSA, o que
pode ser fisiológico, devido ao tônus simpático aumentado durante o exercício, ou patológico, devido à dor,
hipovolemia, isquemia ou outros distúrbios. Em geral, a taquicardia sinusal começa e termina gradualmente,
em contraste com outras taquicardias. Para o tratamento, deve-se identificar e tratar as causas primárias,
que podem ser ansiedade, exercício físico, febre, tireotoxicose, hipoxia, hipotensão arterial, pós-operatório
ou insuficiência cardíaca.
Bradicardia sinusal
Consiste na depressão do automatismo sinusal (é inferior a 60 bpm), sendo a principal causa característica
o aumento do tônus parassimpático, que diminui a atividade do NSA. A diminuição da frequência cardíaca
pode causar um débito cardíaco diminuído, resultando em sintomas como tontura, tontura, hipotensão,
vertigem e síncope.
A bradicardia não é necessariamente problemática. Pessoas que praticam regularmente desporto podem ter
bradicardia sinusal, porque seus corações treinados podem bombear sangue suficiente em cada contração
para permitir uma baixa frequência cardíaca de repouso. A bradicardia sinusal também pode ser uma
vantagem adaptativa; por exemplo, os mergulhadores em grandes profundidades podem ter uma frequência
cardíaca de apenas 12 batidas por minuto, ajudando-as a economizar oxigênio durante longos mergulhos.
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A fibrilação auricular é a arritmia mais frequente e é caracterizada por uma despolarização anárquica e rápida
da aurícula que originam contrações auriculares muito rápidas (superior a 400 bpm), descoordenadas e
absolutamente irregulares, com uma condução auriculoventricular variável e um pulso irregular (figura 1.7).
Os impulsos supraventriculares penetram no sistema de condução auriculoventricular em graus variáveis,
resultando em ativação irregular dos ventrículos e o pulso também irregular. O NAV não conduzirá a maioria
dos impulsos supraventriculares, fazendo com que a resposta ventricular seja consideravelmente mais lenta
do que a frequência auricular. Às vezes afirma-se que “a FA gera mais FA”, ou seja, a arritmia tende a
perpetuar-se.
Na maioria das vezes, os pacientes se queixam de taquicardia/palpitações, dor torácica, dispneia, tontura e
fadiga.
A fisiopatologia da fibrilação auricular permanece complexa, com coexistência de focos ectópicos rápidos e
tecido auricular remodelado capaz de manter arritmia por meio de circuitos de micro-reentrada (figura 1.8-A).
A causa principal da fibrilação auricular nos países ocidentais é a hipertensão arterial sistêmica.
O método de tratamento da fibrilação auricular é convertê-la em ritmo sinusal ou retardar a condução através
do NAV, diminuindo a frequência ventricular e melhorando o débito cardíaco, mesmo que o ritmo permaneça
anormal.
Figura 1.8 - Fibrilação auricular e flutter auricular - As duas facetas da mesma anomalia do
miocárdio auricular. Parte A - Fibrilação auricular com múltiplos focos ectópicos, especialmente
ao redor das veias pulmonares e circuitos de micro-reentrada. Parte B - Flutter auricular com
circuito de macro-reentrada que gira no átrio direito.
O flutter auricular, menos frequente que a FA, é um distúrbio do ritmo semelhante a FA, mas com 250-400
bmp e com ativação auricular mais regular (figura 1.7). A fisiopatologia é caracterizada pela existência de um
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grande circuito de macro-reentrada que gira na aurícula direita, passando necessariamente pelo espaço entre
a veia cava inferior e a válvula tricúspide (figura 1.8-B).
Existem 2 complicações principais da fibrilação auricular e do flutter auricular:
- Embolias sistêmicas, em particular cerebrais, ligadas à formação de trombos na auricular esquerda. Assim,
cerca de 20% dos acidentes vasculares cerebrais em pessoas com mais de 80 anos estão relacionados
à fibrilação auricular
- Insuficiência cardíaca, que ocorre principalmente com doença cardíaca subjacente, como resultado da
diminuição do débito cardíaco por perda da sístole auricular e redução do enchimento ventricular (na
diástole) devido à taquicardia.
Normalmente o flutter é tratado com anti-trombóticos para evitar as embolias. Para tratamento das anomalias
do ritmo seria preferencial a amiodarona, mas devido aos efeitos secundários a longo prazo é usado
preferencialmente fármacos do grupo Ia e Ic, ou, se os doentes têm cardiomiopatia, do grupo II.
Arritmias na junção
Uma taquicardia na junção é definida como qualquer taquicardia que envolve a junção auriculoventricular ou
o NAV no seu mecanismo causador.
As mais importantes são as taquicardias supraventriculares paroxísticas (TSP), com dois tipos principais: a
taquicardia auriculoventricular por reentrada intra-nodal (TRIN) e taquicardia auriculoventricular por via
acessória (síndrome de Wolff-Parkinson-White), na qual há uma duplicação da via de condução
auriculoventricular. permitindo a criação de um circuito de reentrada.
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Neste tipo de arritmias são gerados sinais elétricos que atingem os ventrículos muito rapidamente e os sinais
são enviados de volta para as aurículas (reentrada). Essa via pode levar em ambas as direções (anterógrada
e retrógrada), ou apenas em uma direção (figuras 1.9-B e C; figura 1.10-A).
Figura 1.9 - Taquicardias na junção: Taquicardia por reentrada intra-nodal (A); Taquicardia
retrógrada na via acessória (B); e taquicardia anterógrada na via acessória (C).
Na síndrome de Wolff-Parkinson-White (SWPW), a condução viaja da aurícula para o ventrículo por duas
vias, o NAV e uma via acessória. A condução através da via acessória é mais rápida e o período refratário
nesta via é mais curto do que no NAV. O ECG geralmente mostra um intervalo PR encurtado (porque a via
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anormal conduz mais rapidamente das aurículas para os ventrículos do que o NAV), às vezes existe um
complexo QRS alargado com um movimento ascendente ou onda delta, devido à chegada do impulso em
parte do ventrículo, onde deve passar por miócitos ventriculares de condução lenta não especializados, em
vez de fibras de Purkinje especializadas.
Pode ser controlado com fármacos dos grupos Ia, Ic, II e III.
Arritmias ventriculares
As arritmias ventriculares comuns incluem extrassístoles ventriculares, a taquicardia ventricular e a fibrilação
ventricular. São arritmias que podem provocar uma ampla variedade de sintomas.
Os CPV geralmente não causam sintomas ou apenas palpitações leves. A taquicardia ventricular pode ser
uma situação de risco de vida associada a colapso hemodinâmico ou pode ser totalmente assintomática. A
fibrilação ventricular é uma emergência médica aguda que necessita de ressuscitação cardiopulmonar.
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Embora curtos períodos (segundos) de TV possam não resultar em problemas permanentes (tontura,
palpitações ou dor torácica), períodos mais longos são perigosos e pode resultar em fibrilação ventricular e
evoluir para paragem cardíaca.
Em caso de TV sustentada e mal tolerada, é necessária uma redução de emergência por choque elétrico
externo. Pode ser tratada por via intravenossa com fármacos do grupo Ic se os doentes não têm
cardiomiopatia, ou com fármacos do grupo III.
Para a prevenção de recidivas pode ser usado o verapamil ou diltiazem.
Figura 1.11 – ECG da taquicardia ventricular (A), da Torsade des pointes (B) e da fiblilação
ventricular (C).
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uma arritmia das mais graves e é fatal se não for revertida com um desfibrilador, sendo a causa comum de
paragem cardíaca.
Se ocorrer FV, é necessária atenção médica instantânea. Como anteriormente referido, muitas vezes é
precedida por uma arritmia ventricular muito rápida.
A FV pode ocorrer devido a doença coronária, cardiopatia valvular, cardiomiopatia, síndrome do QT longo ou
hemorragia intracraniana. O diagnóstico é feito por um ECG mostrando complexos QRS irregulares e
irregulares sem quaisquer ondas P claras.
Pensa-se que o mecanismo de fibrilação ventricular é a presença de múltiplos circuitos de reentrada, que se
originam, colidem, se extinguem-se e voltam a originar-se. Assim, existem diferentes impulsos iniciados ao
mesmo tempo de diferentes zonas que resultam em uma contração mais rápida, descoordenada (caótica)
que às vezes chega a 300bpm.
Trata-se com reanimação cardiopulmonar e com a prevenção de episódios posteriores com fármacos que
dependem da casuística do doente.
Como as arritmias podem modificar a função do coração, órgão crucial para a circulação sanguínea, também
podem causar outros problemas cardiovasculares e gerais, principalmente se as arritmias se prolongam no
tempo.
Taquicardias
Na taquicardia intensa (> 150 bpm), a diminuição do tempo diastólico diminui o enchimento ventricular (pré-
carga) e, consequentemente, diminui o débito cardíaco. Outra consequência é o aumento da demanda
miocárdica de oxigênio, que pode causar angina, principalmente em indivíduos que também têm doença
coronária. Os estados de taquicardia crônica podem terminar em insuficiência cardíaca (Figura 1.12).
Bradicardias
Na bradicardia, o débito cardíaco e a pressão arterial diminuem, levando à perda abrupta e breve da
consciência e ao tônus postural (síncope) (Figura 1.12).
Fibrilação
A fibrilação auricular anula a contribuição das aurículas para o enchimento ventricular. En condições
fisiológicas, em ausência de patologia, esta contribuição é de 10% em repouso e aumenta para 40% em
exercício ou esforço. Assim, quando há fibrilação auricular não tem grandes consequências em repouso, mas
limita significativamente o volume de enchimento e o débito cardíaco durante o exercício. Isso pode causar
dispneia (falta de ar) e perfusão limitada no nível muscular que limitará a capacidade de se exercitar.
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Uma consequência importante da fibrilação auricular é o aumento do risco de formação de trombos nas
aurículas, os quais podem passar para a circulação pulmonar ou sistêmica e causar acidente vascular
cerebral ou embolia pulmonar.
A fibrilação ventricular conduz a uma grande diminuição do débito cardíaco que pode ser letal, portanto, o
ritmo normal deve ser restaurado para garantir a vida do indivíduo.
Figura 1.12. Consequências gerais das arritmias (adaptação de Castro del Pozo et al. Manual
de patología general Elsevier Masson,.2014)
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FÁRMACOS ANTIARRÍTMICOS
Em um sentido teórico, os fármacos com atividade antiarrítmica (FAAr) alteram diretamente a condução de
várias maneiras:
a) Podem deprimir as propriedades automáticas das células marca-passo anormais. Pode fazer isto se
diminuir a inclinação da despolarização da fase 4 e/ou elevar o potencial limiar. Se a taxa de geração de
impulsos espontâneos dos focos anormais se tornar menor que a atividade do NSA, o ritmo cardíaco
normal é restaurado.
b) Podem alterar as características de condução das vias de um impulso de reentrada. Podem facilitar a
condução (diminuir o período refratário) na área do bloqueio unidirecional, permitindo ou fazendo
prevalecer uma via anterógrada normal. Por outro lado, um fármaco pode deprimir a condução (prolongar
o período refratário) na área do bloqueio unidirecional ou na via com condução lenta de uma via
retrógrada anormal, anulando esta via. Em ambos os casos, os fármacos reduzem a discordância e fazem
prevalecer a uniformidade nas propriedades de condução por supressão da reentrada.
c) Podem eliminar o impulso prematuro que desencadeia a reentrada;
d) Podem diminuir a velocidade de condução de uma via anormal a tal ponto que a condução é extinta;
e) Podem reverter a forma subjacente da doença cardíaca responsável pelas anormalidades de condução
que levaram à arritmia.
Os FAAr modificam a atividade elétrica do coração alterando as correntes iônicas nas células cardíacas de
forma direta ou indireta. A maioria dos fármacos antiarrítmicos atualmente disponíveis foi classificada em
quatro categorias, que são agrupadas com base nos seus efeitos sobre o potencial de ação cardíaco e,
consequentemente, sobre as propriedades eletrofisiológicas do coração. Para entender a base da
classificação e a farmacologia desses agentes, é necessária uma compreensão da eletrofisiologia cardíaca
normal.
Tabela 2-1. Resumo dos mecanismos dos fármacos antiarrítmicos. I(Na) = corrente através dos
canais de sódio; l(K) = corrente através dos canais de potássio; L(Ca,L) = corrente através dos
canais de cálcio tipo L; PAT= potencial de ação transmembranar; PRE = período refratário
efetivo; CV = velocidade de condução.
Mecanismo de ação Fármacos
Ia ▼l(Na); ▲PAT; ▲PRE; ▲intervalo QT Disopiramida
Ib ▼l(Na); ▼PAT; ▼PRE Lidocaina
Ic ▼l(Na); ▼velocidade de condução; Flecainida, Propafenona
Propranolol, esmolol, atenolol, metropolol,
II Inibidores e ativadores autónomos
digoxina, adenosina
III ▼l(K); prolongam PAT; ▲PRE Amiodarona, sotalol, vernacanant
IV ▼I(Ca,L); ▲PRE Verapamil, Diltiazem
A classificação mais empregada dos FAAr é a classificação de Vaughan-Williams. Embora esta classificação
tem grandes desvantagens, a sua facilidade de uso fez que ainda seja a mais utilizada. Uma grande falha
nesta classificação está na simplificação do efeito dos fármacos, já que a classificação depende do efeito que
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os agentes exercem sobre o tecido normal e sob condições arbitrárias. O outro problema é a sobreposição
dos efeitos de alguns dos fármacos, que faz que possam ser classificados em mais de um grupo. No entanto,
esta classificação tem sido adaptada recentemente, para incluir novos fármacos em usso ou a serem
investigados, o que será parcialmente refletido neste documento.
Figura 2-1. Efeitos dos fármacos antiarrítmicas de Classe I na duração do potencial de ação
ventricular e no ECG (Adaptado de “Basicmedical Key”. 2017).
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CLASSE Ia
Estes FAAr provocam a inibição dos canais nos células das aurículas, ventrículos e das fibras de Purkinje.
Diminuem a velocidade de condução, diminuem a inclinação da fase 0 de despolarização, prolongam o
potencial de ação, aumentam o período refratário efetivo e diminuem as propriedades automáticas condução
dependente de Na(+) (Figura 2-1).
São usados para tratar taquicardias (supraventriculares ou ventriculares) devidas a reentrada ou a focos
ectópicos, o que envolve taquicardia sinusal, flutter e fibrilação auricular, e também taquicardias
supraventriculares (TRIN e SWPW). Não devem ser usados em pessoas com insuficiência cardíaca pois têm
efeito inotrópico negativo (diminuem a frequência cardíaca).
Disopiramida
A disopiramida está disponível nas formas oral e intravenosa e a sua administração diminui a excitabilidade
cardíaca. É usada no tratamento de taquicardias supraventriculares, de arritmias surgidas após
procedimentos cirúrgicos, como extrassístoles auriculares e ventriculares persistentes. Também é usado para
prevenir arritmias após enfarte.
A disopiramida provoca um efeito inotrópico negativo significativo no miocárdio ventricular, embora não tem
ação antagonista dos recetores adrenérgicos. Como resultado, o uso de disopiramida pode reduzir a força
contrátil até 42% em doses baixas e até 100% em doses mais altas, levando à insuficiência cardíaca. Deve
ser evitado em doentes com Torsade des Pointes ou prolongamento do intervalo QT.
CLASSE Ib
Estes FAAr provocam a inibição dos canais I(Na) nas células do ventrículos e das fibras de Purkinje, mas
não nas auriculares. Os fármacos da classe Ib ligam-se aos canais I(Na) e dissociam-se da ligação mais
rapidamente, motivo pelo qual têm um bom desempenho quando as células indicadas são
despolarizadas/estimuladas rapidamente, porque inibem de forma leve a fase 0, reduzem a amplitude do
potencial de ação e o período refratário. Assim, pensa-se que estes FAAr podem melhorar a condução,
eliminando a área de bloqueio unidirecional formada por células cardíacas danificadas. Os fármacos da
classe Ib não são FAAr muito potentes, têm efeitos mínimos sobre o tecido auricular, sendo usadas para
arritmias ventriculares e arritmias que ocorrem após isquemia e infarto agudo de miocárdio (Figura 2-1).
Lidocaina
A lidocaína é um anestésico local eficaz e usado clinicamente com este fim, topicamente para aliviar a coceira,
a queimação e a dor causada por inflamações da pele, e via injetável como anestésico local em odontologia
ou em pequenas cirurgias.
Ao nível cardíaco é usada por via intravenosa unicamente ao nível hospitalar para supressão de
extrassístoles ventriculares e taquicardia ventricular, especialmente depois de um infarto do miocárdio agudo.
A lidocaína é eficaz como antiarrítmico apenas quando administrada por via parenteral, sendo a via
intravenosa a mais comum. A atividade antiarrítmica não é observada após administração oral devido ao
metabolismo de primeira passagem rápido e eficiente pelo fígado.
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CLASSE 1c
Os fármacos da classe Ic inibem de forma pronunciada a fase 0 em células de Purkinje e em cardiomiócitos,
o que causa uma lentidão da condução em todo o tecido cardíaco, com um efeito mínimo na duração do
potencial de ação e no período refratário. Aumentam ligeiramente os intervalos QT e QRS (Figura 2-1).
Estes FAAr eliminam a reentrada diminuindo a condução até um ponto onde o impulso anormal é extinto e
não pode propagar-se mais. São usados para tratar taquicardias ventriculares que tendem a progredir para
fibrilação ventricular. Também são usadas para tratar arritmias refratárias a outros tratamentos. Por outro
lado, embora sejam eficazes tanto para arritmias ventriculares e supraventriculares, seu uso é limitado, devido
ao risco de provocar outras arritmias, principalmente em pessoas com doença isquémica cardíaca, pois
podem provocar morte súbita.
Tabela 2-2. Vias de administração, mecanismos e efeitos adversos (EA) dos fármacos
antiarrítmicos da classe 1. (Vent = ventricular)
= Capacidade visual Tox = toxicidade pulmonar HipoT = Hipotensão IMU = Sist. imunológico
Flecainida
A flecainida é utilizada via oral para tratar fibrilação e flutter auricular, SWPW e taquicardia ventricular grave
(IV).
O maior efeito está no sistema His-Purkinje e no miocárdio ventricular. O efeito da flecainida no miocárdio
ventricular causa diminuição da contratilidade do músculo, o que leva a uma diminuição da fração de ejeção.
O mais grave dos efeitos adversos é a tendência ocasional da flecainida para agravar as arritmias existentes
(Ex: Torsade des pointes) ou para induzir novas arritmias. Embora menos de 10% dos pacientes
experimentem esse efeito, ele pode ser fatal, pelo que é desejável iniciar a terapia a nível hospitalar. Não
deve ser usado em pacientes com doença cardíaca estrutural, como uma história de ataque cardíaco, ou
disfunção ventricular esquerda.
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Propafenona
A propafenona difere da flecainida porque tem atividade adicional como antagonista beta-adrenérgico que
pode causar bradicardia e broncospasmo.
É usada pela via oral ou intravenosa para tratar taquicardias supraventriculares (taquicardia sinusal, flutter e
fibrilação auricular, TRIN e SWPW).
Devido à sua curta semivida, requer dosagem duas ou três vezes ao dia para manter os níveis sanguíneos
estáveis.
Os efeitos colaterais atribuídos à propafenona incluem dispneia, desconforto gastrointestinal e distúrbios do
SNC, como tonturas, cefaleia e sonolência. Cerca de 20% dos pacientes interrompem o fármaco devido a
efeitos adversos.
P02_A. Expliquem o modo de ação dos fármacos antiarrítmicos dos grupos Ia, Ib e Ic (com
apoio da figura 2-1 e da tabela 2-1). Para que tipos de arritmias são usados? Quais os
principais efeitos adversos? Há contraindicações no seu uso?
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exemplo, em conjunto com nitratos para o controlo da angina (objetivo 5). Também é usado para tratar a
hipertensão.
Tabela 2-3. Vias de administração, mecanismos e efeitos adversos (EA) dos fármacos
antiarrítmicos da classe 2.
Esmolol
O esmolol é um antagonista do recetor beta1, com duração de ação muito curta e ação rápida. É utilizado
para tratar TRIN, flutter e fibrilação auricular em emergências e em períodos pré- e pós-operatórios, e também
em alguns casos de taquicardia sinusal.
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marca-passo cardíaco. O período refratário das aurículas e ventrículos é diminuído, enquanto aumenta no
NSA e NAV.
As alterações de ECG observadas em pessoas que tomam digoxina incluem aumento do intervalo PR (devido
à redução da condução AV) e um intervalo QT encurtado. Além disso, a onda T pode ser invertida e
acompanhada por depressão de ST.
A digoxina é principalmente usada para o tratamento de flutter e fibrilação auriculares crónicas. No entanto
tem uma janela terapêutica estreita, podendo ser tóxico provocando bloqueio aurículo ventricular.
Adenosina
A ativação de recetores de adenosina A1 no NSA provoca a depressão do automatismo gerado pelo NSA e
NAV. Os recetores A1 estão acoplados a uma G0, e quando ativados ocorre uma inibição dos I(Ca,L) e uma
ativação dos I(K) nas células dos nós, o que deprime a ação do NSA e diminui a frequência cardíaca e a
velocidade de condução. A ação da adenosina pode interromper os circuitos de reentrada envolvendo o NAV
e restaurar o ritmo sinusal normal em pacientes com taquicardias supraventriculares. Uma vez interrompido
o circuito, a taquicardia cessa e o ritmo sinusal normal é restabelecido.
A adenosina é usada em forma injetável ao nível unicamente hospitalar para tratar SWPW e TRIN. Deve ser
usado a nível hospitalar, pois pode provocar uma hipotensão grave e porque pode agravar outras patologias
cardiovasculares.
Não deve ser usada se existe síndrome QT longo ou doença pulmonar crónica obstrutiva, e também não
deve associar-se ao dipiridamol, pois este inibe a captação de adenosina, podendo potenciar o seu efeito.
P02_B. Explique os modos de ação dos diferentes fármacos antiarrítmicos do grupo II (com
apoio da figura 2-2). Para que tipos de arritmias são usados? São usados para tratar
outras patologias cardiovasculares?
Os fármacos da classe III interferem na saída de K(+) pelos I(K) durante a repolarização (fase 3 em
cardiomiócitos) e causam um prolongamento homogêneo da duração do potencial de ação nas fibras de
Purkinje e nas fibras musculares ventriculares. Isso resulta em um prolongamento do intervalo QT, do período
refratário efetivo (Figura 2-3), e provocam diminuição da frequência cardiaca. São frequentemente usados
para taquiarritmias supraventriculares e ventriculares. O efeitos adversos mais comuns a esta classe de
fármacos são referidos na tabela 2-4.
Amiodarona
A amiodarona bloqueia I(K), também bloqueia I(K) que estão em estado inativado, e tem atividade de
antagonista beta adrenérgico. Assim, prolonga a condução AV. É usado para tratar o flutter e fibrilação
auricular, SWPW, e taquicardia e fibrilação ventriculares (IV).
A amiodarona está disponível em formulações orais e intravenosas. È lipofílico (contem iodo na sua
estrutura), o que limita o seu uso devido aos efeitos adversos e ao longo tempo de semivida (ver efeitos
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adversos). É contraindicado em indivíduos com bradicardia sinusal, bloqueio auriculoventricular, torsade des
pointes, e bloqueio cardíaco de segundo ou terceiro grau que não tenham marca-passo artificial.
Sotalol
Além de inibir dos canais I(K), o sotalol é um antagonista beta-adrenérgico não seletivo.
E usado para tratra arritmias ventriculares potencialmente fatais e incapacitantes e de taquicardias
supraventriculares (flutter e fiblilação auricular).
É frequentemente usado, de forma preferencial a outros ABA, no tratamento da fibrilação ventricular se os
doentes têm cardiomiopatia subjacente. Também é usado para tratar TRIN e SWPW.
Um efeito colateral notável do sotalol é o prolongamento do intervalo QT, que pode potencialmente levar ao
desenvolvimento da arritmia “torsade de pointes” com risco para a vida.
Vernacalant
Bloqueia I(K) e I(Na) nas células auriculares, mas
não nas ventriculares. Prolonga o período
refratário auricular e diminui a velocidade de
condução do impulso, de forma que suprimem a
reentrada.
Vernacalant é usado em perfusão para provocar a
conversão rápida da fibrilação auricular de início
recente em ritmo sinusal em pacientes não
cirúrgicos com fibrilação auricular que permanece
menos de 7 dias ou em pacientes pós-cirurgia
Figura 2-3. Efeitos dos fármacos cardíaca com fibrilação auricular que permanece
antiarrítmicas de Classe III na duração do menos de 3 dias.
potencial de ação ventricular e no ECG
Casos de hipotensão grave foram observados
(Adaptado de “Basicmedical Key”. 2017).
durante e imediatamente após a infusão de
vernacalant.
Estes fármacos bloqueiam seletivamente os I(Ca,L). A entrada de Ca(2+) por estes canais é importante para
o potencial de ação normal nas células do NSA. A administração de um BCC provoca um prolongamento do
período refratário no NAV e nas aurículas, uma diminuição na condução AV e uma diminuição na
despolarização diastólica espontânea. Esses efeitos bloqueiam a condução de impulsos prematuros no NAV
e, portanto, são muito eficazes no tratamento de arritmias supraventriculares. O verapamil e o diltazem são
fármacos protótipos para esta classe, entanto que outros bloqueadores de I)Ca,L), os fármacos
dihidropiridínicos (nifedipina), são muito menos eficazes no tratamento de arritmias. Os BCC também serão
mais estudados no objetivo 5.
Os efeitos adversos, verapamilo e diltiazem são referidos na tabela 2-4. Ambos fármacos são contraindicados
em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva.
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Tabela 2-4. Vias de administração, mecanismos e efeitos adversos (EA) dos fármacos
antiarrítmicos das classes 3 e 4 ( Pares = Parestesia).
P02_C. Explique os modos de ação dos diferentes fármacos antiarrítmicos do grupo III (com
apoio da figura 2-2). Para que tipos de arritmias são usados? Quais os principais
efeitos adversos? Há contraindicações no seu uso?
P02_D. Explique os modos de ação do verapamilo e diltiazem (com apoio da figura 2-2).
Para que tipos de arritmias são usados? Há contraindicações no seu uso??
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