Você está na página 1de 58

Unidade II

Unidade II
5 FARMACOLOGIA CARDIOVASCULAR E RENAL

Os fármacos que alteram a função cardiovascular podem fazê-lo por atuação direta sobre o coração
(antiarrítmicos, cardiotônicos e alguns anti-hipertensivos), sobre os vasos (anti-hipertensivos) ou sobre
o sistema renal (diuréticos, usados no tratamento da hipertensão arterial).

5.1 Antiarrítmicos e cardiotônicos

Para melhor compreensão dos efeitos exercidos pelos fármacos que atuam sobre o coração, há
necessidade de se conhecer os mecanismos de ativação da contração e relaxamento do músculo cardíaco.

O ciclo cardíaco é o desempenho do coração humano desde o final de um batimento cardíaco até
o início do próximo. Consiste em dois períodos: o primeiro durante o qual o músculo cardíaco relaxa
e se enche de sangue (diástole) e o segundo durante a forte contração e bombeamento de sangue
(sístole). Após seu esvaziamento, o coração relaxa imediatamente e se expande para receber outro
influxo de sangue que retorna dos pulmões e outros sistemas do corpo, e então volta a contrair para
bombear o sangue novamente.

Um coração com desempenho normal deve ser totalmente expandido antes de poder bombear com
eficiência novamente. Existem duas câmaras atriais e duas ventriculares nesse órgão: o átrio esquerdo,
o ventrículo esquerdo, o átrio direito e o ventrículo direito. Essas câmaras trabalham em conjunto para
repetir o ciclo cardíaco continuamente.

No início do ciclo, durante a diástole ventricular, o coração relaxa e se expande ao receber sangue
nos dois ventrículos pelos dois átrios; então, próximo ao final da diástole ventricular, os dois átrios
começam a se contrair (sístole atrial), e cada átrio bombeia sangue para o ventrículo “abaixo” dele.
Durante a sístole ventricular, os ventrículos estão se contraindo e pulsando vigorosamente (ou ejetando)
dois suprimentos de sangue separados do coração – um para os pulmões e outro para todos os outros
órgãos e sistemas corporais – enquanto os dois átrios estão relaxados (diástole atrial). Essa coordenação
garante que o sangue circule com eficiência por todo o organismo.

Os movimentos do músculo cardíaco são coordenados por uma série de impulsos elétricos produzidos
por células com função de marcapasso, encontradas no nodo sinoatrial e no nodo atrioventricular.
Todas as células marcapasso exibem automaticidade, isto é, a capacidade de despolarizar de maneira
rítmica acima de um limiar de voltagem. A automaticidade resulta na geração de potenciais de ação
espontâneos. Em seu conjunto, as células marcapasso constituem o sistema de condução especializado
que governa a atividade elétrica do coração.

120
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

O segundo tipo de células cardíacas inclui os cardiomiócitos atriais e ventriculares, que sofrem
contração em resposta à despolarização e são responsáveis pela maior parte da contração cardíaca. Em
situações patológicas, essas células podem adquirir automaticidade e, portanto, também passam a atuar
como células geradoras de potenciais de ação.

O potencial de ação cardíaco é resultado das alterações no potencial de membrana das células de
marcapasso e das células de condução, que resultam na atividade elétrica responsável por excitar os
cardiomiócitos e, assim, promover a contração cardíaca. Esse potencial de ação envolve a entrada de
íons sódio e cálcio, nesta ordem, e a saída de íons potássio pelas células (veja a figura a seguir). É gerado
no nodo sinoatrial, que apresenta atividade de marcapasso, conduzido pelos feixes de His até o nodo
atrioventricular e do nodo atrioventricular até as fibras de Purkinje.

Saída de
K+/Cl- Entrada de
Ca2+
1
2

Entrada de 0 Saída de
Na+ 3 K+

Corrente retificadora
de K+
4 4

ECG

Figura 46 – Esquema representativo do potencial de ação nas células de Purkinje, demonstrando


a entrada e a saída de íons em cada fase, assim como a correlação com o registro
do eletrocardiograma (ECG) de um coração normal

Saiba mais

Leia sobre a atividade marcapasso cardíaca em:

DIFRANCESCO, D. The role of the funny current in pacemaker activity.


Circulation Research, v. 106, n. 3, p. 434-446, 2010.

As fibras de Purkinje estabelecem sinapses químicas com os cardiomiócitos e promovem a alteração


no potencial de membrana dessas células, o que culmina na contração delas. O processo inicia com a
abertura de canais de sódio e de cálcio na membrana dos cardiomiócitos, o que resulta no aumento dos

121
Unidade II

níveis intracelulares desse íon e na abertura de canais de cálcio presentes no retículo sarcoplasmático.
Esses íons estimulam a contração muscular, a partir da interação com a troponina, que é desligada do
complexo actina-miosina e permite que esses filamentos deslizem um sobre o outro. O restabelecimento
do potencial de repouso da membrana do músculo é realizado a partir de dois transportadores que
atuam em conjunto: o transportador de Na+/Ca2+ e a Na+/K+ ATPase.

5.1.1 Antiarrítmicos

As arritmias podem ser definidas como a anormalidade na frequência cardíaca, decorrente de


alteração na origem do impulso nervoso no coração, na condução do impulso através das células
cardíacas ou por uma associação de ambos, o que modifica a sequência normal da ativação atrial e
ventricular, gerando instabilidade hemodinâmica e proporcionando enchimento e ejeção ineficazes.

Ritmos cardíacos irregulares podem ocorrer em corações saudáveis e normais. As arritmias também
podem ser causadas por certas substâncias ou medicamentos, como cafeína, nicotina, álcool, cocaína,
fármacos para tosse e resfriado, entre outros. Estados emocionais como choque, medo ou estresse
também podem causar ritmos cardíacos irregulares.

Arritmias recorrentes ou relacionadas a uma condição cardíaca subjacente são mais preocupantes e
devem sempre ser avaliadas por um médico.

Há diferentes tipos de arritmias:

• Taquicardia: ritmo cardíaco acelerado com taxa de mais de 100 batimentos por minuto.

• Bradicardia: ritmo cardíaco lento com frequência abaixo de 60 batimentos por minuto.

• Arritmias supraventriculares: arritmias que começam nos átrios (supra significa acima;
ventricular refere-se às câmaras inferiores do coração ou ventrículos).

• Arritmias ventriculares: arritmias que começam nos ventrículos (as câmaras inferiores do coração).

• Bradiarritmias: ritmos cardíacos lentos que podem ser causados por doenças no sistema de
condução do coração, como o nodo sinoatrial (SA), o nodo atrioventricular (AV) ou a rede
His-Purkinje.

Uma arritmia pode ser “silenciosa” e não causar nenhum sintoma. Se ocorrerem sintomas, eles podem
incluir palpitações (sensação de batimentos cardíacos irregulares), tonturas, falta de ar, desconforto no
peito, fraqueza ou fadiga, entre outros.

As arritmias podem ser causadas por: doença arterial coronariana, hipertensão, cardiomiopatia,
distúrbios da válvula cardíaca, desequilíbrios eletrolíticos no sangue, como sódio ou potássio, lesão após
um infarto do miocárdio, processo de cicatrização após cirurgia cardíaca ou outras condições médicas.

122
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Os antiarrítmicos são fármacos capazes de controlar e/ou suprimir arritmias cardíacas. Didaticamente,
esses fármacos são agrupados em quatro classes, com base em seu efeito eletrofisiológico celular
dominante (veja a figura a seguir):

• Classe I: são os bloqueadores dos canais de sódio. Os representantes dessa classe são subdivididos
nas subclasses a, b e c. Eles bloqueiam os canais rápidos de sódio, diminuindo a condução nas
células de condução cardíaca (sistema His-Purkinje).

• Classe II: são os betabloqueadores, que afetam predominantemente os tecidos de canal lento
(nós sinoatrial e atrioventricular), onde diminuem a taxa de automação e a velocidade lenta de
condução e prolongam a refratariedade.

• Classe III: são principalmente os bloqueadores de canais de potássio, que prolongam a duração
do potencial de ação e a refratariedade nos tecidos dos canais lento e rápido.

• Classe IV: são os bloqueadores dos canais de cálcio não hidropiridínicos, que deprimem os
potenciais de ação dependentes de cálcio nos tecidos de canal lento e, portanto, diminuem a taxa
de automação e a velocidade de condução lenta e prolongam a refratariedade.

Saída de
Classe I: K+/Cl- Classe IV:
bloqueadores dos Entrada de
Ca2+ bloqueadores dos
canais de sódio canais de cálcio
1
2 Classe III:
bloqueadores dos
canais de potássio
Entrada de 0 Saída de
Na+ Classe II: 3 K+
betabloqueadores
Corrente retificadora
de K+
4 4

Figura 47 – Efeito dos antiarrítmicos sobre o potencial de ação cardíaco

Antiarrítmicos da classe I

Como já mencionado, os antiarrítmicos da classe I são bloqueadores dos canais de sódio


(medicamentos estabilizadores da membrana), que bloqueiam os canais rápidos de sódio, diminuindo
a condução nos tecidos dos canais rápidos do sistema His-Purkinje. No eletrocardiograma (ECG), esse
efeito pode ser refletido como aumento da onda P, aumento do complexo QRS, prolongamento do
intervalo PR ou combinação.

Os fármacos de classe I são subdivididos com base na cinética dos efeitos do canal de sódio:

• os fármacos de classe Ib têm cinética rápida: lidocaína, fenitoína, metilxantina;

123
Unidade II

• os fármacos de classe Ic têm cinética lenta: flecainida, propafenona;

• os fármacos de classe Ia têm cinética intermediária: quinidina, procainamida, disopiramida.

Observação

A lidocaína, quando administrada por via intravenosa, atua como


antiarrítmico, e quando administrada localmente, atua como anestésico local.

A cinética do bloqueio dos canais de sódio determina as frequências cardíacas nas quais seus efeitos
eletrofisiológicos se manifestam. Como os fármacos de classe Ib têm cinética rápida, eles expressam
seus efeitos eletrofisiológicos apenas em batimentos cardíacos acelerados. Assim, um eletrocardiograma
obtido durante o ritmo normal a taxas normais geralmente não mostra evidência de lentidão na
condução rápida do tecido. Os fármacos de classe Ib não são antiarrítmicos muito potentes e têm
efeitos mínimos no tecido atrial.

Os fármacos de classe Ic têm cinética lenta, portanto expressam seus efeitos eletrofisiológicos em
todas as frequências cardíacas. Assim, um eletrocardiograma obtido durante o ritmo normal a frequências
cardíacas normais geralmente mostra desaceleração da condução tecidual de canal rápido. Os fármacos
de classe Ic são antiarrítmicos mais potentes.

Os fármacos da classe Ia têm cinética intermediária, portanto seus efeitos de lentidão na condução
tecidual de canal rápido podem ou não ser evidentes em um eletrocardiograma obtido durante o ritmo
normal a taxas normais. Os fármacos da classe Ia também bloqueiam os canais de potássio repolarizante,
estendendo os períodos refratários dos tecidos do canal rápido. No ECG, esse efeito é refletido como
prolongamento do intervalo QT, mesmo em taxas normais. Os medicamentos de classe Ib e os de
classe Ic não bloqueiam diretamente os canais de potássio.

As principais indicações são taquicardia supraventricular para medicamentos classe Ia e Ic e


taquicardia ventricular para todos os fármacos da classe I.

Os efeitos adversos dos medicamentos de classe I incluem a pró-arritmia, uma “arritmia


relacionada a fármacos”, que é o efeito adverso mais preocupante. Todos os medicamentos de
classe I podem piorar a taquicardia ventricular. Os fármacos de classe I também tendem a diminuir
a contratilidade ventricular. Como esses efeitos adversos têm mais probabilidade de ocorrer em
pacientes com um distúrbio estrutural do coração, os medicamentos de classe I geralmente não são
recomendados para eles. Assim, esses medicamentos geralmente são usados apenas em pacientes
que não apresentam um distúrbio estrutural do coração ou naqueles que têm o problema, mas não
têm outras alternativas terapêuticas.

Existem outros efeitos adversos dos medicamentos de classe I específicos da subclasse ou do


medicamento individual.

124
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Antiarrítmicos da classe II

Como já mencionado, os antiarrítmicos da classe II são os betabloqueadores (propranolol, metoprolol,


esmolol, atenolol, carvedilol, timolol), já abordados no tópico Simpatolíticos de ação direta. Esses
fármacos afetam predominantemente os tecidos de canal lento (nodos sinoatrial e atrioventricular),
onde diminuem a taxa de automação e a velocidade lenta de condução e prolongam a refratariedade.
Assim, a frequência cardíaca é mais lenta, o intervalo PR é prolongado e o nodo atrioventricular transmite
despolarizações atriais rápidas a uma frequência mais baixa.

Os fármacos de classe II são usados principalmente para tratar taquicardias supraventriculares,


incluindo taquicardia sinusal, reentrada nodal atrioventricular, fibrilação atrial e flutter atrial. Esses
medicamentos também são usados no tratamento da taquicardia ventricular, aumentando o limiar
da fibrilação ventricular e reduzindo os efeitos pró-arrítmicos ventriculares da estimulação dos
adrenoceptores beta.

Antiarrítmicos da classe III

Os fármacos da classe III são bloqueadores de canais de potássio, com atividade estabilizadora de
membrana. Os fármacos da classe III (amiodarona, bretílio, sotalol) prolongam a duração do potencial
de ação e a refratariedade nos tecidos de canal lento e rápido. Assim, a capacidade de todos os tecidos
cardíacos de transmitir impulsos em altas frequências é reduzida, mas a velocidade de condução não é
significativamente afetada. Como o potencial de ação é prolongado, a taxa de automação é reduzida. O
efeito predominante no ECG é o prolongamento do intervalo QT.

Esses fármacos são usados para tratar taquicardia supraventricular e taquicardia ventricular. Os
fármacos de classe III apresentam risco de pró-arritmia ventricular, principalmente taquicardia ventricular
de torsades de pointes (um tipo específico de taquicardia ventricular que ocorre em portadores de
distúrbios da atividade elétrica cardíaca denominada síndrome do QT longo).

Antiarrítmicos da classe IV

Os fármacos de classe IV são bloqueadores dos canais de cálcio (verapamil, diltiazem e nifedipina) que
deprimem os potenciais de ação dependentes de cálcio nos tecidos de canal lento e, portanto, diminuem a
taxa de automação e a velocidade lenta de condução e prolongam a refratariedade. A frequência cardíaca é
mais lenta, o intervalo PR é prolongado e o nodo atrioventricular transmite despolarizações atriais rápidas
a uma frequência mais baixa. Esses medicamentos são usados principalmente para tratar taquicardia
supraventricular. Eles também podem ser usados para retardar a fibrilação atrial rápida ou flutter atrial.

5.1.2 Cardiotônicos

A insuficiência cardíaca é uma síndrome complexa com alterações biológicas, funcionais e


anatômicas do sistema cardiovascular de caráter progressivo, que leva à ativação de diversos mecanismos
compensatórios, os quais, mesmo sendo benéficos inicialmente, acabarão contribuindo para a progressão
do processo de disfunção ventricular.
125
Unidade II

A insuficiência cardíaca é definida como a incapacidade do coração de fornecer o fluxo sanguíneo


necessário para as necessidades metabólicas e funcionais dos órgãos vitais em condições normais.
A associação das alterações hemodinâmicas e fisiológicas leva ao comprometimento progressivo da
função miocárdica, com consequente piora do quadro clínico do paciente. Suscintamente, na insuficiência
cardíaca ocorre diminuição do débito cardíaco, com aumento da frequência cardíaca e da resistência
vascular periférica (vasoconstrição), causados pela ativação de mecanismos compensatórios do sistema
nervoso autônomo simpático, que é ativado por meio dos quimiorreceptores e barorreceptores dos seios
carotídeo e aórtico.

A vasoconstrição periférica auxilia na manutenção da pressão arterial, visando adequar a perfusão


tecidual, em especial miocárdica e cerebral. Contudo, com a vasoconstrição aumentada, ocorre
simultaneamente enfraquecimento da musculatura cardíaca, a hemoconcentração e a consequente
retenção de sódio e água. A vasoconstrição periférica pode agravar a insuficiência cardíaca, pois aumenta
o trabalho do ventrículo esquerdo e diminui o volume sistólico.

Em resumo, o coração apresenta força insuficiente e, na tentativa de manter seu trabalho adequado,
altera a pré-carga, a pós-carga, o débito cardíaco, a força de contração (inotropismo) e seu desempenho,
comprometendo sua função primordial: a de fornecer oxigênio para os tecidos. Dessa forma, instala‑se
um ciclo vicioso que pode evoluir para congestão, determinando assim o quadro de insuficiência
cardíaca congestiva.

Os mecanismos fisiopatológicos subjacentes são múltiplos: insuficiência cardíaca sem


insuficiência ventricular, insuficiência ventricular com ou sem função sistólica ventricular
anormal, taquicardias prolongadas ou taquiarritmias em corações normais. A associação de vários
mecanismos agrava o prognóstico.

Entre as principais causas de insuficiência cardíaca estão a doença crônica valvar mitral e
as cardiomiopatias.

Os princípios do tratamento dependem do tipo de insuficiência cardíaca encontrada. Os objetivos


terapêuticos de médio e longo prazo não são apenas para corrigir as anormalidades hemodinâmicas,
mas para melhorar a qualidade de vida e, se possível, aumentar a sobrevida do paciente. São utilizados
fármacos que atuam diretamente sobre os cardiomiócitos (glicosídeos cardíacos) e também fármacos
que diminuem a pressão arterial e, assim, melhoram o trabalho cardíaco por mecanismos indiretos
(diuréticos, inibidores da ECA, antagonistas do receptor AT1 de angiotensina etc.).

Os digitálicos, ou glicosídeos cardíacos, antigamente eram conhecidos como cardiotônicos,


pois aumentam a força de contração do coração (efeito inotrópico positivo). Por esse motivo, eles
possibilitam uma maior eficácia cardíaca. Entre os digitálicos, temos a digoxina, a digitoxina e a
ouabaína, provenientes de plantas do gênero Digitalis (popularmente conhecidas como dedaleiras).

O aumento da força da contração miocárdica desencadeada por esses fármacos deve-se, em última
análise, ao aumento do cálcio intracelular livre, que interage com as proteínas contráteis, sem que haja
aumento do consumo de oxigênio pelas fibras cardíacas.
126
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Atualmente, é um dos medicamentos cardíacos mais estudados, persistindo ainda muitas


controvérsias com relação ao seu uso. Sua importância principal reside no fato de serem agentes
inotrópicos viáveis para uso crônico, por via oral, em pacientes com insuficiência cardíaca.

A estrutura química dos digitálicos é caracterizada por uma porção aglicona (genina), cujo núcleo
básico é o ciclopentanoperidrofenantreno (núcleo estreoide), no qual se liga um anel lactona no
átomo C17. O efeito cardíaco é determinado pela dupla ligação no anel lactônico e pelo grupo hidroxila
no C14. As moléculas de açúcares, em geral, ligam-se ao C3 e estão relacionadas com hidrossolubilidade,
penetrabilidade celular e duração da ação. A diferença estrutural entre os dois digitálicos mais usados
terapeuticamente, a digoxina e a digitoxina, é a presença da hidroxila (OH) no C12 da digoxina (veja a
figura a seguir).
O

OH OH
H H
HO O O
H
OH
O O O O
H H H
OH

Figura 48 – Estrutura química da digoxina

Um dos principais benefícios da digoxina na insuficiência cardíaca se deve ao seu efeito inotrópico
positivo. Esse mecanismo de ação está relacionado à inibição da atividade da Na+/K+ ATPase (bomba de
sódio/potássio) presente na membrana dos cardiomiócitos. Uma vez que a inibição dessa ATPase leva
ao acúmulo de íons sódio no compartimento intracelular, o transportado de Na+/Ca2+ é indiretamente
afetado e deixa de trocar íons sódio (que entram na célula) por íons cálcio (que saem da célula). Como
consequência, ocorre aumento das concentrações intracelulares de cálcio. Os íons cálcio podem, direta
ou indiretamente, atuar no mecanismo de excitação-contração, prolongando o tempo e a intensidade
da contração das fibras do miocárdio (veja a figura a seguir). Os glicosídeos cardíacos apresentam baixo
índice terapêutico, o que significa que as doses capazes de desencadear efeitos tóxicos são próximas
das doses terapêuticas. A intoxicação está relacionada com o aumento excessivo de sódio e cálcio e
diminuição do potássio no compartimento intracelular, o que desencadeia arritmias e contraturas.

Observação

Índice terapêutico é a relação entre a dose tóxica e a dose terapêutica


de um fármaco e indica quantas vezes a dose de um fármaco pode ser
aumentada sem que haja o desenvolvimento de toxicidade.
127
Unidade II

Lembrete

O transportador de Na+/Ca2+ e a Na+/K+ ATPase são importantes para


restabelecer o potencial de repouso nos cardiomiócitos após a contração.

Arritmias Contraturas
Contração

Tempo Dose teraupêtica Doses tóxicas


Na/K-ATPase
Na+ GC GC

GC
GC GC

Figura 49 – Mecanismo de ação dos glicosídeos cardíacos (GC)

Esse mecanismo é responsável pelo aumento da força de contração cardíaca observada com o uso
dos glicosídeos cardíacos. Além disso, esses fármacos apresentam outras propriedades farmacológicas
que influenciam a função cardíaca: ocorre restabelecimento dos reflexos barorreceptores e aumento da
atividade vagal, que resulta na diminuição da frequência cardíaca.

O aumento do cálcio intracelular induzido pelos glicosídeos cardíacos também predispõe os tecidos
de condução (nodo sinoatrial, feixe de His e fibras de Purkinje) ao disparo prematuro, por tornar mais
positivo o potencial de repouso de membrana, causando arritmias.

Os efeitos adversos dos glicosídeos cardíacos são, em grande parte, decorrentes: (a) da inibição da
Na /K+ ATPase no coração; (b) da inibição da Na+/K+ ATPase em sítios extracardíacos; e (c) do aumento
+

exacerbado da atividade parassimpática. Esses efeitos incluem arritmias ventriculares e atriais, distúrbios
do trato gastrointestinal (anorexia, vômito, náusea e dor abdominal), distúrbios visuais (visão branca e
amarelada, diplopia), fadiga, tontura e delírios.

Os pacientes com intoxicação pelos digitálicos apresentam acidose metabólica, hipocalemia,


hipomagnesemia e hipercalcemia. O controle desse quadro é realizado pela administração de
fármacos antiarrítmicos, correção do desequilíbrio eletrolítico, implantação de marcapasso

128
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

temporário e administração de anticorpos antidigoxina, que visam impedir a ação do fármaco


sobre os tecidos.

Os glicosídeos cardíacos interagem com uma série de outros medicamentos, vários dos quais
também são utilizados no tratamento de afecções cardiovasculares (diuréticos tiazídicos e de alça,
betabloqueadores, antagonistas do cálcio, espironolactona) e, portanto, é necessário monitoramento
contínuo e fornecimento de orientações aos pacientes.

5.2 Anti-hipertensivos e diuréticos

A hipertensão arterial sistêmica é uma doença crônica caracterizada pelos níveis elevados da pressão
sanguínea nas artérias. É considerada hipertensão arterial sistêmica quando os valores das pressões
máxima (sistólica) e mínima (diastólica) são iguais ou ultrapassam os 140/90 mmHg.

Essa condição faz com que o coração tenha que exercer um esforço maior do que o normal para
fazer com que o sangue seja distribuído adequadamente no organismo. Além disso, a hipertensão
arterial sistêmica é um dos principais fatores de risco para a ocorrência de acidente vascular cerebral,
infarto do miocárdio, aneurisma arterial e insuficiência renal e cardíaca.

A hipertensão arterial sistêmica é herdada dos pais em 90% dos casos, mas há vários fatores
que influenciam nos níveis pressóricos, principalmente os hábitos de vida do indivíduo (tabagismo,
consumo de bebidas alcoólicas, obesidade, estresse, elevado consumo de sal, níveis altos de colesterol,
sedentarismo). Além desses fatores de risco, sabe-se que sua incidência é maior na raça negra e em
diabéticos e que ela aumenta com a idade.

Os sintomas da hipertensão costumam aparecer somente quando os níveis pressóricos estão bem
elevados: podem ocorrer dores no peito, dor de cabeça, tonturas, zumbido no ouvido, fraqueza, visão embaçada
e sangramento nasal. A hipertensão arterial sistêmica não tem cura, mas deve ser tratada e pode ser controlada.

5.2.1 Fisiopatologia da hipertensão arterial

Conforme Rang (2011), entre as funções fisiológicas do organismo, a regulação da pressão arterial é
uma das mais complexas, pois depende das ações integradas dos sistemas cardiovasculares, renal, neural
e endócrino.

A hipertensão arterial sistêmica tem causa multifatorial para a sua gênese e manutenção. A
investigação da sua fisiopatologia necessita de conhecimentos dos mecanismos normais de controle da
pressão arterial para procurar, então, evidências de anormalidades que precedem a elevação da pressão
arterial para níveis considerados patológicos.

A pressão arterial (PA) é determinada pelo produto do débito cardíaco (DC) e da resistência vascular
periférica (RVP):

PA = DC × RVP
129
Unidade II

Nos indivíduos normais e nos portadores de hipertensão arterial, para um determinado nível de
pressão arterial, existe um espectro de variação do débito cardíaco, com respostas concomitantes da
resistência vascular periférica. O volume de sangue circulante, a frequência cardíaca, a contratilidade
e o relaxamento do miocárdio e o retorno venoso podem influenciar o débito cardíaco. A resistência
vascular periférica, por sua vez, é determinada por vários mecanismos vasoconstritores e vasodilatadores
(como o sistema nervoso simpático, o sistema renina-angiotensina e a modulação endotelial) e depende
também da espessura da parede das artérias (há uma potencialização ao estímulo vasoconstrictor nos
vasos nos quais há espessamento de suas paredes).

Assim sendo, nos pacientes portadores de hipertensão arterial, a elevação da pressão arterial pode
ser decorrente do aumento da resistência vascular periférica e/ou da elevação do débito cardíaco.

5.2.2 Regulação da hipertensão arterial

Os fatores responsáveis por regular a pressão arterial estão listados a seguir. Conforme Cassis
(2011), os fármacos anti-hipertensivos, que serão abordados logo em seguida, atuam preferencialmente
sobre os barorreceptores (betabloqueadores), sobre o sistema nervoso simpático (antagonistas alfa-1,
agonistas alfa-2, betabloqueadores) e sobre o sistema renina-angiotensina aldosterona (inibidores da
ECA e antagonistas do receptor AT1 de angioensina II), além de exercerem seu papel em outras etapas
do controle da pressão arterial (diuréticos e bloqueadores dos canais de cálcio).

Controle neurogênico

O centro vasomotor é uma região do sistema nervoso central que inclui o núcleo trato solitário,
localizado na medula dorsal (integração de barorreceptores), a parte rostral da medula ventral (região
pressora) e outros centros na ponte e no mesencéfalo.

Quimiorreceptores arteriais

As trocas gasosas nos pulmões e a excreção de ácidos e base pelos rins são responsáveis pela
manutenção em níveis adequados dos valores de PO2 (pressão parcial de oxigênio), PCO2 (pressão
parcial de gás carbônico) e pH (concentração de íons hidrogênio). São os quimiorreceptores localizados
estrategicamente no circuito arterial (corpúsculos aórticos e carotídeos) que detectam os aumentos ou
as quedas de PO2, PCO2 e/ou pH e desencadeiam respostas homeostáticas para corrigir essas variações.
Além disso, quedas da PO2 e do pH e/ou elevações de PCO2, por exemplo, alteram a frequência dos
potenciais das aferências quimiossensíveis que se projetam no SNC, determinando alterações na pressão
arterial. Também a estimulação dos quimiorreceptores aumenta a frequência e a amplitude da respiração
provocando aumento da ventilação que restaura os gases sanguíneos e traz o pH aos valores normais.

Barorreceptores arteriais

Os barorreceptores arteriais são mecanorreceptores constituídos por terminações nervosas livres


que se situam na adventícia de grandes vasos (aorta e carótida) e que são estimulados por deformações
das paredes desses vasos, normalmente provocadas pela onda de pressão pelas características
130
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

mecano‑elásticas da parede. Na pressão basal, os barorreceptores descarregam de forma intermitente


e sincrônica com a pressão sistólica, na dependência das variações instantâneas da deformação e da
tensão vascular induzidas pela pressão arterial.

O aumento da pressão arterial ativa os barorreceptores, o que resulta em diminuição do tônus simpático
e estimulação do nervo vago (sistema nervoso parassimpático), que resulta em diminuição da frequência
cardíaca e da pressão arterial. Em indivíduos hipertensos, esse mecanismo pode estar defectivo.

Sistema nervoso autônomo

O sistema nervoso autônomo tem participação importante no controle normal da pressão arterial e
pode estar alterado em pacientes com hipertensão arterial.

A importância do sistema nervoso simpático na regulação a curto prazo da pressão arterial através
da modulação do tônus vascular periférico e do débito cardíaco está bem estabelecida, enquanto o
papel da atividade do nervo simpático no controle da pressão arterial a longo prazo é mais controverso.

A ação do sistema nervoso autônomo sobre o sistema cardiovascular ocorre com a liberação da
noradrenalina e da acetilcolina no coração, modificando a frequência cardíaca e, consequentemente,
o débito cardíaco. A noradrenalina liberada no coração interage com adrenoceptores beta-1 causando
cronotropismo e inotropismo positivos. Ocorre ainda uma modificação na contratilidade dos vasos
sanguíneos devido à liberação da noradrenalina nos vasos circulantes, a qual estimula adrenoceptores
alfa-1, promovendo vasoconstrição e, consequentemente, aumento da resistência vascular periférica.

Sistema renina-angiotensina-aldosterona

O sistema renina-angiotensina é uma via importante envolvida no controle homeostático da


pressão arterial.

A urina, além de ser o veículo para a eliminação dos restos metabólicos do nosso organismo, também
está envolvida no controle da volemia e, consequentemente, da pressão arterial. Quando esta aumenta,
os rins aumentam a excreção de sódio e água para que o volume de sangue diminua e ela retorne ao
normal; quando a pressão arterial diminui, ocorre o oposto. Além disso, os rins também funcionam
como glândulas endócrinas, pois são responsáveis pela síntese e secreção de renina que, em última
instância, controla indiretamente a secreção de angiotensina II e de aldosterona.

A renina é uma enzima que atua sobre o angiotensinogênio, uma grande proteína que circula
na corrente sanguínea, convertendo-o em angiotensina I (que se mantém relativamente inativa).
A angiotensina I sofre ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), dando origem à angiotensina
II, um hormônio que é muito ativo. A angiotensina II atua em receptores presentes nas arteríolas
(receptores AT1), que são acoplados à proteína Gq, classicamente envolvida na contração da musculatura
lisa. De fato, a ativação de AT1 pela angiotensina II faz com que a musculatura lisa dos vasos contraia,
o que aumenta a pressão arterial.

131
Unidade II

A angiotensina II também provoca a liberação do hormônio aldosterona pelas glândulas adrenais e


da vasopressina (hormônio antidiurético) pela hipófise. A aldosterona e a vasopressina fazem com que
os rins retenham sódio. A aldosterona também faz com que os rins excretem potássio. O aumento de
sódio faz com que a água seja retida, aumentando, assim, o volume de sangue circulante e a pressão
arterial (veja a figura a seguir).

Enzima conversora da Angiotensina II promove Aldosterona estimula a


angiotensina (ECA) vasoconstrição (através da reabsorção de sódio e água
ativação de AT1) e induz a nos néfrons
secreção de aldosterona pelo
córtex da suprarrenal

Na+ H2O
Fígado libera
angiotensinogênio Nos capilares
no sangue pulmonares

Figura 50 – O sistema renina-angiotensina-aldosterona

A aldosterona exerce suas ações através da ativação dos receptores de mineralocorticoides (MR), que
são receptores intracelulares que regulam positivamente a expressão da Na+/K+ ATPase na membrana
basal das células do túbulo renal. Como resultado, ocorre maior reabsorção de sódio nessas células,
simultaneamente ao aumento da excreção de potássio.

Recentemente, outras vias alternativas de geração de angiotensina II têm sido descritas, e vários
estudos mostram a produção local do sistema renina-angiotensina no coração, na parede dos vasos,
no cérebro e em outros tecidos. No coração, há também a produção de uma enzima chamada quimase,
que tem a propriedade de converter a angiotensina I em II sem o auxílio da ECA. O envolvimento
preciso desse sistema local ainda não é totalmente esclarecido, entretanto, sabe-se que a geração de
angiotensina II atua sobre a síntese proteica muscular e pode estar implicada no desenvolvimento ou
na regressão da hipertrofia vascular ou cardíaca.

A angiotensina II ainda atua potencializando as ações do sistema nervoso simpático, dos peptídeos
atriais, das terminações nervosas, da endotelina e do neuropeptídeo Y e interage com as cininas e
prostaglandinas nos rins. Outro possível exemplo dessa ação cardiovascular modulatória ocorre no
endotélio, através de ações da angiotensina II sobre a L-arginina, o óxido nítrico e a bradicinina, alterando
as funções hemodinâmicas locais.

132
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Peptídeo natriurético atrial

O peptídeo natriurético atrial é liberado pelos átrios e produz natriurese, diurese e uma diminuição
modesta da pressão sanguínea, enquanto diminui a renina plasmática e a aldosterona. Em conjunto
também alteram a transmissão sináptica dos osmorreceptores. O peptídeo natriurético atrial é liberado
como resultado da estimulação dos receptores de estiramento atrial. As suas concentrações são
aumentadas por pressões elevadas de enchimento e em pacientes com hipertensão arterial e hipertrofia
ventricular esquerda, à medida que a parede do ventrículo esquerdo participa da secreção de peptídeo
natriurético atrial.

Eicosanoides

Os metabólitos do ácido araquidônico alteram a pressão sanguínea através de efeitos diretos no


tônus do músculo liso vascular e interações com outros sistemas vasorreguladores: sistema nervoso
autônomo, sistema renina-angiotensina-aldosterona e outras vias humorais. Em pacientes hipertensos,
a disfunção das células endoteliais vasculares pode levar à redução de fatores relaxantes derivados do
endotélio, como óxido nítrico, prostaciclina e fator hiperpolarizante derivado do endotélio ou aumento
da produção de fatores contráteis, como endotelina-1 e tromboxano A2.

Sistemas de calicreína-cinina

As calicreínas de tecido atuam no cininogênio para formar peptídeos vasoativos. O mais importante
é o vasodilatador bradicinina. As cininas desempenham um papel na regulação do fluxo sanguíneo
renal e da excreção de água e sódio. Os inibidores da ECA diminuem a quebra da bradicinina em
peptídeos inativos.

Mecanismos endoteliais

O óxido nítrico (NO) medeia a vasodilatação produzida pela acetilcolina, bradicinina, nitroprussiato
de sódio e nitratos. Em pacientes hipertensos, o relaxamento derivado do endotélio é inibido. O endotélio
sintetiza endotelinas, os vasoconstritores mais poderosos. A geração ou sensibilidade à endotelina-1
não é maior em hipertensos do que em normotensos. No entanto, os efeitos vasculares deletérios da
endotelina-1 endógena podem ser acentuados pela geração reduzida de óxido nítrico causada pela
disfunção endotelial hipertensiva.

Esteroides adrenais

Mineralocorticoides e glicocorticoides aumentam a pressão arterial. Esse efeito é mediado pela


retenção de sódio e água (mineralocorticoides) ou pelo aumento da reatividade vascular (glicocorticoides).
Além disso, glicocorticoides e mineralocorticoides aumentam o tônus vascular, regulando positivamente
os receptores de hormônios pressores, como a angiotensina II.

133
Unidade II

5.2.3 Fármacos anti-hipertensivos

Todos os anti-hipertensivos devem atuar diminuindo o débito cardíaco e/ou a resistência vascular
periférica. As classes de medicamentos mais comumente usadas incluem diuréticos tiazídicos, os
betabloqueadores, os inibidores da ECA, os antagonistas dos receptores AT1 de angiotensina II e
os bloqueadores dos canais de cálcio. Casos particulares podem exigir o uso de antagonistas alfa-1, agonistas
alfa-2, vasodilatadores diretos e alguns medicamentos de ação central, como os agonistas de receptores de
imidazolina I1. O efeito de cada um desses fármacos sobre a pressão arterial será abordado a seguir.

Diuréticos

Os diuréticos constituem uma das primeiras escolhas no tratamento da pressão arterial, por induzirem
a natriurese e, assim, a diurese. Como resultado, ocorre diminuição da volemia, o que contribui para a
redução da pressão arterial. De fato, a terapia diurética em baixas doses reduz o risco de derrames,
de doença coronariana, de insuficiência cardíaca congestiva e, portanto, da mortalidade total. Eles
atuam nas diferentes regiões dos túbulos renais, promovendo a reabsorção de sódio e de outros íons e,
consequentemente, de água.

Os diuréticos mais usados no tratamento da hipertensão são os de alça, os tiazídicos e os poupadores


de potássio (veja a figura a seguir). Outros diuréticos, como os inibidores da anidrase carbônica, são
utilizados para outros fins, conforme indicado na figura:

Inibidores da anidrase carbônica (ex.: acetazolamida) Diuréticos tiazídicos (ex.: hidrocolorotiazida)


Inibem a conversão de água e dióxido de carbono em ácido Inibem a reabsorção de Na+ e Cl- no túbulo
carbônico, com redução da reabsorção de bicarbonato para o contorcido distal.
sangue, juntamente ao sódio. Promovem diurese leve. Usados Promovem aumento intermediário da diurese, sendo
principalmente no tratamento do glaucoma. os mais usados no controle da hipertensão.

Túbulo
Túbulo contorcido
contorcido distal
proximal
Poupadores de potássio

Espironolactona: é um
antagonista dos receptores de
aldosterona.

Alça Amilorida e triantereno:


ascendente de bloqueiam canais de sódio.
Diuréticos de alça Henle
(ex.: furosemida, torsemida, Baixa eficácia, são associados
ácido etacrínico) aos diuréticos de alça e aos
tiazídicos para evitar a perda
Inibem o cotransporte de Na+/K+/2Cl- na de potássio.
Alça
porção ascendente da alça de Henle. descendente
de Henle
Promovem grande excreção de íons sódio
Túbulo e ducto
→ são os diuréticos mais eficazes. coletor

Figura 51 – Principais diuréticos e seus locais de ação

134
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Os diuréticos de alça (furosemida, torsemida, ácido etacrínico) atuam primariamente sobre o


segmento ascendente da alça de Henle, inibindo o carreador de Na+/K+/2Cl- presente na membrana
luminal e, consequentemente, impedindo a reabsorção de íons sódio e cloreto. Com isso, promovem
a excreção de até 25% do sódio presente no filtrado glomerular original, o que resulta em aumento
acentuado da diurese. Além disso, os diuréticos de alça aumentam a eliminação de íons cálcio e
magnésio e inibem a excreção de ácido úrico, o que contraindica seu uso por pacientes com gota úrica
(hiperuricemia), pois pode precipitar crises agudas de gota.

Lembrete

O sódio é o principal determinante do volume extracelular, e sua excreção


é acompanhada da eliminação de quantidades significativas de água.

Devido à redução da reabsorção do sódio na porção ascendente da alça de Henle, a oferta desse íon
aumenta no túbulo distal e no ducto coletor, o que causa perda acentuada de íons potássio e de prótons
(H+), resultando, respectivamente, em hipopotassemia e em alcalose metabólica. A hipopotassemia pode
causar alterações no ritmo cardíaco, aumentar os efeitos e a toxicidade de vários fármacos administrados
concomitantemente (tal como a digoxina e a amiodarona) e deve ser tratada com reposição suplementar
de potássio e com o uso concomitante de diuréticos poupadores de potássio.

Os diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida, indapamida, clortalidona) reduzem a reabsorção de íons


sódio por inibição do cotransporte de Na+/Cl- no túbulo contorcido distal. Consequentemente, ocorre
diminuição da reabsorção de NaCl, o que aumenta a concentração dos íons sódio e cloreto no filtrado
que se encontra na luz do túbulo renal. O aumento da oferta de íons sódio no ducto coletor causa a
perda de potássio e de prótons (H+).

Observação

Todos os diuréticos que agem antes da porção final do túbulo


controlado distal, como os de alça e os tiazídicos, promovem aumento da
excreção de potássio.

Os diuréticos tiazídicos são menos potentes que os diuréticos de alça. Os efeitos dos tiazídicos sobre
o balanço iônico são qualitativamente semelhantes aos dos diuréticos de alça, mas de magnitude menor.
Além disso, esses fármacos também podem induzir um quadro de hiperuricemia. No entanto, em contraste
com os diuréticos de alça, os tiazídicos reduzem a eliminação de íons cálcio, o que pode ser vantajoso em
pacientes mais idosos com risco de osteoporose. Além disso, constituem uma das principais classes de
anti‑hipertensivos, tanto em monoterapia quanto associados a outras classes de fármacos.

Os diuréticos poupadores de potássio incluem os inibidores dos canais de sódio no ducto coletor
(amilorida e triantereno) e os antagonistas de receptores de aldosterona (espironolactona). São diuréticos
que eliminam íons sódio e água, mas impedem a perda de potássio (daí o nome “poupadores de potássio”).
135
Unidade II

Apresentam eficácia limitada como diuréticos, pois atuam primariamente no ducto coletor, onde ocorre
apenas pequena fração de reabsorção de sódio. Esses diuréticos podem ser administrados juntamente a
diuréticos de alça ou tiazídicos, com a finalidade de manter o balanço de potássio no organismo.

O uso clínico dos diuréticos poupadores de potássio inclui a insuficiência cardíaca, a hipertensão
arterial e o hiperaldosteronismo.

Adicionalmente, nos últimos anos a espironolactona vem sendo utilizada no tratamento da síndrome
dos ovários policísticos e da acne, devido aos seus efeitos antiandrogênicos (lembre-se de que tanto a
aldosterona quanto a testosterona apresentam natureza esteroidal). Esses usos são off label, ou seja, não
constam da bula do medicamento, e precisam ser validados para constar das diretrizes do tratamento
dessas condições.

O principal efeito indesejável associado ao uso dos diuréticos poupadores de potássio é a


hiperpotassemia, o que é perigoso em pacientes com comprometimento renal ou que estejam recebendo
outros fármacos que possam aumentar os níveis plasmáticos de potássio.

Fármacos simpatolíticos

Dentro dessa classe, de acordo com Westfall (2011), se encontram os fármacos que atuam inibindo o
tônus simpático sobre o coração e/ou vasos: os betabloqueadores, os antagonistas alfa-1, os agonistas
alfa-2 e outros fármacos de ação indireta. Seus mecanismos de ação já foram discutidos no tópico
Farmacologia do sistema nervoso simpático.

O efeito anti-hipertensivo dos betabloqueadores se deve a três mecanismos principais:

• Bloqueio dos adrenoceptores beta-1 no coração, o que leva à diminuição do trabalho cardíaco e
consequente vasodilatação.

• Bloqueio dos adrenoceptores beta-1 nos rins, o que inibe a secreção de renina.

• Regulação dos barorreceptores (na hipertensão arterial, é comum o sistema barorreceptor


reconhecer pressões elevadas como normais, e não ativar os mecanismos compensatórios).

• Alguns representantes, como o labetalol, apresentam atividade antagonista também nos


adrenoceptores alfa, controlando diretamente a pressão arterial.

Por muito tempo, os betabloqueadores foram os fármacos de primeira escolha no tratamento da


hipertensão arterial. Porém, seu uso está sendo revisto, pois, em alguns casos, está relacionado ao
agravamento da insuficiência cardíaca. Além disso, diversos estudos mostraram que não há aumento da
expectativa de vida por pacientes que fazem uso dos betabloqueadores para o controle da hipertensão.
Portanto os betabloqueadores podem ser considerados na terapêutica inicial em situações específicas:
na presença de arritmias supraventriculares, de enxaqueca, de insuficiência cardíaca (é necessário
cautela, pois pode piorar o quadro) e coronariopatias.
136
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Os principais representantes dessa classe são o propranolol, o atenolol, o carvedilol e o metoprolol.

Os antagonistas alfa-1 (prazosin, doxazosin, terazosin) reduzem a resistência vascular periférica


e também reduzem os níveis de colesterol no sangue. Devido a seus efeitos adversos, que incluem
sonolência, hipotensão postural (efeito de primeira dose), retenção hídrica e, ocasionalmente, taquicardia,
não são fármacos de primeira escolha no tratamento da hipertensão arterial, sendo reservados para
casos de hipertensão resistente.

Os agonistas alfa-2, como a clonidina e o guanabenzo, ativam os adrenoceptores alfa 2-adrenérgico


no sistema nervoso central, o que resulta em diminuição dos impulsos simpáticos que atingem os vasos
periféricos, os rins e o coração. Como resultado, ocorre diminuição da frequência cardíaca e da pressão
arterial sistólica e diastólica. Por apresentarem efeitos adversos semelhantes aos dos antagonistas alfa‑1,
também não são primeira escolha no tratamento da hipertensão arterial.

Outros simpatolíticos de ação central que podem ser utilizados no tratamento da pressão arterial
são a metildopa (falso neurotransmissor e agonista dos adrenoceptores alfa-2), a moxonidina e a
rilmenidina (agonistas dos receptores da imidazolina1, reduz a atividade simpática ao atuar em centros
na medula lateral ventral rostral, reduzindo assim a resistência vascular periférica) e a reserpina (inibe a
captação de noradrenalina pelas vesículas presentes nas terminações nervosas).

Bloqueadores de canais de cálcio

Os bloqueadores dos canais de cálcio são divididos em di-hidropiridinas (nifedipina, nimodipina,


amlodipina) e não di-hidropiridinas (verapamil, diltiazem). Ambos os grupos diminuem a resistência
vascular periférica e são usados como antiarrítmicos, mas o verapamil e o diltiazem também apresentam
efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos (diminuem a força e a frequência de contração cardíaca).

Lembrete

Devido a seus efeitos cardíacos, o verapamil e o diltiazem também são


usados como antiarrítmicos.

Os bloqueadores dos canais de cálcio são fármacos de primeira escolha no tratamento da hipertensão
e geralmente são associados aos diuréticos tiazídicos. Eles atuam bloqueando os canais de cálcio do
tipo L (dependente de voltagem) no músculo liso vascular, o que impede a vasoconstrição, e no músculo
cardíaco (não di-hidropiridinas), o que resulta em diminuição da frequência cardíaca.

As principais reações adversas incluem cefaleia, tontura, rubor facial e edema de extremidades,
devido à vasodilatação que provocam. Mais raramente, podem induzir à hipertrofia gengival. Alguns dos
agentes dessa classe (di-hidropiridínicos de ação curta) provocam importante estimulação simpática
reflexa, que é deletéria para o sistema cardiovascular.

137
Unidade II

Inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA)

Os inibidores da ECA estão sendo cada vez mais usados como terapia de primeira escolha. Eles
são bem tolerados, e têm relativamente poucos efeitos colaterais e contraindicações (exceto estenoses
bilaterais da artéria renal). Os inibidores da ECA são agentes de primeira escolha em pacientes hipertensos
diabéticos, pois diminuem a progressão da disfunção renal. Na hipertensão com insuficiência cardíaca,
os inibidores da ECA também são medicamentos de primeira escolha.

Os efeitos anti-hipertensivos dos inibidores da ECA são devidos à inibição da síntese de angiotensina II
a partir da angiotensina I, à inibição da degradação da bradicinina, uma molécula que promove
vasodilatação, e à redução do tônus simpático (veja a figura a seguir).
Angiotensinogênio ↓ Tônus simpático
Renina !
PA
ECA Angiotensina II ↑ Vasodilatação
Angiotensina I diminuída Produção de
- ↓ Retenção de
aldosterona sódio e água
reduzida
Diminuição da
Inibição da degradação ↑ Níveis de pressão arterial
Inibidores da ECA bradicinina
de bradicinina

Figura 52 – Ações dos inibidores da ECA sobre o sistema cardiovascular

• A inibição da produção de angiotensina II resulta na diminuição da sua ação vasoconstritora


direta (mediada pela ativação de receptores AT1 nos vasos) e indireta (mediada pelo estímulo da
síntese de aldosterona).

• A inibição da degradação da bradicinina potencializa os efeitos vasodilatadores dessa molécula (a


ECA é considerada uma cininase, pois participa da degradação das cininas).

• A inibição do tônus simpático ocorre devido à diminuição da ação estimulatória da angiotensina


II sobre os nervos desse sistema e sobre a medula da suprarrenal.

O captopril foi o primeiro agente a ser comercializado. Foi isolado do veneno da jararaca pelo
pesquisador brasileiro Sérgio Henrique Ferreira, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto,
na década de 1960. O captopril é um agente muito eficaz na inibição da ECA, porém seu uso está
relacionado com o desenvolvimento de tosse seca (efeito mediado pela bradicinina) e de síndrome
lúpica do tipo lúpus eritematoso (rara, mas mais importante do ponto de vista clínico). Esses efeitos
adversos motivaram o desenvolvimento de outros inibidores da ECA, com estrutura química semelhante
ao captopril, mas com menor probabilidade de desenvolvimento de tosse e sem o efeito adverso da
síndrome lúpica.

O enalapril é um derivado sintético do captopril que, além de apresentar essas vantagens, pode ser
administrado somente uma vez por dia, enquanto o captopril necessita de três doses diárias, pois sua
meia-vida plasmática é mais curta.

138
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Com o tempo, outros inibidores da ECA surgiram: os principais são o lisinopril, o ramipril, o cilazapril,
o delapril, o benazepril, o fosinopril etc.

Saiba mais

Vários fármacos, incluindo o captopril, interferem com os resultados


dos exames laboratoriais. Leia mais em:

RAPIEWICZ, J. C.; ZAROS, K. J. B.; GROBE, R. Interação de fármacos


com exames de laboratório. Cimformando, n. 4, ano XV, out./nov./dez.
2018. Disponível em: https://www.crf-pr.org.br/uploads/revista/35428/
BFtOSB44cJW25q_WSqPV8rq3vZJ_1Y2_.pdf. Acesso em: 16 abr. 2020.

Antagonistas dos receptores AT1 de angiotensina II

Conforme Tavares, Gionoza e Ribeiro (2004), os antagonistas dos receptores AT1 promovem
diminuição da pressão arterial por impedir as ações diretas da angiotensina II sobre os vasos. Os principais
representantes são o losartan, o valsartan e o candesartan.

Como não atuam diretamente sobre a bradicinina, esses fármacos causam menos tosse do que os
inibidores da ECA. Em geral, apresentam bom perfil de tolerabilidade, ou seja, poucos efeitos adversos
(tontura e hipersensibilidade cutânea são alguns dos efeitos).

Com o tempo, é necessário ajustar as doses de antagonistas AT1. Isso ocorre porque a angiotensina II é
responsável pelo feedback negativo sobre a secreção de renina pelos rins. Ao bloquear os receptores AT1
nesse órgão, o feedback negativo é inibido, com consequente aumento da quantidade de angiotensina II
produzida. Esse excesso de angiotensina II retira o antagonista do sítio de ligação no receptor e, como
consequência, ocorre vasoconstrição. Nessa situação, se a dose for aumentada, o aumento da pressão
arterial será ainda maior (pois a quantidade de angiotensina II aumentará ainda mais). Deve-se,
portanto, diminuir a dose.

Observação

O alisquireno é o único inibidor da renina com utilização terapêutica.


Seu uso foi regulamentado em 2008, em combinação com os diuréticos
tiazídicos ou em monoterapia.

Vasodilatadores diretos

A hidralazina e o minoxidil são vasodilatadores de ação direta. Porém seu uso diminuiu nos últimos
anos devido ao potencial de efeitos colaterais graves (síndrome de lúpus com hidralazina, hirsutismo

139
Unidade II

com minoxidil). Além disso, esses fármacos promovem retenção hídrica e taquicardia reflexa, o que
contraindica seu uso como monoterapia.

5.2.4 Associações de fármacos no tratamento da hipertensão arterial

Segundo a 7ª Diretriz de Hipertensão Arterial (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, 2016),


a hipertensão estágio 1 (pressão sistólica: 140-159 e pressão diastólica: 90-99) deve ser tratada com
monoterapia associada a tratamento não medicamentoso (reeducação alimentar, exercício físico etc.).
Valores mais elevados de pressão arterial são tratados com combinações de dois ou mais fármacos,
aliados ao tratamento não medicamentoso discutido anteriormente.

A monoterapia inicial da hipertensão deve ser realizada com diuréticos tiazídicos, inibidores da
ECA, bloqueadores dos canais de cálcio, ou com antagonistas do receptor AT1. Os betabloqueadores
faziam parte dessa lista, mas como foi observado que seu uso não estava relacionado com aumento da
expectativa de vida, eles continuam sendo primeira escolha somente em casos de hipertensão associada
a arritmias, enxaqueca, insuficiência cardíaca ou coronariopatia.

Em relação às associações, deve-se evitar aquelas constituídas de fármacos com o mesmo mecanismo
de ação, ou com mecanismos de ação semelhantes (a exceção é a associação de diuréticos tiazídicos
com poupadores de potássio, que visa ao equilíbrio dos níveis séricos de potássio). Os diuréticos são
muito utilizados nessas associações, pois potencializam ação anti-hipertensiva das outras classes.

As principais associações de fármacos anti-hipertensivos são representadas na figura a seguir:


Diuréticos
tiazídicos

Bloqueadores
Betabloqueadores dos receptores da
angiotensina

Outris anti- Bloqueadores dos


hipertensivos canais de cálcio

Inibidores
da IECA
Combinações preferenciais
Combinações não recomendáveis
Combinações possíveis, mas menos testadas

Figura 53 – Esquema preferencial de associações de anti-hipertensivos

140
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Saiba mais

Leia o documento a seguir:

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. 7ª Diretriz de Hipertensão


Arterial. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 107, n. 3, Supl. 3, set. 2016.
Disponível em: http://publicacoes.cardiol.br/2014/diretrizes/2016/05_
HIPERTENSAO_ARTERIAL.pdf. Acesso em: 2 abr. 2020.

6 FARMACOLOGIA DA DOR E DA INFLAMAÇÃO

A dor pode ser definida como uma resposta desagradável a estímulos associados com real ou
potencial dano tecidual. Trata-se de uma experiência que envolve tanto as características físicas dos
estímulos quanto variáveis de ordem psicológica, como ansiedade, depressão e nível de expectativa.

A sensação dolorosa pode ser consequência da ativação de nociceptores (dor nociceptiva ou somática),
de lesão do sistema nervoso (dor neuropática), de fenômenos de natureza psíquica (dor psicogênica)
ou da associação desses mecanismos (dor mista). Pode ser classificada em aguda ou crônica, de acordo
com sua duração, e em dor rápida ou dor lenta, de acordo com o tempo decorrido entre o estímulo e a
sensação dolorosa.

Os fármacos que atuam inibindo a dor são os anestésicos (locais e gerais), utilizados quando se
deseja impedir o estabelecimento da sensação dolorosa frente a uma intervenção (por exemplo, uma
cirurgia), e os fármacos com ação analgésica, que atuam inibindo a dor já estabelecida. Os fármacos
com ação analgésica pertencem à classe dos anti-inflamatórios, esteroidais e não esteroidais, e à classe
dos analgésicos opioides.

Adiante, iremos estudar as etapas envolvidas na neurotransmissão do estímulo doloroso, assim como
o efeito dos fármacos citados sobre essa neurotransmissão.

6.1 Mecanismo de transmissão da dor

O estabelecimento da percepção dolorosa depende da presença de nervos especializados em


reconhecer estímulos danosos, chamados de nervos nociceptivos, e envolve quatro diferentes etapas,
ilustradas na figura a seguir.

Os nervos nociceptivos estão presentes em todo organismo e são constituídos de três feixes de
neurônios em série: o neurônio de primeira ordem origina-se na periferia e projeta-se para a medula
espinal, o neurônio de segunda ordem ascende pela medula espinal em direção ao tálamo e o neurônio
de terceira ordem projeta-se para o córtex cerebral.

141
Unidade II

Percepção

Corno dorsal da Modulação


Projeções Modulação medula espinal
tálamo-corticais descendente
Gânglio da
raiz dorsal Transmissão
Via ascendente
Transdução
Trato
espino-talâmico Nervo aferente
primário
Nociceptor

Figura 54 – Etapas da neurotransmissão dolorosa

Transdução

A transdução refere-se à ativação de receptores de dor (nociceptores) presentes nas terminações


nervosas livres dos neurônios de primeira ordem do nervo nociceptivo, por estímulos dolorosos de
diferentes naturezas. Três tipos de estímulo são capazes de ativar os nociceptores: os estímulos químicos,
mecânicos e térmicos.

A dor rápida, percebida como dor em pontada, é resultado da ativação de nociceptores térmicos
e mecânicos. A dor lenta ou crônica, percebida como dor em queimação, é resultado da ativação de
nociceptores químicos por diversas substâncias presentes no local da lesão, como a bradicinina, a
histamina, os íons potássio, os ácidos, a acetilcolina e as enzimas proteolíticas.

Os nociceptores pertencem a uma família de receptores de potencial transitório (TRP) constituídos de


canais de cátions não seletivos, que permitem o influxo principalmente de íons cálcio quando ativados.
Nos mamíferos, os 28 membros dessa superfamília estão distribuídos em seis subfamílias: canonical
(TRPC), vaniloide (TRPV), anquirina (TRPA), melastatina (TRPM), policistina (TRPP) e mucolipina (TRPML).
O nociceptor TRPV1, por exemplo, é um canal catiônico permeável aos íons cálcio e sódio ativados
por diversos estímulos físicos e químicos exógenos e endógenos, como a capsaicina (componente das
pimentas), as temperaturas iguais ou maiores de 43 ºC e o pH menor que 6,5. Esse receptor participa
da dor crônica (osteoartrite, câncer, doença inflamatória intestinal) e da dor neuropática (enxaqueca).

Observação

Alguns nociceptores não respondem a estímulos químicos, térmicos


ou mecânicos. Eles são denominados de “nociceptores silenciosos” ou
“dormentes” e são ativados em condições de inflamação tecidual.

142
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Transmissão

A etapa de transmissão refere-se ao desencadeamento de potenciais de ação pelas fibras


nervosas aferentes nociceptivas de primeira ordem. Essas fibras apresentam características distintas.
Os sinais de dor rápida são transmitidos por fibras de pequeno diâmetro, mielinizadas, do tipo A
delta, com velocidades entre 6 e 30 m/s, que geram sensação dolorosa localizada. A dor do tipo
lenta é transmitida por fibras não mielinizadas, do tipo C, com velocidades entre 0,5 e 2 m/s, o que
gera sensação dolorosa difusa.

Os potenciais de ação são propagados até o corno dorsal da medula espinal, onde as fibras nociceptivas
fazem sinapse com neurônios de segunda ordem. Nessas sinapses, o neurônio de primeira ordem libera
os neurotransmissores substância P e glutamato, que ativam seus receptores (de neurocinina-1, no caso
da substância P, e AMPA e NMDA, no caso do glutamato) presentes no neurônio de segunda ordem.
Como consequência, potenciais de ação são deflagrados através dos neurônios de segunda ordem.

Modulação

Interneurônios opioides emergem da substância cinzenta periaquedutal e de outras regiões em


direção aos neurônios de primeira e de segunda ordem do nervo nociceptivo. Essas células participam
da modulação negativa do estímulo doloroso e constituem a via inibitória da dor.

Os neurotransmissores liberados pelos interneurônios opioides são os peptídeos opioides,


conhecidos como endorfinas, encefalina e dinorfinas. Ao serem liberados na sinapse, esses peptídeos
ativam os receptores opioides presentes na membrana dos neurônios de primeira e de segunda ordem.
As endorfinas também estão associadas ao prazer, à memória, à disposição e ao sistema imunológico.

Lembrete

Além de inibirem a dor, as endorfinas também estão relacionadas com o


bom humor, a memória, a disposição física e mental, a melhora do sistema
imunológico etc.

Existem três principais subtipos de receptores opioides: µ (mu ou mi), κ (kappa) e δ (delta). Eles estão
distribuídos em diferentes regiões do sistema nervoso central, e os principais envolvidos na modulação
do estímulo doloroso são os receptores mi.

Os três subtipos de receptores opioides são acoplados à proteína Gi (ver o tópico Receptores
acoplados à proteína G para mais informações). Como resultado de sua ativação, ocorre inibição
da enzima adenilil-ciclase e, consequentemente, diminuição dos níveis intracelulares de AMPc.
Esse segundo mensageiro está relacionado com a resposta à dor e com a plasticidade sináptica, e a
diminuição de seus níveis intracelulares participa da inibição da neurotransmissão da dor.

143
Unidade II

A ativação da proteína Gi acoplada aos receptores opioides também induz o fechamento de canais de
cálcio voltagem-dependentes, que participam da liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica,
e a abertura dos canais de potássio, que participam da repolarização neuronal. Como consequência,
ocorre diminuição da liberação de neurotransmissores pelo neurônio de primeira ordem e a diminuição
da excitabilidade, ou até a hiperpolarização dos neurônios de primeira e de segunda ordem (veja a figura
a seguir).
Ca2+
Receptor
opioide

Neurônio de Receptor
primeira ordem opioide

) P
ân r
bst isso
cia

K+
, su sm
ato ran
am ot
ut Neur

Neurônio de
(gl

segunda ordem

Figura 55 – Mecanismo de ação dos receptores opioides

A via inibitória da dor é um mecanismo fisiológico de controle da intensidade dos estímulos


dolorosos que estão sendo conduzidos até o sistema nervoso central. Sua maior ou menor ativação
depende de fatores relacionados ao estímulo tátil, ao tipo de estímulo doloroso, à atividade do
indivíduo, ao nível de estresse agudo e crônico, entre outros. Esses fatores, em conjunto, são capazes
de determinar se a liberação de peptídeos opioides será maior, causando analgesia, ou menor, o que,
em geral, resulta em maior percepção dolorosa. O mecanismo que regula essa ativação é denominado
mecanismo do portão da dor.

Saiba mais

O mecanismo do portão da dor é descrito em:

GUSMAN, A. C. et al. Teoria do portão ou controle da dor. Revista de


Psicofisiologia, v. 1, n. 1-2, 1997. Disponível em: http://labs.icb.ufmg.br/lpf/
revista/revista1/revista1.htm. Acesso em: 2 abr. 2020.

Muitas vezes nos lesionamos durante a atividade física e só vamos perceber depois do término
dela, quando estamos repousando. Isso ocorre porque a atividade física é um dos fatores capazes de
aumentar o nível de ativação da via inibitória da dor.

144
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

O exercício físico, o estresse e outras condições acabam sendo interpretadas pelas estruturas do
sistema nervoso central envolvidas na regulação via inibitória da dor como situações durante as quais o
indivíduo não pode parar de realizar suas atividades.

Imagine se, por exemplo, você está correndo de algum animal quando, de repente, torce o tornozelo.
Parar de correr por conta da dor da lesão não seria vantajoso, pois então o animal poderia te alcançar.
Assim, nessa condição, de intensa atividade física e estresse, a via inibitória da dor é mais ativada para
que haja analgesia e você possa continuar fugindo.

A partir do momento em que você diminuir sua atividade e permanecer em repouso e segurança, a
via inibitória da dor diminuirá sua atividade e você sentirá a dor resultante da lesão. Nessas condições,
sentir a dor é importante para que você busque uma maneira de melhorar a lesão e restabelecer a
homeostase no tecido afetado.

Percepção

Os neurônios de segunda ordem fazem sinapse com os de terceira ordem no tálamo. Essa estrutura
funciona como uma rede de interpretação sensitiva. Os neurônios de terceira ordem que emergem do
tálamo vão em direção ao córtex cerebral (regiões do córtex somato-sensor) e ao sistema límbico (giro
cingulado). O córtex está relacionado com o estabelecimento da consciência da sensação dolorosa,
enquanto o sistema límbico com o emocional à dor.

A dor em queimação e difusa, produzida pela via lenta (fibras C), é mais significativa do ponto de
vista clínico, visto que costuma ser mais duradoura. A dor localizada apresenta duração curta e é útil
para que o corpo se afaste do agente que a está causando (machucar o dedo com um corte de faca
é um exemplo).

A sensação dolorosa, quando consolidada, estimula a maioria dos circuitos neuronais, o que resulta
em maior estado de alerta e excitabilidade do doente que sofre de dor, principalmente se esta é aguda.

6.2 Papel dos prostanoides na regulação da sensação dolorosa

A inflamação é uma resposta do organismo a uma infecção ou lesão dos tecidos. Faz parte do sistema
imune inato, que constitui a primeira linha, inespecífica, de defesa do organismo. Durante a inflamação,
são observados os quatro sinais cardinais: a dor, o calor, o rubor e o edema, que são estabelecidos
por ação de mediadores inflamatórios denominados prostaglandinas que, estruturalmente, podem ser
classificados como prostanoides.

Todos os sinais cardinais visam facilitar a resolução da lesão pelas células do sistema imunológico:

• O sinal cardinal da dor refere-se à hiperalgesia, que é a diminuição do limiar para ativação dos
nociceptores (estímulos que antes não ativavam os nociceptores passam a ativá-los).

145
Unidade II

• O calor refere-se ao aumento do metabolismo do local lesionado, que resulta em aumento da


temperatura do tecido e atividade das células do sistema imunológico.

• O rubor está relacionado com o aumento da circulação sanguínea para o local, o que possibilita a
chegada de mais leucócitos.

• O edema refere-se ao extravasamento de plasma para o interstício, o que facilita a atividade dos
leucócitos que chegaram ao local.

As principais prostaglandinas envolvidas no estabelecimento do processo inflamatório são a


prostaglandina E2 (PGE2) e a prostaglandina I2, ou prostaciclina (PGI2). O mecanismo pelo qual elas
induzem a hiperalgesia envolve a potencialização da resposta nociceptiva produzida pelos mediadores
inflamatórios bradicinina e histamina quando eles interagem com nociceptores. Esses efeitos são
mediados pelos diferentes subtipos de receptores de prostaglandinas, que são acoplados à proteína Gs.

As prostaglandinas apresentam meia-vida plasmática curta e, portanto, atuam no local em que


foram sintetizadas. A síntese de prostaglandinas no sistema nervoso central está relacionada com o
aumento da temperatura corporal (febre) e com a cefaleia decorrente da vasodilatação provocada por
esses agentes.

6.3 Atuação de fármacos sobre a transmissão do estímulo doloroso

Diferentes classes de fármacos podem causar diminuição, ou até cessar a transmissão do estímulo
doloroso para o sistema nervoso central. Esses fármacos apresentam diferentes finalidades, e seus
principais sítios de ação estão representados na figura a seguir. A partir de agora, iremos explorar cada
um desses fármacos em detalhes.
Anestésicos gerais:
promovem a depressão do
sistema nervoso central por
diferentes mecanismos Anestésicos opioides: são
agonistas dos receptores opioides
e, assim, potencializam a via
inibitória da dor
Anestésicos locais: bloqueiam
Corno dorsal da os canais de sódio dependentes
Modulação medula espinal de voltagem e, assim, impedem a
Projeções deflagração de potenciais de ação
tálamo-corticais descendente
Gânglio da
raiz dorsal Anti-inflamatórios (não
Via ascendente esteroidais e esteroidais): inibem a
Trato síntese de prostaglandinas e, assim,
espino-talâmico inibem a hiperalgesia
Nervo aferente
primário
Nociceptor

Figura 56 – Ação de fármacos sobre a neurotransmissão dolorosa

146
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

6.4 Anti-inflamatórios não esteroidais (Aines)

Os anti-inflamatórios não esteroidais (Aines) são um grupo de fármacos com estrutura química
heterogênea, cuja principal função é inibir as manifestações da inflamação (dor, calor, rubor e edema), e a
febre. São os medicamentos mais comercializados no mundo e importantes como fonte de automedicação.
Existem, na atualidade, mais de 40 representantes desses fármacos disponíveis nas farmácias e drogarias.

O protótipo dos Aines é o ácido acetilsalicílico, e o nome comercial do medicamento de referência


é Aspirina®. Esse fármaco apresenta propriedades anticoagulantes, analgésicas, antitérmicas e
anti‑inflamatórias, de acordo com a dose utilizada: 100 mg garantem efeito antiagregante plaquetário;
500 mg a 1 g garantem efeito analgésico e antitérmico; e doses superiores garantem controle das
manifestações inflamatórias.

O ácido acetilsalicílico foi a primeira criação da indústria farmacêutica, ou seja, foi o primeiro
fármaco a ser sintetizado. Até então, todos os princípios ativos utilizados na terapêutica eram isolados
de produtos naturais e administrados na sua forma original.

Assim acontecia com o ácido salicílico, princípio ativo que é a base para a síntese desse medicamento.
Extraído da casca do salgueiro (Salix spp.), o ácido salicílico apresenta atividade analgésica, antitérmica
e anti-inflamatória, e sua utilização tem sido descrita ao longo da história, por Hipócrates, na Grécia
antiga (V a.C.), e por outras civilizações antigas que incluem a Suméria, o Egito e a Assíria. Na época, eram
preparadas infusões com a casca do salgueiro, para administração oral. No entanto, essas preparações não
eram seguras, devido ao baixo índice terapêutico do ácido salicílico. De fato, as medicações preparadas
à base desse princípio ativo até antes do desenvolvimento do ácido acetilsalicílico eram capazes de
desencadear efeitos adversos graves e intoxicações com relativa frequência.

Lembrete

Índice terapêutico é um parâmetro que expressa a relação entre a dose


tóxica e a dose terapêutica de uma substância.

O ácido acetilsalicílico é sintetizado a partir da acetilação do ácido salicílico (veja a figura a seguir). Isso
confere melhor perfil de segurança ao fármaco, sem que suas propriedades sobre a dor, a inflamação, a febre
e a coagulação sejam perdidas. Foi primeiramente sintetizada pelo laboratório farmacêutico Bayer em 1897 e
comercializada pelo nome Aspirina®, designação do medicamento de referência até os dias de hoje.

COOH Anidrido acético COOH


ácido sulfúrico

OH O
O
Ácido salicílico Ácido acetilsalicílico

Figura 57 – Biossíntese do ácido acetilsalicílico

147
Unidade II

6.4.1 Mecanismo de ação dos Aines

O mecanismo de ação não só do ácido acetilsalicílico, mas de todos os Aines, consiste na


inibição da enzima ciclo-oxigenase (COX), envolvida na síntese de prostanoides. Os prostanoides são
classificados em prostaglandinas, prostaciclinas e tomboxanos de acordo com sua estrutura química
e suas principais funções.

• As prostaglandinas, como já abordado anteriormente, são responsáveis pelo estabelecimento dos


sinais cardinais da inflamação e por uma série de outros eventos fisiológicos importantes não
relacionados ao processo inflamatório.

• As prostaciclinas induzem a vasodilatação não só no sítio inflamatório, mas também em outros


leitos vasculares.

• Os tromboxanos são produzidos nas plaquetas e estão relacionados com a promoção da agregação
plaquetária.

A síntese de prostaglandinas inflamatórias ocorre da seguinte maneira: em resposta a um estímulo


nocivo (por exemplo, um corpo estranho), ocorre ativação dos leucócitos residentes no tecido, que
passam a converter fosfolipídeos que compõem sua membrana plasmática em ácido araquidônico, pela
ação da enzima fosfolipase A2. O ácido araquidônico é o substrato para as enzimas lipo-oxigenase (LOX)
e ciclo-oxigenase (COX). Pela ação da primeira, serão produzidos leucotrienos, mediadores responsáveis
pela migração de leucócitos polimorfonucleares para o local da inflamação e, pela ação da segunda,
prostaglandinas, responsáveis pelos sinais cardinais da inflamação (veja a figura a seguir).

Fosfolipídeos

PLA2

Ácido araquidônico

LOX COX

Leucotrienos Prostaglandinas

Migração de Dor, calor, rubor e


leucócitos edema
polimorfonucleares
para o sítio
inflamatório

Figura 58 – Cascata bioquímica da síntese das prostagaldinas inflamatórias.


As enzimas envolvidas (PLA2, prostaglandina A2; LOX, lipo-oxigenase; COX, ciclo-oxigenase) estão indicadas

Na verdade, o esquema que acabamos de apresentar é uma simplificação, já que as ciclo-oxigenases


COX-1 e COX-2 são responsáveis pela síntese de uma prostaglandina instável, a prostaglandina H2
(PGH2), que é posteriormente convertida nos diferentes prostanoides por enzimas específicas (sintases)

148
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

presentes nos diferentes tecidos. O fato de existirem diferentes sintases, cuja expressão varia nos
diferentes tecidos, garante a variedade de prostanoides com atividade biológica (PGE2, PGF2α, PGI2,
PGD2, TXA2 etc.).

Duas isoformas da COX estão presentes nos diferentes tecidos do organismo: a COX-1 e a COX-2.
Enquanto a COX-1 é responsável pela produção de prostanoides em tecidos onde essas moléculas
apresentam papel fisiológico, a COX-2 é a enzima presente em sítios inflamatórios. Por esse motivo,
a COX-1 é considerada uma enzima constitutiva e a COX-2 é considerada uma enzima induzida pelo
processo inflamatório. Exceções a essa regra são o sistema nervoso central, os rins, o útero durante o
período menstrual e os ossos, nos quais a síntese de prostanoides constitutivos é realizada pela COX-2.

Conforme já discutido, os prostanoides são importantes não somente nos sítios inflamatórios, mas
também na maioria dos tecidos. Nesses tecidos, a síntese dessas moléculas ocorre localmente, pois
a meia-vida desse mediador na circulação é curta. Os prostanoides são responsáveis pela proteção
gástrica, pela regulação do processo de coagulação do sangue e pelas contrações uterinas durante o
período menstrual, pela vasodilatação de diferentes leitos vasculares, entre outras funções.

Assim, nosso organismo apresenta diferentes moléculas de prostanoides, cujos principais


representantes são:

• A prostaglandina E2 (PGE2), relacionada à diminuição da secreção de HCl no estômago e ao


estímulo da produção de muco protetor, além de ser a responsável pelo estabelecimento do
processo inflamatório.

• A prostaciclina (PGI2), também conhecida como prostaglandina I2, que é produzida pelo endotélio
e inibe a agregação plaquetária, além de apresentar efeito vasodilatador.

• A prostaglandina F2α (PGF2α), que medeia a contração do miométrio e de outros músculos lisos.

• O tromboxano A2 (TXA2), que é produzido pelas plaquetas e promove a agregação plaquetária.


Além disso, participa da proliferação das células musculares lisas e tem efeito vasoconstritor.

• A prostaglandina D2 (PGD2), assim como todos os prostanoides citados, promove broncodilatação.

O perfil de afinidade dos diferentes Aines pela COX-1 e pela COX-2 é de extrema importância, pois
determina o risco do aparecimento de efeitos adversos decorrentes da inibição da COX-1 em sítios não
inflamatórios. O ácido acetilsalicílico, por exemplo, inibe ambas de maneira irreversível e apresenta,
inclusive, maior afinidade pela primeira. Portanto, os principais efeitos adversos observados com o uso
desse medicamento são gastrite e úlceras, decorrentes da inibição da síntese de PGE2 no estômago, e
hemorragias, pela inibição da síntese de TXA2 nas plaquetas.

A seguir, as ações dos Aines sobre os diferentes sistemas orgânicos são discutidas. Tais ações
são observadas em maior ou em menor grau com o uso de praticamente todos os Aines disponívels
comercialmente. Serão levados em consideração os efeitos desencadeados pelo ácido acetilsalicílico,
protótipo da classe.
149
Unidade II

Ação analgésica

Conforme discutido no tópico Papel dos prostanoides na regulação da sensação dolorosa, a


prostaglandina E2 induz hiperalgesia, que é a potencialização da resposta nociceptiva produzida pelos
mediadores inflamatórios bradicinina e histamina, quando estes interagem com nociceptores. A queda
dos níveis dessa prostaglandina, decorrente da inibição da COX-2 no sítio inflamatório, faz com que o
limiar para a ativação dos nociceptores volte ao normal.

Ação antitérmica

A PGE2 pode ser sintetizada no sistema nervoso central em resposta aos pirógenos, citocinas liberadas
pelos leucócitos ativados que estão participando do processo inflamatório ou de outros eventos, por
exemplo, as reações de hipersensibilidade e o câncer. A PGE2 produzida localmente é capaz de afetar
o centro termorregulador hipotalâmico anterior, resultando em febre. A inibição da COX presente no
sistema nervoso central impede o estabelecimento dessa resposta.

Ação anti-inflamatória

Refere-se à inibição da vasodilatação e da diminuição da permeabilidade capilar decorrentes da


inibição da síntese de PGE2 e PGI2 no sítio inflamatório.

A inflamação, mesmo sendo uma resposta do sistema imunológico a lesões e à infecção por
patógenos que visa à eliminação dessas interferências, é inespecífica e potencialmente danosa aos
tecidos do organismo. Não à toa, muitos autores consideram a existência de um quinto sinal cardinal,
a “perda de função”, que ocorre quando o tecido inflamado perde a capacidade de desempenhar suas
atividades normais. A perda funcional dos tecidos inflamados justifica o uso de anti-inflamatórios
para a reversão de quadros inflamatórios intensos e/ou crônicos.

Ação sobre a coagulação

O efeito antiagregante plaquetário do ácido acetilsalicílico é observado mesmo em baixas doses


e justifica seu uso para inibir a formação de trombos em pacientes cardiopatas. É decorrente da
inibição da COX-1 das plaquetas, diminuindo a síntese de TXA2. Tal inibição é duradoura e perdura por
aproximadamente um mês após a última dose, devido aos três fatores listados a seguir:

• O ácido acetilsalicílico promove inibição irreversível das ciclo-oxigenases, portanto é necessária a


síntese de novas enzimas para o restabelecimento da produção de prostanoides.

• As plaquetas são células anucleadas e, por esse motivo, a síntese de novas enzimas COX-1 não
é possível nessas células. Isso garante o efeito antiagregante plaquetário durante toda a vida
útil da plaqueta.

• O restabelecimento da síntese de PGI2 pelo endotélio, após a interrupção do uso do ácido


acetilsalicílico, ocorre mais precocemente do que o retorno dos níveis de TXA2 na plaqueta. Como
150
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

resultado, é observada inibição adicional da agregação plaquetária após a interrupção do uso do


ácido acetilsalicílico.

Observação

Baixas doses de ácido acetilsalicílico (100 mg), usadas diariamente,


costumam ser prescritas a hipertensos e cardiopatas, por prevenir a
formação de trombos (“afina o sangue”).

O TXA2 e a PGI2 exercem funções opostas sobre as plaquetas: o TXA2 é um potente estimulador de
agregação plaquetária e causa vasoconstrição, enquanto a PGI2 inibe a agregação plaquetária e induz
vasodilatação. Portanto, o efeito final sobre as plaquetas depende do balanço entre a produção desses
dois mediadores.

Ações gastrointestinais

Em condições normais, ocorre síntese de PGI2, PGE2 e PGF2α pelas células do estômago que
expressam a COX-1. A PGI2 inibe a secreção de HCl pelas células parietais do estômago, enquanto
a PGE2 e a PGF2 α (principalmente a primeira) estimulam a síntese de muco protetor que reveste a
mucosa do estômago e do intestino delgado. A inibição da síntese desses prostanoides decorrente do
uso dos Aines, portanto, resulta no aumento da secreção do ácido gástrico e na diminuição da proteção
da mucosa, o que pode resultar no desenvolvimento de gastrites ou até mesmo úlceras.

O ácido acetilsalicílico é particularmente eficaz em promover as alterações gastrointestinais citadas,


pois apresenta maior afinidade pela COX-1 do que pela COX-2. O quadro é piorado em decorrência
da inibição da agregação plaquetária causada por esse fármaco, o que pode resultar em hemorragia
crônica dos locais lesionados, com perda de sangue contínua e desenvolvimento de anemia.

O exame que diagnostica essa condição é a verificação de sangue oculto nas fezes, que identifica
o sangue digerido em amostras de fezes do paciente e é indicativo da presença de lesões no trato
digestivo superior.

O uso de baixas doses de ácido acetilsalicílico na prevenção da coagulação sanguínea em indivíduos


com cardiopatias inspira cuidados, pois benefícios desse fármaco muitas vezes são suplantados pelos
efeitos gastrointestinais que causam. O mesmo pode ser dito em relação ao uso contínuo desses agentes
no tratamento das infecções crônicas, como a artrite reumatoide.

É por esse motivo que o uso contínuo de ácido acetilsalicílico requer proteção gástrica, que pode ser
obtida pelo uso de misoprostol, um análogo sintético da PGE2, e pelos fármacos que inibem a secreção
gástrica (inibidores da bomba de prótons e antagonistas do receptor H2 de histamina, cujos mecanismos
de ação foram brevemente discutidos no item Parassimpatolíticos de ação direta).

151
Unidade II

O misoprostol é comercializado com o nome de Cytotec®. Trata-se de um análogo da PGE2 que


promove proteção gástrica. Seu uso é restrito, pois o fármaco causa contração da musculatura uterina,
o que pode provocar abortos.

Quanto ao uso dos fármacos que inibem a secreção gástrica, os inibidores da bomba de prótons
são preferíveis aos antagonistas H2 para prevenir úlceras em indivíduos que utilizam continuamente
os Aines devido à maior eficácia na inibição da liberação de HCl. Esse ácido, ao entrar em contato com
a mucosa desprotegida – lembre-se que os Aines também inibem a produção de muco protetor –, é o
responsável por causar lesões no estômago e no duodeno.

Além disso, o uso de formulações de ácido acetilsalicílico tamponadas e com revestimento entérico
contribuem para diminuir a chance de se desenvolver uma lesão, embora só impeçam a irritação
secundária ao contato do fármaco com a mucosa, no momento da absorção (passagem do fármaco do
local de absorção para a circulação sistêmica.).

Ação sobre os rins

Nos rins, a PGE2 e a PGl2 são responsáveis pela manutenção do fluxo sanguíneo renal, pois
promovem vasodilatação. A diminuição da síntese desses prostanoides nos rins resulta na retenção de
sódio e água, o que pode resultar no aumento da pressão arterial e edema generalizado. Além disso,
todos os Aines apresentam potencial risco nefrotóxico, pois pode ocorrer nefrite intersticial (condição
inflamatória que afeta os túbulos renais e o tecido intersticiais).

Ações sobre o sistema respiratório

A ação do ácido acetilsalicílico sobre o sistema respiratório depende da dose utilizada:

• Em doses baixas, ocorre aumento da ventilação alveolar, pois desacoplam a fosforilação oxidativa.

• Em doses mais elevadas, ocorre estimulação do centro respiratório, que resulta em hiperventilação
e alcalose respiratória.

• Doses tóxicas estão relacionadas com paralisia respiratória central e acidose respiratória devido à
produção contínua de gás carbônico.

O ácido acetilsalicílico é contraindicado para indivíduos asmáticos, pois, com a inibição da COX, todo
o ácido araquidônico produzido pela fosfolipase A2 é direcionado para a síntese de leucotrienos pela LOX,
que não é inibida pelo fármaco. Os leucotrienos, além de promoverem a migração de polimorfonucleares
para o sítio inflamatório, também são responsáveis por promover broncoconstrição, o que pode resultar
em crises asmáticas. O efeito em não asmáticos é insignificante.

A partir das ações comentadas, podemos deduzir os principais usos terapêuticos e efeitos adversos
dos Aines (veja o quadro a seguir).

152
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Quadro 6 – Principais usos terapêuticos e efeitos adversos dos Aines

Usos terapêuticos Principais efeitos adversos


Analgesia
Controle da febre Gastrites/úlceras
Inibição da inflamação Hemorragias
(aguda e crônica)
Nefrotoxicidade
Inibição da agregação
plaquetária Broncoconstrição em asmáticos
Tratamento sintomático das
cólicas menstruais
Controle da acne (aplicação
tópica de ácido salicílico)

Saiba mais

Os Aines interagem com a ação de uma série de fármacos. Leia mais em:

ALENCAR, M. P. et al. Interações medicamentosas dos anti-inflamatórios


não esteroidais (Aines). Mostra Científica em Biomedicina, v. 3, n. 1, 2018.

Os principais efeitos adversos dos Aines estão representados na figura a seguir:

Os AINEs induzem
vasoconstrição e Ácido araquidônico Leucotrienos
nefrotoxicidade

+ +
Vasodilatção renal Prostaglandinas Broncodilatação

Os AINEs induzem Inibição da secreção de HCI Os AINEs induzem asma


gastrite e úlceras Síntese de muco protetor

Figura 59 – Principais efeitos adversos dos Aines

153
Unidade II

6.4.2 Principais Aines

Os Aines são classificados, de acordo com sua estrutura química, em derivados do ácido salicílico,
derivados do ácido propiônico, derivados do ácido acético, derivados do oxicam, fenamatos, ácidos
heteroarila acético e coxibes. O paracetamol e a dipirona são estudados à parte, pois apresentam
particularidades em seu mecanismo de ação.

Como você pode notar, é grande a heterogeneidade estrutural desses agentes e, como consequência,
são observadas variações quanto à seletividade pelos subtipos da COX e quanto ao potencial analgésico,
antitérmico e anti-inflamatório deles.

A seguir, vamos conhecer os Aines mais utilizados terapeuticamente.

No Brasil, o maior uso do ácido acetilsalicílico é como antiagregante plaquetário, embora seja
também utilizado como analgésico e antitérmico. Seu uso como anti-inflamatório não é indicado, pois
é necessária uma alta concentração do fármaco para promover tal ação, o que aumenta a probabilidade
de se desenvolverem efeitos adversos.

Embora existam formulações para uso infantil, o uso por crianças não é recomendado, principalmente
no controle da febre. O uso de ácido acetilsalicílico na vigência de infecções virais, principalmente aquelas
causadas pelos herpesvírus, aumenta a chance de desenvolver um quadro de encefalopatia hepática
denominada síndrome de Reye: nessa síndrome, ocorre lise dos hepatócitos, com extravasamento de
seu conteúdo, rico em excretas nitrogenados, para a circulação. Esses produtos do metabolismo, ao
atingirem o sistema nervoso central, podem causar convulsões, coma e até a morte.

Por esse motivo, o fármaco indicado para pacientes pediátricos e para pacientes com desordens
gastrointestinais preexistentes é o ibuprofeno, um derivado do ácido propiônico. Outros representantes
dessa classe são o naproxeno, o fenoprofeno, o cetoprofeno e o flurbiprofeno. Todos esses fármacos
apresentam atividade analgésica, anti-inflamatória e antitérmica por inibir a COX de maneira reversível,
e são indicados para o tratamento de condições crônicas (como a artrite reumatoide), pois geralmente
desencadeiam efeitos gastrointestinais mais brandos.

A indometacina, o sulindaco e o etodolaco são derivados do ácido acético, que, devido à toxicidade,
tem uso restrito ao tratamento da gota úrica, da espondilite anquilosante e da osteoartrite do quadril.

O meloxicam e o piroxicam também são utilizados no tratamento da gota úrica, da espondilite


anquilosante e da osteoartrite. O meloxicam apresenta maior seletividade pela COX-2 e, portanto, causa
menos efeitos adversos gástricos.

O ácido mefenâmico é o Ponstan®, utilizado no tratamento das cólicas menstruais.

O diclofenaco é um derivado do ácido heteroarila acético que apresenta efeito anti-inflamatório


robusto, porém grande ocorrência de efeitos adversos gástricos. O mesmo é observado com o uso do
cetorolaco, embora nesse último os efeitos analgésicos superem os efeitos anti-inflamatórios.
154
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Os coxibes são fármacos seletivos para a COX-2, o que faz com que esses agentes sejam mais eficazes
no tratamento de inflamações crônicas. A chance de causarem efeitos gastrointestinais é reduzida em
relação aos demais Aines, além de não causarem hemorragias. No entanto, verificou-se que o uso desses
agentes está relacionado a um aumento do risco de eventos cardiovasculares, incluindo infartos, devido
à inibição da COX-2 nos rins, que diminui a síntese de prostaglandinas vasodilatadoras no órgão. Por
esse motivo, o rofecoxibe foi retirado do mercado, e resta o celecoxibe como representante da classe,
que ainda é comercializado.

A dipirona (metamizol) e o paracetamol (acetaminofeno) são dois fármacos inibidores da COX que
são eficazes no tratamento da dor e da febre, mas não dos estados inflamatórios. Portanto, embora
atuem inibindo a COX, não são considerados Aines.

A ação do paracetamol é restrita ao sistema nervoso central, pois esse fármaco inibe seletivamente
uma isoforma da COX-1 restrita a esse sistema. Também pode ser utilizado por pacientes pediátricos,
para se diminuir a chance de desenvolver a síndrome de Reye. Entretanto, o principal produto da
biotransformação hepática do paracetamol (N-acetil-p-benzoquinoneimina) é hepatotóxico, o que
inspira cuidados na escolha e manutenção da dose.

O mecanismo de ação da dipirona ainda não é completamente conhecido, mas acredita-se que tenha
relação com a inibição da síntese de prostaglandinas. Seu uso está relacionado com o desenvolvimento
de agranulocitose, que é uma depressão da medula óssea que leva à diminuição da contagem de
leucócitos granulócitos, que apresentam grânulos de secreção. Por esse motivo, seu uso é proibido
em muitos países desenvolvidos. O uso da dipirona também está relacionado com a queda abrupta da
pressão arterial.

Lembrete

Os leucócitos granulócitos são aqueles que apresentam grânulos de


secreção: os basófilos, os eosinófilos, os mastócitos e os neutrófilos.

6.5 Anti‑inflamatórios esteroidais

Os anti-inflamatórios esteroidais (AIEs) também são conhecidos como corticoesteroides, glicocorticoides


ou simplesmente corticoides. Esses fármacos são agonistas dos receptores de glicocorticoides (GR), cujo
ligante endógeno é o cortisol.

O cortisol é um hormônio sintetizado nas células da zona intermediária da suprarrenal, e está


relacionado com a regulação do metabolismo e a resposta ao estresse. A secreção desse hormônio é
regulada pelo eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal (veja a figura a seguir).

155
Unidade II

- Hipotálamo
CRH
+

- Hipófise

ACTH
+

Suprarrenal
Feedback Cortisol
negativo Controle do metabolismos
Resposta ao estresse

Figura 60 – Eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal

A secreção de hormônio liberador da corticotropina (CRH) pelo hipotálamo é pulsátil. O CRH se liga a seus
receptores, localizados na hipófise, e estimula a síntese e a liberação do hormônio pró-opiomelanocortina
por essa glândula. O produto da modificação pós-traducional da pró‑opiomelanocortina é o hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH).
O ACTH induz a síntese e a secreção de cortisol pela suprarrenal. Ao atingir a circulação, o cortisol
participará do controle das funções da maioria dos sistemas orgânicos, a partir da ativação dos receptores
GR presentes nas células-alvo. Além disso, pelo mecanismo de feedback negativo, o cortisol regula sua
própria liberação: ao ativar seus receptores (GR) no hipotálamo e na hipófise, a secreção de CRH, de
ACTH e, consequentemente, de cortisol são diminuídas.
A secreção do cortisol varia no decorrer do dia, como resultado da secreção de CRH e ACTH, que
obedecem ao mesmo padrão. Normalmente, os maiores níveis de cortisol ocorrem durante o sono e no
início da manhã (pouco antes de acordar) e os menores níveis à noite, antes do início do sono.
Nos órgãos-alvo, as respostas induzidas pelo cortisol são geralmente catabólicas e estão relacionadas
à regulação do metabolismo (de carboidratos, proteínas e lipídeos), à inibição da inflamação e da
imunidade adaptativa, ao catabolismo ósseo, à modulação do equilíbrio eletrolítico, entre outros. Essas
respostas são resultado da alteração da expressão gênica induzida pelo GR, que pertence à classe dos
receptores intracelulares.
O cortisol é conhecido como o ‘’hormônio do estresse”, pois sua liberação é aumentada em situações
de sobrecarga, a fim de aumentar a resistência do organismo. O aumento da glicemia e a vasoconstrição
são dois mecanismos adaptativos induzidos pelo cortisol que visam esse objetivo.
Quando você está doente, já percebeu que é comum acordar bem disposto(a) e, ao longo do dia, sentir a piora
da sua condição? Isso ocorre porque o pico de concentração plasmática do cortisol ocorre no período da manhã
e, como esse hormônio apresenta efeito anti-inflamatório, a manifestação dos sinais cardinais é atenuada no
início do dia. No período vespertino e noturno, as concentrações plasmáticas do cortisol vão diminuindo, esse
hormônio não consegue manter a inibição da inflamação e, como consequência, você se sente pior.
Outro exemplo da importância do cortisol na regulação do sistema imunológico é a imunossupressão
decorrente do estabelecimento de quadros de estresse. A secreção de cortisol é aumentada cronicamente
156
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

frente a estímulos estressores (alterações na vigília, sobrecarga física e mental, entre outros) e, como
resultado, a atividade dos linfócitos T, responsáveis pelo estabelecimento da imunidade adaptativa, é
inibida. Observa-se, então, o estabelecimento de doenças oportunistas, maior frequência de adoecimento
por doenças virais e bacterianas, aumento da duração das doenças etc.
6.5.1 Mecanismo de ação dos glicocorticoides
Os glicocorticoides atuam de maneira análoga ao cortisol, que é um hormônio esteroidal sintetizado
a partir do colesterol. Esse hormônio é transportado pela circulação ligado à globulina ligadora de
corticoesteroides (CBG). Ao se desligar da CBG, é suficientemente apolar para atravessar a membrana
das células e ativar os receptores GR presentes no citoplasma.
No estado inativo, os receptores encontram-se ancorados a proteínas de choque térmico (HSP90 e
HSP 70) e a outras proteínas. O cortisol, ao se ligar ao GR, induz sua alteração conformacional (ativação),
o desligamento das proteínas de choque térmico, a dimerização com um segundo complexo cortisol-GR
e a migração dos dímeros para o núcleo celular.
Uma vez no núcleo, a regulação da expressão gênica envolve a interação do complexo cortisol-GR com
os elementos de resposta aos glicocorticoides, que são regiões adjacentes aos promotores dos genes
regulados pelos glicocorticoides. Essa interação resulta na promoção da expressão de genes específicos
(mecanismo de transativação).
O GR ativado também é capaz de diminuir a transcrição de outros genes, a partir da interação com
fatores de transcrição, como o NF-kappa B e o AP-1, que já se encontravam ativados e passam a ser
inibidos a partir dessa interação (mecanismo de transrepressão) (veja a figura a seguir).

Resposta DNA

GRE

Proteína

Pré- Transcrição
mRNA gênica
Edição mRNA

Citoplasma Núcleo

Figura 61 – Mecanismo de ação do GR (transativação): C, cortisol; CBG, globulina ligadora de corticoesteroides;


HSP, proteínas de choque térmico; GR, receptor de glicocorticoides; GR*, receptor de glicocorticoides ativado;
GRE, elementos de resposta aos glicocorticoides

157
Unidade II

As ações do cortisol sobre os diferentes sistemas orgânicos estão listadas a seguir.

Ações sobre o sistema imunológico

O cortisol e os demais glicocorticoides inibem o processo inflamatório e promove a imunossupressão.


Ambos os efeitos são observados em decorrência das concentrações suprafisiológicas do hormônio,
porém o efeito anti-inflamatório é desencadeado em concentrações significativamente menores do que
as necessárias para a imunossupressão.

A redução da resposta inflamatória é resultado do aumento da expressão do gene da anexina A2, da


diminuição da expressão de COX-2 nos sítios inflamatórios e da inibição da liberação de histamina pelos
mastócitos. Também denominada lipocortina, a anexina A2 é capaz de inibir a fosfolipase A2, enzima
que converte os fosfolipídeos de membrana em ácido araquidônico. Uma vez que o ácido araquidônico é
substrato para a síntese de prostaglandinas e de leucotrienos, ocorre diminuição dessas citocinas no sítio
inflamatório. O efeito é reforçado pela diminuição da expressão da enzima COX-2 (veja a figura a seguir).
O cortisol e os glicocorticoides
Fosfolipídeos aumentam a expressão de
anexina A2, que inibe a PLA2
PLA2

Ácido araquidônico O cortisol e os glicocorticoides


diminuem a expressão de COX-2
LOX COX pelas células inflamatórias

Leucotrienos Prostaglandinas

Migração de Dor, calor, rubor e


leucócitos edema
polimorfonucleares
para o sítio
inflamatório
Como resultado, ocorre diminuição dos níveis
de prostaglandina e leucotrienos

Figura 62 – Ação anti-inflamatória do cortisol e dos glicocorticoides

Os glicocorticoides são agentes anti-inflamatórios mais eficazes do que os Aines, pois além de
inibirem a síntese de prostaglandinas, também inibem a síntese de leucotrienos. Com isso, a migração
de novos leucócitos para o local da lesão é interrompida. Os Aines, por outro lado, diminuem a síntese
das prostaglandinas pela inibição da COX; no entanto, a atividade da LOX é mantida, o que resulta em
aumento das concentrações de leucotrienos e maior migração de leucócitos, fator que é responsável,
muitas vezes, pelo restabelecimento do processo inflamatório.

Conforme já discutido anteriormente, além de apresentar efeitos anti-inflamatórios, o cortisol e os


glicocorticoides em geral também atuam sobre a imunidade adaptativa, promovendo imunossupressão.
Esse efeito é consequência da inibição da expressão de várias citocinas, que ocorre pelo mecanismo
previamente descrito anteriormente.

158
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Lembrete

A imunidade adaptativa é mediada pelos linfócitos e está envolvida


no reconhecimento de antígenos e direcionamento da resposta
imunológica contra eles, por meio da produção de anticorpos e da
ativação da resposta citotóxica.

Entre as citocinas cuja expressão é inibida pelos glicocorticoides, destacam-se o IL-1, responsável
pela vasodilatação e pelo recrutamento de células inflamatórias; IL-2 e seu receptor, envolvidos na
expansão clonal dos linfócitos CD4+ ativados; IL-4, envolvido na ativação de linfócitos B; IL-5, -6,
e -8 e TNF-alfa, fator liberado por macrófagos, que medeia a expressão de genes envolvidos com a
resposta inflamatória e apresenta papel importante na artrite reumatoide. Além disso, ocorre inibição
da expressão do complexo MHC na membrana dos linfócitos, o que interfere com a fase primária da
resposta imune adaptativa (reconhecimento de antígenos), conforme a figura a seguir:

Th1 IFN-γ Imunidade mediada


Proliferação IL-2 IL-2, TNF-α por célula (resposta
Célula T citotóxica)
CD4+ não
diferenciada
IL-12
Proliferação IFN-γ
(expansão clonal)
CAA IL-2

IL-4
Célula Imunidade humoral
apresentadora (produção de
de antígeno anticorpos por
IL-4, IL-5 linfócitos B ativados)
Th2 IL-10, IL-13

Figura 63 – Ação dos glicocorticoides sobre a imunidade adaptativa. Os linfócitos estão indicados em azul.
As citocinas cuja expressão é diminuída pelos glicocorticoides estão apontadas em vermelho

Ações sobre o metabolismo intermediário

O cortisol e os demais glicocorticoides promovem gliconeogênese e estimulam o catabolismo


proteico (exceto no fígado) e a lipólise.

O catabolismo proteico resulta na perda de massa óssea. A gliconeogênese é favorecida pelo aumento
da captação dos aminoácidos resultantes do catabolismo pelo fígado – esses aminoácidos servirão
como substrato para a síntese de novo de glicose – e também pelo aumento da atividade das enzimas
que regulam a gliconeogênese.

159
Unidade II

O aumento na taxa de lipólise, por sua vez, é resultado do aumento da atividade da lipase sensível a
hormônio. Os produtos lipídicos gerados por essa enzima também são utilizados na síntese de glicose, o
que aumenta ainda mais a glicemia.

Ações sobre a pressão arterial

O cortisol e os demais glicocorticoides apresentam diferentes graus de atividade mineralocorticoide,


de acordo com o agente estudado. A atividade mineralocorticoide refere-se à ativação de receptores de
mineralocorticoides (MR), cujo principal ligante endógeno é a aldosterona.

A aldosterona é um hormônio que age nos rins, promovendo a retenção de água e de sódio e a
excreção de potássio, o que aumenta a pressão arterial sistêmica. A ativação do receptor MR pelos
glicocorticoides resulta em efeitos semelhantes à aldosterona, em maior ou menor grau.

Ações sobre o sangue

O cortisol e os demais glicocorticoides causam aumento dos níveis de hemoglobina, de hemácias, de


plaquetas e de algumas classes de leucócitos (granulócitos), enquanto outras (macrófagos e linfócitos)
têm sua proliferação inibida.

Esses fármacos inibem a síntese de tromboxano A2, que é um agregante plaquetário. No entanto,
não apresentam efeito anticoagulante significativo, pelo contrário: o uso crônico está relacionado com
o aumento da coagulação. Isso ocorre devido ao aumento na transcrição do gene do fator VIII e do
complexo von Willebrand, além do aumento da contagem das plaquetas.

Outras ações

O cortisol e os demais glicocorticoides realizam as seguintes ações, de maneira dependente da dose:

• promovem diminuição dos níveis plasmáticos de GH (hormônio do crescimento) e TSH (hormônio


tireoestimulante);

• inibem a síntese de colágeno, o que propicia a perda de elasticidade da pele e o aparecimento de estrias;

• inibem a absorção de cálcio pelo osso e a função dos osteoblastos, o que ocasiona perda da massa óssea;

• aumentam os níveis plasmáticos de LDL e diminuem os níveis de HDL.

Observação

O LDL é o colesterol “ruim” que, quando em excesso, se deposita na


túnica íntima dos vasos e causa aterosclerose, e o HDL é colesterol “bom”,
que inibe a aterogênese.
160
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

As ações descritas anteriormente justificam o uso terapêutico dos glicocorticoides como agentes
analgésicos e anti-inflamatórios, principalmente no tratamento de processos inflamatórios intensos e
persistentes e no controle do componente inflamatório da asma. Em doses maiores, são utilizados como
imunossupressores na prevenção da rejeição de transplantes e no tratamento sintomático das doenças
autoimunes. Doses que simulam as concentrações plasmáticas normais são usadas na insuficiência
adrenocortical primária, secundária ou terciária.
No tópico Anti-inflamatórios não esteroidais (Aines), aprendemos que os Aines são contraindicados
para indivíduos asmáticos, pois a inibição da COX aumenta a disponibilidade de ácido araquidônico para
a LOX e, consequentemente, aumenta a síntese de leucotrienos broncoconstritores no pulmão.
Os glicocorticoides, por outro lado, inibem indiretamente a síntese tanto de prostaglandinas quanto
de leucotrienos, pelos mecanismos já discutidos neste livro-texto. Por esse motivo, esses agentes,
administrados por via inalatória ou por via oral, são eficazes no tratamento do componente inflamatório
da asma. Muitas “bombinhas” de inalação, inclusive, contêm agentes broncodilatadores e glicocorticoides.
6.5.2 Principais glicocorticoides utilizados na clínica
Embora os glicocorticoides sejam anti-inflamatórios mais eficazes do que os Aines, seu uso é
acompanhado de efeitos adversos sistêmicos. Esses efeitos adversos dependem da dose utilizada e da
duração do tratamento.
A ação mineralocorticoide deve ser considerada, pois a ativação de receptores MR por esses agentes
pode provocar retenção de sódio (veja a figura a seguir) e, consequentemente, de água, além de perda
de potássio. O resultado da alteração do equilíbrio hidroeletrolítico é o edema e a hipertensão arterial,
um dos primeiros efeitos adversos a se manifestar.
Glicocorticoides Hidrocortisona 1 Efeito anti-inflamatório
1
Efeitos mineralcorticoides
De ação curta 0,8 (retenção de sódio e água)
(1 a 12 h) Cortisona 0,8

Prednisona 4
0,8
Prednisolona 4
De ação intermediária 0,8
(12 a 36 h)
5
Metilprednosolona 0,5
5
Triancinolona 0

Betametasona 25
De ação longa 0
(36 a 55 h)
Dexametasona 30
0

Mineralcorticoides
Fludrocortisona 10
125

Figura 64 – Efeitos farmacológicos e duração de ação de alguns corticosteroides naturais e sintéticos.


As atividades são todas relativas à hidrocortisona, que é considerada como 1

161
Unidade II

Os glicocorticoides são importantes agentes no tratamento de desordens inflamatórias, alérgicas e


hematológicas. Devido à importância terapêutica, foram desenvolvidos diversos glicocorticoides sintéticos,
de modo a se priorizar a atividade anti-inflamatória e diminuir a atividade mineralocorticoide. Atualmente,
são comercializados glicocorticoides com diferentes durações de ação (curta, intermediária e prolongada). Em
geral, quanto maior a duração da ação, maior o efeito anti-inflamatório (conforme vimos na figura anterior).
As principais vias de administração são a parenteral (intramuscular, subcutânea e intravenosa), a oral e a tópica:

• A via intravenosa deve ser reservada para situações emergenciais; para administração
intramuscular e subcutânea, são utilizadas formas de depósito cuja absorção é errática, com
resultados imprevisíveis.

• Para ação sistêmica, a via oral é a preferida. Essa via é utilizada principalmente no tratamento de
doenças inflamatórias crônicas e para promover imunossupressão.

• O uso tópico é indicado no tratamento de doenças inflamatórias da pele (psoríase e dermatites,


por exemplo), da asma e da rinite.

• Em situações especiais, são utilizadas outras vias de administração: retal (doenças inflamatórias
intestinais), peritoneal (aderências) e intrapleural (pleurite) são exemplos.

A hidrocortisona é a forma sintética do cortisol. É ligeiramente mais eficaz do que o hormônio


endógeno e apresenta atividade anti-inflamatória e mineralocorticoide equivalentes. Formulações
injetáveis, de uso oral e de uso tópico são utilizadas no tratamento das inflamações, das alergias e da
insuficiência adrenocortical.

A prednisona e a prednisolona são os principais glicocorticoides de administração oral (a prednisolona


também pode ser administrada por via oral e injetável). A prednisona é o agente mais utilizado em
doenças cujos tratamentos são por longos prazos, como a asma e a artrite reumatoide. Por propiciar
menor supressão da secreção de CRH e ACTH por feedback negativo, está relacionada com uma menor
probabilidade de desencadear falência da suprarrenal.

A betametasona e a dexametasona são glicocorticoides de ação prolongada que podem ser


administrados por via oral, injetável e tópica em situações nas quais é necessário um efeito corticosteroide
rápido e intenso, como nas exacerbações inflamatórias. É uma medicação adjuvante, e não substitutiva,
à convencional.

A beclometasona é o glicocorticoide mais utilizado por via tópica (inalatória) no tratamento da


asma crônica e de outras doenças respiratórias, como a rinite alérgica.

6.5.3 Principais efeitos adversos

O uso de glicocorticoides em altas doses e/ou por períodos prolongados pode provocar efeitos
indesejáveis, que vão desde problemas estéticos até infecções graves por imunossupressão. Por esse
motivo, é importante realizar o tratamento pelo menor tempo e com a menor dosagem possível.
162
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Os efeitos a curto prazo incluem o aumento da pressão arterial e o edema generalizado, devido
à atividade mineralocorticoide; o aumento da susceptibilidade a infecções oportunistas, devido à
imunossupressão; a dificuldade de cicatrização e a maior probabilidade de surgirem ferimentos, devido
à diminuição na síntese de colágeno e à diminuição da atividade dos fibrócitos; a perda de massa óssea,
devido à redução na atividade dos osteoblastos; e a hipercoagulabilidade do sangue.

Os efeitos a longo prazo referem-se ao uso desses fármacos por 6 meses ou mais, e são designados,
em conjunto, Cushing secundário ou iatrogênico (medicamentoso).

Observação

O Cushing primário é decorrente de tumores da suprarrenal relacionados


com o aumento da secreção de cortisol. Já o Cushing secundário é resultado
de altas doses de glicocorticoides por tempo prolongado.

O Cushing iatrogênico é caracterizado por:

• Hipertensão, devido ao efeito mineralocorticoide persistente.

• Osteoporose, que é um dos primeiros sinais a aparecer com o uso crônico dos glicocorticoides (em
tratamentos por mais de 4 meses, é indicada a reposição de cálcio e de vitamina D).

• Alterações lipídicas: aumento de peso, com deposição de gordura no tronco, no pescoço e na face
(“fácies em lua”), hipercolesterolemia e hipertrigliceridermia.

• Afilamento dos braços e das pernas com diminuição da musculatura e, consequentemente,


fraqueza muscular, devido ao catabolismo de proteínas.

• Aparecimento de estrias e fragilidade capilar, devido à diminuição do colágeno na pele.

• Hiperglicemia, decorrente do aumento da gliconeogênese. A maioria dos pacientes em uso crônico


de glicocorticoides desenvolve diabetes.

• Alteração da atividade do sistema reprodutor e dos hormônios sexuais, que resultam em alterações
menstruais, hirsutismo e perda do interesse sexual.

• Alterações psicológicas, como insônia, labilidade emocional, depressão e transtornos da ansiedade.

Pacientes com Cushing iatrogênico apresentam diminuição dos níveis plasmáticos de cortisol, pois os
glicocorticoides promovem inibição do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal. Essa é uma característica
útil na diferenciação clínica entre o Cushing primário e o secundário (iatrogênico): os níveis de cortisol
estão aumentados no primeiro (pois existe um tumor hipersecretor de cortisol) e diminuídos no segundo
(pois existe inibição do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal).
163
Unidade II

A inibição do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal também explica por que a interrupção do uso


dos glicocorticoides precisa ser gradual, com diminuição progressiva da dose (desmame): isso evita a
falência da suprarrenal, que se encontra inibida pelo excesso de glicocorticoides.

Saiba mais

O diagnóstico da síndrome de Cushing é abordado em:

CASTRO, M.; MOREIRA, A. C. Diagnóstico laboratorial da síndrome de


Cushing. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, v. 46, n. 1, 2002.

6.6 Analgésicos opioides

Os analgésicos opioides são fármacos isolados da tintura do ópio, extraído da papoula (Papaver
sominiferum), ou derivados da morfina, o principal opioide presente na tintura. Apresentam efeito
antitussígeno e analgésico, e são usados principalmente no tratamento da dor crônica e da dor aguda de
alta intensidade. Maiores doses produzem euforia, seguida de sedação, e dependência. Por apresentarem
grande potencial viciante, seu uso deve ser feito com cautela.

Os efeitos analgésicos dos opioides são resultado da potencialização da via inibitória da dor, descrita
em detalhes no tópico Mecanismo de transmissão da dor.

6.6.1 Mecanismo de ação dos analgésicos opioides

Os opioides exercem seus efeitos a partir da ativação dos receptores opioides µ (mi ou mu), κ (kappa)
e δ (delta), todos acoplados à proteína Gi. Podemos afirmar que os analgésicos opioides mimetizam a
ação dos peptídeos opioides endógenos (endorfinas, dinorfina e encefalinas) e, assim, potencializam
a via inibitória da dor.

A ativação dos receptores opioides, tanto pelos peptídeos endógenos quanto pelos analgésicos
opioides, leva à diminuição da síntese de AMPc, ao fechamento de canais de cálcio no neurônio
pré‑sináptico, o que impede a liberação de neurotransmissores, e à abertura de canais de potássio no
neurônio pós-sináptico, o que resulta em hiperpolarização neuronal. O efeito analgésico, por exemplo,
é resultado da ativação dos receptores opioides presentes nos neurônios pré e pós-sinápticos do nervo
nociceptivo, no nível da medula espinal, de maneira a mimetizar os peptídeos opioides liberados pelos
interneurônios da via inibitória da dor. Uma vez que a concentração de analgésicos opioides nos sítios
de ação é muito maior do que a concentração dos peptídeos endógenos, essas ações são maximizadas.

Acredita-se que os receptores mi opioides sejam responsáveis pela maior parte dos efeitos
analgésicos e por alguns efeitos adversos importantes relacionados ao sistema nervoso central (euforia,
sedação, dependência e depressão respiratória). Os receptores delta e kappa também estão envolvidos
na analgesia, porém apresentam algumas particularidades: os receptores delta são mais importantes na

164
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

periferia (principalmente no intestino), e os receptores kappa também estão relacionados com a sedação
e a euforia, porém não com a dependência. Por esse motivo, alguns analgésicos são mais seletivos para
os receptores kappa.

A morfina é o protótipo dos analgésicos opioides, e suas ações sobre os diferentes sistemas orgânicos
estão listadas a seguir. Os efeitos centrais incluem a analgesia, a euforia, a dependência, a inibição da
tosse, náuseas e vômitos e a miose. Os efeitos periféricos são o prurido, a depressão cardiovascular e a
constipação.

Analgesia

A morfina e os demais opioides promovem analgesia ao elevar o limiar da dor na medula espinal e
ao alterar a percepção da dor no cérebro. É normal ouvir relatos de pacientes que afirmam ainda sentir
dor após a administração de morfina, mas que ela não incomoda. A eficácia analgésica máxima varia de
acordo com o analgésico analisado (veja a figura a seguir).

Alfentanila
Fentanila
Hidrocodona
Meperídina
Metadona Alta
Morfina
Oxícodona
Ramifentanila
Sufentanifa

Buorenorfina
Nalbufina Moderada
Pentazocina

Codeína Baixa

Baixa Alta

Figura 65 – Eficácia analgésica dos principais opioides

Existem alternativas à utilização dos analgésicos opioides e não opioides no tratamento da dor
crônica leve a moderada. Tanto a acupuntura quanto o exercício muscular liberam opioides endógenos,
o que causa sensação de analgesia. De fato, observa-se aumento no nível de endorfinas no tecido
cerebral de animais depois da acupuntura, o que resulta em alívio da dor e sensação de satisfação.

Além dos peptídeos opioides, outras substâncias transmissoras têm sua liberação modulada pela
acupuntura: o estímulo de acupontos leva ao aumento da secreção, pelos núcleos da rafe, de serotonina,

165
Unidade II

neurotransmissor envolvido na modulação descendente da dor; de maneira inversa, há diminuição da


secreção de catecolaminas (epinefrina e norepinefrina) pela suprarrenal, o que contribui para a analgesia.
Outros transmissores cuja secreção é modulada pela acupuntura são a substância P, a neurotensina, a
arginina e a vasopressina.

Euforia

A morfina produz uma forte e fugaz sensação de contentamento e de bem-estar que, por muitos
usuários, é comparada a um orgasmo. Essa sensação é causada pela desinibição dos neurônios
dopaminérgicos do tegumento ventral. A euforia é seguida de sedação e hipnose.

Diminuição da frequência respiratória

A morfina causa depressão respiratória pela dessensibilização do centro respiratório, que se torna
não responsível ao aumento da pressão parcial de gás carbônico no sangue. É um efeito dependente
da dose e a principal causa de morte por superdosagem. Com a administração de doses repetidas,
observa‑se tolerância a esse efeito.

É importante monitorar cuidadosamente a dose de morfina administrada a pacientes idosos, uma


vez que ela diminui com a idade, o que pode resultar em depressão respiratória significativa após a
administração de doses que não causam esse efeito em adultos jovens.

Depressão do reflexo da tosse

Essa propriedade é observada principalmente pelo uso de morfina e de codeína em doses menores.
De fato, existem preparações de codeína para uso como antitussígeno.

Uma vez que as primeiras administrações de morfina estão relacionadas com o desenvolvimento
de náuseas e vômitos, é necessário cuidado, pois a aspiração do vômito pode resultar em sufocamento.

Miose

A miose pronunciada (pupila puntiforme) resulta do estímulo dos receptores mi e kappa. A morfina
estimula o núcleo de Edinger-Westphal do nervo oculomotor, o que causa aumento da estimulação
parassimpática para o olho. A miose é observada em dependentes dos opioides e é um importante sinal
para determinar a intoxicação por esses agentes.

Náuseas e vômitos

Muitos opioides causam náuseas e vômitos após as primeiras administrações de morfina e de outros
opioides, pois ativam a zona quimiorreceptora do gatilho, localizada na área postrema.

A zona do gatilho é uma região do sistema nervoso central que se encontra fora da barreira
hematoencefálica e é responsável pelo reconhecimento de substâncias exógenas potencialmente
166
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

tóxicas. A partir desse reconhecimento, ocorre o estímulo da êmese, para que a absorção da substância
seja interrompida caso ela tenha sido absorvida por via oral.

Constipação

A morfina e outros opioides diminuem a motilidade gastrointestinal e aumentam a atividade dos


esfíncteres, com o desenvolvimento de constipação. Esse efeito é mediado pela ativação de receptores
opioides presentes no intestino e não é dependente da dose, nem sujeito ao desenvolvimento de tolerância.

Depressão cardiovascular

A diminuição da frequência cardíaca e da pressão arterial é secundária à depressão respiratória e à


retenção do gás carbônico.

Prurido

O prurido é observado após as primeiras administrações de morfina e é resultado da liberação de


histamina pelos mastócitos. Essa liberação pode causar broncoespasmos em indivíduos asmáticos.

Regulação da liberação de hormônios

A morfina aumenta a liberação de hormônio do crescimento (que apresenta efeitos estimulatórios


sobre uma série de neoplasias), de prolactina (o que pode causar secreção de leite pelas mamas) e de
hormônio antidiurético (o que promove a retenção urinária e pode determinar o uso de cateteres vesicais).

6.6.2 Principais opioides utilizados na clínica

O quadro a seguir lista os principais analgésicos opioides, sua eficácia analgésica e seus usos terapêuticos.

Quadro 7 – Principais opioides de uso clínico

Fármaco Eficácia analgésica Usos terapêuticos


Morfina Alta Analgesia e sedação

Analgesia em episódios de dor aguda. Não recomendada


Meperidina Alta para uso a longo prazo, pois é neurotóxica e altamente
(petidina) viciante

Analgesia, nas doses nociceptivas e neurogênicas, e na


Intermediária (não ativa receptores mi terapia de retirada da morfina e da heroína (desmame),
Metadona opioides e, portanto, apresenta efeitos pois apresenta menos efeitos centrais e evita o
centrais menos significativos) aparecimento da abstinência
Alta (é 100 vezes mais potente que
a morfina, ou seja, é necessária uma Analgesia, como componente da anestesia balaceada e
Fentanil dose 100 vezes menor para que ocorra tratamento da dor do câncer (adesivos transdérmicos)
o efeito analgésico)

167
Unidade II

Fármaco Eficácia analgésica Usos terapêuticos


Derivado semissintético da morfina usado para analgesia
(dor moderada a intensa) em pacientes com tolerância
Oxicodona Alta aos efeitos da morfina. Quando administrada por via oral,
o efeito analgésico é cerca de 100 vezes maior do que a
morfina
É convertida a morfina após biotransformação pelo
CYP450, porém a potência analgésica é cerca de 30% da
Codeína Baixa a moderada morfina. Usada em combinação com o ácido acetilsalicílico
ou com o paracetamol no tratamento da dor moderada.
Doses menores de codeína são usadas como antitussígeno
Usada em combinação com o paracetamol no tratamento
Tramadol Baixa a moderada da dor moderada

Observação

A heroína é a diamorfina é um opioide sintético utilizado como droga


de abuso. Não apresenta usos terapêuticos e é altamente viciante.

6.6.3 Tratamento da sobredosagem e da dependência aos opioides

A sobredosagem aos opioides é caracterizada pelos seguintes sinais clínicos: miose pronunciada,
depressão respiratória, depressão cardiovascular, constipação e, muitas vezes, vômitos. Para reverter
essas manifestações, principalmente a depressão respiratória fatal, são administrados antagonistas dos
receptores opioides (naloxona e naltrexona) ou agonistas parciais (nalorfina, buprenorfina).

O uso de antagonistas opioides pode precipitar crises de abstinência, por bloquear os receptores.
As manifestações da abstinência são muito intensas e opostas às observadas pelo uso dos opioides.
Os agonistas parciais são usados exatamente para evitar a manifestação da abstinência (veja a
figura a seguir).
A buprenorfina é usada na desintoxicação
de opioide, pois tem sintomas de
abstinência menos graves e de duração
mais curta comparada com a metadona
Gravidade da abstinência

Heroína

Buprenorfina Metadona

0 5 10 15
Dias desde a última dosificação
Os sintomas duram mais com a
metadona, mas são menos intensos do
que os da abstinência de heroína

Figura 66 – Tratamento da intoxicação por opioides

168
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

O tratamento da dependência aos opioides é feito pela substituição por metadona, que, por não ativar
significativamente receptores mi, praticamente não apresenta efeitos centrais em baixas doses, porém ameniza
os efeitos periféricos da abstinência. O uso da metadona é interrompido de forma gradual (desmame).

6.7 Anestésicos

Em farmacologia, a anestesia refere-se à diminuição ou à suspensão da sensibilidade espontânea


que é induzida por um agente anestésico. A anestesia bloqueia a sensação de dor durante um período
de tempo específico para que o paciente não sinta dor durante algum procedimento médico.

A anestesia pode ser geral, quando há depressão do sistema nervoso central e perda da consciência, o que
simula condições ideais para a realização de procedimentos invasivos; regional, quando o paciente permanece
acordado, mas induz-se a perda de sensibilidade de parte de seu corpo (dois exemplos são a anestesia
raquidiana e a peridural); e local, quando a anestesia ocorre somente na região em que será realizado um
pequeno procedimento médico ou estético (por exemplo, procedimentos odontológicos e dermatológicos).

A anestesia geral é induzida, na maioria das vezes, com uma combinação de fármacos que promovem
a ansiólise, a hipnose, a analgesia e o relaxamento muscular. As anestesias locais, por sua vez, são
realizadas com o uso de anestésicos locais, fármacos que atuam bloqueando os canais de sódio dos
nervos nociceptivos.

6.7.1 Anestésicos locais

Os anestésicos locais são bases fracas, constituídas de um grupamento lipofílico ligado por uma
amida ou uma ligação éster a uma cadeia carbônica unida a um grupamento hidrofílico (veja a figura
a seguir). Esses fármacos atuam sobre os axônios dos neurônios, ao bloquear reversivelmente a geração
e a condução do impulso nervoso desde a periferia até o sistema nervoso central. No entanto, não são
seletivos para os neurônios nociceptivos: atuam em qualquer tipo de fibra nervosa periférica e do sistema
nervoso central, e sobre as células de condução cardíaca, nas quais os canais de sódio desempenham
importante papel. As fibras nervosas não mielinizadas que conduzem os impulsos de dor, temperatura e
atividade autonômica, no entanto, são mais sensíveis à ação dos anestésicos locais. Portanto, em altas
doses, pode ocorrer efeito inibitório sobre o sistema nervoso autônomo.
Ligação éster
O
C2H5
H2N C O (CH2)2 N
Procaína C2H5

Ligação amida
O
C2H5
NH C CH2 N
C2H5
Lidocaína

Figura 67 – Estruturas representativas de anestésicos locais tipo éster e amida

169
Unidade II

Ao bloquear os canais de sódio, ocorre interrupção da propagação dos potenciais de ação através
dos nervos nociceptivos, de modo que a sensação dolorosa não é transmitida para o sistema nervoso
central. Isso ocorre porque o influxo de sódio pelos canais dependentes de voltagem é etapa crucial para
a deflagração do potencial de ação.

A figura a seguir ilustra a ação dos anestésicos locais sobre o canal de sódio:
Na+
B+H +
BH+

NaV

B + H+ BH+

Figura 68 – Mecanismo de ação dos anestésicos locais. Essas moléculas são bases fracas
encontradas na forma não ionizada (B) e ionizada (BH+). A forma não ionizada é apolar e
atravessa a membrana plasmática dos neurônios da dor. No citoplasma, ocorre ionização
para a forma BH+, que se liga à região intracelular do canal e impede a abertura dele

Os anestésicos locais mais utilizados na clínica são a bupivacaína, a lidocaína, a mepivacaína, a


procaína e a tetracaína, sendo a lidocaína a mais comumente empregada.

Os anestésicos locais causam vasodilatação e, por esse motivo, frequentemente são utilizados
associados a um vasoconstritor (por exemplo, a epinefrina). Essa estratégia retarda a absorção dos
anestésicos, pois a vasoconstrição diminui o fluxo sanguíneo local e diminui a velocidade de difusão
desse fármaco, prolongando a anestesia.

Além de ocasionar perda da anestesia, a absorção dos anestésicos locais também não é desejada,
pois, uma vez na circulação, esses fármacos podem bloquear canais de sódio das células de condução
do coração, o que resulta em diminuição da frequência cardíaca (bradicardia). É por esse motivo que a
lidocaína pode ser utilizada por via intravenosa no controle de alguns tipos de arritmia.

Lembrete

Absorção é a passagem do fármaco do local de entrada para a


circulação sistêmica.

Os anestésicos locais são os fármacos utilizados para promover anestesia regional. Os dois principais
tipos de anestesia regional são: raquidiana e peridural.

170
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Na anestesia raquidiana, ou raquianestesia, administra-se anestésico local diretamente no canal


vertebral, que contém a medula espinal. Esse canal é preenchido pelo líquido cefalorraquidiano, ou
líquor, e é nesse líquido que o anestésico irá se difundir. A aplicação envolve a utilização de uma agulha
de fino calibre inserida por entre os espaços de duas vértebras. Esse tipo de anestesia ocasiona perda da
sensibilidade dos membros inferiores e da zona inferior do abdome.

Na anestesia peridural, ou epidural, administra-se o anestésico local diretamente no espaço epidural,


que é o espaço entre a dura-máter e a parede do canal vertebral. A administração é feita com o uso de
um cateter. Nesse tipo de anestesia também se perde a sensibilidade dos membros inferiores e da zona
inferior do abdome.

Observação

A anestesia raquidiana é a mais utilizada na realização de cesarianas,


pois promove anestesia mais intensa e relaxamento muscular. A peridural é
utilizada no parto normal, pois a perda tátil é menor, o que possibilita que
a mãe continue fazendo força para a expulsão do bebê.

6.7.2 Anestésicos gerais

A anestesia geral é um estado de depressão reversível do sistema nervoso central, que resulta
em perda da percepção e da resposta aos estímulos externos. Para se alcançar a anestesia geral,
geralmente são associados diferentes fármacos, com o objetivo de se obter sedação e diminuição da
ansiedade, perda da consciência e amnésia, relaxamento da musculatura esquelética, inibição dos
reflexos indesejados e analgesia. A associação de diferentes fármacos na anestesia geral é denominada
anestesia balanceada.

A escolha da melhor associação de fármacos depende das condições do sistema cardiovascular,


respiratório, hepático e renal do paciente, entre outros. Os fármacos mais associados aos anestésicos
gerais, como pré-medicação ou durante a anestesia, são: os antieméticos, para prevenir náuseas e
vômitos; os antagonistas H2, para reduzir a acidez estomacal; os anti-histamínicos, para evitar reações
alérgicas; os benzodiazepínicos, para diminuir a ansiedade e promover a hipnose; os opioides, para
promover a analgesia; a atropina, um antagonista muscarínico utilizado para evitar a bradicardia e
diminuir a secreção brônquica e o peristaltismo; e os relaxantes musculares, para impedir a movimentação
durante a cirurgia. Um exemplo de associações que podem ser realizadas durante a anestesia é indicado
na figura a seguir:

171
Unidade II

Pré-medicação Indução Manutenção Recuperação

Neo blo
Pan

Pen
Mid

cur

stig que
Fen

Ane
Atr assim

taz
par
Fen

Ane

ôni
a

min io d
tan
opi pa

sté
zol

oci
tan

o→
sté
na tol

il →

sico
am
Dia

a → a JN

na
il →

sico
→ ític
zep


blo

ina
a

rev M
n
efe o

inje

ana
am

hip
a

que

lató

ers
nal

lge
ito

nos

táv

lge

io J

ão
r io
g

s i
esia

sia
el (
e
ans

do
NM
ex.:
ióli
se

pro
pof
ol)

Figura 69 – Anestesia balanceada

A anestesia geral pode ser dividida em três estágios: indução, manutenção e recuperação.

• A indução é o período que inicia com a administração do anestésico e segue até o desenvolvimento
da efetiva anestesia cirúrgica no paciente. Ela depende da velocidade e da concentração com
que o anestésico atinge o sistema nervoso central. Geralmente é realizada pela administração
intravenosa de anestésico geral (por exemplo, o propofol), devido à maior rapidez da ação de
fármacos administrados por essa via.

• A manutenção assegura a continuidade da anestesia cirúrgica. O anestésico é administrado de


modo a possibilitar que o estado de rebaixamento seja mantido. Para que isso seja possível, é
necessário que os sinais vitais do paciente sejam ininterruptamente monitorados, a fim de se
decidir qual quantidade e tempo de administração do anestésico. Geralmente, é realizada pela
administração inalatória de anestésico geral (por exemplo, o halotano), que é nebulizado através
de uma máscara que permanece conectada às vias aéreas do paciente. Dessa maneira, a sua
administração é gradual e pode ser interrompida a qualquer momento.

• A recuperação é o tempo desde que a administração do anestésico é suspensa até a recuperação


da consciência e dos reflexos fisiológicos. Durante essa etapa, podem ser administrados antídotos
como a neostigmina, que reverte o bloqueio neuromuscular pelo pancurônio.

Quanto maior a profundidade da anestesia, maiores os cuidados na indução, na manutenção e na


recuperação dela.

São quatro os estágios da anestesia geral: o estágio 1 é a analgesia, na qual a sensação dolorosa
é diminuída ou até mesmo abolida, e ocorre sonolência e amnésia; o estágio 2 é a excitação, na qual
172
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

o paciente pode vivenciar delírio, e é observada irregularidade na pressão arterial e na respiração; o


estágio 3 é a anestesia cirúrgica, durante a qual é observada perda do tônus muscular e perda dos reflexos
espontâneos; o estágio 4 é a paralisia bulbar, durante a qual ocorre depressão acentuada dos centros
respiratórios e vasomotores, o que pode levar à morte. O estado ideal de anestesia refere-se ao estágio 3.

O quadro a seguir lista os principais anestésicos gerais, injetáveis e inalatórios.

Quadro 8 – Principais anestésicos gerais

Classificação Fármaco Observações

Hidrocarbonetos Mecanismo de ação desconhecido


halogenados Bradicardizantes (halotano: pode causar arritmias) e causam hipotensão
(halotano, (dependente da dose)
sevoflurano,
desflurano, Inibem reflexos respiratórios (halotano e sevoflurano)
isoflurano) Aumentam o risco de hipertermia maligna
Inalatórios
Mecanismo de ação desconhecido
Óxido nitroso Efeito analgésico forte e anestésico fraco
(N2O)
Não apresenta efeito significativo sobre o coração, os vasos, os brônquios
e o músculo esquelético
Mecanismo de ação não é totalmente conhecido, envolve a
potencialização da neurotransmissão inibitória GABAérgica
Propofol Usado na indução e na manutenção da anestesia
Baixas doses causam sedação
É necessária a suplementação com opioides para que ocorra analgesia
É um barbitúrico – potencializa a ação inibitória do GABA sobre os
neurônios (hiperpolarização)
Tiopental
Intravenosos Baixo índice terapêutico – pode causar depressão respiratória
Efeito anestésico de curto prazo
Antagonista competitivo do receptor glutametégico NMDA – reduz a
excitabilidade neuronal
Induz estado dissociativo (promove sedação, amnésia e imobilidade, mas
Cetamina paciente pode parecer acordado)
Induz o efluxo simpático central – aumento do tônus simpático impede
bradicardia e queda da pressão arterial
Induz alucinações pós-operatórias – fator limitante para o uso

Resumo

Os fármacos que alteram a função cardiovascular, em especial


os anti-hipertensivos, e aqueles que atuam inibindo ou prevenindo
o estabelecimento da sensação dolorosa e da inflamação, como os
anti‑inflamatórios não esteroidais, estão entre as classes de medicamentos
mais vendidas no mundo.

173
Unidade II

Os fármacos que alteram a função cardiovascular podem fazê-lo por


atuação direta sobre o coração (antiarrítmicos, cardiotônicos e alguns
anti‑hipertensivos), sobre os vasos (anti-hipertensivos) ou sobre o sistema
renal (diuréticos, usados no tratamento da hipertensão arterial).

Os antiarrítmicos atuam sobre o influxo/efluxo de íons através da


membrana das células de condução cardíaca, alterando, assim, o potencial
de marcapasso ou a condução do potencial de ação e modificando o ritmo
cardíaco. Os cardiotônicos também alteram o equilíbrio iônico, mas essa
alteração ocorre preferencialmente na célula muscular cardíaca, o que
resulta em aumento da força de contração. Os anti-hipertensivos, por sua
vez, atuam diretamente sobre os vasos, o coração ou até mesmo sobre os
rins, no sentido de regular a pressão arterial para níveis normais.

Os fármacos que atuam sobre a dor são os analgésicos e os anestésicos.


Os anti-inflamatórios não esteroidais e os glicocorticoides inibem a
hiperalgesia causada pelas prostaglandinas inflamatórias, enquanto os
analgésicos opioides atuam potencializando a via inibitória da dor, ao nível
do sistema nervoso central.

Caso o objetivo seja evitar o estabelecimento da sensação dolorosa


decorrente de procedimentos cirúrgicos, são utilizados os anestésicos locais
ou gerais, que atuam diminuindo ou até abolindo a condução do estímulo
doloroso até o sistema nervoso central e/ou diminuindo o processamento
da dor por essa estrutura.

Exercícios

Questão 1. (Atecel 2014) Diuréticos são empregados regularmente no controle da pressão arterial
em paciente com hipertensão arterial sistêmica. Esses fármacos atuam nos rins aumentando o volume e
o grau do fluxo urinário, podendo ser empregados também para outras indicações como a insuficiência
cardíaca congestiva (ICC). Pacientes com ICC comumente utilizam digitálicos para o controle da doença,
e o uso de diuréticos associados a esses cardiotônicos deve ser monitorado com cautela para evitar a
intoxicação digitálica, sendo necessária muitas vezes a utilização de diuréticos poupadores de potássio.
Desse modo, assinale a alternativa que contém um diurético poupador de potássio.

A) Indapamida.

B) Hidroclorotiazida.

C) Clortalidona.

174
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

D) Espironolactona.

E) Furosemida.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a indapamida é um diurético (aumenta a quantidade de urina), eliminando sal e água


do corpo. É utilizado no tratamento da pressão alta e no tratamento de inchaços provocados pelos
problemas cardíacos (insuficiência cardíaca).

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a hidroclorotiazida tem indicação no tratamento da hipertensão arterial, quer


isoladamente ou em associação com outros fármacos anti-hipertensivos. Pode ser ainda utilizado no
tratamento dos edemas associados com insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática e com a
terapia por corticosteroides ou estrógenos. Também é eficaz no edema relacionado a várias formas de
disfunção renal, como síndrome nefrótica, glomerulonefrite aguda e insuficiência renal crônica.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a clortalidona atua contra hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, edemas, ascite e
tratamento profilático de cálculo.

D) Alternativa correta.

Justificativa: a espironolactona é o único inibidor do receptor da aldosterona. A aldosterona atua no


túbulo coletor renal, onde se liga a seus receptores intracelulares e promove a síntese de um transportador
de Na+/K+. Esse transportador promove a reabsorção de sódio e a eliminação de potássio. Uma vez que a
espironolactona antagoniza a ação da aldosterona, seu efeito será o inverso: o transportador de Na+/K+
terá sua expressão reduzida, o sódio permanecerá na luz da urina, trazendo consigo a água, e o potássio
será poupado.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: furosemida é usada para hipertensão arterial leve a moderada, edema devido a
distúrbios cardíacos, hepáticos e renais e, ainda, edema devido a queimaduras.

175
Unidade II

Questão 2. (Quadrix 2019)

Figura 70

Disponível em: www.meddeviceonline.com. Acesso em: 21 mar. 2020.

Lidosite® é um dispositivo que faz uso da iontoforese para administração cutânea de cloridrato de
lidocaína de maneira não invasiva. Essa base fraca (pKa ˜8) é liberada para dentro dos tecidos cutâneos
quando o dispositivo, que contém uma bateria, é ligado. Considerando essas informações, assinale a
alternativa correta.

A) A lidocaína atua bloqueando de maneira reversível os canais iônicos na membrana celular


neuronal, impedindo a neurotransmissão do potencial de ação.

B) Em pH levemente ácido, o cloridrato de lidocaína possui carga negativa e é repelido para dentro
da pele por estar em contato com o eletrodo negativo do dispositivo.

C) O mecanismo iontoforético que permite a migração da lidocaína para dentro da pele é conhecido
como eletrosmose.

D) A iontoforese é uma técnica que favorece a penetração de fármacos apolares na pele.

E) O dispositivo é inviável para administração em humanos, pois a necessidade do uso de corrente


elétrica compromete sua segurança.

Resposta correta: alternativa A.

176
FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: a lidocaína bloqueia os canais iônicos de sódio que impedem o início da condução dos
impulsos nervosos.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a adrenalina contribui para o efeito analgésico do sistema LidoSite™, presumivelmente


por causa de sua atividade vasoconstritora, que, acredita-se, diminui a taxa de remoção da lidocaína do
local de administração.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a iontoforese refere-se a um processo em que se aplica uma baixa corrente elétrica
na pele durante minutos a horas, de forma a facilitar a entrada de moléculas através dessa membrana
biológica. Eletrosmose é a filtração de um líquido através de uma massa coloidal sob o efeito de uma
corrente elétrica.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a iontoforese é uma técnica não invasiva, baseada na aplicação de uma corrente
elétrica de baixa intensidade para facilitar a liberação de uma variedade de fármacos, carregados ou não,
através de membranas biológicas, rumo à corrente sanguínea.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: o dispositivo é usado em humanos com uma corrente elétrica de baixa intensidade que
ajuda na entrada de fármacos, resultando numa anestesia local.

177

Você também pode gostar