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ORIGEM DOS POTENCIAIS ELÉTRICOS

DAS CÉLULAS NERVOSAS


Jorge A. Quillfeldt
Departamento de Biofísica, IB, URGS

eletricidade (Figura 1). Sob esta


A s células vivas dependem de uma
inspiração, hoje ultrapassada, a literatura
fantástica do século XIX nos legou o
série de reações químicas em seu interior, clássico de Mary Shelley, Frankenstein,
que, delicadamente articuladas entre si, uma criatura artificial contruída a partir
em sequência ou em paralelo, operam de tecidos mortos e animada por...
para manter o frágil equilíbrio dinâmico eletricidade!
que significa “estar vivo”. Esse incessante Os fenômenos bioelétricos podem
turbilhão bioquímico libera energia envolver tanto a geração, quanto o
quebrando ligações químicas de resultado da ação de campos ou correntes
nutrientes ingeridos, constrói e reconstrói elétricas sobre os processos biológicos.
biopolímeros como proteínas, ácidos Em vertebrados como os humanos, são
nucleicos, lipídios e glicídios, e também particularmente notáveis em três tipos de
desfaz e descarta os restos destas tecidos, o neural (incluindo suas
substâncias, uma vez que qualquer interfaces com os diferentes órgãos
biomolécula é funcional apenas por um sensoriais), o muscular (esquelético, liso
tempo limitado dentro das células. ou cardíaco) e o endócrino (glândulas
Mas a atividade biológica não secretoras), onde desempenham um papel
envolve apenas reações químicas, embora central. Podem também manifestar-se
estas estejam sempre na origem da potenciais elétricos em situações
captação e distribuição de energia e excepcionais, como em tecidos
síntese de constituintes moleculares em lesionados. Uma categoria especial de uso
qualquer organismo vivo. Podemos da bioletricidade é encontrada em alguns
encontrar também atividades biológicas peixes, onde um músculo modificado, o
derivadas: elétrica, mecânica órgão elétrico, pode ser utilizado como
(movimentos, comportamentos), térmica órgão sensorial ou, por vezes, como órgão
(especialmente nos vertebrados de ataque/defesa.
endotérmicos) e até luminosa
(bioluminescência). Aliás, muito antes de
se ter clareza sobre a natureza bioquímica I – Alguns conceitos básicos
da vida, achava-se que o impulsionador
deste processo – o chamado élan vital –
era a própria eletricidade. Não é a toa que A atividade elétrica nos tecidos
a história do descobrimento da vivos é um fenômeno que se dá em nível
eletricidade confunde-se com os celular, sendo estritamente dependente da
primórdios da própria biologia, com a membrana celular. Em praticamente
disputa acirrada, no século XVIII, entre todas as células vivas em que isso foi
Galvani e Volta acerca da natureza da medido detectou-se alguma diferença de

1
potencial (DDP) elétrico entre o de repouso. Este processo, com suas fases
citoplasma e o exterior das mesmas. Este de despolarização e repolarização,
é o chamado Potencial de Repouso ou envolve correntes elétricas (iônicas)
Potencial de Membrana, cujo valor varia transmembrana - com íons fluindo para
em diferentes tipos de células, indo de 5 a dentro e para fora em diferentes etapas -,
100 mV, quase sempre com o interior consome cerca de 1 milissegundo, e é
negativo em relação ao exterior. chamado de Potencial de Ação. Os
potenciais de ação propagam-se ao longo
QUEM CONDUZ ELETRICIDADE da membrana celular, indo do ponto de
NOS SERES VIVOS? - Uma vez que origem até o outro extremo, mobilizando
nos tecidos biológicos não há rigorosamente todos os recursos (canais e
disponibilidade de elétrons livres para bombas) da membrana; daí, em parte, a
movimentar-se de forma análoga à que expressão tudo-ou-nada que descreve o
ocorre nas bandas de valência dos metais fenômeno. Voltaremos mais tarde a este
condutores, as cargas elétricas em questão assunto em maior detalhe.
só podem estar nos íons de compostos
dissociados no meio aquoso que tudo REGISTROS INCIDENTAIS - Estas
preenche, dentro e fora da célula. Deste pequenas correntes iônicas percorrem
modo, a causa principal do potencial de distâncias físicas pequenas, sendo que a
repouso seria a distribuição desigual dos maioria dos íons permanece sempre muito
íons em solução nos dois lados da próximo à membrana, mas as variações
membrana, compartimentados ativa ou dos campos elétricos podem ser
passivamente pelos mecanismos seletivos detectadas a considerável distância, até
de transporte iônico transmembrana. A por que seus valores não são desprezíveis.
membrana, portanto, atua com um Nas três classes de células excitáveis dos
capacitor, armazenando energia nesta animais acima mencionadas, estas
distribuição espacial de íons correntes iônicas só têm relevância
eletricamente carregados; esta energia funcional no local exato em que
potencial elétrica está disponível para ser aparecem, portanto, quando medidos à
recuperada rapidamente, além de distância, devemos considerá-las como
estabilizar a membrana evitando que este registros incidentais, ou seja, seu
sistema seja perturbado por qualquer fator significado só existe para o
de menor importância. experimentador que realiza o registro.
Como dissemos, as células vivas Somente nos peixes elétricos tais
têm um potencial de repouso de cerca de manifestações mensuráveis possuem um
0,1V ou menos, negativo em relação ao significado fisiológico e adaptativo: neste
exterior. Isto é especialmente notável nas caso, a organização citoarquitetônica do
chamas células excitáveis, que são os órgão elétrico, com a conexão serial de
neurônios, miócitos e células endócrinas: muitas células, permite a soma de suas
nestas células, quando ativadas, o voltagens até atingir valores bastante
potencial sai do “repouso elétrico” e elevados. Para se ter uma idéia, no
muda de valor, chegando a inverter sua eletroencefalograma e no
polaridade e, por um breve período (da eletrocardiograma, os biopotenciais
ordem das dezenas de microssegundos), o incidentais que são medidos a alguma
interior da célula fica positivo, e o distância de suas fontes celulares
exterior, negativo; rapidamente, então, a originais são, respectivamente, da ordem
membrana da célula recobra seu potencial dos 20-30µV (microvolts) ou do mV

2
(milivolt); nos peixes elétricos, por outro transmembrana, é, por vezes, tratado
lado, esta voltagem pode chegar a como CC (corrente contínua). Os
1.000V, suficiente para atordoar ou potenciais CC são relativamente estáveis
mesmo matar muitas de suas vítimas. ou de variação muito lenta, como aqueles
que medimos em tecidos lesionados, o
VOLTAGEM E CORRENTE ELÉ- chamado “potencial de ferida”, com cerca
TRICAS - Mas não nos impressionemos de -50mV e causado pelo “vazamento” de
com valores de voltagem elétrica, pois potássio. São encontrados em outras
estes nem sempre expressam situações também, como quando
adequadamente o efeito que podem medimos diferenças de potencial elétrico
causar. De fato, um potencial elétrico é entre dois pontos do encéfalo (até 1mV)
uma forma de energia potencial, isto é, ou da pele (até 10mV), no interior de
uma forma de armazenar energia para glândulas ativas (por exemplo, nos
realizar trabalho, como, por exemplo, folículos da tireóide, onde chega aos -
fazemos quando armazenamos grandes 60mV) ou de órgãos sensoriais (no canal
quantidades de água no lado de cima de interno da cóclea medimos cerca de
uma represa (potencial gravitacional), e o +80mV).
trabalho é recuperado na queda da água, Para uma noção mais “táctil”
que, deste modo, aciona uma turbina e acerca das intensidades de corrente
gera corrente elétrica. Neste exemplo, a elétrica e seus efeitos sobre um tecido
quantidade de trabalho obtido depende do vivo, observe-se que uma corrente de
fluxo de água que permitirmos passar, 2mA, passando através de uma parte de
pois, como sabemos, nenhuma turbina nosso corpo, mal será percebida. Acima
será acionada se apenas abrirmos uma dos 10mA, porém, o choque elétrico terá
pequena torneira. De forma análoga, a consequências graves, uma vez que os
verdadeira expressão do trabalho elétrico elétrons e íons mobilizados à força pelo
é o fluxo de cargas elétricas que deixamos tecido, causam seu aquecimento (efeito
passar, isto é, a corrente elétrica: assim, Joule) e, consequentemente, lesionam-no.
correntes grandes, mesmo de baixa Entre os 100 e os 200mA, as correntes
voltagem, podem ser letais (como em elétricas são letais para humanos.
baterias de automóvel), e voltagens altas, Curiosamente, choques acima destes
com baixas correntes, geralmente não são valores podem não ser letais se houver
(como quando escutamos os “estalos” da atenção médica imediata; mesmo assim,
eletricidade estática ao tirar o casaco de lã podem causar queimaduras e
em um dia seco de inverno, fenômeno inconsciência: a letalidade geralmente é
que pode envolver milhares de volts). As causada pela fibrilação ventricular, que,
diferenças de potencial elétrico (ddp) são contudo, acima dos 200mA, é menos
medidas em V (Volts), enquanto que as comum, uma vez que, nesta situação, o
correntes elétricas, em A (Ampéres). coração fica rigidamente contraído (e,
Apesar das diferenças óbvias com assim, parcialmente protegido). Os riscos
as fontes elétricas artificiais que tanto de lesão aumentam se a pele estiver
utilizamos, tais correntes elétricas breves molhada, quando a resistência elétrica
e cambiantes são chamadas de CA diminui muito.
(corrente alternada) pelos
eletrofisiologistas. Já o potencial de
repouso, que, como veremos, também
pode envolver correntes elétricas

3
II – O Meio aquoso e a Mem- meio aquoso, e explica por que, quando
brana das Células comparada com outros líquidos de peso
molecular semelhante, a água é aquele
que apresenta o maior ponto de ebulição,
Antes de entrar na dinâmica iônica o maior calor específico1 e a maior
particular que explica os biopotenciais capacidade térmica 2 (calor de
elétricos do sistema nervoso, convém vaporização), além de uma das maiores
ressaltar que estes fenômenos se dão em tensões superficiais (Figura 2).
uma escala de tamanho da ordem das Outras propriedades sui generis da
dezenas de nanômetros, intermediária água são o chamado ponto anômalo (a
entre os fenômenos puramente densidade máxima da água se dá em +4oC
3
moleculares (nanométricos) e os celulares ), a auto-ionização (que gera uma baixa
(micrométricos). Neste mundo, o concentração de íons H+ e OH-, base da
ambiente molecular é totalmente escala de pH) e sua alta solubilidade. Na
comandado pelas propriedades físico- verdade a água é considerada o melhor
químicas da água, e é essencial solvente que existe para sais, ácidos e
compreendê-las para entender o que bases, ou seja, todas aquelas substâncias
fazem íons e proteínas. O meio aquoso que são polares (dessas, algumas são
preenche a maioria dos espaços intra e carregadas, isto é, possuem cargas
extracelulares, e é onde estão suspensas elétricas inteiras 4), e o faz pois combina
quase todas as moléculas (solúveis, é
1
claro) que interagem entre si para animar Que explica seu poder de verdadeiro “tampão
o metabolismo intermediário, a térmico” ambiental. Por exemplo, a quantidade de
vapor de água na atmosfera determina as
mobilização de fontes energéticas e variações de temperatura. Por outro lado, as águas
nutrientes, e os processos de manutenção de lagos, rios e oceanos não variam sua
e reparação molecular e celular. temperatura tão rápida, nem tão intensamente
quanto a massa de ar adjascente, permitindo
PROPRIEDADES DA ÁGUA - A água algum conforto à vida presente.
2
Esta propriedade explica, por exemplo, a
é um líquido único, e talvez o fator mais sudorese, quando água secretada sobre a
decisivo a explicar porque a vida é tão superfície da pele passa ao estado gasoso,
onipresente na terra (e por que é tão “roubando” boa quantidade de calor, e, assim,
difícil encontrá-la em planetas vizinhos refrescando-nos.
3
do sistema solar, ainda que esta Já o gelo de água possui uma estrutura
cristalina, regular e repetitiva, e menos densa que
possibilidade exista). À pressão de 1 a água líquida: é por isso que o gelo flutua, e é
atmosfera, encontra-se na forma líquida também por isso que, no inverno, quando lagos e
entre 0oC (273K) e 100oC (373K), rios congelam, este congelamento não vai até o
condições encontradas apenas em nosso fundo nos locais mais profundos, pois o peso da
planeta. Devido a uma estrutura simples coluna de água impede que ela assuma a forma de
gelo, menos densa. A forma cristalina do gelo, em
de dipolo elétrico, as moléculas de água células hexagonais, é conhecida como gelo I, uma
interagem fortemente entre si, ainda que vez que há outras seis formas estruturalmente
de forma rápida: as chamadas pontes de diferentes, todas elas mais densas que a água
hidrogênio têm energias apenas 5 a 10 líquida.
4
vezes menores que as de ligações Por outro lado, a água não “dissolve”,
quimicamente falando, substâncias apolares
covalentes, e duram cerca de 10-9 (também conhecidas como hidrofóbicas), no
segundos. Isto, porém, é suficiente para máximo permitindo que fiquem em suspensão,
conferir uma elevada coesão interna ao geralmente mediante agitação mecânica. Em
química, somente “o semelhante dissolve o

4
outras duas propriedades físico-químicas: suspensão na água se encontram, elas
a solvatação (hidratação) dos solutos, experimentam a oportunidade de
com sua consequente blindagem justapor-se e, assim, diminuir o número
eletrostática (a água é um bom isolante de moléculas de água necessárias para
elétrico 5) e a difusibilidade, ou seja, o “envolvê-las” no instável esquema recém-
fato de a agitação térmica manter as descrito. Deste modo, a energia do
moléculas de água movendo-se em sistema diminui, e a tendência é as
direções aleatórias e colidindo moléculas apolares permanecerem
constantemente umas com as outras e justapostas (não necessariamente
também com os solutos, impulsionando- interagindo entre si com qualquer tipo de
os: esse movimento errático dos solutos, ligação química): isto é o que chamamos
muitas vezes chamado de movimento de efeito hidrofóbico, um importante
browniano, fatalmente afastará os solutos fenômeno físico que atua na organização
que estão sendo removidos de um cristal espacial de pelo menos duas estruturas
maior (por exemplo, de NaCl), biologicamente fundamentais, as
favorecendo a dissolução do restante. proteínas e as membranas celulares,
compostas por moléculas ditas
EFEITO HIDROFÓBICO - Para os anfipáticas, parcialmente polares e
seres vivos, porém, não só a solubilidade parcialmente apolares.
é importante: também o que a água não
dissolve é decisivo. E também aqui valem TIPOS DE PROTEÍNAS - A maioria
as propriedades tão particulares da água das enzimas metabólicas são proteínas
líquida. Moléculas apolares não são globulares, formada por uma cadeia
“dissolvidas” por que não estabelecem linear (sem ramificações) de resíduos de
interações com as moléculas de água aminoácidos ligados covalentemente uns
(pontes de hidrogênio e outras interações aos outros e articulados espacialmente,
eletrostáticas, as forças de Van der primeiro em espirais (alfa-hélices) ou
Waals), mas, em meio aquoso, ficam em estruturas ziguezagueantes (beta-
um estado termodinamicamente instável, estruturas), e, a seguir, em “novelos”
de alta energia, pois as moléculas de água tridimensionais, os domínios. Estes são,
que a “envolvem”, não podendo interagir respectivamente os níveis estrutrurais
com ela, interagem mais fortemente entre secundário (alfas e betas) e terciário
si. Quando duas moléculas apolares em (domínios) das proteínas globulares. Um
domínio terciário tem o formato
aproximadamente esférico e enovela-se -
semelhante” (simile fac simile), isto é, polar
dissolve polar, apolar dissolve apolar. por efeito hidrofóbico - escondendo a
5
Isso apela contra o senso comum, mas a água maioria de seus segmentos alfa e/ou beta
líquida só atua como condutor quando tem sais em no interior, deixando exposto à superfície
solução, e seus eletrólitos servem de condutor. principalmente os trechos sem estrutura
Como toda água que normalmente encontramos definida (chamados de “alças”); sua
(fora do laboratório) sempre possui algum sal
dissolvido, é natural que, na prática, atue como superfície, portanto, é de caráter polar, e,
um condutor. A quantidade de vapor de água na por isso, a proteína, como um todo, fica
atmosfera determina os extremos possíveis de sendo “solúvel”. As proteínas globulares
variação de temperatura. Por outro lado, as águas são todas solúveis e encontram-se
de lagos, rios e oceanos não variam sua dissolvidas e móveis nos compartimentos
temperatura tão rápida, nem tão intensamente
quanto a massa de ar adjascente, permitindo intra ou extracelulares.
algum conforto à vida presente.

5
Os outros dois tipos de proteína lipídios de duas caudas não conseguem
também organizam-se em função do formar micelas estáveis, preferindo
efeito hidrofóbico. As proteínas fibrosas organizar-se em lâminas, dispondo-se
organizam-se em feixes compactos lado a lado; como uma face dessa lâmina
geralmente com função estrutural 6; como necessariamente será formada por caudas
são insolúveis, precipitam em meio apolares, duas dessas lâminas geralmente
aquoso. As proteínas de membrana, como ocorrem justapostas, escondendo, assim,
diz seu nome, encontram-se imersas na suas porções apolares do meio aquoso.
estrutura das membranas celulares, e sua Essa organização pode constituir uma
“forma” se deve a esta intensa associação: vesícula revestida por com duas camadas
trechos em alfa (ou beta) trespassam a concêntricas ou bicamada lipídica, com o
região hidrofóbica da membrana (ver a meio aquoso por fora e também no
seguir) e apenas as alças, hidrofílicas, interior. Tal fenômeno natural está na
ficam expostas ao meio aquoso, dentro e origem das próprias células vivas, e
fora da célula. Este tipo de proteína é também explica como são as membranas
fundamental para o tema abordado neste das organelas intracelulares, todas elas
capítulo, pois todos os carreadores e bicamadas lipídicas.
canais de membrana, bem como os
receptores metabotrópicos, são proteínas A MEMBRANA CELULAR - O
de membrana. modelo atualmente aceito para a
organização tridimensional das
LIPÍDIOS EM MEIO AQUOSO - membranas biológicas foi formulado por
outro tipo de molécula anfipática, Singer e Nicholson (1972), e é conhecido
essencial para compreendermos a vida como modelo do mosaico fluido (Figura
como ela é, são os lipídios anfipáticos. 3). Este modelo destaca que, além dos
Com uma extremidade polar (“cabeça”) e lipídios, abundam as proteínas de
outra apolar (“cauda”), também precisam membrana, distribuídas em meio aos
articular-se coletivamente, em meio lipídios constituindo o “mosaico”. A
aquoso, para minimizar a energia do palavra “fluido” descreve o fato de que,
sistema, o que fazem separando-se em apesar da estabilidade estrutural das
fases distintas (quando as quantidades são membranas em duas camadas lipídicas,
muito grandes), ou formando micelas ou todos os lipídios em cada camada, são
vesículas com bicamada. Lipídios livres para deslocar-se lateralmente,
anfipáticos com uma cauda têm uma fazendo-o com grande desenvoltura e
geometria que favorece aglutinar-se em rapidez. As proteínas integrais trespassam
micelas, com as caudas reunidas no bojo ambas camadas lipídicas, mas também
de uma partícula, longe da água, e as podem mover-se lateralmente sem
cabeças polares recobrindo-a, em empecilhos; como são maiores, deslocam-
contacto direto com a água, também se com menos rapidez devido à inércia.
polar; a micela, portanto, embora não seja Na prática, as membranas
solúvel, consegue assim manter-se biológicas funcionam como um
suspensa em emulsão sem precipitar. Já verdadeiro “mar bidimensional”, com
completa liberdade de movimento nas
6
duas dimensões de sua superfície, mas
Podem ser feixes de alfa-hélices, beta-estruturas, com restrição (ainda que não absoluta)
ou de um terceiro tipo de nível secundário, o
colágeno, uma tripla hélice com elevada resis- aos movimentos que levariam um lipídio
tência mecânica.

6
(ou proteína) a “sair” da membrana 7 em células de tecidos que costumam
perdendo-se no compartimento variar muito de volume de forma rápida
adjascente, ou aos movimentos ditos (como a musculatura lisa dos vasos
“basculantes” (flip-flop em inglês) em que sangüíneos).
um lipídio vai espontaneamente de sua
monocamada para a outra atracvessando, FUNÇÕES DAS MEMBRANAS - A
com sua porção polar, a região função mais óbvia das membranas é
hidrofóbica da membrana 8. compartimentalizar, separar dois
Os lipídios são os principais ambientes químicos, papel que
componentes estruturais das membranas, desempenham à perfeição, pelo menos
enquanto que as proteínas, os agentes com relação a moléculas polares e/ou
funcionais. Também encontramos grandes. O livre-trânsito de moléculas
glicídios ligados a lipídios e proteínas, para dentro da célula poderia facilmente
geralmente na face extracelular comprometer seu metabolismo ou,
(constituindo o glicocálice), geralmente mesmo, “envenená-la”. Como a
conferindo uma identidade biológica membrana tem um interior hidrofóbico,
única a cada célula, fator decisivo no moléculas polares não conseguem
reconhecimento antigênico ou durante o penetrá-la, a não ser que sejam muito
desenvolvimento. Os lipídios constituem pequenas e velozes, como é o caso da
de 20 a 40% do peso das membranas, água (o que explica o efeito osmótico que
enquanto que a contribuição das proteínas promove variação do volume das células
9
pode ir de 20 a 70% do peso. A maioria ); moléculas apolares, porém, passam
dos lipídios que constituem as pela matriz lipídica das membranas sem
membranas são fosfolipídios, mas dificuldades. A maioria dos principais
tembém temos glicolipídios, nutrientes bioquímicos, contudo, é de
esfingolipídios e esteróis, como o moléculas polares com razoáveis
colesterol. Este último tem a função de dimensões, e estes precisam,
ajudar a manter afastados os fosfolipídios definitivamente, entrar nas células; o
para que não passem da fase fluida à mesmo vale para os íons, que, com sua
chamada fase gel, desprovida de fluidez, carga elétrica inteira, também não
o que mataria a célula, pois as funções conseguem passar diretamente pelo
das proteínas de membranas são quase interior hidrofóbico das membranas. Para
todas baseadas na sua mobilidade estas substâncias existem os carreadores
bidimensional e colisões com outras (passivos ou ativos) e os canais iônicos
proteínas; em excesso, porém, deixa (de vazamento – permanentemente
instável a membrana, o que pode ser fatal abertos – ou com portão), que, além de
deixá-las passar, o fazem de forma
7
A rigor os lipídios estão confinados, cada um, a altamente seletiva.
sua monocamada, enquanto que as proteínas Os mecanismos de transporte
integrais pertencem a ambas; os dois tipos de através da membrana, aliás, dividem-se
molécula, porém, sofrem restrições a movimentos
na terceira dimensão. Em estudos biofísicos de em duas classes, dependendo da
membranas, contudo, estes movimentos podem
9
ser facilitados com o emprego de detergentes ou Hoje sabemos que o efeito osmótico não se deve
dos chamados “agentes caotrópicos”, inclusive apenas à água que entra diretamente pela matriz
com algum poder de seletividade molecular. lipídica ou através dos canais iônicos even-
8
O movimento basculante, por ser termo- tualmente disponíveis, mas também se dá por
dinamicamente desfavorável, ocorre muito rara- canais especiais dedicados, chamados de
mente. aquaporinas.

7
termodinâmica que obedecem. Os componentes da cadeia respiratória /
mecanismos passivos, dão-se fosforilação oxidativa, na mitocôndria).
espontaneamente, sem gasto de ATP, Também atuam na transdução de sinais
geralmente seguindo as leis da difusão 10, entre compartimentos (via receptores
seguindo o gradiente químico 11 de metabotrópicos) e podem até mesmo
concentrações; os ativos, por outro lado, servir de substrato para reações
são realizados contra qualquer tendência enzimáticas 12.
entrópica espontânea, ou seja, contra o
gradiente, e, por esta razão, envolvem
gasto de ATP. As principais classes de III–Potenciais Eletroquímicos
transporte através da membrana estão
esquematizadas a seguir:
Após toda a contextualização que
desenvolvemos acima, não será muito
TRANSPORTE PASSIVO
difícil reunir toda a informação de forma
Difusão Simples: diretamente através da matriz lipídica a explicar como as células vivas, e, em
(como moléculas apolares ou a água). especial, as células excitáveis,
Difusão Mediada: por canais seletivos (íons) ou car-
readores (ions ou moléculas). estabelecem seus potenciais elétricos.
Como vimos, todas as células vivas
TRANSPORTE ATIVO apresentam alguma diferença de potencial
elétrico entre o citoplasma e o espaço
Primário: o carreador processa também o ATP, como é
o caso da Bomba Na+,K+ - -ATPase. extracelular, sendo geralmente negativa
Secundário: o gasto de ATP ocorre indiretamente, para do lado de dentro (potencial de repouso
criar um gradiente químico que acumula das células). Algumas células, porém,
energia e, então, é mobilizada (como fazem os
carreadores ativos Na+.glicose, por exemplo). podem sair desta situação de repouso,
propagando, ao longo de suas
membranas, perturbações que causam
correntes iônicas transmembrana por toda
A compartimentalização – metabólica ou a célula e que podem chegar a inverter o
iônica, porém, não é a única função das perfil elétrico com relação ao repouso,
membranas, que também podem atuar chegando a deixar, por algum tempo, o
organizando espacialmente complexos citoplasma positivo com relação ao
multienzimáticos que precisam operar, exterior: estas são as chamadas células
por exemplo, em sequência (exemplo, excitáveis, e incluem os neurônios, as
células musculares e as células secretoras
10
A primeira lei de Fick diz que o fluxo do soluto endócrinas; as demais, são chamadas de
difusível depende da diferença de concentração células não-excitáveis.
entre os compartimentos visitados, da área da
região que comunica os dois compartimentos e da MEDINDO BIOPOTENCIAIS – A
distância percorrida, sendo que o sentido do fluxo
é da maior para a menor concentração (do soluto). medição de diferenças de potenciais
11
A expressão “gradiente químico” será usada elétricos no nível das células nervosas
aqui significando a variação espacial da
concentração de uma determinada substância;
12
assim, seguir “a favor do gradiente” significa Por exemplo, a transformação do ácido
mover-se de onde está mais concentrado para araquidônico (um fragmento de fosfolipídio) em
onde está menos concentrado, exatamente como prostaglandina, reação importante na resposta
preconizado pela primeira lei de Fick (ver nota inflamatória.
anterior).

8
enfrenta duas dificuldades: (a) as “rasgará” (nem o interior da célula
correntes elétricas (ainda que não as vazará) e a micropipeta ficará integrada à
voltagens) são muito pequenas, e (b) porção hidrofóbica da membrana,
como são correntes iônicas em meio servindo de “canal” de acesso ao interior
aquoso, e as células, geralmente muito da célula (Figura 4a). Preenchida com
pequenas, o emprego de eletrodos uma solução eletrolítica (por exemplo), e
metálicos é muito ineficiente, pois têm contendo um eletrodo metálico
elevadíssima impedância elétrica 13, a (geralmente de prata e revestido com
ponto de não conseguir “ler” nada. A AgCl) imerso nesta solução, tal
solução para contornar estes dois configuração permite medir com precisão
obstáculos consiste em utilizar as grandezas elétricas do interior da
amplificadores de corrente elétrica e célula com relação ao exterior, onde
eletrodos de vidro, respectivamente. posicionamos o chamado “eletrodo de
Embora medições extracelulares referência”. A mesma configuração serve
possam ser feitas com relativo sucesso para medições extracelulares, desde que o
utilizando-se eletrodos que consistem de eletrodo de referência (a outra polaridade)
um simples fio metálico revestido com esteja posicionado em lugar distante.
material isolante (exceto a extremidade), O orifício na ponta do eletrodo,
as medidas intracelulares são muito mais com cerca de 1 micrômetro de abertura
delicadas e só foram possíveis com o (Figura 4b), permite uma certa
desenvolvimento dos microeletrodos de “continuidade” do meio aquoso
vidro (Figura 4) a partir da metade do intracelular com o do interior do eletrodo,
século XX (anos 1940-1950), quando mas não necessariamente favorece que os
finalmente a tecnologia necessária íons fluam através dele 14. Esta
tornou-se disponível; somente a partir continuidade favorece uma separação de
deste período foi possível obter-se cargas dentro do microeletrodo no
conhecimento detalhado acerca da momento em que este entra em contacto
natureza da atividade elétrica nos seres com o meio eletrolítico que irá medir.
vivos. Uma vez que geralmente o interior da
Os microeletrodos de vidro para célula é negativo com relação ao exterior,
medições intracelulares servem-se de uma os íons K+ dentro do eletrodo, positivos,
vantagem descoberta por Plowe em 1931: serão “atraídos” para a ponta do mesmo, e
se empalarmos uma célula viva com uma os íons Cl–, negativos, serão “repelidos”
micropipeta de vidro utilizando um para a outra extremidade, próximo a onde
“golpe” brusco, sua membrana não se está o fio de prata: este, então,
“perceberá” o entorno de cargas negativas
13
“Impedância” é o termo técnico para (os íons Cl -) que fazem uma “imitação”
resistência elétrica no caso de correntes precisa do interior negativo da célula. O
alternadas, isto é, correntes que variam (de fio metálico, que é o verdadeiro eletrodo,
intensidade e/ou sentido de fluxo de cargas), que é afinal, faz a medição sem estar
exatamente a realidade quando medimos
potenciais em células nervosas. Difere da efetivamente dentro da célula, situação
resistência elétrica convencional por que depende
de forma complicada da frequência da corrente e
14
da própria natureza do circuito, mas também Isso, porém, pode ser feito forçadamente se
obedece à lei de Ohm (V é diretamente aplicarmos uma ddp no fio metálico ali imerso, o
proporcional a I, e V=RI) caso o condutor seja que expulsará, por repulsão eletrostática, ions de
ôhmico, isto é, quando a resistência à passagem da mesma carga para o citoplasma da célula-alvo,
corrente elétrica não depende da própria corrente. porcesso conhecido como microiontoforese.

9
em que a impedância (resistência) negativa) não-difusíveis 16; como sempre
dificultaria um registro adequado 15. há um ou mais íons capazes de atravessar
Neste ponto, devemos tentar a membrana nas células e isso
responder à pergunta: por que o determinará o potencial eletroquímico
citoplasma das células vivas é geralmente através da membrana, é necessário
negativo com relação ao espaço conhecer o comportamento elétrico de
extracelular? A aposta mais óbvia é a de íons difusíveis.
que o fato se deve a um excedente de A Figura 5 mostra os dois tipos de
cargas negativas (íons solúveis) naquele equilíbrio possíveis com cargas difusíveis
compartimento. Bastaria, então, movendo-se entre dois compartimentos
determinar que cargas negativas são estas separados por uma membrana dita
e o potencial de repouso das células semipermeável17, isto é, permeável
estaria explicado? Infelizmente a coisa apenas a uma de duas ou mais espécies
não é tão simples. iônicas em solução. Na primeira situação
(Figura 5 a e b), ilustramos o equilíbrio
POTENCIAIS ELETROQUÍMICOS químico verdadeiro, que depende apenas
EMERGEM DA SEPARAÇÃO DE da concentração da espécie difusível; no
CARGAS RESULTANTE DE exemplo mostrado, o soluto é o K+ (mas
DIFUSÃO IÔNICA - Se os poderia ser de outra carga ou, mesmo,
biopotenciais medidos são, efetivamente, eletricamente neutro) e, após difundir-se
potenciais eletroquímicos, devemos através da membrana semipermeável,
compreender um pouco melhor sua atinge o equilíbrio com concentrações
natureza. Potenciais eletroquímicos são iguais dos dois lados, situação em que
medidas termodinâmicas que refletem a permanece enquanto não for gasta energia
energia resultante de fenômenos para modificá-la. É importante notar que
entrópicos e eletrostáticos e se ao chegar neste equilíbrio os movimentos
manifestam sempre que processos dos solutos não cessam, pois esses são
moleculares envolvem a difusão de íons
16
em solução. A “complicação” acima Seria absurdo que fossem “difusíveis”, pois
mencionada surge do fato de que as proteínas citoplasmáticas são geralmente tão
grandes que se a membrana permitisse sua livre
cargas negativas em excesso dentro das passagem ... seria inútil como barreira seletiva:
células, em particular dentro dos tudo passaria. O trânsito de proteínas só é possível
neurônios, constitui-se de proteínas mediante complexos processos que envolvem
aniônicas (com carga residual externa além de componentes da membrana, a própria
dinâmica do citoesqueleto, a exocitose (ou
endocitose). Os mecanismos de transporte
transmembrana só atuam com moléculas
relativamente pequenas (ou íons, que são
15
A causa disso é que o eletrodo, se fosse apenas menores), e, ainda assim, o fazem de forma
um “fio” cortado na extremidade, teria que (a) ser seletiva, isto é, transportam apenas aquelas
revestido por alguma resina isolante para não moléculas reconhecidas estereoespecificamente
causar “curto circuito” na hora do empalamento, e (ver item II – Funções das Membranas, acima).
17
(b) somente a secção circular da extremidade Por definição, uma membrana semipermeável
estaria livre para o contacto elétrico: como é uma ideal é permeável apenas a uma das espécies
área muito pequena e as cargas não são elétrons iônicas em solução nos dois compartimentos. Na
livres, mas, sim, íons em solução, não há área prática, essas membranas são muito difíceis de
suficiente para que estes íons se acumulem junto fabricar (geralmente são de cerâmica) e só
àquela região e ali “reúnam” a carga total real a funcionam idealmente nos primeiros minutos dos
ser medida. A impedância (resistência) elétrica é experimentos, mas o princípio aqui mostrado
imensa, da ordem dos gigaohm (109 ohm). continua válido.

10
causados pela agitação térmica das cargas assimétricas é chamado de
moléculas de água 18; o que cessa é o equilíbrio eletroquímico de Gibbs-
movimento “líquido” (no sentido Donnan. Note-se que apesar de uma
matemático do termo) de solutos de um maior quantidade de cargas positivas ficar
lado a outro e vice-e-versa. Como os concentrada do lado esquerdo, este
movimentos aleatórios prosseguem, é compartimento terá uma carga elétrica
possível até que algum íon acabe indo “líquida” negativa, determinada
para o outro lado criando precisamente pela carga (negativa) dos
momentaneamente uma nova, embora ânions não difusíveis que ficaram “a
pequena, assimetria de cargas, mas tal descoberto”, sem quem as “neutralize”
situação será muito passageira, pois o daquele lado. Na seção seguinte veremos
sistema rapidamente retornará à situação como calcular exatamente o valor desse
de equilíbrio. Aliás, esta é a própria potencial elétrico atingido no equilíbrio
definição termodinâmica de “equilíbrio” eletroquímico de Gibbs-Donnan
19
, um estado que não varia com o tempo utilizando a equação de Nernst, que, além
pois está em um mínimo de energia, um de prever o valor quantitativo exato deste
estado para o qual o sistema sempre potencial, determina também seu sinal
retorna caso “flutue” (espontaneamente) (negativo no compartimento da esquerda).
para longe dele.
Como dissemos, equilíbrios A EQUAÇÃO DE NERNST
químicos verdadeiros como o do exemplo CALCULA O POTENCIAL ELE-
acima, dependem somente da TROQUÍMICO GERADO POR CAR-
concentração do soluto difusível, sendo GAS MÓVEIS ASSIMETRICAMEN-
indiferente à carga elétrica. A presença de TE DISTRIBUÍDAS – Como o íon
cargas elétricas, porém, introduz mais um potássio é o principal íon difusível na
nível de complexidade no sistema pois há maioria das células, sejam elas excitáveis
mais um tipo de interação para se levar (como os neurônios) ou não (como a
em conta. Como cargas elétricas podem glia), o sentido em que tende a deslocar-
atrair-se ou repelir-se mutuamente, as se ao atravessar a membrana, bem como a
situações em que cargas móveis de sinais propensão com que o fará, dependerá da
opostos coexistem tendem a atingir diferença de potencial eletroquímico entre
somente equilíbrios em que as cargas os dois lados da membrana. Esta DDP,
ficam estavelmente distribuídas de forma por sua vez, será determinada por três
assimétrica. A situação é exemplificada fatores: (a) a diferença de concentração
na Figura 6 (c e d), em que a carga do soluto nos dois lados da membrana,
(negativa), não permeável, retém, do seu (b) a carga elétrica (ou “valência”) da
lado, um excedente de cargas positivas molécula solúvel, e (c) a diferença de
difusíveis (o K +), fazendo com que as voltagem entre os dois lados da
medições elétricas acusem voltagens membrana (o chamado potencial
diferentes de zero; este equilíbrio com transmembrana). Quando a diferença de
potencial eletroquímico entre os dois
18 lados for zero (o chamado potencial de
Os movimentos aleatórios e colisões ente
solutos e/ou moléculas de água só cessariam, de inversão), o fluxo líquido de cargas
fato, na temperatura de zero absoluto, isto é, em 0 através da membrana será também zero,
(zero) graus Kelvin. ou seja, há uma situação de equilíbrio
19
Esta é a definição de equilíbrio “estável”,
existindo também equilíbrios do tipo “instável” e eletroquímico. Se a espécie difusível
“indiferente”. consistir de apenas um íon, podemos usar

11
a equação derivada em 1888 pelo físico- previsto pela equação de Nernst (1)
químico alemão Walter Nernst (1) para acima.
predizer teoricamente este potencial
eletroquímico:

RT [X]e
IV – O Potencial de Repouso
Víon X = ----- . ln ( ------- ) (1) das células não-excitáveis
zF [X]i

onde R é a constante universal dos gases


O POTENCIAL DE REPOUSO DAS
ideais (8,314570 J K-1 mol-1), T a
CÉLULAS NÃO-EXCITÁVEIS É UM
temperatura em graus Kelvin, z a valência
POTENCIAL DE EQUILÍBRIO
do íon em questão 20, F a constante de
ELETROQUÍMICO DE GIBBS-
Faraday (96,485 C mol-1). O logaritmo
DONNAN – Tanto no meio aquoso
natural (base e=2,7172...) da razão das
(extracelular) que banha a maioria das
concentrações [X] extracellar (e) e
células vivas reais, quanto em seu
intracelular (i) do íon móvel em questão.
citoplasma (intracelular), encontramos
A Figura 6 ilustra o tipo de
diversos íons potencialmente móveis (i.e.,
situação em que um potencial
difusíveis através da membrana), que
eletroquímico emerge em função da
dependem, para sê-lo, da existência de
distribuição assimétrica de um íon
canais transmembrana específicos.
difusível (o outro não é permeável). Na
Macromoléculas eletricamente
primeira situação (Figura 6a), com dois
carregadas, contudo, predominam apenas
compartimentos isolados, apesar de haver
no interior das células, como é o caso das
concentrações diferentes do sal dissolvido
proteínas aniônicas, incapazes de
(KCl) em cada lado, em nenhum
atravessar a membrana.
compartimento há diferença “líquida” no
Nas células gliais 21, nosso
número de cargas positivas e negativas:
exemplo de célula não-excitável, apenas
para cada carga positiva há uma negativa,
o K+ é permeável através da membrana,
e o soma final é zero, garantindo a
geralmente “saindo” da célula seguindo
eletroneutralidade do compartimento. Se
seu gradiente de concentração. Na Figura
posicionarmos eletrodos nos dois
7a vemos a situação da glia, com sua
compartimentos, mediremos uma
típica distribuição assimétrica dos três
diferença de potencial igual a zero, isto é,
principais íons inorgânicos (K+, Na+ e Cl-
V=0. Na segunda situação (Figura 6b),
)22 além das proteínas aniônicas, que
separamos os dois compartimentos com
fazem o papel de ânions não-difusíveis
uma membrana semipermeável - no caso
(ver Figura 5d 23): fica evidente, portanto,
permeável apenas às cargas positivas, e
assim obtemos um movimento “líquido”
dessas cargas para o lado direito até 21
As células gliais, juntamente com os neurônios,
atingir um novo equilíbrio no qual temos são os principais constituintes do SNC - mas, à
uma distribuição assimétrica de cargas. A diferença desses, não são capazes produzir
V medida, consequentemente, será potenciais de ação.
22
diferente de zero e seu valor pode ser Denominados, respectivamente, “potássio”,
“sódio” e “cloreto” (e não “cloro”, como
erradamente se usa).
23
Que, aliás, é semelhante à situação mostrada na
20
Por exemplo, K+ ! z = +1, Cl- ! z = -1, Ca++ figura 6b; observe-se, entretanto, que se tratam de
! z= +2. dois exemplos hipotéticos mostrando situações

12
que o potencial de repouso da glia é o vertebrados (de fato, são muito
próprio potencial de equilíbrio parecidas). Apesar de somente dispormos
eletroquímico de Gibbs-Donnan para o de dados precisos referentes a células
K+. Isto é confirmado pelo fato de que a excitáveis, estes valores são semelhantes
maioria das células gliais exibe um aos encontrados nas células não-
potencial de repouso de cerca de –75 mV, excitáveis em geral; assumiremos, por
que é exatamente o potencial previsto exemplo, que os dados do axônio da lula
pela equação de Nernst (1) para uma são representativos de valores
distribuição iônica análoga àquela encontrados nas células gliais.
registrada no axônio (do neurônio)
gigante da lula, aqui tomada como CANAIS DE VAZAMENTO
representativa dos valores que ocorrem SELETIVOS PERMITEM QUE O
nas células gliais (ver tabela I). POTÁSSIO SAIA DA CÉLULA - A
permeação dos íons K+ se faz através de
PERFIL DA DISTRIBUIÇÃO canais proteicos permanentemente
IÔNICA DENTRO E FORA DAS abertos, os chamados canais de
CÉLULAS - A Tabela I, a seguir, mostra vazamento 24. Como todo transportador
uma distribuição dos principais íons que é transmembrana, estes canais são
típica da maioria das células. Fica claro altamente seletivos e somente deixam
que, enquanto o potássio concentra-se permear uma espécie iônica, no caso o
dentro das células, o espaço extracelular é K+. A seletividade de canais iônicos não
uma solução salina mais concentrada na pode ser feita por “estereoespecificidade”,
qual predominam os íons sódio e cloreto; como fazem os carreadores
as proteínas aniônicas concentram-se transmembrana, até porque os íons têm,
maciçamente dentro das células e o cálcio todos, um formato “esférico”
é um cátion divalente raramente semelhante... a seletividade, no caso é
encontrado no citoplasma no repouso determinada por dois fatores: (a) o
elétrico da célula (veremos, adiante, como tamanho da abertura do próprio canal
isso serve para controlar uma infindade protéico, pelo qual outros íons
de processos). A tabela mostra os semelhantes não têm “espaço” para passar
exemplos específicos do axônio gigante (por exemplo, o Na+), e (b) a presença de
de neurônio de lula, um invertebrado cargas opostas intracanal que favorecem a
marinho, e nas células de músculo passagem do potássio (de carga positiva)
esquelético de mamíferos, ambas células e repelem íons de carga oposta.
excitáveis (e por isso mais bem Assim, o potássio “escapa” pelos
estudadas). É notável a semelhança entre seus canais de vazamento (perma-
os perfis iônicos dessas duas células, e, nentemente abertos) até que a atração
embora os valores absolutos possam eletrostática do excedente de cargas
diferir, proporções semelhantes são negativas intracelulares não-difusíveis
mantidas. Para os fins deste capítulo, (predominantemente proteínas aniônicas),
assumiremos que as concentrações
mostradas para o caso das células de 24
Estes canais passivos distingüem-se daqueles
músculo esquelético são representativas “ativos”, chamados de canais com portão (ver
daquelas encontradas em neurônios de item VI, mais adiante), que podem regular seu
estado aberto/fechado. Estes canais, porém,
podem ser bloqueados por agentes naturais ou
extremamente simplificadas: a figura 7a mostra sintéticos, geralmente em situações não-
uma situação mais próxima ao real. fisiológicas.

13
que vai se acumulando no interior, detém terminantes são (a) o gradiente de
o processo. concentração do K+, (b) seus canais de
A difusão do K+ para fora da vazamento, e (c) a grande concentração
célula é um fenômeno autolimitante, pois intracelular de proteínas aniônicas não-
ao atingir um equilíbrio estável, isto é, difusíveis (abreviadas como “PAND” na
um estado de energia mínima (equilíbrio Figura 7a). Os gradientes dos demais
termodinâmico de Gibbs-Donnan, no íons, mesmo que desigualmente
caso), o K+ o faz de forma completamente distribuídos dentro e fora da célula, não
espontânea, sem gasto de ATP em afetam tal equilíbrio, pois são íons que
nenhuma etapa. Este sistema em não se difundem através destas
equilíbrio responde a qualquer membranas: por definição, portanto, não
“perturbação” do perfil iônico ajustando- entram no cálculo da equação de Nernst,
se automática e espontaneamente, que, aliás, só permite computar o
reorganizando os gradientes sempre sem gradiente de concentração de uma única
consumir energia (ATP). Seus únicos de - espécie iônica móvel.

Tabela I
Distribuição típica de íons dentro e fora das células vivas
Músculo Esquelético
Íon Axônio (de neurônio)
de Vertebrado
(concentrações da Lula
em mM) Intracelular Extracelula Potencial de Intracelular Extracelular Potencial de
(mM) r (mM) Nernst (mV) (mM) (mM) Nernst (mV)

+
K 400 20 - 75 155 4 - 98
+
Na 50 440 + 55 12 145 + 67
-
Cl 52 560 - 60 4,2 123 - 90
* **
Ânion não- 385 - - - - -*
difusível
++ -7
Ca 0,4 10 +81 10 M 1,5 + 129

Fontes: Shepherd, 1994; Kandel et al., 1999; Hille, 2001. (*) Não calculável pela equação de Nernst, pois não é difusível;
(**) dado não localizado, mas que pode ser assumido como semelhante ao medido no axônio de lula para os efeitos deste
capítulo. Alguns valores são, na verdade, estimativas baseadas na eletroneutralidade entre cátions e ânions. Fica evidente
também que estas distribuições não asseguram o equilíbrio osmótico entre o interior dessas células e o meio externo.

A MEMBRANA PLASMÁTICA, excedente de cargas negativas internas (as


PALCO CENTRAL DA BIOELETRI- proteínas aniônicas) distribuem-se
CIDADE - A Figura 7b mostra, em maior próximas à membrana em sua face
detalhe, como efetivamente se distribuem citoplasmática, e as cargas positivas que
as cargas dentro e fora da célula não- se difundiram para fora (os íons K+), por
excitável em seu repouso elétrico: o sua vez, distribuem-se próximas à

14
membrana em sua face extracelular. A de um capacitor é a de que ele funciona
negatividade interna exibida pela célula com uma reservatório de cargas elétricas,
(seu potencial de repouso) é causado por prontas para serem disponibilizadas e
este excedente de cargas negativas realizar trabalho: de fato, o gradiente
internas não-difusíveis, que não está assimétrico de cargas elétricas
“neutralizado” uma vez que as cargas estabelecido pode mobilizar outras cargas
positivas que o fariam saíram da célula de diferentes formas. Por exemplo, no
obedecendo à lei de Fick. Os íons caso do potencial de ação (que
potássio, únicos para os quais há canais estudaremos na próxima seção), este
de vazamento na glia, difundiram-se até gradiente impulsionará, em parte, a en-
estabelecer-se um equilíbrio trada brusca e maciça de íons sódio para o
eletroquímico de Gibbs-Donnan, que já interior da célula, despolarizando-a.
explicamos acima. Porém, mesmo saindo A membrana plasmática está,
da célula, as proteínas aniônicas portanto, no centro dos principais eventos
confinadas do lado de dentro da causadores dos potenciais elétricos de
membrana continuam exercendo alguma repouso e de ação. A Figura 7b também
atração eletrostática sobre este excedente sugere outra consequência importante
externo de íons K+, fazendo com que não desta membrana como “palco”: em cada
se afaste muito da membrana. Estes íons, um dos compartimentos a maioria das
então, ficam distribuídos nas proxi- cargas elétricas tem alguma carga oposta
midades dela, como que formando uma em suas vizinhanças, de modo que o
espécie de “névoa” de cargas. grosso do compartimento é eletroneutro.
Olhada em perspectiva (Figura Voltagens como a da glia (-75mV) não
7b), isto confere à membrana plasmática são desprezíveis, mas é notável que
as propriedades de um capacitor elétrico, possam ser geradas através das
que (a) retém cargas opostas frente a membranas celulares mediante a
frente (b) separadas por um material mobilização de tão pequeno excedente de
dielétrico (isolante), porém (c) atraídas cargas26, atestando a grande economia de
mutuamente por seus campos elétricos. recursos deste processo biológico,
Estes campos elétricos, inclusive, são de característica que certamente ajudou a
grande intensidade, pois a membrana, selecioná-la ao longo da evolução da
apesar de isolante, é pouco espessa (cerca vida.
de 20nm), e convém ter sempre isto em
mente quando pensamos no que são
capazes de fazer as moléculas que V – O Potencial de Repouso
integram o mosaico fluido das
biomembranas 25. A principal propriedade das células excitáveis

25
Isso quer dizer que todos os lipídios bem como AS CÉLULAS EXCITÁVEIS SÃO
todas as proteínas intramembrana estão imersas PERMEÁVEIS A MAIS DE UM ÍON
em um forte campo elétrico. Como várias dessas – As células excitáveis (capazes de
moléculas possuem cargas elétricas – as proteínas,
principalmente – é fácil entender que seu realizar potenciais de ação) - como os
comportamento será influenciado por este campo neurônios, as células musculares e as
elétrico. Esta propriedade é decisiva para
compreendermos a dinâmica dos chamados canais
26
com portão dependentes de voltagem, que A rigor, não mais que algumas dezenas de
estudaremos na seção VI – Potencial de Ação. milhares de íons trocam de lado no processo.

15
endócrinas - são caracterizadas Na+ é mais permeável através da
primariamente por serem permeáveis a membrana e (b) como está mais
mais de um íon. Nelas, além do K+, concentrado fora da célula, ele tenderá a
também o Na+ e o Cl- passam pela entrar na célula. Parte das cargas
membrana através de canais seletivos positivas (K+) que saíram deixando de
próprios para cada tipo. O que vai “neutralizar” proteínas aniônicas do
diferenciá-los é apenas a taxa de citoplasma, será “substituída” por cargas
vazamento que cada íon exibirá, ou seja, igualmente positivas 27, os íons Na+, e,
sua permeabilidade, fator que é deste modo, o citoplasma não ficará tão
determinado pelo número de canais negativo... em consequência, mais íons
disponíveis: quanto mais portas de saída, K+ poderão sair. O processo se repetiria
mais “fácil” será para um íon “vazar”. iterativamente, como que “erodindo” os
Nestas células, apesar do cenário mais gradientes iônicos, até que, com o passar
complicado que no caso da glia, o K+ do tempo, as concentrações de K+
ainda é o principal íon difusível, uma vez ficariam iguais dentro e fora, em um
que tem a maior permeabilidade, e, como simulacro de equilíbrio químico
está mais concentrado dentro das células, verdadeiro, situação em que a equação de
tende a sair através de seus canais de Nernst preveria V=0 (ver Figura 5b).
vazamento da mesma forma que faz nas Neste caso, com gradientes nulos, a DDP
células não-excitáveis. A Tabela II, entre os compartimentos também seria
abaixo, mostra o perfil de permabilidades zero, e o potencial de repouso
destes três íons: desapareceria.
Como não vemos este tipo de
“erosão” dos gradientes iônicos
Tabela II ocorrendo nos neurônios, somos
Permeabilidade relativa dos íons: obrigados a reconhecer que algum outro
repouso elétrico dos neurônios processo está atuando no sentido de
manter os gradientes estáveis, constantes.
+ + - Este processo, ao contrário do que
Espécie iônica K Na Cl
observamos nas células não-excitáveis,
não poderá dar-se espontaneamente, pois
Permeabilidade 1 0,04 0,45 deixado fluir livremente, o que acontecerá
(repouso)
é a “erosão” acima descrita. Deverá ser,
portanto, um processo ativo, com gasto de
energia.
O POTENCIAL DE REPOUSO DAS
CÉLULAS EXCITÁVEIS É UMA A BOMBA Na+,K+-ATPase É O
SITUAÇÃO DE NÃO-EQUILÍBRIO CARREADOR ATIVO QUE MAN-
PORQUE HÁ MAIS DE UM ÍON TÉM OS GRADIENTES IÔNICOS
DIFUSÍVEL. O problema é que em NO POTENCIAL DE REPOUSO DOS
sendo permeável também ao sódio, as NEURÔNIOS. Quem faz isso é a
células nervosas jamais alcançarão Bomba Sódio-Potássio ATPase,
qualquer tipo de equilíbrio eletroquímico. 27
Os íons sódio e potássio, apesar do número
Explicamos: o K+ sai da célula e tende ao atômico e da massa atômica diferentes, têm,
já descrito equilíbrio eletroquímico de ambos, a mesmíssima carga elétrica +1, ou seja,
Gibbs-Donnan; porém, (a) como o íon do ponto de vista elétrico são indistingüíveis entre
si.

16
descoberta em 1957 por Jens Skou (que o resultado final é muito parecido com
lhe deu o prêmio Nobel de química de aquele mostrad na Figura 7b e valem as
1997). Esta complexa estrutura proteica mesmas idéias ali mostradas: (a) o
localizada nas membranas de quase todas pequeno excedente de cargas iônicas de
a células vivas é um carreador de cada lado da membrana concentra-se nas
transporte ativo (ver item II, acima). proximidades dela, dentro (PAND) e fora
Recordemo-nos que “ativo”, em (K+), (b) a maior parte do volume de cada
linguagem biológica, significa compartimento é, grosso modo,
envolvendo gasto de ATP 28. Desta forma, eletroneutra, e (c) tudo isto é produzido
este carreador liga-se a 3 íons Na+ na face de forma muito econômica, com a
citoplasmática (além do ATP, é claro), e 2 mobilização de relativamente poucas
íons K+ na face extracelular; quando o cargas.
ATP é hidrolisado em ADP e Pi (fosfato
inorgânico), a energia química é liberada, QUEM É O PRINCIPAL RESPON-
e o carreador sofre uma extensa mudança SÁVEL PELO POTENCIAL DE
conformacional que carreia os íons REPOUSO DOS NEURÔNIOS,
citoplasmáticos para fora, e, AFINAL? Se o potencial de repouso
simultaneamente, os íons extracelulares (PR) emerge da distribuição assimétrica
para dentro da célula (Figura 8). Note-se dos íons dentro e fora da célula, é fácil
que todos os cinco íons foram ver que a própria bomba sódio-potássio
transportados contra seus gradientes contribui para essa DDP já que sua
químicos, isto é, foram levados do estequiometria envolve a retirada de 3
compartimento em que estão menos para cargas positivas e a reposição de apenas
o em que estão mais concentrados, 2; a cada ciclo da bomba, a célula ficará
situação termodinamicamente impossível um pouco mais negativa do lado de
de ocorrer espontaneamente, daí a dentro (função eletrogênica da bomba).
necessidade de ser um processo realizado Significa isto dizer que a bomba é o
ativamente. principal responsável pela manutenção do
A Figura 9 mostra uma visão geral potencial de repouso dos neurônios? Na
de todos os componentes do potencial de verdade, não, pois, como vimos, sua
repouso das células excitáveis, ou seja, causa é muito parecida com a do
(a) os três íons (K+, Na+ e Cl-) com suas potencial de repouso de células não-
diferentes permeabilidades (tabela II), (b) excitáveis, ou seja, o vazamento do K+
as proteínas aniônicas não-difusíveis rumo ao seu equilíbrio de Gibbs-Donnan
junto à face citoplasmática da membrana (com seu consequente potencial V de
(PAND, na figura), e (c) as bombas Nernst); ocorre que como também há
Na+,K+-ATPase, que mantêm os permeabilidade para o Na+, este íon se
gradientes iônicos. Apesar de não ser uma difunde através da membrana no sentido
situação de real equilíbrio eletroquímico, contrário daquele e acaba fazendo as
vezes do K+ no citoplasma (já que do
28
ATP: adenosina 5’-trifosfato, molécula ponto de vista elétrico, são idênticos).
descoberta por Lohman em 1929, armazena e Esta situação de um equilíbrio “frustrado”
transporta energia química livre em duas ligações é, na verdade, um não-equilíbrio, que,
fosfato de alta energia, recuperável mediante sua como vimos, se não contraposto
hidrólise. O mecanismo de síntese do ATP foi ativamente (pelas bombas), desorganizará
decifrado por Paul Boyer e John Walker, que
dividiram o prêmio Nobel de química com J. Skou completamente os gradientes iônicos.
em 1997. Ainda assim, é o K+ principal agente

17
causador deste potencial fora-de- do cloreto os índices e e i aparecem
equilíbrio dos neurônios, uma vez que trocados, o que dá conta da carga
ainda é o íon mais permeável (como (negativa) deste íon.
mostra a tabela II, o K+ chega a ser 25
vezes mais permeável que o Na+ no NAS CÉLULAS EXCITÁVEIS SÃO
repouso elétrico destas células): quem é OS ÍONS CLORETO QUE SE
mais permeável, comanda o processo. DISTRIBUEM PASSIVAMENTE –
Dissemos que os íons Cl- eram também
A EQUAÇÃO GHK CALCULA O permeáveis através da membrana
POTENCIAL ELETROQUÍMICO utilizando canais específicos (com cargas
GERADO POR TRÊS TIPOS DE intracanal positivas) e que sua
ÍONS DIFUSÍVEIS ASSIMETRICA- contribuição precisa ser leva em conta no
MENTE DISTRIBUÍDOS – Então cálculo do PR mediante a equação GHK,
podemos calcular o valor do potencial de mas o que fazem este íons, afinal? Estes
repouso com a equação de Nernst? Na íons tendem a entrar passivamente por
verdade, não, porque muito embora o K+ seus canais de vazamento seguindo seu
domine ao ser o mais permeável, ele não gradiente químico, mas, como o interior
é o único íon a passar pela membrana e da célula é negativo, eles sofrerão
isto deve ser levado em consideração no repulsão eletrostática. A rigor, as
cálculo do PR. A equação de Goldman- concentrações de Cl- dentro e fora da
Hodgkin-Katz 29 (2) é mais completa pois célula serão determinadas por um
contempla os três íons e suas diferentes equilíbrio eletroquímico de Gibbs-
permeabilidades: Donnan que é `simplesmente uma versão
às avessas do mesmo equilíbrio exibido
+ + -
RT PK[K ]e + PNa[Na ]e + PCl[Cl ]i pelo potássio nas células gliais: este íon,
VGHK = ---- .ln (----------------------------------------) portanto, distribui-se passivamente em
+ + -
F PK[K ]i + PNa[Na ]i + PCl[Cl ]e função do perfil elétrico definido, em
última instância, pelos outros dois íons
(2) permeáveis. Como está em equilíbrio,
sempre que suas concentração variar,
onde os termos têm o mesmo significado voltará rápida e espontaneamente aos
que na equação (1): R é a constante valores mostradas na tabela I. Teria no
universal dos gases ideais (8,314570 J K-1 máximo um papel coadjuvante
mol-1), T a temperatura em graus Kelvin, “tamponando” rapidamente flutuações
e F a constante de Faraday (96,485 C que ocorressem no PR destas células.
mol-1). Dentro do logaritmo natural Apesar de serem os íons
aparecem as concentrações extra (e) e diferencialmente permeáveis os principais
intracelular (i) de cada íon, cada qual causadores do PR das células excitáveis
ponderada (multiplicada) por sua (como prova a equação GHK), não está
permeabilidade relativa P (ver Tabela II). errado dizer que este papel é feito
Notem que onde aparece a concentração predominantemente pelos íons sobre os
quais a bomba ATPase atua ativamente
29
E equação GHK foi derivada a partir dos (i.e., o K+ e o Na+). Em células que
estudos em torno da “teoria do campo constante” possuem transporte ativo de cloreto30, por
realizados por Goldman (1943) e Hodgkin e Katz
(1949), sendo, na verdade, uma generalização da
30
equação de Nernst, o que pode ser comprovado Para o cloreto, existem diversos tipos de
simplesmente fazendo-se PNa=PK=0. transporte ativo “secundário” (aqueles em que o

18
exemplo, uma vez que este íon estaria que pelos canais de vazamento para o
sendo ativamente bombeado, ele também sódio, o potássio, se passar, terá de fazê-
poderia ser considerado causa do PR ali lo fluindo na direção oposta à do fluxo do
registrado. sódio – em “contrafluxo”, que entra na
célula seguindo seu gradiente químico, o
PERMEABILIDADE DIFERENCIAL: que não garante grande permeabilidade a
QUAL O TAMANHO DOS ÍONS ele por esta via alternativa 33.
HIDRATADOS DE K+ E DE Na+ ?
Não esqueçamos que os íons que se
difundem no meio aquoso estão, em
VI – Potenciais de Ação: a
função da solvatação que os suspende em sinalização propagada nos
solução, envolvidos por algumas camadas neurônios
de moléculas de água 31. Isso implica que
seu tamanho real em solução é sempre A pergunta natural que se segue é:
maior que o do simples átomo ionizado por que um sistema tão complexo de
“nú”, e o tamanho da luz do canal deve causação do PR nas células excitáveis? Se
adequar-se a isto. Deste modo, os canais o objetivo é apenas “possuir um PR”,
de vazamento do K+ são permeáveis bem, a multidão de células não-excitáveis
apenas a este íon. O íon Cl-, apesar de ter também os têm, mas de forma muito mais
o mesmo tamanho que o K+ quando simples e econômica, mediante um
hidratado, não passa por este canal porque equilíbrio eletroquímico e sem qualquer
as cargas “seletoras” intracanal custo energético (ATP) para a célula. A
(negativas, no caso) oferecem resistência opção por um sistema mais complexo e
por repulsão eletrostática. custoso deve ter algo a ver com o fato de
Já os canais de vazamento do Na+ apenas estas células conseguirem fazer
(que também têm cargas “seletoras” potenciais de ação.
intracanal negativas) geralmente são
também permeáveis ao K+, o que se deve DEFININDO ALGUNS TERMOS -
ao fato de o íon hidratado de Na+ ser Sempre que uma célula sai da voltagem
maior que o do K+ também hidratado, e (negativa) de repouso elétrico passando a
onde passa um, passa o outro 32. É claro valores menos negativos (inclusive
rumando a valores positivos), dizemos
ATP não é processado diretamente na própria que a célula está sendo despolarizada;
molécula carreadora), mas a comprovação de uma quando, pelo contrário, a célula fica mais
verdadeira bomba Cl--ATPase ainda é controversa negativa que no repouso, dizemos que
(Gerencser & Zhang, 2003).
31
Cada íon possui uma carga elétrica inteira (de
1,6.10-19 C). Esta carga, positiva no caso do têm a mesmíssima carga elétrica +1, o que vai
potássio e sódio, atrai eletrostaticamente a porção determinar quantas moléculas de água serão
negativa das moléculas de água, que, como vimos, “atraídas” para envolver o íon em solução será o
são polares (logo, formam dipolos elétricos). raio do átomo em questão, pois a força elétrica,
Como a carga elétrica de cada pólo da molécula como bem sabemos, é inversamente proporcional
de água é muito pequena (não é uma carga inteira) ao quadrado da distância (Fe ~ q1.q2/r2): assim, o
cada íon consegue atrair muitas moléculas de água átomo pequeno terá a maior esfera de hidratação,
simultaneamente, criando, assim, uma verdadeira e o grande, a menor.
33
esfera de hidratação ao seu redor. Este movimento em “contrafluxo” também
32
Este fato é surpreendente se considerarmos que contribui para a seletividade do canal ao íon Na+,
o átomo do sódio (Z=11, A=23) é, isoladamente, pois como são maiores (hidratados) não dão muita
menor que o do potássio (Z=19, A=39); mas se chance aos menores, como o K+, que acabam
lembrarmos que, apesar dessa diferença, ambos literalmente “atropelados”.

19
está hiperpolarizada34. A despolarização e de maior amplitude, como o mostrado
é, de fato, a redução progressiva da na Figura 1037.
separação de cargas que era mantida no Como axônios são pequenos e
repouso elétrico do neurônio; já a delicados (e os V medidos, de valor
hiperpolarização corresponde a um reduzido), não é difícil entender porque
aumento na separação de cargas 35. os primeiros estudos, entre os anos de
Podemos promover artificialmente a 1930-1950, foram todos realizados em
variação da voltagem de uma célula axônios de neurônios de lula gigante (ver
estimulando-a eletricamente (o que a Figura 12), invertebrado marinho que
despolariza) ou, se quisermos ter um possui um dos maiores neurônios
controle mais preciso da resposta conhecidos no reino animal (daí não ser
neuronal, injetando cargas elétricas em exagero chamá-los de “gigantes”). Alguns
seu citoplasma mediante desses axônios gigantes são
36
microiontoforese . macroscópicos, chegando a medir quase
Para registrarmos potenciais de um milímetro de diâmetro, dimensões que
ação (PA), temos de colocar eletrodos contornam quaisquer dificuldades
junto ao (externo) ou dentro do (interno) técnicas advindas do tamanho e da
axônio do neurônio desejado, pois é nesta amplificação eletrônica do sinal (ver
porção da célula que os PA se propagam, detalhe na Figura 12).
geralmente indo do soma às regiões
telodêndricas, isto é, aos terminais, que SE DESPOLARIZARMOS UM NEU-
podem ser sinápticos (sobre outras RÔNIO, PODEREMOS OU NÃO TER
células) ou livres. Os eletrodos UM POTENCIAL DE AÇÃO - Se
intracelulares farão registros mais claros promovermos a despolarização de um
neurônio por uma das técnicas acima
mencionadas, observaremos que a V - que
parte de valores típicos do repouso
elétrico (no exemplo da figura, -70mV) –
34
A célula que está exatamente no potencial de muda para valores menos negativos. Se as
repouso poderia ser denominada “polarizada”, despolarizações forem de pouca monta, a
mas essa terminologia nunca é, na realidade, ascenção da curva se dará até um certo
empregada.
35
Enquanto despolarizações são capazes de ponto, e a V logo retornará aos valores do
promover PA no neurônio, hiperpolarizações repouso (repolarização). A Figura 10
somente produzem PEs, que são respostas mostra dois desses pequenos picos de
passivas que, como dissemos, afastam a célula do despolarização (“disparos frustrados”).
seu limiar de disparo, ou seja, hiperpolarizações Note-se que, neles, a ascenção
não produzem respostras celulares ativas.
36
Técnica em que injeção de cargas é feita por (despolarização) se dá mais ou menos no
um microeletrodo de vidro muito parecido ao mesmo tempo que a descida
descrito na III1, onde o fio metálico é usado não (repolarização), dando a estas curvas um
para registrar, mas para aplicar uma DDP que o
deixa com uma carga positiva ou negativa; deste
37
modo, o microeletrodo “expulsa” pela sua As curvas de registro de PA serão diferentes
extremidade aberta (ver figura 4b) – por repulsão conforme o eletrodo seja intra ou extracelular,
eletrostática – os íons de mesma carga, injetando- pela simples razão de que cada um parte de uma
os no citoplasma. Se o eletrodo ficar positivo, voltagem diferente (e de sinal oposto) e muda para
injetará cargas positivas (K+, por exemplo), que a outra, retornando a seguir, para os valores de
farão a célula despolarizar; se ficar negativo, repouso. Uma medição extracelular do PA
injetará cargas negativas (como o Cl-), que mostrado na figura 10 seria como uma imagem
hiperpolarizarão a célula. invertida do mesmo, com amplitude menor.

20
aspecto simétrico. Estes picos são, surge, tem sempre a mesma amplitude
inclusive, relativamente lentos, e são, na (para uma mesma célula) e exibe suas
verdade, respostas passivas da membrana diferentes fases (ver diagrama abaixo)
chamadas de potenciais eletrotônicos (por sempre com a mesma duração. O pico de
vezes denominados potenciais ultrapassagem é o momento (breve) em
sinápticos). A intensidade (amplitude) que o potencial da membrana “ultrapassa”
destes PE é proporcional à intensidade o limite da V=0 e fica momentaneamente
dos pulsos de corrente que os criaram, positivo. A curva é evidentemente
isto é, eles nem sempre são idênticos assimétrica, com uma ascenção
entre si numa mesma célula. (despolarização) rápida e uma descida
Quando, porém, a despolarização (repolarização) mais lenta e com certas
produzida for elevada o suficiente a ponto peculiaridades, como o fato de que, antes
de ultrapassar um certo valor (específico de atingir o repouso, ficar hiperpolarizado
de cada célula) denominado limiar (ver por algum tempo.
seção VI), o eletrodo intracelular As fases do PA (com suas
registrará um verdadeiro PA, semelhante subfases) mostradas na figura, são, então,
ao mostrado na Figura 10. O PA, quando as seguintes:

! V < limiar ! Despolarização parcial: Potencial Eletrotônico (Sináptico)


Despolarização
! V > limiar ! Despolarização completa: Potencial de Ação

pico de ultrapassagem (V>0)

! Potencial Pós-Despolarização
Repolarização
! Potencial Pós-Hiperpolarização

A fase de repolarização do PA é
mais complexa e demorada que a de NO PERÍODO REFRATÁRIO UM
despolarização (daí a assimetria) e inclui SEGUNDO PA NÃO PODE SER
(a) uma demora em retornar ao valor do DISPARADO DURANTE O PRIMEI-
repouso – o chamado potencial pós- RO - Paralelamente ao registro do PA,
despolarização38, e (b) uma fase em que observamos o que chamamos de Período
fica temporariamente mais negativa que o Refratário, uma fase em que a célula
repouso – o potencial pós- exibe menor excitabilidade: se tentarmos
hiperpolarização39. forçar um segundo PA enquanto o
primeiro ainda estiver em andamento,
38
Que antigamente se chamada de “pós-potencial nada acontecerá. O período refratário
negativo”, nomenclatura hoje em desuso. inicia-se logo após o estímulo que
39
Este, por sua vez, denominava-se antigamente provoca a despolarização que leva ao PA,
“pós-potencial positivo”, nomenclatura não mais
usada. “Positivo” referia-se a particularidades da e encerra-se no meio do potencial pós-
montagem experimental que fazia com que estes hiperpolarização. Não se trata, porém, de
valores aparecessem (arbitrariamente) acima de um limitante muito rigoroso, pois ele
zero.

21
também se divide em duas subfases: o fisiológica do PA passava por fluxos
período refratário absoluto, durante o iônicos cambiantes.
qual nenhum tipo de estímulo consegue No repouso elétrico, em particular
produzir um segundo evento de PA; a no caso das células excitáveis (que são
seguir, vem o período refratário relativo, mantidas assim com gasto de ATP), os
etapa em que um novo PA pode ser três íons podem atravessar a membrana
provocado se a intensidade do estímulo através de seus canais de vazamento, mas
despolarizante for mais alta que a suas permeabilidades estão ajustadas para
normalmente usada para causar um PA, e que o K+ ainda seja o íon dominante,
este segundo evento se “acumula” sobre o saindo da célula; o Na+, que entra na
anterior. célula, o faz em muito menor taxa que o
K sai (ver tabela II), e o resultado disso é
O POTENCIAL DE AÇÃO É UM que as células excitáveis nunca atingem
FENÔMENO TUDO-OU-NADA – Pelo um equilíbrio eletroquímico de Gibbs-
menos dois motivos podem ser elencados Donnan. Pelo contrário, ficam “fora do
até aqui para justificar a caracterização do equilíbrio”, mantidas ativamente em um
PA como fenômeno “tudo-ou-nada”. O estado que se denomina estado
primeiro é o fato de ele só se dar quando estacionário, que pode parecer-se a um
a despolarização ultrapassa o valor do equilíbrio termodinâmico, mas não é. O
limiar, caso contrário, não acontece (“é terceiro íon, o Cl-, que não é transportado
tudo, ou nada”). O segundo motivo é ativamente contra seu gradiente químico,
sugerido pelo período refratário, a distribui-se passivamente.
resistência do neurônio em iniciar um Neste cenário, o Na+ “represado”
segundo evento após iniciado o primeiro, fora da célula tem não um, mas dois bons
sugere que cada PA, de alguma forma, motivos para entrar na célula se puder
consome todos os recursos disponíveis na fazê-lo: entraria (a) seguindo seu
célula, não podendo ser estimulado gradiente químico, pois está menos
novamente enquanto o primeiro evento concentrado no citoplasma, e, como se
não se concluir. não bastasse, entraria (b) seguindo seu
gradiente elétrico, pois o interior da célula
O QUE CAUSA O PA? Como dissemos é, no repouso, negativo do lado de dentro.
acima, as células excitáveis utilizam um Ou seja, o Na+ tem uma grande “avidez”
sistema mais complexo e custoso para por entrar na célula, e, se puder fazê-lo,
estabelecer seu PR, e a razão disso é que, entrará causando uma extensa
assim fazendo-o, estas células estão em despolarização, que pode ou não
total prontidão para mudar seu potencial. promover um PA dependendo do limiar
No final da seção IV discutimos a da célula. Resta saber como um íon 25
membrana “polarizada” como um vezes menos permeável que o K+ no PR
capacitor pronto para fornecer energia pode passar, subitamente, a ser muito
para deslocar cargas de lado a lado. Em mais permeável (Tabela III, a seguir).
1938, K. S. Cole e H. J. Curtis
registraram, em um osciloscópio, um OS CANAIS COM PORTÃO PODEM
potencial de ação sobreposto a um SER ATIVADOS E CAUSAR A
registro (simultâneo) de condutância VARIAÇÃO DO POTENCIAL
elétrica através da membrana, mostrando ELÉTRICO DAS CÉLULAS – Se um
pela primeira vez que a explicação grande número de canais adicionais for
disponibilizado, por exemplo, ao íon Na+,

22
ele poderá entrar e fará exatamente o que quantidade de CCPs seletivos para o K+,
mostra a Figura 10 na fase de ambos aguardando em “prontidão” para
despolarização do potencail de ação. Isto serem recrutados coletivamente e
é exatamente o que fazem os chamados produzir o PA. A Figura 11a mostra
canais com portão (gated channels), ou esquematicamente algumas diferenças
CCPs. Os CCPs envolvidos no PA podem entre estes dois CCPs, com destaque para
ser abertos por dois tipos básicos de o fato de que o CCP do Na+ tem dois
estímulo, (a) a variação da voltagem portões (o 1o chamado de portão de
transmembrana, ou (b) a ligação de uma ativação, e o 2o, de inativação), enquanto
molécula transmissora, respectivamente que o do K+ só tem um 41.
denominados, canais com portão
dependentes de voltagem e canais com A CURVA DO POTENCIAL DE
portão ativados por ligante 40. AÇÃO É DETERMINADA PELA
Geralmente esse último tipo de CCP é o CINÉTICA INDIVIDUAL DE CADA
responsável pelos potenciais sinápticos TIPO DE CCP – Outra diferença
gerados na árvore dendrítica do neurônio, importante entre estes dois CCPs é que o
enquanto que o primeiro tipo de CCP CCP do Na+ é rápido para abrir (logo,
ajudará a propagar o potencial de ação ao abre primeiro), enquanto que o CCP do
longo da membrana axonal. K+ é lento. A ativação destes dois tipos de
CCPs em momentos subsequentes,
Tabela III portanto, cria uma verdadeira coreografia
Variação da permeabilidade dos íons temporal que é ilustrada pela curva da
no potencial de ação dos neurônios Figura 10 (mais dados da Tabela IV, a
seguir).
+ + -
O CCP do Na+ também se inativa
Espécie iônica K Na Cl
rapidamente fechando seu portão de
inativação logo após ter aberto o de
Pot. Repouso 1 0,04 0,45 ativação; isso garante que não fique
aberto muito tempo, pois já vimos quão
“ávido” para entrar na célula é o íon Na+.
Despolarização 1 20 0,45 O preço desta rapidez é que ficará inativo
por um certo tempo, geralmente bem
Repolarização 100? 0,04 0,45 maior que o tempo que ficou aberto, até
ser reengatilhado (o que só pode ser feito
movendo-se os dois portões na ordem
Volta ao repouso 1 0,04 0,45 inversa).
Assim, no início do PA, a
permeabilidade do Na+ aumenta cerca de
500 vezes de forma súbita, para então
Nas membranas das células
excitáveis há um grande número de CCPs
seletivos para o Na+, e também boa
41
Foge ao escopo deste capítulo detalhar qual a
real natureza destes “portões”. As evidências
sugerem canais bastante parecidos com os de
40
Estes são os dois tipos mais importantes para vazamento, mas dotados de certos estados
compreender o PA, mas não são os únicos que conformacionais “fechados” intreconversíveis que
existem. Por exemplo, nas células sensoriais respondem aos estímulos de abertura. A
existem canais com portão ativáveis por outros representação da figura 11a é, de fato, altamente
estímulos, por exemplo, estímulo mecânico. esquemática.

23
rapidamente voltar ao valor de repouso referido, adentraram o citoplasma. A
(pela inativação dos CCPs). A repolarização, por sua vez, tem duas
+
permeabilidade do K leva mais tempo etapas: a primeira é rápida, com a V
para aumentar, e só está plenamente retornando rapidamente do pico de
disponível quando a do Na+ já voltou ao ultrapassagem para valores negativos, o
“normal”. Os valores estimados das que se explica pelo término da abertura
permeabilidades relativas estão mostrados dos CCPs de K+, que, saindo, ajudam a
na Tabela III, acima. E os valores de repolarizar rapidamente a membrana; a
“volta ao repouso” só são alcançados segunda é bem mais lenta, e se subdivide
quando findo o potencial pós- nos já mencionados potenciais pós-
hiperpolarização. despolarização (a demora em chegar à V
do repouso) e pós-hiperpolarização (o
Tabela IV período em que a V fica hiperpolarizada.
+
Diferenças entre os CCPs de Na e de K
+ Ambas subfases caracterizam-se pela
demora em retornar ao PR, e podem ser
CCP do Na+ CCP do K+ explicadas pela mesma lentidão intrínseca
ao CCP de K+ (ver Tabela IV, acima). É
2 portões 1 portão importante recordar mais uma coisa: após
a abertura dos dois tipos de CCP, os
gradientes iônicos estarão completamente
Rápido para Lento para abrir-se / desorganizados, o que exigirá o
abrir-se mais lento p/fechar-se bombeamento ativo de ambos, o que
implica em um aumento da demanda
Inativa-se Não se inativa sobre as bombas Na+,K+-ATPase pré-
existentes 42. A “demora”, conhecida
como potencial pós-despolarização,
Precisa Apenas fecha-se portanto, explica-se pelo fato de os CCP
reengatilhar-se ( mais lento )
( processo lento ) de K+ estarem abertos e serem bastante
lentos para se fechar (mais que para
abrir), de modo que o excesso de íons K+
que pode escapar conflita com o esforço
Conhecendo-se estes canais feito pelas bombas Na+,K+-ATPases, ou
dinâmicos, podemos construir a seja, enquanto não estiverem totalmente
explicação das fases do PA em função de fechados, estes CCPs atuarão
suas características: A Figura 11b mostra “desfazendo” parte da reconstrução dos
a cinética diferenciada de cada um destes gradientes iônicos pelas bombas. A
CCPs, deixando claro que a fase de lentidão em fechar-se é tal que, inclusive,
despolarização é causada basicamente mesmo após as bombas terem conseguido
pelo fluxo entrante de Na+, enquanto que
a repolarização deve-se ao fluxo 42
Ao contrário de que muitos pensam, as bombas
(adicional) de saída de K+. Como eles se não passam a “trabalhar mais” em função da
abrem em tempos diferentes, isso explica necessidade, sendo apenas recrutadas, pelos
cada etapa do PA. A ascenção próprios gradientes desorganizados, dentro de
(despolarização) é rápida e dura enquanto uma população pré-existente de bombas que
estiverem abertos os CCPs de Na+. O pico estava em prontidão mas inoperante, em uma
versão da lei de ação de massas que governa o
de ultrapassagem se deve a um “excesso” recrutamento estequiométrico de enzimas
de íons Na+ que, no “entusiasmo” citoplasmáticas nas vias metabólicas.

24
trazer a membrana a um potencial igual sabemos sobre o funcionamento dos
ao do repouso original, ainda restam CCPs dependentes de voltagem.
muitos CCPs de K+ abertos, o que explica A compreensão mais detalhada
a hiperpolarização da última subfase da destes e outros CCPs dependentes de
repolarização (potencial pós- voltagem (como os diversos tipos
hiperpolarização). existentes de canais para Cálcio, por
exemplo) precisou aguardar outro avanço
A COMPREENSÃO DOS CANAIS técnico, proposto por E. Neher e B.
IÔNICOS DEVE-SE AO ESFORÇO Sakmann em 1976 (Nobéis de Fisiologia
DE GRANDES CIENTISTAS - As de 1991): a técnica da fixação de
Figuras 12 e 13 ilustram um pouco da membrana, onde uma micropipeta
história da descoberta e compreensão do consegue (literalmente) “sugar” uma
papel destes canais com portão. O passo- pequena extensão da membrana
chave foi a invenção do método de plasmática que contém uns poucos CCPs
fixação de voltagem por Kenneth Cole e, ali, controlá-la de forma semelhante ao
(Figura 12) em 1946 (o mesmo que em que se faz na fixação de voltagem (ou de
1938 medira o potencial de ação corrente), só que em muito menor escala.
juntamente com uma variação Com alguma sorte, consegue-se isolar
concomitante da condutância iônica, canais únicos e estudar seu
abrindo caminho para as descobertas comportamento individual (ver Figura
posteriores). Com isso estava driblada a 13), evidenciando sua natureza
dificuldade técnica de estudar os CCPs estocástica.
dependentes de voltagem, pois o sistema,
com dois eletrodos, um dentro e outro DENDRITOS, ESPINHOS E
fora do axônio (da lula gigante, é claro), SINALIZAÇÃO LOCAL - Nas células
permitia contrabalançar qualquer resposta neurais reais, geralmente o potencial de
autoestimulada da membrana mantendo ação é iniciado no cone de implantação
os potenciais “fixados” em qualquer valor do axônio, em uma região conhecida
desejado. Esta técnica está na raiz dos como zona de gatilho, onde abundam os
trabalhos de Hodgkin e Huxley (Figura CCPs de Na+ prontos para disparar (ver
12), que elaboraram um modelo teórico Figura 16). É nesta região que o limiar é
para explicar o PA - o chamado modelo atingido, e a decisão, tomada. Tal
HH – que propunha canais iônicos com computação analógica é feita mediante o
cinéticas diferentes e previa a forma exata somatório de diversos pequenos
e a velocidade de propagação medidos do potenciais sinápticos oriundos de
PA; posteriormente, os dois, juntamente diferentes pontos da árvore dendrítica do
com Bernard Katz (Figura 12), realizaram neurônio, que é onde são “coletadas” as
uma série de experimentos decisivos que sinapses que vêm de milhares de outros
comprovaram o completo acerto da neurônios. A Figura 14 evidencia esta
teoria, num dos grandes feitos da história organização polarizada (agora no sentido
da ciência no século XX. Katz seguiria funcional, não apenas elétrico) em que a
seu caminho estudando as bases da extremidade do soma / dendritos recebe
neurotransmissão química que ocorre na as “entradas”, computando seu somatório,
extremidade do axônio percorrido com e a outra, do axônio / terminações, envia a
um PA. O modelo de Hodgkin-Huxley é, “saída”; as entradas são potenciais
ainda hoje, a base de muito do que sinápticos (eletrotônicos), de natureza

25
passiva, e a saída, potenciais de ação, (digamos, o glutamato) são receptores
ativos. ionotrópicos excitatórios, pois
Em cada sinapse 43 sobre a árvore despolarizam a região pós-sináptica (o
dendrítica, a porção pós-sináptica, mesmo acontece com CCPs de Ca++
posicionada sobre uma estrutura ativados por ligante); por outro lado,
subcelular especializada chamada de canais com portão para o Cl- ativados por
espinho dendrítico (Figura 15), o ligante (por exemplo, o GABA) são
potencial de ação chega e desencadeia receptores ionotrópicos inibitórios, pois
uma série de eventos neuroquímicos que hiperpolarizam a região pós-sináptica
resultarão em sua excitação (aqui também ocorreria o mesmo se
(despolarização) ou inibição fossem CCPs de K+ ativados por ligante)
44
(hiperpolarização). Em suma, a chegada .
do PA abre canais de cálcio dependentes
de voltagem na terminação (telodendro) INTEGRAÇÃO NEURAL PELA
ou porção pré-sináptica. A entrada destes PARTICIPAÇÃO COMPLEMENTAR
cátions divalentes aciona diversas DE DOIS TIPOS DE POTENCIAIS,
respostas, entre elas, a mobilização e OS PE E OS PA - Cada um destes
exocitose de vesículas contendo os efeitos – despolarização ou
quanta de neurotransmissores químicos hiperpolarização - se traduz em um
característicos daquele neurônio. Os pequeno potencial passivo (eletrotônico)
neurotransmisores, por sua vez, invadem que se propaga de forma decremental ao
a fenda sináptica e atingem certos alvos longo da árvore dendrítica e do soma
moleculares (pelos quais têm alta neuronal até encontrar outro(s) e, com
afinidade) na porção pós-sináptica, os ele(s), somar-se. Estes potenciais, como
chamados receptores. Os receptores já dissemos, também são chamados de
podem ser, ou canais iônicos sinápticos e são um exemplo de
propriamente ditos (receptores sinalização local, em contraposição à
ionotrópicos), ou mediadores de sinalização propagada representada pelos
transdução transmembrana sem nenhum PA. Os PE, quanto mais longe tiverem de
tipo de transporte em particular deslocar-se, mais amplitude perderão pelo
(receptores metabotrópicos); ambos tipos, caminho e menos chance terão de
porém, acabam por produzir – direta ou contribuir à “somação” neural. A tabela
indiretamente – uma variação no V, abaixo, resume estas várias
potencial elétrico local nas proximidades propriedades dos PE em contraposição às
daquela sinapse. Se os receptores levarem dos PA. Não se trata de que um deles seja
à despolarização local, são ditos a resposta “certa” (o PA), e a outra, sua
excitatórios; caso contrário, se a “mera ausência” (o PE), como alguns
hiperpolarizarem, são ditos inibitórios. livros-texto parecem sugerir quando
Por exemplo, canais com portão para o omitem a descrição dos PE: ambos os
Na+ ativados por neurotransmissor tipos de potencial têm propriedades
importantíssimas que permitem exercer
43
As sinapses aqui descritas são todas sinapses
44
químicas. Não tratamos das chamadas sinapses Os receptores metabotrópicos apenas disparam
elétricas (junções comunicantes) que, a rigor, cascatas de sinalização intracelulares (com seus
fazem com que duas células adjascentes sejam 2os e 3os mensageiros) que indiretamente modulam
uma só do ponto de vista elétrico (compartilhando e favorecem (ou não) a abertura de determinados
100% dos seus fluxos iônicos) – o sincício, ainda CCP, ativados por ligante ou dependente de
que sejam metabolicament independentes. voltagem.

26
funções altamente especializadas na grande porte, é necessário que exista um
porção neuronal onde surgem, funções fenômeno ultra-estável como este para
que inclusive se complementam. levar a informação de forma confiável de
Assim, os PE (ou potenciais uma extremidade a outra.
sinápticos), que se propagam
passivamente na membrana, apesar da A PROPAGAÇÃO DO PA NO
desvantagem de serem decrementais, são AXÔNIO É UM FENÔMENO
os únicos potenciais que podem (a) COLETIVO DOS CCPs – A Figura 16
codificar fidedignamente um sinal com mostra como se propaga um PA ao longo
amplitude proporcional à intensidade do de um axônio. Neste caso, o exemplo
mesmo, e (b) adicionar-se efetivamente a mais simples de um axônio não-
outros potenciais semelhantes, e, desta mielinizado, onde o PA tem de se
forma, tentar atingir o limiar de disparo propagar ponto a ponto ao longo de toda a
do neurônio, emprestando todo um superfície. Quando a zona de gatilho
significado funcional a sua pequena integra o somatório de potenciais
contribuição. Tudo isto é feito na porção sinápticos que ali chegaram e detecta que
dendrítica/somática do neurônio (Figura ultrapassou-se o limiar de disparo da
14), em particular nesta verdadeira célula, uma grande quantidade de CCPs
“floresta de antenas” que são os espinhos de Na+ abre-se iniciando uma verdadeira
dendríticos (Figura 15), ancoradores das cascata de auto-ativação ao longo do
sinapses e sede dos principais eventos axônio: a rigor, a abertura dos primeiros
plásticos relacionados com funções tão CCPs deixa entrar localmente grande
nobres como aprendizado e memória 45. quantidade de íons Na+, invertendo o
Já os PA, a sinalização propagada, potencial da membrana naquela região;
ativa, não permitem aditividade, uma vez em consequência, as linhas de indução do
que são “tudo-ou-nada”, nem servem para campo elétrico existente entre as cargas
codificar informação sensorial, pois a elétricas opostas internas e externas
amplitude do sinal é sempre a mesma mudam de sentido, e, como falamos no
para um neurônio, independe da final da seção IV, é inevitável que
intensidade do estímulo 46; esta quaisquer moléculas carregadas dentro da
“desvantagem”, contudo, é seu trunfo, membrana (como proteínas constituintes
pois, por suas propriedades, os PA são o de canais, por exemplo) e nas
melhor tipo de sinal para viajar longas proximidades dessa inversão do potencial
distâncias sem perdas decrementais de elétrico sejam influenciadas. Na verdade,
amplitude, o que comprometeria a esse campo elétrico faz com que se abram
comunicação ao longo da célula. Como CCPs dependentes de voltagem nas
axônios longos são uma constante para adjascências da membrana, promovendo a
integrar respostas sensoriais e despolarização nestas vizinhanças. O
comportamentos em animais de médio e processo se repete iterativamente,
sucessivamente, até que toda a superfície
45
Uma excelente revisão deste tema encontra-se crivada de CCPs dependentes de
em Lamprecht e LeDoux, 2004 (Nature Reviews voltagem disponíveis tenha sido
in Neuroscience, 5: 45-54). percorrida. O sentido do PA será do soma
46
Isto não quer dizer que não se possa codificar ao telodendro, pois inicia-se na zona
informação utilizando-se PA: apenas terão de ser
códigos diferentes. Por exemplo, padrões
temporais de disparo, ou padrões espaciais, ou
combinações destes.

27
gatilho e normalmente prossegue rumo combinam: como a despolarização é
aos terminais 47 (ver Figura 14). rápida, várias despolarizações só poderão
O PA propaga-se ao longo do se “somar” se acontecerem dentro de uma
axônio em um sentido apenas (dito janela temporal restrita 49.
anterógrado), portanto. A razão pela qual
normalmente o PA não “anda para trás” ANALOGIA DO PA COM O
(nem retornando ao soma, nem “EFEITO DOMINÓ” - Mas o que se
naturalmente “voltando” pelo axônio propaga ao longo do axônio, afinal?
rumo ao soma 48) é o próprio período Correntes iônicas? Somos tentados a fazer
refratário de que falamos (Figura 16): os uma analogia com a condução de elétrons
CCPs de Na+ necessários à ao longo de um condutor metálico. Nada
despolarização naquela direção estão mais equivocado. Se lembrarmos que as
temporariamente indisponíveis para se correntes iônicas se dão sempre através
abrir novamente. Isto inclui tanto aqueles da membrana, pelos CCP, o que está de
canais que foram ativados pela passagem fato se propagando é uma perturbação em
de PEs decrementais, quanto os que cadeia, de caráter auto-sustentado, e não
foram ativados pela passagem de um uma corrente iônica “longitudinal”. A
verdadeiro PA não-decremental. abertura em sequência de novos canais
Fica claro que um único CCP não adjascentes leva o PA adiante
pode explicar toda a dinâmica da cascata despolarizando seus arredores, o que abre
de ativação auto-sustentada de uma célula novos canais, o que despolariza a região
inteira: trata-se, na verdade, de um adjascente, o que por sua vez abre novos
fenômeno coletivo com CCPs. Além do canais mais adiante, e assim até percorrer
PA, outros fenômenos que só se pode toda a superfície. O fenômeno propagante
compreender considerando-se muitos lembra o efeito dominó, em que cada peça
CCPs sendo recrutados em sequência, só precisa ter energia para derrubar a peça
incluem (a) o limiar de disparo do vizinha, e esta se encarregará da seguinte,
neurônio, (b) o período refratário, (c) o e assim por diante. Nenhuma peça precisa
PA em platô (por exemplo, do músculo ter “força” para derrubar todas as demais,
cardíaco), a (d) acomodação de mas, mesmo assim, todas acabarão sendo
membrana (somação temporal) e a (e) derrubadas, basta dar tempo ao tempo. Ou
somação espacial. Estes dois últimos, são seja, este fenômeno não pode ser
exemplos típicos de computações feitas instantâneo, sempre levará algum tempo
entre diferentes potenciais sinápticos em para transcorrer, logo, terá uma certa
tempos e/ou sobre distâncias diferentes, e velocidade de condução 50 (ou de
explicam muito do que fazem os propagação).
potenciais sinápticos quando se
47
Algumas vezes, porém, detectam-se PAs que
“retornam” ao soma e ascendem pela árvore
49
dendrítica, modulando os diferentes CCPs Quando isto não acontece, temos o fenômeno
dependentes de voltagem ali presentes da acomodação de membrana mesmo que o
(especialmente os diversos tipos de CCDVs - sistema registre uma soma de potenciais capaz de
canais de cálcio dependentes de voltagem) o que superar o limiar
50
interfere com a computação que ali será A terminologia é importante: PAs são
executada. “conduzidos” (ou “propagam-se”) ao longo dos
48
Situação que, porém pode ser produzida axônios, e não “transmitidos”. Transmissão é o
artificialmente, gerando os chamados PAs que fazem os neurotransmissores na fenda
retrógrados. sináptica.

28
O ALTO PREÇO ENERGÉTICO E correntes locais têm de avançar até o
METABÓLICO DE PAs EM próximo nodo (Figura 17). Mas continua
AXÔNIOS NÃO-MIELINIZADOS - valendo a observação de que o PA não é
Axônios como o da Figura 16 são uma única corrente iônica longitudinal ao
chamados de amielínicos e ocorrem longo do axônio, como se fosse uma
principalmente em organismos mais corrente elétrica ao longo de um fio
simples, como os invertebrados, sendo condutor.
pouco frequentes nos vertebrados. A O PA saltatório também se
maioria dos axônios dos vertebrados é propaga em um único sentido, pois vai
revestida por uma capa isolante, a deixando a membrana para trás em
mielina, constituída por células gliais. período refratário (Figura 16), mas tem
Nos axônios do sistema nervoso um preço menor a pagar que o PA “ponto
periférico, a glia que reveste é a das a ponto”, pois somente precisa de CCPs e
células de Schwann, e cada trecho bombas (e ATP para alimentá-las) nos
revestido, entre dois nodos de Ranvier, é nodos de Ranvier. Comparativamente,
uma célula independente (até por que axônios não-mielinizados precisam de
podem ser axônios muito longos). No uma quantidade muito maior de proteínas
SNC, quem reveste os axônios são os de membrana, ou seja, muito mais canais,
oligodendrócitos e uma mesma célula CCP, bombas, etc: isso significa células
pode projetar vários, senão todos, os maiores com um núcelo grande e muitos
trechos de mielina. ribossomos, enfim, para abrigar a grande
A bainha de mielina é uma fábrica de proteínas de que necessitará.
aquisição recente na história da vida, e Como terá mais bombas (e fará mais
veio trazer diversas vantagens, em síntese proteica), consumirá mais ATP,
especial, um aumento na velocidade de logo esta célula também precisará de mais
condução, pois esta ocorrerá de forma e/ou maiores mitocôndrias para dar conta
saltatória, como que “pulando” de nodo desta demanda. Juntando tudo, neurônios
de Ranvier a nodo de Ranvier (Figura amielínicos estão condenados a serem
17). Na verdade, em cada nodo de neurônios grandes; isto explica o axônio
Ranvier a condução é idêntica, ponto a gigante da lula, ele próprio, amielínico.
ponto, àquela descrita na Figura 16 para o Os neurônios dos vertebrados, ao se
axônio não-mielinizado, apenas há uma mielinizarem, não apenas ganharam
maior concentração de CCPs de Na+ (e de velocidade, o que é importante
K+, além de bombas) em cada nodo, adaptativamente para lidar com corpos
como se ele fosse uma pequena zona de membros distais grandes e articulados,
gatilho. O resultado disso é que a mas também puderam miniaturizar suas
despolarização de um nodo consegue células neurais em função da economia na
“alcançar” o nodo seguinte. Já dissemos síntese protéica e na geração de ATP.
que o PA não é uma grande corrente Como essa segunda vantagem foi
iônica longitudinal, mas em função dos explorada pelos seres vivos? Com células
íons que entram e saem em cada ponto a menores, podia-se colocar muito mais
cada momento, há, de fato, pequeníssimas neurônios onde antes só cabiam uns
correntes locais, inclusive longitudinais poucos. Isso favoreceu a complexificação
(apenas que por uma distância das redes neurais e o surgimento de
insignificante, até a região adjascente da comportamentos novos e cada vez mais
membrana – veja na Figura 16). No caso sofisticados. Podemos arriscar dizer que a
do PA no axônio mielinizado estas mielina está na raiz da grande inteligência

29
Tabela V
Diferenças entre os potenciais eletrotônicos e os de ação

POTENCIAL ELETROTÔNICO * POTENCIAL DE AÇÃO

Forma simétrica Assimétrica

Propagação decremental não-decremental


(“tudo-ou-nada”)

Amplitude dependente do estímulo Independente do estímulo


(“tudo-ou-nada”)

Aditividade aditivo não-aditivo


(somação temporal e/ou espacial) (“tudo-ou-nada”)

Natureza passiva ativa / “auto-sustentável”

Localização dendritos & soma Axônio

Função codificação & integração neural comunicação propagada fidedigna

(*) Sinônimo de “potencial sináptico” para os fins deste capítulo.

exibida pelos vertebrados, e, em VII – Atividade Elétrica em


particular, pelos mamíferos conhecidos Massa do SNC: Bases do EEG
como humanos. A grande capacidade
mental exibida pelos seres humanos pode
dever-se, em boa parte, a este pequeno A maioria dos registros elétricos
mas eficente aperfeiçoamento evolutivo. mencionados até aqui neste capítulo são
bastante focalizados, referindo-se à
DIFERENTES TIPOS DE POTEN- atividade de um, ou - quando muito -
CIAIS, DIFERENTES FUNÇÕES alguns neurônios disparando
COMPLEMENTARES – A Tabela V, conjuntamente. Estes potenciais são
logo acima, resume as principais chamados de unitários (referindo-se a um
diferenças existentes entre os dois tipos único neurônio) ou multiunitários
de potenciais que podem surgir em (medindo a atividade de vários
função da despolarização de um neurônio, neurônios). São, em sua maioria,
os potenciais eletrotônicos (ou sináp- ferramentas primariamente dedicadas a
ticos), passivos, e os potenciais de ação, estudos básicos, e raramente são
ativos. empregadas para fins de diagnóstico, até
porque sua interpretação é muito

30
complexa e difícil de padronizar / estiverem posicionados sobre o córtex
codificar a ponto de poder ser usada no cerebral, ou, se abaixo deste, o
contexto clínico. Eletrograma. Com o
Por outro lado, como a maioria Estereoeletroencefalograma (EEEG)
dos procedimentos diagnósticos ou podemos investigar a atividade elétrica de
terapêuticos no atual campo da neurologia núcleos profundos utilizando métodos
clínica opera geralmente no nível de estereotáxicos. Registros de Potenciais
sistemas e subsistemas funcionais do Provocados (PPs)53 e Potenciais
SNC, é evidente que registros muito Relacionados com Eventos (PREs) são
focalizados não têm, por ora, muita enfoques complementares da enorme
utilidade prática. É por isso que as importância na clínica e em diversos
aplicações clínicas de registros procedimentos cirúrgicos atuais. Podemos
eletrofisiológicos centram-se basicamente acrescentar o Eletromiograma (EMG),
no EEG, que (a) é um registro de outro registro bioelétrico de apoio em
atividade elétrica em massa do SNC, e, diferentes procedimentos.
portanto, tem maior probabilidade de Todos estes tipos de registro são a
refletir a operação de sistemas e simples representação gráfica da evolução
subsistemas funcionais, e (b) exibe temporal da diferença de potencial
padrões de atividade regulares (ritmos de elétrico (DDP) entre os eletrodos de
sincronização coletiva), de caráter registro. Esta DDP pode variar
predizível e com alta correlação funcional continuamente no tempo, e apresentar
51
. Estes registros de massa são, como a diferentes amplitudes e/ou freqüências em
expressão usada sugere, registros de função da região estudada. Com o
grandes populações neuronais e são emprego de macroeletrodos externos
denominados potenciais de campo. Os (superficiais), porém, registramos
potenciais de campo podem ser do tipo principalmente a atividade da substância
CC (“corrente contínua”)52, geralmente de cinzenta (i.e., da massa de neurônios).
flutuação lenta, ou do tipo CA (“corrente A atividade eletroencefalográfica
alternada”), potenciais cuja polaridade é notavelmente persistente, ainda que
alterna-se com frequências mais ou possa manifestar-se de diferentes formas
menos regulares, situação típicamente segundo a situação: alerta/vigília,
encontrada no EEG. excitação/estresse, sonolência, sono,
anestesia, crise epiléptica ou coma.
TIPOS DE REGISTRO DE POTEN- Apenas na morte cerebral aparece o que é
CIAIS DE CAMPO - Posicionando-se conhecido como “silêncio elétrico”. Foi o
um par de eletrodos sobre a superfície do médico inglês Richard Caton que, em
couro cabeludo, podemos registrar o 1875, descobriu a atividade bioelétrica
chamado Eletroencefalograma (EEG). Se cerebral utilizando um galvanômetro e
os eletrodos tiverem acesso direto à registrando a atividade cortical em
massa nervosa (durante um procedimento coelhos e macacos. Em 1913 Prawdwicz-
cirúrgico, por exemplo), teremos o Neminski descreveu o ECoG no cão
Eletrocorticograma (ECoG) quando estes utilizando eletrodos cirúrgicos. Até o
final dos anos 20, o máximo que podia
51
Embora muitas destas “correlações” estejam ser feito eram esses registros
mal ou apenas fragilmente demonstradas, e menos intracerebrais, pois ainda não havia forma
ainda possam ser consideradas, com segurança,
relações “causais”.
52 53
Ver item I, “Voltagem e Corrente Elétricas”. Do inglês Evoked Potentials (EPs).

31
de se medir potenciais tão pequenos como espectro de frequências é, de fato,
aqueles que se medem no EEG normal. contínuo.
Foi o neuropsiquiatra Hans Berger quem
demonstrou, entre 1925 e 1929, que a DISTINÇÃO ENTRE BANDAS DE
atividade bioelétrica podia ser captada FREQUÊNCIAS E “RITMOS” - Um
sobre o couro cabeludo do homem, com “Ritmo” cerebral é identificado quando as
procedimentos não-invasivos e indolores. ondas de potencial possuem uma
Berger também descreveu várias das frequência e forma relativamente
atividades elétricas “normais” (não- constantes durante um certo tempo.
patológicas), em especial um ritmo de 10 “Ritmo” não é sinônimo de “Banda de
ciclos/s (10 Hz) que hoje leva seu nome; Frequência”, conceitos que, por vezes,
demonstrou, ademais, as variações do são confundidos. É possível detectarmos
EEG durante o sono e em algumas certas ondas posicionadas dentro de uma
patologias. Em que pese seus achados determinada banda, mas estas podem não
terem sido inicialmente recebidos com caracterizar um verdadeiro ritmo pois sua
ceticismo, pouco depois, em 1934, Adrian frequência pode não se manter constante
e Mathews, realizando experimentos com e, além disso, podem estar associadas
equipamentos mais sofisticados, com ondas de outras bandas. É incomum
comprovaram amplamente aquelas encontrarmos ritmos, por exemplo, dentro
descobertas. A partir dos anos trinta, o da banda Beta pois, ali, as ondas de
EEG já era uma técnica de amplo diferentes frequência costumam mesclar-
emprego clínico. se de forma irregular.
No EEG, os dois principais
parâmetros são a amplitude e a ORIGEM DAS ONDAS DO EEG –
frequência. A amplitude dos potenciais Sugere-se que, em função da amplitude
captados na superfície do crânio depende elétrica observada, os neurônios
de vários fatores: por exemplo, da piramidais seriam os principais
localização, diâmetro e distância entre os responsáveis pelas ondas do EEG,
eletrodos, da própria frequência da onda, especialmente em sua região dendrítica,
do estado funcional e mesmo do estágio onde se realizam as maciças computações
de maturidade neural do indivíduo. Em com seus padrões sinápticos cambiantes
adultos, por exemplo, vale a chamada Lei que se integrarão para decidir se cada
do EEG: a amplitude do EEG é função neurônio em particular disparará ou não
decrescente de sua frequência. As seu potencial de ação. Neurônios
amplitudes registradas em humanos na piramidais fazem sentido também se
superfície do crânio são da ordem dos considerarmos que (a) são as maiores
microvolts, variando de 50 a 200 µV células excitáveis no SNC, (b)
conforme o tipo de atividade e a região comunicam-se utilizando o glutamato, o
cortical estudada. As frequências, por sua principal neurotransmissor excitatório no
vez, podem variar entre 0,5 e 100 Hz e há SNC, e (c) suas sinapses são palco dos
bons motivos para classificá-las por principais eventos plásticos estudados na
bandas de frequência (ver Tabela V, atualidade, como a potenciação de longa
abaixo). Ainda que tenham um aspecto duração (LTP) e a depressão de longa
visual relativamente diferenciado (ver duração (LTD), ambos fenômenos
Figura 18), a distinção entre estas bandas subjascentes a funções encefálicas
é algo bastante arbitrário, uma vez que o

32
decisivas, como, por exemplo, o correntes, juntamente com uma profusão
aprendizado e a memória. de potenciais sinápticos estabelecidos em
É quase consenso entre os inúmeros espinhos dendríticos (incluindo
neurofisiólogos que eventos intracelulares todo um repertório de respostas elétricas
geram correntes iônicas no meio destas estruturas), contribuem para fazer
extracelular que, por sua vez, somam-se emergir os padrões oscilatórios que
algebricamente e de forma linear. Tais conhecemos como EEG.

Tabela V
Bandas de Frequência das Ondas do EEG

Banda Frequências Ocorrência Origem

Alfa (α) de 8 a 13 Hz Sujeito normal / desperto (olhos Occipital


Ondas de Berger fechados) / amplitude de 20-200µV

Beta (β) de 13 a 40 Hz Sujeito tenso, ativo ou concentrado Parietal / frontal


(50Hz?) (beta2) / Patológico

Delta (δ) de 0,5 a 3 Hz Sono profundo ou bebês / ?


Lesões ou encefalopatias

Gama (γ) 30-80 Hz Atividade mental superior, percepção e Áreas


consciência (some c/anestesia) associativas?

Teta (θ) de 4 a 8 Hz Sonolência / infância ou juventude / Hipocampo?


Estado hipnagógico / “meditação” /
hipnose

SMR - Ritmo de 12-16 Hz Tranquilidade física c/ sensação de -


Sensorimotor presença corporal: junto c/β é usado
p/o Neurofeedback em casos de déficit
de atenção ou epilepsia

Os neurônios piramidais também de (b) minúsculos pós-potenciais


ajudam a amplificar as correntes hiperpolarizantes de curta duração
sinápticas em função de possuir múltiplas favorece a ocorrência de disparos de alta
“zonas gatilho” em seus dendritos. freqüência, fazendo com que algumas
Complementarmente, interneurônios ondas oscilem em até 100 Hz. Por fim, as
inibitórios vizinhos também colaboram na próprias células gliais, com suas
construção do EEG: a presença de mudanças elétricas passivas diante das
poderosas sinapses inibitórias junto ao correntes geradas pelos neurônios,
soma piramidal permite (a) a geração de juntam-se a esta grande coreografia
potenciais inibitórios de grande amplitude elétrica que é o EEG; muitos trabalhos
e com duração 10-20 vezes maior que a recentes têm mostrado o papel claramente
da maioria dos potenciais inibitórios ativo da glia nestes processos dinâmicos,
conhecidos; por outro lado, a ocorrência sepultando a velha concepção de que as

33
células gliais são apenas coadjuvantes Não desenvolveremos muito mais este
inertes, “células de suporte” dos tema aqui, pois, por sua extensão e
neurônios. complexidade, fugiria ao escopo de um
O EEG é, portanto, resultado do capítulo como este 55. Diante deste
registro incidental das correntes cenário de atividade elétrica neural em
extracelulares associadas à atividade massa, ficamos atônitos por sua enorme
somada de grande número de células complexidade, mas também por sua
individuais. Os potenciais pós-sinápticos incomparável beleza. Isto só faz rebrilhar
desempenham um papel fundamental na a poética assertiva de Sir Charles
produção das ondas, mas os potenciais de Sherrington acerca da natureza da
ação, não, exceto quando um grande atividade encefálica:
número deles viaja sincronizadamente ao
longo das fibras talamocortiais ou quando
registramos potenciais provocados54 por “É como se a Via Láctea
estímulos sensoriais. iniciasse algum tipo de dança
Várias áreas corticais e subcorticais cósmica. Prontamente o encéfalo
parecem colaborar para gerar o EEG, mas transforma-se em um tear
nem sempre o córtex é o principal encantado, no qual milhões de
articulador destes padrões complexos: as lançadeiras cintilantes tecem uma
evidências sugerem, por exemplo, que o nebulosa trama, sempre formando
ritmo gerador básico, ou marcapasso um padrão significativo, ainda que
atuante sobre o córtex, residiria em efêmero; uma inconstante harmonia
circuitos subcorticais, mais precisamente de subpadrões” 56.
em núcleos talâmicos, capazes de
provocar a propagação de sinais rítmicos 55
Uma boa revisão sobre este assunto encontra-se
que se projetam ao córtex cerebral. em Buzáki, Traub & Pedley, "The Cellular Basis
Quando chegam ao seu destino, of EEG Activity" (IN: Current Practice of Clinical
promovem a despolarização rítmica dos Electroencephalography, 3rd ed., J.S. Ebersole
dendritos apicais das células piramidais o and T.A. Pedley Eds. Philadelphia: Lippincott
que, por sua vez, estimula fluxos de Williams & Wilkins, 2003, pp. 1-11). Outro artigo
interessante é o de Florin Amzica, “Physiology of
corrente iônica dentro e fora das células. sleep and wakefulness as it relates to the
Se as células piramidais estão ativas e physiology of epilepsy” (J Clin Neurophysiol.
sincronizadas, suas correntes se somam e 19(6):488-503, 2002). Walter Freeman, ao nosso
as ondas do EEG serão de considerável ver o maior conhecedor da natureza do EEG – ver
amplitude. Isto explica o que verificamos também livro citado nas referências abaixo,
publicou recentemente um estudo muito detalhado
durante o sono, no ritmo alfa ou em sobre este assunto em uma série de 3 artigos que
qualquer das atividades mais “salientes” saíram em Clinical Neurophysiology (“Origin,
do EEG. Se os potenciais piramidais structure, and role of background EEG activity”,
estão dessincronizados, as ondas serão partes 1 a 3, Clin. Neurophysiol. 115(9):2077-107,
também dessincronizadas e de baixa 2004, e 116(5): 1118-29, 2005).
amplitude. 56
''It is as if the Milky Way entered upon some
cosmic dance. Swiftly the brain becomes an
enchanted loom, where millions of flashing
shuttles weave a dissolving pattern, always a
meaningful pattern though never an abiding one; a
54
Em português, a expressão potenciais shifting harmony of subpatterns. '' IN: Sherrington
provocados traduz “evoked potentials” com mais C.S. (1941) Man On His Nature, Cambridge
precisão. University Press, London.

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