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Eletromagnetismo

Sinais Elétricos no Corpo Humano


Eletromagnetismo » Sinais Elétricos no Corpo Humano 1

Introdução
A distinção básica entre o reino animal e o reino vegetal consiste na habilidade daqueles
pertencentes ao primeiro grupo de interagir com o meio ambiente e com os demais seres vivos.
Os dois reinos têm em comum a habilidade de tirar proveito do ambiente que nos cerca para efeito
de nutrição e, consequentemente, da própria subsistência.
Essa diferenciação entre os seres vivos pode ser creditada à existência, nos animais, de células
diferenciadas do ponto de vista de processos físicos associados à eletricidade. Estas células são
denominadas neurônios. Nelas pode ocorrer um movimento de cargas elétricas (íons), dando lugar
a perturbações locais do potencial elétrico, que se propagam pelo corpo indo até o cérebro.
Essas perturbações elétricas - os sinais elétricos - levam e trazem informações, na maioria das vezes
de forma autônoma, sem nossa intervenção.
O fato é que a principal distinção entre animais e vegetais reside em fenômenos associados
inteira e exclusivamente à eletricidade. O corpo humano depende da eletricidade de forma essencial.
E disso nem sempre nos damos conta. Somos, literalmente, movidos, orientados, mantidos e con-
duzidos pela eletricidade.
O coração é um bom exemplo de órgão que funciona com base na eletricidade. A cada batida
ele se polariza e, em seguida, despolariza. Isso permite fazer um diagnóstico do coração com
base nesse fato. Despolarizar e polarizar referem-se a alterações na distribuição de cargas elétricas
existentes no meio extracelular bem como no meio intracelular. O coração bate como resultado do
movimento de correntes elétricas que alteram a diferença de potencial em regiões localizadas no
interior e no exterior de células de forma regular. Vivemos por conta da atividade elétrica do coração.

Figura 1
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Neste capítulo, abordaremos a questão dos sinais elétricos que são gerados, propagados,
modificados e processados pelo nosso corpo, mais precisamente, que se propagam pelas ricas e
complexas redes neurais.
Essas funcionalidades, associadas à interatividade no sentido mais amplo possível, tornam-se
possíveis graças a um complexo sistema nervoso, cuja função é cuidar de cada uma das várias
etapas pelas quais passam os sinais elétricos.
Definimos, matematicamente, sinal como uma função do tempo:

x(t) ( 1 )
Figura 2

Os sinais de interesse são aqueles gerados por dispositivos (como os dínamos que geram uma
tensão nos seus terminais) e são processados por sistemas. Um circuito elétrico pode ser pensado
num sistema.
Um sistema associa a cada sinal de entrada um sinal de saída.
A energia que se pode extrair de um sinal é proporcional à integral:
+∞

∫ x ( t ) dt
2
E= ( 2 )
−∞

Analisaremos os sinais elétricos no corpo humano a partir de 5 etapas:


1. Geração dos primeiros sinais elétricos:
Os primeiros sinais elétricos são gerados por dispositivos denominados transdutores.
Eles são produzidos quando da interação com o meio externo (ou interno). A transdução ocorre
nesses dispositivos especializados e localizados em partes das interfaces específicas dos sistemas
sensoriais (por exemplo, os ouvidos, os olhos, as narinas, a pele e a boca).
2. Transformação dos primeiros sinais elétricos:
Os primeiros sinais ainda não estão em condições de trafegar pelas redes neurais. Por via de
regra, existe a necessidade de transformá-los em sinais elétricos capazes de serem transmitidos
pelas redes neurais. Tais sinais são denominados “potenciais de ação”. Trata-se da primeira etapa
de conversão dos sinais elétricos.
3. Processamento dos sinais elétricos à medida que se propagam:
Os sinais elétricos passam ainda por outros processamentos. Ao longo do caminho em direção
ao cérebro, os sinais são processados nas sinapses. Elas são consideradas análogas a chips neurais.
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4. O cérebro e os sinais elétricos:


Para que possamos nos dar conta dos fenômenos naturais, como os movimentos ou as cores de
um arco-íris, uma sequência de informações deve chegar à nossa unidade central de processamento,
que é o cérebro. O cérebro é o destino e, muitas vezes, a origem dos sinais.
5. Sinais elétricos de sentido invertido:
Nas quatro etapas anteriores, analisamos os sinais provenientes das extremidades que chegam
até o cérebro. O caminho inverso também é percorrido sem a utilização, no entanto, da mesma
rota. Essa via é fundamental, uma vez que a transmissão de sinais elétricos pelo cérebro é o que
regula muitos órgãos e funções.

A Eletricidade das Células


As células são as estruturas básicas da vida. Elas têm muita coisa em
comum, como o fato de se comunicarem entre si. No entanto, algumas delas
têm funções em relação à comunicação, e ao processamento da informação,
bastante especializadas.
A célula exibe um fenômeno da eletricidade, associado a diferenças de
concentração de íons que se localizam em regiões que podemos identificar
como fora e dentro dela. A esse fenômeno atribui-se o termo polarização da
célula. A consequência disso é o surgimento de uma diferença de potencial
entre pontos externos e internos da célula.
Todas as células animais ficam envoltas por uma membrana plasmática.
Ela é uma camada trilaminar, composta por duas camadas lipídicas no exterior
e uma camada proteica no seu interior. Os fluidos nos dois lados da membrana
(o interior e o exterior) contêm altas concentrações de íons móveis. Os íons
mais importantes são os de sódio (Na+), potássio (K+), cloro (Cl−), e cálcio (Ca2+).
O meio extracelular tem maior concentração dos íons que compõem o sal de
cozinha, ou seja, o sódio (Na+) e cloro (Cl−). O meio intracelular exibe uma maior
concentração de sódio potássio (K+), e outros ânions inorgânicos como o cálcio
(Ca2+), enquanto, no meio intercelular, predominam os íons de sódio e cloro. Figura 3
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Normalmente, as concentrações de íons no entorno da membrana plasmática são de tal monta


que isso acarreta a existência de um excesso de íons negativos no interior da célula concomitan-
temente com um excesso de íons positivos no seu exterior. Diz-se na biofísica que a célula fica
polarizada. O fato é que sempre existe uma diferença de potencial elétrico entre o interior e o
exterior da membrana - o potencial da membrana. Em condições normais, essa diferença é negativa
e tem o nome de potencial de repouso da célula. Esse potencial é de aproximadamente −70 mV.
A membrana plasmática é porosa. Ela é uma espécie de peneira seletiva. Essa peneira de malha
fina, altamente seletiva, tem furos (ou passagens) denominados canais iônicos. A abertura e o
fechamento desses canais podem ser regulados. Em particular, o processo que mantém a diferença
de potencial aludida acima é dinâmico. Ele envolve um processo de interação entre os canais
iônicos e bombas de íons embebidas na membrana. As diferenças de concentração de íons, na
ausência de estímulos, ocorrem por meio de um fluxo contínuo de íons.
Figura 4: Potencial de repouso - diferença de
potencial entre a superfície externa e interna,
mantida pela Bomba Na/K.

Figura 6 Figura 5

A distribuição desigual de íons é mantida, por exemplo, por meio de uma proteína específica
localizada entre a dupla camada lipídica. Ela atua como se fosse uma bomba que bombeia o sódio
para fora da célula e, no sentido inverso, bombeia potássio para o seu interior. Essa bomba de
sódio-potássio mantém a baixa concentração de sódio no interior da célula (cerca de 10 vezes
menor que no exterior), enquanto também mantém a alta concentração intracelular de potássio
(cerca de 20 vezes maior que no exterior). A bomba sódio/potássio gera corrente elétrica de
natureza iônica. Outras proteínas formam poros que controlam o acesso ao interior da molécula.
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Figura 7 Figura 8

Existem dois tipos de canais iônicos. Os canais dependentes de voltagem deixam fluir sódio e
potássio. Existem também os canais de cálcio.
A concentração de cálcio no exterior de uma célula em repouso é cerca de 10.000 vezes maior
que a concentração no interior da célula. Assim, quando os canais se abrem, o cálcio tende a entrar.
As células se comunicam por meio de dois mecanismos: um mecanismo direto, no qual a comu-
nicação se dá por meio de junções comunicantes que ligam uma célula diretamente a outra; ou um
mecanismo indireto. No segundo caso, a comunicação é modulada por moléculas que se ligam a
receptores. No primeiro caso, moléculas pequenas passam de uma célula para outra.
Conquanto todas as células se comuniquem, transferindo o que poderíamos denominar dados
entre si, e a partir deles realizar tarefas, o fato é que os neurônios são as células especializadas
no que diz respeito à informação. As informações são recebidas e transmitidas por meio dessas
unidades básicas.
É importante observar que toda comunicação celular se dá por meio da Membrana Plasmática,
e um desses mecanismos consiste na alteração, via abertura e fechamento de canais iônicos, do
potencial elétrico da membrana.
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As Células Especializadas na Geração e


Transmissão de Sinais
As unidades estruturais do sistema nervoso são os neurônios e os gliócitos ou glias. Trata-se de
duas classes de células que atuam de forma integrada (a segunda servindo, basicamente, de apoio à
primeira) e com isso cuidam da geração e do trânsito de sinais elétricos. Os neurônios e os gliócitos
assumem as mais diversas formas.
Existem dois aspectos que diferenciam os neurônios das demais células. Primeiro, a membrana
que envolve toda a célula é excitável. Disso se origina sua especialização quer seja na produção
quer seja na transmissão de sinais elétricos. A segunda diferença é a diversidade da sua morfologia.
Apesar de existirem as mais variadas formas, os neurônios têm uma estrutura constituída por
um corpo neural (ou soma) e um grande número de prolongamentos (denominados dendritos),
que captam sinais de outros neurônios. Apesar do grande número de entradas das informações, Figura 9

elas enviam informações por meio de um único canal denominado axônio.

Figura 10: Tipos de Neurônios.


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Os axônios variam muito de tamanho. Alguns, como os cones (células nas retinas especializadas
em captar luz) têm alguns micrômetros de comprimento. Outros podem chegar a um metro.

Figura 11: Tipos de Neurônios.

A variedade de dimensões e ramificações dos dendritos é ainda mais impressionante. Alguns,


localizados no cerebelo, têm uma árvore tão ramificada que permitem o contato com cerca de
200.000 fibras aferentes.
O potencial gerado pela assimetria na distribuição dos íons tem duas funções no caso dos
neurônios. Em primeiro lugar, como qualquer outra célula, permite que ela funcione como uma
bateria, fornecendo a energia necessária para operar diversos “dispositivos moleculares” embebidos
na membrana (como, por exemplo, a bomba de íons já mencionada). A segunda diz respeito à
excitabilidade elétrica dos neurônios. Por meio desse mecanismo, podemos transmitir sinais entre
diferentes partes da célula.
Muitas vezes, os neurônios são classificados em até quatro categorias: neurônios sensoriais
(os neurônios que transportam os pulsos elétricos da extremidade do corpo para o sistema
nervoso central). Os neurônios motores são aqueles que conduzem os pulsos elétricos do sistema
nervoso central para as extremidades do corpo (músculos, pele e glândulas). Muitas vezes, os
receptores são Neurônios. Finalmente, os interneurônios conectam vários neurônios localizados
no cérebro e na medula.
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Os Primeiros Sinais Elétricos: Receptores Sensoriais


Aprendemos sobre o mundo externo quando uma quantidade de energia incide sobre as muitas
interfaces das quais é dotado o corpo humano. Essas interfaces podem ser pensadas como
sensores especiais voltados para interagir com o mundo natural. Sua função primordial é converter
a energia produzida no meio externo (ou no nosso próprio corpo) em uma forma de energia
elétrica um pouco primitiva, ou seja, gera-se primeiramente um tipo de sinal elétrico que ainda
requer processamento.
Na biofísica, são denominados receptores os dispositivos que geram os sinais elétricos de entrada
no corpo humano. Alguns deles ficam muito bem escondidos. São muito sensíveis e complexos na
sua operação. Em termos de sensibilidade, os receptores da audição são imbatíveis. Conseguimos
ouvir sons num espectro de frequências simplesmente impressionante.

Figura 11
Os receptores (ou transdutores) são dispositivos especializados na detecção de alguma forma
de energia e transformá-la em energia elétrica. Por exemplo, temos receptores que são especiali-
zados na transformação da energia mecânica em energia eletromagnética. Os transdutores têm,
em suas membranas plasmáticas, algumas proteínas dotadas da capacidade de absorver, de modo
seletivo, uma forma de energia e transformá-la em um potencial bioelétrico. Geram assim um tipo
de sinal elétrico.
Os mecanorreceptores são sensíveis a estímulos mecânicos quer sejam eles contínuos,
vibratórios ou oscilatórios.
Os quimiorreceptores são sensíveis a estímulos químicos, ou seja, a reações especificas de certas
substâncias com as quais entram em contato. Os fotorreceptores são sensíveis a estímulos
luminosos e, geralmente, estão ligados à modalidade visual. Os termorreceptores são aqueles que
são sensíveis a variações da temperatura. São variações próximas de valores da temperatura do
corpo humano que, como no caso dos mamíferos em geral, se situa em torno de 37 graus Celsius.
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Os receptores são especializados na conversão de energia em impulsos elétricos. Eles estão


sintonizados para uma faixa restrita de estímulos. Por exemplo, no olho humano, os cones e basto-
netes respondem a estímulos que estão associados à incidência da luz eletromagnética. No entanto,
eles são sensíveis à radiação eletromagnética numa faixa estreita de frequência.
Cada receptor exibe um limiar de sensibilidade que varia de receptor para receptor.
Esses sinais elétricos, os primeiros denominados potenciais receptores, são variações relativa-
mente lentas da voltagem da membrana. Em seguida, esse potencial gerado no receptor, provoca
ou pode dar início a processos que levam à geração de potenciais de ação.

Figura 12 Figura 13

Os receptores da visão localizam-se no fundo da retina e com grande concentração em pontos


situados abaixo da fóvea (veja Figura 000). Os fotorreceptores são denominados cones e bastonetes
Os cones são menores que os bastonetes e cada um deles apresenta uma forma que, de certa
maneira, justifica os seus nomes (veja Figura 000). Para excitá-los, a luz tem de percorrer, além do
globo ocular, toda a retina.
No caso da audição, os receptores convertem energia mecânica, proveniente das ondas
sonoras, em energia elétrica. São mecanorreceptores auditivos. Essas células especializadas em
promover a transdução localizam-se na cóclea.
Tratando-se do olfato, a transdução (transformação de energia química em elétrica de substâncias
químicas voláteis) é levada a cabo por quimiorreceptores. Eles são, basicamente, neurônios locali-
zados na mucosa olfatória.
Temos um total de 9 modalidades de receptores quando se trata dos órgãos dos sentidos.
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Os receptores sensoriais têm funções específicas em relação à detecção e conversão das várias
formas de energia em impulsos elétricos.

Figura 14 Figura 15

O mecanismo da transdução pode ser extremamente complexo. Por exemplo, ele não está ainda
muito claro no caso dos cones. No entanto, ele é bem entendido no caso dos bastonetes e com
isso podemos exemplificar a complexidade da operação dos receptores. O processo da transdução
começa com a absorção de um fóton (ou radiação eletromagnética) por parte de uma molécula
denominada 11cis-retinal. Ela fica ligada a uma cadeia polipeptídica denominada opsina
(veja Figura 000). Ao absorver o fóton, ela faz uso dessa energia eletromagnética para mudar a
distribuição espacial dos átomos na molécula. Ou seja, ela se transforma na mesma molécula, mas
com uma distribuição espacial diferente. Essa “nova” molécula tem o nome de 11 trans-retinal.
Esse é o início de todo o processo. A seguir, a molécula energizada desliga-se da opsina e cai na
região interna da célula. Quando nessa região ela induz alguns eventos de natureza molecular.
Tais eventos irão provocar, em última analise, o fechamento de canais de cálcio, gerando, portanto,
uma polarização do receptor, ou seja, gerando um sinal elétrico - o potencial receptor.
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Figura 16

Figura 17: Isomerização cis-trans com luz.


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A cóclea é o órgão receptor do sistema auditivo. As células receptoras desse sistema são células
ciliadas, que se movimentam ao sabor das vibrações das ondas sonoras que entram nos ouvidos.
Os seres humanos dispõem de apenas 16.000 dessas células, número esse incrivelmente baixo.
Cada célula ciliada da cóclea dos mamíferos é provida de uma centena de estereocílios
organizados em 3 fiadas de tamanhos crescentes (veja Figura 000).
O deslocamento dos cílios em sentido externo (da esquerda para a direita da Figura 000) abre
os canais deixando entrar o potássio (K+), ou seja, é uma abertura de natureza mecânica, acionada
pelo movimento. Essa entrada de íons positivos despolariza a célula ciliada. O fechamento dos
canais catiônicos ocorre antes de o cílio retornar à sua posição original. Essas células viabilizam a
transformação de energia mecânica em energja elétrica.

Figura 18
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Alterando os Primeiros Sinais Elétricos:


a Etapa da Codificação
Existem dois aspectos importantes em relação aos detectores do ambiente. O primeiro, já
analisado, é entender o mecanismo de transdução. Em seguida, devemos compreender como é
implementada a tradução da linguagem do meio ambiente para a linguagem das redes neurais.
Para tanto deve-se proceder a uma segunda etapa, ou seja, converter os primeiros sinais em
potenciais bioelétricos que possam ser transmitidos pelos neurônios.
Essa segunda etapa é denominada codificação. Ela consiste, em última instância, na transfor-
mação dos potenciais receptores em potenciais de ação. Ela consiste, portanto, numa forma de
representar os parâmetros dos estímulos sensoriais incidentes para parâmetros que poderíamos
traduzir como um código digital. Esse código é aquele que os neurônios entendem.
Finalmente, a linguagem que os neurônios são capazes de processar deve ser traduzida ou
adaptada para a linguagem do cérebro. Nesta etapa, as sinapses desempenham um papel essencial.
Assim, no que tange a processamentos de sinais elétricos, poderíamos dizer que eles passam por
diversas etapas, sendo que a última etapa fica sob a responsabilidade do cérebro. Consideremos,
a título de exemplo, o caso da visão.
A função dos cones e bastonetes, grosso modo, é receber a luz e transformá-la em potenciais
elétricos mais primitivos. Eles não produzem, nessa etapa, os sinais elétricos que se propagam
pelos axônios e, tampouco, aqueles que o cérebro sabe processar. Na retina, ocorre ainda a etapa
da codificação. Para isso devemos olhar a retina em mais detalhes.
A retina é composta por sete camadas paralelas. Os cones e bastonetes ocupam uma dessas
camadas, que designaremos por primeira camada. No caso da visão, a codificação é efetuada ao
longo das cinco camadas acima da camada dos fotorreceptores (veja Figura 000). Especial ênfase
na codificação deve-se dar à camada de células especiais denominadas células ganglionárias, que
ocupam a sexta camada. Na última camada encontram-se as fibras óticas. Elas - as fibras óticas -
fazem parte do nervo ótico.
A codificação encerra-se quando os sinais produzidos pelos receptores atingem a última camada.
Os sinais elétricos que ali chegam estão em condições de trafegar pelos circuitos neurais.
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Como no caso da transdução, a codificação passa por processamento de sinais nas junções
entre neurônios ou células. O fato é que, na retina, é produzido o primeiro sinal, na primeira
camada, enquanto a codificação é, finalmente, implementada na sexta camada. A retina pode ser
pensada como uma fábrica de sinais convertidos em potenciais de ação.

Figura 20: O nervo ótico cuida de coletar os


sinais elétricos provenientes da retina e de
Figura 19 enviá-los ao cérebro.
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Potenciais de Ação e sua Propagação


Por meio de algum estímulo pode-se abrir ou fechar canais iônicos, permitindo a passagem de
íons de um lado para outro da membrana, ou seja, um estímulo altera a diferença de potencial
entre os dois lados da membrana. É isso que acontece no caso do coração. Os eventos de natureza
elétrica, que se originam em dois pontos denominados nós e, no átrio, dão início à contração cardíaca.

Figura 21: As principais correntes iônicas e canais que geram as várias fases do potencial de
ação na célula cardíaca.
Fase 0: As forças químicas e eletrostáticas em conjunto favorecem a entrada de Na4 na célula
através dos canais rápidos para Na+, gerando a fase de ascensão.
Fase 1: As forças químicas e eletrostáticas favorecem o efluxo de K+ pelos canais i10, gerando a
repolarização precoce e parcial.
Fase 2: Durante o platô, o influxo resultante de Ca2+ através dos canais para Ca2+ é balanceado
pelo efluxo de K+ através dos canais iK, ik1 e i10.
Fase 3: As forças químicas que favorecem a saída de K+ pelos canais iK, ik1 e i10 predominam
sobre as forças eletrostáticas que favorecem a entrada de K+ por esses mesmos canais.
Fase 4: As forças químicas que favorecem a saída de K+ através dos canais iK e iK1 excedem muito
discretamente as forças eletrostáticas que favorecem o influxo de K+ por esses mesmos canais. Figura 22: O sistema de condução cardíaco.
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Estímulos externos são capazes de abrir os canais, gerando uma corrente iônica. No caso do
coração, existe uma abertura cíclica de vários canais (veja Figura 000). Cada abertura se reflete na
forma do potencial de ação gerado. Os canais ficam abertos por um lapso de tempo muito pequeno.
Em seguida, fecham-se de novo. No caso do coração, a duração é de aproximadamente de
0,3 segundos. Como consequência, o potencial da membrana se altera durante um lapso de tempo
muito curto, gerando um potencial denominado potencial de ação. Depois desse curto lapso de tempo,
restaura-se a situação original e o potencial da membrana volta a assumir o valor do potencial de
repouso. Assim, a abertura de canais iônicos produz uma mudança local no potencial da membrana
(veja Figura 000), causando a propagação de um sinal elétrico para outros pontos da membrana.

Figura 23: Potencial de ação - inversão (despolarização) do potencial de


repouso, ocasionado pela mudança temporária de permeabilidade aos
íons Na/k.
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Assim, em algum ponto do axônio, gera-se uma perturbação, uma alteração na diferença
de potencial de repouso. A perturbação de origem mecânica, elétrica ou química, faz com que
os canais de sódio da membrana se abram. Com isso, os íons de sódio entram na célula através
dos canais abertos. As cargas positivas que se movem alteram o potencial de repouso da cé-
lula. Ele fica um pouco menos negativo (a isso se dá o nome de despolarizar a célula). Quando
a despolarização atinge um determinado limite, mais canais de sódio se abrem. Essa
entrada acarreta uma inversão do sinal do potencial elétrico. O potencial atinge valores
positivos de 35-40 mv. Ao atingir esse valor, os canais de sódio ficam desativados. A partir desse
estágio, os canais de potássio se abrem, deixando passar, rumo ao exterior da célula, os íons de
Figura 24
potássio até atingir o valor do potencial de repouso da célula. Os canais de potássio agora se
fecham. A rigor, de acordo com a Figura 000, o potencial elétrico ultrapassa ligeiramente o valor
do potencial de repouso da célula. O valor de equilíbrio do potencial é restabelecido pela bomba
sódio/potássio Na/K.
O tempo decorrido entre a polarização e a despolarização é menor do que alguns milésimos de
segundo. Viajam ao longo dos axônios com velocidades no intervalo de 1–100 metros por segundo.
Os neurônios operam de forma distinta em relação à taxa de emissão dos potenciais de ação.
Alguns emitem sinais elétricos a taxas constantes de 10–100 potenciais de ação por segundo.
Outros permanecem sem atividade durante a maior parte do tempo; emitem ocasionalmente,
produzindo, no entanto, um grande número de potenciais de ação.
O potencial de ação se propaga sob uma forma que muito se assemelha à propagação de ondas
num meio elástico. Cada potencial de ação gerado influencia as partes contíguas, gerando
novos potenciais de ação, fazendo com que uma perturbação iniciada num determinado ponto se
propague como se fosse uma onda, ou seja, ela utiliza o axônio apenas como um suporte para se
propagar, deixando-o inalterado depois da passagem (veja Figura 000).
Muitas vezes, a excitação de uma célula advém do fechamento de um canal, de cálcio, por exemplo.
Um neurônio é capaz de disparar centenas de potenciais de ação a cada segundo. Os intervalos
de tempo entre disparos sucessivos servem como um código de comunicação. Figura 25
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Figura 27 Figura 28: Canais iônicos.

As perturbações geradas - os potenciais de ação - se propagam através de fibras protoplas-


máticas conhecidas como axônio. Cada um deles transporta esses pulsos de sinais, os potenciais
de ação, para os terminais dos neurônios. Nos terminais, encontramos estruturas microscópicas Figura 26
localizadas na interface entre um neurônio e outra célula. São as estruturas de contato entre ambas
e que se constituem em unidades processadoras da informação.

Chips Neurais: A Transmissão Sináptica


Por questões operacionais, que envolvem o funcionamento do cérebro, os sinais elétricos sob a
forma de potenciais de ação não vão para o cérebro diretamente. Eles passam por novos processa-
mentos ao longo do seu caminho em direção ao cérebro.
Os impulsos elétricos, que foram gerados num determinado instante de tempo, se propagam
até uma junção onde ocorrem as sinapses. Nas sinapses, têm lugar novos processamentos dos
impulsos elétricos. De grande importância é o controle do fluxo de sinais (taxa de sinais).
Sinapses são junções especializadas localizadas nos terminais de neurônios e outras células.
É uma região na qual os sinais transmitidos pelos axônios são transferidos ou repassados de um
neurônio para o próximo neurônio ou outra célula.
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Um neurônio pode ter até alguns milhares de conexões sinápticas, transformando a rede neural
em algo extremamente complexo.
As sinapses transferem os sinais de um neurônio para outro. No entanto, essa não é a sua única
função. Nela ocorre um novo processamento dos sinais elétricos. Alguns receptores neurais são
excitatórios, ou seja, eles aumentam a taxa de potenciais de ação que chegam à célula-alvo. Outras
são inibitórias. Por isso, queremos dizer que eles reduzem a taxa dos potenciais de ação. Outros
ainda conseguem modular essa taxa. A taxa com que os potenciais de ação atingem o cérebro é,
sem dúvida, um dado precioso para ele.
Na sinapse, a membrana plasmática do neurônio que envia o sinal (o neurônio pré-sináptico)
fica praticamente em contato com a membrana plasmática da célula-alvo (geralmente, um dendrito
de outro neurônio).

Figura 29: Sinapse - local de comunicação entre neurônios ou


entre neurônios e outras células (músculos, por ex.).

Existem dois tipos básicos de sinapse: as químicas e as elétricas. Na primeira, a energia elétrica é
convertida em energia química, ou seja, a energia elétrica do sinal é utilizada para desacoplar uma
substância química que se encontra ligada e para colocá-la em movimento. Ao atingir o alvo, ocorre
o processo inverso.
Nas sinapses químicas, o neurônio pré-sináptico envia uma substância química denominada
neurotransmissora. As sinapses químicas são microchips biológicos fundamentais, pois elas são as
unidades processadoras da informação. Essa forma de transmissão química é majoritária nos seres
humanos. Numa sinapse química, a substância transmitida gera novos potenciais de ação. Assim, a
partir dos terminais do axônio, os sinais são transportados ou, na maioria das vezes, transformados.
Eletromagnetismo » Sinais Elétricos no Corpo Humano 20

Figura 30

Na sinapse elétrica (ou junções comunicantes), as membranas plasmáticas são conectadas por
meio de canais iônicos que se justapõem. Por esses canais podemos ter a passagem de corrente
elétrica, fazendo com que as alterações na voltagem da célula pré-sináptica induzam alterações
na célula pós-sináptica. As sinapses elétricas transferem correntes iônicas ou pequenas moléculas
entre as células acopladas.
A propagação dos sinais e o seu processamento nas sinapses funcionam como pequenos
circuitos. Um neurônio recebe cerca de 10.000 conexões sinápticas, o que nos leva a concluir que o
sistema nervoso comporta aproximadamente 1015 circuitos neurais.
O número de potenciais de ação disparados pelos neurônios da medula espinhal (de onde se
origina o comando dos músculos dos braços, por exemplo) depende da ação requerida do mesmo.
No caso da contração muito rápida do músculo do braço, num momento crítico, o número de
potenciais de ação cresce.
Alguns axônios são muito compridos; por exemplo, no caso do cérebro , alguns deles têm mais
de 100 mil quilômetros de comprimento. O papel ou a função do cérebro é controlar as ações
dos animais para fazê-lo extrair informações suficientes, informações essas obtidas dos órgãos do
sentido, para trabalhar e refinar as ações. Com poucas exceções cada neurônio no cérebro produz Figura 31: Neuritos de duas células conectadas
por uma junção gap. Um aumento mostrando
o mesmo neurotransmissor químico ou combinação de neurotransmissores; assim, o neurônio canais denominados conexons, cada um composto
pode ser inteiramente caracterizado pelo neurotransmissor que ele produz. Neurônios são por seis subunidades protéicas conexianas, as
quais unem citoplasmas de duas células. Íons e
sensoriais; são classificados como neurônios que são responsáveis por converter estímulos pequenas moléculas podem passar em ambas
externos do ambiente em estímulos internos. as direções através destes canais.
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Figura 32: Tipos de sinapses.

O Sistema Nervoso
Grosso modo, a função do sistema nervoso é lidar com sinais elétricos de várias naturezas
e extrair deles as informações essenciais para a vida. Sinais elétricos são dados. Um conjunto
deles fornece alguma informação. Que informações são trazida pelos sinais só o cérebro consegue
entender. Mais do que isso, o cérebro trabalha com as informações. Consegue classificar, arma-
zenar, trazer de volta quando bem entender, estabelecer relações entre informações e decidir em
função delas. Na maioria das vezes, a decisão do cérebro ocorre de forma autônoma. Mal colocamos
a mão no fogo e o cérebro já decidiu que é o momento de tirar a mão. Não só isso, já deu a ordem
para tirá-la do fogo.
Os sinais, por outro lado, são impulsos bioelétricos. Só tomamos conhecimento daquilo que
pode ser convertido em algo que o sistema nervoso possa reconhecer. E ele só reconhece os sinais
sob a forma de impulsos elétricos específicos. Com isso, nossa informação sobre o mundo que nos
cerca é bastante limitada. Por exemplo, só percebemos uma parte do espectro eletromagnético.
Passa despercebido quase todo o espectro como, por exemplo, os raios X, as ondas de rádio e
assim por diante.
Eletromagnetismo » Sinais Elétricos no Corpo Humano 22

O fato é que percebemos pouco do mundo que nos cerca. Curiosamente, isso é mais do que
suficiente. Percebemos apenas aquilo que é vital.
Isso é feito em várias etapas. Primeiramente, são gerados os sinais nas extremidades do sistema.
Esses primeiros sinais provêm das interfaces com o meio externo. São as primeiras informações.
A seguir, eles são transformados em sinais (os potenciais de ação) capazes de se propagar pelos
axônios. Informações mais úteis para o cérebro trabalhar com elas são obtidas na última etapa de
transformação desses sinais. Ela ocorre nas sinapses. A principal, e última, etapa é o processamento
dessas informações. E disso cuida o cérebro.
O sistema nervoso é composto de cerca de 100 bilhões de neurônios.
Por meio do sistema nervoso conseguimos receber, processar, armazenar, integrar e transmitir,
via transmissões sinápticas, informações. A partir delas, ou mesmo na ausência delas, o cérebro
humano é capaz de gerar informações.
Considera-se que o cérebro é constituído de dois sistemas: o sistema nervoso central e o sistema
nervoso periférico.
O sistema nervoso periférico é composto por fibras nervosas, cuja função é o transporte de
sinais entre o sistema nervoso central e as demais partes do organismo.
O sistema nervoso central processa as informações, toma decisões e envia ordens. Ele é
composto pela medula espinhal e o encéfalo, o qual é dividido em três partes: o cérebro, o cerebelo
e o bulbo.

Figura 33 Figura 34
Eletromagnetismo » Sinais Elétricos no Corpo Humano 23

Elas são classificadas em dois tipos: aferentes e eferentes. As fibras aferentes transmitem as
informações provenientes de estímulos sensoriais e viscerais ao sistema nervoso central, ao passo
que as eferentes enviam sinais do sistema nervoso central para os músculos e as glândulas.

Tabela 1: Organização do Sistema Nervoso Humano.


Divisão Partes Funções Gerais
Sistema Nervoso Central Encéfalo e Medula Processamento e Integração
(SNC) Espinhal de informações
Condução de informações entre
Sistema Nervoso Periférico Nervos e Gânglios órgãos receptores de estímulos,
(SNP) o SNC e órgãos efetores

O Cérebro
O cérebro é, sem a menor dúvida, a estrutura biológica
mais complexa que conhecemos. Ele pode ser pensado como a
CPU do sistema nervoso. E isso vale para todos os vertebrados
bem como para uma parte dos invertebrados.
No cérebro todo, o número de neurônios é muito próximo
do número de gliócitos. A distribuição, no entanto, não é unifor-
me. No córtex cerebral, por exemplo, os gliócitos excedem os
neurônios numa razão muito próxima de 4 para 1.
Os axônios preenchem a maior parte do espaço do cérebro, ou seja, a
atividade elétrica é intensa bem como o processamento das informações.
O cérebro é extremamente complexo. Por exemplo, o córtex cerebral
contém cerca de 30 bilhões de neurônios. Cada neurônio está ligado a 10 mil
conexões sinápticas. Assim, cada milímetro cúbico do córtex cerebral
contém cerca de 1 bilhão de sinapses; os neurônios se comunicam
Figura 35
uns com os outros por meio de fibras protoplasmáticas conhecidas
como axônios.
O cérebro pode ser dividido em regiões. Cada região é especializada num tipo de processamento,
ou seja, cada região é especializada numa função. Hoje é possível visualizar essas estruturas
cerebrais dos seres humanos. Isto é representado na Figura 000. Assim, diferentes regiões são
especializadas para executar diferentes funções.
Eletromagnetismo » Sinais Elétricos no Corpo Humano 24

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Eletromagnetismo » Sinais Elétricos no Corpo Humano 25

Créditos
Este ebook foi produzido pelo Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada (CEPA), Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).

Autoria: Gil da Costa Marques.

Revisão Técnica e Exercícios Resolvidos: Paulo Yamamura.

Coordenação de Produção: Beatriz Borges Casaro.

Revisão de Texto: Marina Keiko Tokumaru.

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira e Priscila Pesce Lopes de Oliveira.

Ilustração: Aline Antunes, Celso Roberto Lourenço e Maurício Rheinlander Klein.

Animações: Celso Roberto Lourenço e Maurício Rheinlander Klein.

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