Você está na página 1de 31

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

→DEFINIÇÃO
As diretrizes atuais do American College of Cardiology Foundation
(ACCF)/American Heart Association (AHA) definem IC como uma síndrome clínica
complexa que resulta do comprometimento estrutural ou funcional do enchimento
ventricular ou da ejeção sanguínea que, por sua vez, causa os sintomas clínicos cardinais de
dispneia e cansaço e os sinais de IC, especificamente edema e estertores. Como muitos
pacientes não apresentam sinais ou sintomas de sobrecarga de volume, o termo
“insuficiência cardíaca” passou a ser preferido em vez do antiga “insuficiência cardíaca
congestiva”.

→EPIDEMIOLOGIA
A IC é um grande problema mundial, afetando > 20 milhões de indivíduos. Sua
prevalência global na população adulta dos países desenvolvidos é de 2%. Essa prevalência
segue um padrão exponencial, aumentando com a idade, chegando a afetar 6 a 10% dos
indivíduos com > 65 anos. Embora a incidência relativa seja menor nas mulheres do que
nos homens, as mulheres constituem pelo menos metade dos casos de IC em razão de sua
maior expectativa de vida.
Já se pensou que a IC ocorreria principalmente em pacientes com diminuição da
fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE); entretanto, estudos epidemiológicos
demonstraram que aproximadamente metade dos pacientes que evoluem com IC
apresentam FE normal ou preservada (FE ≥ 50%). Por consequência, os termos históricos
IC “sistólica” e “diastólica” foram abandonados, e hoje os pacientes são classificados
genericamente como IC com FE reduzida (ICFER; anteriormente insuficiência sistólica) ou
IC com FE preservada (ICFEP; anteriormente insuficiência diastólica). Pacientes com FEVE
entre 40 e 50% têm sido considerados com FE limítrofe ou mediana. Até o momento da
produção deste texto, a epidemiologia desses pacientes não está definida.

→ETIOLOGIA
Qualquer condição que leve a alterações na estrutura ou função do ventrículo
esquerdo (VE) pode predispor o paciente a desenvolver IC. Ainda que a etiologia da IC nos
pacientes com FE preservada seja diferente daquela encontrada nos casos com diminuição
da FE, há considerável sobreposição de etiologias para essas duas condições. Nos países
industrializados, a doença arterial coronariana (DAC) tornou-se a principal causa em
homens e mulheres, sendo responsável por 60 a 75% dos casos de IC. A hipertensão arterial
contribui para o desenvolvimento de IC em 75% dos pacientes, incluindo a maioria daqueles
com DAC. A DAC e a hipertensão arterial interagem para aumentar o risco de IC, assim como
o diabetes melito.

■ Etiologias da insuficiência cardíaca

Fração de ejeção reduzida (< 40%)

Doença arterial coronariana Miocardiopatia dilatada não isquêmica


Infarto agudo do miocárdioa Distúrbios familiares/genéticos
Isquemia miocárdicaa Doenças infiltrativasa
Sobrecarga pressórica crônica Lesão induzida por tóxicos/fármacos
Hipertensão arteriala Doença metabólicaa
Doença obstrutiva valvara Viral
Sobrecarga volumétrica crônica Doença de Chagas
Doença valvar regurgitante Distúrbios da frequência e do ritmo
Shunt intracardíaco (esquerda- Bradiarritmias crônicas
direita) Taquiarritmias crônicas
Shunt extracardíaco
Doença pulmonar crônica
Cor pulmonale
Distúrbios pulmonares vasculares

Fração de ejeção preservada (> 40-50%)

Hipertrofia patológica Miocardiopatia restritiva


Primária (miocardiopatias Doenças infiltrativas (amiloidose,
hipertróficas) sarcoidose)
Secundária (hipertensão arterial) Doenças do armazenamento
Envelhecimento (hemocromatose)
Distúrbios endomiocárdicos Fibrose

Estados de alto débito

Distúrbios metabólicos Exigência de fluxo sanguíneo excessivo


Tireotoxicose Shunt arteriovenoso sistêmico
Distúrbios nutricionais (beri béri) Anemia crônica

aIndicam condições que também podem levar à insuficiência cardíaca com fração
de ejeção preservada.

Em 20 a 30% dos casos de IC com redução da FE, a etiologia exata não é conhecida.
Quando a causa é desconhecida, os pacientes são referidos como portadores de
miocardiopatia dilatada, não isquêmica ou idiopática. Infecção viral prévia e exposição a
toxinas (álcool ou quimioterápicos) também podem levar à miocardiopatia dilatada. Além
disso, está se tornando cada vez mais evidente que muitos casos de miocardiopatia dilatada
são secundários a problemas genéticos específicos, em particular aqueles no citoesqueleto.
A maioria das formas de miocardiopatia dilatada familiar é herdada de forma autossômica
dominante. Até o momento, foram identificadas mutações nos genes que codificam
proteínas do citoesqueleto (desmina, miosina cardíaca, vinculina) e proteínas da membrana
nuclear (laminina). A miocardiopatia dilatada também está associada às distrofias
musculares de Duchenne, de Becker e da cintura pélvica. As condições que levam a aumento
do débito cardíaco (p. ex., fístula arteriovenosa, anemia) raramente são responsáveis pelo
desenvolvimento de IC em um coração normal. Entretanto, na presença de cardiopatia
estrutural subjacente, tais condições podem desencadear IC franca.
A cardiopatia reumática continua sendo uma das principais causas da IC na África e
na Ásia, especialmente entre os jovens. A hipertensão arterial é uma causa importante de IC
nas populações africanas e nos negros norte-americanos. A doença de Chagas ainda é uma
causa considerável de IC na América do Sul. Não é surpreendente que a anemia seja um fator
concomitante frequente na IC em muitos países em desenvolvimento. À medida que tais
nações se desenvolvem, a epidemiologia da doença vai se tornando semelhante à observada
na Europa Ocidental e na América do Norte, com a DAC surgindo como causa isolada mais
comum de IC. Ainda que a contribuição do diabetes melito não esteja bem compreendida,
sabe-se que essa doença acelera o processo de aterosclerose e com frequência está
associada à hipertensão arterial.

→PROGNÓSTICO
A despeito dos avanços recentes na avaliação e no controle da IC, o surgimento de
sintomas ainda determina prognóstico reservado. Estudos baseados na comunidade
indicam que 30 a 40% dos pacientes morrem 1 ano após o diagnóstico, e 60 a 70%, no prazo
de 5 anos, principalmente pela piora da IC ou por um evento súbito (provavelmente devido
a uma arritmia ventricular). Conquanto seja difícil estabelecer um prognóstico individual,
os pacientes com sintomas em repouso (classe IV da New York Heart Association [NYHA])
apresentam taxa de mortalidade anual de 30 a 70%, enquanto aqueles com sintomas
surgidos durante atividades moderadas (classe II da NYHA) têm taxa de mortalidade anual
de 5 a 10%. Assim, o estado funcional é um preditor importante da evolução do paciente.
■ Classificação da New York Heart Association

Capacidade
Avaliação objetiva
funcional

Pacientes com cardiopatia, mas sem limitações para atividades


Classe I físicas; atividades físicas normais não causam fadiga exagerada,
palpitações, dispneia ou dor anginosa

Pacientes com cardiopatia que resulta em pequena limitação das


Classe II atividades físicas; ficam confortáveis em repouso; a atividade física
normal resulta em fadiga, palpitação, dispneia ou dor anginosa

Pacientes com cardiopatia que resulta em evidente limitação das


Classe III atividades físicas; ficam confortáveis em repouso; atividades físicas
mínimas causam fadiga, palpitação, dispneia ou dor anginosa

Pacientes com cardiopatia que os torna incapacitados para realizar


qualquer atividade física sem dor; os sintomas de insuficiência
Classe IV cardíaca ou de síndrome anginosa podem estar presentes mesmo
durante o repouso; se qualquer atividade física for realizada, a dor
aumentará

→PATOGÊNESE
A IC é um distúrbio progressivo iniciado quando um evento-índice lesa o músculo
cardíaco, resultando em perda dos miócitos cardíacos funcionantes ou, alternativamente,
em diminuição da capacidade do miocárdio de gerar força, impedindo, assim, que o coração
se contraia normalmente. Esse evento-índice pode ter instalação súbita, como no caso de
IAM; início gradual ou insidioso, como nos casos de sobrecarga hemodinâmica de pressão
ou de volume; ou ser hereditário, como nos casos das diversas miocardiopatias genéticas.
Independentemente da natureza do evento desencadeante, o fator comum a todos esses
episódios é a ocorrência, de algum modo, de declínio na capacidade de bombeamento do
coração. Na maioria dos casos, os pacientes mantêm-se assintomáticos ou minimamente
sintomáticos após o declínio inicial na sua capacidade de bombear ou desenvolvem
sintomas apenas algum tempo após a instalação da disfunção.
Mesmo não tendo sido estabelecidas as razões precisas para explicar por que é
possível que pacientes com disfunção de VE se mantenham assintomáticos, uma explicação
razoável é o grande número de mecanismos compensatórios ativados na presença de lesão
cardíaca e/ou de disfunção do VE, permitindo aos pacientes manter e modular a função do
VE por meses ou anos. Os mecanismos compensatórios descritos até o momento incluem
(1) ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e ativação do sistema
adrenérgico, responsáveis, respectivamente, por manter o débito cardíaco por meio do
aumento na retenção de sal e água e aumento da contratilidade miocárdica.
(2) Além disso, há ativação de uma família de moléculas vasodilatadoras
compensatórias, incluindo os peptídeos natriuréticos atrial e cerebral (ANP e BNP), a
bradicinina, as prostaglandinas (PGE2 e PGI2) e o óxido nítrico (NO), os quais compensam a
vasoconstrição vascular periférica excessiva. Muitos desses peptídeos vasodilatadores,
incluindo a bradicinina e os peptídeos natriuréticos, são degradados por uma neprilisina,
que é uma peptidase ligada à membrana. Esses mecanismos compensatórios são capazes de
modular a função do VE de forma a mantê-la dentro dos limites fisiológicos/homeostáticos,
preservando a capacidade funcional do paciente ou permitindo que a perda seja mínima.
Assim, os pacientes podem manter-se assintomáticos ou minimamente sintomáticos por
anos. Entretanto, em algum momento tornam-se francamente sintomáticos, o que resulta
em grande aumento nas taxas de morbidade e de mortalidade. Conforme discutiremos
adiante, mesmo com os mecanismos exatos responsáveis por essa transição ainda não
conhecidos, a transição para IC sintomática é acompanhada por ativação crescente dos
sistemas neuro-hormonal, adrenérgico e das citocinas, levando a uma série de alterações
adaptativas dentro do miocárdio, as quais são conhecidas, em seu conjunto,
como remodelamento de VE.

A diminuição do débito
cardíaco nos pacientes com IC
produz uma “descarga” dos
barorreceptores de alta
pressão (círculos) localizados
no ventrículo esquerdo, seio
carotídeo e arco aórtico. Essa
descarga dos barorreceptores
periféricos leva à perda do
tônus parassimpático
inibitório para o sistema
nervoso central (SNC),
resultando em aumento
generalizado no tônus
simpático eferente e em
liberação não osmótica de
arginina-vasopressina (AVP) pela hipófise. A AVP (ou hormônio antidiurético [ADH]) é um
vasoconstritor potente que aumenta a permeabilidade dos ductos coletores renais, levando
à reabsorção de água. Esses sinais aferentes ao SNC também ativam vias eferentes do
sistema nervoso simpático que inervam o coração, os rins, a vasculatura periférica e os
músculos esqueléticos.
A estimulação simpática dos rins leva à liberação de renina, produzindo aumento
nos níveis circulantes de angiotensina II e aldosterona. A ativação do sistema renina-
angiotensina-aldosterona promove retenção de água e sal e leva à vasoconstrição da
vasculatura periférica, hipertrofia dos miócitos, morte celular de miócitos e fibrose
miocárdica. Embora os mecanismos neuro-hormonais facilitem a adaptação em curto prazo
por meio da manutenção da pressão arterial, esses mesmos mecanismos neuro-hormonais
resultam em alterações nos órgãos-alvo, no coração e na circulação, bem como em retenção
excessiva de água e sal nos casos avançados de IC.
1. ICFER
O remodelamento do VE ocorre em resposta a uma série de eventos complexos nos
níveis celular e molecular. Tais alterações consistem em:
(1) hipertrofia de miócitos;
(2) alterações das propriedades contráteis dos miócitos;
(3) perda progressiva de miócitos em razão de necrose, apoptose e morte celular
autofágica;
(4) dessensibilização β-adrenérgica;
(5) alterações energéticas do miocárdio e no metabolismo; e
(6) reorganização da matriz extracelular com dissolução da estrutura organizada da
trama do colágeno ao redor dos miócitos e substituição subsequente por matriz de colágeno
intersticial incapaz de prover suporte estrutural aos miócitos.
Os estímulos biológicos para essas alterações profundas são estiramento mecânico
dos miócitos, neuro-hormônios circulantes (p. ex., norepinefrina, angiotensina II), citocinas
inflamatórias (p. ex., fator de necrose tumoral [TNF, de tumor necrosis factor]), outros
peptídeos e fatores de crescimento (p. ex., endotelina), bem como espécies reativas do
oxigênio (p. ex., superóxido). Acredita-se que a sobre-expressão mantida dessas moléculas
biologicamente ativas contribua para a progressão da IC em razão dos seus efeitos
deletérios sobre o coração e a circulação. De fato, essa percepção embasa o raciocínio clínico
que justifica o uso de agentes farmacológicos antagonistas desses sistemas (p. ex., inibidores
da enzima conversora de angiotensina, inibidores do receptor de angiotensina-neprilisina
[IRANs] e β-bloqueadores) no tratamento dos pacientes com IC.

■ Visão geral do remodelamento ventricular esquerdo

Alterações na biologia dos miócitos

Acoplamento excitação-contração
Expressão gênica da cadeia pesada de miosina (fetal)
Dessensibilização β-adrenérgica
Hipertrofia
Miocitólise
Proteínas do citoesqueleto

Alterações miocárdicas

Perda de miócitos
Necrose
Apoptose
Autofagia
Alterações na matriz extracelular
Degradação da matriz
Fibrose do miocárdio

Alterações na geometria da câmara ventricular esquerda

Dilatação do ventrículo esquerdo (VE)


Aumento da esfericidade do VE
Afinamento da parede do VE
Incompetência da valva mitral

Para compreender como as alterações que ocorrem no miócito cardíaco insuficiente


contribuem para a depressão da função sistólica do VE na IC, é instrutivo revisar primeiro a
biologia da célula muscular cardíaca. A ativação neuro-hormonal mantida e a sobrecarga
mecânica resultam em alterações transcricionais e pós-transcricionais nos genes e nas
proteínas que regulam o acoplamento excitação-contração e a interação das pontes
cruzadas. Entre as alterações que regulam o processo de excitação-contração estão redução
na função da Ca2+-adenosina-trifosfatase do retículo sarcoplasmático (SERCA2A),
resultando em redução da absorção de cálcio para o retículo sarcoplasmático (RS), e
hiperfosforilação do receptor de rianodina, levando à saída de cálcio do RS. As alterações
que ocorrem nas pontes cruzadas incluem a redução na expressão de α-miosina de cadeia
pesada e aumento na expressão de β-miosina de cadeia pesada, miocitólise e rompimento
das ligações no citoesqueleto entre os sarcômeros e a matriz extracelular. Em conjunto,
essas alterações prejudicam a capacidade de contração do miócito e, consequentemente,
contribuem para a deprimir a função sistólica do VE observada nos pacientes com IC.
O relaxamento do miocárdio é um processo dependente de trifosfato de adenosina
(ATP), regulado pela absorção do cálcio citoplasmático para o RS pela SERCA2A e pela
liberação do cálcio pelas bombas do sarcolema. Em consequência, reduções na concentração
do ATP, como as observadas na isquemia, podem interferir nesses processos e causar
retardo do relaxamento miocárdico. Por outro lado, se o enchimento do VE for retardado
em razão da redução na complacência (p. ex., por hipertrofia ou fibrose), as pressões de
enchimento do VE se manterão elevadas no final da diástole. O aumento na frequência
cardíaca encurta desproporcionalmente o tempo de enchimento diastólico, o que pode levar
à elevação das pressões de enchimento do VE, em particular nos ventrículos não
complacentes. A elevação das pressões de enchimento do VE ao final da diástole resulta em
aumento da pressão capilar pulmonar, contribuindo para a dispneia experimentada por
pacientes com disfunção diastólica. Além do déficit no relaxamento do miocárdio, o
aumento na rigidez do miocárdio secundário à hipertrofia cardíaca e o aumento no
conteúdo de colágeno no miocárdio também podem contribuir para a insuficiência
diastólica. É importante ressaltar que, nos pacientes com IC, a disfunção diastólica pode
ocorrer isoladamente ou em combinação com a disfunção sistólica.
A expressão remodelamento ventricular refere-se às alterações na massa, no
volume, na forma do VE e na composição do coração que ocorrem após lesão cardíaca e/ou
em condições com sobrecarga hemodinâmica. O remodelamento do VE pode contribuir de
forma independente para a evolução da IC em razão das cargas mecânicas produzidas pelas
alterações na geometria do VE remodelado. Além do aumento do volume diastólico final do
VE, observa-se afinamento da parede conforme o ventrículo se dilata. O afinamento
crescente da parede, somado ao aumento da pós-carga produzido pela dilatação do VE, leva
a um descompasso funcional na pós-carga, que pode diminuir ainda mais o volume de
ejeção sistólica. Além disso, a tensão elevada na parede ao final da diástole pode causar:
(1) hipoperfusão do subendocárdio com a consequente piora da função do VE;
(2) aumento do estresse oxidativo com ativação resultante das famílias de genes
sensíveis à geração dos radicais livres (p. ex., TNF e interleucina 1β); e
(3) expressão sustentada da ativação por estiramento das vias de sinalização
hipertrófica.
A dilatação crescente do VE também resulta em travamento dos músculos papilares
e consequente insuficiência do aparelho valvar mitral e regurgitação funcional por essa
valva, que, por sua vez, agrava a sobrecarga hemodinâmica sobre o ventrículo. Em seu
conjunto, as cargas mecânicas produzidas pelo remodelamento do VE contribuem para a
progressão da IC. Trabalhos recentes demonstraram que o remodelamento do VE pode ser
revertido com tratamento medicamentoso e com dispositivos e que essa reversão está
associada à melhora da evolução clínica nos pacientes com ICFER. De fato, uma das metas
do tratamento da IC é prevenir e/ou reverter o remodelamento do VE.

→MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Os principais sintomas de IC são fadiga e dispneia. Ainda que a fadiga
tradicionalmente seja atribuída ao baixo débito cardíaco da IC, é provável que
anormalidades musculares esqueléticas e outras comorbidades não cardíacas (p. ex.,
anemia) contribuam para esse sintoma. Nos primeiros estágios da IC, a dispneia é observada
apenas durante o exercício; entretanto, à medida que a doença evolui, esse sintoma passa a
ser provocado por atividades cada vez menores até, por fim, ocorrer inclusive durante o
repouso. A dispneia da IC provavelmente é multifatorial. O mecanismo mais importante é a
congestão pulmonar com acúmulo de líquido no interstício ou dentro dos alvéolos, o que
ativa os receptores J justacapilares, estimulando a respiração rápida e superficial
característica da dispneia cardíaca. Outros fatores podem contribuir para a dispneia aos
esforços, incluindo redução na complacência pulmonar, aumento da resistência nas vias
aéreas, fadiga dos músculos ventilatórios e/ou do diafragma e anemia. A dispneia pode
tornar-se menos frequente com o surgimento de insuficiência ventricular direita (VD) e de
insuficiência tricúspide.
ORTOPNEIA. A ortopneia, definida como dispneia que ocorre em posição deitada,
em geral é uma manifestação mais tardia de IC em comparação com a dispneia aos esforços.
Ela é causada pela redistribuição de volume da circulação esplâncnica e dos membros
inferiores para a circulação central quando o paciente permanece deitado, com o
consequente aumento da pressão capilar pulmonar. A tosse noturna é uma manifestação
comum desse processo, sendo um sintoma muitas vezes negligenciado da IC. A ortopneia
costuma ser aliviada quando o paciente se senta ou quando dorme recostado sobre muitos
travesseiros. Ainda que seja um sintoma relativamente específico da IC, também pode
ocorrer em pacientes com obesidade abdominal ou com ascite e naqueles com doença
pulmonar cuja mecânica favoreça a postura ereta.
DISPNEIA PAROXÍSTICA NOTURNA (DPN). Essa expressão refere-se a episódios
agudos de dispneia e tosse que costumam ocorrer à noite e despertam o paciente, em geral
1 a 3 horas após deitar-se. A DPN pode se manifestar na forma de tosse ou de sibilos,
possivelmente em razão de aumento da pressão nas artérias brônquicas, levando à
compressão das vias aéreas junto com edema intersticial pulmonar, o que produz aumento
da resistência nas vias aéreas. Enquanto a ortopneia pode ser aliviada com o paciente
sentado ereto na lateral da cama com as pernas pendentes, nos casos de DPN, a tosse e os
sibilos se mantêm mesmo com os pacientes em posição ereta.
RESPIRAÇÃO DE CHEYNE-STOKES. Também conhecida como respiração periódica
ou cíclica, a respiração de Cheyne-Stokes está presente em 40% dos pacientes com IC
avançada e em geral está associada a baixo débito cardíaco. A respiração de Cheyne-Stokes
é causada pela redução da sensibilidade do centro respiratório à pressão parcial arterial de
dióxido de carbono (PCO2) e um tempo circulatório prolongado. Observa-se uma fase de
apneia durante a qual a pressão parcial de oxigênio (PO2) arterial cai e a PCO2 arterial
aumenta. Essas alterações nos gases arteriais estimulam o centro respiratório, resultando
em hiperventilação e hipocapnia, seguidas de apneia recorrente.

EDEMA AGUDO DE PULMÃO.


OUTROS SINTOMAS. Os pacientes com IC também podem apresentar sintomas
gastrintestinais. Anorexia, náuseas e saciedade precoce, associadas a dor abdominal e
plenitude são queixas comuns, podendo estar relacionadas com edema na parede intestinal
e/ou congestão hepática. A congestão do fígado com estiramento de sua cápsula pode
produzir dor no quadrante superior direito. Alguns sintomas cerebrais, como confusão,
desorientação, além de distúrbios no sono e do humor, podem ser observados em pacientes
com IC grave, em particular nos mais idosos com arteriosclerose cerebral e perfusão
cerebral deficiente. A noctúria é comum na IC, podendo contribuir para a insônia.

Um exame físico cuidadoso está sempre indicado na avaliação de pacientes com IC


de modo a determinar a causa da IC, bem como definir a gravidade da síndrome.
Exame geral e sinais vitais. Na IC leve a moderada, o paciente não aparenta dor em
repouso, exceto quando estiver deitado em posição supina por alguns minutos. Nos casos
mais graves de IC, o paciente senta-se ereto, pode apresentar dificuldade respiratória e,
talvez, impossibilidade de terminar uma frase por estar ofegante. A pressão arterial sistólica
pode estar normal ou elevada na IC inicial, mas geralmente encontra-se reduzida nos casos
avançados com disfunção grave de VE. A pressão de pulso pode mostrar-se reduzida,
refletindo redução do volume de ejeção sistólico. A taquicardia sinusal é um sinal
inespecífico causado por aumento da atividade adrenérgica. A vasoconstrição periférica,
que leva ao esfriamento das extremidades e cianose dos lábios e leitos ungueais, também é
causada por atividade adrenérgica excessiva.
Veias jugulares. O exame das veias jugulares permite estimar o valor da pressão
atrial direita. A pressão venosa jugular é mais bem avaliada com o paciente deitado, com a
cabeça inclinada a 45°. A pressão venosa jugular deve ser quantificada em centímetros de
água (normal ≤ 8 cm), estimando-se a altura da coluna de sangue venoso acima do ângulo
do esterno e adicionando 5 cm. Nos estágios iniciais da IC, a pressão venosa pode estar
normal em repouso, mas elevar acima do normal com a pressão manual mantida (por
aproximadamente 15 segundos) sobre o abdome (refluxo abdominojugular positivo). A
presença de onda v gigante indica insuficiência tricúspide.
Exame pulmonar. Ruídos respiratórios adventícios (estertores ou crepitação)
resultam de transudação de líquido do espaço intravascular para os alvéolos. Nos pacientes
com edema pulmonar, os estertores podem ser amplamente auscultados em ambos os
campos pulmonares, às vezes acompanhados por sibilos expiratórios (asma cardíaca).
Quando presentes em pacientes sem doença pulmonar concomitante, os estertores são
sinais específicos de IC. É importante ressaltar que os estertores com frequência estão
ausentes nos pacientes com IC crônica, mesmo nos casos com pressões de enchimento de
VE elevadas, em razão do aumento na drenagem linfática do líquido alveolar. O derrame
pleural é causado por elevação da pressão capilar pleural que produz transudação de
líquidos para a cavidade pleural. Considerando que as veias pleurais drenam tanto para as
veias sistêmicas quanto para as veias pulmonares, o derrame pleural geralmente ocorre
mais quando há insuficiência biventricular. Embora o derrame pleural costume ser bilateral
na IC, quando unilateral, é mais frequente no espaço pleural direito.
Exame cardiológico. Embora essencial, o exame do coração frequentemente não
acrescenta informações úteis acerca da gravidade da IC. Se houver cardiomegalia,
o ictus cordis em geral estará deslocado inferiormente para uma posição abaixo do quinto
espaço intercostal e/ou lateralmente para a linha clavicular média, e o impulso passa a ser
palpável sobre dois espaços. A hipertrofia grave de VE leva a um ictus sustentado. Em alguns
pacientes, é possível ouvir e palpar uma terceira bulha (B3) no ápice cardíaco. Os pacientes
com VD aumentado ou hipertrofiado podem apresentar um impulso sustentado e
prolongado na linha paraesternal esquerda, estendendo-se durante toda a sístole. Uma
B3 (ou galope protodiastólico) costuma estar presente nos pacientes com sobrecarga
volumétrica que tenham taquicardia e taquipneia e em geral implica comprometimento
hemodinâmico grave. A presença de uma quarta bulha (B4) não é um indicador específico
de IC, mas geralmente está presente nos pacientes com disfunção diastólica. Os sopros
característicos de insuficiência mitral e tricúspide com frequência se encontram presentes
nos pacientes com IC avançada.
Abdome e membros. A hepatomegalia é um sinal importante nos pacientes com IC.
Quando presente, o fígado aumentado costuma ser doloroso, podendo pulsar durante a
sístole nos casos em que haja insuficiência tricúspide. A ascite, um sinal tardio, ocorre como
consequência de aumento da pressão nas veias hepáticas e nas veias que drenam o
peritônio. A icterícia, também um achado tardio, é causada por disfunção hepática
secundária à congestão do fígado e à hipoxemia hepatocelular, estando associada a aumento
das bilirrubinas direta e indireta.
O edema periférico é uma das principais manifestações da IC, porém constitui um
sinal inespecífico e em geral está ausente nos pacientes tratados adequadamente com
diuréticos. O edema periférico costuma ser simétrico e postural, ocorrendo
predominantemente nos tornozelos e na região pré-tibial nos pacientes capazes de
deambular. Nos pacientes restritos ao leito, o edema pode ser observado nas regiões sacral
(edema pré-sacral) e escrotal. O edema de longa duração pode estar associado à pele
endurecida e pigmentada.
Caquexia cardíaca. Nos casos de IC crônica grave, pode haver perda evidente de peso
e caquexia. Embora o mecanismo da caquexia não seja completamente compreendido, é
provável que seja multifatorial. Quando presente, a caquexia implica prognóstico reservado.

→DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de IC é relativamente evidente quando o paciente apresenta os sinais
e sintomas clássicos; porém, esses sinais e sintomas não são nem específicos nem sensíveis.
Por isso, a chave para o diagnóstico é a manutenção de alto grau de suspeição, em particular
nos pacientes com risco elevado. Quando tais pacientes apresentam sinais e sintomas de IC,
devem-se solicitar exames laboratoriais complementares.
Os critérios clínicos de Framingham estão divididos em 9 maiores e 7 menores.
Como forma de memorizá-los, uma dica é tentar categorizar os critérios por tipos ou locais
onde ocorrem as alterações, por exemplo: pulmão, circulação (congestão), coração e outras.
A imagem a seguir mostra os critérios agrupados dessa forma.

Para diagnóstico de IC são necessários: 2 critérios maiores OU 1 maior + 2 menores.


Os critérios menores são aceitos desde que não possam ser justificados por outra causa,
como hipertensão pulmonar, DPOC, cirrose, ascite e síndrome nefrótica, por exemplo.
Exames laboratoriais de rotina. Nos casos de início recente e naqueles com
descompensação aguda de quadro crônico, devem ser realizados hemograma completo,
perfil dos eletrólitos, dosagens de ureia sanguínea, da creatinina sérica e das enzimas
hepáticas, bem como análise de urina. Alguns pacientes devem ser investigados para
detecção de diabetes melito (glicemia em jejum ou teste de tolerância à glicose),
dislipidemia (perfil lipídico em jejum) e disfunção tireoidiana (nível do hormônio
estimulante da tireoide [TSH]).
Eletrocardiograma (ECG). Recomenda-se a realização de ECG de 12 derivações. Seu
principal objetivo é avaliar o ritmo cardíaco, determinar a presença de hipertrofia de VE ou
de IAM prévio (presença ou ausência de ondas Q), assim como determinar a largura do QRS
para avaliar se o paciente pode ser beneficiado com a terapia de ressincronização. O ECG
normal praticamente exclui disfunção sistólica do VE.
Radiografias de tórax. A radiografia do tórax fornece informações úteis acerca das
dimensões e da forma do coração, assim como sobre o estado da vasculatura pulmonar,
podendo, ainda, identificar causas não cardíacas para os sintomas do paciente. Embora os
pacientes com IC aguda apresentem evidências de hipertensão pulmonar, de edema
intersticial e/ou de edema pulmonar, a maior parte dos pacientes com IC crônica não
apresenta quaisquer desses sinais radiográficos. A ausência de tais achados nos pacientes
com IC crônica reflete o aumento da capacidade dos linfáticos de remover o líquido
intersticial e/ou o pulmonar.
Avaliação da função do VE. A imagem cardíaca não invasiva é essencial para
diagnóstico, avaliação e condução dos casos de IC. O exame mais útil é o ecocardiograma
bidimensional (2D) com Doppler, capaz de fornecer uma avaliação semiquantitativa das
dimensões e função do VE, assim como sobre a presença ou ausência de anormalidades
valvares e/ou na mobilidade da parede (indicativas de IAM prévio). A presença de dilatação
atrial esquerda e hipertrofia de VE, junto com alterações no enchimento diastólico do VE
identificadas por ondas de pulso e Doppler tecidual, são úteis para avaliar os casos de ICFEP.
O ecocardiograma 2D com Doppler também é inestimável na investigação das dimensões
do VD e das pressões pulmonares, parâmetros fundamentais à avaliação e ao tratamento
do cor pulmonale . A imagem por ressonância magnética (RM) também fornece uma análise
abrangente da anatomia e da função cardíacas, sendo atualmente considerado o padrão-
ouro para a avaliação da massa e do volume do VE. A RM também vem se tornando uma
modalidade de imagem útil e precisa para a avaliação de pacientes com IC, tanto em termos
de investigação da estrutura do VE quanto para a determinação das causas da IC (p. ex.,
amiloidose, miocardiopatia isquêmica, hemocromatose).
O indicador mais utilizado da função de VE é a FE (volume de ejeção sistólico
dividido pelo volume diastólico final). Como a FE é fácil de medir com exames não invasivos
e fácil de conceituar, ela se tornou muito popular na clínica diária. Infelizmente, a FE
apresenta uma série de limitações para ser considerada um indicador confiável para avaliar
a contratilidade, uma vez que é influenciada por alterações na pós-carga e/ou na pré-carga.
De qualquer forma, com as exceções indicadas anteriormente, quando a FE é normal (≥
50%), a função sistólica em geral está preservada, e, quando a FE está significativamente
reduzida (< 30 a 40%), a contratilidade está reduzida.
Biomarcadores. Os níveis circulantes dos peptídeos natriuréticos são ferramentas
adjuntas úteis e importantes no diagnóstico dos pacientes com IC. Tanto o peptídeo
natriurético do tipo B (BNP) como o fragmento N-terminal do precursor do peptídeo
natriurético cerebral (NT-pro-BNP), liberados do coração insuficiente, são marcadores
relativamente sensíveis para a presença de IC com redução da FE; ainda que em menor grau,
também se encontram elevados nos pacientes que têm ICFER. Nos pacientes ambulatoriais
com dispneia, a dosagem de BNP e de NT-pro-BNP é útil para corroborar a decisão clínica
acerca do diagnóstico de IC, especialmente em quadro de incerteza clínica.
Testes de esforço. Testes feitos em esteira ou bicicleta ergométrica não são
recomendados rotineiramente aos pacientes com IC, mas podem ser úteis na avaliação da
necessidade de transplante cardíaco em pacientes com IC avançada.

→DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A IC deve ser distinguida de:
(1) condições nas quais se observa congestão circulatória secundária à retenção
anormal de água e sais, mas sem distúrbios na estrutura ou função cardíacas (p. ex.,
insuficiência renal), e
(2) causas não cardíacas de edema pulmonar (p. ex., síndrome da angústia
respiratória aguda).
Na maioria dos pacientes que se apresentam com os sinais e sintomas clássicos de
IC, o diagnóstico é relativamente claro. Entretanto, mesmo clínicos experientes podem ter
dificuldade de diferenciar as dispneias de origem cardíaca das de origem pulmonar. Nesse
sentido, exames não invasivos de imagem cardíaca, biomarcadores, testes para a avaliação
da função pulmonar e radiografia de tórax podem ser úteis. Em tal cenário, níveis muito
baixos de BNP ou de NT-pro-BNP podem ser úteis para excluir uma causa cardíaca para a
dispneia. O edema de tornozelo pode surgir secundário à insuficiência venosa, obesidade,
doença renal ou efeitos da gravidade. Quando a IC se desenvolve em pacientes com FE
preservada, pode ser difícil determinar o papel relativo da IC na gênese da dispneia que
esteja ocorrendo em pacientes com doença pulmonar crônica e/ou obesidade.

→COR PULMONALE
O cor pulmonale, também referido como doença cardiopulmonar, pode ser definido
como alteração da estrutura e/ou função de VD, no contexto de doença pulmonar crônica,
desencadeada pelo surgimento de hipertensão pulmonar. Embora a disfunção de VD
também seja uma sequela importante da ICFEP e da ICFER, esses casos não são
considerados como cor pulmonale.
O cor pulmonale crônico se desenvolve em resposta à hipertensão pulmonar crônica
resultante de doença pulmonar parenquimatosa, doenças vasculares pulmonares primárias
ou condições que levem à hipoxia alveolar. É difícil determinar a verdadeira prevalência
do cor pulmonale. Primeiramente, nem todos os pacientes com doença pulmonar crônica
evoluem com cor pulmonale, que pode ser subclínico em indivíduos compensados. Em
segundo lugar, a capacidade de diagnosticar hipertensão pulmonar e cor pulmonale por
meio de exame físico e testes laboratoriais rotineiros é relativamente insensível.

■ Etiologia do cor pulmonale crônico

Doenças do parênquima pulmonar

Doença pulmonar obstrutiva crônica


Enfisema
Bronquite crônica
Doença pulmonar intersticial
Pneumonia intersticial idiopática (p. ex., FPI, PIU)
Doenças intersticiais secundárias
Sarcoidose
Fibrose pulmonar e enfisema combinados
Bronquiectasia
Fibrose cística
Histiocitose pulmonar das células de Langerhans
Linfangioleiomiomatose
Distúrbios pulmonares do desenvolvimento

Distúrbios de hipoxia crônica (alveolar)

Síndrome de hipoventilação alveolar


Síndrome de hipoventilação da obesidade
Síndrome de hipoventilação central
Insuficiência respiratória neuromuscular
Distúrbios da parede torácica
Cifoescoliose
Exposição crônica a grandes altitudes

Doenças dos vasos sanguíneos pulmonares

Hipertensão arterial pulmonar (HAP)


HAP idiopática
HAP hereditária
Induzida por fármacos e toxinas
HAP associada
Doença venoclusiva
Hipertensão pulmonar tromboembólica crônica
Microangiopatia trombótica tumoral pulmonar
Distúrbios mediastinais que afetam a vasculatura pulmonar central

Quando pacientes suscetíveis desenvolvem cor pulmonale, o seu prognóstico piora,


independentemente da etiologia subjacente. Embora a doença pulmonar obstrutiva crônica
(DPOC) e a bronquite crônica sejam responsáveis por aproximadamente 50% dos casos
de cor pulmonale na América do Norte, qualquer doença que afete a vasculatura
pulmonar ou o parênquima pulmonar pode causar cor pulmonale.
Embora muitas condições possam causar cor pulmonale, o mecanismo
fisiopatológico comum é hipertensão pulmonar e aumento da pós-carga de VD que sejam
suficientes para alterar a estrutura (i.e., dilatação com ou sem hipertrofia) e a função do VD.
Normalmente, a pressão arterial pulmonar média é de apenas cerca de 15 mmHg e não
aumenta significativamente mesmo com aumentos importantes do débito cardíaco em
razão de vasodilatação pulmonar e recrutamento de vasos sanguíneos do leito circulatório
pulmonar. Mas, em quadros de doença do parênquima pulmonar, distúrbios vasculares
primários do pulmão ou hipoxia (alveolar) crônica, o leito circulatório é submetido a graus
variáveis de remodelamento vascular, vasoconstrição e destruição. Consequentemente, a
pressão arterial pulmonar e a pós-carga de VD aumentam, estabelecendo o quadro de cor
pulmonale. As consequências sistêmicas do cor pulmonale estão relacionadas com
alterações no débito cardíaco, assim como com a homeostase do sal e da água.
Anatomicamente, o VD é uma câmara complacente de paredes finas, mais adequado para
lidar com sobrecargas de volume do que de pressão. Assim, a sobrecarga sustentada de
pressão por fim leva a disfunção e falência do VD.
A resposta do VD à hipertensão pulmonar depende de quão aguda e intensa é a
sobrecarga pressórica. O cor pulmonale agudo ocorre após estímulo súbito e intenso (p. ex.,
embolia pulmonar maciça), com dilatação e falência do VD, mas sem hipertrofia. Contudo,
o cor pulmonale crônico evolui lentamente e em conjunto com hipertrofia modesta e
compensatória de VD que reduz a tensão na parede e preserva a função do VD. Com o tempo,
ocorre dilatação do VD levando a um aumento da tensão da parede de VD e disfunção
evidente. A descompensação aguda de cor pulmonale crônico previamente compensado é
uma ocorrência clínica comum. Entre os fatores desencadeantes estão agravamento de
hipoxia por qualquer causa (p. ex., pneumonia), acidemia (p. ex., DPOC exarcebada),
embolia pulmonar aguda, taquiarritmia atrial, hipervolemia e ventilação mecânica que
comprime os vasos sanguíneos alveolares e aumenta ainda mais a pós-carga de VD.
Os sintomas do cor pulmonale crônico geralmente estão relacionados com a doença
pulmonar subjacente. A dispneia, o sintoma mais comum, costuma resultar de maior esforço
respiratório secundário às alterações na elasticidade pulmonar (doenças pulmonares
fibrosantes), à alteração nos mecanismos respiratórios (p. ex., hiperinsuflação no DPOC) ou
à ventilação ineficiente (p. ex., doença vascular pulmonar primária). A dispneia também
pode ser causada por limitações cardiovasculares com diminuição do fornecimento de
oxigênio por débito cardíaco reduzido. Edema dos membros inferiores e mesmo aumento
da circunferência abdominal devido à formação de ascite ocorrem secundários à ativação
neuro-hormonal, à elevação da pressão de enchimento do VD e das pressões atriais ou ao
aumento dos níveis de dióxido de carbono e hipoxemia que podem levar à vasodilatação
periférica e à formação de edema.
Por isso, é importante avaliar o paciente quanto à disfunção sistólica e diastólica do
VE como causa de IC direita. O ECG na hipertensão pulmonar grave apresenta onda
P pulmonale, desvio do eixo para a direita e hipertrofia do VD. A radiografia do tórax pode
revelar aumento das artérias pulmonares centrais principais e dos vasos hilares. Com a
espirometria e os volumes pulmonares é possível identificar disfunção com padrões
obstrutivos ou restritivos indicativos de doença do parênquima pulmonar e capacidade de
difusão reduzida; a gasometria arterial geralmente revela hipoxemia com ou sem
hipercapnia. A TC de alta resolução do tórax pode identificar doença pulmonar intersticial
e determinar a extensão do enfisema. A angio-TC do tórax é útil para o diagnóstico de
embolia pulmonar aguda; todavia, a cintilografia ventilação-perfusão permanece mais
adequada para diagnosticar doença tromboembólica crônica.
O ecocardiograma 2D é usado para medir a espessura da parede do VD e as
dimensões da câmara. O septo interventricular pode se mover paradoxalmente durante a
sístole na presença de sobrecarga pressórica do VD, evidenciando uma interação deletéria
entre o VD e o VE. A ecocardiografia com Doppler pode ser usada para avaliar a pressão na
artéria pulmonar. A localização do VD atrás do esterno e seu formato em crescente
representam desafios à avaliação de sua função com a ecocardiografia, em especial quando
há doença do parênquima pulmonar. As medidas calculadas da função do VD (p. ex.,
excursão sistólica do ânulo da tricúspide no plano, velocidade sistólica da parede livre do
VD, tensão da parede livre de VD ou o índice Tei) complementam as avaliações mais
subjetivas. A RM também pode ser útil para investigar a estrutura e a função do VD,
particularmente em pacientes nos quais seja difícil obter imagens com ecocardiografia 2D
em razão de doença pulmonar grave. O cateterismo cardíaco confirma o diagnóstico de
hipertensão pulmonar e pode excluir aumento das pressões no coração esquerdo (medidas
como pressão de oclusão da artéria pulmonar ou pressão diastólica final do VE) como causa
da IC direita. Os níveis do BNP e do fragmento N-terminal do pró-BNP estão elevados nos
pacientes com cor pulmonale secundário ao estiramento miocárdico do VD.
→TRATAMENTO
Fenótipos distintos de apresentação com alvos diversos de tratamento
exemplificam a vasta síndrome de insuficiência cardíaca (IC). O espectro clínico inclui a
insuficiência cardíaca crônica com fração de ejeção reduzida (ICFER) ou insuficiência
cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP), insuficiência cardíaca descompensada
aguda (ICDA) e insuficiência cardíaca avançada. Com o advento de terapia dirigida ao
sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), uso de antagonistas do receptor β,
antagonistas do receptor de mineralocorticoide, terapia de ressincronização cardíaca e uso
de desfibrilador cardíaco implantável, o manejo inicial evoluiu do controle dos sintomas
para terapia modificadora do curso da doença nos casos de ICFER. Entretanto, não houve
evolução semelhante nas síndromes de ICFEP e de ICDA, que se mantiveram sem avanços
terapêuticos convincentes capazes de alterar sua história natural. Na insuficiência cardíaca
avançada, um estágio da doença normalmente encontrado em casos com ICFER, o paciente
permanece bastante sintomático e refratário ou incapaz de tolerar o tratamento em dose
plena com antagonistas neuro-hormonais, requerendo, com frequência, doses crescentes de
diuréticos e apresentando hiponatremia persistente e insuficiência renal com episódios
frequentes de descompensação cardíaca necessitando hospitalização. Esses indivíduos têm
risco máximo de morte relacionada com falência súbita ou progressiva da bomba cardíaca.
• ICFEP
Os alvos terapêuticos na ICFEP são o controle da congestão, a estabilização da
frequência cardíaca e da pressão arterial e a tentativa de aumentar a tolerância aos
exercícios. A abordagem de alvos alternativos, como regressão da hipertrofia ventricular
nos casos de cardiopatia hipertensiva, e uso de agentes lusitrópicos, como os bloqueadores
dos canais de cálcio e os antagonistas dos receptores β, foi decepcionante. A experiência
demonstrou que a redução da pressão arterial melhora os sintomas de forma mais efetiva
que o uso de terapia direcionada com agentes específicos.
Assim como os esforços para controlar a hipertensão arterial são essenciais em
pacientes com ICFEP, a investigação para correção de isquemia subjacente também pode
ser benéfica. A identificação e o tratamento apropriados dos distúrbios da ventilação no
sono devem ser fortemente considerados. A redução excessiva na pré-carga com
vasodilatadores pode causar queda no enchimento ventricular e subsequente hipotensão e
síncope.
IRAN: inibidor do receptor da angiotensina-neprilisina.
• Insuficiência cardíaca descompensada aguda
A ICDA é uma síndrome clínica heterogênea que, na maioria dos casos, resulta em
hospitalização do paciente em razão da confluência de anormalidades inter-relacionadas
com redução no desempenho cardíaco, disfunção renal e alterações na complacência
vascular. A admissão com diagnóstico de ICDA está associada a alta morbidade e
mortalidade, com cerca de metade desses pacientes readmitidos para tratamento nos 6
meses seguintes, e alta mortalidade em curto prazo (5% hospitalar) e em longo prazo (20%
em 1 ano). É importante ressaltar que os resultados agregados em longo prazo continuam
sendo insatisfatórios, com incidência combinada de mortes por causa cardiovascular,
hospitalizações por insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio ou morte súbita
chegando a 50% nos 12 meses seguintes à hospitalização. O tratamento desses pacientes é
difícil e gira em torno, principalmente, de controle do volume e redução da impedância
vascular ao mesmo tempo em que se dá atenção à perfusão dos órgãos-alvo (coronárias e
rins).
O primeiro princípio para tratamento desses pacientes é identificar e abordar os
desencadeantes de descompensação conhecidos. Há necessidade de identificar e abordar a
questão de não adesão ao tratamento e uso de medicamentos como anti-inflamatórios não
esteroides, formulações para gripe e resfriados contendo estimulantes cardíacos e de
fitoterápicos, como licorice, ginseng e formas herbais de efedrina (atualmente banida na
maioria dos países). Quando o quadro clínico for sugestivo, deve-se investigar, identificar e
tratar infecção e tromboembolismo pulmonar franco ou oculto. Quando possível, eventuais
arritmias devem ser corrigidas com controle da frequência cardíaca ou com restauração do
ritmo sinusal nos pacientes com fibrilação atrial de alta frequência mal tolerada e corrigindo
isquemia atual por meio de revascularização coronariana ou por meio da remoção de
agravantes, como sangramento ativo acompanhado por isquemia relacionada com
demanda. Uma etapa paralela no tratamento envolve a estabilização hemodinâmica
naqueles que apresentem instabilidade. Não se recomenda o uso rotineiro de cateter em
artéria pulmonar, devendo ser restrito àqueles que respondam mal à diurese ou
apresentem hipotensão ou sinais e sintomas sugestivos de baixo débito cardíaco em que o
alvo terapêutico não seja obtido. A análise de prontuários hospitalares identificou vários
parâmetros associados a piores desfechos: nível de nitrogênio ureico sanguíneo > 43
mg/dL (para converter a mmol/L, multiplicar por 0,357), pressão arterial sistólica < 115
mmHg, creatinina sérica > 2,75 mg/dL (para converter a μmol/L, multiplicar por 88,4), e
elevação no nível de troponina I.

• Controle do volume
Os diuréticos intravenosos aliviam os sintomas congestivos de forma rápida e
efetiva e são essenciais quando a absorção oral estiver prejudicada. Quando forem
necessárias doses altas de diuréticos ou quando seu efeito não for o ideal, talvez haja
necessidade de infusão contínua para reduzir a toxicidade e manter níveis séricos estáveis
do medicamento. Os ensaios clínicos randomizados comparando doses altas e baixas ou
aplicação em bolus e infusão contínua de diuréticos não concluíram de forma definitiva
sobre qual seria a melhor estratégia de uso desses medicamentos na ICDA e, assim, a escolha
do regime permanece sendo um exercício de arte, e não de ciência. O acréscimo de um
diurético tiazídico, como a metolazona em associação, produz um efeito sinérgico e costuma
ser necessário nos pacientes tratados em longo prazo com diuréticos de alça. A alteração no
peso é frequentemente usada como indicador de diurese adequada, mas esse parâmetro
objetivo do estado de volume pode ser surpreendentemente difícil de interpretar, e a perda
de peso durante hospitalização não necessariamente mantém correlação estreita com os
resultados do tratamento. Em geral, preconiza-se manter a diurese até que se obtenha o
estado de euvolemia. Os achados do exame físico, especificamente a pressão venosa jugular
junto com a variação dos biomarcadores, são meios úteis para planejar a alta hospitalar.
A síndrome cardiorrenal tem sido cada vez mais reconhecida como uma
complicação da ICDA. Diversas definições foram propostas para a síndrome cardiorrenal,
mas, para simplificar, ela pode ser entendida como reflexo da interação entre as
anormalidades cardíacas e a função renal, com deterioração da função de um órgão
enquanto se administra tratamento para preservar o outro. Cerca de 30% dos pacientes
hospitalizados com ICDA apresentam função renal anormal no início do quadro, o que está
associado a hospitalizações mais longas e maior mortalidade. A hipótese é que, nos
pacientes com insuficiência cardíaca estabelecida, essa síndrome represente a inter-relação
complexa de fatores neuro-hormonais, potencialmente agravados por “falência retrógrada”
resultante de aumento da pressão intra-abdominal e redução no retorno do fluxo sanguíneo
venoso renal. O uso contínuo de terapia com diuréticos pode estar associado à redução na
taxa de filtração glomerular e à piora na síndrome cardiorrenal quando a pressão de
enchimento das câmaras direitas se mantiver elevada. Nos pacientes nos estágios finais da
doença, caracterizado por estado de redução profunda no débito cardíaco, a terapia
inotrópica ou o suporte circulatório mecânico se mostraram capazes de preservar ou
melhorar a função renal em alguns indivíduos em curto prazo até que uma terapia definitiva,
como circulação assistida ou transplante cardíaco, possa ser executada.
A ultrafiltração (UF) é uma técnica invasiva para retirada de volume capaz de
suplementar a necessidade de terapia diurética. Entre os possíveis benefícios da UF estão
taxas controladas de retirada de líquido, efeitos neutros sobre os eletrólitos séricos e
redução da atividade neuro-hormonal. Essa técnica também é denominada aquaferese
como reconhecimento dos seus efeitos poupador-depleção de eletrólitos. A investigação
atual argumenta contra a indicação de UF como estratégia primária nos pacientes com ICDA
que respondam ao tratamento com diuréticos. Quanto à utilidade da UF nos estados não
responsivos aos diuréticos, continua uma questão em aberto, e essa estratégia deve ser
usada com cautela nessas situações.
• Terapia vascular
A administração intravenosa de vasodilatadores, incluindo nitratos,
nitroprusseto e nesiritida (um peptídeo natriurético cerebral recombinante), foi
preconizada como terapia a montante na tentativa de estabilizar os pacientes com ICDA.
Este último agente foi introduzido em dose fixa para terapia depois que uma comparação
com nitratos intravenosos sugeriu redução mais rápida e maior na pressão de oclusão da
artéria pulmonar. O entusiasmo com a nesiritida esvaneceu-se com as preocupações
surgidas a partir de estudos fundamentais para o desenvolvimento de insuficiência renal e
um aumento na taxa de mortalidade. Para abordar essas preocupações, realizou-se um
ensaio em larga escala sobre morbidade e mortalidade, o Acute Study of Clinical
Effectiveness of Nesiritide in Decompensated Heart Failure (ASCEND-HF), finalizado em
2011, que incluiu randomicamente 7.141 pacientes com ICDA para receberem nesiritida ou
placebo por 24 a 168 horas, além dos cuidados-padrão. A nesiritida não foi associada a
aumento ou redução nas taxas de morte e de reinternação e produziu benefícios clínicos
insignificantes sobre a dispneia. A função renal não piorou, mas observou-se aumento na
taxa de hipotensão. Embora esse ensaio tenha confirmado a segurança do medicamento, seu
uso rotineiro não pode ser preconizado em razão da falta de eficácia significativa.
A relaxina-2 recombinante humana, ou serelaxina, é um peptídeo suprarregulado na
gravidez e testado em pacientes com ICDA e pressão arterial normal ou aumentada. A
serelaxina melhorou a dispneia, reduziu os sinais e sintomas de congestão e esteve
associada a menos casos de agravamento precoce da IC. A análise dos desfechos de
resultados difíceis aos 6 meses sugeriu sinais positivos em favor de redução da mortalidade.
Um maior estudo subsequente não conseguiu demonstrar benefício. Recentemente, o
peptídeo natriurético urodilatina foi testado em um grande estudo (TRUE-AHF) em
pacientes com ICDA e, embora houvesse evidência de descongestionamento junto com uma
redução na expressão endógena dos peptídeos natriuréticos, não houve melhora nos
desfechos clínicos em 6 meses. A urodilatina foi associada a uma maior taxa de hipotensão
e piora na creatinina sérica.
• Terapia inotrópica
A redução da contratilidade do miocárdio com frequência acompanha a ICDA, e os
fármacos que aumentam a concentração intracelular do monofosfato de adenosina cíclico,
por via direta ou indireta, como as aminas simpatomiméticas (dobutamina) e os inibidores
da fosfodiesterase-3 (milrinona), respectivamente, atuam como agentes inotrópicos
positivos. Sua atividade leva a aumento no cálcio citoplasmático. Naqueles pacientes com
estado de baixo débito, a terapia inotrópica aumenta o débito cardíaco, melhora a perfusão
e reduz agudamente a congestão. Embora a milrinona e a dobutamina tenham perfis
hemodinâmicos semelhantes, a primeira tem ação mais lenta e é excretada pelos rins e,
assim, requer ajuste da dose em caso de disfunção renal. Como a milrinona atua a jusante
do receptor β1-adrenérgico, ela pode ser vantajosa em pacientes que estejam recebendo β-
bloqueadores quando admitidos ao hospital. Os estudos concordam universalmente que a
terapia inotrópica de longo prazo aumenta a mortalidade. Contudo, o uso de agentes
inotrópicos por curto prazo, em pacientes com ICDA, também foi associado a aumento de
arritmias e de hipotensão sem benefícios nos desfechos difíceis. Atualmente, os agentes
inotrópicos são indicados como terapia de ponte (para dispositivo de suporte ventricular
esquerdo ou para transplante) ou para paliação seletivamente aplicada em caso de
insuficiência cardíaca terminal.
Foram introduzidos novos agentes inotrópicos que alavancaram o conceito de
sensibilização do cálcio no miofilamento em vez de aumento do nível intracelular de cálcio.
A levosimendana é um sensibilizador de cálcio com atividade inotrópica, mas também com
propriedades inibidoras da fosfodiesterase-3, com ação vasodilatadora. Essas propriedades
tornam seu uso incompatível com os pacientes em estado de baixo débito com quadro de
hipotensão. Outro fármaco que atua como ativador seletivo da miosina, o omecamtiv
mecarbil, prolonga o período de ejeção e aumenta o encurtamento fracional.
Especificamente, não há aumento na força de contração e, portanto, esse agente não
aumenta a demanda de oxigênio pelo miocárdio.

■ Terapia intravenosa na insuficiência cardíaca descompensada aguda


Classe de Posologia Cuidados
Fármaco Comentários
fármaco usual especiais
Uso em hipotensão, hipoperfusão de
órgão-alvo e estado de choque
Ação curta, uma vantagem; eficácia
Aumento da variável na presença de β-
demanda por bloqueadores (requer aumento da
2-20
Dobutamina oxigênio do dose); tolerância clínica em caso de
μg/kg/min
miocárdio, infusão prolongada; preocupação
arritmia com cardite por hipersensibilidade
(rara)
Reduzir a dose na insuficiência renal;
0,375-0,75 Hipotensão, evitar aplicação inicial em bolus;
Terapia Milrinona
μg/kg/min arritmia efetividade mantida na presença de
inotrópica
β-bloqueadores
Ação prolongada; não deve ser usada
0,1
em pacientes com pressão arterial
μg/kg/min,
Hipotensão, baixa; efetividade semelhante à da
Levosimendana variação,
arritmia dobutamina, mas preservada mesmo
0,05-0,2
em pacientes fazendo uso de β-
μg/kg/min
bloqueador
Aumenta a contratilidade sem
Omecamtiv aumentar a demanda de oxigênio do
N/D *Nos ensaios
mecarbil miocárdio; em fase de ensaios
confirmadores
■ Terapia intravenosa na insuficiência cardíaca descompensada aguda
Classe de Posologia Cuidados
Fármaco Comentários
fármaco usual especiais
Uso em caso de congestão pulmonar
para alívio rápido da dispneia, desde
que com pressão arterial preservada
10-20
μg/min; O vasodilatador mais comum, mas
Cefaleia, rubor,
Nitroglicerina aumentar frequentemente usado em subdose;
tolerância
até 200 efetivo com doses mais altas
μg/min
Bolus de 2 A redução na pressão arterial pode
μg/kg e reduzir a pressão de perfusão renal;
Nesiritida infusão a Hipotensão evitar administração em bolus, já que
0,01 aumenta a tendência a induzir
Vasodilatadores μg/kg/min hipotensão
0,3
Toxicidade por Requer instalação de acesso arterial
μg/kg/min
tiocianato na para titulação e controle preciso da
Nitroprusseto titulado
insuficiência pressão arterial e prevenção de
para 5
renal (> 72 h) hipotensão
μg/kg/min
N/D
A pressão arterial Não está amplamente disponível
(testado
Serelaxina inicial deve ser > comercialmente; ineficaz nos ensaios
com 30
125 mmHg confirmadores
μg/kg/dia)
15 A pressão arterial
Hipotensão excessiva e aumento da
Ularitida ng/kg/min basal inicial deve
creatinina sérica
(48 h) ser > 116 mmHg
Primeira linha de tratamento em
pacientes com sobrecarga de volume
e congestão; podem ser aplicados
em bolus ou em infusão contínua;
dose inicial baixa (1 × a dose
domiciliar) ou dose inicial alta (2,5 ×
a dose domiciliar) são igualmente
efetivas, com risco maior de
agravamento renal com doses mais
altas
Diuréticos
Em caso de congestão grave, uso
20-240 Monitorar perda intravenoso e considerar infusão
Furosemida
mg/dia de eletrólitos contínua (sem confirmação em
ensaios)
Alta biodisponibilidade, pode ser
administrada por via oral; em
10-100 Monitorar perda observação não controlada é dita
Torasemida
mg/dia de eletrólitos mais efetiva em estados avançados
de insuficiência cardíaca caso a
biodisponibilidade da furosemida
■ Terapia intravenosa na insuficiência cardíaca descompensada aguda
Classe de Posologia Cuidados
Fármaco Comentários
fármaco usual especiais
esteja reduzida (em razão de
congestão intestinal)
0,5-5 Monitorar perda Pode ser administrada por via oral;
Bumetanida
mg/dia de eletrólitos biodisponibilidade intermediária
A acetazolamida é útil quando há
alcalose; a metolazona é
Metolazona,
Diuréticos administrada em doses de 2,5-10 mg;
clortalidona,
adjuvantes para N/D causa desequilíbrio eletrolítico
espironolactona,
aceleração importante; a espironolactona é
acetazolamida
usada quando há hipopotassemia
grave e função renal normal
Nos pacientes que não respondam adequadamente ao tratamento clínico, pode ser
necessário o uso de dispositivos mecânicos de assistência.
• ICFER
Nos últimos 50 anos, testemunhou-se grande avanço no tratamento da ICFER. O
tratamento da insuficiência cardíaca sintomática evoluiu do modelo com enfoque renal
(diuréticos) e hemodinâmico (digoxina, agentes inotrópicos) para a era da terapia
modificadora da evolução da doença com o uso de antagonistas neuro-hormonais. A
respeito disso, os bloqueadores do SRAA e os β-bloqueadores formam a base da
farmacoterapia e produzem atenuação do declínio e melhora na estrutura e na função
cardíacas, com consequente redução dos sintomas, melhora na QDV, redução da taxa de
hospitalizações e declínio na mortalidade tanto por insuficiência da bomba quanto por
arritmias.

• Antagonismo neuro-hormonal
As metanálises publicadas sugerem redução de 23% na mortalidade e de 35% nos
desfechos combinados de mortalidade e hospitalizações motivadas por insuficiência
cardíaca nos pacientes tratados com IECA. O tratamento com β-bloqueadores proporciona
redução adicional de 35% na mortalidade além do benefício obtido apenas com os IECAs. A
experiência acumulada com ambos os agentes em uma gama ampla de pacientes com ICFER
demonstrou a segurança dos IECAs no tratamento de pacientes com insuficiência renal leve
e a tolerabilidade aos β-bloqueadores dos pacientes com diabetes moderadamente
controlado, asma e doença pulmonar obstrutiva. Os benefícios de IECAs e β-bloqueadores
se estendem aos sintomas da doença avançada (classes IIIb a IV da NYHA). Contudo, um
número substancial de pacientes com insuficiência cardíaca avançada não consegue atingir
as doses ideais dos inibidores neuro-hormonais e requerem redução cautelosa da exposição
a esses medicamentos para manter-se clinicamente estáveis. Esses indivíduos com menor
tolerância a IECAs e β-bloqueadores representam uma coorte de alto risco e prognóstico
reservado.
Os IECAs produzem seus efeitos benéficos na ICFER como efeito de classe; contudo,
acredita-se que os efeitos benéficos dos β-bloqueadores sejam restritos a alguns agentes
específicos. Os β-bloqueadores com atividade simpatomimética intrínseca (xamoterol) e
outros agentes, incluindo o bucindolol, não demonstraram benefícios para a sobrevida. Com
base nas pesquisas realizadas, os β-bloqueadores indicados na ICFER são apenas carvedilol,
bisoprolol e succinato de metoprolol – agentes testados e aprovados como produtores de
aumento na sobrevida em ensaios clínicos. Sobre se o tratamento deve ser iniciado com β-
bloqueador ou com IECA, a resposta veio do ensaio Cardiac Insufficiency Bisoprolol Study
(CIBIS) III, no qual os resultados não foram diferentes iniciando com qualquer dos agentes.
Assim, pouco importa qual agente é introduzido primeiro; o que importa é titular a dose aos
níveis considerados ideais para IECA e β-bloqueador e de forma oportuna.
Em um ensaio, concluiu-se que, com as doses mais altas toleradas de IECA, obtém-
se redução maior nas hospitalizações sem aumento concreto na sobrevida. Os β-
bloqueadores demonstraram melhora dose-dependente na função cardíaca e redução na
mortalidade e nas hospitalizações. A experiência clínica indica que, não havendo
indicadores de hipotensão (fadiga e tontura), a farmacoterapia pode ser titulada para cima
a cada 2 semanas em pacientes hemodinamicamente estáveis de acordo com a tolerância.
• Antagonistas de mineralocorticoides
O uso de antagonista da aldosterona está associado à redução na mortalidade em
todos os estágios da ICFER sintomática nas classes II a IV da NYHA. Os níveis aumentados
da aldosterona nos pacientes com ICFER promovem retenção de sódio, desequilíbrio
eletrolítico e disfunção endotelial e podem contribuir diretamente para a fibrose do
miocárdio. O agente seletivo eplerenona (testado em pacientes classe II da NYHA e
insuficiência cardíaca pós-infarto agudo do miocárdio) e o antagonista não seletivo
espironolactona (testado em pacientes com insuficiência cardíacas classes III e IV da NYHA)
reduzem a mortalidade e as hospitalizações, com redução significativa nas mortes súbitas
cardíacas (MSCs). Hiperpotassemia e piora da função renal são preocupações,
especialmente em pacientes com doença renal crônica subjacente, e há indicação para
monitoramento cuidadoso da função renal e dos níveis séricos do potássio.
• Terapia no SRAA
O “escape” neuro-hormonal foi testemunhado em pacientes com ICFER pelo retorno
dos níveis circulantes de angiotensina II aos valores pré-tratamento com a terapia em longo
prazo com IECA. Os BRAs impedem esse fenômeno ligando-se competitivamente ao
receptor AT1. Assim, a estratégia clínica inicial deve ser o uso de uma combinação de dois
medicamentos (IECA e β-bloqueador; se houver intolerância ao β-bloqueador, então IECA e
BRA; se houver intolerância ao IECA, BRA e β-bloqueador). Nos pacientes sintomáticos
(NYHA classes II a IV), um antagonista da aldosterona deve ser fortemente considerado,
mas deve-se evitar tratamento com quatro medicamentos.
• Vasodilatação arteriovenosa
A combinação de hidralazina e nitratos demonstrou aumentar a sobrevida de
pacientes com ICFER. A hidralazina reduz a resistência vascular sistêmica e induz
vasodilatação arterial, alterando a cinética intracelular do cálcio; os nitratos são
transformados no interior das células musculares lisas em óxido nítrico, o qual estimula a
produção do monofosfato de guanosina cíclico e, consequentemente, promove
vasodilatação arterial e venosa. Essa combinação aumenta a sobrevida, mas não no grau
observado para IECAs e BRAs. Entretanto, nos indivíduos com ICFER incapazes de tolerar o
tratamento com base no SRAA por razões como insuficiência renal ou hiperpotassemia, essa
combinação deve ser a preferida como abordagem para modificar o curso da doença.
• Novos antagonistas neuro-hormonais
Mais recentemente, a introdução de LCZ696, um BRA (valsartana) com um inibidor
da endopeptidase (sacubitril), mostrou um benefício na sobrevida em um grande estudo
quando comparado com o BRA isolado. O fármaco, conhecido como inibidor do receptor de
angiotensina-neprilisina (IRAN) (e denominado Entresto®), foi testado no estudo
PARADIGM-HF como uma alternativa ao IECA na dose ideal e demonstrou uma melhora
adicional na sobrevida quando comparado com o IECA isolado. A maioria das diretrizes
defende agora a troca do IECA por esse fármaco como um padrão em pacientes com
insuficiência cardíaca leve a moderada quando eles permanecerem sintomáticos a despeito
de doses máximas toleradas da terapia convencional.
TABELA 253-2 ■ Farmacoterapia e as metas de dose na insuficiência cardíaca
com fração de ejeção reduzida
Dose média
Dose
Classe de diária nos Dose-
Fármaco inicial
fármaco ensaios clínicos alvo (mg)
(mg)
(mg)
Inibidores da enzima conversora de angiotensina
20-
Lisinopril 4,5-33 2,5-5/dia
35/dia
2,5, 10-20,
Enalapril 17
2×/dia 2×/dia
6,25, 50,
Captopril 123
3×/dia 3×/dia
Trandolapril N/D 0,5-1/dia 4/dia
Bloqueadores do receptor de angiotensina
Losartana 129 50/dia 150/dia
40, 160,
Valsartana 254
2×/dia 2×/dia
Candesartana 24 4-8/dia 32/dia
Antagonistas da aldosterona
Eplerenona 42,6 25/dia 50/dia
12,5- 25-
Espironolactona 26
25/dia 50/dia
β-bloqueadores
Succinato de metoprolol 12,5-
159 200/dia
CR/XL 25/dia
3,125, 25-50,
Carvedilol 37
2×/dia 2×/dia
Bisoprolol 8,6 1,25/dia 10/dia
Vasodilatadores arteriovenosos
Hidralazina/dinitrato de 37,5/20, 75/40,
270/136
isossorbida 3×/dia 3×/dia
Hidralazina/dinitrato de 37,5/20, 75/40,
143/76
isossorbida em dosagem fixa 4×/dia 4×/dia
Inibidor do receptor da angiotensina-neprilisina
100, 200,
Sacubitril-valsartana 375
2×/dia 2×/dia
• Modificação da frequência cardíaca
A ivabradina, um inibidor da corrente If no nó sinoatrial, reduz a frequência cardíaca
sem produzir efeito inotrópico negativo. A ivabradina reduziu as hospitalizações e o
desfecho combinando morte por causa cardiovascular e hospitalização por insuficiência
cardíaca. A população do estudo não foi, necessariamente, representativa dos pacientes
norte-americanos com ICFER, uma vez que, com poucas exceções, a maioria não havia
recebido cardioversor-desfibrilador interno ou terapia de ressincronização cardíaca e 40%
não eram tratados com antagonista do receptor de mineralocorticoide. Embora 90%
recebessem β-bloqueador, apenas 25% estavam sendo tratados com dose plena. Ainda não
está claro se esse agente seria efetivo em pacientes recebendo terapia plena recomendada
em diretriz para insuficiência cardíaca. Nas diretrizes de 2012 da European Society of
Cardiology para tratamento de insuficiência cardíaca, clinicamente a ivabradina deve ser
considerada em pacientes que permanecem sintomáticos após a administração, conforme
as recomendações das diretrizes, de IECA, β-bloqueador e antagonistas dos receptores de
mineralocorticoides e com frequência cardíaca residual > 70 bpm. Outro grupo para o qual
se espera benefício é o daqueles que não toleram os β-bloqueadores.
• Inibidores de cotransportador de sódio-glicose (SGTL-2)
Dapaglifozina, epaglifozina.
• Digoxina
Os glicosídeos digitálicos têm efeito inotrópico leve, atenuam a atividade
barorreceptora do seio carotídeo e são inibidores do sistema simpático. Observe-se que
doses baixas de digoxina são suficientes para obter qualquer benefício potencial na
evolução, e doses mais altas comprometem o índice de segurança terapêutica. Embora haja
indicação de verificar os níveis de digoxina para reduzir a chance de toxicidade com
indicação de reduzir a dose em caso de níveis mais altos, não há necessidade de ajuste de
níveis baixos. Em geral, a digoxina atualmente é relegada ao tratamento de pacientes que se
mantenham muito sintomáticos a despeito de bloqueio neuro-hormonal ideal e controle
adequado do volume.
• Diuréticos por via oral
A ativação neuro-hormonal resulta em retenção ávida de sal e água. Os diuréticos de
alça costumam ser necessários em razão de sua maior potência e podem ser necessários
ajustes frequentes da dose em razão de variação da absorção oral e de flutuações na função
renal. É importante ressaltar que os dados de ensaios clínicos a confirmar a eficácia são
limitados, e não há dados que sugiram que esses agentes aumentem a sobrevida. Assim, os
diuréticos idealmente devem ser usados em esquemas de doses ajustadas para evitar
exposição excessiva. De fato, os diuréticos são essenciais inicialmente para controlar o
volume antes que a terapia neuro-hormonal possa ser avaliada quanto à tolerância ou tenha
a dose titulada.
• Antagonistas de canal de cálcio
O anlodipino e o felodipino, bloqueadores do canal de cálcio de segunda geração,
reduzem a pressão arterial de forma segura e efetiva em pacientes com ICFER, mas não
afetam a morbidade, a mortalidade ou a QDV. Os agentes da primeira geração, incluindo o
verapamil e o diltiazém, podem produzir efeito inotrópico negativo e desestabilizar
pacientes antes assintomáticos. Seu uso deve ser desestimulado.
• Estatinas
Os efeitos potentes de alteração dos lipídeos e pleiotrófico das estatinas reduzem os
eventos cardiovasculares maiores e aumentam a sobrevida nas populações sem
insuficiência cardíaca. Uma vez estabelecida a insuficiência cardíaca, essa terapia talvez não
seja tão benéfica e pode, inclusive, ser deletéria ao causar depleção da ubiquinona na cadeia
de transporte de elétrons. Se forem necessárias estatinas para tratar doença arterial
coronariana progressiva em pacientes com antecedentes de insuficiência cardíaca, então
elas devem ser usadas. Todavia, parece não haver justificativa para o uso rotineiro das
estatinas na insuficiência cardíaca não isquêmica.
• Terapia anticoagulação e antiplaquetária
A ICFER é acompanhada por um estado de hipercoagulabilidade e, portanto, por
risco elevado de eventos tromboembólicos, incluindo acidente vascular cerebral (AVC),
embolia pulmonar e embolia arterial periférica. Embora a anticoagulação oral em longo
prazo esteja estabelecida em alguns grupos, incluindo o de pacientes com fibrilação atrial,
os dados são insuficientes para corroborar o uso de varfarina em pacientes com ritmo
sinusal normal sem história de eventos tromboembólicos ou evidências ecocardiográficas
de trombos no ventrículo esquerdo.

Você também pode gostar