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Amanda, Catarina, Madu, Maju e Sophia - 97

SITUAÇÃO PROBLEMA O8

- Insuficiência cardíaca
DEFINIÇÃO

Clínica médica USP: Considera-se que a insuficiência cardíaca (IC) seja uma síndrome que torna o
coração incapaz de ofertar oxigênio em taxa adequada aos tecidos, ou o faz à custa de elevação da
sua pressão de enchimento (pré-carga). Devido à heterogeneidade e à complexidade da IC, não
existe uma definição amplamente difundida e aceita. Geralmente, a IC resulta de disfunção
estrutural ou funcional do coração, que compromete a sua capacidade de se encher de sangue ou de
ejetá-lo. Salienta-se a diferenciação entre “insuficiência miocárdica”, que ocorre quando a contração
miocárdica é comprometida, e a “insuficiência circulatória”, que se dá quando uma anormalidade de
algum componente da circulação é responsável pela manifestação da IC.

Diretriz: A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, na qual o coração é
incapaz de bombear sangue de forma a atender às necessidades metabólicas tissulares, ou pode
fazê-lo somente com elevadas pressões de enchimento. Tal síndrome pode ser causada por
alterações estruturais ou funcionais cardíacas e caracteriza-se por sinais e sintomas típicos, que
resultam da redução no débito cardíaco e/ou das elevadas pressões de enchimento no repouso ou
no esforço.

O termo “insuficiência cardíaca crônica” reflete a natureza progressiva e persistente da doença,


enquanto o termo “insuficiência cardíaca aguda” fica reservado para alterações rápidas ou graduais
de sinais e sintomas resultando em necessidade de terapia urgente. Embora a maioria das doenças
que levam à IC caracterizem-se pela presença de baixo débito cardíaco (muitas vezes compensado)
no repouso ou no esforço (IC de baixo débito), algumas situações clínicas de alto débito também
podem levar a IC, como tireotoxicose, anemia, fístulas arteriovenosas e beribéri (IC de alto débito).

Implícito na definição de IC está o conceito de que a ela possa ser causada por anormalidade na
função sistólica, produzindo redução do volume sistólico (IC sistólica) ou anormalidade na função
diastólica, levando a defeito no enchimento ventricular (IC diastólica), que também determina
sintomas típicos de IC. No entanto, é importante salientar que, em muitos pacientes, coexistem as
disfunções sistólica e a diastólica. Assim, convencionou-se definir os pacientes com IC de acordo
com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE).

FATORES DE RISCO

Incluem: (1) ingesta excessiva de Na, (2) não adesão às medicações para IC, (3) IAM (pode ser
silencioso), (4) exacerbação da hipertensão, (5) arritmias agudas, (6) infecções e/ou febre, (7)
embolia pulmonar, (8) anemia, (9) tireotoxicose, (10) gravidez, (11) miocardite aguda ou
endocardite infecciosa e (12) certos fármacos (p. ex., AINEs, verapamil).

EPIDEMIOLOGIA

Harrison: A IC é um grande problema mundial, afetando > 20 milhões de indivíduos. Sua


prevalência global na população adulta dos países desenvolvidos é de 2%. Essa prevalência segue
um padrão exponencial, aumentando com a idade, chegando a afetar 6 a 10% dos indivíduos com
> 65 anos. Embora a incidência relativa seja menor nas mulheres do que nos homens, as mulheres
constituem pelo menos metade dos casos de IC em razão de sua maior expectativa de vida.

Na América do Norte e na Europa, o risco de desenvolver IC ao longo da vida para os indivíduos


com 40 anos de idade é de cerca de 1 em 5. Acredita-se que a prevalência total da IC esteja
aumentando, em parte porque as terapêuticas atuais para as doenças cardíacas, como infarto agudo
do miocárdio (IAM), cardiopatia valvar e arritmias, têm permitido que os pacientes sobrevivam por
mais tempo. A prevalência de IC nos países emergentes é incerta devido à falta de estudos
populacionais nesses países. Já se pensou que a IC ocorreria principalmente em pacientes com
diminuição da fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE); entretanto, estudos epidemiológicos
demonstraram que aproximadamente metade dos pacientes que evoluem com IC apresentam FE
normal ou preservada (FE ≥ 50%). Por consequência, os termos históricos IC “sistólica” e
“diastólica” foram abandonados, e hoje os pacientes são classificados genericamente como IC com
FE reduzida (ICFER; anteriormente insuficiência sistólica) ou IC com FE preservada (ICFEP;
anteriormente insuficiência diastólica). Pacientes com FEVE entre 40 e 50% têm sido considerados
com FE limítrofe ou mediana.

Diretriz: A despeito de avanços na terapêutica da IC, a síndrome mantém-se como patologia grave,
afetando, no mundo, mais de 23 milhões de pessoas. A sobrevida após 5 anos de diagnóstico pode
ser de apenas 35%, com prevalência que aumenta conforme a faixa etária (aproximadamente de 1%
em indivíduos com idade entre 55 e 64 anos, chegando a 17,4% naqueles com idade maior ou igual
a 85 anos). Dados recentes distinguem a mortalidade tardia (1 ano) entre portadores de IC crônica,
de acordo com a classificação por fração de ejeção, atingindo maior taxa para portadores da ICFEr
(8,8%), seguida da ICFEi (7,6%) e da ICFEp (6,3%). De acordo com publicações internacionais, o
perfil clínico da IC crônica envolve indivíduos idosos portadores de etiologias diversas, sendo a
isquêmica a mais prevalente, com alta frequência de comorbidades associadas.

Na América Latina, com suas peculiaridades sociais, econômicas e culturais, um perfil clínico
distinto é encontrado. Baixo investimento na saúde, inadequado acesso ao atendimento e
acompanhamento insuficiente nos serviços em nível primário ou terciário são potenciais fatores de
risco, e, consequentemente, inúmeros processos fisiopatológicos favorecem o desenvolvimento da
IC. Em nosso país, dados do registro BREATHE (Brazilian Registry of Acute Heart Failure)
mostraram como principal causa de re-hospitalizações a má aderência à terapêutica básica para IC,
além de elevada taxa de mortalidade intra-hospitalar, posicionando o Brasil como uma das mais
elevadas taxas no mundo ocidental. Nosso país ainda apresenta controle inadequado de hipertensão
arterial e diabetes, e a persistência de doenças negligenciadas está entre causas frequentes da IC. A
doença reumática e a doença de chagas (DC), embora menos relevantes do que no passado,
continuam presentes, gerando quadros graves. Esta última esteve relacionada ao atendimento
ambulatorial de até 21% de portadores de IC.

Em subanálise envolvendo dados de dois ensaios clínicos multicêntricos, a cardiopatia chagásica


causou IC em pacientes mais jovens, com pior qualidade e anos de vida, quando comparada a
outras etiologias. Estudo transversal em programa de Atenção Primária corroborou a alta
prevalência de pacientes com risco para IC e também com disfunção ventricular assintomática,
confirmando a necessidade de intervenção precoce e adequada no serviço básico de saúde. Faz-se
necessário, deste modo, um maior conhecimento e uma melhor compreensão sobre a IC crônica,
para que não só as desigualdades no acesso aos serviços de saúde, tão evidentes entre os pacientes
portadores desta doença, sejam minimizadas, mas também seja possível aliviar causas removíveis de
IC na população brasileira.
ETIOLOGIA

Clínica médica USP: A IC é a manifestação inicial ou final de muitas patologias. Pode ser
secundária a: 1) doenças cardiovasculares como hipertensão arterial, aterosclerose (com suas várias
manifestações, como infarto do miocárdio, cardiomiopatia isquêmica etc.), doenças das válvulas
cardíacas ou doença congênita etc.; 2) cardiomiopatias primárias (de origem genética, mista ou
adquirida) ou secundárias; 3) pericardiopatias; e 4) endocardiopatias. As etiologias mais frequentes
da IC sistólica são cardiomiopatia dilatada idiopática, isquêmica (aterosclerose coronariana),
doença de Chagas, hipertensão arterial, valvar, alcoólica, miocardite de origem indeterminada e
periparto. A IC com fração de ejeção preservada mais frequente está geralmente associada à
disfunção diastólica, que, por sua vez, está relacionada à idade avançada, sexo feminino, obesidade,
diabetes mellitus, doença coronariana, doença renal e estenose aórtica.

Harrison: Como mostra a Tabela abaixo, qualquer condição que leve a alterações na estrutura ou
função do ventrículo esquerdo (VE) pode predispor o paciente a desenvolver IC. Ainda que a
etiologia da IC nos pacientes com FE preservada seja diferente daquela encontrada nos casos com
diminuição da FE, há considerável sobreposição de etiologias para essas duas condições.

- Nos países industrializados, a doença arterial coronariana (DAC) tornou-se a principal causa em
homens e mulheres, sendo responsável por 60 a 75% dos casos de IC.

- A hipertensão arterial contribui para o desenvolvimento de IC em 75% dos pacientes, incluindo a


maioria daqueles com DAC.

A DAC e a hipertensão arterial interagem para aumentar o risco de IC, assim como o diabetes
melito.

- Em 20 a 30% dos casos de IC com redução da FE, a etiologia exata não é conhecida. Quando a
causa é desconhecida, os pacientes são referidos como portadores de miocardiopatia dilatada,
não isquêmica ou idiopática.

- Infecção viral prévia e exposição a toxinas (álcool ou quimioterápicos) também podem levar à
miocardiopatia dilatada. Além disso, está se tornando cada vez mais evidente que muitos casos
de miocardiopatia dilatada são secundários a problemas genéticos específicos, em particular
aqueles no citoesqueleto. A maioria das formas de miocardiopatia dilatada familiar é herdada de
forma autossômica dominante. Até o momento, foram identificadas mutações nos genes que
codificam proteínas do ci-toesqueleto (desmina, miosina cardíaca, vinculina) e proteínas da
membrana nuclear (laminina). A miocardiopatia dilatada também está associada às distrofias
musculares de Duchenne, de Becker e da cintura pélvica.

- As condições que levam a aumento do débito cardíaco (p. ex., fístula arteriovenosa, anemia)
raramente são responsáveis pelo desenvolvimento de IC em um coração normal. Entretanto, na
presença de cardiopatia estrutural subjacente, tais condições podem desencadear IC franca.

CONSIDERAÇÕES GLOBAIS

A cardiopatia reumática continua sendo uma das principais causas da IC na África e na Ásia,
especialmente entre os jovens. A hipertensão arterial é uma causa importante de IC nas populações
africanas e nos negros norte-americanos. A doença de Chagas ainda é uma causa considerável de IC
na América do Sul. Não é surpreendente que a anemia seja um fator concomitante frequente na IC
em muitos países em desenvolvimento. À medida que tais nações se desenvolvem, a epidemiologia
da doença vai se tornando semelhante à observada na Europa Ocidental e na América do Norte,
com a DAC surgindo como causa isolada mais comum de IC. Ainda que a contribuição do diabetes
melito não esteja bem compreendida, sabe-se que essa doença acelera o processo de aterosclerose e
com frequência está associada à hipertensão arterial.

CLASSIFICAÇÃO

Clínica médica USP: Com o objetivo de uma melhor estratégia no seu diagnóstico etiológico e
tratamento, a IC pode ser classificada de várias formas. Essa classificação pode ser de acordo com a
condição clínica, hemodinâmica, funcional ou a etiologia.

1 Duração: IC aguda, quando inferior, e crônica quando superior a 6 meses. Utiliza-se o termo “de
novo” quando do seu aparecimento. Quanto maior a duração, mais completa pode ser a ativação
neuro-hormonal e o remodelamento, com manifestações mais típicas de retenção hídrica.
Inversamente, após um infarto agudo do miocárdio, pode não haver as manifestações crônicas. A
aplicação típica dessa classificação é no raciocínio diagnóstico da miocardite.

2 Manifestação de ventrículo direito ou esquerdo ou mista: clinicamente, a IC esquerda


caracteriza-se pela presença de sinais e sintomas de congestão pulmonar (dispnéia aos esforços,
tosse noturna, dispnéia paroxística noturna, ortopnéia, crepitações pulmonares). A IC direita está
relacionada aos sinais e sintomas de congestão sistêmica (estase jugular, edema de membros
inferiores, hepatomegalia dolorosa, ascite). A disfunção do ventrículo esquerdo pode causar
disfunção do ventrículo direito. Essa classificação tem importância no diagnóstico diferencial de
certas causas de IC em que pode predominar umas das manifestações. Por exemplo: a doença de
Chagas tem manifestação de esquerdo e direito; a doença restritiva, com freqüência, tem ascite; cor
pulmonale apresenta manifestações de ventrículo direito comprometido.

3 Débito cardíaco: pacientes com tireotoxicose, fístula arteriovenosa, beribéri ou anemia


importante e/ou doença de Paget podem apresentar débito cardíaco com valores elevados
associadamente a sinais e sintomas de IC, caracterizando uma síndrome de alto débito, que pode ser
reconhecida pela perfusão aumentada de pele. Nesse caso, a estratégia terapêutica é totalmente
diferente da de baixo débito, que se caracteriza por sinais de má perfusão (pele fria, sudorese) e
congestão.

4 Fração de ejeção de ventrículo esquerdo ou direito: quando a fração de ejeção de ventrículo


esquerdo/direito é comprometida, é chamada sistólica; inversamente, é chamada diastólica, quando
não é comprometida (IC com fração de ejeção preservada). Na IC com fração de ejeção preservada
(diastólica), há dificuldade de enchimento do coração ou enchimento com pressões elevadas. Essa
classificação é importante, pois algumas etiologias manifestam-se predominantemente de uma
forma ou de outra. Como fatores de risco para IC com fração de ejeção preservada, têm-se idade,
sexo feminino, obesidade, hipertensão arterial, diabetes, doença coronariana, doença renal e
estenose aórtica.

5 Classe funcional: correntemente utilizada na prática clínica, a classificação proposta pela New
York Heart Association (NYHA) avalia a limitação de esforço em pacientes com IC. É útil na prática
diária por ser de fácil aplicação e apresentar valor prognóstico (Tabela IV).

6 Estágios: mais recentemente, foi proposto um novo sistema de estadiamento baseado na evolução
e na progressão da IC. Essa forma de categorização reflete o modelo fisiopatológico da IC, que
considera essa síndrome como a via final comum a diferentes doenças cardíacas em indivíduos com
fatores de risco. Essa representação da IC cardíaca com caráter contínuo possui implicações
preventivas, prognósticas e também terapêuticas (Figura 2).

7 Estabilidade: de acordo com a estabilidade e as manifestações clínicas, a IC pode ser


compensada, descompensada (“de novo” ou crônica que descompensou) ou persistentemente
descompensada, quando os sinais/sintomas de descompensação persistem (Figura 3). Entende-se
por descompensação o aparecimento de sinais/sintomas, como edema ou hipoperfusão ou
hipotensão, que determinam uma nova estratégia terapêutica de ambulatório ou a partir de
admissão hospitalar. Seu reconhecimento tem importância para uma terapêutica adequada e
possíveis fatores precipitantes devem ser investigados.
8 Perfil hemodinâmico: a partir da presença de congestão e da hipoperfusão, foi desenvolvida a
classificação clínico-hemodinâmica, sendo dividida em 4 situações distintas que apresentam
implicação terapêutica e prognóstica (Figura 4). Conforme o perfil do paciente, podem ser
necessários diurético ou volume ou drogas inotrópicas ou drogas vasodilatoras.

9 Distúrbio mecânico: tem importância no diagnóstico e tratamento reconhecer se há obstrução ou


disfunção mecânica das válvulas cardíacas, como estenose aórtica ou estenose mitral, insuficiência
aórtica ou mitral, obstrução, como tromboembolismo pulmonar agudo ou crônico.

Diretriz: A IC pode ser determinada de acordo com a fração de ejeção (preservada, intermediária e
reduzida), a gravidade dos sintomas (classificação funcional da New York Heart Association −
NYHA) e o tempo e progressão da doença (diferentes estágios).

o Classificação de acordo com a fração de ejeção

A principal terminologia usada historicamente para definir IC baseia-se na FEVE e compreende


pacientes com FEVE normal (≥ 50%), denominada IC com fração de ejeção preservada (ICFEp), e
aqueles com FEVE reduzida (< 40%), denominados IC com fração de ejeção reduzida (ICFEr). Por
outro lado, pacientes com fração de ejeção entre 40 e 49% sempre foram considerados como “zona
cinzenta da fração de ejeção” e não recebiam denominação específica. No entanto, mais
recentemente, passaram a ser definidos como IC de fração de ejeção intermediária (mid-range ou
ICFEi). A diferenciação dos pacientes de acordo com a FEVE tem particular importância, uma vez
que eles diferem em relação às suas principais etiologias, às comorbidades associadas e,
principalmente, à resposta à terapêutica. A maioria dos estudos clínicos diferenciam sua população
de acordo com a FEVE e, até o momento, somente pacientes com ICFEr têm demonstrado de fato
redução consistente da morbimortalidade com o tratamento farmacológico instituído. Tanto o
diagnóstico quanto o tratamento de pacientes com ICFEp são desafiadores e merecem atenção
especial. Pacientes com ICFEi podem representar diferentes fenótipos, incluindo pacientes em
transição da ICFEp para ICFEr, ou vice-versa, quando ocorre recuperação da fração de ejeção após
tratamento adequado da ICFEr. Estes pacientes podem ser classificados como ICFEi ou até ICFEp,
quando há recuperação total da fração de ejeção, porém devem ser avaliados com cuidado, uma vez
que mantêm risco adicional de eventos clínicos adversos.

o Classificação de acordo com a gravidade dos sintomas

A classificação funcional de acordo com a NYHA continua sendo a classificação usada para
descrever e classificar a gravidade dos sintomas. Esta classificação se baseia no grau de tolerância
ao exercício e varia desde a ausência de sintomas até a presença de sintomas mesmo em repouso.
Ela permite avaliar o paciente clinicamente, auxilia no manejo terapêutico e tem relação com o
prognóstico. Pacientes em classe funcional da NYHA III a IV apresentam condições clínicas
progressivamente piores, internações hospitalares mais frequentes e maior risco de mortalidade. Por
outro lado, embora pacientes em NYHA II apresentem sintomas mais estáveis e internações menos
frequentes, o processo da doença nem sempre é estável, e estes pacientes podem apresentar morte
súbita sem piora dos sintomas. Tal risco pode ser reduzido pela otimização terapêutica, de modo
que o tratamento clínico deve ser otimizado da mesma forma que em pacientes com sintomas mais
graves.

o Classificação de acordo com a progressão da doença


Enquanto a classificação segundo a NYHA valoriza a capacidade para o exercício e a gravidade dos
sintomas da doença, a classificação por estágios da IC proposta pela American College of
Cardiology/American Heart Association ACC/AHA enfatiza o desenvolvimento e a progressão da
doença. Esta classificação inclui desde o paciente com risco de desenvolver IC, cuja abordagem deve
ser feita no sentido de prevenir seu desenvolvimento, quanto o paciente em estágio avançado da
doença, que requer terapias específicas, como transplante cardíaco e/ou dispositivos de assistência
ventricular.

PROGNÓSTICO
A despeito dos avanços recentes na avaliação e no controle da IC, o surgimento de sintomas ainda
determina prognóstico reservado. Estudos baseados na comunidade indicam que 30 a 40% dos
pacientes morrem 1 ano após o diagnóstico, e 60 a 70%, no prazo de 5 anos, principalmente pela
piora da IC ou por um evento súbito (provavelmente devido a uma arritmia ventricular). Conquanto
seja difícil estabelecer um prognóstico individual, os pacientes com sintomas em repouso (classe IV
da New York Heart Association [NYHA]) apresentam taxa de mortalidade anual de 30 a 70%,
enquanto aqueles com sintomas surgidos durante atividades moderadas (classe II da NYHA) têm
taxa de mortalidade anual de 5 a 10%. Assim, o estado funcional é um preditor importante da
evolução do paciente.

PATOGÊNESE
A Figura abaixo apresenta um modelo conceitual geral para explicar o desenvolvimento e a
evolução da ICFER. A IC é um distúrbio progressivo iniciado quando um evento-índice lesa o
músculo cardíaco, resultando em perda dos miócitos cardíacos funcionantes ou, alternativamente,
em diminuição da capacidade do miocárdio de gerar força, impedindo, assim, que o coração se
contraia normalmente.
- esse evento-índice pode ter instalação súbita, como no caso de IAM;
- início gradual ou insidioso, como nos casos de sobrecarga hemodinâmica de pressão ou de
volume;

- ser hereditário, como nos casos das diversas miocardiopatias genéticas.

Independentemente da natureza do evento desencadeante, o fator comum a todos esses episódios é


a ocorrência, de algum modo, de declínio na capacidade de bombeamento do coração. Na maioria
dos casos, os pacientes mantêm-se assintomáticos ou minimamente sintomáticos após o declínio
inicial na sua capacidade de bombear ou desenvolvem sintomas apenas algum tempo após a
instalação da disfunção.

FIGURA: Patogênese da insuficiência cardíaca com redução da fração de ejeção. A insuficiência cardíaca se inicia quando
um evento- índice produz o declínio inicial na capacidade de bombear do coração. Após esse declínio inicial na capacidade
de bombeamento, diversos mecanismos compensatórios são ativados, como o sistema nervoso adrenérgico, o sistema
renina-angiotensina-aldosterona e o sistema das citocinas. Em curto prazo, esses sistemas são capazes de restaurar a
função cardiovascular para o limite da homeostase normal, fazendo o paciente se manter assintomático. Entretanto, com o
passar do tempo, a ativação mantida de tais sistemas causa dano secundário no órgão- alvo dentro do ventrículo, com
agravamento do remodelamento ventricular e subsequente descompensação cardíaca.

Mesmo não tendo sido estabelecidas as razões precisas para explicar por que é possível que
pacientes com disfunção de VE se mantenham assintomáticos, uma explicação razoável é o grande
número de mecanismos compensatórios ativados na presença de lesão cardíaca e/ou de disfunção
do VE, permitindo aos pacientes manter e modular a função do VE por meses ou anos. Os
mecanismos compensatórios descritos até o momento incluem

(1) ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e ativação do sistema adrenérgico,


responsáveis, respectivamente, por manter o débito cardíaco por meio do aumento na retenção
de sal e água

(2) aumento da contratilidade miocárdica.

Além disso, há ativação de uma família de moléculas vasodilatadoras compensatórias, incluindo os


peptídeos natriuréticos atrial e cerebral (ANP e BNP), a bradicinina, as prostaglandinas (PGE2 e
PGI2) e o óxido nítrico (NO), os quais compensam a vasoconstrição vascular periférica excessiva.
Muitos desses peptídeos vasodilatadores, incluindo a bradicinina e os peptídeos natriuréticos, são
degradados por uma neprilisina, que é uma peptidase ligada à membrana.

Esses mecanismos compensatórios são capazes de modular a função do VE de forma a mantê-la


dentro dos limites fisiológicos/homeostáticos, preservando a capacidade funcional do paciente ou
permitindo que a perda seja mínima. Assim, os pacientes podem manter-se assintomáticos ou
minimamente sintomáticos por anos. Entretanto, em algum momento tornam-se francamente
sintomáticos, o que resulta em grande aumento nas taxas de morbidade e de mortalidade. Mesmo
com os mecanismos exatos responsáveis por essa transição ainda não conhecidos, a transição para
IC sintomática é acompanhada por ativação crescente dos sistemas neuro-hormonal, adrenérgico e
das citocinas, levando a uma série de alterações adaptativas dentro do miocárdio, as quais são
conhecidas, em seu conjunto, como remodelamento de VE.

FIGURA: Ativação dos sistemas neuro-hormonais na insuficiência cardíaca (IC). A diminuição do débito cardíaco nos
pacientes com IC produz uma “descarga” dos barorreceptores de alta pressão (círculos) localizados no ventrículo
esquerdo, seio carotídeo e arco aórtico. Essa descarga dos barorreceptores periféricos leva à perda do tônus
parassimpático inibitório para o sistema nervoso central (SNC), resultando em aumento generalizado no tônus simpático
eferente e em liberação não osmótica de arginina-vasopressina (AVP) pela hipófise. A AVP (ou hormônio antidiurético
[ADH]) é um vasoconstritor potente que aumenta a permeabilidade dos ductos coletores renais, levando à reabsorção de
água. Esses sinais aferentes ao SNC também ativam vias eferentes do sistema nervoso simpático que inervam o coração, os
rins, a vasculatura periférica e os músculos esqueléticos.

A estimulação simpática dos rins leva à liberação de renina, produzindo aumento nos níveis
circulantes de angiotensina II e aldosterona. A ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona
promove retenção de água e sal e leva à vasoconstrição da vasculatura periférica, hipertrofia dos
miócitos, morte celular de miócitos e fibrose miocárdica. Embora os mecanismos neuro-hormonais
facilitem a adaptação em curto prazo por meio da manutenção da pressão arterial, esses mesmos
mecanismos neuro-hormonais resultam em alterações nos órgãos-alvo, no coração e na circulação,
bem como em retenção excessiva de água e sal nos casos avançados de IC.

Diferentemente do conhecimento acerca da patogênese da IC com diminuição da FE, nossa


compreensão sobre os mecanismos que contribuem para o desenvolvimento da ICFEP ainda é
incipiente. Em outras palavras, embora se acreditasse que a disfunção diastólica fosse o único
mecanismo responsável pelo desenvolvimento da ICFEP, estudos baseados na comunidade sugerem
que outros mecanismos extracardíacos podem ser importantes, como aumento da rigidez vascular e
deterioração da função renal.

MECANISMOS BÁSICOS DA IC
• Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida

O remodelamento do VE ocorre em resposta a uma série de eventos complexos nos níveis celular e
molecular. Tais alterações consistem em:

(1) hipertrofia de miócitos;

(2) alterações das propriedades contráteis dos miócitos;

(3) perda progressiva de miócitos em razão de necrose, apoptose e morte celular autofágica;

(4) dessensibilização β-adrenérgica;

(5) alterações energéticas do miocárdio e no metabolismo; e

(6) reorganização da matriz extracelular com dissolução da estrutura organizada da trama do


colágeno ao redor dos miócitos e substituição subsequente por matriz de colágeno intersticial
incapaz de prover suporte estrutural aos miócitos.

Os estímulos biológicos para essas alterações profundas são estiramento mecânico dos miócitos,
neuro-hormônios circulantes (p. ex., norepinefrina, angiotensina II), citocinas inflamatórias (p. ex.,
fator de necrose tumoral [TNF, de tumor necrosis factor]), outros peptídeos e fatores de crescimento
(p. ex., endotelina), bem como espécies reativas do oxigênio (p. ex., superóxido). Acredita-se que a
sobre-expressão mantida dessas moléculas biologicamente ativas contribua para a progressão da IC
em razão dos seus efeitos deletérios sobre o coração e a circulação. De fato, essa percepção embasa
o raciocínio clínico que justifica o uso de agentes farmacológicos antagonistas desses sistemas (p.
ex., inibidores da enzima conversora de angiotensina, inibidores do receptor de angiotensina-
neprilisina [IRANs] e β-bloqueadores) no tratamento dos pacientes com IC.
Para compreender como as alterações que ocorrem no miócito cardíaco insuficiente contribuem
para a depressão da função sistólica do VE na IC, é instrutivo revisar primeiro a biologia da célula
muscular cardíaca. A ativação neuro-hormonal mantida e a sobrecarga mecânica resultam em
alterações transcricionais e pós- transcricionais nos genes e nas proteínas que regulam o
acoplamento excitação-contração e a interação das pontes cruzadas.

Entre as alterações que regulam o processo de excitação-contração estão:

- redução na função da Ca2+-adenosina-trifosfatase do retículo sarcoplasmático (SERCA2A),


resultando em redução da absorção de cálcio para o retículo sarcoplasmático (RS),

- e hiperfosforilação do receptor de rianodina, levando à saída de cálcio do RS.

As alterações que ocorrem nas pontes cruzadas incluem:

- a redução na expressão de α-miosina de cadeia pesada e


- aumento na expressão de β-miosina de cadeia pesada, miocitólise e rompimento das ligações no
citoesqueleto entre os sarcômeros e a matriz extracelular.

Em conjunto, essas alterações prejudicam a capacidade de contração do miócito e,


consequentemente, contribuem para a deprimir a função sistólica do VE observada nos pacientes
com IC.

O relaxamento do miocárdio é um processo dependente de trifosfato de adenosina (ATP), regulado


pela absorção do cálcio citoplasmático para o RS pela SERCA2A e pela liberação do cálcio pelas
bombas do sarcolema. Em consequência, reduções na concentração do ATP, como as observadas na
isquemia, podem interferir nesses processos e causar retardo do relaxamento miocárdico. Por outro
lado, se o enchimento do VE for retardado em razão da redução na complacência (p. ex., por
hipertrofia ou fibrose), as pressões de enchimento do VE se manterão elevadas no final da diástole.

O aumento na frequência cardíaca encurta desproporcionalmente o tempo de enchimento


diastólico, o que pode levar à elevação das pressões de enchimento do VE, em particular nos
ventrículos não complacentes. A elevação das pressões de enchimento do VE ao final da diástole
resulta em aumento da pressão capilar pulmonar, contribuindo para a dispneia experimentada por
pacientes com disfunção diastólica.

Além do déficit no relaxamento do miocárdio, o aumento na rigidez do miocárdio secundário à


hipertrofia cardíaca e o aumento no conteúdo de colágeno no miocárdio também podem contribuir
para a insuficiência diastólica. É importante ressaltar que, nos pacientes com IC, a disfunção
diastólica pode ocorrer isoladamente ou em combinação com a disfunção sistólica.

• Remodelamento ventricular esquerdo

A expressão remodelamento ventricular refere-se às alterações na massa, no volume, na forma do


VE e na composição do coração que ocorrem após lesão cardíaca e/ou em condições com sobrecarga
hemodinâmica. O remodelamento do VE pode contribuir de forma independente para a evolução da
IC em razão das cargas mecânicas produzidas pelas alterações na geometria do VE remodelado.
Além do aumento do volume diastólico final do VE, observa-se afinamento da parede conforme o
ventrículo se dilata.
O afinamento crescente da parede, somado ao aumento da pós-carga produzido pela dilatação do
VE, leva a um descompasso funcional na pós-carga, que pode diminuir ainda mais o volume de
ejeção sistólica. Além disso, a tensão elevada na parede ao final da diástole pode causar

(1) hipoperfusão do subendocárdio com a consequente piora da função do VE;

(2) aumento do estresse oxidativo com ativação resultante das famílias de genes sensíveis à geração
dos radicais livres (p. ex., TNF e interleucina 1β); e

(3) expressão sustentada da ativação por estiramento das vias de sinalização hipertrófica.

A dilatação crescente do VE também resulta em travamento dos músculos papilares e consequente


insuficiência do aparelho valvar mitral e regurgitação funcional por essa valva, que, por sua vez,
agrava a sobrecarga hemodinâmica sobre o ventrículo. Em seu conjunto, as cargas mecânicas
produzidas pelo remodelamento do VE contribuem para a progressão da IC. Trabalhos recentes
demonstraram que o remodelamento do VE pode ser revertido com tratamento medicamentoso e
com dispositivos e que essa reversão está associada à melhora da evolução clínica nos pacientes com
ICFER. De fato, uma das metas do tratamento da IC é prevenir e/ou reverter o remodelamento do
VE.

MANIFESTAÇÃO E DIAGNÓSTICO CLÍNICO

Sintomas

Em pacientes com insuficiência cardíaca, os achados de história e exame físico são de grande valor
por fornecerem, além do diagnóstico da síndrome, informações sobre a etiologia e o prognóstico.
Entretanto, as manifestações não são específicas, podendo ser encontradas isoladamente ou em
conjunto em outras doenças e situações, como doença de Parkinson, sequela de acidente vascular
cerebral e etc.

A presença de ortopnéia e dispnéia paroxística noturna, apesar de não serem patognomônicas,


são sintomas mais específicos de IC. Dor torácica e palpitação são também queixas comuns. A dor
torácica pode ser de característica anginosa, atípica ou ventilatório-dependente. Os antecedentes
pessoais e familiares, bem como o interrogatório sobre os demais aparelhos, podem acrescentar
dados fundamentais para inferência sobre a etiologia e a existência de comorbidades.

Ainda que a fadiga tradicionalmente seja atribuída ao baixo débito cardíaco da IC, é provável que
anormalidades musculares esqueléticas e outras comorbidades não cardíacas (p. ex., anemia)
contribuam para esse sintoma. Nos primeiros estágios da IC, a dispneia é observada apenas durante
o exercício; entretanto, à medida que a doença evolui, esse sintoma passa a ser provocado por
atividades cada vez menores até, por fim, ocorrer inclusive durante o repouso. A dispneia da IC
provavelmente é multifatorial. O mecanismo mais importante é a congestão pulmonar com acúmulo
de líquido no interstício ou dentro dos alvéolos, o que ativa os receptores J justacapilares,
estimulando a respiração rápida e superficial característica da dispneia cardíaca. Outros fatores
podem contribuir para a dispneia aos esforços, incluindo redução na complacência pulmonar,
aumento da resistência nas vias aéreas, fadiga dos músculos ventilatórios e/ou do diafragma e
anemia. A dispneia pode tornar-se menos frequente com o surgimento de insuficiência ventricular
direita (VD) e de insuficiência tricúspide.

Ortopneia A ortopneia, definida como dispneia que ocorre em posição deitada, em geral é uma
manifestação mais tardia de IC em comparação com a dispneia aos esforços. Ela é causada pela
redistribuição de volume da circulação esplâncnica e dos membros inferiores para a circulação
central quando o paciente permanece deitado, com o consequente aumento da pressão capilar
pulmonar. A tosse noturna é uma manifestação comum desse processo, sendo um sintoma muitas
vezes negligenciado da IC. A ortopneia costuma ser aliviada quando o paciente senta ou quando
dorme recostado sobre muitos travesseiros. Ainda que seja um sintoma relativamente específico da
IC, também pode ocorrer em pacientes com obesidade abdominal ou com ascite e naqueles com
doença pulmonar cuja mecânica favoreça a postura ereta.

Dispneia paroxística noturna (DPN) Essa expressão refere-se a episódios agudos de dispneia e tosse
que costumam ocorrer à noite e despertam o paciente, em geral 1 a 3 horas após deitar. A DPN pode
se manifestar na forma de tosse ou de sibilos, possivelmente em razão de aumento da pressão nas
artérias brônquicas, levando à compressão das vias aéreas junto com edema intersticial pulmonar, o
que produz aumento da resistência nas vias aéreas. Enquanto a ortopneia pode ser aliviada com o
paciente sentado ereto na lateral da cama com as pernas pendentes, nos casos de DPN, a tosse e os
sibilos se mantêm mesmo com os pacientes em posição ereta. A asma cardíaca está relacionada com
a DPN, é caracterizada por sibilos secundários ao broncospasmo e deve ser diferenciada da asma
primária, bem como das causas pulmonares para os sibilos.

Respiração de Cheyne-Stokes Também conhecida como respiração periódica ou cíclica, a respiração


de Cheyne-Stokes está presente em 40% dos pacientes com IC avançada e em geral está associada a
baixo débito cardíaco. A respiração de Cheyne-Stokes é causada pela redução da sensibilidade do
centro respiratório à pressão parcial arterial de dióxido de carbono (PCO2) e um tempo circulatório
prolongado. Observa-se uma fase de apneia durante a qual a pressão parcial de oxigênio (PO2)
arterial cai e a PCO2 arterial aumenta. Essas alterações nos gases arteriais estimulam o centro
respiratório, resultando em hiperventilação e hipocapnia, seguidas de apneia recorrente.

Edema agudo de pulmão Caracteriza-se pelo início rápido de dispneia em repouso, taquipneia,
taquicardia e hipoxemia grave. A ausculta pode detectar estertores e sibilos devido a
extravasamento alveolar e compressão das vias aéreas por envolvimento peribrônquico. A liberação
de catecolaminas endógenas costuma causar hipertensão

Outros sintomas Os pacientes com IC também podem apresentar sintomas gastrintestinais.


Anorexia, náuseas e saciedade precoce, associadas a dor abdominal e plenitude são queixas comuns,
podendo estar relacionadas com edema na parede intestinal e/ou congestão hepática. A congestão
do fígado com estiramento de sua cápsula pode produzir dor no quadrante superior direito. Alguns
sintomas cerebrais, como confusão, desorientação, além de distúrbios no sono e do humor, podem
ser observados em pacientes com IC grave, em particular nos mais idosos com arteriosclerose
cerebral e perfusão cerebral deficiente. A noctúria é comum na IC, podendo contribuir para a
insônia.

Exame físico

Um exame físico cuidadoso está sempre indicado na avaliação de pacientes com IC de modo a
determinar a causa da IC, bem como definir a gravidade da síndrome. Os achados incluem
manifestações próprias da doença cardíaca no coração e outras manifestações sistêmicas
secundárias à IC ou à doença de base. Salienta-se o desvio do ictus cordis para baixo e para a
esquerda, a presença de sopros, elevação de pressão venosa jugular (especialmente se for superior a
4 cm do ângulo esternal), edema de membros inferiores, hepatomegalia dolorosa, refluxo
hepatojugular, estertores pulmonares, derrame pleural, ascite, taquicardia, galope de terceira ou
quarta bulhas, pulso alternante, tempo de enchimento capilar lentificado, taquipnéia e cianose. A
persistência de terceira bulha e de pressão venosa central elevada em pacientes tratados com
insuficiência cardíaca confere pior prognóstico .

Estado geral e sinais vitais Na IC leve a moderada, o paciente não aparenta dor em repouso, exceto
quando estiver deitado em posição supina por alguns minutos. Nos casos mais graves de IC, o
paciente senta-se ereto, pode apresentar dificuldade respiratória e, talvez, impossibilidade de
terminar uma frase por estar ofegante. A pressão arterial sistólica pode estar normal ou elevada na
IC inicial, mas geralmente encontra-se reduzida nos casos avançados com disfunção grave de VE. A
pressão de pulso pode mostrar-se reduzida, refletindo redução do volume de ejeção sistólico. A
taquicardia sinusal é um sinal inespecífico causado por aumento da atividade adrenérgica. A
vasoconstrição periférica, que leva ao esfriamento das extremidades e cianose dos lábios e leitos
ungueais, também é causada por atividade adrenérgica excessiva.

Veias jugulares O exame das veias jugulares permite estimar o valor da pressão atrial direita. A
pressão venosa jugular é mais bem avaliada com o paciente deitado, com a cabeça inclinada a 45°.
A pressão venosa jugular deve ser quantificada em centímetros de água (normal ≤ 8 cm),
estimando-se a altura da coluna de sangue venoso acima do ângulo do esterno e adicionando 5 cm.
Nos estágios iniciais da IC, a pressão venosa pode estar normal em repouso, mas elevar acima do
normal com a pressão manual mantida (por aproximadamente 15 segundos) sobre o abdome
(refluxo abdominojugular positivo). A presença de onda v gigante indica insuficiência tricúspide.

Exame pulmonar Ruídos respiratórios adventícios (estertores ou crepitação) resultam de


transudação de líquido do espaço intravascular para os alvéolos. Nos pacientes com edema
pulmonar, os estertores podem ser amplamente auscultados em ambos os campos pulmonares, às
vezes acompanhados por sibilos expiratórios (asma cardíaca). Quando presentes em pacientes sem
doença pulmonar concomitante, os estertores são sinais específicos de IC. É importante ressaltar
que os estertores com frequência estão ausentes nos pacientes com IC crônica, mesmo nos casos
com pressões de enchimento de VE elevadas, em razão do aumento na drenagem linfática do
líquido alveolar. O derrame pleural é causado por elevação da pressão capilar pleural que produz
transudação de líquidos para a cavidade pleural. Considerando que as veias pleurais drenam tanto
para as veias sistêmicas quanto para as veias pulmonares, o derrame pleural geralmente ocorre mais
quando há insuficiência biventricular. Embora o derrame pleural costume ser bilateral na IC,
quando unilateral, é mais frequente no espaço pleural direito.

Exame cardiológico Embora essencial, o exame do coração frequentemente não acrescenta


informações úteis acerca da gravidade da IC. Se houver cardiomegalia, o ictus cordis em geral estará
deslocado inferiormente para uma posição abaixo do quinto espaço intercostal e/ou lateralmente
para a linha clavicular média, e o impulso passa a ser palpável sobre dois espaços. A hipertrofia
grave de VE leva a um ictus sustentado. Em alguns pacientes, é possível ouvir e palpar uma terceira
bulha (B3) no ápice cardíaco. Os pacientes com VD aumentado ou hipertrofiado podem apresentar
um impulso sustentado e prolongado na linha paraesternal esquerda, estendendo-se durante toda a
sístole. Uma B3 (ou galope protodiastólico) costuma estar presente nos pacientes com sobrecarga
volumétrica que tenham taquicardia e taquipneia e em geral implica comprometimento
hemodinâmico grave. A presença de uma quarta bulha (B4) não é um indicador específico de IC,
mas geralmente está presente nos pacientes com disfunção diastólica. Os sopros característicos de
insuficiência mitral e tricúspide com frequência se encontram presentes nos pacientes com IC
avançada.

Abdome e membros A hepatomegalia é um sinal importante nos pacientes com IC. Quando
presente, o fígado aumentado costuma ser doloroso, podendo pulsar durante a sístole nos casos em
que haja insuficiência tricúspide. A ascite, um sinal tardio, ocorre como consequência de aumento
da pressão nas veias hepáticas e nas veias que drenam o peritônio. A icterícia, também um achado
tardio, é causada por disfunção hepática secundária à congestão do fígado e à hipoxemia
hepatocelular, estando associada a aumento das bilirrubinas direta e indireta.
O edema periférico é uma das principais manifestações da IC, porém constitui um sinal inespecífico
e em geral está ausente nos pacientes tratados adequadamente com diuréticos. O edema periférico
costuma ser simétrico e postural, ocorrendo predominantemente nos tornozelos e na região pré-
tibial nos pacientes capazes de deambular. Nos pacientes restritos ao leito, o edema pode ser
observado nas regiões sacral (edema pré-sacral) e escrotal. O edema de longa duração pode estar
associado à pele endurecida e pigmentada.

Caquexia cardíaca Nos casos de IC crônica grave, pode haver perda evidente de peso e caquexia.
Embora o mecanismo da caquexia não seja completamente compreendido, é provável que seja
multifatorial. Quando presente, a caquexia implica prognóstico reservado.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de IC é relativamente evidente quando o paciente apresenta os sinais e sintomas


clássicos; porém, esses sinais e sintomas não são nem específicos nem sensíveis. Por isso, a chave
para o diagnóstico é a manutenção de alto grau de suspeição, em particular nos pacientes com risco
elevado. Quando tais pacientes apresentam sinais e sintomas de IC, devem-se solicitar exames
laboratoriais complementares.

Exames laboratoriais de rotina Nos casos de início recente e naqueles com descompensação aguda
de quadro crônico, devem ser realizados hemograma completo, perfil dos eletrólitos, dosagens de
ureia sanguínea, da creatinina sérica e das enzimas hepáticas, bem como análise de urina. Alguns
pacientes devem ser investigados para detecção de diabetes melito (glicemia em jejum ou teste de
tolerância à glicose), dislipidemia (perfil lipídico em jejum) e disfunção tireoidiana (nível do
hormônio estimulante da tireoide [TSH]).

Eletrocardiograma (ECG) Recomenda-se a realização de ECG de 12 derivações. Seu principal


objetivo é avaliar o ritmo cardíaco, determinar a presença de hipertrofia de VE ou de IAM prévio
(presença ou ausência de ondas Q), assim como determinar a largura do QRS para avaliar se o
paciente pode ser beneficiado com a terapia de ressincronização. O ECG normal praticamente exclui
disfunção sistólica do VE.

Radiografias de tórax A radiografia do tórax fornece informações úteis acerca das dimensões e da
forma do coração, assim como sobre o estado da vasculatura pulmonar, podendo, ainda, identificar
causas não cardíacas para os sintomas do paciente. Embora os pacientes com IC aguda apresentem
evidências de hipertensão pulmonar, de edema intersticial e/ou de edema pulmonar, a maior parte
dos pacientes com IC crônica não apresenta quaisquer desses sinais radiográficos. A ausência de tais
achados nos pacientes com IC crônica reflete o aumento da capacidade dos linfáticos de remover o
líquido intersticial e/ou o pulmonar.

Avaliação da função do VE A imagem cardíaca não invasiva é essencial para diagnóstico, avaliação e
condução dos casos de IC. O exame mais útil é o ecocardiograma bidimensional (2D) com Doppler,
capaz de fornecer uma avaliação semiquantitativa das dimensões e função do VE, assim como sobre
a presença ou ausência de anormalidades valvares e/ou na mobilidade da parede (indicativas de
IAM prévio). A presença de dilatação atrial esquerda e hipertrofia de VE, junto com alterações no
enchimento diastólico do VE identificadas por ondas de pulso e Doppler tecidual, são úteis para
avaliar os casos de ICFEP. O ecocardiograma 2D com Doppler também é inestimável na investigação
das dimensões do VD e das pressões pulmonares, parâmetros fundamentais à avaliação e ao
tratamento do cor pulmonale (ver adiante). A imagem por ressonância magnética (RM) também
fornece uma análise abrangente da anatomia e da função cardíacas, sendo atualmente considerado
o padrão-ouro para a avaliação da massa e do volume do VE. A RM também vem se tornando uma
modalidade de imagem útil e precisa para a avaliação de pacientes com IC, tanto em termos de
investigação da estrutura do VE quanto para a determinação das causas da IC (p. ex., amiloidose,
miocardiopatia isquêmica, hemocromatose).
O indicador mais utilizado da função de VE é a FE (volume de ejeção sistólico dividido pelo volume
diastólico final). Como a FE é fácil de medir com exames não invasivos e fácil de conceituar, ela se
tornou muito popular na clínica diária. Infelizmente, a FE apresenta uma série de limitações para
ser considerada um indicador confiável para avaliar a contratilidade, uma vez que é influenciada
por alterações na pós-carga e/ou na pré-carga. De qualquer forma, com as exceções indicadas
anteriormente, quando a FE é normal (≥ 50%), a função sistólica em geral está preservada, e,
quando a FE está significativamente reduzida (< 30 a 40%), a contratilidade está reduzida. A
imagem da velocidade de esforço miocárdico usando o rastreamento de pontos mostrou acrescentar
valor incremental às medidas regulares da FEVE e ter valor prognóstico.

Biomarcadores Os níveis circulantes dos peptídeos natriuréticos são ferramentas adjuntas úteis e
importantes no diagnóstico dos pacientes com IC. Tanto o peptídeo natriurético do tipo B (BNP)
como o fragmento N-terminal do precursor do peptídeo natriurético cerebral (NT-pro-BNP),
liberados do coração insuficiente, são marcadores relativamente sensíveis para a presença de IC
com redução da FE; ainda que em menor grau, também se encontram elevados nos pacientes que
têm ICFER (insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida). Nos pacientes ambulatoriais com
dispneia, a dosagem de BNP e de NT-pro-BNP é útil para corroborar a decisão clínica acerca do
diagnóstico de IC, especialmente em quadro de incerteza clínica. Além disso, a dosagem de BNP ou
de NT-pro-BNP é útil para definir o prognóstico ou a gravidade da doença em caso de IC crônica e
pode ser útil para chegar na dose ideal da terapia medicamentosa em pacientes euvolêmicos
clinicamente selecionados. No entanto, é importante ressaltar que os níveis dos peptídeos
natriuréticos aumentam com a idade e com a disfunção renal, são mais elevados nas mulheres e
podem estar aumentados em IC de qualquer etiologia. Os níveis de BNP podem aumentar em
pacientes em uso de IRANs. Os níveis podem estar falsamente baixos em pacientes obesos. Outros
biomarcadores mais recentes, como ST-2 solúvel e galectina-3, podem ser usados para definir o
prognóstico de pacientes com IC.

Testes de esforço Testes feitos em esteira ou bicicleta ergométrica não são recomendados
rotineiramente aos pacientes com IC, mas podem ser úteis na avaliação da necessidade de
transplante cardíaco em pacientes com IC avançada. Níveis de consumo máximo de oxigênio (VO2)
< 14 mL/kg/min estão associados a um prognóstico relativamente reservado. Os pacientes com VO2
< 14 mL/kg/min têm apresentado melhor sobrevida quando submetidos a transplante do que
quando tratados clinicamente.

Além disso, ainda são utilizados 2 critérios diagnósticos de IC: de Framingham e Boston (CM USP).
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A IC deve ser distinguida de (1) condições nas quais se observa congestão circulatória secundária à
retenção anormal de água e sais, mas sem distúrbios na estrutura ou função cardíacas (p. ex.,
insuficiência renal), e (2) causas não cardíacas de edema pulmonar (p. ex., síndrome da angústia
respiratória aguda). Na maioria dos pacientes que se apresentam com os sinais e sintomas clássicos
de IC, o diagnóstico é relativamente claro. Entretanto, mesmo clínicos experientes podem ter
dificuldade de diferenciar as dispneias de origem cardíaca das de origem pulmonar. Nesse sentido,
exames não invasivos de imagem cardíaca, biomarcadores, testes para a avaliação da função
pulmonar e radiografia de tórax podem ser úteis. Em tal cenário, níveis muito baixos de BNP ou de
NT-pro-BNP podem ser úteis para excluir uma causa cardíaca para a dispneia. O edema de tornozelo
pode surgir secundário à insuficiência venosa, obesidade, doença renal ou efeitos da gravidade.
Quando a IC se desenvolve em pacientes com FE preservada, pode ser difícil determinar o papel
relativo da IC na gênese da dispneia que esteja ocorrendo em pacientes com doença pulmonar
crônica e/ou obesidade.

TRATAMENTO

O primeiro modelo a descrever os fenômenos existentes na IC tomava por base a existência de re-
tenção hidrossalina secundária à hipoperfusão renal (modelo cardiorrenal), sendo a terapêutica
baseada na administração de diuréticos e restrição hídrica. Em um segundo momento, observou-se
que havia, asso- ciada à diminuição do débito cardíaco, a elevação da pré e pós-carga (refletida pelo
aumento do retorno venoso e da resistência vascular periférica, respectiva- mente), o que motivou a
utilização de vasodilatadores e inotrópicos (modelo hemodinâmico). Entretanto, ambas as
estratégias pouco acrescentaram para evitar a progressão da IC, tendo papel na IC descompensa-
da. Nas últimas décadas, houve uma revolução no entendimento da síndrome, sendo observado o
papel fundamental da ativação neuro-hormonal na sua progressão, permitindo o desenvolvimento
de terapêutica medicamentosa mais eficiente a longo prazo com efeitos sobre a mortalidade
(modelo neuro-hormonal). O tratamento da IC sistólica é o que apresenta maior evidência na
literatura.

Por se tratar de doença crônica de alta prevalência, com repercussão intensa sobre a qualidade de
vida, alta morbidade, mortalidade e custo elevado para os sistemas de saúde (principalmente pelas
freqüentes hospitalizações por descompensação), o tratamento da insuficiência cardíaca deve ser
intensivo e incluir informações detalhadas ao paciente sobre a necessidade da adesão à terapêutica
com a modificação do estilo de vida e uso correto das medicações.

Tratamento não-farmacológico

Dieta: para pacientes com insuficiência cardíaca, re- comenda-se restrição hídrica e salina,
dependendo do sódio plasmático. Em relação ao sal, não existe definição do grau de restrição, que
está intimamente relacionado ao grau de descompensação (dieta de aproximadamente 3 a 4 g/dia
de cloreto de sódio para pacientes com insuficiência cardíaca leve a moderada e 2 g para IC grave);
também é variável o grau de restrição hídrica, orientando-se o paciente na prática clínica conforme
a gravidade da IC (600 a 1.000 mL/dia para pacientes mais graves). Uma vez que o álcool deprime
a contratilidade miocárdica, sua utilização deve ser evitada .

Atividade física: promove aumento da atividade vagal, diminuição da atividade simpática e


mobilização de células progenitoras endoteliais. A realização de um programa regular de exercícios
físicos apresenta efeitos benéficos principalmente sobre a tolerância ao esforço e melhora da
qualidade de vida. Na cardiomiopatia isquêmica, foi ainda observada redução de mortalidade. A
atividade física pode ser indicada na IC compensada. São ainda incertos os efeitos do exercício em
relação à diminuição de eventos cardiovasculares, internações e mortalidade para todas as formas
de IC .

Vacinação: nos pacientes com insuficiência cardíaca, recomenda-se a profilaxia contra influenza
(anualmente) e pneumococo (reforço após os 65 anos) .

Clínicas de IC: grande parte das causas de descompensação de pacientes com IC são passíveis de
prevenção. As clínicas de IC são unidades especializadas no seu tratamento e constituídas por
cardiologista, enfermeiro especializado em IC, equipe multidisplinar (nutrição, psicologia, fisiologia
do exercício, psicologia e assistência social). Têm por objetivo o seguimento intensivo do paciente
mediante orientação continuada sobre a própria doença e a importância do tratamento, além de
permitir contato facilitado do paciente com os integrantes da equipe, valorizando os primeiros
sintomas de descompensação. Estudos têm demonstrado melhora pronunciada da adesão ao
tratamento, melhora da qualidade de vida e diminuição no número de internações e, possivelmente,
redução de mortalidade com essa forma de seguimento . O estudo prospectivo randomizado de
monitoração – REMADHE – utilizando educação repetida e monitoração em nosso meio reduziu
internações ou óbitos com aumento da qualidade de vida e adesão .

Tratamento medicamentoso da insuficiência cardíaca sistólica crônica

Nas duas últimas décadas, ocorreu uma revolução no tratamento da insuficiência cardíaca crônica
sistólica com o surgimento de drogas com atuação sobre os eixos neuro-hormonais, incluindo os
inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), betabloqueadores (BB), bloqueadores dos
receptores AT-I da angiotensina II (BRA) e antagonistas dos receptores da aldosterona, que
promoveram considerável redução da morbidade e mortalidade da insuficiência cardíaca.

Diuréticos (Tabela VIII): não existem trabalhos


controlados que demonstraram redução de mortalidade
com diuréticos, no entanto, sua utilização é indiscutível
para melhora dos sintomas de congestão. Atuam
mediante a espoliação de sódio e água e promovem
redução do volume intravascular, vasodilatação (pela
redução do sódio arteriolar) e aumento na secreção
renal de prostaglandinas (vasodilatadoras). Estão
indicados em todos os estágios de insuficiência
cardíaca. Existem três classes de diuréticos: de alça,
tiazídicos e poupadores de potássio.

a) Diuréticos de alça: inibem o transporte de sódio e


cloro para o espaço intracelular na alça de Henle.
Apresentam início de ação rápido e meia-vida curta. A
forma intravenosa é interessante nos quadros de edema
agudo de pulmão (pelo aumento da capacitância
venosa com conseqüente diminuição da pré-carga, mesmo antes do efeito diurético) e em pacientes
descompensados com congestão esplâncnica (absorção inadequada de diurético via oral). Seus
efeitos colaterais incluem hipocalemia, hipomagnesemia e hipocalcemia; a utilização de diuréticos
de alça, mesmo em doses baixas, em pacientes sem hipervolemia, pode levar à desidratação com
decorrente piora da função renal e alcalose metabólica (por causa da intensificação do
hiperaldosteronismo secundário já presente na IC), devendo ser evitada.

b) Tiazídicos: inibem o transporte de sódio e cloro para o intracelular no túbulo contornado distal.
Demonstram potência inferior, início de ação mais tardio e meia-vida mais prolongada quando
comparados aos diuréticos de alça. Não devem ser utilizados nas situações de descompensação
aguda. Apresentam efeito reduzido nos pacientes com taxa de filtração glomerular diminuída. Em
pacientes com insuficiência cardíaca avançada, uso de altas doses de diurético de alça e baixa
resposta diurética, a associação de um tiazídico mostra- se geralmente efetiva. Os efeitos colaterais
dos tiazídicos são principalmente eletrolíticos (hipocalemia, hipomagnesemia, hipercalcemia) e
metabólicos (hiperuricemia, hipertrigliceridemia, hiperglicemia e hipercolesterolemia), sendo estes
reduzidos com a utilização de doses mais baixas.
c) Poupadores de potássio: a amilorida e o triantereno inibem diretamente a secreção de potássio
no túbulo distal; já a espironolactona é um antagonista da aldosterona. Apresentam baixo poder
diurético, início de ação tardio e duração de ação mais prolongada. São geralmente utilizados em
associação com outros diuréticos. O efeito colateral mais freqüente é a hipercalemia, principalmente
em pacientes com alteração da função renal e na associação com IECA e/ou BRA. A ginecomastia é
relativamente freqüente com a espironolactona.

Digitálicos: apresentam efeito inotrópico promovendo aumento do cálcio intracelular mediante a


inibição da bomba Na-K-ATPase. Modulam a ativação neuro-hormonal por meio da redução da
atividade simpática, estimulando a ação vagal e aumentando a sensibilidade dos reflexos
barorreceptores e cardiopulmonares, com conseqüente diminuição no consumo de oxigênio.
Apresentam janela terapêutica estreita (níveis terapêuticos próximos aos tóxicos) e seus efeitos
colaterais incluem sintomas gastrintestinais, neurológicos, arritmias atriais, ventriculares e
bloqueios atrioventriculares. Nos pacientes com insuficiência renal, a digoxina deve ser utilizada
com cautela, bem como na presença de arritmias ventriculares, bradiarritmias, bloqueios
atrioventriculares em idosos e no infarto do miocárdio. O estudo DIG, realizado na era pré-
betabloqueador, demonstrou que a digoxina não apresenta impacto sobre a mortalidade, porém
reduziu hospitalizações por descompensação. No subgrupo do sexo feminino do es- tudo DIG, houve
maior mortalidade nas pacientes que receberam digoxina e que faziam reposição hormonal, quando
comparadas ao placebo, sugerindo que pode haver interação entre reposição hormonal e níveis
séricos de digoxina. Não houve diferença na evolução dos pacientes com ou sem digoxina em
análises de estudos de betabloqueadores na insuficiência cardíaca. A bradicardia associada ao uso
dos betabloqueadores pode li- mitar a utilização dos digitálicos. Atualmente, são preconizadas doses
menos elevadas de digoxina (0,125 a 0,25 mg/dia). Os digitálicos estão indicados para pacientes
sintomáticos com insuficiência cardíaca sistólica e nos assintomáticos com fibrilação atrial e
resposta ventricular elevada .

Betabloqueadores (Tabela IX): seus efeitos benéficos em pacientes com IC confirmam a hipótese da
influência adrenérgica na progressão da insuficiência cardíaca. O tratamento com betabloqueadores
resulta em melhora da função ventricular e dos sintomas, redução das hospitalizações, revertendo o
remodelamento miocárdico e diminuindo a mortalidade . Os betabloqueadores constituem uma
classe heterogênea de medicamentos por causa das inúmeras particularidades (seletividade do
bloqueio – relação beta-1/2, atuação sobre os receptores alfa-1, atividade simpaticomimética
intrínseca – ASI, farmacocinética, farmacodinâmica, efeitos pleotrópicos, possíveis efeitos diferentes
em raças distintas) e, por esse motivo, não se pode considerar que exista um efeito de classe. O
estudo BEST, que utilizou o bucindolol (agente não-seletivo, com discreto efeito alfa-1 bloqueador,
sem ASI), foi suspenso precoce- mente por ausência de benefício, revelando ainda aumento de
mortalidade no subgrupo de negros, ratificando a hipótese da heterogeneidade dos
betabloqueadores para o tratamento da IC. Existem 4 betabloqueadores disponíveis para o
tratamento da IC com efetividade comprovada: succinato de metoprolol, bisoprolol, carvedilol e
nebivolol.
a) Succinato de metoprolol: apresenta seletividade para o bloqueio do receptor beta-1, sem ASI. O
succinato de metoprolol apresenta liberação prolongada com posologia de uma tomada diária e
dose alvo de 200 mg/dia. Seu benefício na IC ficou estabelecido no estudo MERIT-HF . Pela
seletividade beta-1 e ausência de efeito alfabloqueador, o metoprolol pode ser interessante nos
pacientes com antecedente de broncoespasmo e níveis pressóricos mais reduzidos.

b) Bisoprolol: também apresenta alta seletividade para o bloqueio do receptor beta-1, sem ASI; sua
dose alvo é de 10 mg, podendo ser utilizado 1 vez/dia. Benefício na IC estabelecido no estudo
CIBISII .

c) Carvedilol: betabloqueador não seletivo de terceira geração com propriedade vasodilatadora


modera- da (alfabloqueio), sem ASI. Deve ser utilizado em duas tomadas diárias com dose alvo de
50 mg/dia. É o beta- bloqueador mais estudado, reduzindo a mortalidade de pacientes com IC em
diferentes classes funcionais e após o infarto agudo do miocárdio . O estudo COMET comparou o
carvedilol com o tartarato de metoprolol (medicação de liberação imediata, devendo ser utilizado
em duas tomadas diárias e atingindo maior biodisponibilidade que o succinato; apresenta, por isso,
dose-alvo possivelmente menor – 150 mg/dia), demonstrando uma redução absoluta de 5,7% de
mortalidade, beneficiando o carvedilol, entretanto, muitas críticas são feitas a esse trabalho, em
especial no que diz respeito à dose de tartarato de metoprolol, que foi comparativa- mente menor
que a dose de carvedilol (85 mg/dia de tartarato de metoprolol x 41,8 mg/dia carvedilol). Além
disso, como essa apresentação de metoprolol (tartarato) não havia sido estudada previamente na
IC, não foi estabelecida comparação definitiva entre as drogas .

d) Nebivolol: no estudo SENIORS, foi demonstrada redução de mortalidade ou hospitalização


cardiovascular em pacientes idosos ︎70 anos com IC .Onebivolol é bloqueador beta-1 seletivo com
propriedades vasodilatadoras relacionadas com modulação de óxido nítrico. O efeito benéfico não
foi influenciado pela fração de ejeção de ventrículo esquerdo, tornando de potencial uso na IC com
fração de ejeção preservada.

A introdução dos betabloqueadores na insuficiência cardíaca deve ocorrer na ausência de


descompensação clínica, em pacientes normovolêmicos, sem necessidade de inotrópico . Devem ser
iniciados em doses baixas, com titulação lenta e progressiva, conforme a tolerância e resposta
clínica (dobrar a dose a cada 2 semanas até atingir as doses-alvo) por causa da possibilidade de
piora da função cardíaca ao início do tratamento . Em pacientes com maior massa corpórea, podem
ser utilizadas doses maiores que as preconizadas, sendo a freqüência cardíaca um parâmetro de
resposta clínica. Anteriormente, os betabloqueadores eram iniciados após otimização prévia com
IECA, diuréticos e digitálicos, no entanto, trabalhos revelaram que o início do tratamento da
insuficiência cardíaca com betabloqueadores não é inferior quando comparado ao início do
tratamento com IECA. As contra-indicações aos betabloqueadores incluem bloqueios
atrioventriculares avançados, doença arterial periférica grave, asma brônquica e doença pulmonar
obstrutiva graves. Nos pacientes em uso de betabloqueador que apresentam descompensação aguda
da insuficiência cardíaca, tem-se recomendado apenas a manutenção ou a redução da dose do
betabloqueador, uma vez que existe evidência de efeito rebote e possível aumento de mortalidade
por morte súbita com a suspensão abrupta. Os pacientes com cardiopatia da doença de Chagas
apresentam maior incidência de bradicardia, bloqueios e insuficiência cardíaca direita, dificultando
a utilização dos betabloqueadores. Todavia, atualmente tem-se recomendado a tentativa de
utilização dos betabloqueadores nos pacientes com cardiopatia da doença de Chagas sintomáticos
com disfunção ventricular . De maneira resumida, os betabloqueadores succinato de metoprolol,
bisoprolol e carvedilol são indicados para o tratamento da IC sistólica em todos os pacientes
sintomáticos (CF II a IV) e também nos assintomáticos (CF I), em especial nos pacientes com
disfunção ventricular esquerda pós-IAM.
Inibidores da ECA (Tabela X): a partir da década de 1980, tornaram-se a base para o tratamento
da IC, juntamente aos betabloqueadores. Seu mecanismo de ação baseia-se na inibição da ECA, que
propicia a diminuição da síntese de angiotensina II e elevação de bradicininas, gerando alterações
hemodinâmicas (redução da pré e pós-carga, vasodilatação da arteríola eferente renal) e neuro-
hormonais (redução de aldosterona, endotelina, vasopressina, atividade simpática) com
conseqüente redução do remodelamento ventricular e de eventos cardiovasculares. Inúmeros
trabalhos com IECA, utilizando diferentes drogas (enalapril, captopril, ramipril, trandolapril) em
pacientes com disfunção ventricular revelaram benefício de redução de mortalidade e
hospitalização conferindo um efeito de classe aos IECA . Deve ser ressaltado que os maiores
benefícios foram obtidos utilizando doses elevadas dos IECA, sendo fundamental alcançar as doses
preconizadas pelos estudos (Tabela X). É interessante observar, na prática clínica, que, mesmo
pacientes hipotensos de base (PA sistólica < 100 mmHg) conseguem tolerar inclusive as doses
preconizadas pelos grandes estudos mediante progressão gradual, evitando-se principalmente a
hipovolemia. Efeitos colaterais mais freqüentes dos IECA incluem tosse seca, hipotensão, piora da
função renal e hipercalemia. Para tosse seca (10 a 20% dos pacientes), orienta-se trocar o IECA por
bloqueador dos receptores da angiotensina II (BRA); na hipotensão, deve-se reava- liar a dose de
diurético e, se necessário, reduzir a dose de IECA buscando manter a maior dose tolerada (pacientes
idosos, com sódio baixo e mais hipotensos apresentam maior risco de hipotensão com início dos
IECA); na piora da função renal, em elevações
menores que 50% nos níveis de creatinina, deve-
se manter a dose do IECA; entre 50 e 100%,
reduzir a dose pela metade; acima de 100%,
suspender o IECA e utilizar vasodilatador sem
efeito renal (hidralazina/nitrato); a hipercalemia
com uso de IECA é geralmente discreta, porém
pode se intensificar na piora da função renal, em
idosos, diabéticos e na associação com
antagonista da aldosterona e BRA. Outros efeitos
colaterais menos freqüentes, porém mais graves e
que geralmente indicam a suspensão dos IECA,
incluem edema angioneurótico, hepatite e
neutropenia. Contra-indicações formais aos IECA
incluem: hipersensibilidade, gravidez
(teratogenia) e estenose bilateral das artérias
renais.

Bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRA): são drogas com perfil terapêutico muito
semelhante aos IECA. Seu mecanismo de ação está relacionado ao antagonismo dos receptores AT1
da angiotensina II, sem atividade sobre a produção de bradicinina. Apesar de menor número de
trabalhos em relação aos IECA, os BRA demonstram resultados semelhantes para a redução de
morbidade e mortalidade na insuficiência cardíaca, sendo opção interessante para os pacientes que
não toleram IECA (principalmente devido à tosse). À semelhança dos IECA, o benefício está na
utilização das maiores doses (Tabela XI). Apresentam efeitos colaterais semelhantes aos IECA de
piora da função renal e hipercalemia; também são contra-indicados na gestação. Em pacientes que
já recebem IECA e betabloqueador, a associação de
candesartam (estudo CHARM) foi capaz de melhorar
sintomas e reduzir internações, sem efeito sobre a
mortalidade. Metanálise (incluindo os estudos Val-Heft e
CHARM) demonstrou que, em pacientes que não podem
receber betabloqueador, a associação é segura e eficaz
(redução de hospitalizações), entretanto, não houve
benefício da associação nos pacientes em uso de betabloqueador.

Antagonistas da aldosterona: o bloqueio da aldosterona promove experimentalmente a redução


da síntese e da deposição miocárdica de colágeno e também da retenção de sódio e água. No estudo
RALES, a administração de 25 a 50 mg de espironolactona demonstrou redução de morbidade e
mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca nas classes funcionais III e IV. A eplerenona
apresentou benefício de mortalidade em pacientes assintomáticos com disfunção ventricular após o
infarto agudo do miocárdio .

Vasodilatadores diretos: a associação de hidralazina/nitrato é capaz de reduzir a mortalidade de


pacientes com insuficiência cardíaca em comparação a placebo e outros vasodilatadores, porém seu
efeito é inferior ao dos IECA. A hidralazina é um vasodilatador arterial di- reto que propicia redução
da resistência vascular periférica e, conseqüentemente, aumento do débito cardíaco, diminuindo as
pressões de enchimento e aumentando discretamente a freqüência cardíaca. A dose pode chegar até
100 mg 3 vezes/dia e seus efeitos colaterais incluem rubor, cefaléia, edema, síndrome lúpus-simile.
Os nitra- tos promovem redução principalmente da pré-carga, sendo drogas interessantes nos
pacientes com descompensação aguda da insuficiência cardíaca por hipervolemia. Entre as
limitações, destacam-se a ocorrência de tolerância (minimizada com maior número de horas livres
do uso – dinitrato de isossorbida: 10 a 40 mg às 8, 14 e 20 h, mononitrato de isossorbida: 20 a 40
mg às 8 h – 17 h) e hipotensão postural, principalmente em hipovolêmicos. A associação de
hidralazina/nitrato é indicada em pacientes que apresentam contra-indicação a IECA ou BRA
principalmente por hipercalemia e insuficiência renal; torna-se interessante em pacientes que
apresentam potencial de vasodilatação após dose máxima de IECA ou BRA. O estudo A-Heft
demonstrou que a associação hidralazina/nitrato adicionada ao esquema padrão de IECA,
betabloqueador e antagonista da aldosterona foi benéfica em pacientes de origem afro-americana.

Anticoagulação: está indicada como prevenção em pacientes com trombos intracavitários,


fibrilação atrial e infarto anterior extenso ou evento embólico pregresso. Apesar do maior risco de
eventos embólicos, não está definido o papel de anticoagulantes como prevenção primária em
pacientes com cardiomiopatia dilata- da, na ausência das condições citadas. Metanálise de estudos
recentes em prevenção primária de eventos embólicos na insuficiência cardíaca comparando
warfarina e AAS demonstra não haver diferença de mortalidade, contudo, houve aumento no
número de internações por descompensação da insuficiência cardíaca nos pacientes em uso de AAS.

Antiarrítmicos: os de classe I são contra-indicados na insuficiência cardíaca. Na era pré


betabloqueador, o estudo GESICA demonstrou benefício em relação à mortalidade na insuficiência
cardíaca com o uso da amiodarona, por seu provável efeito betabloqueador. Após a introdução dos
betabloqueadores (drogas com eficácia comprovada na redução de morte súbita na insuficiência
cardíaca), estudos subseqüentes não confirmaram o benefício da amiodarona e, mais recentemente,
o grande estudo SCD-Heft em prevenção primária de morte súbita na insuficiência cardíaca (CF II-
IV), comparando amiodarona, cardiodesfibriladores implantáveis (CDJ) e placebo, não demonstrou
benefício com o uso de amiodarona, havendo inclusive aumento de mortalidade se comparado ao
placebo na CF III. Atualmente, o uso de amiodarona na insuficiência cardíaca se restringe à
manutenção de ritmo sinusal e ao controle de freqüência em pacientes com fibrilação atrial e na
prevenção secundária de morte súbita, geralmente, associada a CDI (reduzindo a freqüência de
choques).

Tratamento cirúrgico da insuficiência cardíaca sistólica

Terapêutica de ressincronização: sabe-se que no bloqueio de ramo esquerdo (BRE), existe


dissincronia de ativação ventricular com conseqüente perda de eficiência cardíaca. O estudo CARE-
HF comparou ressincronização e tratamento clínico em pacientes com disfunção ventricular (FE <
35%), CF III e BRE com documentação de dissincronia ventricular. Confirmou os benefícios da
ressincronização comparada ao trata- mento clínico em relação a morbidade e qualidade de vida e
também redução de mortalidade (redução de 36% no risco relativo). Com base nesses trabalhos, a
ressincronização pode estar indicada em pacientes com disfunção ventricular (FE < 35%), CF III
persistentes, na vigência de tratamento clínico otimizado, na presença de bloqueio de ramo
esquerdo e documentação de dissincronia. Todavia, esse é um estudo não cego e su- jeito a críticas.
Não existe definição de benefício em pacientes dependentes de droga vasoativa, fibrilação atrial,
cavidades ventriculares muito grandes (diâmetro diastólico do VE acima de 80 mm) e na presença
de dissincronia na ausência de BRE.

Cardiodesfibriladores implantáveis (CDI): nos pacientes com insuficiência cardíaca e disfunção


ventricular, o CDI está indicado como prevenção secundária da taquicardia ventricular sustentada
ou morte súbita revertida. Na prevenção primária de pacientes com FE < 35%, clinicamente
otimizados, tanto em isquêmicos (40 dias pós-IAM) como em não-isquêmicos, estudos
demonstraram benefício de redução de mortalidade, sendo preconizada sua utilização nas diretrizes
americana e européia; no entanto, uma vez que não existe estratificação de risco para morte súbita
bem estabelecida, o custo-efetividade desse procedimento é questão fundamental que aguarda
melhor definição. Não há benefício do CDI na fase aguda (40 dias) após o infarto do miocárdio.

Revascularização miocárdica e aneurismectomia: é indicada na presença de angina de peito e


anatomia favorável. Pode ser considerada na ausência de angina de peito, quando há evidência por
método complementar de áreas significativas de isquemia e viabilidade. Em pacientes com
cardiomiopatia isquêmica, áreas discinéticas ventriculares e sintomas de insuficiência cardíaca
refratários ao tratamento clínico ou recorrência de arritmias ventriculares, a aneurismectomia,
associa- da ou não à revascularização miocárdica, é opção terapêutica.

Correção da insuficiência mitral: a insuficiência da valva mitral nas cardiomiopatias dilatadas


ocorre principalmente devido à dilatação do anel atrioventricular. Foram propostas algumas técnicas
de correção da insuficiência, como anuloplastia e troca valvar com suspensão do aparelho subvalvar.
Os resultados desse pro- cedimento na insuficiência cardíaca demonstram principalmente a melhora
da classe funcional, porém resultados mais consistentes em relação à sobrevida são escassos, e um
estudo retrospectivo recente revelou não haver benefício nesse sentido .

Dispositivos de assistência ventricular: estão indicados como ponte para transplante (em
pacientes em que o suporte medicamentoso, incluindo drogas vasoativas, não é suficiente para
manutenção do estado circulatório), ponte para recuperação do miocárdio (p. ex., miocardites,
periparto) ou terapia de destino (insuficiência cardíaca terminal sem perspectiva de outro
tratamento). Os dispositivos incluem o balão intra-aórtico (BIA) e os ventrículos artificiais. As
contra-indicações ao BIA são insuficiência valvar aórtica, dissecção aórtica e ausência de perspectiva
de outro tratamento definitivo (transplante ou ventrículo artificial). Os ventrículos artificiais podem
ser implantados por mais tempo quando comparados ao BIA e suas complicações estão relacionadas
principalmente a fenômenos trom- bo-hemorrágicos e infecção.

Transplante cardíaco: é a única forma de trata- mento cirúrgico capaz de aumentar a sobrevida de
pacientes com insuficiência cardíaca avançada ou choque cardiogênico, sendo a sobrevida média de
pacientes submetidos a transplante cardíaco superior a 9 anos. Suas indicações incluem: CF III e IV
refratárias, com tratamento medicamentoso otimizado, VO2 < 10 mL/kg/min, na ausência de
contra-indicações (hipertensão pulmonar, idade acima de 65 anos, insuficiência renal, diabetes com
lesão de órgão-alvo, entre outras). Suas limitações estão relacionadas principalmente à falta de
doadores. Após o transplante, as complicações mais freqüentes são rejeição aguda, infecção, doença
vascular do enxerto e neoplasias.
Tratamento da IC crônica com fração de ejeção preservada

Existe pouca evidência embasando o tratamento da IC diastólica O racional para o tratamento da IC


diastólica está relacionado ao controle de congestão pulmonar, da pressão arterial e freqüência
cardíaca. O estudo de maior relevância na IC diastólica foi o CHARM Preserved, que demonstrou
benefício do candesartam na redução de hospitalização. Trabalhos menores com antagonista de
canal de cálcio (verapamil), betabloqueador e digitálico sugerem benefício dessas drogas no
tratamento da IC diastólica. Análise retrospectiva de uso de estatina demonstrou redução de
mortalidade na IC diastólica. Outros estudos com IECA, antagonistas da aldosterona, inibidores de
fosfodiesterase e mesmo BRA aguardam resultados. No estudo SENIORS com nebivolol, houve
benefício homogêneo na fração de ejeção ︎ 35 e > 35% em análise de subgrupo.

Tratamento da IC descompensada

As descompensações da IC são muito freqüentes, sendo responsáveis pela maior parte dos recursos
gastos com IC. Na abordagem do paciente que chega à unida- de de emergência com
descompensação, alguns aspectos importantes incluem as causas de descompensação, função
ventricular e forma de apresentação.

As causas mais comuns de descompensação


estão relacionadas à má adesão ao tratamento
(incluindo ausência de restrição hidrossalina e
uso inadequado das medicações) . A obtenção
dessa informação é fundamental, pois as
medidas terapêuticas têm de ser reforçadas,
especialmente no momento da alta hospitalar,
para que sejam evitadas novas visitas à
unidade de emergência. Outras causas de
descompensação de IC estão relacionadas na
Ta b e l a X I I . A b u s c a p e l a c a u s a d e
descompensação é sempre muito importante,
uma vez que pode implicar terapêuticas
específicas (tratamento de infecção, reversão
de bradi ou taquiarritmias, estratégias de
revascularização nas situações de isquemia miocárdica).

A diferenciação entre disfunção sistólica e diastólica pode ser difícil inicialmente, entretanto, sua
busca mediante exames complementares é essencial, uma vez que também pode implicar
abordagens terapêuticas distintas (é pouco provável a necessidade de inotrópico na disfunção
diastólica).

Com base nos perfis hemodinâmicos, utilizando


parâmetros de congestão e perfusão, é possível
estabelecer um racional para o tratamento das
descompensações da IC com o uso de volume,
diuréticos, vasodilatadores, inotrópicos ou
vasoconstritores com efeito inotrópico (Tabela
XIII).

Os pacientes com predomínio de congestão


pulmonar e perfusão periférica adequada
(padrão “quente e úmido”) representam a grande
maioria dos acometidos por descompensação e seu tratamento está relacionado ao uso de
vasodilatadores e diuréticos. Nas situações de congestão associada à má perfusão periférica (padrão
“frio e úmido”), os inotrópicos estão indicados, geral- mente associados a diuréticos; em condições
de monitoração hemodinâmica mais avançada, preferencialmente com medida invasiva da pressão
arterial, também é possível a utilização de vasodilatadores endovenosos. O achado de má perfusão
sem congestão pulmonar é raro (padrão “frio e seco”) e costuma responder à expansão volêmica
(inotrópico pode ser necessário).

Inotrópicos: classificados em agentes que aumentam o cálcio intracelular (dobutamina e


milrinona) e agentes sensibilizadores do cálcio (levosimendam).

a) Dobutamina: agente agonista beta-adrenérgico que promove efeito inotrópico e cronotrópico


pelo aumento do cálcio intracelular. Seu efeito de melhora de desempenho miocárdico está
relacionado ao aumento de consumo de oxigênio, sendo associado ao aumento de mortalidade,
principalmente por arritmias. Está indicada no paciente apresentando má perfusão periférica e
congestão pulmonar. No paciente hipotenso por disfunção miocárdica grave, seu uso geralmente
promove melhora hemodinâmica sem a necessidade de vasopressores (dopamina e noradrenalina).
Dose de manutenção: 2,5 a 20 μ/kg/min.

b) Milrinona: agente inibidor da fosfodiesterase, promove aumento do cálcio intracelular


(independentemente dos receptores beta-adrenérgicos). Pode ser interessante em pacientes usuários
de betabloqueador, no entanto, estudo demonstrou aumento de mortalidade nos pacientes
isquêmicos. Por causa da vasodilatação periférica, deve ser utilizado com cuidado em pacientes
hipotensos. Dose de manutenção: 0,25 a 0,75 μ/kg/min.

c) Levosimendam: droga com ação dupla, inotrópica e vasodilatadora. Efeito inotrópico


aumentando a sensibilidade ao cálcio já existente no intracelular. Sua infusão ocorre durante 24
horas, gerando metabólitos com atividade orgânica prolongada por até 1 semana. Pode ser utilizado
com segurança em pacientes em uso de betabloqueadores. Deve ser evitado ou utilizado com
cuidado em pacientes hipotensos. Dose de ataque tem sido evitada pelo risco de hipotensão e a dose
de manutenção habitual é de 0,1 μ/kg/min, por 24 horas.

Vasodilatadores: têm atuação sobre a pré e a pós- carga do coração, exigindo menor consumo
metabólico miocárdico que os inotrópicos, o que acarreta situação fisiopatológica mais favorável. Os
principais agentes são:

a) Nitroglicerina: utilizada na dose de 10 a 100 μ/min, a nitroglicerina endovenosa é capaz de


diminuir a pressão de enchimento ventricular, aliviando a congestão. Tem sua principal indicação
nos pacientes com IC de etiologia isquêmica. A tolerância é um efeito comum na administração
prolongada dos nitratos orgânicos.

b) Nitroprussiato de sódio: tem metabolização rápida e importante efeito vasodilatador, reduzindo


drasticamente a resistência vascular sistêmica e pulmonar. Atua como venodilatador, diminuindo a
pressão de enchimento, e arteriodilatador, melhorando a complacência arterial e o acoplamento
ventrículo-arterial. É contra-indicado em pacientes com isquemia coronariana aguda pela ocorrência
de fenômeno de roubo e piora da isquemia. A dose inicial é de 0,2 mg/kg/min (10 μ/min – mínimo
de 300 a 400 μ/min), podendo ser incrementada em intervalos de 5 minutos, até resposta
hemodinâmica esperada.
- Fibrilação atrial

INTRODUÇÃO
Nas últimas duas décadas, a Fibrilação Atrial (FA) tornou-se um importante problema de saúde
pública, com grande consumo de recursos em saúde. Apresenta importante repercussão na
qualidade de vida, em especial devido a suas consequências clínicas, fenômenos tromboembólicos e
alterações cognitivas. Nos Estados Unidos, estima-se que sua prevalência será de 15,9 milhões em
2050, com metade desses pacientes apresentando idade superior a 80 anos.

Dessa forma, é crucial uma visão epidemiológica e social clara do impacto dessa arritmia, com o
objetivo de uso adequado de recursos em saúde e planejamento estratégico de políticas em saúde. A
FA é a arritmia sustentada mais frequente na prática clínica, e sua prevalência na população geral
foi estimada entre 0,5 e 1%. Estudos mais recentes, entretanto, demonstram que a prevalência é
quase o dobro da observada na década passada, variando de 1,9%, na Itália, a 2,9%, na Suécia.

Além do envelhecimento populacional, outros potenciais fatores podem ser levantados para explicar
o incremento na prevalência de FA. Um deles é a maior habilidade de tratamento de doenças
cardíacas crônicas, contribuindo para um número maior de indivíduos suscetíveis a FA. A melhoria
nos recursos de investigação, com o uso de ferramentas para monitorização prolongada na prática
clínica, também pode ser levantada como um fator contribuinte ao aumento da prevalência, uma
vez que pacientes portadores de FA sintomática podem ter a sua arritmia documentada. A
prevalência também sofre influência do sexo. A razão homem-mulher observada na FA é de
aproximadamente 1.2:1. Apesar da maior predisposição no sexo masculino, as mulheres
representam maior massa de pacientes com FA, devido à sua maior sobrevida. Além disso, é
conhecida a maior susceptibilidade a fenômenos tromboembólicos e a mortalidade observada no
sexo feminino.
DEFINIÇÃO
A atividade elétrica de um ritmo cardíaco normal (ritmo sinusal) “surge” no Nódulo Sinusal (NSA),
um condensado de células especializadas localizado próximo ao óstio da cava superior. Estas células
possuem a importante propriedade do “automatismo”, ou seja, a capacidade de se despolarizar
espontaneamente com uma determinada “frequência de disparos”.

O estímulo elétrico proveniente do nódulo sinusal se propaga para o miocárdio atrial ao mesmo
tempo em que, através de feixes internodais, alcança o Nódulo Atrioventricular (AV), próximo ao
anel tricúspide, na parte baixa do septo interatrial.

A ativação elétrica do miocárdio atrial inscreve-se no eletrocardiograma como onda P. Quando o


ritmo é sinusal, a onda P tem que ser positiva em D1 e D2, já que o vetor da ativação atrial tem
direção para baixo e para a esquerda.

Chegando ao nódulo AV, o estímulo elétrico sofre um “atraso” fisiológico, de aproximadamente


120-200ms (3-5 mm no traçado de ECG), o que corresponde ao intervalo PR no ECG. Após cruzar o
nódulo AV, propaga-se para o feixe de His e o sistema de fibras de Purkinje, que, por sua vez,
percorrem todo o endocárdio ventricular.

A ativação elétrica do miocárdio ventricular inscreve-se no ECG como o complexo QRS. Por serem
altamente especializadas, a condução pelas fibras de Purkinje é muito rápida, determinando um
QRS “estreito”. Nesse momento, todo o miocárdio ventricular está despolarizado, refratário a novos
estímulos. O período refratário termina quando os miócitos se repolarizam, evento marcado pela
onda T. O intervalo desde o início do QRS até o final da onda T (intervalo QT) corresponde ao
Período Refratário Efetivo (PRE) dos miócitos ventriculares.

A Frequência Cardíaca (FC) pode ser determinada no ECG medindo-se a distância entre os
complexos QRS. Dividimos 1.500 por esta distância, em milímetros; ou usamos uma “regra prática”,
considerando a distância em centímetros: 0,5 cm (FC = 300 bpm); 1 cm (FC = 150 bpm); 1,5 cm
(FC = 100 bpm); 2 cm (FC = 75 bpm); 2,5 cm (FC = 60 bpm); 3 cm (FC = 50 bpm).

Fique ligado:

FATORES DE RISCO PREDISPONENTES


A FA ocorre quando anormalidades eletrofisiológicas alteram o tecido atrial e promovem formação/
propagação anormal do impulso elétrico. Muitos fatores de risco clínicos estão associados ao
aumento no risco de FA e, possivelmente, participam da elevação na prevalência observada nas
últimas décadas. Além dos fatores de risco clássicos [hipertensão, diabetes, doença valvar, infarto do
miocárdio e insuficiência cardíaca (IC)], podemos observar novos fatores de risco potenciais, que
podem ocasionar grandes implicações no manejo clínico da FA.

Dentre eles, destacam-se a presença de Apneia Obstrutiva do Sono (AOS), obesidade,uso de bebidas
alcoólicas, exercício físico, história familiar e fatores genéticos,mas, na prática clínica, a influência
da obesidade e da AOS parece impactar significativamente na abordagem terapêutica dos pacientes
portadores de FA. A AOS é caracterizada pela obstrução, completa ou parcial, recorrente das vias
aérea superiores durante o sono, resultando em períodos de apneia, dessaturação de
oxiemoglobina, e em despertares noturnos frequentes. Os mecanismos relacionados a anormalidade
do sono e o dano cardiovascular possivelmente são inúmeros. No entanto, três fatores principais
merecem destaque: hipóxia intermitente, despertares frequentes e alterações na pressão
intratorácica. Essas alterações acabam por desencadear hiperatividade do sistema nervoso
simpático, disfunção endotelial e inflamação,culminando com o aparecimento de várias
comorbidades cardiovasculares − dentre elas, a FA.

CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA
A classificação mais utilizada na prática clínica refere-se a forma de apresentação da FA. Define-se
“fibrilação atrial paroxística” aquela que é revertida espontaneamente ou com intervenção médica
em até 7 dias de seu início. Episódios com duração superior a 7 dias têm o nome de “fibrilação
atrial persistente”. Alguns estudos utilizam a terminologia de “fibrilação atrial persistente de
longa duração” para designar os casos com duração superior a 1 ano. Finalmente, o termo
“fibrilação atrial permanente” é utilizado nos casos em que as tentativas de reversão ao ritmo
sinusal não serão mais instituídas. “Fibrilação atrial não valvar” é definida por FA na ausência de
estenose mitral reumática, válvula mecânica ou biológica ou plastia mitral prévia.

MECANISMO ELETROFISIOLÓGICO
Quando os miócitos atriais estão “doentes”, importantes alterações de suas propriedades
eletrofisiológicas podem ocorrer, predispondo à formação de “novos caminhos” elétricos através do
miocárdio atrial. Nessas condições, um estímulo proveniente de uma extrassístole atrial pode se
fragmentar, fazendo surgir múltiplos pequenos circuitos de reentrada (movimentos circulares). Estes
circuitos aparecem e desaparecem em momentos diferentes e em diversas partes do miocárdio
atrial, que por isso perde a sua contração rítmica. Visualmente o átrio apresenta movimentos
fibrilatórios anárquicos, cerca de 400-600 por minuto (frequência das ondas f). Mesmo quando a FA
começa em um dos átrios, acaba passando para o outro através de fibras interatriais acompanhando
o seio coronariano venoso.

A reentrada é o mecanismo mais importante das taquiarritmias.

Para que se forme um circuito de reentrada no miocárdio, existem três pré-requisitos:

(1) áreas adjacentes com períodos refratários diferentes;


(2) áreas de condução lentificada;
(3) um “gatilho” (extrassístole).

Se todos os estímulos elétricos atriais passassem para os ventrículos, a frequência cardíaca seria
400-600 bpm, degenerando-se para uma fibrilação ventricular. Felizmente existe o nódulo AV, que
“filtra” boa parte dos estímulos atriais, “deixando passar” geralmente entre 90-170 por minuto.
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
Trata-se da taquiarritmia crônica mais comum, com uma prevalência de 1-2% na população,
aumentando progressivamente com a idade, atingindo 3-9% dos idosos (> 65 anos). É
discretamente mais prevalente nos homens.

A fibrilação atrial é uma arritmia de indivíduos cardiopatas, idosos ou hipertireoideos. É menos


comum um paciente jovem não cardiopata e eutireoideo apresentar FA, a não ser quando submetido
a determinados fatores precipitantes, como libação alcoólica ou uso de adrenérgicos (cocaína,
anfetamina) ou distúrbios eletrolíticos. As cardiopatias mais relacionadas com esta arritmia são
aquelas que sobrecarregam os átrios (valvopatia mitral, disfunção do VE) ou que infiltram ou
inflamam o miocárdio dessas câmaras (miocardite, pericardite). O aumento do átrio esquerdo (pelo
ECG ou pelo ecocardiograma) geralmente precede a instalação da FA nos cardiopatas.

PRINCIPAIS CAUSAS
Em nosso meio,dois grupos de cardiopatia predominam como causa de FA: (1) hipertensiva e (2)
reumática.

Os idosos com hipertensão arterial formam o grupo etiológico mais comum.


Na doença reumática crônica, predominam as valvopatias mitrais.

Veja a incidência de FA nas diversas valvopatias:

- Dupla lesão mitral + insuficiência tricúspide = 70%; - Dupla lesão mitral = 52%;
- Estenose mitral pura = 29%;
- Insuficiência mitral pura = 17%;
- Estenose aórtica (sem disfunção de VE) = 1%.

O infarto agudo do miocárdio pode cursar com FA em 6-10% dos casos. Presumivelmente, a
isquemia atrial e o estiramento atrial, decorrentes da disfunção de VE, são os fatores patogênicos. A
doença coronariana crônica sem disfunção de VE, infarto ou hipertensão arterial não é
propriamente uma causa de FA.

A cardiomiopatia dilatada (qualquer causa) cursa com FA em 15-20% dos casos, enquanto a
cardiomiopatia hipertrófica, em 10-30%. Outras cardiopatias associadas à FA são a Comunicação
Interatrial (CIA) e a anomalia de Ebstein. O hipertireoidismo é encontrado como causa de 5-6% dos
casos de FA de início recente.

O hipertireoideo com mais de 30 anos tem uma chance de 20% de desenvolver FA. O mecanismo
parece ser o aumento do tônus adrenérgico sobre o miocárdio atrial.

Outras Causas:

Pacientes com miocardite, pericardite, embolia pulmonar, DPOC descompensada e apneia obstrutiva
do sono também têm incidência aumentada de fibrilação atrial. A libação alcoólica pode levar a
surtos autolimitados de FA paroxística em pacientes com corações normais (“Holiday Heart
Syndrome”), bem como o uso de anfetamínicos, cocaína ou L-tiroxina (em fórmulas para
emagrecer). Outras drogas que podem causar FA são a teofilina e o digital (intoxicação digitálica).
Os distúrbios eletrolíticos (hipocalemia, hipomagnesemia) e gasométricos (acidose, hipoxemia)
podem precipitar FA, principalmente nos pacientes com cardiopatia estrutural prévia.

A doença do nódulo sinusal, uma doença degenerativa da terceira idade, pode se apresentar com
episódios de FA, seguidos de pausa sinusal (Síndrome Bradi-Taqui). O mesmo processo patológico
que degenera o tecido sinusal também pode comprometer o miocárdio atrial, propiciando
taquiarritmias (FA, flutter, taquicardia atrial).

A fibrilação atrial se associa muito ao flutter atrial, já que são duas arritmias que compartilham das
mesmas causas e fatores precipitantes. Uma pode se converter na outra, eventualmente no mesmo
traçado do ECG (“fibrilo-flutter”). Cerca de 20% dos pacientes com Taquicardia Supraventricular
Paroxística (TSVP) e 20-35% daqueles com a síndrome de Wolff-Parkinson- -White desenvolvem FA
(adiante).

A FA é uma arritmia comum no pós-operatório de cirurgia cardíaca, especialmente na cirurgia


valvar e coronariana (revascularização miocárdica), incidindo em 10-40% e 40-60% dos casos,
respectivamente. Esta arritmia também acompanha o transplantado cardíaco em 25% dos casos.

FIBRILACÃO ATRIAL “ISOLADA" (Lone Atrial Fibrillation)


Algumas estatísticas mostram que cerca de 10-20% dos pacientes com FA não apresentam
cardiopatia (ecocardiograma normal) e nenhum fator precipitante, ou seja, FA “isolada”. A maioria
desses pacientes é mais jovem (< 65 anos) e provavelmente apresenta uma miocardite subclínica,
associada a um distúrbio autonômico. A vagotonia (bradiarritmia benigna) é encontrada em
pacientes jovens com episódios noturnos de FA. O mecanismo está ligado ao encurtamento do
período refratário atrial pelo tônus vagal. Curiosamente, tanto a exacerbação parassimpática (vagal)
quanto simpática (adrenérgica) podem desencadear FA.

QUADRO CLÍNICO
A fibrilação atrial, ao mesmo tempo em que é um marcador de gravidade na cardiopatia, pode
contribuir para a piora hemodinâmica, precipitando sintomas do tipo palpitações, dispneia,
desconforto torácico, tonteira, sudorese fria, urgência urinária. Uma parcela significativa de
casos, entretanto, revela-se assintomática. A arritmia acaba sendo suspeitada apenas pelo exame
físico e confirmada pelo ECG.

A piora hemodinâmica do paciente deve-se (1) à própria taquicardia (reduzindo o tempo de


enchimento ventricular e aumentando o consumo miocárdico de oxigênio) e (2) à perda da
contração atrial, reduzindo em 20-40% o enchimento diastólico do ventrículo e, consequentemente,
o débito cardíaco. O precário esvaziamento atrial provoca aumento de pressão no átrio esquerdo,
determinando piora da congestão pulmonar.

Outro problema é o sofrimento do miocárdio pelo aumento sustentado da frequência de contrações:


“taquicardiomiopatia”. Isso pode acarretar disfunção ventricular e atrial. Depois que a cardioversão
é realizada, os átrios demoram alguns dias para recuperar sua contração, um fenômeno descrito
como “miocárdio atrial atordoado” (stunning atrial myocardium).

Obs.: Os pacientes que mais se prejudicam com a instalação da FA são aqueles com estenose mitral,
estenose aórtica, cardiomiopatia hipertrófica e portadores de insuficiência cardíaca – neles, a FA
pode precipitar até um edema agudo de pulmão e/ou hipotensão arterial grave. Nos coronariopatas,
a FA pode causar angina instável.

O exame físico do paciente é marcado por um ritmo cardíaco irregularmente irregular e perda
da onda A no pulso venoso. Só para lembrar: quem tem FA não pode ter B4, já que esta bulha
acessória depende da contração atrial. Eventualmente, na FA, a frequência cardíaca contada no
precórdio é maior do que a contada pelo pulso radial (dissociação pulso-precórdio). A explicação
para este último achado é a seguinte: como o tempo de enchimento diastólico é variável e às vezes
muito curto, o ventrículo pode “bater” ainda vazio, sem produzir débito sistólico perceptível. Isso
faz com que o batimento percebido no precórdio não se acompanhe de uma onda de pulso
periférico.

TROMBOEMBOLISMO
Uma das principais preocupações em pacientes com FA. Como os átrios perdem sua contração
rítmica, o sangue sofre estase no interior dessas câmaras, predispondo à formação de trombos
murais (aderidos à parede atrial). O local preferido para a formação desses trombos é o apêndice
atrial esquerdo (antiga “auriculeta”). Um fragmento do trombo (ou ele inteiro) pode se deslocar e
caminhar pela circulação, até ocluir um vaso arterial. O SNC é o local mais frequentemente
acometido, determinando o AVE isquêmico embólico. Outros eventos tromboembólicos também
podem ocorrer, tais como o infarto enteromesentérico (abdome agudo) e a isquemia aguda do
membro inferior por embolia femoral.
A fibrilação atrial é a causa mais comum de AVE isquêmico cardioembólico que, por sua vez, é o
tipo responsável por 1/3 de todos os AVEs. Pacientes com fibrilação atrial têm uma chance bem
maior de evoluir com eventos tromboembólicos, quantificada em torno de 5% ao ano e 28%
durante toda a vida. Estudos de autópsia demonstraram que microêmbolos no SNC são encontrados
em 40-70% dos casos – muitos deles certamente passaram clinicamente despercebidos. O AVE
isquêmico pode ser a primeira manifestação de uma fibrilação atrial. Às vezes, o paciente sequer
havia procurado o médico antes do AVE, pois sua FA era assintomática.

INFLUÊNCIA NA MORTALIDADE
A fibrilação atrial é um fator de risco independente para morte em indivíduos acima de 60 anos e
em pacientes cardiopatas. A presença da arritmia praticamente dobra o risco. Em pacientes com
IAM, foi comprovado que a ocorrência de FA triplica a mortalidade, pelo menos no primeiro ano de
acompanhamento, provavelmente pelo fato de a FA ocorrer em pacientes com maior disfunção de
VE. O prognóstico do AVE isquêmico é pior na presença da FA: a mortalidade em 30 dias é de 25%
versus 14% no AVE isquêmico sem FA. Além disso, a sequela neurológica é mais grave, já que o
infarto cerebral costuma ser maior com o AVE cardioembólico.

TIPOS CLÍNICOS
Classificamos três tipos de FA:

Uma fibrilação atrial que dura mais de 48h não costuma


reverter espontaneamente, pois o átrio entra num ciclo
vicioso: a FA altera a eletrofisiologia atrial (período
refratário, condução), predispondo a mais FA. Ou seja,
quanto mais tempo os átrios estiverem fibrilando, menor a
chance de reversão da arritmia.

TRATAMENTO
(1) FA “recém-diagnosticada” (paciente “instável” ou “estável”)

(2) FA “refratária”.

Fibrilação Atrial Recém-Diagnosticada

Paciente Instável:
Em arritmologia, o termo “instabilidade” significa choque circulatório, congestão pulmonar e/ou
isquemia miocárdica. Se a FA se apresentar com algum critério de “instabilidade”, a conduta é a
cardioversão elétrica imediata! A cardioversão elétrica é a maneira mais rápida de se restaurar o
ritmo sinusal em qualquer taquiarritmia.

Como o paciente “instável” tem risco iminente de óbito, é preciso “estabilizá-lo” (revertendo a
arritmia) o quanto antes... Para o procedimento de cardioversão elétrica temos que prover sedação e
analgesia.

Diversos esquemas podem ser empregados, sendo o mais comum a combinação de drogas com
meia- vida curta, como propofol ou midazolam (sedativos- -hipnóticos) + fentanil (analgésico). O
paciente deve estar com suporte de O2, além de acesso venoso periférico e monitorização contínua
do eletrocardiograma e dos sinais vitais (OVM = Oxigênio, Veia e Monitor), ficando o material de
reanimação prontamente disponível. O choque inicial com o desfibrilador monofásico deve ter carga
entre 100-200 J, e deve ser sincronizado com a onda R do complexo QRS. Se o ritmo sinusal não for
reestabelecido, pode-se repetir o choque com uma carga maior, de 360 J. Se ainda assim a
cardioversão não for bem- -sucedida, pode-se ministrar o antiarrítmico ibutilida (1 mg IV em
10min) seguido de nova tentativa de cardioversão. Com os modernos desfibriladores bifásicos, a
carga do choque sincronizado deve variar entre 120-200 J. Na FA “instável” a conduta é a
cardioversão elétrica imediata, sem anticoagulação prévia.

Paciente Estável

Na ausência de critérios de instabilidade não há urgência em restaurar o ritmo sinusal, logo, NÃO é
preciso realizar uma cardioversão elétrica imediata.
Nesta situação – que, diga-se de passagem, é a forma mais comum de apresentação da FA – dá
tempo para avaliarmos cada caso individualmente, a fim de selecionar a melhor estratégia.
Existem duas opções:
(1) “controle do ritmo”, onde se tenta a cardioversão ELETIVA;
(2) “controle da resposta ventricular”, onde deixamos o paciente em ritmo de FA e utilizamos
drogas inibidoras do nódulo AV, com o intuito de diminuir a frequência cardíaca.

Independente da estratégia adotada, o Risco Cardioembólico sempre deve ser avaliado.


Quando este for significativo, a anticoagulação deve ser instituída. Como veremos, existem escores
que nos auxiliam nessa tarefa: o CHA2 DS2 - VASC e o HAS-BLED.

Em toda FA “estável” recém-diagnosticada temos que pesquisar fatores desencadeantes. Muitas


vezes o contexto clínico fornece pistas óbvias (ex.: pós-operatório de cirurgia cardíaca, sepse).
Outras vezes o paciente é completamente assintomático, sendo a FA descoberta por acaso. Nesta
última situação é obrigatório rastrear distúrbios tireoideanos (dosar TSH e T4 livre), bem como
doenças valvares ou miocárdicas ocultas (ecocardiograma), além de solicitar exames de rotina
(hemograma, bioquímica, função renal). A revisão de medicamentos é essencial (ex.: teofilina e
outros simpatomiméticos podem desencadear FA), assim como a história de libação alcoólica
(“Holiday Heart Syndrome”) e o uso de drogas ilícitas (ex.: cocaína, anfetamina).

Seja como for, o PRIMEIRO PASSO perante uma FA “estável” (até quando se planeja a cardioversão
eletiva) consiste no controle da frequência cardíaca, o que é conseguido, como já dissemos, com
drogas inibidoras do nódulo AV. A diminuição da FC pode melhorar os sintomas da arritmia (ex.:
palpitações, fadiga), e mesmo no paciente assintomático ela evita o surgimento de
taquicardiomiopatia. A meta é uma FC < 110 bpm em repouso.

Três grupos de inibidores do nódulo AV podem ser utilizados: (1) betabloqueadores; (2)
antagonistas de canais de cálcio não diidropiridínicos; e (3) digitálicos.
Os betabloqueadores são preferidos nos pacientes coronariopatas e hipertireoideos.
Os antagonistas do cálcio são preferidos nos pacientes com pneumopatia obstrutiva crônica e nos
asmáticos.
A digoxina pode ser associada na insuficiência cardíaca grave.
O diltiazem pode ser usado com cuidado nos casos de ICC leve a moderada, mas o verapamil não.

Se o controle da frequência cardíaca não for possível com apenas uma droga, podem-se associar
dois medicamentos de classes diferentes.
Associações bastante utilizadas são:
(1) digoxina + betabloqueador; (2) digoxina + diltiazem.

Evita-se associar betabloqueadores + antagonistas do cálcio (alto risco de bradiarritmia), bem


como digoxina + verapamil (alto risco de intoxicação digitálica).
Se ainda assim o paciente permanecer taquicárdico, pode ser tentado o uso de baixas doses de
amiodarona, pela sua capacidade de inibir o nódulo AV.

O SEGUNDO PASSO na abordagem da FA “estável” consiste na anticoagulação. A decisão de


anticoagular ou não o paciente depende de uma avaliação formal do risco cardioembólico, e não do
tratamento da arritmia em si.
Os guidelines atuais preconizam a utilização do escore CHA2 DS2 -VASC (Tabela 1).
Observe na Tabela 2 sua interpretação.
Saiba que o CHA2 DS2 -VASC substituiu o tradicional “CHADS-2”, por ser mais sensível para
identificar pacientes de baixo risco que poderiam ser manejados sem anticoagulação. Logo, vamos
nos concentrar somente neste último, que agora passou a ser o escore mais importante na prática.

Obs.: Quando o paciente é portador de estenose mitral moderada a grave (ou prótese valvar), ele
automaticamente é considerado de “Alto Risco Cardioembólico” na vigência de FA, devendo,
portanto, ser antigoagulado. Isso é o que se chama de FA “valvar” e neste caso não é preciso calcular
nenhum escore. A estratificação formal do risco cardioembólico pelo CHA2 DS2 -VASC é indicada
apenas para portadores de FA “não valvar”.

Outro conceito importantíssimo: se o risco cardioembólico for alto (FA “valvar”, CHA2 DS2 -VASC ≥
2), a anticoagulação está indicada PARA O RESTO DA VIDA DO PACIENTE, mesmo que ele retorne
ao ritmo sinusal!
Já foi demonstrado que é frequente a ocorrência de episódios autolimitados de FA, de duração
variável, em todo paciente que possui história prévia dessa arritmia. Na vigência de “alto risco
cardioembólico” a chance de formação de trombos durante esses episódios é significativa! Assim, o
paciente pode “entrar e sair” do ritmo de FA de forma totalmente assintomática, fazendo um
acidente cardioembólico a qualquer momento. A literatura confirma que, em pacientes com história
de FA e alto risco cardioembólico, a não anticoagulação aumenta a chance de AVE em longo prazo,
ao passo que a anticoagulação a diminui. No paciente sem fatores de risco cardioembólico a
anticoagulação permanente não é necessária, pois, mesmo que ele “entre e saia” do ritmo de FA, o
risco de AVE não é suficientemente alto para suplantar os riscos da anticoagulação.

Recomenda-se que o risco de acidente hemorrágico induzido por anticoagulantes também seja
levado em conta na decisão de prescrever ou não esses medicamentos. O escore HAS-BLED nos
auxilia nesse sentido (Tabela 3). Na prática ele tem sido aplicado a todos os anticoagulantes, apesar
de validado somente em relação ao uso de warfarina. Uma pontuação > 3 indica elevado risco de
sangramento. Contudo, NÃO se contraindica a anticoagulação só por causa disso. Na realidade, na
presença de “alto risco”, o que se deve fazer é avaliar individualmente a viabilidade da
anticoagulação, isto é, verificar se é possível modificar fatores ou comportamentos de risco, bem
como se existem condições psicossociais para uma correta adesão ao tratamento.

A anticoagulação plena pode ser iniciada de duas formas:


(1) com a associação de Heparina de Baixo Peso Molecular (ex.: enoxaparina 1 mg/kg, SC, de
12/12h) e warfarina (dose ajustada para manter o INR entre 2-3), suspendendo a heparina após o
INR atingir a faixa terapêutica; ou
(2) com os novos anticoagulantes orais que não necessitam de heparina no início do tratamento
(devido ao seu efeito anticoagulante imediato), tampouco monitorização laboratorial do TAP/INR
ou PTTa.

Os novos anticoagulantes orais são: Dabigatran (Pradaxa®), Rivaroxaban (Xarelto®), Apixaban


(Eliquis®) e Edoxaban (Lixiana®). Os estudos sugerem que todas essas drogas são tão ou mais
eficazes do que a warfarina na prevenção de eventos cardioembólicos. Exceção deve ser feita aos
portadores de FA “valvar” (estenose mitral moderada/grave, prótese valvar metálica ou biológica):
nestes só podemos usar warfarina, pois os novos anticoagulantes orais (particularmente o
dabigatran) se mostraram menos eficazes.
Seja como for, a literatura mostra que os novos anticoagulantes orais acarretam MENOS RISCO DE
HEMORRAGIA INTRACRANIANA do que a warfarina, tendo como contrapartida um MAIOR RISCO
DE HEMORRAGIA DIGESTIVA – a exata explicação biológica para esses achados ainda não foi
totalmente esclarecida.

O último guideline europeu de FA, por exemplo, já coloca os novos anticoagulantes orais como
drogas de primeira escolha, deixando a tradicional warfarina em segundo lugar.
Pacientes que usam warfarina há muito tempo e mantêm anticoagulação satisfatória, com INR
dentro da faixa terapêutica e poucos efeitos colaterais, NÃO DEVEM trocar este medicamento pelos
novos anticoagulantes! Por outro lado, se a anticoagulação com warfarina for difícil e problemática
(INR lábil, paraefeitos significativos e recorrentes), a troca por um dos novos anticoagulantes é
recomendada. Esta é feita da seguinte forma: suspende-se a warfarina e, quando o INR cair abaixo
de 2, o novo anticoagulante oral poderá ser introduzido.

Obs.: Na FA “estável” não é preciso realizar uma cardioversão elétrica imediata. O paciente deve ter
a frequência cardíaca controlada com inibidores do nódulo AV, e deve pesquisar fatores
desencadeantes potencialmente reversíveis. Após analisar cada caso individualmente, decidiremos
entre:

(1) “controle do ritmo” = cardioversão eletiva;

(2) “controle da frequência cardíaca” = apenas inibidores do nódulo AV.

O risco cardioembólico sempre deve ser avaliado, e quando alto indica anticoagulação definitiva,
independente da estratégia selecionada para tratar a arritmia.

▪ Qual é a melhor estratégia para uma FA estável recém-diagnosticada, “controle do ritmo”


ou apenas “controle da frequência cardíaca”?

Dois grandes estudos (AFFIRM e RACE) compararam prospectivamente essas condutas, e seus
resultados foram semelhantes:

(1) a estratégia de “controle da frequência cardíaca” NÃO se associa a um maior número de AVE ou
óbito, desde que o paciente receba anticoagulação conforme o risco cardioembólico;
(2) a estratégia de “controle do ritmo” não aumenta a tolerância ao exercício nem melhora a
qualidade de vida do paciente;
(3) é mais fácil controlar a frequência do que o ritmo (mesmo que a cardioversão seja bem-sucedida
e o paciente utilize antiarrítmicos profiláticos, a maioria evolui com recidiva da FA e por isso acaba
internando no hospital com mais frequência!).

Ora, a despeito do evidente favorecimento à estratégia de “controle da frequência cardíaca” por


esses estudos, é importante salientar que tal assunto permanece controverso. O fato é que na prática
existem duas situações em que se recomenda TENTAR – pelo menos inicialmente – o “controle do
ritmo”:

(1) primeiro episódio de FA, principalmente se associado a algum fator desencadeante reversível;

(2) persistência dos sintomas após controle da frequência cardíaca (ex.: palpitações, fadiga).

Existem ainda os pacientes em que a frequência cardíaca “alvo” não consegue ser atingida (ex.:
refratariedade ou contraindicação aos inibidores do nódulo AV). Nestes, a melhor opção para evitar
o surgimento de taquicardiomiopatia é a cardioversão, uma vez que a taquicardia desaparece com a
restauração do ritmo sinusal.

Obs. 2: A estratégia de “controle da frequência cardíaca” NÃO É INFERIOR à estratégia de “controle


do ritmo”.
Na realidade, em longo prazo, pacientes em “controle de ritmo” acabam internando mais por causa
das recidivas da FA. Não obstante, na prática, costuma-se tentar inicialmente o controle de ritmo
nas seguintes circunstâncias:

(1) 1° episódio de FA, principalmente se associado a algum fator desencadeante reversível;

(2) persistência dos sintomas após controle da FC;

(3) impossibilidade de controlar a FC.

Quando se opta pelo “controle do ritmo”, nos deparamos com um sério problema: se a FA tiver >
48h de duração, o risco de acidente cardioembólico após retorno do ritmo sinusal é grande (6% em
média). Lembre-se que quanto maior a duração da FA, maior a chance de formação de trombos no
apêndice atrial esquerdo! Com o retorno do ritmo sinusal (e da contração do átrio) o trombo pode
se desprender e ganhar a circulação sistêmica.

Então, como cardioverter com segurança uma FA com > 48h ou duração desconhecida? Antes de
tudo, devemos realizar um ecocardiograma transesofágico (que é mais sensível do que o
transtorácico para a detecção de trombos no apêndice atrial esquerdo). Na ausência de trombos, o
paciente pode ser cardiovertido logo em seguida. Na presença de trombo, o paciente deve ser
anticoagulado por 3-4 semanas antes da cardioversão (período suficiente para que o trombo seja
desfeito). Se não for possível realizar um eco transesofágico, a conduta é assumir que existe trombo,
anticoagulando por 3-4 semanas antes de cardioverter.

É importante compreender que a anticoagulação não “dissolve” diretamente o trombo. Ela apenas
bloqueia a cascata da coagulação, criando um desequilíbrio no sistema hemostático do paciente que
favorece o predomínio da fibrinólise endógena. Assim, com a anticoagulação, é o próprio organismo
que vai “podando” o trombo até seu desaparecimento!

Após a cardioversão de uma FA com > 48h ou duração desconhecida, o paciente deve permanecer
anticoagulado. Se o risco cardioembólico for BAIXO, a anticoagulação poderá ser suspensa após
quatro semanas. Se o risco for ALTO, ela deverá ser mantida indefinidamente, mesmo que o coração
volte a bater em ritmo sinusal (já explicamos o porquê disso).

A razão para manter a anticoagulação por quatro semanas no paciente de baixo risco é a seguinte:
após 48h em ritmo de FA, se houver cardioversão o miocárdio atrial estará “atordoado” (stunning
myocardium), o que significa que ele não recupera de imediato sua contração efetiva. Assim,
formam-se bolsões de estase sanguínea atrial – com alto risco de formação de trombos – os quais
perduram até a melhora do “atordoamento” (que dura em média quatro semanas). Mesmo tendo
baixo risco cardioembólico o paciente deve ser “protegido” pela anticoagulação durante esse
período.

Se pudermos garantir que o início da FA foi há menos de 48h, a cardioversão pode ser realizada
imediatamente, sendo a anticoagulação iniciada ou não conforme a estratificação individual do
risco cardioembólico do paciente. Vale dizer que quase sempre a anticoagulação definitiva será
indicada, pois a maioria dos pacientes com FA contabiliza dois ou mais pontos no escore CHA2 DS2
-VASC, ou então possui uma FA “valvar”. O paciente que classicamente não precisa ser
anticoagulado numa FA < 48h de duração é o portador de FA “isolada” (Lone Atrial Fibrillation).
Trata-se de pessoas jovens (< 65 anos), homens ou mulheres, que não apresentam cardiopatia
estrutural, doença aterosclerótica, HAS, DM ou história de AVE/AIT, e que geralmente foram
expostas a algum fator desencadeante reversível (álcool, medicamentos, pós-operatório). Mais de
2/3 dos surtos de FA isolada se resolvem espontaneamente nas primeiras 24h (cenário comum:
enquanto iniciamos um inibidor de nódulo AV e preparamos o paciente para a cardioversão, a
arritmia desaparece por conta própria).

→ Métodos de Cardioversão Eletiva

A cardioversão eletiva pode ser química (farmacológica), elétrica ou uma combinação de ambas (se
ministrarmos previamente drogas antiarrítmicas, elas aumentam a probabilidade de sucesso da
cardioversão elétrica). Antes de proceder à cardioversão, no entanto, não podemos nos esquecer de
avaliar o risco cardioembólico. A cardioversão elétrica eletiva é mais eficaz do que a cardioversão
química eletiva (taxa de sucesso de 60-70% versus 30-60%).
Logo, daqui para frente, falaremos apenas sobre a técnica de cardioversão farmacológica.

▪ Cardioversão Farmacológica

Diversas drogas antiarrítmicas são eficazes em cardioverter a FA. As mais empregadas na prática
atual são: ibutilida, amiodarona, dofetilida, propafenona, flecainida e sotalol. Com exceção da
ibutilida, que só existe em formulação intravenosa, as demais também podem ser usadas na
profilaxia das recidivas (uso oral crônico). Existe ainda um antiarrítmico que não é empregado na
cardioversão (por possuir baixa eficácia), mas que pode ser usado na profilaxia: a dronedarona, um
análogo da amiodarona desprovido de iodo em sua molécula (e que por isso acarreta menos efeitos
colaterais do que a amiodarona).

Uma grande metanálise revelou que a chance de sucesso da cardioversão química é semelhante para
todas as drogas citadas, com exceção da amiodarona, que é um pouco menos eficaz. A droga mais
fácil de usar é a ibutilida, cuja posologia já citamos: 1 mg IV em 10min, podendo repetir uma vez se
necessário. Por este motivo, alguns autores colocam a ibutilida como droga de primeira escolha. Em
nosso meio, infelizmente, a ibutilida é pouco disponível, sendo a droga mais comumente empregada
a amiodarona. Na Tabela 6 descrevemos duas formas de cardioverter o paciente com amiodarona.

• A amiodarona interage com a warfarina e a digoxina. Logo, se um usuário dessas drogas


iniciar amiodarona, é preciso ficar atento e monitorar com mais frequência o INR, além de
dosar o nível sérico de digoxina.

• A dofetilida (125-500 mcg 12/12h VO) e o sotalol (80-160 mg 12/12h VO) podem ser
usados na vigência de cardiopatia estrutural, porém, obrigatoriamente devem ser iniciados
no hospital (com o paciente monitorizado), uma vez que podem desencadear um episódio
de torsades des pointes (TV polimórfica com QT longo) logo após o início do uso. A
propafenona (150-300 mg 8/8h VO) e a flecainida (50-150 mg 12/12h VO) possuem
aplicação um pouco mais restrita, pelo fato de NÃO poderem ser ministradas a portadores
de cardiopatia estrutural (ex.: doença coronariana, disfunção sistólica, HVE importante). No
entanto, ambas podem ser usadas ambulatorialmente para terminar um episódio de FA
paroxística no paciente não cardiopata, sem que ele precise ir ao hospital. Esta é a famosa
estratégia “pill in the pocket”: alguns portadores de FA recorrente são capazes de reconhecer
o início da arritmia devido ao surgimento de sintomas, podendo ser orientados e se
automedicar imediatamente com essas drogas! Se realizada de maneira precoce, o pill in the
pocket é altamente eficaz. Vale mencionar que, 30 minutos antes de tomar flecainida ou
propafenona, é preciso utilizar um inibidor do nódulo AV, como um betabloqueador ou um
antagonista do cálcio. O motivo é que se a FA for convertida em flutter atrial, evita-se um
potencial aumento na frequência cardíaca.

→ Manutenção com Antiarrítmico “Profilático”

Após a cardioversão, menos de 50% dos pacientes conseguem se manter em ritmo sinusal com o uso
crônico de um antiarrítmico. Como já dissemos, as drogas que podem ser usadas com este intuito
pela via oral são: amiodarona, dronedarona, sotalol, propafenona, flecainida e dofetilida. Sempre
que possível, a droga de escolha será a AMIODARONA. Apesar de menos eficaz na cardioversão, seu
efeito preventivo é superior ao das outras drogas. A dronedarona é uma opção menos eficaz que a
amiodarona, mas acarreta bem menos paraefeitos. Sotalol, propafenona, flecainida e dofetilida
apresentam o mesmo problema em relação ao tratamento prolongado: RISCO DE “PRÓ-ARRITMIA”,
isto é, tais drogas alteram as propriedades eletrofisiológicas do coração de modo que aumentam a
chance de surgirem outras arritmias, inclusive ritmos de “morte súbita”, como o já citado torsades
des pointes.

▪ Efeitos colaterais da amiodarona: Quando ministrada pela via intravenosa de forma aguda, a
amiodarona pode causar hipotensão arterial em cerca de 25% dos pacientes. Os outros paraefeitos
clássicos são notados com o uso oral prolongado, após recebimento de uma dose cumulativa
grande. Os principais são: (1) disfunção tireoideana, tanto HIPO quanto HIPERtireoidismo; (2)
toxicidade pulmonar (geralmente pneumonite intersticial crônica, que pode evoluir com fibrose e
pneumopatia restritiva); (3) microdepósitos corneanos (fotofobia, visão turva, percepção de “halos
luminosos”); (4) fotossensibilidade e hipocromia da pele; (5) elevação assintomática das
aminotransferases (até 25% logo após início do uso), que raramente (< 3%) evolui para hepatite
medicamentosa.

▪ Inibidores da ECA na FA: vários estudos têm mostrado que os IECA reduzem a recidiva de FA em
pacientes com disfunção de VE. A provável explicação deriva do efeito benéfico dessas drogas no
sentido de evitar ou reduzir o remodelamento cardíaco.
▪ Estatinas na FA: alguns estudos também demonstraram benefício das estatinas na manutenção
do ritmo sinusal em pacientes com FA. Provavelmente, o mecanismo de prevenção acontece pelo
controle da doença coronariana, além de efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e antiarrítmicos
diretos nos canais iônicos.

FA “Refratária”:

Se as estratégias de “controle do ritmo” e “controle da frequência cardíaca” falharem, isto é, se o


paciente não atingir as metas preconizadas, ou, se mesmo atingindo tais metas ele continuar
bastante sintomático, define-se a existência de uma FA “refratária”. Para estes indivíduos, o único
recurso disponível é a Terapia Intervencionista.

▪ FA e Bradiarritmia -“Síndrome Bradi-Taqui”

A mesma degeneração senil que pode atingir o nódulo sinusal, determinando bradicardia e pausas
sinusais (doença do nódulo sinusal), pode também afetar o miocárdio atrial, provocando
taquiarritmias atriais paroxísticas, como a FA, o flutter e a taquicardia atrial (síndrome Bradi-
Taqui). É importante frisar que esta associação não é rara e exige certos cuidados por parte do
médico. Se o paciente apresentar, entre os episódios de FA, bradicardia sinusal importante ou
períodos de pausa sinusal (com ou sem síncope), o diagnóstico de uma DNS é bastante provável.
Frequentemente, as pausas vêm após um surto de taquiarritmia atrial – o “bombardeio” do nódulo
sinusal piora ainda mais a sua função. A conduta ideal é o implante de um MP definitivo DDDR
(dupla câmara), antes de instituir terapia antiarrítmica ou cardioverter eletricamente o paciente. Os
antiarrítmicos (especial mente a amiodarona) pioram a função do nódulo sinusal. O MP DDDR
reduz comprovadamente a recidiva de FA nestes pacientes (ao contrário dos MP de câmara única).

▪ Doença do Nódulo AV

Idosos e cardiopatas podem apresentar FA associada à disfunção do nódulo AV. Neste caso, o ECG
mostrará uma FA com baixa resposta ventricular (< 80 bpm), na ausência de inibidores do nódulo
AV. O que fazer? Em geral, apenas anticoagulação crônica. Os antiarrítmicos devem ser evitados ou
administrados com muito cuidado. Se a doença AV for grave e a resposta ventricular for abaixo de
40 bpm, está indicado o implante de um MP definitivo (VVIR).

▪ Diagnósticos Diferenciais

◦ Flutter Atrial

(1) Frequência atrial acima de 250 bpm (geralmente 300 bpm), observada pela frequência das
ondas F;

(2) Ausência de uma linha isoelétrica entre estas ondas atriais (ondas F), o que pode dar um
aspecto “em dente de serra”;

(3) A frequência cardíaca costuma ser de 150 bpm (metade da frequência atrial, pois a condução AV
quase sempre é 2:1);

(4) QRS estreito (idêntico ao QRS do ritmo sinusal), a não ser em caso de bloqueio de ramo
associado.

A fibrilação atrial se associa muito ao flutter atrial, já que são duas arritmias que compartilham das
mesmas causas e fatores precipitantes. Uma pode se converter na outra, eventualmente no mesmo
traçado do ECG (“fibrilo-flutter”).
◦ Taquicardia Sinusal

Frequência cardíaca geralmente entre 100-160 bpm;


Onda P positiva em D1 e D2, de morfologia idêntica à P sinusal e o QRS estreito (idêntico ao QRS
do ritmo sinusal), a não ser em caso de bloqueio de ramo associado.

◦ Bradicardia Sinusal

FC: < 50bpm


Aumento da atividade vagal – sono, atletas, manobra no seio carotídeo, após uso de digital,
morfina, betabloqueador.
Em algumas doenças: mixedema, estados hipometabólicos, doença do nódulo sinusal
Tratamento: tratamento do fator desencadeante

◦ Arritmia Sinusal

Marca-passo é o sinusal, porém os intervalos são irregulares


Pode ser fásica ou respiratória quando os intervalos RR diminuem com a inspiração (FC acelera) e
vice- versa. Quando não fásica decorre de doença do nódulo sinusal
Tratamento: observação

◦ Extrassístole Atrial

Formação prematura ou antecipada do estímulo cardíaco


Apresenta onda P prematura e diferente da onda P de base
Complexo QRS = complexo QRS de base com pausa compensadora completa ou incompleta
Causas: Álcool, café, cigarros, Hipertireoidismo, IC, isquemia.
Tratamento: tratamento do fator desencadeante

◦ Extrassístole Ventricular

O impulso prematuro se encontra no miocardio ventricular


QRS sem onda P prematuro com QRS largo ou deformado
Podem ser bigeminadas, trigeminadas (2 batimentos de base para 1 ESV), quadrigeminadas,
pareadas (2 ESV acopladas entre si).
Tratamento: Amiodarona, Propafenona e Sotalol

◦ Taquiventricular

Mecanismo de produção ou foco ectópico se localiza abaixo da bifurcação do feixe de HIS 3 ou +


ESV com frequência >100bpm
Geralmente não apresenta onda P (dissociação) e o QRS largo e bizarro >0,12s
Pode ser sustentada ou não sustentada

Tratamento: cardioversão com 200j (bifásico) ou 360J (monofásico).


- Doença de Chagas
DEFINIÇÃO
Primeiramente descrita por Carlos Chagas em 1909, a doença de Chagas (tripanossomíase
americana) é uma zoonose causada pelo protozoário flagelado T. cruzi. Após uma fase aguda
frequentemente assintomática, 30 a 40% dos pacientes desenvolvem miocardiopatia crônica
potencialmente fatal e/ou disfunção do trato digestivo após algumas décadas. A reativação aguda
pode ocorrer em pacientes imunocomprometidos. A doença de Chagas impõe uma importante carga
humana e social na América Latina e recentemente se espalhou para fora de suas fronteiras naturais
para se tornar um problema de saúde pública global. Uma grande maioria das pessoas afetadas não
sabe ter sido acometida e não tem acesso ao manejo clínico e aconselhamento adequados.

TRANSMISSÃO
➔ Transmissão vetorial

A infecção por T. cruzi é primariamente uma zoonose transmitida para uma variedade de mamíferos
selvagens e domésticos por insetos triatomíneos sugadores de sangue. Algumas vezes há
sobreposição de ciclos vetoriais silváticos, peridomiciliares e intradomiciliares. Sobre uma ampla
região geográfica nas Américas (do norte da Argentina até o sul dos Estados Unidos), a maioria das
infecções em humanos é intradomiciliar, surgindo a partir de uma picada de triatomíneo durante
uma noite de sono. As fezes liberadas pelos triatomíneos durante o repasto sanguíneo contêm a
forma metacíclica infecciosa do T. cruzi que penetra no corpo humano através de rupturas da pele,
mucosas ou conjuntivas. Apesar de recentes pesquisas laboratoriais demonstrando o potencial para
a transmissão por percevejos, não há evidências de que os percevejos realmente transmitam o T.
cruzi para seres humanos.

➔ Transmissão não vetorial

Outros modos de transmissão podem causar infecção em regiões endêmicas e não endêmicas. O T.
cruzi pode ser transmitido de forma congênita da mãe para o recém-nascido, por transfusão de
hemoderivados, por transplante de órgãos e tecidos ou por ingestão de alimentos ou bebidas
contaminados. A infecção congênita ocorre em 1 a 10% dos recém-nascidos de mães infectadas. O
risco de infecção por hemoderivados contaminados é baixo (1,7% em geral, 13% para receptores de
plaquetas e perto de 0 para receptores de hemácias e plasma). A transmissão por transplante de
órgãos e tecidos afeta principalmente receptores de coração, fígado e rins. A transmissão oral é cada
vez mais relatada após a ingestão de alimentos (frutos silvestres) ou bebidas (suco de frutas ou de
cana de açúcar) contaminados, causando, algumas vezes, surtos.

EPIDEMIOLOGIA
Estima-se que 5,7 milhões de pessoas estejam infectadas por T. cruzi, incluindo > 1 milhão de
pessoas com miocardiopatia crônica. Porém, a verdadeira carga global da doença de Chagas não é
conhecida. O maior número de pessoas infectadas mora na Argentina, Brasil e México; a
prevalência é maior na Bolívia (6,1%), Argentina (3,6%) e Paraguai (2,1%). Em regiões altamente
endêmicas desses países, a prevalência pode ser de mais de 40%. Anteriormente restrita a
populações rurais pobres, a distribuição dos casos – e, de certa forma, a transmissão do T. cruzi – se
estendeu progressivamente para cidades no contexto da rápida urbanização e migração rural. Uma
história recente de migração de uma área rural é o principal fator de risco em ambientes urbanos.
Em geral, a prevalência e a incidência da doença de Chagas diminuiu marcadamente nas últimas
décadas devido a melhoras nas condições de moradia e socioeconômicas, além das intervenções em
saúde pública, incluindo as iniciativas para o controle regional de vetores, a implementação de
rastreamento sistemático de derivados de sangue e a melhora na detecção da transmissão
congênita. Vários países foram declarados livres da transmissão domiciliar como resultado de
campanhas sustentadas de aplicação de inseticidas residuais. Este progresso é ameaçado pela
adaptação do vetor ao ambiente periurbano, seu ressurgimento em áreas onde a aplicação foi
suspensa, o desenvolvimento de resistência aos inseticidas piretroides e a persistência da
transmissão peridomiciliar. Um número crescente de surtos localizados está sendo relatado em
regiões anteriormente estáveis, com a Bacia Amazônica particularmente sob risco.

A distribuição da doença de Chagas aumentou recentemente para países não endêmicos no contexto
do aumento das viagens globais, com casos relatados mais frequentemente na América do Norte,
Europa Ocidental, Austrália e Japão. Os Estados Unidos abrigam até 300 mil casos, principalmente
entre imigrantes da América Central. Além disso, as infecções esporádicas transmitidas por vetores
ocorrem nos estados do sul dos Estados Unidos. A Europa Ocidental tem 68 mil a 123 mil casos, e o
Japão e a Austrália relatam alguns milhares de casos. Apesar da implementação de rastreamento em
bancos de sangue e de alguns programas médicos dedicados, apenas uma pequena proporção de
casos foram identificados e adequadamente manejados até o momento. Um baixo nível de
conscientização entre os profissionais de saúde e as dificuldades experimentadas por alguns grupos
no acesso aos cuidados parecem ser os principais fatores envolvidos. As comunidades de imigrantes
sob risco estão frequentemente sujeitas a fatores que as tornam social, legal e economicamente
vulneráveis. Além disso, a percepção cultural da doença de Chagas como uma doença ligada à
pobreza pode criar um estigma social que complica seu manejo em nível de comunidade. Em
contraste com os imigrantes, os turistas internacionais que visitam países endêmicos têm risco
muito baixo de infecção, seja por picada de reduvídeos ou por outras vias, sendo raros os relatos de
doença de Chagas em viajantes.

PATOLOGIA
Várias cepas de T. cruzi foram identificadas. Essas cepas têm ciclos de transmissão e distribuição
geográfica parcialmente sobrepostos, mas não há evidência definitiva apoiando uma associação de
determinadas cepas com manifestações clínicas específicas ou com variação na gravidade da
doença. A raridade do envolvimento do trato digestivo ao norte da Bacia Amazônica sugere que
fatores específicos do parasita e do hospedeiro possam influenciar a evolução da doença. A
patogênese da doença de Chagas resulta de interações complexas entre o patógeno e a resposta
imunológica do hospedeiro. Muitas questões acerca da importância relativa dessas interações,
incluindo o papel de mecanismos autoimunes, ainda não foram respondidas.

Após a penetração local de tripomastigotos, os parasitas entram rapidamente na corrente sanguínea


e se espalham pelo corpo, infectando uma ampla gama de células nucleadas nas quais podem se
diferenciar em amastigotas. A resposta imune inata desencadeada por mucinas e DNA do parasita
leva a uma resposta predominantemente de linfócitos T auxiliares. A produção de várias citocinas
pró-inflamatórias e a ativação de linfócitos T CD8+ reduzem a parasitemia a um nível sub-patente
dentro de 4 a 8 semanas, um ponto que marca o final da fase aguda.
FIGURA: Um agregado de amastigotas de Trypanosoma cruzi com um infiltrado inflamatório na placenta de um lactente
com infecção congênita. Mecanismos de evasão imune permitem a proliferação persistente de baixa intensidade de
amastigotas e sua liberação na corrente sanguínea, com a subsequente infecção de potencialmente todos os tipos de
células nucleadas – notavelmente as células cardíacas, esqueléticas e musculares lisas. Os mecanismos postulados para
determinar a evolução patogênica para a miocardiopatia incluem a persistência dos parasitas e a incapacidade do
hospedeiro para sub-regular a resposta imune inicial, resultando em dano mediado por células e em desequilíbrio das
respostas de células T auxiliares 1 e 2 com produção excessiva de citocinas pró-inflamatórias.

Mecanismos secundários, como anormalidades da microcirculação e disautonomia, também podem


influenciar a progressão da lesão tecidual.

No miocárdio, a inflamação crônica resulta em destruição celular e desenvolvimento de fibrose,


levando a uma perda segmentar de contratilidade e dilatação das câmaras, com o risco associado de
aneurisma apical do ventrículo esquerdo. A hipoperfusão focal e o dano tecidual são fontes de
arritmias ventriculares, enquanto as lesões fibróticas afetam principalmente o sistema de condução.
A destruição de células autonômicas leva à desnervação vagal e simpática, cuja significância exata
ainda não está clara.

O T. cruzi parece ter um efeito tóxico direto sobre as células ganglionares autonômicas intramurais
do trato digestivo. Com o tempo, a perda de células neurais afeta o tônus muscular, levando a
distúrbios da motilidade e, por fim, à dilatação do órgão (síndrome de megavísceras). O esôfago e o
cólon são primariamente afetados, mas as lesões podem ocorrer ao longo de todo o trato digestivo.
O relaxamento inadequado do esfincter esofágico inferior causa sintomas de acalásia, enquanto o
dano ao cólon acaba simulando a doença de Hirschsprung, com constipação grave e risco de vólvulo
e dilatação tóxica.

Os fatores que reduzem a resposta imune celular, como a infecção pelo HIV, as terapias
imunossupressivas pós-transplantes ou as doenças malignas hematológicas, podem aumentar a
replicação intracelular de amastigotas, com aumento da parasitemia (reativação). As lesões ocorrem
predominantemente no sistema nervoso central (SNC), no coração e na pele. Entre os pacientes
com HIV, o risco de reativação é de cerca de 20% na ausência de terapias antirretrovirais, ocorrendo
quando a contagem de células T CD4+ cai abaixo de 100/μL. A reativação clinicamente manifesta
do T. cruzi é uma infecção oportunista definidora de Aids.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas da infecção por T. cruzi variam muito entre as pessoas. A evolução da
infecção é dividida em duas fases que estão associadas a diferentes características clínicas, durações
e prognósticos.

A fase aguda permanece indetectada e não diagnosticada na maioria das pessoas. Embora 5 a 10%
dessas infecções iniciais melhorem espontaneamente sem tratamento, o T. cruzi persiste pela vida
toda na grande maioria das pessoas (fase crônica); 60 a 70% dessas pessoas nunca desenvolvem
lesão tecidual aparente (forma indeterminada), mas os restantes 30-40% progridem para lesão de
órgãos de intensidade variável ao longo de décadas (forma determinada). Essas complicações
crônicas incluem distúrbios cardíacos (20-30%), digestivos (5-20%) ou mistos (5-10%). Não há
preditor de evolução para as manifestações clínicas durante a fase crônica.

Em pacientes com miocardiopatia, os bloqueios de ramo costumam ser o primeiro sinal e podem
não causar sintomas durante anos até que ocorra doença mais grave do sistema de condução,
arritmias e disfunção ventricular esquerda. A lesão cardíaca avançada tem prognóstico pior que
outras miocardiopatias – notavelmente, a cardiopatia isquêmica.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Mais de 90% das infecções não são diagnosticadas, e os casos são frequentemente identificados em
estágios tardios após o desenvolvimento de complicações crônicas. A grande maioria das pessoas
infectadas por T. cruzi é assintomática (i.e., na forma indeterminada da fase crônica). Uma
conscientização sobre a possibilidade da doença de Chagas é importante para os médicos
generalistas e para médicos de várias especialidades, incluindo gastrenterologistas, cardiologistas,
neurologistas, obstetras, pediatras e infectologistas. Fora de regiões endêmicas, o rastreamento para
a doença de Chagas deve ser proposto quando qualquer latinoamericano tem sinais e sintomas
sugestivos, incluindo anormalidades no ECG ou risco aumentado de

(1) infecção por T. cruzi (doença de Chagas na mãe ou em outro familiar; origem em país ou região
altamente endêmicos; história de transfusão de sangue sem rastreamento na América Latina);

(2) transmissão para outros (p. ex., via gestação ou doação de sangue ou tecidos); ou

(3) reativação (imunossupressão atual ou prevista). O rastreamento de parentes de um caso índice


provavelmente irá identificar outros casos.

DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO
Confirmação do diagnóstico

As estratégias diagnósticas dependem da fase clínica. A detecção de parasitas circulantes por


microscopia do sangue com concentração (p. ex., pelo método Strout, micro-hematócrito) ou por
ensaio baseado em ácidos nucleicos (reação em cadeia da polimerase [PCR]) é a melhor abordagem
diagnóstica quando o nível de parasitemia é alto – i.e., durante as fases agudas, incluindo a
reativação.
Após a parasitemia ficar indetectável por microscopia (um ponto que marca o final da fase aguda),
o diagnóstico depende de testes imunológicos que detectam IgG anti-T. cruzi. As técnicas mais
comuns incluem exames de ensaio imunoabsorvente ligado a enzima (ELISA) convencional ou
recombinante e de imunofluorescência. Dois testes sorológicos positivos usando técnicas diferentes
e tendo como alvo antígenos diferentes confirmam o diagnóstico da doença de Chagas durante a
fase crônica. Na presença de resultados sorológicos discordantes, há necessidade de um terceiro
teste sorológico. Alguns dos testes diagnósticos rápidos de imunocromatografia disponíveis têm
sensibilidade e especificidade suficientes para serem usados como exames de rastreamento de
primeira linha onde não houver laboratórios facilmente acessíveis. Se o resultado do teste
diagnóstico rápido for positivo, pelo menos um exame sorológico convencional é necessário para
confirmar a infecção.

O diagnóstico de infecção congênita se baseia no exame de sangue do cordão e/ou periférico por
microscopia ou PCR durante os primeiros dias ou semanas de vida. Um teste conduzido após 4
semanas de idade é mais acurado: a PCR anterior a isso pode ser falsamente positiva,
provavelmente devido à passagem de fragmentos do DNA de T. cruzi da mãe para o bebê. Se os
resultados forem negativos, os testes sorológicos devem ser realizados com 9 meses de idade, após a
eliminação dos anticorpos maternos. Durante a fase crônica, a sensibilidade limitada da PCR
(50-80%) restringe a sua utilidade para diagnóstico primário; porém, a PCR pode documentar a
falha terapêutica se gerar resultados positivos após se completar o tratamento.

Estadiamento da doença

Após a confirmação da infecção por T. cruzi, o médico deve avaliar a presença de complicações e
fatores concomitantes que possam influenciar a evolução da doença. A avaliação inicial inclui:

- anamnese abrangente cardíaca, neurológica e digestiva, além de exame físico.


- ECG de 12 derivações com duração de 30 segundos é um bom teste de rastreamento para a
miocardiopatia associada à doença de Chagas. As anormalidades mais frequentemente
encontradas são bloqueio de ramo direito, hemibloqueio anterior esquerdo, extrassístoles
ventriculares, distúrbios da repolarização, ondas Q e QRS de baixa voltagem. Um ECG anormal
ou a presença de sintomas cardíacos sugestivos necessita de avaliação adicional.

- ecocardiografia e o Holter de 24 horas são os métodos preferidos para a avaliação de dilatação de


câmaras, aneurisma apical, disfunção ventricular e arritmias.

- dependendo dos achados, a avaliação pode ser suplementada por ressonância magnética (RM) ou
estudo eletrofisiológico.

- as investigações gastrenterológicas são realizadas em pacientes com sintomas sugestivos, como


disfagia e constipação grave. Enema e esofagografia com bário são procedimentos diagnósticos de
primeira linha, os quais podem ser suplementados por manometria esofágica. O megacólon é
diagnosticado quando o diâmetro do sigmoide ou do cólon descendente é ≥ 6,5 cm.
FIGURA: Eletrocardiograma de paciente com 43 anos mostrando bradicardia com bloqueio atrioventricular de segundo
(tipo 1) e terceiro graus alternadamente, hemibloqueio anterior esquerdo e bloqueio de ramo direito.

Devem ser investigadas comorbidades, incluindo outros fatores de risco cardiovasculares, condições
imunossupressivas e outras infecções crônicas (p. ex., Strongyloides stercoralis ou HIV).
TRATAMENTO Doença de Chagas (tripanossomíase americana)

TRATAMENTO ETIOLÓGICO
Apenas dois fármacos, benznidazol e nifurtimox , têm eficácia demonstrada contra a infecção por T.
cruzi quando administrados por ≥ 30 dias. Embora esses fármacos sejam usados desde o início da
década de 1970, ainda há muitas dúvidas sobre seu modo de ação e eficácia nos diferentes estágios
da infecção.

O objetivo do tratamento depende do estágio clínico; os objetivos gerais são a cura dos pacientes
com infecção recente ou reativação, a redução da morbidade e a prevenção da transmissão em
estágios tardios. O tratamento é mais efetivo durante a fase aguda (incluindo a congênita) e a fase
crônica inicial (i.e., em pacientes < 18 anos de idade), com taxa de cura de 60 a 100%. A eficácia
do tratamento durante a forma indeterminada da fase crônica em pacientes > 18 anos de idade não
é conhecida; porém, o tratamento pode proteger contra o desenvolvimento de lesão cardíaca mais
tarde na vida e reduzir muito o risco de transmissão vertical quando administrado antes da
concepção. Em adultos com miocardiopatia crônica, o benznidazol não tem impacto sobre a
progressão da doença e o risco de morte.

Nem o benznidazol nem o nifurtimox são efetivos contra as complicações digestivas. O tratamento
está contraindicado durante a gestação e na insuficiência renal e hepática avançadas. Os regimes
preferidos e a tolerância aos fármacos variam conforme a idade. Os eventos adversos são mais
frequentes em adultos, os quais apresentam, dessa forma, risco aumentado de suspensão prematura
do tratamento. Como o benznidazol parece ser mais bem tolerado que o nifurtimox em adultos, ele
é recomendado como fármaco de primeira linha nessa faixa etária. Há necessidade de
monitoramento cuidadoso (p. ex., semanal) clínico e laboratorial durante o tratamento. Embora o
tratamento costume ser prescrito por 60 dias, a duração ideal ainda é discutida, com interesse
crescente nos tratamentos mais breves.

O tratamento deve ser oferecido a crianças, mulheres em idade fértil, pacientes na fase aguda e
pacientes com reativação. Considerando-se as incertezas sobre o impacto do tratamento, a decisão
de tratar os pacientes > 18 anos com a forma indeterminada da fase crônica deve ser tomada
individualmente após uma discussão dos prós e contras com o paciente. Um teste de gravidez
negativo é mandatório antes de começar o tratamento, pois não foi comprovado que os fármacos
recomendados sejam seguros na gestação.

A eficácia do tratamento de segunda linha (p. ex., nifurtimox após falha do benznidazol) ainda não
foi avaliada. A eficácia limitada dos esquemas atuais e a compreensão de que os parasitas vivos
desencadeiam processos imunopatológicos aumentou o interesse em novas abordagens terapêuticas.
Isso inclui a adição de intervenções imunomoduladoras ao tratamento antiparasitário e o uso de
combinações de fármacos antiparasitários.

TRATAMENTO NÃO ETIOLÓGICO


O manejo da miocardiopatia chagásica geralmente acompanha as diretrizes de manejo para
insuficiência cardíaca, distúrbios da condução ou arritmias ventriculares de outras etiologias.
Considerando-se o alto risco de morte súbita, o início precoce do tratamento com amiodarona ou o
implante de desfibrilador- cardioversor deve ser considerado na presença de anormalidades
eletrofisiológicas patológicas. A anticoagulação é recomendada para prevenção primária e
secundária de eventos cardioembólicos na presença de trombo intramural ou aneurisma apical. Há
necessidade de controle estrito de outros fatores de risco cardiovascular. A miocardiopatia chagásica
é uma indicação importante para transplante cardíaco na América Latina; algumas evidências
indicam que os resultados são melhores que na miocardiopatia de outras etiologias. A
imunossupressão pós-transplante exige monitoramento cuidadoso, dado o alto risco de reativação.

O tratamento da dismotilidade digestiva inclui aconselhamento dietético e refeições ricas em fibras


e hidratação, com porções menores ingeridas com maior frequência. Fármacos que relaxam o
esfincter esofágico inferior (p. ex., nifedipino ou dinitrato de isossorbida antes das refeições),
dilatação com balão pneumático ou miotomia laparoscópica melhoram os sintomas digestivos
superiores no estágio inicial. O uso de toxina botulínica é efetivo, mas exige injeções repetidas.
Laxativos e enemas aliviam a constipação crônica na maioria dos pacientes. A cirurgia está indicada
em pacientes com sintomas perturbadores refratários ao tratamento clínico.

ACOMPANHAMENTO CLÍNICO
A definição do cuidado ideal após o tratamento é muito difícil, sendo um tópico crucial das
pesquisas. Embora a busca de biomarcadores (incluindo através da proteômica) para a identificação
de indicadores precoces de resposta terapêutica seja promissora, o acompanhamento sorológico
ainda é a base do monitoramento pós-tratamento na fase aguda. Na fase crônica, não há exame com
valor comprovado para a documentação de resposta. O tempo necessário para negativar a sorologia
após o tratamento depende, de fato, da duração da infecção. O intervalo é curto (geralmente
meses) quando a infecção é tratada durante a fase aguda (incluindo a congênita). Em contraste, há
necessidade de décadas nos adultos infectados durante a infância. Um resultado positivo em uma
PCR pós-tratamento indica falha terapêutica, mas um resultado negativo não pode ser interpretado
devido à baixa sensibilidade da PCR durante a fase crônica. A condição dos pacientes com
resultados negativos na PCR, mas com sorologia persistentemente positiva é, assim, incerta, mas
esses pacientes devem ser considerados como potencialmente infectantes enquanto os testes
sorológicos continuarem a gerar resultados positivos. Todos os pacientes, tratados ou não, devem
ser regularmente monitorados. A avaliação anual básica inclui anamnese para detecção de novos
sintomas, exame clínico e ECG de 12 derivações.
PREVENÇÃO
Na ausência de uma vacina, há necessidade de medidas preventivas – primárias (prevenção da
transmissão do T. cruzi), secundárias (evitação de complicações) e terciárias (redução de morbidade
e mortalidade). O rastreamento de doações de sangue está sendo progressivamente implementado
em regiões endêmicas e em países para onde estão imigrando grupos de alto risco, e o rastreamento
deve ser estendido para a doação de órgãos. Quando sustentado por períodos prolongados, o
controle do vetor é uma estratégia efetiva e custo-efetiva para reduzir a transmissão intradomiciliar.
As telas mosquiteiras impregnadas com inseticidas (como usadas na malária) oferecem proteção
individual contra picadas de reduvídeos. O rastreamento de mulheres imigrantes latinoamericanas
em idade fértil e gestantes tem sido altamente custo-efetivo na Espanha, embora o custo por caso
detectado varie conforme a prevalência da infecção na população-alvo. A identificação precoce de
casos por rastreamento passivo e ativo da população de risco, junto com a provisão de tratamento,
pode reduzir o risco de complicações e de transmissão secundária, particularmente a transmissão
congênita. Por fim, a identificação e o tratamento de complicações cardíacas e a prevenção de
eventos cardioembólicos em estágio inicial influenciam de forma positiva a evolução da doença.

CONSIDERAÇÕES GLOBAIS

Com a sua expansão geográfica, a doença de Chagas se tornou uma questão de saúde global,
afetando de maneira predominante as pessoas vulneráveis nos quatro continentes. Ainda assim,
como em outras doenças tropicais negligenciadas, o progresso contra a doença de Chagas é limitado
pela falta de pesquisas e desenvolvimentos, além da ausência de comprometimento financeiro e
político. Por exemplo, a produção e o registro de fármacos existentes e o acesso a eles ainda é
problemático em muitos países, inclusive os Estados Unidos. A pesquisa e o desenvolvimento de
novos fármacos são complicados pela falta de incentivos financeiros. É provável que o futuro da
doença de Chagas seja influenciado por fenômenos globais. É provável que mudanças climáticas,
envelhecimento da população, aumento das prevalências de comorbidades não transmissíveis (p.
ex., diabetes, hipertensão) em países de renda baixa e média, além do uso crescente de fármacos
imunossupressores, tenham impacto na epidemiologia, evolução clínica e carga da doença de
Chagas. Para lidar com esses desafios, as intervenções clínicas, de saúde pública e políticas devem
ser aumentadas e melhoradas em regiões com prevalência elevada ou oculta (p. ex., região do
Chaco na Argentina, Bolívia e Paraguai, e no México, Europa Ocidental e Estados Unidos,
respectivamente)

- Edema agudo de pulmão


INTRODUÇÃO
O edema agudo de pulmão (EAP) é uma síndrome clínica em que ocorre acúmulo de fluido nos
espaços alveolares e intersticiais dos pulmões, podendo ser decorrente de causas diversas. O
resultado do processo é caracterizado por hipoxemia, aumento no esforço respiratório, redução da
complacência pulmonar e redução da relação ventilação-perfusão. Está relacionado, na maioria das
vezes, a causas cardíacas, e em nosso meio é mais prevalente o acometimento valvular reumático. O
edema agudo de pulmão é o estágio mais grave da síndrome congestiva pulmonar, decorrente da
insuficiência cardíaca esquerda. Pode ser causado por um fator precipitante de descompensação em
um paciente com IC sistólica crônica ou por uma doença aguda de instalação recente. A causa mais
comum de EAP por doença de instalação recente é o infarto agudo do miocárdio. Uma crise
hipertensiva grave, a miocardite viral ou reumática, a endocardite infecciosa e a rotura de cordoália
mitral são outros exemplos frequentes.

DADOS EPIDEMIOLÓGICOS
O edema agudo de pulmão é a apresentação clínica inicial de cerca de 13,2% dos pacientes
hospitalizados por IC, segundo recente registro europeu, sem diferença de prevalência em relação à
fração de ejeção, mas está associado à maior mortalidade em ICFEr e maior duração da
hospitalização. A crise hipertensiva, a insuficiência mitral aguda (disfunção do músculo papilar
secundária à doença isquêmica ou ruptura espontânea) e a síndrome coronariana aguda são os
fatores causais mais comuns de edema agudo de pulmão cardiogênico. A apresentação clínica, com
hipotensão arterial e sinais de baixo débito cardíaco, é menos frequente e, em geral, observada em
pacientes com IC crônica agudizada.

CLASSIFICAÇÃO
Os pacientes com edema agudo de pulmão apresentam dois modelos distintos de distribuição
volêmica:

- IC aguda nova: congestão pulmonar sem hipervolemia periférica (IC de novo). Neste modelo
hemodinâmico, o tratamento tem como objetivo redistribuir o volume da circulação pulmonar
para a circulação periférica. Esta melhora da distribuição de volume é feita por ação de
vasodilatadores (nitroglicerina e, especialmente, o nitroprussiato de sódio), com uso judicioso de
diuréticos e suporte ventilatório com pressão positiva não invasiva de baixa pressão, para reduzir
o trabalho respiratório e a hipoxemia, que podem reduzir as taxas de intubação e de mortalidade.
O uso de ventilação não invasiva é recomendado em pacientes com congestão pulmonar
associada a desconforto respiratório e/ou hipoxemia (frequência respiratória > 25 incursões/
minuto e SatO2 < 90%). É recomendável terse cautela com pacientes hipotensos (pressão
positiva pode reduzir a pressão arterial) e em pacientes após IAM, os quais podem ter pior
evolução. Os opioides aliviam ansiedade e dispneia, mas o uso rotineiro não é recomendado,
devido a riscos de efeitos adversos, como náusea, hipotensão, bradicardia e depressão
respiratória, além de controvérsias a respeito de maior risco de mortalidade com seu uso.

- IC crônica agudizada: o outro modelo de edema agudo de pulmão é de congestão pulmonar e


sistêmica. O tratamento tem como prioridade a redução da volemia, por meio do uso, em larga
escala, de diuréticos associados a vasodilatadores e, por vezes, inotrópicos. Em pacientes com
sinais de baixo débito com hipotensão arterial, o suporte inotrópico é o tratamento de escolha e,
em alguns casos, o SCM
pode ser necessário.

MECANISMOS DE ACÚMULO DE LÍQUIDO


O volume de líquidos que se acumulam no interstício pulmonar depende do equilíbrio entre as
forças hidrostáticas e oncóticas dentro dos capilares pulmonares e nos tecidos circundantes. A
pressão hidrostática favorece a saída dos líquidos dos capilares para o interstício. A pressão
oncótica, que é determinada pela concentração proteica do sangue, favorece a entrada dos líquidos
nos vasos sanguíneos. Os níveis de albumina, principal proteína plasmática, podem estar reduzidos
nos distúrbios como a cirrose e a síndrome nefrótica. Embora a hipoalbuminemia favoreça a
passagem dos líquidos para os tecidos sob determinada pressão hidrostática dentro do capilar, isso
em geral não é suficiente para causar edema intersticial. Nos indivíduos saudáveis, as junções
estreitas do endotélio capilar são impermeáveis às proteínas, e os canais linfáticos dos tecidos
removem pequenas quantidades de proteínas que possam ter extravasado; em conjunto, esses
fatores geram uma força oncótica que mantém os líquidos nos capilares. Entretanto, a destruição da
barreira endotelial permite que as proteínas escapem dos capilares e aumenta a transferência dos
líquidos para os tecidos pulmonares.

EDEMA PULMONAR CARDIOGÊNICO


As anormalidades cardíacas que aumentam a pressão venosa pulmonar alteram o equilíbrio de
forças entre os capilares e o interstício. A pressão hidrostática aumenta e os líquidos saem dos
capilares a uma taxa mais elevada, resultando em edema intersticial e, nos casos mais graves, em
edema alveolar. A acumulação progressiva de derrames pleurais pode comprometer ainda mais a
função do sistema respiratório e contribuir para a angústia respiratória. Entre os primeiros sinais de
edema pulmonar estão a dispneia aos esforços e a ortopneia. As radiografias de tórax mostram
espessamento peribrônquico, acentuação das tramas vasculares nas regiões superiores dos pulmões
e linhas B de Kerley. À medida que o edema pulmonar agrava, os alvéolos ficam repletos de líquido;
as radiografias de tórax demonstram preenchimento alveolar variegado, geralmente com
distribuição peri-hilar, que mais tarde progride para infiltrados alveolares difusos. O edema
progressivo das vias respiratórias causa roncos e sibilos.

EDEMA PULMONAR NÃO CARDIOGÊNICO


Com o edema pulmonar não cardiogênico, a quantidade de água dos pulmões aumenta em razão da
lesão do revestimento dos capilares pulmonares com consequente extravasamento de proteínas e
outras macromoléculas para os tecidos; os líquidos acompanham as proteínas à medida que as
forças oncóticas são desviadas dos vasos para os tecidos pulmonares circundantes. Esse processo
está associado à disfunção do surfactante que reveste os alvéolos, ao aumento das forças na
superfície e à propensão a que os alvéolos entrem em colapso com os volumes pulmonares
reduzidos.

Fisiologicamente, o edema pulmonar não cardiogênico caracteriza-se por shunt intrapulmonar com
hipoxemia e redução da complacência pulmonar, levando à redução da capacidade residual
funcional. Ao exame patológico, são observadas membranas hialinas nos alvéolos e pode ser
observada inflamação com fibrose pulmonar subsequente. Clinicamente, o quadro varia de dispneia
branda à insuficiência respiratória. A ausculta dos pulmões pode ser relativamente normal, apesar
de as radiografias de tórax mostrarem infiltrados alveolares difusos. A TC mostra que a distribuição
do edema alveolar é mais heterogênea que se pensava. Embora alguns autores entendam que as
pressões intracardíacas normais façam parte da definição do edema pulmonar não cardiogênico, a
patologia do processo é muito diferente, e alguns pacientes podem ter simultaneamente edema
pulmonar cardiogênico e não cardiogênico. É conveniente classificar as causas do edema pulmonar
não cardiogênico com base na hipótese de que a lesão pulmonar provavelmente resulte de fatores
diretos, indiretos ou vasculares pulmonares. As lesões diretas são mediadas pelas vias respiratórias
(p. ex., aspiração) ou são secundárias a um traumatismo pulmonar fechado. As lesões indiretas são
atribuídas aos mediadores que chegam aos pulmões pela corrente sanguínea. A terceira categoria
inclui os distúrbios que podem resultar de alterações agudas das pressões vasculares pulmonares,
possivelmente em consequência da atividade autonômica súbita (nos casos de edema pulmonar
neurogênico ou secundário às altitudes elevadas) ou de oscilações repentinas da pressão pleural e
de lesões transitórias dos capilares pulmonares (no caso de edema pulmonar de reexpansão).
DIFERENCIAÇÃO ENTRE EDEMAS PULMONARES CARDIOGÊNCIO E NÃO
CARDIOGÊNICO
A história é essencial para avaliar a existência de uma doença cardíaca subjacente e também para
detectar um dos distúrbios associados ao edema pulmonar não cardiogênico. O exame físico dos
pacientes com edema pulmonar cardiogênico caracteriza-se por evidências de elevação das pressões
intracardíacas (galope por B3, elevação do pulso venoso jugular, edema periférico) e estertores e/ou
sibilos à ausculta torácica. Por outro lado, no exame físico dos pacientes com edema pulmonar não
cardiogênico predominam as alterações secundárias ao distúrbio desencadeante, embora os achados
pulmonares possam ser relativamente normais nos estágios iniciais. No edema pulmonar
cardiogênico, as radiografias de tórax geralmente mostram aumento da silhueta cardíaca,
redistribuição vascular, espessamento intersticial e infiltrados alveolares peri-hilares; os derrames
pleurais são comuns. No edema pulmonar não cardiogênico, o coração tem dimensões normais, os
infiltrados pulmonares estão distribuídos mais uniformemente pelos pulmões e os derrames pleurais
não são comuns. Por fim, a hipoxemia associada ao edema pulmonar cardiogênico é atribuída
principalmente à desproporção entre V/Q e melhora com a administração de oxigênio suplementar.
Por outro lado, a hipoxemia do edema pulmonar não cardiogênico é causada principalmente pelo
shunt intrapulmonar e geralmente persiste apesar da inalação de concentrações altas de oxigênio.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Edema pulmonar é o acúmulo de líquido excessivo no compartimento extravascular dos pulmões,
sobretudo no interstício e nos espaços alveolares. Esse acúmulo pode ocorrer lentamente – como em
um paciente com insuficiência renal oculta – ou de maneira emergencial – como na insuficiência
ventricular esquerda depois de um infarto agudo do miocárdio. O edema pulmonar se apresenta
mais comumente com dispneia. Dispneia é a respiração percebida por um paciente como
desconfortável ou provocadora de ansiedade e desproporcional ao nível de atividade. A dispneia por
edema pulmonar pode estar presente somente com o exercício, ou o paciente pode experimentar
dispneia em repouso. Em casos graves, o edema pulmonar pode ser acompanhado por líquido de
edema no escarro e pode causar insuficiência respiratória aguda.

FISIOPATOLOGIA
Todos os vasos sanguíneos vazam; em condições normais, líquido se move entre vasos sanguíneos e
nos espaços em volta deles, enquanto o fluxo de proteínas é mínimo. No ser humano adulto, os
capilares pulmonares constituem o principal local de fluxo de líquido a partir da vasculatura
pulmonar. A equação de Starling descreve o movimento de líquido entre os capilares pulmonares e
o compartimento extravascular pulmonar. O fluxo de líquido através de uma membrana
semipermeável está relacionado com a permeabilidade inerente da membrana ao líquido e a
macromoléculas, bem como dos gradientes de pressão hidrostática e coloidoncótica através da
membrana.

O extravasamento de líquido dos capilares para os espaços intersticiais circundantes é limitado por
junções estreitas entre as células endoteliais capilares pulmonares. Em geral, os espaços alveolares
pulmonares são protegidos de líquido extravascular no espaço intersticial por três mecanismos: (i)
uma barreira de células epiteliais alveolares que é quase impermeável à passagem de proteínas, (ii)
linfáticos pericapilares que normalmente retiram o líquido antes que ele se acumule suficien-
temente para suplantar a barreira epitelial alveolar, e (iii) transporte ativo de sódio a partir do
alvéolo, que regula a quantidade de líquido no espaço alveolar. Em condições normais:

1. A pressão hidrostática capilar pulmonar excede a pressão hidrostática intersticial e, portanto,


forças hidrostáticas favorecem o movimento de líquido para fora dos capilares e para dentro do
espaço intersticial.

2. A pressão coloidoncótica capilar pulmonar excede a pressão coloidoncótica intersticial,


favorecendo o movimento de líquido para fora do espaço intersticial e para dentro dos
capitulares. Além disso, a pressão coloidoncótica intersticial excede a pressão coloidoncótica do
líquido alveolar, favorecendo o movimento de líquido para fora do espaço alveolar e para dentro
do interstício.

3. O efeito das forças hidrostáticas é maior que o das forças coloidoncóticas, e assim há uma
tendência de movimento do líquido para fora dos capilares e para dentro dos espaços
intersticiais.

4. O líquido no espaço intersticial pulmonar é removido por linfáticos pericapilares que não
entram na parede alveolar e são chamados de “justa-alveolares”. O interstício pericapilar é
contíguo ao interstício perivascular e peribrônquico. A pressão intersticial nessas áreas mais
centrais é negativa em relação ao interstício pericapilar, de modo que o líquido se desloca
centralmente para longe dos espaços aéreos. Com efeito, o interstício perivascular e
peribrônquico age como um reservatório de drenagem para líquido, e pode acomodar
aproximadamente 500 mL com um aumento irrisório da pressão hidrostática intersticial. Como
esse líquido é pobre em proteína em relação ao sangue, forças osmóticas favorecem reabsorção
do interstício para dentro dos vasos sanguíneos adjacentes a estas áreas centrais. Esse é o
principal local de reabsorção de líquido a partir do interstício perivascular e peribrônquico. O
líquido de edema pode se deslocar mais para dentro do mediastino, onde é captado por
linfáticos mediastínicos. O interstício perivascular e peribrônquico também é contíguo aos septos
interlobulares e à pleura visceral. Em alguns pacientes, uma quantidade significativa de líquido
transita para fora através da pleura visceral para dentro do espaço pleural, onde há uma
capacidade alta de reabsorção através de poros na pleura parietal para dentro dos linfáticos
pleurais parietais.

A velocidade de reabsorção de líquido pelo sistema linfático geralmente é suficiente para prevenir
acúmulo de líquido no interstício e nos espaços alveolares. O edema pulmonar ocorre quando o
líquido sai do espaço vascular pulmonar, excede a capacidade para retirada de líquido e se
acumula nos espaços extravasculares do pulmão. Em algum nível crítico indefinido, depois que o
interstício perivascular e peribrônquico estiver cheio, o aumento da pressão hidrostática intersticial
causa a entrada de líquido de edema no espaço alveolar.
A via para dentro do espaço alveolar permanece desconhecida, mas acredita-se que ocorra por
volume de fluxo. O edema pulmonar pode acontecer em numerosas condições diferentes:

1. O gradiente de pressão hidrostática aumenta (pressão hidrostática capilar pulmonar


elevada). O edema pulmonar que ocorre nesta situação é denominado edema pulmonar
cardiogênico ou hidrostático. Este é um processo principalmente mecânico, resultando em um
ultrafiltrado do plasma. O líquido de edema neste cenário tem um conteúdo proteico
relativamente baixo, em geral menos de 60% do conteúdo de proteína do plasma de um
paciente. Em indivíduos normais, a pressão capilar pulmonar deve exceder aproximadamente 20
mmHg antes que o líquido que sai do espaço vascular supere a velocidade de reabsorção,
levando ao acúmulo de líquido intersticial e, por fim, alveolar, que é descrito como edema
pulmonar. Classicamente, o edema pulmonar cardiogênico ou hidrostático resulta de pressão
venosa pulmonar e atrial esquerda elevada, devida à insuficiência ventricular esquerda sistólica
ou diastólica, à estenose mitral ou à insuficiência mitral.

2. A permeabilidade de células endoteliais vasculares e/ou células epiteliais alveolares


aumenta. O edema pulmonar que ocorre nesta situação é denominado edema pulmonar não
cardiogênico ou de permeabilidade. A permeabilidade da barreira endotelial ou epitelial pode
aumentar como resultado de lesão celular. Esse é principalmente um processo inflamatório que,
muitas vezes, resulta em disfunção tanto da barreira endotelial quanto da epitelial. Neste
cenário, a permeabilidade aumenta tanto para líquido quanto para proteínas, embora possa
haver pouca alteração da pressão hidrostática. Em condições de aumento da permeabilidade de
membranas, o líquido do edema tem um conteúdo proteico semelhante ao líquido intravascular,
geralmente pelo menos 70% do conteúdo de proteína do plasma. A síndrome da angústia
respiratória aguda (SARA) é o protótipo desse tipo de edema pulmonar.

3. O gradiente de pressão oncótica diminui (pressão coloidoncótica do plasma baixa). Nesta


situação, o líquido do edema tem um conteúdo de proteína relativamente baixo.
Hipoalbuminemia devida à enfermidade prolongada ou síndrome nefrótica pode causar esse
tipo de edema pulmonar.

4. A drenagem linfática está prejudicada. Esta forma de edema pulmonar é rara, mas pode ser
vista com obstrução física do sistema linfático por neoplasia maligna (linfoma) ou infecção
(histoplasmose, tuberculose), por obliteração de vasos linfáticos devida à radioterapia para
câncer de mama ou de pulmão ou por causas idiopáticas (síndrome da unha amarela).

Os edemas pulmonares hidrostático e de permeabilidade não são mutuamente exclusivos; na


verdade, eles estão intimamente ligados. Edema pulmonar ocorre quando a pressão hidrostática é
excessiva para uma determinada permeabilidade capilar e para uma determinada velocidade de
remoção do líquido intersticial. Por exemplo, na presença de endotélio capilar danificado, pequenos
aumentos em um gradiente de pressão hidrostática normal podem causar grandes aumentos na
formação de edema. De modo semelhante, se a barreira epitelial alveolar for danificada, mesmo o
fluxo de líquido de linha de base através de um endotélio capilar intacto pode causar enchimento
alveolar.

A fisiopatologia do edema pulmonar por permeabilidade aumentada (SARA) é complexa, e pode


resultar de múltiplas agressões diferentes. O líquido alveolar se acumula como um resultado da
perda de integridade da barreira epitelial dos alvéolos, permitindo que solutos e moléculas grandes,
como albumina, penetrem no espaço alveolar. Essa perda de integridade pode resultar de lesão
direta do epitélio alveolar por toxinas inaladas ou infecção pulmonar, ou pode ocorrer após lesão
primária do endotélio capilar pulmonar por toxinas circulantes, como na sepse ou pancreatite,
seguida por lesão inflamatória secundária da barreira epitelial alveolar. Isso contrasta com o edema
pulmonar cardiogênico, no qual tanto o epitélio alveolar quanto o endotélio capilar geralmente
estão intactos. As causas potenciais de edema pulmonar levando à SARA incluem um grupo
diversificado de entidades clínicas. Muitos problemas distintos estão agrupados na síndrome cha-
mada SARA, porque compartilham lesão do epitélio alveolar e deficiência de surfactante pulmonar,
o que resulta em alterações características da mecânica e da função pulmonar.

Com a lesão por inalação, como a produzida por


gás mostarda durante a Primeira Guerra Mundial,
há uma lesão química direta do epitélio alveolar
que rompe esta barreira celular normalmente
estreita. A presença de líquido com proteína
elevada no alvéolo, particularmente a presença de
fibrinogênio e de produtos de degradação da
fibrina, inativa o surfactante pulmonar, causando
grandes aumentos na tensão superficial. Isso
resulta em uma queda da complacência pulmonar
e em instabilidade alveolar, levando a áreas de
atelectasia. A tensão superficial aumentada
diminui a pressão hidrostática intersticial e
favorece movimento adicional de líquido para
dentro do alvéolo. Uma monocamada de
surfactante danificado também pode aumentar a
suscetibilidade a infecções.

Fatores circulantes podem agir diretamente sobre o


endotélio capilar ou podem afetá-lo por meio de
vários mediadores imunológicos. Um cenário
clínico comum é a bacteriemia por gram-
negativos. As endotoxinas bacterianas não causam
dano endotelial diretamente; elas causam a
aderência de neutrófilos e macrófagos a superfícies
endoteliais, que liberam uma variedade de
mediadores inflamatórios, tais como leucotrienos,
tromboxanos e prostaglandinas, bem como
radicais de oxigênio que causam lesão oxidante.
Tanto macrófagos quanto neutrófilos podem
liberar enzimas proteolíticas que provocam dano
adicional. Macrófagos alveolares também podem
estar estimulados. Substâncias vasoativas podem
causar vasoconstrição pulmonar intensa, levando à
insuficiência capilar.

A histopatologia do edema pulmonar por


permeabilidade aumentada reflete essas alterações.
Macroscopicamente, os pulmões aparecem
edematosos e pesados. A superfície parece violácea,
e líquido hemorrágico exsuda da superfície de corte
pleural. Microscopicamente, há infiltração celular
dos septos interalveolares e do interstício por
células inflamatórias e hemácias. Pneumócitos tipo
I são danificados, deixando uma barreira alveolar
desnuda. Camadas de material róseo composto por
proteínas plasmáticas, fibrina e detritos celulares coagulados revestem a membrana basal desnuda,
e são chamadas de membranas hialinas. A lesão inflamatória progride para fibrose em alguns ca-
sos, embora recuperação completa com regeneração do epitélio alveolar a partir de pneumócitos
tipo II também possa ocorrer.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Tanto o edema pulmonar cardiogênico quanto o não cardiogênico resultam do aumento de água
extravascular no pulmão, e ambos podem causar insuficiência respiratória. Levando em conta as
diferenças em fisiopatologia, não é surpreendente que as manifestações clínicas sejam muito
diferentes nas duas síndromes.

A. Edema pulmonar hidrostático aumentado (edema pulmonar cardiogênico): Aumentos iniciais


da pressão venosa pulmonar podem ser assintomáticos. O paciente pode notar apenas dispneia leve
ao exercício, ou uma tosse não produtiva estimulada por ativação de receptores de irritação
acoplados com fibras C. Ortopneia e dispneia paroxística noturna ocorrem quando o decúbito causa
redistribuição de sangue ou líquido de edema, geralmente armazenado nas extremidades inferiores,
para dentro da circulação venosa, aumentando o volume de sangue torácico e as pressões venosas
pulmonares.

Os sinais clínicos começam com o acúmulo de líquido intersticial. O exame do coração pode revelar
uma terceira bulha cardíaca, mas há uma escassez de achados pulmonares no edema puramente
intersticial. Com frequência, o achado mais precoce é uma radiografia de tórax mostrando um
aumento de calibre dos vasos do lobo superior (“redistribuição vascular pulmonar”) e acúmulo de
líquido nos espaços perivasculares e peribrônquicos (“cuffing”). Ela também pode mostrar linhas B
de Kerley, que representam líquido nos septos interlobulares. A complacência pulmonar cai, e o
paciente começa a respirar de maneira mais rápida e superficial para se adaptar ao aumento do
trabalho elástico da respiração. Quando começa a inundação alveolar, há diminuições adicionais do
volume do pulmão e da complacência pulmonar. Com alguns alvéolos cheios de líquido, há um
aumento da fração do pulmão que é perfundida, mas mal ventilada. Esse desvio para razões V/Q
baixas causa um aumento na ΔPO2 A-a, se não hipoxemia franca. Suplementação de oxigênio
corrige a hipoxemia. A PaCO2 é normal ou baixa, refletindo no impulso aumentado para respirar. O
paciente pode ficar sudorético e cianótico. O escarro pode mostrar líquido de edema, que é róseo
por hemorragia capilar pelas altas pressões venosas pulmonares. A ausculta revela estertores crepi-
tantes inspiratórios sobretudo nas bases, onde a pressão hidrostática é maior, mas, potencialmente,
disseminados por ambos os pulmões. Roncos e sibilos (“asma cardíaca”) podem ocorrer. A
radiografia mostra opacidades peri-hilares em vidro fosco bilaterais, representando áreas de edema
intersticial e alveolar.

B. Edema pulmonar por permeabilidade aumentada (edema pulmonar não cardiogênico) A


forma mais comum de edema pulmonar de permeabilidade aumentada é a SARA. De acordo com o
consenso da Definição de Berlim, a SARA é caracterizada por início agudo (< 7 dias) de infiltrados
pulmonares radiográficos bilaterais e insuficiência respiratória não completamente explicada por
insuficiência cardíaca ou sobrecarga de volume, com deficiência de oxigenação associada definida
como uma razão PaO2/FiO2 de 300 ou menos. A gravidade da SARA é definida pela intensidade da
deficiência de oxigenação. As SARAs leve, moderada e grave são definidas por razões PaO2/FiO2
entre 200 a 300 mmHg, 100 a 200 mmHg e menos de 100 mmHg, respectivamente. A SARA é a via
comum final de numerosas condições médicas graves diferentes, e todas levam a vazamento capilar
pulmonar aumentado. A gama de apresentações clínicas inclui todos os diagnósticos na UTI de
adultos, inclusive sepse, pneumonia, pancreatite, aspiração de conteúdo gástrico, choque, contusão
pulmonar, traumatismo não torácico, inalação tóxica, semiafo- gamento e múltiplas transfusões de
sangue. Cerca de um terço dos pacientes com SARA tem síndrome séptica inicialmente.

Embora o mecanismo de lesão varie, o dano de células endoteliais capilares e células epiteliais
alveolares é comum à SARA, independentemente da causa. Após a agressão inicial (p. ex., um
episódio de bacteriemia de alto grau), geralmente há um período de estabilidade, refletindo o
tempo que leva para que mediadores pró-inflamatórios liberados de células inflamatórias
estimuladas causem dano. A lesão de células endoteliais e epiteliais causa permeabilidade vascular
aumentada e produção e atividade reduzidas de surfactante. Essas anormalidades levam a edema
pulmonar intersticial e alveolar, colapso alveolar, aumento significativo das forças de superfície,
complacência pulmonar marcantemente reduzida e hipoxemia. Pelas primeiras 24 a 48 horas após a
agressão, o paciente pode experimentar trabalho de respiração aumentado, manifestado por
dispneia e taquipneia, mas sem anormalidades na radiografia de tórax. Nesta fase inicial, a ΔPO2 A-
a aumentada reflete edema alveolar com desequilíbrio V/Q desviado para razões V/Q baixas, que
podem ser corrigidas por aumento da FiO2 e da ventilação-minuto. O quadro clínico pode melhorar,
ou pode haver uma queda maior de complacência e ruptura de capilares pulmonares, levando a
áreas de shunt verdadeiro e hipoxemia refratária. A combinação de trabalho de respiração
aumentado e hipoxemia progressiva muitas vezes requer ventilação mecânica. Como o processo
subjacente é heterogêneo, com pulmão de aspecto normal adjacente a pulmão atelectásico ou
consolidado, os pacientes em ventilação com volumes correntes típicos podem distender
excessivamente alvéolos normais, reduzir o fluxo sanguíneo para áreas de ventilação adequada e
precipitar lesão pulmonar adicional (“volutrauma”).

A hipoxemia pode ser profunda, posteriormente seguida por hipercapnia, devido à crescente
ventilação de espaço morto. Radiograficamente, pode haver opacidades alveolares esparsas ou
“branqueamento” dos pulmões, representando enchimento alveolar confluente difuso.
Patologicamente, é observado dano alveolar difuso (DAD), caracterizado por células inflamatórias e
formação de membranas hialinas. A mortalidade é de 30 a 40%. A maioria dos pacientes morre por
alguma complicação de sua doença de apresentação, e não pela hipoxemia refratária. Daqueles que
sobrevivem, a maioria recobrará função pulmonar quase normal, mas sua recuperação pode ser
prolongada por 6 a 12 meses. Um número significativo desenvolverá nova doença reativa das vias
aéreas ou fibrose pulmonar.

CAUSAS
Manifestação aguda e potencialmente fatal de edema dos alvéolos pulmonares em razão de um ou
mais dos seguintes:

1. Elevação da pressão hidrostática nos capilares pulmonares (insuficiência cardíaca esquerda,


doença valvar mitral).

2. Desencadeantes específicos que resultam em edema pulmonar cardiogênico em pacientes com


insuficiência cardíaca previamente compensada ou sem história cardíaca prévia.

3. Aumento da permeabilidade da membrana alveolocapilar (edema pulmonar não cardíaco).


DIAGNÓSTICO
O edema agudo de pulmão é o acúmulo anormal e súbito de líquido nos compartimentos alveolares
e intersticiais dos pulmões. O extravasamento dos fluidos dos capilares pulmonares para o espaço
intersticial e alveolar no edema agudo pulmonar cardiogênico (EAPC) deve-se à excessiva elevação
da pressão hidrostática, ultrapassando a capacidade de drenagem dos vasos linfáticos e sanguíneos.
Há outras causas de edema pulmonar, como na síndrome de angústia respiratória do adulto, devido
ao aumento da permeabilidade da membrana alvéolo capilar. Na insuficiência hepática, ocorre
perda de albumina e redução da pressão oncótica do plasma.Neste artigo, a abordagem será
dirigida para o edema pulmonar de origem cardíaca.

O diagnóstico do edema agudo pulmonar é clínico. O paciente apresenta-se agitado, com sudorese
fria, taquicárdico, taquidispneico e com tosse com expectoração rósea ou espumosa. Na evolução
(ou se chegar tardiamente a unidade de emergência) poderá estar sonolento, cianótico com
bradipneia, havendo risco elevado de parada cardiorrespiratória. A pressão arterial (PA), em geral,
está elevada, pela resposta adrenérgica aumentada e, principalmente, quando for crise hipertensiva
a causa do edema agudo pulmonar. A ausculta cardíaca poderá evidenciar a presença de sopro em
portadores de valvopatia ou se houver complicação mecânica (insuficiência mitral e comunicação
interventricular entre outras) no infarto agudo do miocárdio (IAM). Arritmias, como a fibrilação
atrial, pode ser o fator precipitante do edema pulmonar agudo em portador de insuficiência
coronariana, ventricular esquerda ou de valvopatia, como a estenose mitral. Na ausculta pulmonar,
pode se notar a presença de estertores crepitantes e subcrepitantes ou mesmo sibilos, desde a base
até o ápice pulmonar. Os portadores de edema agudo pulmonar devido a infarto agudo poderão
apresentar dor torácica.

Os exames complementares são úteis na definição da causa do edema pulmonar. A elevação súbita
da PA sistêmica, isquemia miocárdica, interrupção de medicamentos em portador de insuficiência
cardíaca ou ainda o uso abusivo de líquidos são causa comuns de edema pulmonar. Pacientes
diabéticos, hipertensos, com insuficiência coronariana ou disfunção de ventrículo esquerdo (VE),
apresentam maior predisposição. Na sala de emergência da Unidade de Primeiro Atendimento
(UPA), solicitamos:

- Sódio, potássio, ureia, creatinina, glicemia, hemograma. Além desses: mioglobina, CK-MB,
troponina na suspeita de isquemia miocárdica. Em alguns casos, D-dímero (diagnóstico
diferencial com tromboembolismo pulmonar) e peptídeo natriurético cerebral (BNP), para
diagnóstico diferencial com doenças pulmonares (BNP < 100 pg/mL), sobretudo doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). A gasometria arterial poderá ser útil, pois, tipicamente,
mostra hipoxemia com hipocapnia, no início do edema agudo pulmonar. Havendo progressão, a
hipoxemia estará associada à hipercapnia, que também pode ocorrer em portadores de DPOC;

- Eletrocardiograma (ECG): avaliação de isquemia miocárdica, arritmias e sobrecarga ventricular


(hipertensos e em portadores de miocardiopatia);

- Raios-X de tórax: estimativa da área cardíaca, congestão pulmonar, auxílio no diagnóstico


diferencial com DPOC (principalmente se houver padrão enfisematoso).

Outros exames complementares serão direcionados para a causa mais provável:

- É desejável a realização de ecocardiograma com Doppler para a avaliação da fração de ejeção do


VE, bem como outros parâmetros como o diâmetro diastólico e sistólico do VE, alteração na
contratilidade segmentar, identificação e/ou quantificação de valvopatia (como a estenose
mitral), quantificação do grau de hipertensão pulmonar e alterações do ventrículo direito (VD);

- A coronariografia é restrita para os pacientes nos quais a causa do edema agudo pulmonar foi
IAM. Em pacientes instáveis, a entubação orotraqueal poderá ser necessária antes da realização
da coronariografia;

- Tomografia de tórax: limitada a pacientes com suspeita de afecções na aorta (como dissecção de
aorta) ou pulmonar (tromboembolismo pulmonar, DPOC, ou pneumonia). Se houver suspeita de
tromboembolismo pulmonar, um protocolo específico é realizado para identificação de áreas de
interrupção do fluxo arterial pulmonar ou de infarto pulmonar.

TRATAMENTO:
O tratamento do edema pulmonar depende da etiologia específica. Como um distúrbio de natureza
aguda e potencialmente fatal, algumas medidas devem ser implementadas imediatamente para
manter a circulação, a troca gasosa e a mecânica pulmonar. Ao mesmo tempo, é necessário corrigir
as condições que frequentemente complicam o edema pulmonar, como infecção, acidemia, anemia e
insuficiência renal aguda.

1. SUPORTE DA OXIGENAÇÃO E DA VENTILAÇÃO: Os pacientes com edema pulmonar agudo


cardiogênico geralmente têm uma causa detectável para a insuficiência ventricular esquerda aguda
-como arritmias, isquemia/infarto ou descompensação miocárdica- que pode ser tratada
rapidamente, com melhora da troca gasosa. Por outro lado, o edema não cardiogênico em geral não
regride tão prontamente e a maioria dos pacientes necessita de ventilação mecânica.

a) Oxigenoterapia: O suporte à oxigenação é fundamental para assegurar o transporte adequado


de O2 aos tecidos periféricos e ao coração. Em geral, o objetivo é uma saturação de O2 ≥ 92%,
mas as saturações muito elevadas (> 98%) podem ser prejudiciais.

b) Ventilação com pressão positiva: O edema pulmonar aumenta o trabalho respiratório e as


demandas de O2 associadas, produzindo estresse fisiológico significativo ao coração. Quando
administração de O2 suplementar não supre a oxigenação necessária, a ventilação sob pressão
positiva por máscara facial ou nasal ou por intubação endotraqueal deve ser iniciada. A
ventilação não invasiva pode descansar a musculatura respiratória, melhorar a oxigenação e a
função cardíaca e reduzir a necessidade de intubação. Nos casos refratários, a ventilação
mecânica invasiva pode reduzir de maneira mais eficaz o esforço respiratório do que a
ventilação não invasiva. A ventilação mecânica com pressão expiratória final positiva pode ter
vários efeitos benéficos nos pacientes com edema pulmonar: (1) reduz a pré-carga e a pós-
carga, melhorando, assim, a função cardíaca; (2) redistribui a água pulmonar do espaço intra-
alveolar para o compartimento extra-alveolar, onde interfere menos na troca gasosa; e (3)
aumenta o volume pulmonar para evitar atelectasias.

c) Terapia renal substitutiva: A terapia renal substitutiva deve ser considerada para os pacientes
com edema pulmonar com sobrecarga de volume refratária, acidose metabólica (pH < 7,15 a
7,25), hipoxemia e/ou hiperpotassemia persistente. Para pacientes hipotensos ou que
necessitam de suporte inotrópico, a terapia renal substitutiva contínua costuma ser mais bem
tolerada do que a hemodiálise intermitente.

2. REDUÇÃO DA PRÉ-CARGA: Na maioria dos tipos de edema pulmonar, a quantidade de líquido


nos espaços extravasculares dos pulmões é determinada conjuntamente pela POAP (pressão de
oclusão da artéria pulmonar), pela permeabilidade vascular pulmonar e pelo volume intravascular.

a) Morfina: Quando é administrada em bolus de 2 a 4 mg, a morfina é um agente venodilatador


transitório que reduz a pré- carga e, ao mesmo tempo, alivia a dispneia e a ansiedade. Esses
efeitos podem reduzir o estresse, os níveis das catecolaminas, a taquicardia e a pós-carga
ventricular dos pacientes com edema pulmonar e hipertensão sistêmica. Porém, alguns estudos
mostraram aumento da mortalidade com o uso de morfina. Cuidado com hipotensão, náuseas/
vômitos e depressão respiratória.

b) Nitratos: A nitroglicerina e o dinitrato de isossorbida atuam predominantemente como


venodilatadores, mas também têm propriedades vasodilatadoras coronarianas. Seu início de
ação é rápido e eles são administrados de forma efetiva por várias vias. A nitroglicerina
sublingual (0,4 mg em três doses a cada 5 minutos) é a primeira opção para o tratamento do
edema pulmonar cardiogênico agudo. Quando o edema pulmonar persiste e não há hipotensão,
a administração sublingual pode ser seguida da infusão intravenosa de nitroglicerina, iniciando
com uma dose de 5 a 10 μg/min. O nitroprusseto IV (0,1-5 μg/ kg por min) é um potente
vasodilatador venoso e arterial. Ele é útil para pacientes com edema pulmonar e hipertensão,
mas não é recomendado em casos de redução da perfusão arterial coronariana. Esse fármaco
exige monitoração e titulação cuidadosa da dose, usando um cateter arterial para determinação
contínua da PA. Cuidado com hipotensão excessiva, principalmente em pacientes idosos, ou com
PA sistólica inicial mais elevada, pelo risco de acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico.

c) Diuréticos: Os “diuréticos de alça” furosemida, bumetanida e torasemida são eficazes na maioria


dos casos de edema pulmonar, mesmo quando há hipoalbuminemia, hiponatremia ou
hipocloremia. A furosemida também é um venodilatador e pode reduzir rapidamente a pré-
carga antes mesmo de a diurese ocorrer, sendo o diurético de escolha desse grupo. A dose inicial
de furosemida deve ser ≤ 0,5 mg/kg, embora doses mais altas (1 mg/kg) possam ser
necessárias para pacientes com insuficiência renal, em uso crônico de diuréticos, com
hipervolemia ou que não respondam às doses mais baixas. Combinações de diuréticos e/ou a
sua infusão contínua são úteis para obter o grau desejado de diurese em pacientes selecionados.

d) Inibidores da ECA: Os IECAs reduzem a pós-carga e a pré- carga e estão recomendados aos
pacientes hipertensos. O tratamento pode ser iniciado com doses baixas de um agente de ação
curta, seguidas do aumento progressivo das doses orais. No IAM com insuficiência cardíaca, os
IECAs reduzem as taxas de mortalidade em curto e longo prazos.

e) Outros redutores da pré-carga: O peptídeo natriurético cerebral recombinante (nesiritida) IV, um


potente vasodilatador com propriedades diuréticas, é eficaz no tratamento do edema pulmonar
cardiogênico. Esse fármaco deve ser reservado aos pacientes refratários e não é recomendado
quando há isquemia ou IAM.
f) Métodos físicos: Em pacientes sem hipotensão, o retorno venoso pode ser reduzido pelo uso da
posição sentada com as pernas pendentes ao lado da cama.

g) Fármacos inotrópicos e inodilatadores: As aminas simpaticomiméticas dopamina e dobutamina


são agentes inotrópicos potentes. Os inibidores de fosfodiesterase-3 biperidínicos
(inodilatadores), como a milrinona (50 μg/kg, seguidos de 0,25-0,75 μg/kg/min), estimulam a
contratilidade miocárdica e, ao mesmo tempo, causam vasodilatação periférica e pulmonar. Os
inodilatadores podem ser úteis em pacientes selecionados com edema pulmonar cardiogênico e
disfunção grave de VE, mas há poucos dados clínicos publicados.

h) Glicosídeos digitálicos: Antes considerados a base do tratamento devido a seus efeitos


inotrópicos positivos, os glicosídeos digitálicos são raramente utilizados hoje. Entretanto, eles
podem ser úteis para controlar a frequência ventricular dos pacientes com fibrilação ou flutter
atrial com alta resposta ventricular e disfunção de VE com edema pulmonar, tendo em vista que
não produzem os efeitos inotrópicos negativos dos outros fármacos que inibem a condução do
nó atrioventricular.

i) Balão intra-aórtico: O BIA pode ser útil em raras situações de insuficiência mitral aguda por
endocardite infecciosa, mas não é geralmente usado no edema pulmonar com choque
cardiogênico.

j) Tratamento de taquiarritmias e ressincronização atrioventricular: A taquicardia sinusal e a


fibrilação atrial podem ser causadas pela elevação da pressão do átrio esquerdo e pela
estimulação simpática. A própria taquicardia também pode reduzir o tempo de enchimento do
VE e aumentar ainda mais a pressão atrial esquerda. Embora a redução da congestão pulmonar
diminua a frequência sinusal ou a resposta ventricular na fibrilação atrial, a cardioversão pode
ser necessária para uma taquiarritmia primária. Nos pacientes com função reduzida do VE sem
contração atrial ou sem sincronia da contração atrioventricular, deve-se considerar a instalação
de um marca- passo atrioventricular sequencial.

OBS- Revista Einstein.: Em casos de choque cardiogênico, o tratamento consiste, inicialmente, na


administração do “MONA” + Diurético: Morfina; Oxigênio; Nitrato; Ácido Acetilsalicílico: é
importante e utilizado em todo paciente com suspeita de isquemia miocárdica associada ou como
causa do edema agudo pulmonar. Sua administração não deverá ser retardada, pois reduz o risco de
morte em portadores de IAM; e Diurético (principalmente furosemida)

3. SITUAÇÕES ESPECIAIS:

a) Risco de choque cardiogênico iatrogênico: No tratamento do edema pulmonar, os


vasodilatadores reduzem a PA e o seu uso pode, em especial quando utilizados em combinação,
causar hipotensão, hipoperfusão arterial coronariana e choque. Em geral, os pacientes com
resposta hipertensiva ao edema pulmonar toleram esses fármacos e se beneficiam com a sua
utilização. Nos pacientes normotensos, devem ser usadas doses baixas de um único fármaco
administradas sequencialmente, de acordo com a necessidade.

b) Síndromes Coronarianas Agudas: O IAMEST complicado por edema pulmonar está associado a
taxas de mortalidade hospitalar entre 20 e 40%. Depois da estabilização imediata, o fluxo
arterial coronariano deve ser rapidamente restabelecido. A ICP primária precoce é o método de
escolha; de modo alternativo, um agente fibrinolítico deve ser administrado. A
angiocoronariografia e a revascularização coronariana precoces por ICP ou CRM também estão
indicadas aos pacientes com síndrome coronariana aguda sem elevação de ST.
c) Oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO): Para pacientes com edema pulmonar não
cardiogênico agudo grave com potencial para causa rapidamente reversível, a ECMO pode ser
considerada como medida de suporte temporário em pacientes altamente selecionados para
obter trocas gasosas adequadas com taxas atuais de sobrevida até a alta hospitalar de 50 a 60%.
Geralmente a ECMO venovenosa é usada nessas situações. A ECMO pode funcionar como uma
ponte para o transplante ou outras intervenções.

d) Tipos incomuns de edema: Algumas etiologias específicas do edema pulmonar podem exigir
tratamentos especiais. O edema pulmonar por reexpansão pode ocorrer após remoção de ar ou
líquido pleurais de longa duração. Esses pacientes podem apresentar hipotensão ou oligúria com
edema pulmonar resultante dos desvios rápidos de líquido para dentro dos pulmões. Os
diuréticos e a redução da pré-carga estão contraindicados e a reposição do volume intravascular
muitas vezes é necessária enquanto se fornece suporte à troca gasosa e à oxigenação.

O edema pulmonar das altitudes elevadas geralmente pode ser evitado pelo uso de dexametasona,
bloqueadores dos canais de cálcio ou agonistas β2-adrenérgicos inalatórios de ação prolongada. O
tratamento inclui a descida a uma altitude mais baixa, repouso no leito, oxigênio e (se possível)
inalação de óxido nítrico; o nifedipino também pode ser eficaz.

Nos casos de edema pulmonar resultante da obstrução das vias aéreas superiores, a identificação da
causa da obstrução é fundamental, porque o tratamento consiste em aliviar ou fazer um desvio da
obstrução.

Atendimento do edema agudo pulmonar de origem cardiogênico:


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