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Ficha 2

1. Classifique o desconforto torácico do doente de acordo com a classificação clínica tradicional de dor torácica.
Quais são as quatro categorias de características da dor que têm de ser identificadas?

Localização (habitualmente no tórax, retrosternal; apesar de também poder ser sentida na região epigástrica,
mandíbula, região interescapular, braços, bordo cubital do braço esquerdo, dedos da mão, ombros) → A presença de
irradiação para uma destas áreas é a favor do diagnóstico.

Caráter (sensação de pressão, aperto ou peso; algumas vezes de estrangulamento, constrição ou tipo queimadura);

Duração (geralmente alguns minutos - ≤ 10 minutos; se mais de 15-20 minutos já há necrose à EAM);

Relação com esforço (tipicamente os sintomas aparecem ou tornam-se mais severos com o esforço/emoções e
desaparecem rapidamente – 5 minutos – com a cessação destes fatores e com a administração de nitratos sublinguais).

Dado que o desconforto deste doente é do tipo aperto, retrosternal, precipitada pelo exercício físico e alivia com o
repouso, pode ser considerada uma angina típica (cumpre critérios de localização, precipitação e alívio), tornando mais
provável a existência de uma doença coronária obstrutiva. A única coisa menos compatível seria a idade do doente.

2. O primeiro passo na avaliação do doente com dor torácica de características estáveis é a avaliação da
probabilidade clínica pré-teste (PPT) de ter como causa para o seu desconforto torácico doença coronária
obstrutiva. Qual é a PPT deste doente?

A PPT designa a probabilidade de um doente ter doença coronária obstrutiva, se um teste diagnóstico for positivo. A
PPT tem em consideração o género, a idade e o tipo de sintomas do doente. O cálculo deste parâmetro permite reduzir
substancialmente a necessidade de testes não invasivos e invasivos (ex.: se a probabilidade for muito baixa, não se
realiza teste diagnóstico).

De acordo com a avaliação da probabilidade clínica pré-teste, a PPT deste doente de ter uma doença coronária
obstrutiva é de 22% (sexo masculino, 40-49 anos, angina típica).

No entanto, a presença de fatores de risco cardiovascular (dislipidemia, pré-diabetes e história familiar de doença
cardiovascular) aumenta esta probabilidade.
3. Quais as características clínicas que reforçam essa possibilidade e afastam a hipótese de angina instável?

A angina instável pode apresentar-se sob 3 formas:

• Angina durante o repouso: desconforto de natureza e localização características que ocorre em repouso e permanece
por períodos prolongados - > 20 minutos

• Angina de novo: recente – ex.: nos últimos 2 meses – e de grau moderado a severo – CCS grau II/III

• Angina em crescendo: angina prévia, que progressivamente aumenta em severidade e intensidade, e ocorre a um
baixo limiar, durante um período curto de tempo

A angina instável deverá ser abordada como um síndrome coronário agudo.

Com efeito, o doente não apresenta nenhuma das características associadas à angina instável, dado que a duração do
desconforto é de 5 minutos e alivia com o repouso, a angina é de grau I na CCS, surgiu há 6 meses (não é de novo) e não
há relato de intensificação da mesma.

4. Classifique a dor torácica de acordo com a classificação da gravidade da angina da Sociedade Cardiovascular
Canadiana (CCS).

Dado que a angina do doente apenas surge durante atividades extenuantes e rápidas ou durante atividades “normais”
prolongadas, sem limitação das atividades do dia a dia, a sua classificação, de acordo com a CCS, é grau I.

5. Que outras hipóteses diagnósticas deverão ser tomadas em consideração para este quadro de dor torácica?

Angina instável, EAM, Pleurite (pericardite confere dor pleurítica e não anginosa), Aterosclerose, Doença vasoespástica,
Doença microvascular, Miocardiopatia hipertrófica, Estenose aórtica…

6. O que devemos procurar no exame físico deste doente?

Apesar de não existirem sinais objetivos característicos da angina, no exame físico do doente, é importante avaliar:

• Sinais vitais, essencialmente frequência cardíaca (poderá modular a estratégia terapêutica a adotar)
• Pressão arterial
• Auscultação cardíaca: de forma a identificar possíveis disfunções valvulares e a procurar a presença de S3/S4
(que podem surgir no contexto de isquémia)
• Índice de Massa Corporal: importante para aferir a existência de fatores de risco cardiovascular (ex.: obesidade)
• Procurar evidência de doença vascular não coronária (pode ser assintomática) → Palpação de pulsos periféricos,
Auscultação da carótida e artérias femorais, Medição do índice tornozelo-braquial (razão entre a PAS no
tornozelo e no braço – a PAS no tornozelo deverá ser mais alta, sendo que um índice normal está entre 1 e 1,1;
se < 0,9: sinal de doença arterial periférica)
• Avaliar existência de comorbilidades: doenças da tiroide, renais ou diabetes
• Sinais de anemia
• Palpação torácica: se despertar dor, é um ponto contra o diagnóstico de doença coronária obstrutiva, sendo
mais a favor de, por exemplo, costocondrite ou afeção muscular.

7. Além do ECG em repouso, que outros exames devem ser solicitados ao doente?
• Hemograma completo
• BQ (creatinina, função renal, perfil lipídico, hormonas tiroideias se suspeita de disfunção tiroideia…)
• Glicose em jejum e HbA1c → fazer PTGO se HbA1c e glicose em jejum forem inconclusivas;
• Ecocardiografia transtorácica em repouso: dá informação acerca da estrutura e função cardíaca, permite excluir
outras causas de angina (valvulopatia…), permite identificar alterações da contratilidade segmentar sugestivas
de doença arterial coronária, avaliar a FEVE (importante para estratificar o risco) e avaliar a função diastólica
• Ecodoppler carotídeo: para deteção de placas nos doentes com suspeita de SCC sem doença aterosclerótica
conhecida (evidência IIa);

8. Interprete o ECG do doente:

Alguns artefactos (nas derivações das extremidades)

• FC ≈ 60 bpm
• Ritmo sinusal, com onda P positiva em DII e negativa em aVR. Os complexos QRS são regulares e a cada onda P sucede
um complexo QRS

• Onda P de duração (< 0,12 seg) e amplitude (< 0,25 mV) normais

• Eixo cardíaco normal

• Intervalo PR de duração normal (0,12 – 0,20 seg)

• Complexos QRS ligeiramente alargados? Progressão normal das ondas R nas derivações precordiais com ponto de
transição em V3

• Intervalo QT aumentado

• Inversão da onda T (que também é bifásica) em todas as derivações precordiais – manifesta uma alteração da
repolarização (sentido alterado em relação ao clássico), potencialmente associada a isquémia miocárdica → neste caso
Esperavamos ondas T concordantes com os complexos QRS.

• Hipertrofia ventricular esquerda ligeira → Lá por negar hipertensão, não quer dizer que não seja hipertenso! Num
homem de 47 anos, a maioria das situações de HVE é causada por hipertensão

9. Comente a seguinte afirmação: “Perante um ECG em repouso normal, podemos afastar a possibilidade de se
tratar de uma angina estável.”

A afirmação é incorreta, dado que é bastante frequente obter um ECG em repouso normal perante um contexto de
doença coronária obstrutiva (muitas vezes, existe circulação colateral que faz um bypass à lesão e inviabiliza a existência
de alterações). A realização de outro teste não invasivo (como uma prova de esforço simultânea) poderá apresentar
determinados achados compatíveis com SCC, que não seriam detetados num ECG em repouso, e está recomendada
para avaliação da tolerância ao esforço, dos sintomas e da resposta à pressão arterial.

Também podemos ter um ECG normal na presença de angina instável ou no EAM sem supradesnivelamento do
segmento ST.

10. O segundo passo na avaliação do doente com suspeita de doença coronária estável é a requisição de testes não-
invasivos para estabelecer o diagnóstico. Que teste solicitaria em primeiro lugar a este doente? Porquê?

Porque estamos com dúvidas entre SCC e HVE a realização de testes de isquémia funcionais não invasivos está
recomendada como exame inicial (assim como a angio-TC coronária) para diagnóstico de doença coronária em doentes
sintomáticos em que esta não possa ser excluída por avaliação clínica isolada. A seleção do exame de diagnóstico não
invasivo deverá basear-se na probabilidade clínica pré-teste e noutras características que influenciem o desempenho e a
viabilidade do exame (ex.: características do doente, disponibilidade do exame, experiência na realização do exame,
acessibilidade).

Como a PPT > 15%, o nosso doente beneficiaria de um teste de isquémia não invasivo: ECG com prova de esforço ou de
uma ecocardiografia com prova de esforço/sobrecarga (também existe a possibilidade de RM com prova de esforço e
PET/SPECT).

Mediante o resultado deste exame, seria possível verificar a necessidade de realização de uma angiocoronariografia
invasiva para estratificação de risco (particularmente justificada se fossem detetados eventos de alto risco no(a)
ECG/ecoCG com prova de esforço).
11. Qual é a diferença entre um teste de isquémia e um teste anatómico?

Ambos se complementam!

Teste de isquémia (teste funcional não invasivo):

• Inclui o ECG com prova de esforço, ecocardiografia de sobrecarga, ressonância magnética com prova de esforço,
SPECT e PET, ecocardiografia de contraste miocárdica e ressonância magnética cardíaca de perfusão;
• Detetam isquémia através de alterações do eletrocardiograma, anomalias da contratilidade da parede,
alterações metabólicas e alterações da perfusão;
• Estão associados a uma maior precisão na deteção de estenose coronária limitadora de fluxo quando
comparados com os testes invasivos;
• Durante o exame, a isquémia pode ser induzida pelo exercício ou por fármacos (ex.: dobutamina – inotrópico e
cronotrópico positivo; adenosina – vasodilatador coronário);
• No entanto, a aterosclerose coronária não associada a isquémia pode permanecer indetetável através de testes
funcionais.

Testes anatómicos:

• Inclui a angiografia por TC (não invasiva) e a angiocoronariografia (invasiva);


• Consiste na visualização do lúmen e parede da artéria coronária através do uso de um agente de contraste;
• A angiografia por TC possui uma alta precisão para a deteção de estenoses coronárias obstrutivas (no entanto,
estenoses de 50-90% estimadas por estes métodos não são necessariamente funcionais) e tem uma grande
capacidade para excluir suspeita de DCO (recomendada em doentes com PPT intermédia-baixa);
• Desta forma, os testes funcionais estão também recomendados para avaliar estenoses angiográficas detetadas
pela angio-TC ou angiografia invasiva, a não ser que a estenose detetada seja de alto grau (> 90% do diâmetro
do vaso).
• Os testes anatómicos não conseguem fazer uma avaliação funcional da isquémia, pelo que é importante saber
se as lesões anatómicas evidenciadas têm influência em termos funcionais.

Para decisões de revascularização, é necessário ter em conta tanto informação acerca da anatomia como da isquémia.

12. Qual o perfil ideal do doente candidato a realizar uma prova de esforço como teste diagnóstico de doença
coronária?

Doentes com sintomas de doença coronária obstrutiva que apresentem uma probabilidade clínica de doença muito
baixa, especialmente com um ECG em repouso normal e se o doente conseguir efetuar um esforço considerável.

Sendo um exame não invasivo para avaliação de isquémia, encontra-se também indicada em doentes em que a
revascularização é viável.

Um ECG com prova de esforço tem baixo valor preditivo positivo e negativo, pelo que deverá ser sempre
complementado por um exame de imagem. No entanto, está recomendado para avaliação da tolerância ao esforço, dos
sintomas, arritmias, resposta à pressão arterial e do risco de eventos, quando esta informação tiver impacto na
estratégia ou no tratamento do diagnóstico.

Avalia ainda a capacidade funcional do doente, sendo um exame de baixo custo e não expondo o doente a radiação.
É ainda usado como alternativa à imagiologia de sobrecarga ou angio-TC coronária para estratificação de risco em
doentes com suspeita de doença coronária ou com doença coronária recentemente diagnosticada. Não se recomenda a
sua realização em doentes com uma depressão do segmento ST ≥ 0,1 mV num ECG em repouso ou sob digitálicos.

Aquilo que se pretende, na prova de esforço, é que os doentes atinjam 85% da FC teórica máxima (220 – idade).

O resultado da prova de esforço não nos adianta muito e tem um interesse reduzido, atualmente… É fundamental a
realização de outros testes para esclarecer o diagnóstico (vamos ter que fazê-los de qualquer forma, pelo que acaba por
não ser muito relevante…)

13. O terceiro passo na avaliação de um doente com suspeita de doença coronária é a estratificação do risco de
eventos cardiovasculares subsequentes. Que ferramentas podemos utilizar para estratificar o risco de morte
deste doente?

O principal objetivo desta avaliação passa pela identificação de doentes com alto risco de eventos que beneficiarão com
a revascularização, para além do tratamento direcionado à melhoria dos sintomas.

A estratificação do risco deverá basear-se na avaliação clínica (idade, antecedentes pessoais e familiares de doença
cardiovascular, história de diabetes, HTA, dislipidemia, hábitos tabágicos) e no resultado do exame utilizado para
diagnóstico inicial (ECG com prova de esforço, exame imagiológico de perfusão com SPECT ou PET, ecoCG de
sobrecarga, RM, angio-TC coronária, coronariografia com ou sem exame funcional).

Nos doentes com suspeita de doença coronária ou quando esta foi recentemente diagnosticada, recomenda-se a
avaliação preferencial do risco de eventos, mediante realização de angio-TC coronária ou imagiologia de sobrecarga.
Caso estas estejam indisponíveis, o ECG com prova de esforço deverá ser efetuado, desde que o doente possa realizar
um exercício físico significativo e o ECG for passível de identificar alterações isquémicas.

Em doentes sintomáticos com um perfil clínico de alto risco, a coronariografia pode ser o método mais recomendado
para esta estratificação.

Com efeito, em função do tipo de exame utilizado, existem diferentes critérios para definir a existência de um alto risco
de eventos.

14. Quais são as intervenções nos factores de risco e no estilo de vida que devemos implementar?
15. Qual a terapêutica farmacológica a implementar? Quais dos fármacos têm impacto no prognóstico do doente?

Para controlo sintomático:

• Beta-bloqueante: garantir que tem FC que o permita) ou


• Bloqueador dos canais de cálcio
• Tendo em conta as comorbilidades do doente e a história familiar, poderemos propor já um duplo tratamento
antianginoso – BB + BCC
• Nitratos sublinguais de ação rápida ( em SOS)- contraindicado em doentes com miocardiopatia hipertrófica
obstrutiva ou no caso de estarem a tomar inibidores da fosfodiesterase (efeito sinérgico com vasodilatação e
possibilidade de instabilidade hemodinâmica)

A resposta do doente à terapêutica deverá ser avaliada 2-4 semanas após início do tratamento farmacológica.

Se o doente tiver hipertensão, começar com BB e acrescentar BCC se não estiver controlada.

Prevenção de eventos cardiovasculares:

• Estatinas: mesmo que não tenha dislipidemia, tituladas até à dose máxima tolerada → estabilizam placa
aterosclerótica; Se os objetivos não forem atingidos com a dose máxima tolerada de estatinas, deverá associar-
se a estatina ezetimibe; e se mesmo assim não se atingir os objetivos deve-se associar aos 2 um inibidor da
PCSK9;
• Dado que o doente apresenta pré-diabetes, deve-se fazer uma PTGO ou medicação da HbA1c e caso se
confirme a diabetes, começar um inibidor da SGLT2 ou análogo GLP-1 → possuem efeito cardioprotetor
• IECA (ou ARA) – caso tenha diabetes, dado que os doentes diabéticos apresentam um maior risco de eventos
cardiovasculares e de desenvolvimento de disfunção miocárdica e são também renoprotetores, minimizando as
consequências renais da diabetes.
• Antiagregante plaquetar (Aspirina) - evita a ocorrência de fenómenos trombóticos

No prognostico só têm impacto o B-bloqueante, Estatinas, IECA, Aspirina


16. O resultado do teste não invasivo que solicitou revelou um risco elevado (≥3%) de morte neste doente. Qual é o
próximo exame que deve propor ao doente?

Um teste não invasivo evidenciou um risco elevado de morte, logo deverá fazer uma coronariografia, com avaliação do
estado funcional (FFR), de forma a avaliar mais detalhadamente a anatomia cardíaca e a analisar a hipótese de
revascularização.

17. Que achados na anatomia coronária ou características clínicas o levariam a sugerir ao doente cirurgia de
revascularização coronária ou cardiologia de intervenção?

A terapêutica médica otimizada, no contexto de síndromes coronários crónicos, apresenta

enorme relevo na redução dos sintomas, evitando a progressão da aterosclerose e prevenindo

eventos trombóticos.

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