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PÓS GRADUAÇÃO EM CARDIOLOGIA PARA MÉDICOS

TRABALHO DE REPOSIÇÃO

AVALIAÇÃO DE ARRITMIAS CARDÍACAS E ESTIMULAÇÃO ARTIFICIAL

SÍNDROME DO QT CURTO (SQTC)

Aluno: Roosevelt Régis Amorim

Data: 28 de janeiro de 2016

Rio de Janeiro

2016

Roosevelt Régis Amorim – Pós graduando em Cardiologia para Médicos Página 1


SÍNDROME DO QT CURTO (SQTC)

Introdução

Uma das causas mais comuns de morte por patologia cardiovascular é a morte
súbitacardíaca. Em cerca de 5-10% dos casos, a morte é causada por
anomalias elétricas associadas aarritmias fatais em corações estruturalmente
normais (“morte elétrica”).
O intervalo QT, apesar de ser uma medida imprecisa, é um marcador
importante depatologia cardiovascular, que expressa o tempo de
despolarização e repolarização dosventrículos. É uma medida que pode ser
facilmente obtida num eletrocardiograma de rotina eque pode dar informações
importantes em situações com risco aumentado de morte súbitacardíaca.
A morte súbita cardíaca (MSC), em pacientes sem cardiopatia estrutural,
constitui grande desafio da prática clínica. Nas últimas décadas, adicionaram-
se novos conhecimentos a este tema, permitindo a identificação da causa
subjacente em muitos casos. É essencial o reconhecimento de condições e
características que predispõem à MSC e, uma vez excluídas patologias
cardiovasculares estruturalmente manifestas, doenças elétricas do coração e
causas estruturais latentes devem ser pesquisadas. Estima-se que até 10%
dos sobreviventes de MSC possuam doença elétrica do coração. Entre essas
doenças há de se destacar a Síndrome do QT curto (SQTC).

A SQTC é uma rara doença elétrica primária do coração (canalopatia), só


recentemente descrita (1999). Os pacientes apresentam tendência a fibrilação
atrial, síncope e morte súbita por taquiarritmias ventriculares. O encurtamento
do período refratário associado ao aumento da dispersão da repolarização é o
substrato para os episódios arrítmicos.

Síndrome do QT curto
A Síndrome do QT curto (SQTC) apenas recentemente foi reconhecida como
umacanalopatia hereditária associada a alterações do ritmo cardíaco e MSC
em indivíduos comcorações estruturalmente normais. Esta síndrome foi
descrita pela primeira vez em 1999, peloDr. PrebenBjerregaard (citado no
artigo de Gussaket al em que o próprio é co-autor), queidentificou uma família
americana, em que 4 membros apresentavam um intervalo QT <250ms e um
deles desenvolveu subitamente fibrilação atrial com resposta ventricularrápida.
Apesar de já existirem diversos relatos da síndrome, a quantidade de
informação eestudos sobre o tema ainda é muito reduzida.
Muitos pacientes portadores do QT curto são assintomáticos e a apresentação
clínicanos pacientes sintomáticos é muito variável. Clinicamente, os pacientes
com esta síndromepodem apresentar-se com parada cardíaca (34%),
palpitações (31%), pré-sincope, síncope(24%) ou fibrilação atrial (17%).
Apresentações com fibrilação ventricular, MSCabortada e TVP foram também
descritas em pacientes com SQTC. Esta síndrome podemanifestar-se em
qualquer fase da vida, estando relatados casos em pacientes com idadesentre

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1 mês de vida e 80 anos. Assim, esta patologia pode ser uma das causas da
síndromede morte súbita infantil.

Diagnóstico da Síndrome de QT curto


O diagnóstico de QT curto deve ser suspeitado quando o QTc é< 0,37, mas há
uma faixa de superposição de QT que inclui indivíduos aparentemente normais
e com síndrome de QT curto, o que trás dificuldade para o diagnóstico. Um
escore de pontos foi proposto para o diagnóstico da síndrome do QT curto, o
qual combina dados eletrocardiográficos (QTc, medida do ponto J ao pico da
onda T), história pessoal e familiar e genótipo.
O primeiro passo no diagnóstico do SQTC é a exclusão de causas secundárias
deredução do intervalo QT. Assim, é importante excluir situações de
hipercalcemia, hipercalemia,hipertermia, terapêutica com digoxina, acidose,
síndrome da fadiga crónica e uso de atropinaou catecolaminas, entre outros.
Ademais, poucas são as causas adquiridas de encurtamento do intervalo
QT:hipercalcemia, hiperpotassemia e ação digitálica. Enquanto potássio e
digital alteram o segmento ST e a onda T, determinando padrões
característicos, a hipercalcemia apenas encurta o segmento ST. Assim, essa
alteração eletrocardiográfica pode passar despercebida. Há também a
síndrome do QT curto congênito diagnosticada em jovens, canalopatia rara de
origem genética que predispõe a arritmias ventriculares malignas. É
interessante lembrar que todos os distúrbios eletrolíticos alteram o ECG.
Entretanto, apenas as alterações do potássio e do cálcio são características,
permitindo suspeitar de variações anormais desses íons pelo
eletrocardiograma.
A hipercalcemia encurta o intervalo QT à custa de redução do segmento ST. A
onda T fica muito próxima do QRS e o segmento ST pode estar ausente, como
se percebe no primeiro ECG da paciente. Mais raramente pode aparecer uma
deflexão no ponto J (onda J) ou elevação do segmento ST nas derivações
precordiais direitas V1 e V2. Pode-se avaliar melhor o encurtamento do
intervalo QT na hipercalcemia por outro parâmetro: o intervalo QaT, distância
entre o início do QRS e o ápice da onda T.

As causas mais comuns de hipercalcemia são hiperparatiroidismo primário e


neoplasias malignas (metástases ósseas, mieloma múltiplo). No primeiro caso,
o PTH (paratormônio) está sempre elevado e, nos casos de câncer, pode estar
normal.

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ESCORE PARA DIAGNÓSTICO DA SQTC (ESCORE DE
GOLLOB):

Tabela 1: Critérios SCTC

Critérios clínicos Pontos


QTc (ms)

< 370 1
< 350 2
< 330 3

Intervalo PJ – pico de onda T<120ms 1

História clínica

MSC 2
TV polimórfica ou FV documentadas 2
Síncope inexplicada 1
FA 1

História Familiar

1° ou 2° grau com alta probabilidade 2


1° ou 2° grau com MS e autópsia sem outras causas de óbito 1
Síndrome da MS na infância 1

Genótipo

Positivo 2
Mutação indeterminada em gene culpado 1

- Alta probabilidade SQTC: 4 pontos, probabilidade intermediária: 3 pontos, SQTS de baixa


probabilidade: 2 pontos.

- Eletrocardiograma: devem ser registadas na ausência de modificadores conhecidas para


diminuir o QT. Intervalo ponto J-pico da onda T deve ser medido na derivação precordial com a
maior amplitudede onda T.

- História clínica: eventos devem ocorrer na ausência de uma etiologia identificável, incluindo
doença cardíaca estrutural.

- Pontuação do intervalo QT: pré- requisito para o diagnóstico.

- FV: fibrilação ventricular, TV: taquicardia ventricular.

Os critérios diagnósticos propostos formalizam a definição de SQTC, levando a


um melhor reconhecimento da doença, além de eventualmente levar à
reclassificação de casos de FV considerados idiopáticos.

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TRATAMENTO DA SÍNDROME DO QT CURTO

Atualmente, não existem recomendações baseadas na evidência para o


tratamento econtrole da SQTC. Este fato deve-se provavelmente ao reduzido
número de pacientesidentificados. A implantação de CDI é o tratamento de
primeira escolha nos pacientes comSQTC. No entanto, as ondas T altas e
apiculadas características desta síndrome podem serinterpretadas pelo CDI
como um intervalo R-R curto, provocando um choque inapropriado.
Outro problema do implante de CDI é o fato de não ser viável em crianças
muito jovens, quesão um grupo de risco nesta síndrome.
Quanto ao tratamento farmacológico, a hidroquinidina quando comparada com
outrosfármacos antiarrítmicos (flecainida, sotalol e ibutilide) é o que provoca um
prolongamento dointervalo QT mais significativo. Este fármaco pode ser
considerado um tratamento de segundalinha em pacientes que recusam a
implantação de CDI ou que recebem choquesfrequentes do CDI. O tratamento
farmacológico também representa uma alternativa viável empacientes com
idades muito jovens.

Conclusão

O intervalo QT pode ser facilmente obtido num ECG de rotina e pode ser o
primeiro sinal daSQTC.
Esta síndrome é causa importante de MSC. O fato de a MSC ser muitas
vezesa primeira manifestação da doença torna importante um elevado grau de
suspeição para queseja possível fazer um diagnóstico e tratamento precoces.
É muito importante que todos osmédicos estejam alerta para este tipo de
patologias, especialmente os médicos dos cuidadosde saúde primários, que
em muitos casos são o único contato dos pacientes com o sistema desaúde.
Também o fato de conhecerem a família pode aumentar o grau de suspeita e
permitiruma referenciação precoce para um especialista.

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Referências
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