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O continente africano tinha uma história em movimento e não estava preso no tempo. Não
era um paraíso intocado pela História que, posteriormente, foi subjugado pelas ações
europeias. Essa visão desumanizante do africano negligencia as contradições existentes em
qualquer sociedade. Na verdade, o continente africano estava passando por suas próprias
transformações, incluindo a cobrança de tributos, trabalho compulsório e lutas pelo poder e
controle de riquezas ou rotas comerciais, assim como os europeus durante a formação de seus
Estados nacionais.
O desenvolvimento desigual...
De acordo com Samir Amin em 1976, o Modo de Produção é um conceito abstrato que
não implica em uma sucessão rígida entre eles, nem existe de forma "pura" em
qualquer sociedade, como afirmado pela historiografia tradicional. Amin distingue
cinco modos de produção: 1) modo de produção "comunitário primitivo" que antecede
todos os outros; 2) modo de produção tributário; 3) modo de produção escravista; 4)
modo de produção "mercantil simples"; e 5) modo de produção capitalista. No
entanto, nenhum desses modos de produção existe em sua forma ideal, pois as
sociedades históricas são formações que combinam diversos modos de produção.
De acordo com Samir Amin, todas as sociedades anteriores ao capitalismo são formações
sociais que combinam os mesmos elementos. Esses elementos incluem: 1) a dominância do
modo de produção comunitário ou tributário; 2) a existência de relações mercantis simples em
um escopo limitado; 3) a presença de relações comerciais de longa distância, que conectam
várias formações autônomas e permitem a transferência de excedentes de uma sociedade
para outra.
Uma formação social que depende principalmente do comércio de longa distância indica uma
baixa produção de excedente interno. O crescimento ou declínio dessa formação social está
diretamente relacionado às trocas comerciais, independentemente de ocorrer uma mudança
significativa na produção de seu excedente.
“a África negra apresenta uma gama variada destes modos de produção, uns relativamente
pouco hierarquizados – nomeadamente no território banto –, outros fortemente desiguais
como entre os tucolores no Vale do Senegal, os achânti do Gana, os hauçás do norte da
Nigéria, etc. Mas sempre o camponês tem acesso à terra; por pertencer a um clã, tem direito a
uma parcela do território deste. Daí, que seja impossível o processo de proletarização, isto é,
de separação do produtor de seus meios de produção. (Amin, 1976, p. 10”
Nas sociedades pré-capitalistas, é comum encontrar formações sociais que têm como modo de
produção dominante o tributário. As formações tributárias podem ser divididas em três
categorias principais: 1) formações tributárias ricas, que possuem um excedente interno
substancial, como o Egito e a China; 2) formações tributárias pobres, caracterizadas por um
pequeno excedente, como as sociedades medievais e o feudalismo; e 3) formações tributárias
comerciais, que dependem das rotas de comércio, como a Grécia Antiga, o auge do mundo
árabe e vários estados da savana africana.
Tanto as formações sociais africanas com base comunitária quanto aquelas com uma
centralidade tributário-mercantil foram profundamente afetadas pelo contato e comércio com
os europeus. No entanto, enquanto esse contato impulsionou o surgimento do capitalismo na
Europa, devido à sua relativa pobreza, na África ocorreu um bloqueio desse processo,
principalmente por falta de um dos elementos-chave para o surgimento do capitalismo: a
desestruturação das relações feudais.
descoberta da América, a África do Oeste será o principal fornecedor do metal amarelo para
toda a parte ocidental do mundo antigo (Amin, 1976, p. 35).”
Os períodos de destaque da civilização árabe no norte da África não são caracterizados por
grandes avanços agrícolas, mas sim pela prosperidade do comércio e das cidades. No entanto,
a decadência ocorrerá quando houver uma mudança nas rotas comerciais.
No entanto, o comércio mercantilista nos séculos XVI-XVIII foi além do simples "comércio
igualitário" da fase anterior, pois deu origem ao sistema capitalista e desestruturou as relações
feudais na Europa, assim como as relações tributárias e comunitárias, principalmente na
África. Isso resultou na formação do sistema capitalista a partir do mercantilismo, com uma
especialização e divisão internacional do trabalho, onde os reinos africanos foram
principalmente destinados a fornecer mão de obra escrava e alguns produtos extrativos.
Com a chegada dos europeus e o estabelecimento do comércio nas regiões costeiras, as rotas
comerciais que passavam pelos territórios do Império Songai foram enfraquecendo
progressivamente, levando ao colapso final do império.
A mudança do foco do comércio africano, da região da savana para a costa, reflete, em certa
medida, a mudança do centro de desenvolvimento europeu, do Mediterrâneo para o
Atlântico. Isso significa que as relações entre a África e a Europa passaram a estar inseridas em
um quadro mais abrangente de formação do capitalismo mercantilista, que desenvolveu de
forma desigual as diferentes formações sociais que emergiam. Conforme Amir Samin
“é evidentemente impossível saber o que se tornariam as formações africanas se tivessem
continuado a evoluir por si mesmo depois do século XVII.
Dessa forma, nos séculos XVI e XVII, novas estruturas políticas africanas foram formadas, que,
juntamente com as mais antigas, prosperaram devido ao comércio de escravos (como os
achântis e iorubás, do Daomé) e à obtenção de armas de fogo. A fragilidade desses estados
ficou evidente com o fim do tráfico de escravos, em meados do século XIX, uma vez que
temporariamente nenhum outro produto parecia substituir o comércio de escravos (Berteaux,
1974, p. 140).
Segundo Alberto da Costa e Silva, esses fortes europeus geraram mudanças nas relações de
poder. Os comandantes e feitores europeus precisavam pagar tributos aos régulos das terras
onde estavam localizados. No entanto, em outras regiões, a situação se inverteu, e os
europeus passaram a exercer um domínio predominante, cobrando impostos dos líderes
africanos locais. Além disso, as fortalezas europeias também causaram outros impactos, de
acordo com Costa e Silva.
“Muitos africanos, por exemplo, passaram nelas a trabalhar como assalariados e nelas não só
adquiriam novos ofícios ou adaptaram os que já tinham ao gosto do branco, como também
aprenderam as manhas deste. Outros aprenderam em casa, pois nasceram de uniões entre
europeus e mulheres da terra. E alguns aproveitavam esse conhecimento para se tornarem
intermediários ágeis e sagazes entre os brancos, de um lado, e os reis, chefes e batanis aças.
Não faltou quem fosse além e construísse sua própria estrutura de poder (Silva, 2002, p. 814).”
No início do comércio de escravos, uma variedade de produtos era utilizada como moeda de
troca, sendo que muitos desses produtos eram considerados "presentes" para os africanos. No
entanto, à medida que o tráfico de escravos se sistematizava, os comerciantes africanos
passaram a exigir um conjunto mais limitado de mercadorias. Além das contas, como os cauris,
que eram utilizadas como moeda, os produtos incluíam tecidos, armas de fogo, facas, pólvora,
bebidas alcoólicas, fumo, açúcar e bacias de cobre. Esses produtos eram principalmente itens
de consumo e não contribuíam significativamente para o desenvolvimento econômico
africano, que já sofria os efeitos negativos do esgotamento da mão de obra, embora houvesse
uma menor drenagem de mulheres.
Os novos estados do litoral...