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ALIMENTOS

DE ORIGEM
ANIMAL

Lina Sant Anna


Técnica dietética de carnes
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as técnicas adequadas para seleção e armazenamento de


carnes e derivados de bovinos e suínos.
 Reconhecer os diferentes tipos de cortes aplicados em carnes bovinas
e suínas.
 Diferenciar a qualidade das carnes na aplicação de diferentes tipos
de calor.

Introdução
Denomina-se carne o conjunto de tecidos, de cor e consistência caracte-
rísticas, que recobre o esqueleto dos animais. De modo geral, carne são
todas as partes dos animais tradicionalmente incluídos na dieta humana,
sejam domésticos ou selvagens.
As carnes bovina e suína são largamente utilizadas na culinária brasi-
leira, sendo que as variedades de textura, sabor e apresentação permi-
tem o desenvolvimento e a criação de muitas receitas. Muitas vezes, as
carnes ocupam o lugar de prato principal em grande parte das refeições.
Portanto, deve-se ressaltar que o consumo moderado de diferentes
tipos de carne no cardápio é compatível com uma dieta saudável para
atendimento às recomendações nutricionais.
Neste capítulo, você poderá identificar as técnicas de seleção e arma-
zenamento de carnes e derivados de bovinos e suínos. Também verá os
diferentes tipos de cortes em carnes e, por fim, conseguirá diferenciar a
qualidade das carnes por meio da aplicação de diversos tipos de calor.
2 Técnica dietética de carnes

Seleção e armazenamento de carnes e


derivados de bovinos e suínos

Seleção
A necessidade de avaliação de fornecedores antes de se adquirir carnes e
derivados é fundamental, pois é necessário que se tenha matérias-primas de
origem confiável para não colocar em risco a segurança e a integridade dos
alimentos e, consequentemente, a saúde do consumidor.
A carne pode ser adquirida resfriada a granel ou em embalagens fechadas
e também congelada e embalada.
As características da carne bovina resfriada que podem servir de guia no
momento da aquisição são a cor vermelho vivo e o odor que são característicos.
As carnes arroxeadas, acinzentadas e esverdeadas, descongeladas ou não, que
têm odor forte e desagradável, não devem ser utilizadas.
A carne de porco deve ter a cor rosada e apresentar uma certa umidade. A
gordura deve estar sempre firme e branca, evitando a gordura mole e amarela.
Os ossos podem ter um tom azulado e as extremidades de qualquer corte devem
ser vermelhas. Quanto mais brancas forem as extremidades, mais velho é o
animal e por consequência a carne não será tão macia.
No ato de compra de carnes resfriadas e congeladas já embaladas, é
necessário verificar:

 temperatura do balcão frigorífico;


 integridade da embalagem, pois não pode estar violada e o alimento
não pode estar exposto e/ou em contato com a embalagem externa. A
verificação da formação de gelo no exterior ou flocos de gelo no interior
das embalagens indica variações na temperatura que foi submetida a
carne; e
 presença do registro do serviço de inspeção: carimbo de inspeção do
órgão da agricultura.

É importante lembrar que durante a congelação se produz uma precipitação


e desidratação das proteínas que perdem o turgor e se desnaturam. Essas
mudanças se traduzem por um aumento da consistência muscular, ou seja, a
carne fica mais dura, porém, com a cocção posterior, o fenômeno é compensado
pela coagulação das proteínas. No processo de congelamento lento, a água
contida no alimento se transforma em cristais de tamanho maior que podem
prejudicar a estrutura celular do alimento.
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No congelamento rápido, diminui-se o inconveniente da destruição celular,


porém, toda carne congelada é mais vulnerável à contaminação depois do
degelo e deve ser usada logo.
Os derivados de carne, como salsichas, linguiças, presuntos e mortadela,
também devem ser selecionados com cuidado. Apesar de possuírem conser-
vantes, antioxidantes e outros aditivos que aumentam o tempo de prateleira
desses alimentos, é necessário observar as características sensoriais antes da
compra, principalmente quando os derivados de carne são fracionados.
Os derivados de carne que estão impróprios para o consumo apresentam:

 limosidade em sua superfície; aAlteração na cor e no odor;


 rancificação; e
 fosforescência.

Esses aspectos sensoriais indesejáveis estão relacionados com a tempera-


tura inadequada de armazenamento e a formação de bactérias Micrococcus
e leveduras.
As carnes salgadas, como charque ou carne de sol, conservam-se me-
lhor em uma temperatura ambiente por causa do efeito desidratador do sal,
que compromete a água necessária para os processos de deterioração (ação
microbiana, reações enzimáticas e químicas). Os cortes devem ter coloração
uniforme, odor típico e ausência de manchas ou outros defeitos
Após a aquisição de carnes e derivados, o ideal é transportá-los em em-
balagens térmicas e colocar no refrigerador ou congelador assim que chegar
ao destino para não afetar a integridade dos produtos.

Armazenamento
O controle da qualidade das carnes, desde o recebimento até o consumo
final, é fundamental para assegurar a qualidade desse alimento, portanto, a
manutenção de cadeia fria na conservação de carnes resfriadas e congeladas
garante a qualidade e a segurança dessas carnes, prevenindo perdas e prejuízos
ao longo de toda a cadeia produtiva.
Portanto, é importante que os equipamentos de refrigeração e freezers
estejam em bom estado de conservação e higiene e sejam adequados quanto
ao volume de produto armazenado. É proibido desligá-los com objetivo de
economizar energia e utilizar termômetros de haste de vidro para controlar
suas temperaturas.
Antes de armazenar as carnes embaladas, deve-se:
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 Limpar com um pano úmido suas embalagens.


 Colocar em recipientes apropriados ou envoltórios adequados, de-
pendendo do local de armazenamento ( freezer ou refrigerador), que
permitam o correto resfriamento do centro geométrico do produto.
 Retirar líquidos ou sangue junto às carnes, pois a umidade provoca a
deterioração com maior rapidez.
 Dispor os alimentos prontos para o consumo nas prateleiras superiores
e os produtos crus nas prateleiras inferiores, separados entre si e dos
demais produtos. Os pré-preparados devem ser dispostos nas pratelei-
ras do meio. O refrigerador deve estar regulado para o alimento que
necessitar a temperatura mais baixa.
 Separar as carnes cruas ou minimamente processadas, que exalem odor,
exsudem ou gotejem, e armazená-las em equipamentos diferentes dos
produtos termicamente processados.
 Lembrar que a presença de gordura faz com que o produto se oxide
mais rapidamente, portanto, as carnes de porco e as de boi com maior
quantidade de gordura possuem o prazo de validade menor.

As temperaturas de armazenamento de produtos sob congelamento e refri-


geração, suas respectivas validades após descongelamento e as mudanças de
temperatura de armazenamento ou abertura da embalagem devem obedecer
às recomendações dos fabricantes que são indicadas nos rótulos. Na ausência
dessas informações e para alimentos preparados no estabelecimento, devem
ser usadas as temperaturas e os prazos de validade apresentados nos Quadros
1 e 2 a seguir.

Quadro 1. Temperatura e validade de produtos congelados.

Temperatura recomendada Validade

5 a 0 °C Até 10 dias

10 a -6 °C Até 20 dias

11 a -18 °C Até 30 dias

-18 °C Até 90 dias

Fonte: Brasil (2013).


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Quadro 2. Temperatura e validade de produtos resfriados.

Temperatura
Temperatura recomendada Validade

Carnes pós-cozimento Até 4 °C 3 dias

Carnes cruas Até 4 °C 3 dias

Espetos mistos, bife a rolê, Até 4 °C 2 dias


carnes empanadas cruas e
preparações com carne moída

Frios e embutidos, fatiados, Até 4 °C 3 dias


picados ou moídos

Fonte: Brasil (2013).

Descongelamento
O descongelamento de carnes deve ser efetuado segundo a recomendação do
fabricante. É proibido descongelar carnes em temperatura ambiente, imerso
em água ou sob água corrente.
O descongelamento de carnes pode ser realizado de 2 maneiras:

 Descongelamento lento: deve ser efetuado sob refrigeração, em tem-


peratura inferior a 5 °C.
 Descongelamento rápido: pode ser feito em forno de microondas, em
caso de uso imediato.

Após o descongelamento, o produto deve ficar na geladeira a 4 °C, conforme


critérios de uso.
Ao descongelar, nunca se deve recongelar, a não ser que antes se proceda
a cocção adequada da carne.

Dessalga
A dessalga deve ser realizada antes da utilização de carnes que foram pro-
duzidas com sal de cura ou sal, como os charques e as carnes de sol. Para a
dessalga, as carnes devem permanecer em remolho, para se reidratar, perdendo
assim parte das substâncias solúveis. Porém, a dessalga não faz com que as
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fibras musculares alcancem a hidratação comparável a das fibras da carne


fresca, porque a solubilidade dos coloides diminui com a desnaturação das
proteínas. Para dessalgar carnes, devem ser seguidas as recomendações do
fabricante ou utilizar água potável sob refrigeração de até 5 °C.

Para dessalgar, deve-se remover o sal externo em água potável e manter os cortes em
água sob refrigeração por 48 horas, realizando trocas de água a cada 6 horas.

Cortes aplicados em carnes bovinas e suínas


A suculência da carne é um dos atributos sensoriais mais apreciados por
consumidores de carne. Essa suculência é definida pela sensação produzida
pelo toque da carne na boca e no corte dos dentes, quando se percebe que não
exige esforço excessivo e os sabores dos sucos se desprendem para revelar o
aroma, o gosto e a temperatura do alimento. As carnes devem ser, portanto,
macias, com suco, e com discreto emprego do sal para promover o sabor e os
condimentos empregados de forma que estes ressaltem as qualidades sensoriais
intrínsecas do alimento, mas sem mascará-lo.
Os determinantes da maciez dos cortes de carne são:

 Teor de tecido conjuntivo e tamanho dos feixes musculares: quanto


maior a quantidade de tecido conjuntivo e músculos, mais dura será a
carne. Animais mais velhos ou que foram criados soltos e se exercitam
mais têm a carne mais rija. As partes mais exercitadas do animal são os
músculos do pescoço, das pernas e do quarto dianteiro, que têm paredes
celulares mais espessas e tecido conjuntivo mais denso, resultando em
carne menos tenra. Também apresentam grande quantidade de extratos
que dão gosto mais acentuado à carne.
 Teor de gordura: as carnes que possuem mais gordura, principalmente
na forma de marmoreio, são geralmente mais macias, pois a gordura im-
pede que o tecido muscular se resseque durante os processos de cocção.
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 Estresse durante o abate: no momento do abate, a tranquilidade do


animal é decisiva para que haja preservação da melhor textura da carne.
 Capacidade de retenção de água: quanto mais preservada a capaci-
dade de retenção de água no músculo, melhor é será textura da carne.
A maturação, que produz cortes de carne macios e de elevado valor
comercial, recupera parte das perdas causadas pela diminuição do pH
que causa a desidratação.

A presença de gordura visível na forma de uma cobertura na carne pode ser percebida
na picanha ou no lagarto. Já no cupim, percebe-se a presença da gordura entremeada
aos feixes musculares, o que é chamado de marmoreio.

Como já mencionado anteriormente, a maturação produz cortes de carne


mais macios. Isso ocorre porque o glicogênio encontrado no músculo continua
se desdobrando e, mesmo depois de abatido, o animal continua produzindo
glicose e ácido láctico. Por não haver circulação, ambos se depositam fazendo
com que a carcaça se torne rígida: o rigor mortis. O ácido láctico, porém,
tem uma ação reversível, agindo depois sobre as proteínas e hidrolisando-as,
além de fazer com o que o músculo volte a se tornar macio, resultando no
abrandamento da carne.
A maturação deve ser feita após o período de 4 a 72 horas ao cessar o rigor
mortis, em baixas temperaturas e com baixo teor de umidade para impedir a
proliferação de bactérias.

Na maturação lenta, a carne é pendurada em câmara de ar frio e seco, ocorrendo uma


perda de peso por evaporação.
Na maturação rápida, que ocorre entre 4 e 6 horas, a carne é exposta a raios ultra-
violetas para esterilizar a superfície, impedindo a proliferação de bactérias em um
ambiente quente e úmido, o que faz com que ocorra menor perda de peso.
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Cortes de bovinos
Sendo o boi um animal grande, sua carne varia enormemente de acordo com
o corte e, consequentemente, requer diferentes métodos de preparo e cocção.
Os cortes mais duros podem se tornar macios e saborosos quando prepara-
dos com os métodos apropriados, da mesma forma, um corte macio feito de
maneira inadequada pode se tornar rijo. Na Figura 1 podem ser visualizados
os diversos tipos de cortes da carne bovina.

Figura 1. Cortes de carne bovina.


Fonte: Centro de Produções Técnicas ([201-?]).

1. Peito e peito com osso: constituído de músculos e fibras duras, a carne


do peito é considerada uma carne de segunda e precisa de muito tempo
para ser preparada.
2. Pescoço: é um dos cortes com maior teor de músculos, sendo con-
siderada uma carne de terceira. O tempo de cozimento da carne de
pescoço é demorado.
3. Cupim: está localizado na corcova dos bois zebuínos e de seus cru-
zamentos. Também é conhecido como giba ou mamilo. É uma carne
caracterizada pela gordura entremeada, que lhe confere sabor e maciez.
Seu tempo de cozimento é demorado.
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4. Acém: é o corte do lombo do boi. O acém é uma carne de segunda,


considerada dura, e relativamente magra. Também é utilizada moída
e em bifes.
5. Braço: conhecido como paleta, é um corte formado por músculos, com
muitos nervos e gordura.
6. Ossobuco: é conhecido como tutano. O ossobuco é uma substância
rosada, mole e gordurosa que se encontra dentro dos ossos largos. Antes
de consumí-lo, deve-se verificar se o tutano está rosado, sem manchas
acinzentadas, e com odor suave.
7. Capa de filé: possui textura desigual e grande quantidade de nervos.
É considerada uma carne de segunda, que demanda cozimento mais
demorado.
8. Aba de filé: é uma carne mais utilizada como carne moída, por ser
extremamente enervada.
9. Ponta de agulha: localizada nas últimas costelas do boi. É considerada
carne de terceira e pode ser consumida inteira, em pedaços ou moída.
É outro corte que demanda muito tempo de cozimento.
10. Noix: também conhecido como filé de costela, entrecote e charneira.
Pode ainda ser chamado de bife ancho (espanhol), entrecôte (francês)
ou cube roll (inglês). Esse corte, em especial, quando apresentado
com osso, é chamado de bisteca ou chuleta. É um corte de carne muito
saborosa, suculenta e macia. Tem fibras mais curtas e rijas.
11. Contra filé: é uma carne nobre, macia, de forma redonda, com a parte
interna magra e a parte externa contendo uma espessa camada de
gordura.
12. Filé mignon:.é considerada uma carne nobre, extremamente tenra,
macia e suculenta. Fica localizada ao longo do dorso do animal.
13. Picanha: é uma carne extremamente macia, saborosa e suculenta. A
melhor parte da picanha é a ponta.
14. Alcatra: possui forma alongada e fibras semelhantes às do coxão mole.
É uma carne de primeira.
15. Maminha da alcatra: é um corte macio e suculento, retirado da peça
inteira da alcatra.
16. Fraldinha: é um corte pequeno, de fibras longas, com nervos e gordura.
É a parede da carne que forra o abdome e é um corte bovino pequeno,
suculento e macio.
17. Patinho: Situado na perna traseira do boi, no limite com o coxão mole,
é macia e possui poucos nervos e gorduras.
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18. Coxão duro: é conhecido como posta vermelha ou chã de fora. O coxão
duro é um músculo grande e um pouco fibroso. O seu cozimento é lento.
19. Coxão mole: é conhecido como chã de dentro. O coxão mole é um
músculo do interior da perna, arredondado, com fibras curtas e con-
sistência macia.
20. Lagarto: é conhecido como tatu ou lagarto-branco. O lagarto é con-
siderado uma carne de primeira, que é constituída por fibras longas e
magras, em formato arredondado. Apesar de ser de primeira, é uma
carne seca, dura e pouco suculenta.

 Cortes de primeira podem ser assados, fritos, ensopados e grelhados..


 Cortes de segunda ficam mais macios se forem guisados, braseados ou ensopados.
 Para quaisquer cortes, deve-se ter sempre em mente que o porcionamento deve
ser feito no sentido contrário às fibras para torná-los mais macios.

Cortes de suínos
No Brasil, a carne de porco é encontrada em cortes tradicionais, e cada corte
tem sua utilização específica e maneira adequada de preparo. Na Figura 2
estão ilustrados os cortes de carne de porco.

Figura 2. Cortes de carne suína.


Fonte: Blog do Churrasco (2009).
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 Papada: é constituída por banha e pouca carne. Depois de derretida a


banha, aproveita-se o torresmo. Contém muito colágeno.
 Paleta: tem carne mais escura com nervos e tendões e é muito utilizada
na indústria de alimentos para a produção de embutidos.
 Lombo: situa-se na parte superior do dorso do animal, sendo conside-
rado a parte nobre do porco. O carré é o lombo com osso. Abaixo do
carré se encontra o lombinho.
 Costeletas: são da parte traseira da coluna. Muito apreciadas por serem
macias e se desmancharem ao serem assadas.
 Barriga: está situada atrás das costelas e é uma das peças mais gor-
durosas do porco e de onde se extrai a banha.
 Pernil: compreende toda a parte traseira do porco, exceto o pé. O pernil
pode ser desossado e desmembrado em músculo, alcatra, picanha, coxão
mole e coxão duro.
 Suã: é chamada de suã à mineira o suã da copa lombo. Do que sobrou
do carré, saem o filé mignon, o lombo e as bistecas.
 Joelho: conhecido como jarreta, quando defumado é chamado de eisbein
(típico da culinária alemã). É a parte acima do pé.
 Pés: são muito apreciados na feijoada, juntamente com rabo, língua,
orelha e focinho.
 Toucinho: é a gordura que envolve o dorso do porco, logo abaixo do
couro. Pode ser fresco, salgado, curado ou defumado. O toucinho e o
bacon se diferenciam pela maneira de apresentação. Toucinho é em
pedaços grandes e o bacon em fatias finas.

Pré-preparo da carne
Antes da cocção, o corte deve ser feito com seccionamento transversal das
fibras musculares para diminuir a resistência à ação mecânica da boca. Deve-se
evitar lavar carnes de qualquer espécie antes do preparo, pois isso facilita a
dissipação de bactérias contaminantes nas superfícies de trabalho próximas.
A uniformização dos cortes promoverá adequada transferência de calor e
uniformidade no acabamento da preparação.
A condimentação da carne com cloreto de sódio em baixas concentrações
promove a maciez da carne. O efeito oposto é causado pelo excesso de sal,
pois haverá desidratação e comprometimento da textura.
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O uso de cloreto de sódio deve ser na quantidade de 0,5 a 0,8% em relação ao peso
líquido da carne. Ou seja, em 1 kg de carne, deve- se adicionar de 5 a 8 g de sal. Outros
condimentos, como tomilho, alecrim e sálvia, também podem ser utilizados e são
muito apreciados.

Agentes amaciadores de carnes


Alguns procedimentos podem ser utilizados com a finalidade de amaciar a
carne. O processo de amaciamento pode ser dar por ação mecânica, enzimática,
química ou por maturação à vácuo.

 Ação mecânica: no uso doméstico, pode-se utilizar um batedor de bife


para amaciar a carne. Em cozinhas industriais ou açougues, o amacia-
mento é realizado com um equipamento denominado Tenderator, que
contém várias lâminas que seccionam as fibras da carne, tornando-a
mais macia.
 Ação enzimática: utiliza-se enzimas naturais, como a papaína do ma-
mão e a bromelina do abacaxi, ou industrializadas que promovem uma
desorganização estrutural da fibra, resultando em maior maciez e em
uma consistência gelatinosa. Deve-se tomar cuidado com a quantidade
de enzimas, pois o excesso resulta em uma carne de textura friável,
como a do fígado.
 Ação química: deixa-se a carne em vinha d’alhos (temperos, vinagre
ou vinho) por algum tempo. O pH ácido da vinha hidrolisa as proteínas,
continuando a maturação natural conferida pelo ácido láctico.
 Maturação a vácuo: a carne é embalada a vácuo em sacos plásticos
laminados, mantida em câmaras frigoríficas de baixa temperatura (cerca
de 0 °C) e pode ser conservada por até 60 dias. A embalagem protege
contra a proliferação bacteriana e conserva sua coloração vermelho
vivo sem alterar o sabor.
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Diferentes tipos de calor e qualidade das carnes


A cocção das carnes deve ser utilizada, principalmente, para a eliminação de
microrganismos patogênicos. Porém, outros objetivos são a coagulação das
proteínas e o abrandamento do tecido conjuntivo, deixando assim a carne
mais macia e com melhor textura. O cozimento também é importante para
o desenvolvimento de sabor e cor agradáveis para melhor palatabilidade. O
tempo da cocção de carnes bovinas e suínas irá depender:

 do tipo de calor – seco ou úmido;


 da temperatura de cocção;
 do tamanho e formato do corte;
 da temperatura da carne no início do processo;
 do grau de maturação – a carne maturada tem seu cozimento mais
rápido; e
 da composição da carne:
■ com gordura aparente, o tempo de cocção é menor, pois a gordura,
ao derreter, será uma boa condutora de calor;
■ com gordura intercalada o tempo é maior, pois a gordura se torna
isolante do calor fornecido ao corte, apesar disso, a carne ficará
cozida por igual, já que a penetração mais lenta do calor permite
cozimento uniforme; e
■ com osso o tempo de cocção será menor, pois os ossos são bons
condutores de calor.

Uso de calor úmido


O uso de calor úmido é indicado para cortes que têm maior teor de tecido
conjuntivo – os cortes do quarto dianteiro do boi, que são mais exigidos na
movimentação, e aqueles localizados nas patas, como o músculo bovino.
A carne submetida a esse tipo de cocção perde uma parte das proteínas
no meio da cocção, entretanto, essa perda não atinge 1%. A cocção rápida em
temperatura alta acarreta no endurecimento da carne pela retração brusca das
fibras musculares e do tecido conjuntivo. A cocção prolongada transforma o
colágeno em gelatina e desintegra o tecido conjuntivo em geral, libertando e
abrandando também as fibras musculares.
Também sob calor úmido, coagulam-se as proteínas a 60 °C, que adquirem
cor acinzentada. Parte das proteínas que estavam dissolvidas na água se co-
agula, subindo à superfície do líquido, sendo necessário retirar as partículas
14 Técnica dietética de carnes

precipitadas com escumadeira para obter uma finalização mais adequada


sensorialmente.

Uso do calor seco


Para cortes de quarto traseiro, o calor seco pode ser empregado, uma vez
que não haverá demanda para hidrólise de grande quantidade de colágeno.
Contudo, o controle da temperatura, sempre que se emprega calor seco, é
fundamental para garantir a qualidade da carne. O excesso de calor promove
a combustão da creatinina e da gordura, com produção de aminas heterocí-
clicas e de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos que dão aspecto e cheiro
de queimado à carne.
Os bifes podem ser submetidos a altas temperaturas que, produzindo uma
coagulação superficial das proteínas, formam uma crosta que impede a perda
do suco interno, especialmente do bife mal passado e da carne mal assada que
permanecem úmidos e suculentos.
As temperaturas de cocção adequadas para as carnes são:

 mal passada: 55 a 65 °C no seu interior;


 ao ponto: 65 a 70 °C no seu interior;
 bem passada: 70 a 80 °C no seu interior; e
 muito bem passada: 80 a 95 ºC no seu interior.

 Uso do calor úmido: indicado para carnes que contêm pouco colágeno, como
paleta, acém, fraldinha, peito, coxão duro ou capa de filé.
 Uso do calor seco: ideal para carnes mais macias, como alcatra, lagarto, filé mignon
e bifes de contra filé.

As vísceras também podem compor o cardápio como ingrediente proteico,


embora apresentem, em geral, menos proteínas que os músculos. Esse grupo de
alimentos tem preço menor do que outros cortes e, por essa razão, é utilizado
em cardápios de baixo custo, embora sua aceitação seja menor.
Técnica dietética de carnes 15

As vísceras de consumo mais difundidas são o fígado, o estômago, conhe-


cido como bucho, o pulmão, que é conhecido como bofe, a língua e o coração
do boi. Os rins podem ser provenientes do boi ou do porco.
Os diferentes tipos de vísceras exigem modos de pré-preparo e de cocção
adequados às suas características de composição, já que são tecidos ricos em
nutrientes e com alta atividade de água, fatores esses que contribuem para a
rápida deterioração. Algumas vísceras, como o bucho e a língua, podem ser
tratados no pré-preparo com suco de limão, o que contribui para a diminuição
do odor característico que comumente prejudica seu sabor.
As vísceras, como bucho e língua, exigem cocção úmida para o preparo.
O fígado, o rim e o cérebro, por serem mais macios, podem ser preparados
por cocção seca.
No Quadro 3 estão as preparações que podem ser realizadas com carnes
bovinas por meio do calor úmido e do calor seco.

Quadro 3. Cortes de carne bovina e suas preparações.

Corte Preparações

Pescoço Sopa, cozido

Acém Ensopado, refogado, assado de


panela, picado, bife de caldo

Peito Cozido, sopa, molho, carne recheada, carne enrolada

Braço, pá ou paleta Ensopado, molho, moído, sopa, caldo, picado, cozido

Fraldinha Ensopado, refogado, assado de


panela, espetinho, churrasco

Ponta de agulha Ensopado, sopa

Filé mignon Bife alto (medalhão, chautebriant), estrogonofe,


churrasco, escalope, medalhão

Contrafilé Rosbife, bife na chapa ou grelhado, estrogonofe,


churrasco, escalope, medalhão

Capa de filé Assado, refogado, ensopado

Alcatra Refogado, grelhado, assado, picadinho, espeto,


escalope, medalhão, estrogonofe, churrasco

(Continua)
16 Técnica dietética de carnes

(Continuação)

Quadro 3. Cortes de carne bovina e suas preparações.

Corte Preparações

Patinho Assado, bife, almôndegas, bife à rolê, cubos, moído

Coxão duro ou Cozido, moído, caldo, ensopado, bife à rolê, rosbife


chã de fora

Coxão mole ou Assado, bife à rolê, à milanesa, refogado,


chã de dentro estrogonofe, espetinho, picado, moído

Lagarto Assado, bife, rosbife, carpaccio, bife à rolê

Músculos Sopa, ensopado, moído, caldo, cozido

Picanha Assado de panela, churrasco, espeto

Cupim Churrasco, assado, bife

Vísceras Dobradinha, bifes, à milanesa,


picadinhos, acebolados, farofas

Fonte: Philippi (2003).

No Quadro 4 estão as preparações que podem ser realizadas com carnes


suínas por meio do calor úmido e do calor seco.

Quadro 4. Cortes de carne bovina e suas preparações.

Corte Preparações

Acém Refogado, frito, grelhado, picado, assado

Papada Torresmo

Paleta (braço ou pá) Assado, guisado, hambúrguer

Lombo Assado, grelhado, medalhão, escalope

Costela Frita, assada

(Continua)
Técnica dietética de carnes 17

(Continuação)

Quadro 4. Cortes de carne bovina e suas preparações.

Corte Preparações

Barriga Matéria-prima pra toucinho e bacon

Pernil Assado, diversos tipos de presunto e tender

Joelho Sopa, cozido, feijoada, eisbein (preparação alemã)

Pé Feijoada

Toucinho Torresmo

Cabeça Patê

Fonte: Philippi (2003).

1. A seleção de alimentos, c) No ato da aquisição de carnes


principalmente de carnes, é uma já embaladas, deve-se observar
etapa importante na rotina do se não há formação de gelo
nutricionista para adquirir matérias- na parte interna ou externa da
primas de origem confiável, que não embalagem, pois isso significa
coloquem em risco a segurança, que o armazenamento sofreu
a integridade dos alimentos e, variações de temperatura.
consequentemente, a saúde do d) Nos derivados de carne,
consumidor. Sobre essa etapa, como salsichas, linguiças e
assinale a alternativa CORRETA. presuntos, deve ser observada
a) Na seleção de carnes bovinas a presença de limosidade
resfriadas, deve-se observar as e fosforescência, além de
características sensoriais, como alterações na cor e no odor
as cores vermelho vivo e roxo e a presença de rancificação,
escuro e o odor característico. pois esses aspectos indicam
b) Em relação à carne suína, as que esses alimentos sofreram
características organolépticas contaminações por parasitas.
são a cor mais rosada, com certa e) Nas carnes salgadas, por
umidade, e a gordura amarelada. possuírem menor teor de
18 Técnica dietética de carnes

água, não há deterioração tão a) Os animais criados soltos ou


facilmente. No ato da compra, mais velhos possuem menor
esses alimentos devem ter teor de tecido conjuntivo.
coloração uniforme e, devido ao b) As partes mais exercitadas
uso de sal, podem apresentar do animal são o lombo e os
manchas brancas, o que indica músculos ao redor da costela.
precipitação do cloreto de sódio. c) O marmoreio é a camada de
2. A etapa de manutenção de cadeia gordura visível e externa ao corte,
fria na conservação de carnes como é o caso da picanha.
resfriadas e congeladas garante a d) Um ponto negativo do
qualidade e a segurança destas, marmoreio é que a sua presença
prevenindo perdas e prejuízos torna a carne mais dura.
ao longo de toda a cadeia e) A maturação preserva a
produtiva. Sobre essa etapa, capacidade de retenção
assinale a alternativa CORRETA. de água no músculo.
a) A legislação brasileira permite o 4. Bovinos e suínos apresentam
desligamento dos equipamentos grande variedade de corte e
de supermercados durante à requerem diferentes métodos
noite, já que é o período que de preparo e cocção. Sobre os
possui as temperaturas mais cortes desses animais, assinale a
frias e quando não há aberturas alternativa CORRETA.
das portas. Conserva-se a) Peito, pescoço e acém bovinos
melhor o frio dessa forma. são carnes consideradas de
b) As carnes devem ser colocadas segunda, pois são carnes
em recipientes apropriados, antes mais rijas devido ao alto
do processo de congelamento, teor de tecido muscular.
para permitir que isto ocorra b) O ossobuco bovino é uma carne
de forma adequada no centro mais utilizada como carne moída,
geométrico do produto. por ser extremamente enervada.
c) A temperatura dos pré- c) Os cortes bovinos de
preparados deve ser priorizada segunda ficam mais macios
quando houver a necessidade se assados ou grelhados.
de se utilizar a geladeira para d) O lombo e o pernil do
armazenar junto os alimentos porco são as partes menos
pré-preparados e os crus. valorizadas do animal.
d) O descongelamento de e) Os cortes de boi e porco sempre
carnes deve ser efetuado devem ser feitos no sentido das
somente sob refrigeração. fibras para que fiquem mais
e) A dessalga de carnes deve ser macios durante a cocção.
realizada com água quente 5. Sobre os diferentes tipos de calor no
para retirar todo o sal. preparo de carnes bovinas e suínas,
3. Assinale a alternativa CORRETA assinale a alternativa CORRETA.
sobre os fatores que determinam a) O principal objetivo da
a maciez das carnes. cocção de carnes é a
Técnica dietética de carnes 19

coagulação das proteínas e, d) O uso de calor úmido está


consequentemente, do maior indicado para cortes com maior
abrandamento do tecido. teor de tecido conjuntivo.
b) Os fatores relacionados ao e) O calor seco pode ser utilizado
tempo de cocção de carnes para cortes mais macios
são o tipo de calor e a no preparo de ensopados,
temperatura a ser utilizada. caldos e molhos.
c) A carne que mais apresentar
gordura aparente terá
maior tempo de cocção.
20 Técnica dietética de carnes

BLOG DO CHURRASCO. O mapa do suíno: cortes de carne para churrasco. 07 out. 2009.
Disponível em: <https://blogdochurrasco.wordpress.com/2009/10/07/o-mapa-do-
suino/>. Acesso em: 31 ago. 2017.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria CVS 5, de 09 de abril de 2013. Aprova o regu-
lamento técnico sobre Boas Práticas para serviços de alimentação, e o roteiro de
inspeção. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 abr. 2013.
CENTRO DE PRODUÇÕES TÉCNICAS. Cortes de carne bovina: classificações e caracte-
rísticas. [201-?]. Disponível em: <https://www.cpt.com.br/cursos-processamentode-
carne-comomontar/artigos/cortes-de-carne-bovina-classificacoes-e-caracteristicas>.
Acesso em: 31 ago. 2017.
DOMENE, S. M. A. Técnica dietética: teoria e aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2011.
ORNELAS, L. H. Técnica dietética: seleção e preparo dos alimentos. 8. ed. São Paulo:
Atheneu, 2006.
PHILIPPI, S. T. Nutrição e técnica dietética. São Paulo: Manole, 2003.
TEICHMANN, I. Tecnologia culinária. Caxias do Sul: EDUCS, 2000.
TEIXEIRA, A. B.; LUNA, N. M. M. Técnica dietética: fator de correção em alimentos de
origem animal e vegetal. Cuiabá: Studio Press Editora e Comunicação Ltda, 1996.

Leituras recomendadas
GERBER, N. The role of meat in human nutrition for the supply with nutrients, particularly
functional long-chain n-3 fatty acids. 2007. 238 p. Tese (Doutorado) – ETH Zurich,
Zurique, Suíça, 2007.
PIGHIN, D. A et al. Contribution of beef to human health: a review of the role of the
animal production systems. The Scientific World Journal, London, v. 2016, p. 1-10, 2016.
Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4771914/>. Acesso
em: 31 ago. 2017.
RIBEIRO, C. S. G.; CORÇÃO, M. The consumption of meat in Brazil: between socio-
-cultural and nutritional values. Demetra, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 425-438, 2013.
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