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INSTRUMENTAÇÃO

E AUTOMAÇÃO
INDUSTRIAL
Teoria de
propagação de erros
Eduardo Scheffer Saraiva

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Explicar a importância do uso das derivadas parciais.


>> Demonstrar o método de Kleine e McClintock na propagação de erros.
>> Descrever a propagação de erros nos instrumentos analógicos e digitais.

Introdução
A incerteza na medição é inerente ao processo de medir uma grandeza, pois, ainda
que nas mesmas condições, é possível que o operador obtenha diferentes leituras
para a mesma grandeza. Para trabalhar com essas incertezas, o profissional precisa
estar atento ao efeito que elas têm no sistema, por meio do cálculo da propagação
do erro. Para isso, é necessário relembrar os conceitos de cálculo diferencial, como
a derivada e a derivada parcial, fundamentais para o entendimento da propagação
do erro em sistemas multivariáveis.
Neste capítulo, você vai estudar o papel da derivada parcial na propagação de
incertezas de medição. Além disso, vai ver o método de Kleine e McClintock para o
cálculo da propagação do erro em sistemas multivariáveis. Por fim, vai reconhecer
a fonte dos principais erros e incertezas presentes em medições industriais.

Derivadas parciais
O cálculo diferencial está presente no cotidiano do engenheiro. É por meio
dele que entendemos e descrevemos muitos fenômenos físicos, otimizamos
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sistemas e desenvolvemos algoritmos. O seu uso se estende até mesmo para


o equacionamento de incertezas presentes em processos de medição. Para
entender como isso funciona, é necessário revisar os conceitos de cálculo, a
começar pela derivada de uma função.
A derivada de uma função pode ser definida como a taxa de variação
instantânea de uma variável em relação a outra. Essa taxa de variação está
ligada à inclinação de uma reta tangente em um determinado ponto estudado
(LARSON; EDWARDS, 2013). Para expressarmos essa taxa de variação, é comum
utilizarmos a seguinte notação, considerando uma função dada por:

(1)

A derivada dessa função em relação à variável independente x pode ser


descrita como:

(2)

Na Figura 1, observe o conceito de derivada como a linha tangente ao


ponto “a”.

f(x)

x
a

Figura 1. Conceito de derivada.


Fonte: Adaptada de petrroudny43/Shutterstock.com.
Teoria de propagação de erros 3

O posicionamento de peças em uma esteira é dado pela seguinte


expressão:

Para conhecer a velocidade da esteira, podemos utilizar a derivada da função


s(t) em relação à variável independente t. Assim, obtemos:

Essa expressão representa a velocidade das peças na esteira. Note que ainda
é possível diferenciar novamente a expressão, de modo a obter a aceleração
das peças:

Essa definição nos dá a derivada para um sistema com apenas uma variável
de entrada. No entanto, em processos industriais, muitas vezes trabalhamos
com sistemas que dependem de diversas variáveis independentes. Como
o valor da função que estamos estudando será afetado pela mudança em
uma das variáveis independentes? Por meio desse questionamento, surge
o conceito de derivada parcial, em que podemos considerar a mudança em
uma variável independente por vez (LARSON; EDWARDS, 2013).
Começamos por definir a nossa função em relação a múltiplas variáveis,
conforme a expressão a seguir:

(3)

A derivada parcial dessa função é obtida ao considerarmos uma variável


como objeto de estudo e as demais como constantes da função. Assim, a
derivada parcial para as diferentes variáveis é dada por:

(4)
4 Teoria de propagação de erros

Nesta seção, vimos a importância da derivada parcial e como realizar


seu cálculo. Os sistemas multivariáveis são comuns e estão presentes no
ambiente industrial. Assim, o uso das derivadas parciais para a determinação
da incerteza nesses processos é fundamental. A seguir, veremos como a
derivada parcial pode ser utilizada para o cálculo da incerteza.

Método de Kleine e McClintock


Em processos industriais, é comum desejar estimar o valor de uma grandeza
do processo, baseando nossa estimativa em medições de variáveis que con-
tribuem para a variação da grandeza. Como o processo de medição em si
contém incertezas, é fácil perceber que tais incertezas serão propagadas para
a grandeza que desejamos conhecer. Além disso, podemos querer entender
como a grandeza estudada é sensível à mudança em diferentes variáveis do
processo, para contribuir ao controle da grandeza de interesse.
A relação entre a variável de interesse y e a variável medida x pode ser
definida como apresentado na Equação (1). Supondo que diversas medidas
da variável x foram realizadas, podemos inferir que o valor real da variável x
está em uma faixa de valores dada pela média de x e um intervalo de incerteza
dado pelo desvio-padrão das medições realizadas (FIGLIOLA; BEASLEY, 2020).
Assim, podemos calcular o valor médio da variável como:

(5)

onde:

„„ N é o número total de medidas da variável x;


„„ i é a i-ésima grandeza de entrada do sistema;
„„ j é a j-ésima medida da grandeza xi.
Teoria de propagação de erros 5

Segundo Hogg, McKean e Craig (2005), a incerteza das medições de x pode


ser dada pelo desvio-padrão, calculado por:

(6)

onde é a variância das medições de xi.

(7)

Por fim, é o desvio-padrão das medições de xi.


Essa incerteza no valor da variável independente implica que o valor da
grandeza estudada estará em algum ponto dado por:

(8)

onde é o valor médio da saída do sistema e é a incerteza relacionada à


saída.
Com isso, percebemos que as incertezas relacionadas às medidas serão
propagadas para a variável de interesse e resultam em incerteza na estima-
tiva para y. Perceba que quanto maior o número de variáveis independentes
no processo, maior será a incerteza relacionada à medida da grandeza y.
Pensando nisso, seria necessária uma expressão que descrevesse como as
incertezas nas variáveis independentes se propagariam para a grandeza
estudada. Então, Kleine e McClintock apresentaram a seguinte expressão
para a determinação da incerteza:

(9)

Essa equação recebe o nome de lei de propagação da incerteza, ou lei da


propagação do erro. É por meio dessa expressão que podemos obter o valor
de incerteza para a grandeza de interesse.
Na Figura 2, é possível notar os efeitos que as incertezas na variável
independente causam na variável dependente. Perceba que agora não es-
tamos trabalhando com um ponto, mas sim com uma faixa de valores dada
pela incerteza. Seguindo a sensibilidade da função em relação à variável
de entrada, a incerteza na grandeza estudada pode aumentar ou diminuir.
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Figura 2. Derivada da função y em relação a x considerando as incertezas.

Para expressarmos um intervalo de valores para a grandeza y com deter-


minada probabilidade, é possível adotar o nível de confiança percentual. O
nível de confiança percentual está associado a um fator de abrangência k,
como apresentado no quadro a seguir (BARATTO, 2012).

p k

68,27% 1,000

90,00% 1,645

95,00% 1,960

95,45% 2,000

99,00% 2,576

99,73% 3,000

Ao adotar um nível de confiança para a medição, é possível descrever a


incerteza expandida para a grandeza conforme a seguinte equação:

(10)
Teoria de propagação de erros 7

Por fim, podemos descrever a faixa de valores para a grandeza y com uma
determinada probabilidade por meio da expressão:

(11)

Exemplo
Em um processo industrial, deseja-se a estimativa de uma grandeza z que
está em função das medições x e y, conforme o quadro a seguir. Sabendo
que z é dado por determine a faixa de valores para z com uma
probabilidade de 95%.

x 10,02 10,1 10,1 10,05 10,09

y 1,2 1,5 2 1,8 2

Para solucionar o problema, começamos calculando a média e as variâncias


das amostras conforme a seguinte expressão:

Agora, precisamos determinar a incerteza combinada, dada pelo método


de Kleine e McClintock:
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A seguir, calculamos a incerteza expandida, obtendo:

Obtemos a faixa de valores com probabilidade de 95%, dada por:

Nesta seção, estudamos a relação entre a derivada parcial e a propagação


de erros dada pelo método de Kleine e McClintock. Por meio dessa expressão,
avaliamos como as variáveis independentes afetam a variável dependente.
A seguir, estudaremos o que causa as incertezas e os erros de medição em
instrumentos utilizados no ambiente industrial.

Propagação de erros em instrumentação


Nas seções anteriores, nos dedicamos a entender como as incertezas e os
erros em medição podem se propagar para a variável de interesse no processo
de medição. Porém, até agora, pouco falamos sobre o que causa tais erros
e incertezas. Entender os diferentes tipos de erros e suas causas auxilia o
profissional a tomar medidas para minimizar o erro nas medições e, conse-
quentemente, diminuir a sua propagação para a grandeza estudada.
O erro é geralmente classificado como erro sistemático e erro aleatório.
Veja a seguir a definição deles, conforme Aguirre (2013) e Figliola e Beasley
(2020).

„„ Erro sistemático: é um valor de erro constante que ocorre em medições


repetidas e nas mesmas condições. Esse erro pode causar uma varia-
ção pequena ou grande no valor estimado da variável de interesse. É
comum que, ao perceber o erro sistemático, seja estimada uma faixa
de valores para esse erro. Essa faixa de valores recebe o nome de
incerteza sistemática. O maior problema quanto ao erro sistemático
é que ele é de difícil reconhecimento. Para ajudar a reconhecer o erro
sistemático no sistema, é necessário fazer comparações. São métodos
para a minimização desse erro: calibração de instrumentos, diferentes
metodologias para a mesma medição, comparação entre processos,
entre outros.
„„ Erro aleatório: muitas vezes, ao realizarmos medições repetidas e
nas mesmas condições, podemos observar algum espalhamento nos
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dados medidos. Diferentemente do erro sistemático, esse erro é de


fácil observação no conjunto de dados. Eles ocorrem em razão da
própria dinâmica do sistema, de ruídos do processo, de problemas na
calibração do instrumento, entre outros motivos.

A Figura 3 apresenta exemplos de erro aleatório e de erro sistemático. A


Figura 3a mostra um sistema que apresenta erro aleatório e sem erro siste-
mático, uma vez que os pontos estão em torno do valor real, mas com grande
espalhamento. A Figura 3b apresenta um sistema com erro aleatório e erro
sistemático, pois os valores mostram um erro constante em relação ao valor
real e com grande espalhamento. Nas Figuras 3c e 3d, vemos um sistema sem
erro aleatório, pois o valor entre os pontos está próximo entre si. A diferença
entre elas é que a Figura 3c apresenta um erro sistemático.

(a) (b)

(c) (d)

Figura 3. Exemplos de erros sistemáticos e randômicos: (a) impreciso e exato; (b) impreciso
e inexato; (c) preciso e inexato; (d) preciso e exato.
Fonte: Adaptada de extender_01/Shutterstock.com.

Segundo Figliola e Beasley (2020), é possível classificar a fonte do erro


ao separar o processo de medição em três grandes grupos: a calibração, a
aquisição dos dados e a redução dos dados. Segundo os autores, nesses
processos principais existem erros que podem ser levados para o sistema.
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Veja a seguir, no Quadro 1, os erros mais comuns que podem surgir durante
esses processos.

Quadro 1. Tipos de erros e seus exemplos

Erros de Erros na aquisição Erros na redução


Elemento calibração dos dados dos dados

1 Erro no valor de Medição das Erro na adequação


referência condições de da curva
operação do sistema

2 Erro no Sensor-transdutor Erro de


instrumento ou no (erro no truncamento
sistema instrumento)

3 Erro no processo de Condicionamento Erro de


calibração do sinal (erro no modelagem
instrumento)

4 Adequação da Saída (erro no


curva de calibração instrumento)

5 Condições de
operação do
processo

6 Efeito da instalação
dos sensores

7 Efeitos do ambiente

8 Erro de variação
espacial (conjunto
de dados)

9 Erro de variação
temporal (conjunto
de dados)

Fonte: Adaptado de Figliola e Beasley (2020).

Ainda, é possível apontar erros relacionados à leitura realizada pelo profis-


sional que está operando o instrumento. Esses erros são chamados de erros
grosseiros e podem ser causados tanto pelo descuido do operador quanto
por fenômenos intrínsecos ao processo de medição. Os erros mais comuns
relacionados à leitura dos instrumentos são o erro de interpolação e o erro
de paralaxe (SILVA NETO, 2013).
Teoria de propagação de erros 11

O erro de interpolação ocorre devido ao posicionamento do ponteiro do


instrumento em relação à escala que está sendo medida. Quando, ao realizar
uma medição, o ponteiro está entre dois valores conhecidos da escala, esse
valor não representa o valor médio entre os dois valores conhecidos, e fica
ao critério do operador o valor que será atribuído à leitura. Assim, ocorre um
erro relacionado à medida do instrumento.
Segundo Silva Neto (2013), o erro de paralaxe ocorre quando a posição do
operador e do instrumento de leitura não é a correta. Se existir um ângulo
entre a linha de visão do operador e a escala do aparelho, o erro de paralaxe
ocorrerá, e um valor errôneo será atribuído à leitura. Vale ressaltar que
aparelhos analógicos apresentam uma marcação auxiliar para evitar o erro
de paralaxe.

O uso de equipamentos digitais elimina os erros de interpolação


e paralaxe, mas eles ainda estão sujeitos a erros de escala e de
calibração. Independentemente do instrumento utilizado, o operador deve
estar atento ao tipo de incerteza e aos erros que podem estar relacionados ao
uso do equipamento, para tornar a medição mais confiável.

Neste capítulo, você viu o papel da derivada parcial para a determinação


da incerteza combinada quando o processo está em função de múltiplas
variáveis de entrada. Além disso, conheceu o método de propagação de erro
para avaliar a incerteza de forma quantitativa e determinar a probabilidade
de o valor da grandeza estar dentro de uma faixa de valores. Por fim, estudou
os erros e as incertezas que ocorrem no processo de medição.

Referências
AGUIRRE, L. A. Fundamentos de instrumentação. São Paulo: Pearson Education, 2013.
BARATTO, A. C. (coord.). Avaliação de dados de medição: guia para a expressão de
incerteza de medição – GUM 2008. Duque de Caxias, RJ: Inmetro/CICMA/Sepin, 2012.
Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/inovacao/publicacoes/gum_final.pdf. Acesso
em: 9 jun. 2021.
FIGLIOLA, R. S.; BEASLEY, D. E. Theory and design for mechanical measurements. 7. ed.
Hoboken, NJ: John Wiley & Sons, 2020.
HOGG, R. V.; MCKEAN, J. W.; CRAIG, A. T. Introduction to mathematical statistics. London:
Pearson Education, 2005.
LARSON, R.; EDWARDS, B. H. Multivariable calculus. Boston, MA: Cengage Learning, 2013.
SILVA NETO, J. C. Metrologia e controle dimensional: conceitos, normas e aplicações.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
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