Você está na página 1de 15

ACIONAMENTOS

ELÉTRICOS

Fauzi Marraui
Fundamentos de conversão
eletromecânica de energia
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Descrever o processo de conversão de energia.


„„ Identificar técnicas de projeto e otimização de dispositivos para ne-
cessidades específicas.
„„ Analisar modelos de dispositivos de conversão eletromecânica de
energia.

Introdução
Os dispositivos de conversão eletromecânica de energia convertem forças
elétricas em mecânicas e vice-versa, por meio de um campo magnético.
Esses equipamentos compõem sistemas para diferentes aplicações, po-
dendo ser microfones ou, inclusive, motores e geradores.
Neste capítulo, você aprenderá sobre os princípios do processo de
conversão de energia, quais técnicas matemáticas são utilizadas para
determinar as grandezas de energia relacionadas aos dispositivos de
conversão eletromecânica, e ainda, quais são os seus modelos.

Processo de conversão de energia


A conversão eletromecânica de energia pode ser baseada no campo elétrico ou
no campo magnético do dispositivo de conversão. Estes dispositivos podem
ser divididos em três categorias. De acordo com Umans (2014), a primeira
delas se refere aos transdutores, como os microfones, sensores e alto-falantes,
ou seja, dispositivos de medida e controle que, geralmente, atuam com sinais
baixos e sob condições lineares de entrada saída. A segunda categoria enquadra
os dispositivos que produzem força, como solenoides, relés e eletroímãs; e a
2 Fundamentos de conversão eletromecânica de energia

terceira abrange os motores e geradores, que são equipamentos de conversão


contínua de energia.
De acordo com Kosow (1982), a conversão eletromecânica de energia
relaciona as forças elétricas e magnéticas com a força mecânica aplicada à
matéria e ao movimento. Como resultado disso, a energia elétrica pode ser
convertida em energia mecânica e vice-versa, de modo que essa energia elétrica
pode ser reconvertida diversas vezes por meio dos dispositivos, até que seja
finalmente convertida à forma que realizará o trabalho útil.
As relações de força e conjugado (torque) fazem parte do processo de
conversão de energia e podem ser analisadas a partir do princípio da con-
servação de energia, que consiste na primeira lei da termodinâmica. Esta lei
estabelece que a quantidade total de energia em um sistema isolado permanece
constante, ou seja, nas palavras de Umans (2014), esta lei afirma que a energia
não é criada, nem destruída: ela apenas muda de forma, de modo que o fluxo
líquido de energia que entra em um sistema por meio de seus limites é igual
à soma das taxas de variação, no tempo, da energia armazenada no sistema.
A transferência de energia pode ser equacionada a partir do chamado método
de energia, ilustrado na Figura 1, considerando sistemas eletromecânicos cujo
campo magnético é o mecanismo predominante de armazenamento de energia.

Aumento
de energia Energia
Energia Energia
elétrica = mecânica + armazenada + convertida
no campo em calor
magnético

Figura 1. Equacionamento da transferência de energia.

Observando a Figura 1, você pode notar como a entrada de energia a partir


de fontes elétricas se transforma, resultando na soma de diferentes tipos de
energia, além da mecânica. A energia convertida em calor representa as perdas
do sistema e, para uma melhor compreensão, você pode tomar como exemplo
o ato de pregar um quadro na parede da sua casa utilizando um martelo, de
modo que após o prego entrar na parede, a energia cinética do martelo terá
se dissipado como calor. Logo, uma energia foi convertida em outro tipo de
energia neste caso.
Fundamentos de conversão eletromecânica de energia 3

No entanto, nos sistemas eletromecânicos as perdas podem representar a


potência dissipada nos enrolamentos e no núcleo do material ferromagnético,
sendo causadas devido ao atrito e à ventilação nas partes móveis. Umans (2014)
reitera que, nesses sistemas, a conversão de energia em calor dá-se por meca-
nismos, como o aquecimento ôhmico devido à circulação de corrente e o atrito
mecânico devido ao movimento dos componentes que compõem o sistema.
Em um caso ideal, para os motores e geradores, a energia elétrica se
transformaria 100% em energia mecânica e vice-versa. Contudo, isto não
corresponde à realidade. Existem perdas atreladas a essa conversão, além de
haver aumento da energia armazenada no campo magnético, no qual ocorre
a interação de fato entre os terminais elétrico e mecânico, isto é, a conversão
eletromecânica de energia.
Entretanto, segundo Umans (2014), no estudo do processo de conversão
de energia, as perdas podem ser separadas matematicamente, de forma que
o dispositivo pode ser representado por um sistema de armazenamento de
energia, sem perdas e com terminais elétricos e mecânicos. A Figura 2 ilustra
este processo.

Figura 2. Dispositivo esquemático de conversão eletromecânica


de energia baseado em campo magnético.
Fonte: Umans (2014, p. 127).

Analisar o sistema sem perdas faz parte do processo de modelagem e é


realizado apenas de forma matemática, de modo que, ainda segundo Umans
(2014), a capacidade de identificar um sistema de armazenamento de energia
magnética sem perdas é a essência do método da energia.
4 Fundamentos de conversão eletromecânica de energia

Sendo assim, para um sistema de armazenamento de energia magnética


sem perdas, o equacionamento da transferência de energia pode ser descrito
da seguinte forma,

(1)

em que:
Pelétrica = Entrada de energia elétrica;

Pmecânica = Saída de energia mecânica;

= Taxa de variação de energia magnética armazenada.

Ou seja, parte da energia é armazenada no campo e outra parte é convertida


em energia mecânica. Agora, voltando à Figura 2, você pode observar que
no terminal elétrico constam três variáveis: uma corrente i; uma tensão e; e o
fluxo concatenado λ. No terminal mecânico há duas variáveis: a força fcampo e
a posição x. Desse modo, a partir dessas variáveis é possível descrever, indivi-
dualmente, a potência elétrica e a potência mecânica referentes à Equação (1)
de transferência de energia, como demonstrada a seguir.

(2)

(3)

Em outras palavras, a entrada de potência elétrica é descrita como o produto


da tensão e da corrente, e a saída de potência mecânica, como o produto da
força e da velocidade, sendo esta caracterizada como a derivada em relação
ao tempo da posição x.
De acordo com Umans (2014), para um sistema de armazenamento de
energia magnética, geralmente o terminal elétrico é representado por um
enrolamento, como você pode observar na Figura 3.
Fundamentos de conversão eletromecânica de energia 5

Figura 3. Dispositivo simples produtor de força.


Fonte: Umans (2014, p. 127).

Ainda, segundo Umans (2014), a tensão nos terminais de um enrolamento


sem perda depende do fluxo concatenado do enrolamento, a partir da seguinte
relação.

(4)

Ou seja, a energia fornecida é armazenada no campo magnético, que


estabelece um fluxo magnético e, portanto, a tensão induzida e. Sendo assim,
fazendo as devidas substituições e multiplicando por dt, a equação que forma
o fundamento do método da energia será dada da seguinte forma.

dWcampo = idλ – fcampo dx (5)

A partir da Equação (5), pode-se obter a força como uma função do fluxo
concatenado no terminal elétrico e da posição do terminal mecânico. No en-
tanto, não se esqueça que essa relação se torna possível a partir da suposição
de que as perdas podem ser separadas em um problema físico, resultando,
conforme Umans (2014), em um sistema de armazenamento de energia, como
ilustrado na Figura 2.
6 Fundamentos de conversão eletromecânica de energia

Em resumo, esse processo de conversão de energia mostra que a energia


mecânica demandada é retirada da energia armazenada no campo magnético, e
este, por sua vez, retira a energia da fonte elétrica. Dessa forma, a conversão de
energia da forma elétrica para a mecânica e vice-versa, ocorre pela utilização
do campo magnético como agente intermediário.

Técnicas de projeto e otimização de


dispositivos para necessidades específicas
Como discutido anteriormente, a energia magnética reunida em um sistema
de armazenamento de energia magnética sem perdas pode ser obtida a partir
de uma função de estado, determinada pelas variáveis de fluxo (λ) e posição
(x). Contudo, uma manipulação matemática da Equação (5), de acordo com
Umans (2014), pode ser utilizada para a definição de uma nova função de
estado, a qual permite a obtenção da força como uma função de corrente.
Essa técnica para determinar a força e o conjugado magnético é conhecida
como coenergia (W’campo), e sua escolha como função de estado é uma questão
de conveniência, pois pode ser analiticamente mais simples, dependendo do
resultado desejado e das características do sistema analisado.
Sendo assim, em muitas situações é mais conveniente considerar como
variável a corrente ao invés do fluxo, portanto, matematicamente, tem-se a
Equação (6).

dW´campo(i, x) = d(iλ) – dWcampo(λ,x) (6)

Fazendo as devidas substituições, resulta-se em:

dW´campo(i, x) = λdi + fcampo dx (7)

A partir disso, conforme Umans (2014), a energia pode ser calculada a


partir da integral de λdi:

(8)
Fundamentos de conversão eletromecânica de energia 7

Sendo assim, a coenergia pode ser obtida a partir da Equação (8), de modo
que sua interpretação gráfica é direta, como ilustrado na Figura 4. A partir
dela, define-se a coenergia como sendo a área entre o eixo i e a curva λ – i.

Figura 4. Interpretação gráfica de energia e coenergia.


Fonte: Umans (2014, p. 143).

A partir da Figura 4, para um sistema não linear, têm-se por definição que
a soma da energia e da coenergia é dada pela Equação (9).

Wcampo + W´campo = λi (9)

Em contrapartida, se a energia Wcampo for igual a coenergia W’campo, isso


significa que o sistema é linear. Dessa forma, utilizando esta técnica de mani-
pulação matemática, a força pode ser obtida em função da variável de corrente.
8 Fundamentos de conversão eletromecânica de energia

De acordo com Umans (2014), um sistema magnético considerado linear é aquele que
despreza a não linearidade magnética e as perdas do núcleo, devido à simplicidade das
relações resultantes. Dessa forma, essa análise simplificada supõe que o fluxo e a força
magnetomotriz são diretamente proporcionais ao longo do circuito magnético, de
forma que o fluxo concatenado λ e a corrente i são tidos como linearmente relacionados.

Um dos dispositivos mais conhecidos e utilizados para a conversão de


energia é a máquina elétrica. Os motores, por exemplo, convertem a potência
elétrica que entra no dispositivo em potência mecânica na sua saída, e o inverso
é valido quando há necessidade de gerar energia, sendo realizada pelo uso de
geradores. A Figura 5 ilustra essa relação da máquina elétrica atuando como
um conversor de energia.

Sistema Máquina Sistema


elétrico elétrico mecânico

Figura 5. Máquina elétrica como um conversor de energia.


Fonte: Adaptada de Mohan (2015).

Como visto ao longo deste capítulo, a conversão de energia necessita de


um campo magnético para ocorrer e, no caso das máquinas, elétricas isso não
é diferente. Primeiramente, para que você compreenda melhor como o campo
magnético é produzido nesses dispositivos é imprescindível que você conheça
sua estrutura básica. De acordo com Mohan (2015), as máquinas elétricas são
basicamente constituídas por três partes, sendo uma parte fixa, chamada de
estator; uma parte girante, denominada rotor; e um entreferro que separa essas
duas partes, ilustrados de forma simplificada na Figura 6.
Fundamentos de conversão eletromecânica de energia 9

Estator

Entreferro

Figura 6. Corte transversal de uma máquina elétrica.


Fonte: Mohan (2015, p. 106).

Além disso, existem enrolamentos alojados no rotor e no estator da máquina,


que são conjuntos de bobinas de N espiras. Dessa forma, ainda conforme
Mohan (2015), o campo magnético é produzido por estas bobinas, formando
um fluxo de magnetização que cruza o entreferro em uma direção na qual as
linhas de fluxo magnético atravessam o centro da máquina, de forma que uma
força magnetomotriz (FMM) atua ao longo de todas as trajetórias.
Portanto, a partir da produção do campo magnético, pode-se considerar
dois princípios que governam a operação de máquinas elétricas na conversão
eletromecânica de energia. De acordo com Mohan (2015),

1. Quando um condutor que está conduzindo corrente é submetido ao


campo magnético estabelecido externamente, uma força é produzida
sobre este condutor.
2. Para um condutor que se movimenta em um campo magnético, haverá
uma força eletromotriz induzida sobre ele.

Portanto, fica evidente, mais uma vez, que o campo magnético é funda-
mental para a realização da conversão de energia, sendo que as máquinas
elétricas são dispositivos amplamente conhecidos e utilizados que se baseiam
nestes princípios para atender a necessidades específicas. Contudo, outro
tópico a ser analisado diz respeito aos modelos que as máquinas elétricas e
outros dispositivos eletromecânicos de energia podem adotar, que podem ser
de excitação única ou multiexcitados, conforme veremos a seguir.
10 Fundamentos de conversão eletromecânica de energia

Modelos de dispositivos de conversão


eletromecânica de energia
Conforme Kosow (1982), os fenômenos eletromagnéticos que relacionam as
energias elétrica e mecânica são os motivos pelos quais se processa a conversão
de energia com relativa facilidade e para a maioria das aplicações, sendo uma
reação reversível.
Como visto anteriormente, no processo de conversão de energia, o campo
magnético gerado no entreferro dos circuitos magnéticos armazena certa
quantidade de energia e é utilizado como meio para a transformação de ener-
gia elétrica em energia mecânica e vice-versa. Portanto, os dispositivos que
realizam essa conversão são sistemas de campo magnético, podendo estes ser
de excitação única ou multiexcitados.
A Figura 7 ilustra um relé eletromagnético em que, de acordo com Umans
(2014), R representa externamente a resistência da bobina de excitação; fcampo
corresponde à força produzida pelo campo magnético, dirigido do relé para o
campo magnético externo; e x corresponde ao seu deslocamento, de modo que
desconsiderando as perdas, o núcleo magnético e a armadura, constituem um
sistema de armazenamento de energia magnética. Todas as equações vistas até
aqui se aplicam a este caso, de modo que Wcampo é obtido a partir da Equação (5),
ou seja, em função das variáveis λ e x.

Figura 7. Desenho esquemático de um relé eletromagnético.


Fonte: Umans (2014, p. 129).
Fundamentos de conversão eletromecânica de energia 11

No entanto, ainda segundo Umans (2014), existem inúmeros dispositivos


eletromecânicos com terminais elétricos múltiplos, como em sistemas de
medições, nos quais é desejado obter conjugados proporcionais a dois sinais
elétricos. Da mesma forma, grande parte desses dispositivos consiste em
sistemas de campo magnético multiexcitado.
A Figura 8 ilustra um sistema simples, com dois terminais elétricos e um
mecânico, o que representa um sistema de movimento rotacional.

Figura 8. Sistema multiexcitado de armazenamento de energia magnética.


Fonte: Umans (2014, p. 147).

Observe, a partir da Figura 8, que as variáveis do terminal mecânico são o


conjugado Tcampo e o deslocamento angular, representado por θ, por se tratar de
um movimento rotacional. No caso dos sistemas de excitação única analisados
anteriormente, o sistema foi descrito em termos de duas variáveis. Neste caso,
como há três terminais, o sistema será descrito em termos de três variáveis
independentes. De acordo com Umans (2014), essas variáveis podem ser o
ângulo de deslocamento, juntamente com os fluxos concatenados de cada
terminal elétrico, ou as correntes de cada um deles.
Utilizando os fluxos concatenados λ1 e λ2, a função diferencial de energia
será dada pela Equação (10).

Wcampo(λ1, λ2, θ) = i1dλ1 + i2dλ2 – Tcampo dθ (10)


12 Fundamentos de conversão eletromecânica de energia

Você pode notar que esta equação segue o mesmo princípio da Equação (5),
porém, adicionando variáveis a mais. Da mesma forma, a coenergia para
sistemas multiexcitados pode ser obtida a partir da analogia com o sistema
de excitação única, que foi definida em termos de corrente. Sendo assim,
conforme Umans (2014), a função semelhante para coenergia para este caso
é dada da seguinte forma.

dW´campo(i1, i2, θ) = λ1di1 + λ2 di2 + Tcampo dθ (11)

Integrando essa equação, tem-se:

(12)

Essas relações podem ser aplicadas para os sistemas com mais de dois
terminais elétricos, que são tratados de maneira análoga, tanto para a deter-
minação da energia como da coenergia.
Em suma, este capítulo apresentou alguns fundamentos da conversão
eletromecânica de energia, fornecendo um embasamento de como ocorre o
processo dessa conversão, técnicas e modelos matemáticos para a determinação
das grandezas de energia que constituem o funcionamento dos dispositivos
de conversão, tanto para sistemas de excitação única como para sistemas
multiexcitados.

KOSOW, I. L. Máquinas elétricas e transformadores. 4. ed. Porto Alegre: Globo, 1982. 2 v.


667 p. (Enciclopédia Técnica Universal Globo).
MOHAN, N. Máquinas elétricas e acionamentos: curso introdutório. Rio de Janeiro: LTC,
2015. 264 p.
UMANS, S. D. Máquinas elétricas de Fitzgerald e Kingsley. 7. ed. Porto Alegre: AMGH;
Bookman, 2014. 728 p.

Você também pode gostar